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A CAPACIDADE OPERACIONAL DO SNIPER POLICIAL DO BOPE / PMSC:

ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURÍDICOS

THE OPERATIONAL CAPACITY OF THE BOPE / PMSC POLICE SNIPER:


DOCTRINAL AND LEGAL ASPECTS

Humberto Porto Mapelli1


Ronaldo Valdemiro Coelho2

RESUMO
Um tiro, uma morte. Este é o lema que a indústria cinematográfica atribui ao sniper.
Para esclarecer essa realidade cercada de lendas e mitos, esse artigo visa
apresentar a capacidade operacional do sniper policial do BOPE/PMSC, bem como
os conceitos técnicos de precisão e acurácia, e a composição do sistema de armas.
Será abordada ainda a atividade desempenhada pelo sniper militar no Brasil e no
mundo, assim como do sniper policial no cenário catarinense, sob um viés jurídico e
doutrinário. O presente artigo possui uma abordagem dedutiva e qualitativa, sendo
aplicada a vivência profissional do autor. A estratégia empregada para a elaboração
desta obra é a do tipo descritiva e exploratória, com coleta de dados por meio da
pesquisa bibliográfica e documental. Por fim, constatou-se que a atividade do sniper
policial possui diversas peculiaridades, sendo necessária uma análise acerca da
capacidade operacional do BOPE/PMSC de atender as diversas demandas no
cenário catarinense, dentro do que preconiza a doutrina institucional da corporação
e a legislação penal vigente.

Palavras-chave: Polícia Militar. Sniper policial. Tiro de precisão. Excludente de


ilicitude.

ABSTRACT
One shot one kill. This is the motto that the film industry attaches to the sniper. To
clarify this reality surrounded by legends and myths, the operational capacity of the
BOPE / PMSC police sniper will be presented, as well as the technical concepts of
precision and accuracy, and the composition of the weapons system. It will also be
approached the activity performed by the military sniper in Brazil and in the world, as
well as the police sniper in the scenario of Santa Catarina, under a legal and
doctrinal bias. The present article has a deductive and qualitative approach, being
applied the professional experience of the author. The strategy used for the
preparation of this work is descriptive and exploratory, with data collection through
bibliographical and documentary research. Finally, it was verified that the police
sniper activity has several peculiarities, and it is necessary an analysis about the
operational capacity of the BOPE / PMSC to meet the diverse demands in the

1
Capitão PM - Batalhão de Operações Policiais Especiais/CAEPM. Bacharel em Segurança Pública.
Universidade do Vale do Itajaí. “bravo446@gmail.com”.
2
Major PM - Centro de Material Bélico/DALF. Especialista em Administração em Segurança Pública
com ênfase na atividade Policial Militar. Universidade do Estado de Santa Catarina.
“rv.coelho80@gmail.com”.
scenario of Santa Catarina, within which it recommends the institutional doctrine of
the corporation and the penal legislation in force.

Key words: Military Police. Police sniper. Precision shot. Exclusion of unlawfulness.

1 INTRODUÇÃO

As Forças de Segurança Pública e Forças Armadas (FFAA) possuem em seu


quadro organizacional unidades altamente especializadas para atuar nas situações
mais graves e sensíveis, como é o caso do gerenciamento de crises e ocorrências
classificadas como de alto risco, altíssimo risco, extraordinárias e exóticas.
Neste sentido, a Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) conta com o
Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), que possui em seu quadro uma
subunidade composta exclusivamente por operadores especiais, formados em Curso
de Operações Especiais (OE), reconhecidos internacionalmente pela denominação
“Caveiras”. Nesta Companhia, denominada Comando de Operações de Busca,
Resgate e Assalto (COBRA), há subdivisões por grupo de especialidades que
desenvolvem atividades técnicas específicas como manuseio e desativação de
artefatos explosivos, negociação e tiro de precisão, sendo este último o objeto do
presente estudo.
O tiro de precisão, atividade inerente ao sniper policial do BOPE/PMSC, é
cercado por lendas e mitos oriundos principalmente da produção cinematográfica,
como é o exemplo nos casos de tiros de longa distância e consequente precisão dos
impactos. A partir deste ponto é que definimos a questão da pesquisa: qual a
capacidade operacional do sniper policial do BOPE/PMSC, segundo os aspectos
doutrinários e jurídicos para o seu emprego e atuação?
Para responder a problemática acima se delimitou como objetivo geral
conhecer a capacidade operacional do sniper policial do BOPE/PMSC e como
objetivos específicos:
a) Descrever o emprego e as atividades desempenhadas pelo sniper militar, no
Brasil e em outros países, e pelo sniper policial do BOPE/PMSC no cenário
catarinense.
b) Apresentar os aspectos doutrinários e jurídicos da atuação do sniper policial do
BOPE/PMSC.
Cabe à PMSC a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública – sua
missão constitucional – e, para isto, ela conta com capital humano de alto valor. Em
busca do autoconhecimento institucional, portanto, este estudo permitirá aos
gestores da Corporação incluir em seus planejamentos e decisões mais esta
ferramenta no enfrentamento qualificado da criminalidade, de modo eficaz e
eficiente.
A pesquisa empregou o método dedutivo com análise qualitativa por meio da
coleta de dados no campo em que o autor participou e vivencia o assunto estudado.
(CRESWELL, 2010).
Quanto aos objetivos está classificada como pesquisa descritiva e
exploratória, sendo que a coleta de dados utilizou-se de pesquisa bibliográfica e
documental.
Dando continuidade ao presente trabalho, será estabelecido o referencial
teórico com ênfase às OE, a capacidade técnica operacional do sniper e seu
emprego, além de aspectos doutrinários da PMSC e aspetos jurídicos que envolvem
sua ação.

