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Introdução

Durante a década de 1940, a psiquiatria brasileira estava voltada para inovações cientificas e
tecnológicas, como eletrochoques e cirurgias neurológicas. Nesse contexto, movida pela
indignação com os métodos de tratamentos utilizados pelos hospitais psiquiátricos da época,
Nise da Silveira, médica psiquiatra, investiu na pesquisa e no desenvolvimento de uma prática
clínica em terapia ocupacional.

Nise da Silveira nasceu em Maceió, Alagoas, em 15 de fevereiro de 1905, ingressou na


faculdade de Medicina da Bahia com apenas 16 anos, formando-se no ano de 1926. Casou-se
com seu primo e colega de classe, Mario Magalhães da Silveira, com quem viveu até ele
falecer. O casal mudou-se para o rio de janeiro no ano de 1927, mas somente em 1933 a
médica começou a trabalhar no Hospital da Praia Vermelha, no setor de Serviço de Assistência
a Psicopatas e Profilaxia Mental.

No ano de 1936, durante a ditadura Vargas, Nise foi presa devido a intentona comunista,
permanecendo encarcerada por aproximadamente 16 meses. Apenas em 1944 conseguiu
retornar ao serviço público, no qual trabalhou no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, de
Engenho de dentro e nesse mesmo centro, criou a seção de terapêutica ocupacional, em 1946,
como uma forma alternativa de tratamento que explorava o lado artístico dos pacientes,
devido ao seu descontentamento com os métodos utilizados na época.

A médica psiquiatra fundou o Museu de imagens do inconsciente, em 1952, com obras de seus
pacientes e quatro anos depois, criou a pioneira clínica psiquiátrica de regime aberto, chamada
de Casa das palmeiras. Além disso, estudou psicologia analítica e esteve no instituto Carl
Gustav Jung, desse modo, se tornou referência da abordagem teórica no Brasil. Nise da Silveira
faleceu no rio de janeiro, aos 94 anos de idade.

O presente trabalho busca, portanto, apresentar de maneira resumida a história de vida e os


grandes feitos de uma das pioneiras da psicologia no brasil, responsável por revolucionar os
métodos de atendimento ao portador de transtornos mentais no país.
Justificativa

Ao observar a importância do trabalho de Nise da Silveira tanto para psiquiatria, como para a
psicologia brasileira, notou-se a viabilidade de elaborar um projeto de pesquisa que procura
disseminar uma visão mais ampla sobre a médica psiquiátrica, apresentando um pouco sobre
sua vida, sua formação e suas obras.

Por ter sido a única mulher em sua turma de medicina da época e ter defendido uma tese
sobre a criminalidade da mulher no brasil, em um período no qual o assunto não era muito
discutido, Nise representa uma forte personagem feminina e um grande exemplo para as
mulheres até nos dias atuais.

Nise da Silveira é reconhecida por lutar contra as técnicas psiquiátricas que considerava
agressivas aos pacientes e inserir métodos de tratamentos relacionados a arte, incentivando
seus pacientes a pintar e modelar, com intuito de possibilitar que os doentes reatem seus
vínculos com a realidade por meio da criatividade, dessa maneira, revolucionou a psiquiatria
no país, além de ser considerada uma das pioneiras da psicologia no Brasil.
Nascimento ,infância e formação

Nise Magalhães da Silveira nasceu no dia 15 de fevereiro de 1905, em Maceió, no Estado de


Alagoas. Filha única de Maria Lídia e Faustino Magalhães da Silveira.

Nise era uma criança muito talentosa e inteligente, foi também uma adolescente de fina
sensibilidade e uma jovem que pronunciava a emancipação feminina.

O seu ambiente familiar proporcionou a ela contato com questões humanas e artísticas, fez
questionamentos como:

"Por que eu tenho tudo e a maior parte das pessoas não tem nada?".

Um pouco mais velha, foi estudar em um Colégio de Freiras, além de aprender francês e
estudar teatro clássico.

Nise era apaixonada por animais, sempre que via um abandonado na rua, o levava para sua
casa.

Em 1920, Nise concluiu seus cursos primário e secundário, em seguida, prestou exames
preparatórios para o vestibular e foi aprovada em medicina.

Em uma entrevista ,anos mais tarde, perguntaram a ela:

"Por que escolheu estudar medicina?" Nise então respondeu que não tinha nenhuma vocação
para a medicina, pois quando via sangue ficava tonta, logo, nunca poderia ser médica.
Finalizou alegando que escolheu o curso por influência de outras pessoas .

Graduação

Nise iniciou a graduação em 1921 na Faculdade de Medicina da Bahia em Salvador. Era a única
mulher em uma turma com 157 alunos. Burlou seus documentos para poder ingressar, pois
tinha quinze anos na época e só seria permitido para ela iniciar os estudos universitários com
dezesseis anos. Seu pai conseguiu que modificassem em seu documento sua data de
nascimento para 10 de Janeiro de 1905.Graduou-se em 1926, se tornando uma das primeiras
mulheres a se formar em medicina no Brasil. Durante a formação, estagiou a maior parte do
tempo na clínica pela qual o conhecido e respeitado professor Prado Valadares, catedrático da
faculdade, era responsável.

