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NSTORNO TRANSTORNO TRANSTO

POLAR BIPOLAR BIPOLA


DIRECIONAMENTOS CLÍNICOS
PARA TERAPEUTAS COGNITIVO-
COMPORTAMENTAIS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 2
DIAGNÓSTICO DO TRANSTORNO BIPOLAR 5
ETIOLOGIA, DESENVOLVIMENTO E CURSO, FATORES DE RISCO E PROGNÓSTICO DO TB 12
COMORBIDADE 16
MODELO COGNITIVO DO TRANSTORNO BIPOLAR 18
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA TRANSTORNO BIPOLAR 22
Técnicas cognitivas do TB 26
Registro de pensamentos automáticos 26
Corrigindo as cognições distorcidas 27
Lidando com as mudanças no processo cognitivo durante a depressão e a mania 29
Técnicas comportamentais no TB 31
Controle comportamental dos sintomas-gatilho 32
Acréscimo de atividades positivas 33
Melhorando o sono 34
ASPECTOS DA RELAÇÃO TERAPÊUTICA E DA ADESÃO NO TRATAMENTO 37
TCC E TB NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA 42
CONSIDERAÇÕES FINAIS 44
SOBRE O E-BOOK 46
A ARTMED 48
REFERÊNCIAS 50
INTRODUÇÃO
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

O transtorno bipolar (TB) é um dos transtornos mentais


mais antigos no que se refere à sua identificação
(Miklowitz, 2021). O conceito contemporâneo da
doença bipolar tem sua origem na metade do século
XIX, na França, com os trabalhos de Falret e Baillarger.
Posteriormente, com os estudos do psiquiatra alemão
Emil Kraepelin, ao enfatizar a caracterização do quadro
clínico e do curso longitudinal da doença, a “insanidade
maníaco-depressiva”, conforme nomeada pelo médico,
passou a ter maior reconhecimento do campo científico
(Del-Porto & Del-Porto, 2005). Nos últimos 100 anos,
ocorreu uma evolução significativa da compreensão
do TB, porém as descrições originais se assemelham
à conceituação atual, configurando uma confiabilidade
sobre o transtorno (Miklowitz, 2021).
Este e-book iniciará com uma breve revisão de
conteúdos sobre o transtorno, como aspectos
relacionados ao diagnóstico, prevalência,
desenvolvimento e curso. Ademais, será dada uma
ênfase ao tratamento pela abordagem da Terapia
Cognitivo-comportamental (TCC), a qual exigirá dos
terapeutas a realização minuciosa de uma avaliação e
planejamento de tratamento eficiente em decorrência
da heterogeneidade do TB.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Especificamente, a TCC pode ser compreendida


como uma “uma abordagem psicoterapêutica ativa,
focada no problema e sensível ao tempo, que se
concentra na mudança cognitiva e de comportamento
e aceitação” (Wenzel, 2021, p. xvi). Nos últimos 50 anos,
esta abordagem tem sido considerada um dos mais
importantes progressos no tratamento de diversas
condições psicopatológicas fundamentada por um extenso
e consistente agrupamento de evidências da sua eficácia,
inclusive para o TB (Hofmann, 2021). Sobre este transtorno,
uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados
realizada por Chiang et al. (2017) revelou que a TCC é eficaz
em diminuir a taxa de recaída e melhorar os sintomas
depressivos, a gravidade da mania e o funcionamento
psicossocial. Além disso, os achados evidenciaram que as
melhorias na depressão ou mania são mais potentes com
uma duração de 90 minutos por sessão e a taxa de recaída
é muito menor entre os pacientes com TB tipo I.
Desse modo, para compreender melhor os resultados
encontrados por Chiang et al. (2017) e as especificidades
do TB e da opção da TCC como forma de tratamento,
incentivamos que você siga conferindo este material.

Boa leitura!

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DIAGNÓSTICO
DO TRANSTORNO
BIPOLAR
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

O Manual Diagnóstico e Estatístico


de Transtornos Mentais: DSM-5
(American Psychiatric Association,
2014) estabelece uma subseção
específica destinada ao Transtorno
Bipolar e transtornos relacionados.
Neste e-book, focaremos em
Transtorno Bipolar tipo I, Transtorno
Bipolar tipo II e Transtorno
Ciclotímico. No primeiro, os pacientes
têm episódios maníacos totalmente
sindrômicos, mas, no bipolar tipo II, os
pacientes devem ter tido pelo menos
um episódio depressivo maior e um
episódio hipomaníaco. Por fim, de um
modo geral, o transtorno ciclotímico
envolve a presença de diversos
períodos de sintomas hipomaníacos
e depressivos. Ressalta-se que, para
maior entendimento desses quadros
patológicos, é essencial a leitura
cuidadosa do manual.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Transtorno Presença de pelo menos


Bipolar um episódio maníaco que
seja antecedido ou seguido
tipo I por episódios hipomaníacos
ou depressivos maiores.

Transtorno Presença de pelo menos um episódio


Bipolar hipomaníaco atual ou anterior e o preenchimento
dos critérios para um episódio depressivo maior
tipo II atual ou anterior. Ademais, o indivíduo nunca
deve ter tido um episódio maníaco.

Transtorno No intervalo de pelo menos dois anos para adultos e um ano em crianças e adolescentes, houve
Ciclotímico vários períodos com sintomas hipomaníacos que não satisfazem os critérios para episódio
hipomaníaco e vários períodos com sintomas depressivos que não satisfazem os critérios para
episódio depressivo maior. Ademais, durante o tempo mencionado, os sintomas hipomaníaco e
depressivo estiveram presentes por pelo menos metade do tempo, e o indivíduo não permaneceu
sem os sintomas por mais que dois meses consecutivos. Além disso, de acordo com o histórico
do indivíduo, ele nunca apresentou episódio depressivo maior, maníaco ou hipomaníaco.