2 OPERAÇÕES ESPECIAIS E SNIPER

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

Sniper militar, sniper policial, atirador de elite, atirador de escol, atirador


designado, atirador policial de precisão, observador avançado, caçador. Diversos
são os termos utilizados para designar o atirador especialista em tiro de precisão e
longa distância no meio policial e nas FFAA. Neste viés, daremos destaque ao termo
sniper ao longo do estudo, diferenciando o sniper militar e sniper policial.
No Brasil e no mundo encontramos a atividade especializada do tiro de
precisão e longa distância – do sniper – sendo desenvolvida em meio às unidades
de OE. Assim, inicialmente cabe entender este conceito para então situar o sniper e
sua atividade neste contexto.
O Exército Brasileiro (EB), segundo seu Manual de Campanha EB70-MC-
10.212 Operações Especiais, conceitua OE como:
[...] operações conduzidas por forças militares especialmente organizadas,
treinadas e equipadas, em ambientes hostis, negados ou politicamente
sensíveis, visando a atingir objetivos militares, políticos, psicossociais e/ou
econômicos, empregando capacitações militares específicas não
encontradas nas forças convencionais. Podem ser conduzidas de forma
singular, conjunta ou combinada, normalmente em ambiente interagências,
em qualquer parte do espectro dos conflitos. (BRASIL, 2017a).

No mesmo sentido encontramos o conceito de OE adotado pelas FFAA dos


Estados Unidos da América (EUA):

Operações especiais requerem modos exclusivos de emprego, táticas,


técnicas, procedimentos e equipamentos. Elas são frequentemente
conduzidas em ambientes hostis, negados, ou politicamente e/ou
diplomaticamente sensíveis, e são caracterizadas por um ou mais dos
seguintes fatores: sensibilidade ao tempo, natureza clandestina ou
encoberta, baixa visibilidade, trabalho com ou através de forças indígenas,
maiores exigências para orientação regional e especialização cultural, e um
maior grau de risco. (ESTADOS UNIDOS, 2014, tradução nossa).

Observa-se então que no Brasil e nos EUA as OE possuem características


comuns, destacando-se o emprego de tropas especializadas e atuação em ambiente
operacional hostil, negado e politicamente sensíveis.
Nos últimos anos os cenários de conflitos mundiais e nacional foram decisivos
para mudança e/ou atualização de conceitos de guerra e de segurança pública.
Alessandro Visacro (2018, p.25), Coronel Forças Especiais (FE) do EB, afirma
em sua obra que:

Antes de ser um fenômeno político, a guerra é um fenômeno social. A


despeito de todo protagonismo atribuído aos soldados nos campos de
batalha, são as sociedades, e não os exércitos ou seus generais, que
produzem as guerras. Essa assertiva nos permite concluir que
transformações na conduta da guerra decorrem, em primeiro lugar, de
transformações sociais. (VISACRO, 2018, p.25).

Analisando a guerra por analogia com os conflitos enfrentados na segurança


pública, podemos criar um cenário comum considerando que em ambas as
situações o ambiente operacional é composto pelas dimensões humana, física e
informacional. (BRASIL, 2017).
Tomando por referência a atuação das tropas brasileiras na Missão das
Nações Unidas para a estabilização no Haiti (MINUSTAH), a obra de Tahiane
Stochero (2010) revela a realidade enfrentada pelo DOPaz3, onde se pode notar
com clareza a atuação das OE frente a guerra irregular instaurada naquele país.

As gangues criminosas dominavam, aterrorizavam cidadãos comuns,


extorquindo dinheiro e destruindo vidas. Sequestros eram rotina – quase
cem por mês. Até as famílias jovens tinham medo de sair de casa,
especialmente com crianças. (STOCHERO, 2010, p.7).

Em um comparativo geral, vemos semelhantes os combates urbanos


ocorridos no Haiti e aquele que presenciamos diuturnamente em áreas conflagradas
no Brasil, em grande intensidade no Rio de Janeiro, onde, inclusive, no ano de 2018,
atuaram simultaneamente as forças de OE das FFAA, e de segurança pública.
Relata Schelavin (2011, p.85) em missão pela Força Nacional de Segurança
Pública (FNSP) no Rio de Janeiro:

A contenção do tráfico sustenta fogo até quando pode, normalmente com


seus membros posicionados em cima de uma laje de concreto, barricadas
por muro de concreto. Quando percebem que a polícia está muito perto e
com disparos em sua direção de atiradores de elite, abandonam armas,
munição e drogas, buscando esconderijos previamente estabelecidos. Se
estiverem localizados numa posição barricada e fazendo uso de uma arma
de grosso calibre, como o fuzil calibre .30mm, mesmo que alguém seja
ferido ou morto, outro imediatamente assume aquela posição, como
aconteceu na operação de 27 de junho de 2007, que resultou em 19 mortos
no Complexo do Alemão, muitos tentando sustentar fogo com fuzil .30, os
quais eram alvejados pelos sniper policiais.

Estas áreas conflagradas, existentes também no território catarinense, são


caracterizadas pelo ambiente urbano desorganizado, propício ao domínio de grupos
organizados denominados “facções criminosas”, e pela ausência do poder estatal.
Tais facções impõem domínio territorial e sobre a população local, tais quais
grupos terroristas e de guerrilheiros. Daí surge a necessidade de entendimento do
cenário de conflito, suas características e estratégias de retomada do território pelo
Estado.
Como mencionado, no Haiti o DOPaz realizou operações de combate às
forças irregulares, aos moldes do combate urbano brasileiro, e nele foi possível
observar a importância do emprego do sniper (caçador). É neste cenário beligerante
que o sniper policial assume seu mais novo papel.

3
Destacamento de Operações de Paz. Tropa formada pelos operadores especiais do Exército
Brasileiro na MINUSTAH.
2.1.1 Sniper militar

As FFAA da maioria das nações possuem forças de OE (SEAL4 da Marinha


dos EUA; Spetsnaz da Rússia; o britânico SAS5), sendo que delas são selecionados
operadores para atuar como sniper. Devido as suas habilidades em campo e
movimentação, o sniper é frequentemente empregado como observador avançado
para controle de artilharia, ou mesmo para realizar reconhecimento ou coletar
informações de inteligência. Às vezes atua em combate a outro atirador ou como
alternativa tática em situação de resgate de refém. (STIRLING, 2012).
O sniper militar, em uma situação de guerra, atua essencialmente em dupla,
formando o binômio sniper e observador, e tem por missão caçar o inimigo ou
proteger uma posição estática impedindo a sua progressão.
No EB, a seleção do candidato para início da formação do caçador se dá
cumprindo os seguintes requisitos:

[...] sexo masculino; antecedentes familiares sem observações negativas;


convivência familiar exemplar; ausência de alterações disciplinares;
condições mentais saudáveis; equilíbrio emocional; resistência a fadiga;
paciência; inteligência; criatividade; bom preparo físico; visão 20/20 ou que
possa ser corrigida com uso de óculos; motivação para a função; resultados
excelentes nas seções de tiro com fuzil; ausência de vícios, tais como
alcoolismo, tabagismo, toxicomania, etc. (BRASIL, 1998).

Observa-se que estes requisitos possuem relação íntima com aqueles já


exigidos para ingresso nas tropas de OE (militares e policiais).

2.1.2 Sniper policial

Seguindo os mesmos princípios na esfera policial encontramos a atividade do


sniper policial nas renomadas unidades de operações policiais especiais, como por
exemplo: as SWAT6 e o FBI7 nos EUA; o COT8 no Brasil. No contexto policial, sua

4
Sea, Air, Land.
5
Special Air Service.
6
Special Weapons and Tactics.
7
Federal Bureau of Investigation.
8
Comando de Operações Táticas, da Polícia Federal.
atuação primária é reservada aos cenários de crise, como alternativa tática do tiro de
comprometimento para resgate de refém. Secundariamente realizam a segurança
dos companheiros, missões de observador avançado e atividade de inteligência.
O papel do sniper policial contra atirador ativo ocorreu por necessidade de
resposta proporcional ao incidente ocorrido no ano de 1966, nos EUA, quando
Charles Whitman posicionou-se no alto de uma torre no campus da Universidade do
Texas e abriu fogo indiscriminadamente, matando 13 pessoas e ferindo outras 31.
Os tiros chegaram a atingir pessoas a três quarteirões de distância. O evento teve
duração superior a 90 minutos por dificuldade dos policiais em atingirem alvos
distantes e cessarem a agressão do agente. (PLASTER, 2006. p.11).
Apresentada a contextualização, diferenciando-se basicamente quanto à
vinculação funcional, onde o sniper militar é aquele pertencente às FFAA e o sniper
policial é um integrante das forças de Segurança Pública, evidencia-se cada vez
mais uma aproximação dessas atividades no cenário contemporâneo.
Passamos agora a demonstrar as capacidades em comum que estes
especialistas possuem; suas habilidades de tiro, habilidades em campo e táticas
empregadas.

3 CAPACIDADE OPERACIONAL DO SNIPER POLICIAL

3.1 CAPACIDADE TÉCNICA

Segundo Ryan M. Cleckner (2016, p. 9, tradução nossa), “geralmente um


excelente atirador com uma arma medíocre pode superar um atirador medíocre com
uma excelente arma”. Cleckner conclui que o bom desempenho é mais
frequentemente resultado da habilidade do atirador. Ao mesmo tempo o autor
assegura que um atirador especialista em precisão e longa distância é capaz de
disparar até a capacidade de desempenho do seu fuzil. Ou seja, o sistema de arma
de precisão (fuzil, luneta, munição etc.) que não tem capacidade de precisão
superior a 5 polegadas a 90 metros, enquanto preso rigorosamente em um torno,
não irá disparar com qualidade superior quando estiver sendo empunhada pelo
atirador. Esclarece ainda que o atirador é a parte menos precisa do sistema. “Um
fuzil de precisão de alta qualidade é mais preciso sem nós.” (CLECKNER, 2016, p.
9, tradução nossa).
Mas afinal, do que se trata esta precisão?
Em se tratando do atirador, a precisão é a consistência tiro após tiro. É a
capacidade de agrupar os disparos na menor dimensão possível, associado ao
sistema de armas.

Precisão [precision] é comumente expresso como tamanho do grupo


(agrupamento de tiro) pelos atiradores. É claro que se você quer acertar
alvos pequenos a longas distâncias, seu fuzil, munição, e você mesmo
como atirador precisam ser capazes de atirar dentro de pequenos
agrupamentos. (LITZ, 2012, tradução nossa).

Outro fator importante para o entendimento do atirador de precisão e do tiro


de precisão é a acurácia (exatidão). Ela consiste em reunir os disparos no exato
ponto em que o atirador deseja que eles estejam.