Baseada nos critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014)

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Confira agora os principais critérios diagnósticos para o episódio maníaco, hipomaníaco e depressivo (American Psychiatric
Association, 2014):

EPISÓDIO MANÍACO

Período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável.


Aumento anormal e persistente da atividade dirigida a objetivos ou da energia.

Duração: mínimo de uma semana e presente na maior parte do dia, quase todos os dias (ou qualquer duração se a
hospitalização se fizer necessária).

Três (ou mais) dos seguintes sintomas (quatro se o humor é apenas irritável):

Autoestima inflada ou grandiosidade


Redução da necessidade de sono
Mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar falando
Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados
Distratibilidade
Aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora
Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas

Prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional ou para necessitar de hospitalização a fim de prevenir dano a
si mesmo ou a outras pessoas, ou existem características psicóticas.

O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

EPISÓDIO HIPOMANÍACO

Período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável.


Aumento anormal e persistente da atividade ou energia.

Duração: mínimo de quatro dias consecutivos e presente na maior parte do dia, quase todos os dias.

Três (ou mais) dos seguintes sintomas (quatro se o humor é apenas irritável):

Autoestima inflada ou grandiosidade


Redução da necessidade de sono
Mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar falando
Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados
Distratibilidade
Aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora
Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas

O episódio está associado a uma mudança clara no funcionamento que não é característica do indivíduo quando
assintomático.

A perturbação do humor e a mudança no funcionamento são observáveis por outras pessoas.

O episódio não é suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional ou
para necessitar de hospitalização.

Existindo características psicóticas, por definição, o episódio é maníaco.

O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

EPISÓDIO DEPRESSIVO MAIOR

Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam
uma mudança em relação ao funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda
de interesse ou prazer.

Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias (Obs.: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.)
Acentuada diminuição de interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias.
Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta ou redução ou aumento no apetite quase todos os dias (Obs.: Em
crianças, considerar o insucesso em obter o ganho de peso esperado).
Insônia ou hipersonia quase diária.
Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias.
Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias.
Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão quase todos os dias.
Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico,
tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio.

Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras
áreas importantes da vida do indivíduo.

O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Para além de ter maior conhecimento sobre os episódios


mencionados, os psicólogos e os psiquiatras necessitam de
treinamento e experiência para reconhecer e diagnosticar
outras condições psiquiátricas e médicas gerais que afetam
o humor que podem confundir com os quadros de transtorno
bipolar I ou II. Ademais, é preciso que coletem dados detalhados
sobre o histórico do paciente sob hipótese diagnóstica de
TB e de pelo menos uma pessoa próxima e que convive com Confundir episódios depressivos
ele em um tempo significativo, pois, comumente, o paciente 1 maiores recorrentes com reações
pode não reconhecer ou não ter condições atuais de relatar normais às dificuldades da vida.
sobre os episódios de alteração do humor, pincipalmente do
de hipomania e mania. Desse modo, os clínicos devem realizar
uma investigação cuidadosa e detalhada dos sintomas e obter
Falhar na detecção
um histórico acurado (Basco, 2009a). Para auxiliar no processo
diagnóstico, você pode utilizar o livro Entrevista clínica estruturada
2 de episódios de
mania ou hipomania.
para os transtornos do DSM-5: SCID-5-CV versão clínica do First,
Williams, Karg e Spitzer (2017), e para obter mais detalhes acerca
do diagnóstico diferencial do TB, você pode utilizar o Manual de
Diagnóstico Diferencial do DSM-5 do First (2015).
Julgar que o paciente é portador da
Basco (2009) enfatizou sobre os riscos de realizar diagnósticos esquizofrenia em vez de transtorno
incorretos, pois afetam negativamente os processos da 3 bipolar com traços psicóticos durante
medicação, do prognóstico e do manejo dos problemas do episódios maníacos, mistos ou
paciente, podendo intensificar o sofrimento e agravar os prejuízos depressivos maiores.
na vida destes. Confira os erros mais comuns no diagnóstico:

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ETIOLOGIA,
DESENVOLVIMENTO E
CURSO, FATORES DE RISCO
E PROGNÓSTICO DO TB
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

De acordo com Scaini et al. (2020), nos últimos anos, embora tenha ocorrido uma
ampliação conhecimento acerca do TB, não foi identificado seu mecanismo fisiológico, não
tendo total clareza da sua etiologia. Contudo, acredita-se que a interação entre múltiplos
fatores genéticos, neuroquímicos e ambientais desempenham um papel no início e na
progressão do transtorno bipolar.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Quanto ao desenvolvimento e curso, a média de idade Os terapeutas e médicos também


de início do primeiro episódio maníaco, hipomaníaco necessitam ter um olhar sobre os fatores
ou depressivo maior é de cerca de 18 anos para de risco e prognóstico: o TB é mais
transtorno bipolar tipo I. Além disso, o início ocorre comum em países com pessoas com
no decorrer do ciclo de vida – inclusive, os primeiros renda elevada do que com renda mais
sintomas podem iniciar aos 60 ou 70 anos. Porém, baixa. Além disso, pessoas separadas,
o início dos sintomas maníacos (p. ex., desinibição divorciadas ou viúvas têm taxas mais altas
sexual ou social) no fim da vida adulta ou na de transtorno bipolar tipo I do que aquelas
senescência deve indicar a possibilidade de condições casadas ou que nunca se casaram.
médicas e de ingestão ou abstinência de substância. Ressalta-se que a história familiar de
Por outro lado, para o transtorno bipolar tipo II, o transtorno bipolar é um dos fatores de
início do quadro pode ocorrer no fim da adolescência risco mais fortes e mais consistentes
e durante a fase adulta. No entanto, a idade média apontados na literatura. Há, em média,
de início é por volta dos 25 anos. Comumente, o risco 10 vezes maior entre parentes
transtorno bipolar tipo II principia com um episódio adultos de indivíduos com transtornos
depressivo e não é identificado como transtorno bipolar tipo I e tipo II. A magnitude do
bipolar até o surgimento de um episódio hipomaníaco. risco aumenta com o grau de parentesco.
Além disso, é importante que os terapeutas e médicos Ademais, o risco de transtorno bipolar tipo
estejam atentos para o fato de que transtornos II tende a ser mais elevado entre parentes
ansiosos, uso de substância ou transtorno alimentar de pessoas com essa condição, em
podem também anteceder o diagnóstico de o oposição a pessoas com transtorno bipolar
transtorno bipolar tipo II, o que dificulta o diagnóstico tipo I ou transtorno depressivo maior
correto (American Psychiatric Association, 2014). (American Psychiatric Association, 2014).