Uma vez que você conquista agrupamentos pequenos, tudo que você
precisa fazer é centralizar o grupamento de tiro no seu ponto de visada a
longa distância, e você terá boa chance de acertar o alvo. Centralizar o
grupamento ou tiro é um desafio de acurácia/exatidão [accuracy]. (LITZ,
2012, tradução nossa).

Para ilustrar a precisão e acurácia, traduzimos a imagem de Bryan Litz (2012):

Figura 1 - Precisão e acurácia

Fonte: LITZ, 2012. Tradução nossa.


Diz-se então, para um sistema de armas com capacidade de precisão de 3
centímetros a 100 metros (1 MOA), que ele se mantem preciso quando a 400 metros
atingir alvos de 12 centímetros (1 MOA).

Figura 2 - Precisão de 1 MOA

Fonte: Elaborado pelo Autor.

Robert Stirling (2012) nos ensina que quanto menor o grupamento de tiro que
um fuzil faz quando está preso numa posição e é disparado, mais preciso ele é. Se o
fuzil for preso rigorosamente a um torno para que não se mova e vários disparos
forem realizados, os projéteis atingirão o alvo aleatoriamente sobre uma pequena
área circular, em vez de passarem pelo mesmo buraco. Isso ocorre porque as
pequenas variações no cano e na munição vão ocasionar variação (desvio) de
direção, por menor que sejam. Armas e munições que provocam pequenos desvios
são aquelas consideradas mais precisas.
Neste sentido, para garantir padrões de qualidade, intercambialidade,
confiabilidade e segurança na fabricação de armas, munições e componentes, a
Sporting Arms and Ammunition Manufacturers Institute (SAAMI), ONG9 credenciada
da ONU10 com status consultivo, “cria e promulga padrões técnicos de desempenho
e segurança para armas de fogo, munições e componentes” (SAAMI, 2019). Desta

9
Organização Não-Governamental.
10
Organização das Nações Unidas.
forma, quando verificamos que o equipamento segue normas técnicas estabelecidas
pela SAAMI, podemos concluir seu grau de qualidade.
Analisando-se a precisão e a acurácia do sistema de armas, Stirling (2012)
faz comparação conforme suas capacidades e emprego no ambiente operacional.

Figura 3 - Comparação entre 0,5, 1 e 3 MOA de dispersão contra um tronco humano


a 800m (esquerda) e uma cabeça a 100m (direita). Tradução nossa.

Fonte: STIRLING, 2012.

Estes resultados não levam em consideração as variáveis humanas e


balísticas. Fatores como vento, gravidade, temperatura, umidade, pressão
atmosférica e efeitos secundários como spin drift e efeito coriolis, afetam a trajetória
dos projéteis aumentando o desvio. Contudo, por ora, não entraremos na questão
técnica destas variáveis. Cabe apenas mencionar que o atirador de precisão é capaz
de calcular estas variáveis e prever a trajetória do projétil e o ponto de impacto no
alvo. (LITZ, 2012).
Atualmente o BOPE/PMSC possui em seu quadro de efetivo quatro snipers
policiais, conhecedores das técnicas de tiro de precisão, e assim, capazes de efetuar
os cálculos e correções de disparos, dentre outros conhecimentos e capacidades
inerentes a esta atividade especializada. Destes, três foram formados na Polícia
Federal Argentina e um no EB.
3.2 SISTEMA DE ARMAS

O sistema está associado ao sniper e sua finalidade. Como vimos, a


capacidade de precisão necessária varia conforme a atribuição do atirador.
Existem diferentes requisitos de precisão para diferentes atividades. Um
sniper policial geralmente atua em distância curta, de até 200 metros. Um policial no
serviço convencional comumente atua em distâncias que não chegam a 100 metros
e não está preocupado necessariamente com a neutralização instantânea através de
tiro preciso que comprometa o tronco encefálico. Um atirador designado, como
veremos adiante, atua com rifle de assalto e pode incrementar sua ação para alvos
de longa distância na faixa de 500 a 800m. Já o sniper militar, no entanto, busca
atingir alvos no alcance máximo possível, pois amplia o número de alvos que ele
pode enfrentar. (STIRLING, 2012).
Em todos estes casos mencionados podemos encontrar atuação para o
sniper policial, pois a situação é quem irá determinar a necessidade. Logo,
entendemos que o sniper policial se encontra no meio destes vários cenários e
deverá estar apto para o cumprimento da sua missão. Para isso, o sistema precisa
suportar todas essas demandas. (STIRLING, 2012).
O fuzil de assalto, por exemplo, possui precisão de 3 a 6 MOA, pois esta
característica permite que ele seja leve e robusto.
O sistema empregado pelo sniper militar necessita de precisão superior, de 1
MOA ou menos, e ela deve se estender por longa distância. Deve ser robusto e
utilizar munição mais pesada, como dos calibres .338 Lapua Magnum, .50 BMG, por
exemplo. (STIRLING, 2012).
Para o sniper policial, atuando no resgate de refém, o sistema que melhor
cumpre a missão será aquele que proporciona a capacidade de precisão entre 0,25
a 1,5 MOA, em alcance curto, de modo que o fuzil seja mais leve. Para as demais
atividades do sniper policial, que veremos a seguir, as características ideais estarão
no meio termo entre este último sistema e o sistema do sniper militar, porquanto sua
missão é complexa e varia de alcances curtos e longas distâncias. (STIRLING,
2012).
Para comparação, um fuzil de competição esportiva possui capacidade de
precisão entre 0,15 e 0,3 MOA. Todavia, seu emprego se dá em ambiente
controlado, limpo e sem sujeira, e que permite manuseio cuidadoso.
Outra característica importante do sistema é o funcionamento do fuzil, que
pode ser por ação de ferrolho (ação manual) ou semi-automático (ação dos gases).
Esta distinção interfere na capacidade operativa do sniper, tendo em vista que por
ação de ferrolho os disparos são realizados um a um, exigindo do operador rapidez
e eficiência para carregamento, tornando a cadência de disparos mais lenta em
relação ao funcionamento semi-automático, que apresenta ciclo de disparo e
carregamento simultâneos, possibilitando engajamento de mais alvos (ou o mesmo
alvo mais de uma vez) em tempos reduzidos.

3.3 EMPREGO E ATIVIDADES DO SNIPER

Dada sua formação em OE e habilidades de sniper, este policial pode ser


empregado em variadas condições no cenário da segurança pública.

3.3.1 Alternativa tática no gerenciamento de crise - tiro de comprometimento

É o emprego no cenário de crise policial, onde por meio do disparo certeiro no


tronco encefálico o agente que ameaça a vida de terceiros (vítima/refém) é
neutralizado sem o risco de espasmos musculares, e por consequência, não age
sobre o gatilho de uma arma de fogo ou desfere golpe de faca após alvejado, por
exemplo. O disparo resulta na incapacitação imediata – morte instantânea.
Segundo Lucca (apud SENASP, 2017), o tiro de comprometimento constitui
“alternativa tática de fundamental importância para resolução de crises envolvendo
reféns localizados”. Assegura o oficial da PMESP que “a decisão de um gerente de
crises em fazer o uso de tal alternativa tática é de grande responsabilidade e deve
ser efetuada, quando todas as outras forem inadequadas e quando o cenário para
tal fato seja favorável”. (SENASP, 2017).
Além do tiro de comprometimento, o sniper policial posicionado no cenário da
crise possui ampla visão do teatro de operações e do ponto crítico onde está
localizado o causador do evento crítico (CEC) e a vítima ou refém. Esta posição de
vantagem permite que ele repasse informações ao gerente da crise que subsidiam
as ações dos negociadores e grupo de inteligência, visando o bom andamento da
ocorrência. (SENASP, 2017).
A escolha do policial, seu treinamento e a oferta de equipamento
necessário, devem ser regidos por critérios altamente técnicos e
profissionais. Todos esses requisitos terão como fim salvar pessoas que se
encontrem em situações aflitivas, com suas vidas em jogo. As autoridades
devem investir em tecnologia de ponta nesse segmento das forças policiais,
para que desempenhem, com habilidade e eficiência, sua árdua tarefa.
Afinal, qual é o preço de uma vida? (LUCCA apud SENASP, 2017).

Figura 4 - Sniper policial do BOPE/PMSC posicionado em ocorrências de crise com


refém - São Francisco do Sul, 11 mai. 2018 (esquerda) e Florianópolis, 05 mar. 2018
(direita)

Fonte: Arquivo do Autor.

3.3.2 Observador - sensor de inteligência

Como mencionado no item anterior, até mesmo durante o posicionamento no


gerenciamento de crises o sniper atua como observador e importante sensor de
inteligência.
Uma das missões do sniper, posicionado para efetuar disparo ou não, é o
coletar e reportar informações sobre o teatro de operações ou ambiente operacional.
(ESTADOS UNIDOS, 2017).
A história americana nos conta que ao longo dos anos as batalhas foram
conquistadas com base na identificação e descrições precisas dos inimigos, suas
localizações, equipamentos. Como o sniper pode realizar a coleta de informações e
relatar à inteligência, o comandante tem a vantagem de optar pela ação antes que
seja necessária a reação a algum evento.
Além da própria luneta do fuzil, que possui magnificação importante para
visualização à distância, o sniper pode ainda conduzir equipamentos específicos
para observação como lunetas de observação, câmeras fotográficas e filmadoras,
binóculos, óculos de visão noturna, ampliando não só a capacidade de observar
como sua capacidade de engajar alvos (ESTADOS UNIDOS, 2017).
Uma das habilidades inerentes às forças de OE é a atuação na retaguarda do
inimigo, em áreas hostis, negadas ou politicamente sensíveis. Neste viés, elas
podem contribuir com a sua própria unidade, serviço de inteligência e comando de
operação por seu esforço de busca e de monitoramento de área de interesse de
valor estratégico (BRASIL, 2017a).

Figura 5 - Relação entre o Sistema de Inteligência e as Forças de OE

Fonte: Brasil (2017a). Adaptação nossa.

Figura 6 - Sniper policial do BOPE/PMSC posicionado prédio da SSP, com vigilância


sobre a comunidade Caixa-Continente - Florianópolis, 08 ago. 2017
Fonte: Arquivo do Autor.

3.3.3 Segurança de dignitários

Na mesma contextualização apresentada no item anterior, o emprego do


sniper na segurança de dignitários é realizado com a dupla missão: de promover a
segurança (tiro de oportunidade) e a observação/sensor de inteligência no ambiente
operacional em que ocorre o evento e a presença de dignitários (autoridade ou VIP).
Em casos práticos recentes, o EB, a Polícia Federal (PF) e a Polícia Civil do
Distrito Federal (PCDF), através das suas unidades de OE, empregaram seus
snipers em Brasília, no ato de posse do presidente eleito Jair Messias Bolsonaro, no
dia 01 de janeiro de 2019, com a dupla missão: observação/inteligência e segurança
de autoridades.