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Outros dados que os clínicos precisam conhecer com maior clareza são quanto aos modificadores do curso dessa condição
psicopatológica.

Depois que uma pessoa teve um episódio maníaco com características psicóticas, há maior
probabilidade de os episódios maníacos subsequentes incluírem características psicóticas.

A recuperação incompleta entre os episódios é mais comum quando o episódio atual está
acompanhado de características psicóticas incongruentes com o humor.

Se há um padrão de ciclagem rápida, ele está relacionado a um pior prognóstico.

O retorno a um nível prévio de funcionamento social para pessoas com transtorno bipolar tipo II é mais provável para indivíduos
mais jovens e com depressão menos grave. Ter maior nível de escolaridade, menos anos da doença e estar casado são fatores
importantes para a recuperação funcional em indivíduos com transtorno bipolar, independentemente do tipo de diagnóstico
(se é tipo I ou II), presença de sintomas depressivos atuais e a presença de comorbidade psiquiátrica (American Psychiatric
Association, 2014).

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COMORBIDADE
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Segundo Miklowitz (2021), o TB quase sempre ocorre


concomitantemente com outras condições. Os
transtornos com os quais o TB é comórbido têm
como base comum a desregulação afetiva. Entre
eles, estão os transtornos de ansiedade, transtorno
de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH),
transtorno de oposição desafiante e transtornos
relacionados a substâncias. Miklowitz (2021) enfatiza
que as comorbidades estão associadas a um pior
curso da doença em adultos e crianças, o que implica
a necessidade de reconhecê-las desde o início do
tratamento. Desse modo, o autor chama a atenção
para os sintomas sobrepostos, como, por exemplo:
uma criança com irritabilidade e hiperatividade
motora pode ser classificada pelo terapeuta e médico
como tendo sintomas de dois distúrbios, TB e TDAH.
Contudo, quando os sintomas sobrepostos ocorrem
apenas durante episódios maníacos ou depressivos
(p. ex., hiperatividade motora), não devem ser usados
para indicar um transtorno comórbido. Por outro lado,
sintomas sobrepostos que persistem mesmo quando o
paciente está em remissão do TB são evidências mais
consistentes de uma verdadeira comorbidade.

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MODELO COGNITIVO
DO TRANSTORNO
BIPOLAR
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Segundo Basco (2009a), o modelo cognitivo-comportamental do


TB pode ser compreendido de acordo com a Figura 1. Para Basco
(2009b), muitos fatores podem desencadear episódios de mania
e depressão, mas às vezes o início não está associado a fatores
específicos. Contudo, os episódios do TB, seja depressivo e ou de
mania, ativam alterações nas cognições (p. ex., o pensamento torna-
se mais lento, com julgamento insatisfatório, confuso, acelerado ou
com conteúdo mais negativo, de desesperança, autocrítico, paranoico,
otimista, etc.) e no afeto (p ex., humor e emoções de tristeza, solidão,
irritabilidade, euforia, deprimido, ansioso, ou alegria), o que implica a
ocorrência de reações comportamentais (p. ex., não frequentar lugares
que envolvem interações sociais, ser ríspido com outras pessoas,
abandonar o trabalho e se engajar em um novo e ambicioso projeto).
Tais ações passam, então, a afetar significativamente o
funcionamento do indivíduo (p. ex., não cumprir com as obrigações,
não resolver problemas importantes, não finalizar atividades,
ser reprendido pelo chefe e familiares, deixar de se divertir ou
iniciar conflitos interpessoais). Consequentemente, a redução do
funcionamento pode resultar em sérios problemas, como, por
exemplo, o indivíduo ser demitido, o rompimento de relacionamentos
amorosos, ter questões com a justiça ou o estabelecimento de dívidas.
Por fim, surgem outros sintomas, como estresse, preocupação
excessiva, ansiedade, insônia, uso abusivo de álcool e outras drogas.
Desse modo, tais sintomas agravam os episódios de depressão e a
mania, mantendo o ciclo.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Para compreender melhor o modelo cognitivo-comportamental do TB, leia o caso abaixo e tente identificar todas as etapas do
ciclo representado pela Figura 1.

Paula tem 26 anos e atua como recepcionista em uma clínica.


Em um episódio de mania, ela passou a ter pensamentos
relacionados a se tornar médica. Ela passou a se sentir
muito mais alegre do que o habitual, com o humor elevado
e eufórico. Por mais que ainda não tivesse entrado em uma
graduação para cursar medicina, ela já se sentia com todas
as habilidades necessárias para a atuação profissional.
Desse modo, ela passou a conversar com os pacientes da
clínica sobre os problemas de saúde destes, a dar conselhos,
interromper as consultas dos médicos para saber e dar
opinião acerca dos casos que eles acompanhavam. Além
disso, ela passou a pesquisar mais sobre a profissão
médica durante a noite, seja pesquisando na internet, seja
assistindo a vídeos ou séries sobre a temática. Ela ficava
acordada até tarde e acabava perdendo o sono. Desse modo,
para conseguir ficar cada vez mais disposta na clínica que
trabalhava, passou a fazer uso abusivo de substâncias
estimulantes ilícitas. Ademais, diante do comportamento
exagerado e inconveniente e do não cumprimento de
algumas obrigações no trabalho, Paula foi demitida.

Figura 1. A trajetória do transtorno bipolar adaptada de Basco (2009a)

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Recentemente, com base na Teoria dos Modos, que pressupõe que a


personalidade é composta por suborganizações internas específicas
denominadas de modos que têm o objetivo promover um ajuste entre
as demandas externas e internas (Beck, Finkel, & Beck, 2020), Beck,
John e Beck (2021) descreveram a manifestação do TB sob o olhar da
abordagem cognitivo-comportamental. Para os autores, na expressão
do TB, a personalidade opera em duas funções divididas, o modo
maníaco e o negativo.
No modo maníaco, o indivíduo apresenta expectativas exageradas
de resultados positivos que estão associadas a afeto e motivação/
impulso positivo, culminando em uma reação comportamental de
hiperatividade e de engajamento em atividades recompensadoras e
prazerosas. Por outro lado, o episódio depressivo é caracterizado pela
ativação do modo negativo ou deprimido, que engloba a presença de
cognições exageradas sobre perdas e uma visão negativa do passado,
presente e futuro, tanto relacionado a si quanto aos outros, afeto
negativo (p ex., desesperança, tristeza e insatisfação), uma motivação
de retraimento e de evitação da dor. Logo, as ações do indivíduo são
direcionadas para uma conservação de energia, resultando em uma
hipoatividade até mesmo das atividades cotidianas.
Em resumo, o TB não envolve somente aspectos relacionados à
intensidade do humor, mas também vieses e erros nas cognições,
seja por uma antecipação exagerada de satisfação ou de perda, pelo
grau de atividade ou pelo consumo de energia.

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TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL
PARA TRANSTORNO
BIPOLAR
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

De um modo geral, quanto ao tratamento, Beck et al. (2021) ressaltam que, diante dos sintomas relacionados ao episódio
depressivo, é necessário promover a avaliação das cognições negativas por meio de questionamentos socráticos, bem como
a realização de experimentos comportamentais e ativação comportamental.
No que se refere à mania, os autores indicam que a abordagem dos sintomas correspondentes desse episódio deve ocorrer
quando os indivíduos estão levemente deprimidos ou eutímicos e envolve desenvolver habilidades para que os pacientes
consigam identificar e responder antecipadamente ao pensamento exageradamente positivo, reduzir os problemas
relacionados ao sono, regularizar os períodos de descanso e atividades e, por fim, proporcionar um exame das vantagens e
desvantagens de se envolver em comportamentos prazerosos que podem resultar em prejuízos significativos.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Segundo Saffi, Abreu e Lotufo Neto (2011), a psicoterapia sob a abordagem cognitivo-comportamental para indivíduos com
Transtorno Bipolar tem os seguintes objetivos:

Psicoeducar os clientes e seus familiares e amigos sobre o TB, seu tratamento e as dificuldades associadas ao transtorno;
Auxiliar os clientes a terem um papel mais ativo no tratamento;
Promover a aprendizagem de métodos de monitoração de ocorrência, gravidade e curso dos sintomas correspondentes ao TB;
Facilitar a cooperação com o tratamento;
Oferecer técnicas não farmacológicas para lidar com pensamentos, emoções e comportamentos problemáticos;
Auxiliar os clientes a manejarem sintomas leves sem necessidade de modificar os medicamentos ou sua dosagem;
Proporcionar a aprendizagem e ampliar o uso de habilidades de enfrentamento de fatores de estresse que podem interferir
negativamente no tratamento ou precipitar episódios de mania ou depressivos;
Promover a aceitação do TB;
Reduzir os efeitos dos estigmas e preconceitos em relação à pessoa com TB;
Aumentar o fator protetivo da família;
Possibilitar a aprendizagem de habilidades de manejo dos problemas, sintomas e dificuldades relacionados ao TB.

Para o alcance de tais metas, ao analisar a estrutura dos tratamentos em TCC mais eficazes para pessoas com TB, Neves, Lima
e Malloy-Diniz (2016) identificaram pontos comuns entre eles, que estão organizados na tabela a seguir.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Subetapa do processo de TCC Detalhamento

Subetapa do processo de TCC • Informar por meio de materiais confiáveis sobre o transtorno bipolar e discutir dúvidas quanto ao diagnóstico
Promove identificação e apropriação do diagnóstico, prognóstico e aspectos associados.

Descrição dos sintomas • Descrever quais dos sintomas contemplados na psicoeducação caracterizam a manifestação do transtorno bipolar de acordo
com cada tipo de episódio
• Descrever quais são os tipos de episódios (mania, hipomania, misto, depressão) que caracterizam a história de vida do
paciente. Pode ser utilizada a linha da vida para esta finalidade.
• Descrever os comportamentos do paciente quando em eutimia
Promove a apropriação do modo como o transtorno bipolar se apresenta para o paciente.

Monitoramento do humor • Acompanhar diariamente o próprio humor por meio do gráfico do humor
Promove a detecção precoce de sintomas, viabilizando melhores estratégias de intervenção.

Descrição de pensamentos • A partir das oscilações de humor verificadas no gráfico do humor, é feita a descrição dos pensamentos
e crenças • Observação de padrões de pensamento e se ocorrem de forma consistente em cada um dos episódios
Promove a compreensão de que as respostas do paciente passam previamente por seu processamento cognitivo, de modo
que, se o paciente aprende a modular seu processamento, provavelmente terá sentimentos e atitudes mais funcionais.