Figura 7 - Caçadores do EB (esquerda e centro) e sniper policial da PCDF (direita) -


Brasília, 1º jan. 2019

Fonte: Arquivo do Autor.


Figura 8 - Sniper policial da PF posicionado no alto do prédio - Brasília, 1º jan. 2019

Fonte: Arquivo do Autor.

Também como forma de ilustrar a natureza da atividade realizada pelos


snipers naquele evento, seguem as palavras ditas pelo General Sérgio Westphalen
Etchegoyen11 ao G1 (2018): “Não vou falar sobre os snipers, sobre as técnicas,
sobre os procedimentos da segurança. O que eu posso [falar], repito, a segurança
será absoluta para o presidente, o vice-presidente, autoridades e principalmente
para o povo que estiver aqui”.
Em Florianópolis/SC, em 27 de novembro de 2013, o BOPE realizou proteção
da então presidente Dilma Vana Rousseff, quando da sua visita ao município de
Florianópolis para cerimônia de assinatura do Fundo de Apoio aos Municípios
(FUNDAM).

Figura 9 - Croqui (esquerda) e visão da posição do sniper (direita) - Florianópolis, 26


nov. 2013

11
Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência do Brasil no governo do
presidente Michel Temer.
Fonte: Plano de Emprego Operacional nº 01/2013-GAPP/COBRA.

3.3.4 Segurança da patrulha

Atuando isoladamente, separado da patrulha, o sniper ou grupo de sniper


pode se posicionar antecipadamente no terreno com objetivo de garantir a
observação sobre o teatro de operações e ambiente operacional, ao passo em que
promove a segurança da patrulha que atuará na região, bem como simultaneamente
contribui com o repasse de informação de inteligência.
A missão pode estar integrada a operação planejada ou ser desencadeada
em patrulha ordinária, dentro da rotina de atividades da tropa de OE.
É possível também atuar de forma integrada à patrulha como atirador
designado. Este atirador, numa patrulha convencional, atua equipado com fuzil de
alcance e precisão significativamente maiores do que de seus companheiros. Ele
pode utilizar o mesmo fuzil de assalto do padrão empregado pela equipe, porém
equipado com luneta ou optrônicos que permitam disparos efetivos a distâncias de
500 a 800 metros. Em um sistema de armas mais apropriado, pode operar um fuzil
semi-automático com munições mais pesadas e de longo alcance. Sua tarefa é atuar
dentro da patrulha e envolver ameaças que estejam posicionadas além da
capacidade de alcance dos fuzis dos seus companheiros.
No caso do sniper, que possui vantagens na composição do seu sistema de
armas, é fundamental que o fuzil de precisão seja de funcionamento semi-
automático em virtude das características desta missão.
Chris Kyle (2015), renomado sniper dos SEALs, relata em sua autobiografia
algumas missões realizadas no Iraque, em meio ao combate urbano. Em uma
destas missões sua equipe infiltrou-se em um prédio e estabeleceram-se,
permanecendo de vigília para dar segurança à tropa de fuzileiros que passaria
naquela localidade (KYLE, 2015. p.13).
Esta dinâmica de atuação foi igualmente incorporada às tropas das FFAA
brasileiras, com experiência prática vivenciada na MINUSTAH.

Um atirador de elite brasileiro, previamente posicionado sobre a laje de uma


casa localizada em frente à favela, avista um haitiano que se prepara para
disparar. Antecipando-se, acerta-o primeiro. Desde a criação da Minustah,
em todas as operações, o Exército posiciona os atiradores de elite –
chamados “caçadores” – nos locais mais altos. Com uma visão privilegiada,
eles podem advertir os companheiros que se encontram no chão ou eliminar
inimigos. A tática já salvou a vida de muitos soldados no Haiti e nenhum
comandante dá-se ao luxo de abrir mão dela (STOCHERO, 2010. p.28).

Figura 10 - Armas de longo alcance apreendidas em posse de criminosos na Grande


Florianópolis

Fonte: Arquivo do Autor.

Figura 11 - Agente armado em área conflagrada de Florianópolis/SC, em data


incerta, preso após ser alvejado por sniper policial do BOPE/PMSC durante
confronto armado com uma equipe do COBRA, em 18 jun. 2018
Fonte: Arquivo do Autor.

4 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS - PMSC

O BOPE, unidade de OE da PMSC, tem seu emprego definido pela Diretriz de


Procedimento Permanente N.º 042/2014/CMDOG. No referido documento são
estabelecidos conceitos doutrinários, dentre os quais encontramos “Operações
Policiais Especiais”. É neste conceito que temos a definição de exclusividade de
atuação do BOPE com as alternativas táticas em gerenciamento de crises com
refém localizado, cabendo ao batalhão, inclusive, o tiro de comprometimento.

O BOPE constitui-se em Tropa de Pronto Emprego do Comando Geral, com


todo organograma à disposição, para emprego em todo o território
catarinense, devendo estar em permanente condição de adestramento para
atuar preventiva e/ou repressivamente, isolada ou em conjunto com outras
forças em locais onde ocorra ou haja incidência de ocorrência cuja natureza
justifique o aprestamento e envio de tropa para os locais afetados. (PMSC,
2014).

Na Diretriz mencionada não mais se encontra regulamentação que faça


relação com a atividade de sniper policial. Vale ressaltar ainda que em todo o
documento não consta qualquer termo para designar o atirador especializado.
Já na Diretriz de Procedimento Permanente N.º 035/2017/CMDOG, que
regula o porte e emprego de armas de fogo e munições no âmbito institucional,
temos a definição de “atirador de elite” como sendo o “operador de fuzil de precisão,
profissional integrante de um Grupo Tático que se compromete a efetuar o tiro de
neutralização” (PMSC, 2017). Na sequência conceitua-se “fuzil sniper” como “fuzil de
precisão, arma operada pelo atirador de elite” (PMSC, 2017).
Mais adiante o documento estabelece níveis de emprego de armamento
conforme a graduação adequada do emprego legítimo da força, por níveis,
estabelecendo no nível “IV” a relação de armas de dotação do BOPE, onde se vê
presente o fuzil sniper. Mesmo este fuzil estando presente apenas na dotação do
BOPE, na sequencia a referida Diretriz assegura que a “arma de fogo Fuzil (para
atirador de comprometimento), prevista para o Nível IV, somente poderá ser utilizada
pelo BOPE, ficando a cargo desta OPM a devida regulamentação quanto ao seu
emprego” (PMSC, 2017).
No Ato da Polícia Militar N.º 1223/2018, que reconhece a constituição do
COBRA e do Grupo Antibombas do BOPE/PMSC, o artigo 2º reforça os termos da
Diretriz de Procedimento Permanente N.º 042/2014/CMDOG no tocante à
exclusividade das alternativas táticas em ocorrência de crise. O parágrafo 1º do
referido artigo acrescenta que o BOPE “manterá protocolos técnicos atualizados
especificando todas as ações decorrentes do caput” (PMSC, 2018) do artigo, ou
seja, relativas às competências exclusivas do COBRA.

5 ASPECTOS JURÍDICOS

Do ponto de vista legal, o estudo delimitou a atuação do sniper policial


unicamente na questão de intervenção letal, resgatando as normativas aos quais
está sujeito.
Inicialmente vale destacar que a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 garante, em seu artigo 5º, o direito à vida.
Aqui cabe destacar que o estudo que segue encontra correspondências de
mesmo teor na legislação penal e penal militar – Decreto-lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 e Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969,
respectivamente – de modo que para organizar a análise abordaremos a normativa
penal comum.
Considerando uma intervenção policial que resulte no ato de “matar alguém”,
tipificado como conduta criminosa na legislação, é importante notar que o artigo 23
da lei penal estabelece que não haverá crime quando o ato praticado pelo agente
tenha ocorrido em estado de necessidade, em legitima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direto.
No mesmo artigo, o parágrafo único acrescenta que em qualquer das
hipóteses mencionadas, o agente responderá por qualquer excesso (doloso ou
culposo).
Diante das excludentes de ilicitude apresentadas, observamos coerentes com
a atividade em questão, as análises da legítima e do estrito cumprimento do dever
legal.
A legítima defesa é descrita no artigo 25 da mesma norma penal, e “entende-
se como legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários
repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” (BRASIL,
1940).
Como bens aparados pela legítima defesa, Zaffaroni e Piarengeli (apud
GRECO, 2013, 79 p.), lecionam que “a defesa a direito seu ou outrem, abarca a
possibilidade de defender legitimamente qualquer bem jurídico”.
Sobre a injusta agressão, Maurach (apud GRECO, 2013, 79 p.) entende que
“por agressão deve entender-se a ameaça humana de lesão de um interesse
juridicamente protegido”.
Meios necessários e seu uso moderado referem-se a todos aqueles utilizados
de modo eficaz e suficiente para repelir a agressão que está sendo ou está prestes a
ser praticada. (GRECO, 2013).
Relativo ao estrito cumprimento do dever legal, Santos (apud GRECO, 2013,
74 p.), define que:

O estrito cumprimento do dever legal compreende os deveres de


intervenção do funcionário na esfera privada para assegurar o cumprimento
da lei ou de ordens de seus superiores da administração pública, que
podem determinar a realização justificada de tipos legais, como a coação,
privação de liberdade, violação de domicílio, lesão corporal, etc.

No mesmo sentido, Brodt (apud GRECO, 2013, 75 p.) nos ensina que o
estrito cumprimento do dever legal:

"é o instituto jurídico penal que compreende as normas e princípios relativos


à atuação de quem sob comando legal (ditado por relevante interesse
público e legitimado pela observância dos limites impostos pela própria lei e
pelos direitos fundamentais consagrados na Constituição) pratica conduta
descrita em um tipo legal de crime. [...] Porém, exige sempre a existência de
uma norma preceptiva, impondo a alguém a realização de comportamento
definido em tipo legal incriminador. A atuação em estrito cumprimento do
dever legal pressupõe que se persiga a realização do interesse público
relevante que fundamenta a existência da norma preceptiva”.