Desenvolvimento de • Observação, por meio dos assuntos discutidos na psicoeducação e da sua história de vida, de quais são os hábitos possíveis
comportamentos saudáveis de se implementar que podem melhorar o prognóstico do TB
• Observar quais podem deixar de ocorrer
Promove a implementação e automatização desses novos hábitos.

Adesão à medicação • Verificar a ocorrência de baixa adesão e as razões para que isso esteja ocorrendo. As razões podem ser: crenças a respeito
da medicação ou dificuldades cognitivas – memória, atenção, dificuldades em compreender a posologia.
Promove adesão à medicação.

Desenvolvimento de • Verificar padrões de assertividade, agressividade ou passividade na comunicação do paciente


estratégias de comunicação • Descrever crenças que levam a este padrão
• Treinar novos sinais verbais e não verbais que podem melhorar a comunicação
Promove melhora nas relações interpessoais.

Resolução de problemas • Introduzir os modelos de resolução de problemas, que envolvem definir o problema, gerar soluções para o problema, avaliar a
viabilidade delas, destrinchar e hierarquizar seus passos, implementar e revisar a estratégia adotada
Promove a capacidade executiva e de resolução de problemas, além de uma visão mais pragmática dos conflitos e
adversidades

Fonte: Retirado de Neves et al. (2016)

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Técnicas Cognitivas no TB
O modelo cognitivo-comportamental aplicado ao TB implica a necessidade de interromper o curso de expansão do
transtorno. Um dos métodos é a utilização de intervenções e estratégias cognitivas com o objetivo de prevenir as alterações
comportamentais problemáticas que podem estar relacionadas aos prejuízos no funcionamento dos indivíduos (Basco,
2009a). Ao considerar que os sintomas cognitivos tanto da depressão quanto da mania envolvem mudanças de conteúdo (o
que se pensa a respeito de algo) e processamento (modo como se processam as informações e a quantidade e qualidade
dos pensamentos), confira algumas das técnicas comumente utilizadas.

REGISTRO DE PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS


O Registro de Pensamentos Automático promove a análise da validade dos pensamentos que estão associados às alterações
emocionais e comportamentais. O paciente deve ser instruído a identificar a mudança do estado emocional, as situações
que a desencadeiam, os pensamentos automáticos relacionados e os comportamentos consequentes. Para o registro dos
pensamentos, pode ser útil solicitar que o paciente use uma escala de 0 a 100%, em que 0% significa uma completa falta
de convicção e 100%, a absoluta certeza. Desse modo, essa escala auxiliará na classificação da intensidade de crença no
pensamento em que a situação ocorreu. Para identificação, o terapeuta pode orientar com o uso de perguntas como “O que
exatamente nesse episódio deixou você com raiva? O que passou pela sua cabeça naquele momento quando tal situação
ocorreu?” (Basco, 2009a). Veja um exemplo na tabela a seguir:

O que você pensou?


Situação O que você sentiu? O que você fez?
0% - 100%

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

CORRIGINDO AS COGNIÇÕES DISTORCIDAS


Devido à associação dos pensamentos automáticos com as alterações de humor no TB, revelar que eles podem ser inválidos
ou imprecisos parcial ou completamente, ensinar os pacientes a avaliarem as evidências que apoiam a validade dos próprios
pensamentos e corrigi-los quando identificadas distorções é essencial (Basco, 2009a). Na tabela a seguir, é apresentada uma
estratégia para tal intervenção.

Meu pensamento é:

Que evidências tenho de Que evidências tenho de O que outra pessoa diria Minhas conclusões e
que o meu pensamento é que o meu pensamento nesta situação? Qual seria meu plano para o próximo
verdadeiro? não é verdadeiro? outra explicação? passo a ser dado.

Retirado de (Basco, 2009a, p. 167)

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

(Basco, 2009a) especificam outras orientações que o terapeuta pode dar para os pacientes no que se refere ao corrigir as
cognições distorcidas. Confira o quadro a seguir:

Avaliando os Pensamentos Automáticos

1. Escolha um pensamento automático para avaliar. Escolha um que esteja listado no registro de pensamentos
automáticos. Um pensamento ou uma crença associada com uma quantidade significativa de emoção negativa
deveria ser selecionado e listado no topo da planilha de análise lógica dos pensamentos automáticos.
2. Explique que o primeiro passo da tarefa é produzir evidências para apoiar ou refutar o pensamento automático e,
então, revisá-lo objetivamente junto das evidências. Peça para o paciente listar todas as evidências que apoiem e
refutem o pensamento automático nas colunas apropriadas.
3. Depois de examinar as evidências favoráveis e contrárias ao pensamento, o paciente deve concluir que o
pensamento é inválido, que a evidência é inconclusiva ou que o pensamento é de fato válido. Use o seu julgamento
clínico e decida qual intervenção ou intervenções deveriam ser executadas. Eis algumas sugestões:

a. Pensamentos inválidos: Revise o pensamento automático inicial para deixá-lo mais preciso.
b. Pensamentos válidos: Pergunte ao paciente quais consequências são levadas em conta para que o pensamento
negativo seja válido e qual a probabilidade de essas consequências ocorrerem. Se a probabilidade for alta e as
consequências significativas, use uma abordagem de solução de problemas para gerar um plano de diminuição da
probabilidade de consequências negativas.
c. Evidências inconclusivas: Descubra que tipo de evidência seria necessário para confirmar ou desconfirmar o
pensamento. Crie um plano para acumular mais evidências.

Retirado de (Basco, 2009a, p. 169)

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

LIDANDO COM AS MUDANÇAS NO PROCESSO COGNITIVO


DURANTE A DEPRESSÃO E A MANIA
As mudanças no processo cognitivo durante os episódios depressivos e maníacos podem ocasionar uma série de prejuízos
e sofrimento aos indivíduos portadores de TB. Três passos são fundamentais para aumentar a chance de prevenir as ações
impulsivas, diminuir a evitação das responsabilidades e lidar com ou prevenir os problemas e as dificuldades da vida, por
exemplo. Veja os passos e exemplos de estratégias/exercícios que os compõem:

Diminuir a quantidade de pensamentos o suficiente para permitir que o paciente os compense. Por exemplo,
1 exercícios de relaxamento e reduzir os estímulos (pensamentos internos e barulhos externos).

Focar a atenção em um problema por vez. Por exemplo, estabelecer e priorizar metas, escolher uma atividade
2 por vez, usar a técnica Lista A/Lista B.

Estruturar no processamento cognitivo para permitir que os problemas sejam resolvidos ou que decisões
3 sejam tomadas. Por exemplo, redução da lista mental, solução de problemas, tomada de decisões, lista de
vantagens e desvantagens, feedback e regra de 24 horas.

29
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Verifique detalhadamente uma das estratégias mencionadas, a técnica de resolução de problemas:

Passos para solução de problemas

Passo 1 • Exponha o problema da forma mais clara possível. Seja específico sobre o comportamento, situação, tempo
e/ou circunstâncias que tornaram isso um problema (p. ex., “Preciso pagar a conta do telefone e a fatura do
Identificação cartão, mas não tenho dinheiro suficiente que dê conta de ambas neste mês”).
e definição
• Se o problema for uma mágoa pessoal, diga a ação específica que causou o sentimento de mágoa (p. ex.,
do problema
“Você me ofendeu quando disse que eu não conseguia lidar com dinheiro”).

Passo 2 • Liste todas as soluções possíveis sem avaliar a sua qualidade ou praticabilidade. Tente listar no mínimo 10.
Seja criativo. Não se preocupe com a qualidade das soluções.
Geração de
problemas • Elimine as soluções menos desejáveis ou razoáveis.
em potencial • Ordene as soluções remanescentes em termos de preferência.
• Avalie as soluções remanescentes em termos de prós e contras.
• Especifique quem agirá.
• Especifique como e quando a solução será implementada.

Passo 3 • Implemente a solução como planejada.

Implementar • Avalie a eficácia da solução


a solução • Decida se o plano existente precisa de uma revisão ou se um novo plano é necessário para tratar melhor do
problema.
• Se necessário, volte ao passo 2 para selecionar uma nova solução e repita os passos remanescentes, ou
volte ao passo 2 para revisar a solução escolhida e, então, repita os passos remanescentes.

Retirado de (Basco, 2009a, p. 186)

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Técnicas Comportamentais no TB
Para gerenciais os sintomas comportamentais nos pacientes com TB, é importante intervir para maior controle dos fatores
desencadeantes e para aumento dos fatores positivos e dos negativos. Para isso, de acordo com Basco (2009a), o terapeuta
deve seguir duas regras práticas:

É mais fácil acrescentar comportamentos


1 positivos que interromper os negativos.

Antes de tentar fazer com que as coisas melhorem, tente


2 primeiro fazer com que os pacientes evitem piorar as coisas.

Veja algumas técnicas comportamentais que podem ser utilizadas no trabalho de pessoas com TB.

31
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

CONTROLE COMPORTAMENTAL DOS SINTOMAS-GATILHO DE DEPRESSÃO E DA MANIA


É necessário que o terapeuta, juntamente do paciente, identifique as situações que podem desencadear ou piorar os
episódios depressivo ou maníaco. No caso da depressão, é aconselhável que se pergunte a respeito desses fatores, fazendo-
se uma lista. De um modo geral, podem estar presentes a evitação ou o impedimento dos reforços positivos, como o contato
com as pessoas que se importam com o paciente ou a dedicação às atividades agradáveis. Além disso, pode envolver a
exposição aos estímulos negativos, como conflitos com terceiros, notícias televisivas que enfatizam desastres no mundo,
músicas ou filmes tristes, um ambiente bagunçado ou desorganizado, problemas financeiros, entre outros. Por fim, é comum
que os pacientes também apresentem comportamentos de evitação que incluem procrastinação, isolamento ou distração
das dificuldades que lhe são apresentadas. Após a realização da lista, oriente aos pacientes que evitem tais situações
negativas até que apresentem uma melhora significativa. Para isso, pode ser elencada uma série de atividades positivas
que não consumam muita energia e que possam distrair o indivíduo dos eventos negativos até que novas habilidades de
enfrentamento sejam ensinadas.
No que se refere à mania, os fatores mais comuns que contribuem para o desenvolvimento ou agravamento do episódio
maníaco são não medicação, privação do sono, superestimulação e uso de álcool e outras drogas. Consequentemente, o
terapeuta, além de promover a psicoeducação sobre tais fatores, pode criar uma lista de ações que o paciente deve evitar
(como perder o sono ou realizar atividades na madrugada). Também é importante evitar contextos e comportamentos que
podem ser muito estimulantes ao mesmo tempo que se melhora a adesão ao tratamento tanto medicamentoso quanto da
terapia (Basco, 2009a).

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

ACRÉSCIMO DE ATIVIDADES POSITIVAS


Após a identificação dos fatores que podem piorar a depressão e a mania, é aconselhável que o terapeuta estabeleça
conjuntamente do paciente a adição de hábitos saudáveis na rotina. Para isso, pode ser utilizado o instrumento abaixo para
que os auxilie na reflexão e definição das ações a serem realizadas:

Liste a seguir alguns de seus hábitos saudáveis e aqueles que você gostaria de desenvolver ou reforçar. Inclua as
melhores maneiras de gerenciar os seus sintomas, organize a sua vida e tenha mais alegrias com ela.