Apresentando um caso hipotético, passamos a analisar a presença das


excludentes de ilicitude. No caso onde um CEC permanece com uma arma de fogo
apontada para a cabeça de um refém, promovendo ameaça letal contra outrem, o
sniper policial, em razão do cumprimento do dever de proteger o direito à vida de
outrem, vem a efetuar um disparo contra o CEC para repelir injusta agressão. Desta
forma, age proporcionalmente (resposta letal) e moderadamente (meio adequado e
necessário para cessar a agressão), portanto, sob a égide das excludentes de
ilicitude, em legítima defesa e em estrito cumprimento do dever legal.
A seguir passamos a discorrer sobre as considerações finais e
apresentaremos nossas conclusões.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo inicialmente partiu da contextualização do cenário dos conflitos


contemporâneos e na sequencia atingiu seus objetivos que era verificar as
competências do sniper militar e policial; questões doutrinárias e jurídicas de
atuação do sniper policial do BOPE/PMSC.
Como exposto, o sniper é precipuamente um atirador de precisão, contudo
agrega competências e valências que vão além do tiro de precisão, sendo ele um
especialista de elevado valor estratégico, tático e operacional.
Analisaram-se conceitos básicos sobre a técnica do tiro de precisão,
importante para o entendimento da limitação técnica de um disparo exato e preciso
em diferentes condições. Vimos que a acurácia e a precisão são indispensáveis para
a atividade do sniper e carecem de recursos apropriados para sua execução.
Como ficou demonstrado, a capacidade de tiro de precisão do sniper é a
soma dos demais componentes como fuzil, munição, luneta (e secundariamente
outros equipamentos), constituindo-se assim um sistema. Neste viés, considerando
que todos os componentes tenham como característica a qualidade e precisão
adequada, o sistema passa a ser denominado sistema de armas de precisão.
Na sequencia o estudo demonstrou a capacidade operacional do sniper
conforme seu emprego.
Por sua formação em OE e especialização em tiro de precisão, além de
outras habilidades próprias, o sniper policial é capaz de se posicionar e permanecer
em ambiente hostil de áreas conflagradas, ou em ambiente controlado, conforme o
cenário se apresentar, realizando multitarefas como observar, repassar informações,
promover segurança direta e indireta, e neutralizar ameaças.
Tais características nos levam à conclusão de que o sniper policial é
essencialmente um multiplicador de força, pois, sozinho ou em grupo, é capaz de
monitorar uma extensa área territorial, na qual, caso fosse empregado uma tropa
convencional, seria necessário um grande efetivo disperso no ambiente operacional
para cobrir a mesma área. Ademais, ao tempo em que o sniper policial realiza a
observação (sensor de inteligência) é também capaz de dar apoio de fogo.
Empregado como sensor de inteligência pode utilizar-se das mesmas
valências apresentadas acima e ainda contribuir com os serviços de inteligências,
através da realização de observação/monitoramento e registros pertinentes, com
emprego de optrônicos e capturas de imagens. Por ser também um operador
especial, é conhecedor das técnicas e operações policiais, contribuindo
sobremaneira por sua leitura de cenário e visão estratégica de atuação.
No cenário do gerenciamento de crises, o sniper policial é um recurso
indispensável empregado pelo gerente da crise. Ele pode atuar como alternativa
tática para solução da crise, por meio do tiro de comprometimento. Além de atuar na
qualidade de atirador de precisão, por posicionar-se em posição de vantagem, serve
de valoroso sensor de inteligência, pois pode observar o teatro de operações,
monitorar as atividades do CEC e dar suporte ao gerente da crise com repasse de
informações estratégicas.
Em sua atuação ordinária, o sniper policial atua incorporado à sua equipe de
serviço em atendimento das demandas comuns às tropas de OE. Desta atuação
incorporada decorre sua valência de atirador designado, podendo dar segurança à
sua patrulha a alcances superiores às capacidades de engajamento de alvos dos
seus companheiros. Pode ainda, quando não atuar incorporado, posicionar-se
antecipadamente em um ponto de vantagem e realizar com primazia a segurança da
patrulha, quer seja por sua passagem ou para o cumprimento de uma missão.
Sobre os aspectos doutrinários vimos que o sniper policial é uma atividade
especializada e exclusiva do COBRA/BOPE, no âmbito da PMSC. O processo de
seleção do sniper se assemelhasse ao processo de seleção das OE. Muito embora o
operador especial possua excelente capacidade de tiro com fuzil de assalto e outros
sistemas, o processo de seleção e habilitação exige rigorosa precisão e acurácia no
manuseio de sistema de armas de precisão.
Sob o viés jurídico, concluímos que sua atuação enquanto atirador de
precisão é limitado ao dever de proteger o maior bem jurídico tutelado, qual seja o
direito à vida. Na ótica pura do agente aplicador da lei, vimos que a ação do sniper
policial, ao efetuar o tiro de comprometimento ou disparos nas demais formas de
atuação expostas neste artigo, contra agentes que estejam oferecendo injusta
agressão (atual ou iminente), está amparada pelas excludentes de ilicitude da
legítima defesa e do exercício do estrito cumprimento do dever legal.
Em conclusão decorrente do estudo, percebemos que o sniper policial não
deve pautar sua ação no ato de matar, e sim no dever de cumprir a lei, garantindo e
preservando o direito à vida de quem estiver ameaçado, quer seja uma vítima, um
refém, um companheiro policial ou ele próprio.
Finalizando o trabalho, cabe esclarecer que não houve pretensão de esgotar
o assunto, mas sim de abrir caminhos para a discussão e para a produção
acadêmica, científica e técnica sobre o tema.
Para tanto, sugere-se a revisão doutrinária e novos trabalhos no âmbito da
PMSC, com adoção do termo sniper policial para designar o policial do BOPE/PMSC
especializado nesta área.
Sugere-se ainda a criação formal do Grupo Sniper, vinculado ao
COBRA/BOPE/PMSC, visto que esta atividade requer rigorosos e continuados
treinamentos específicos. A criação do grupo denota também o desenvolvimento da
doutrina, treinamento, aperfeiçoamento e emprego da equipe, além de consequente
destinação de recursos próprios para este fim.

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