Hábitos saudáveis que pratico regularmente:

Hábitos saudáveis que preciso reforçar:

Novos hábitos saudáveis que gostaria de desenvolver:

Retirado de (Basco, 2009a, p. 136)

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

MELHORANDO O SONO

Dificuldades e problemas no sono podem estar presentes tanto no episódio depressivo quanto no maníaco. Desse modo,
manter a consistência do ciclo sono/vigília é um dos elementos fundamentais para a estabilidade do TB. Confira um resumo
elaborado por Basco (2009a) com sugestões que o terapeuta pode fornecer aos seus pacientes para a melhora do sono.

PREPARANDO O AMBIENTE PARA UMA BOA NOITE DE SONO

Seja consistente. Tente dormir e acordar mais ou menos no mesmo horário todos os dias, mesmo nos fins de semana.

É algo para se fazer à noite. Evite dormir durante o dia e ficar acordado até altas horas da noite. Se o seu ciclo de
sono já está alterado, desenvolva com o seu médico um plano para fazer com que o sono volte ao normal.

Mantenha a sua cama em um lugar para dormir. Estabeleça o hábito de assistir TV, comer, ler ou rever as suas contas
em outro cômodo, em uma mesa, ou sofá. Ensine seu corpo a associar a cama com o ato de adormecer.

Sinta-se confortável. Deixe sua área de dormir confortável, escolhendo travesseiros, cobertores e roupas que o
façam se sentir bem.

Desacelere no fim do dia. Comece a se preparar para dormir no mínimo uma hora antes do tempo, deixando o seu
ambiente silencioso e aquietando a sua mente.

Evite estimulantes que possam mantê-lo acordado. Uma xícara de chocolate quente ou de café, alguns cigarros, ou
um pouco de sobremesa podem parecer uma boa ideia à noite, mas para aqueles que são sensíveis à cafeína, nicotina
ou açúcar, essas coisas só dificultarão o ato de adormecer. Se você tiver algum problema digestivo, jantares tarde ou
refeições picantes podem perturbar seu estômago e mantê-lo acordado.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

E SE EU NÃO CONSEGUIR DORMIR?

Não entre em pânico. Ansiedade e sono não são uma boa combinação. Se você começar a se preocupar ou
mesmo a entrar em pânico por não conseguir dormir, isso só vai tornar as coisas mais difíceis. O sono acontece
automaticamente. Não é algo que você possa facilmente forçar o seu corpo a fazer, então quanto mais você tenta
convencer a si próprio de adormecer, mais tempo pode levar para que isso aconteça.

Acalme o seu corpo. Seu corpo e a sua mente precisam trabalhar juntos para ajudar você a dormir. Se a sua mente
está ocupada demais para sossegar, você pode colaborar com o processo tentando relaxar o seu corpo. Comece com
os dedos dos pés e vá relaxando todos os músculos até chegar na cabeça. Concentre-se em liberar todas as tensões
em cada músculo e em deixar o seu corpo em uma posição confortável.

Muito desperto para conseguir dormir? Se você está muito acordado para conseguir dormir, seria melhor sair
da cama e fazer algo que seja relaxante, como assistir televisão, ler um livro ou qualquer outra atividade que
normalmente o acalma ou cansa a sua mente.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

COISAS QUE NÃO DEVEM SER FEITAS QUANDO HOUVER DIFICULDADE PARA DORMIR

Cafeína. Não prepare um bule de café. A cafeína pode manter você acordado. Se você aprecia uma xícara quente de
café em uma noite fria, compre café descafeinado para usar à tarde e à noite.

Internet. Evite sair da cama para navegar na internet. Em vez de ficar com sono, é mais provável que isso estimule o
seu cérebro e deixe-o agitado ou curioso em vez de ficar com sono.

TV e livros. Se você vai assistir televisão ou vai ler um livro, escolha algo que provavelmente não o deixará acordado.
Um bom livro entediante resolve o problema ou uma reprise de um programa de televisão. Evite os programas com
pessoas discutindo, de suspense ou documentários dramáticos verídicos.

Tarefas domésticas. Não levante para limpar a sua casa. Mesmo que tarefas que não tenham sido terminadas o
preocupem, o processo de fazer um esforço físico no meio da noite vai tensionar os seus músculos em vez de relaxá-
los. Para estar mentalmente alerta o suficiente para realizar tarefas, você tem que ficar acordado. Isso acaba com o
propósito de ter uma boa noite de sono.

Exercícios. Provavelmente não é uma boa ideia levantar da cama para se exercitar mesmo que você saiba que o
exercício pode deixá-lo cansado. Qualquer atividade física como essa vai superestimular a sua mente e o seu corpo.
Se o ato de se exercitar normalmente é uma boa ideia para você, reserve um tempo para malhar antes de ir para cama.

Retirado de (Basco, 2009a, p. 137-138)

36
ASPECTOS DA
RELAÇÃO TERAPÊUTICA
E DA ADESÃO NO
TRATAMENTO
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

A relação terapêutica pode ser


compreendida como uma troca entre
terapeuta e cliente e que se desenvolve
com a finalidade de os pensamentos,
as crenças e as emoções serem
compartilhados para aumentar a
probabilidade de mudanças de vida.
Para isso, a relação precisa envolver
uma atmosfera segura, aberta e sem
julgamentos (Kazantzis, Datillio, & Dobson,
2017). No caso do tratamento de indivíduos
com TB, os terapeutas necessitam levar
em consideração algumas especificidades.
Resumidamente, confira algumas das
sugestões propostas por Newman (2021):

Para o estabelecimento de relacionamento terapêutico saudável e construtivo, é necessário


fornecer uma boa psicoeducação sobre o TB e seu tratamento, de uma maneira que convide o
paciente a contribuir de forma colaborativa, como uma espécie de parceria entre os dois atores
e com a intenção de educação mútua, em vez de somente um repasse de informações.

38
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Validar o sentimento de desânimo e desmoralização dos pacientes quando


estão experienciando um episódio depressivo e oferecer razões sinceras
para terem esperança e continuarem envolvidos no processo terapêutico.
Ademais, deve haver um equilíbrio entre estar realmente feliz pelos pacientes
quando eles estão com o humor elevado no episódio maníaco e dar a eles um
feedback corretivo e atencioso sobre seus comportamentos e pensamentos
hipomaníacos ou maníacos.

Não julgar de forma negativa as ideias e objetivos ambiciosos irrealistas


relatados pelos pacientes na fase de hipomania ou mania.

Apoiar os esforços dos pacientes durante todo o processo terapêutico, ao


mesmo tempo que os orientam nas etapas de resolução de problemas, os
auxiliam na avaliação dos prós e contras das ações e se busque o contato
com pessoas de confiança, como familiares e/ou amigos.

39
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Diante da expressão de angústia e cansaço que comumente os pacientes


com TB expressam devido aos efeitos dos altos e baixos cíclicos
que vivenciam no seu funcionamento e/ou a preocupações e receios
constantes sobre futuros episódios, os terapeutas precisam reconhecer
que o TB é, de fato, um grande fardo de vida, enquanto ainda exaltam
os aspectos positivos que envolvem a aquisição de um funcionamento
saudável por meio do engajamento e comprometimento com o tratamento.

Alguns pacientes podem ter um pensamento rígido sobre os aspectos que envolvem o
funcionamento máximo quando estão no episódio hipomaníaco ou maníaco. Por exemplo,
podem se sentir extremamente produtivos, conseguindo envolver-se nos seus projetos
por várias horas. O terapeuta pode afirmar que é compreensível que o paciente não queira
buscar um humor estabilizado quando o que realmente deseja é o alto funcionamento.
No entanto, o profissional pode usar perguntas de descoberta guiada para auxiliar os
pacientes a examinar suas próprias experiências passadas em busca de evidências a favor
e contra a conveniência de seus objetivos, identificando as vantagens e as desvantagens
que englobam seu comportamento.

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Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Os terapeutas não podem exigir ou impor aos pacientes com TB uma


adesão inicial total do plano de tratamento. É necessário encontrar formas
de envolvê-los na busca de objetivos razoáveis com concordância entre
terapeuta e paciente, chegando a um estabelecimento de compromissos
negociados que serão avaliados durante o processo terapêutico.

O uso de feedback é essencial. Os pacientes devem ser estimulados a dar


opiniões sobre a sessão e acerca de como percebem o modo que estão
sendo tratados pelo terapeuta. Por sua vez, este também dá feedback
aos pacientes, reforçando positivamente os esforços construtivos para
se envolver no plano de tratamento, bem como oferta com sensibilidade
comentários de preocupação caso os pacientes se afastem do plano ou
respondam de forma disfuncional a ele.

41
TCC E TB NA INFÂNCIA
E ADOLESCÊNCIA
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Os primeiros sinais de transtorno bipo-


lar ocorrem frequentemente na infância
e adolescência. Dessa forma, precoce-
mente, a identificação dos sintomas e a
intervenção é fundamental para a esta-
bilização do quadro e maior qualidade
de vida aos pacientes e aos seus fami-
liares. Contudo, o processo de avaliação
a definição do diagnóstico de TB pode
se revelar um desafio para os terapeu-
tas. Por exemplo, pode ser confuso
para alguns profissionais diferenciar os
sintomas de uma mania como gran-
diosidade de aspectos relacionados à
infância como imaturidade ou fantasias
comuns dessa fase do desenvolvimento
humano. Ademais, alguns sintomas do
TB podem estar presentes em outros
transtornos (p. ex., labilidade de humor,
agitação e irritabilidade), como Transtor-
no de Déficit de Atenção/Hiperatividade
(TDAH) e Transtorno Depressivo Maior.
Ademais, alguns pacientes podem ter
comorbidades, dificultando mais ain-
da o processo de avaliação. Portanto,
investir em um diagnóstico diferencial é
essencial, pois implicará em uma inter-
venção mais eficaz (Newman, 2021).

43
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Esperamos que o e-book tenha produ-


zido valiosas contribuições para a sua
prática profissional. Buscamos, aqui,
sintetizar conteúdos fundamentais
acerca da avaliação e intervenção sob
a perspectiva da TCC. Desse modo, su-
gerimos a busca pelas produções que
constam nas referências, bem como a
procura por outros materiais de apoio
a fim de obter uma compreensão mais
específica e apurada sobre as particula-
ridades que envolvem o tratamento de
indivíduos com TB.

45
SOBRE ESTE E-BOOK
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

Como citar:
Anjos Filho, N. C. dos & Neufeld, C. B. (2023, abr.).
E-book Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos
para terapeutas cognitivos-comportamentais. Artmed.

AUTOR

Nilton Correia dos Anjos Filho. Doutorando e Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Terapeuta
Cognitivo-comportamental e Especialista em Saúde Mental pelo Programa
de Residência Multiprofissional em Saúde da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB). Pesquisador Membro do Parapais - Grupo de Pesquisa sobre
Parentalidade e Desenvolvimento Socioemocional na Infância/UFBA).

EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld. Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela


Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório
de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP.
Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
– USP. Presidente da Associação Latino Americana de Psicoterapias
Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e
Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).

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A ARTMED
Transtorno Bipolar: direcionamentos clínicos para terapeutas cognitivo-comportamentais

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Artmed.
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