Na época era obrigatório defender uma tese para se formar em medicina, então, buscando a
formação e o título de Doutora em Ciências Médico-Cirúrgicas defendeu a tese intitulada "
Ensaio sobre a Criminalidade da mulher no Brasil", motivada por uma revista sobre
Criminologia que lera durante uma de suas férias na casa de seus pais.

Na tese, disserta sobre o crime ser um fenômeno biopsicossocial, ideia base da então nova
ciência da Criminologia, e aponta dados referentes a menor incidência de crimes cometidos
por mulheres em relação aos cometidos por homens no Brasil e no mundo. Também discorre
sobre o papel da mulher na sociedade, suas vantagens e desvantagens em relação ao homem,
sobre a prostituição ser ou não colocada como item nos crimes comuns além de outros
aspectos. Finaliza a tese afirmando não ter conseguido encontrar em sua pesquisa dados
exatos sobre o número de crimes cometidos por mulheres no Brasil em detrimento da
desorganização do serviço de estatística nacional. Foi avaliada com a nota máxima pela defesa
de sua tese.

Relacionamento e primeiros anos de profissão

Manteve um relacionamento com seu primo paterno Mario Magalhães da Silveira, também
formado em medicina na mesma faculdade. No início do curso, ela morou numa pensão para
estudantes, depois passaram a viver juntos, mas só oficializaram a união em 1940, união esta
que durou até 1986, ano em que Mário faleceu devido a complicações decorrentes de um
aneurisma da aorta abdominal, descoberto durante o tratamento que estava fazendo para
combater uma pneumonia. Os dois não tiveram filhos pois concordaram em se dedicar
inteiramente ao desenvolvimento de suas carreiras médicas.

Passado um mês de sua formação universitária e retorno a Maceió, Nise sofre com o
falecimento de seu pai, que iria completar 47 anos no dia seguinte, fazia aniversário no mesmo
dia que ela (15 de Fevereiro).

Muda com seu companheiro um mês depois para o Rio de Janeiro, ficam em uma pensão em
Copacabana, mas devido ao dinheiro escasso, mudam para a rua do Curvelo, no bairro de
Santa Teresa. Na rua, também moravam o jornalista Octávio Rego Brandão e a poeta Laura
Brandão, sua esposa. Octávio e Laura eram defensores e divulgadores dos pensamentos de
linha Marxista, participavam de comícios e faziam parte do Partido Comunista do Brasil, na
época clandestino. Em 1931 foram deportados do país devido a seus ideais.

No Rio, Mário se especializa em Higiene e Saúde Pública, tornando-se com o tempo um


respeitável sanitarista reconhecido por defender novas políticas públicas de saúde, passando
por cargos como assessor, médico sanitarista, diretor de departamento de saúde e professor.
Já Nise, não encontrando emprego, passa a trabalhar, de forma voluntária na Clínica
Neurológica do professor Antônio Austregésilo Rodrigues de Lima, conhecido como precursor
dos estudos de Neurologia no Brasil. Na época, fez alguns trabalhos, como o ensaio "Estado
mental dos afásicos", publicado posteriormente em 1944 e "Conceito Clínico da série
Wilsoniana", escrito com o professor Austregésilo e também só publicado tardiamente, em
1945 .

Em 1932 vira médica residente no Hospital , no Hospital Nacional de Alienados, na zona sul do
Rio de Janeiro, exercendo sua função no Pavilhão da ala Neuriátrica ( tratamento de doenças
nervosas) supervisionada pelo professor Austregésilo, que tempos depois a inscreve para um
concurso público. Enquanto estuda, fica morando no hospital e Mário viaja pelo país fazendo
parte da campanha para erradicar o mosquito da febre amarela. Nessa época, Nise se filia ao
Partido Comunista, mas com o tempo, acaba sendo expulsa pois sua dedicação aos estudos
não relacionados a ideologia do partido não eram vistas com bons olhos, depois ainda
participa de algumas reuniões da Aliança Nacional Libertadora, uma organização de Esquerda.

Prisão

Em Janeiro de 1936 com a intensificação da caça aos comunistas como parte do plano para
manter Getúlio Vargas no poder, Nise é presa, porém liberada no mesmo dia. Nise consegue
ser aprovada para a vaga de Médica Psiquiatra no Serviço de Assistência a Psicopatas e
Profilaxia Mental também do Hospital Nacional de Alienados, além dela, mais quatro colegas
estagiários são aprovados também.

Em Março de 1936, é presa novamente, denunciada por uma enfermeira que viu livros de
Marx junto aos pertences dela. No momento em que está sendo levada pelos policiais, uma
das pacientes, portadora de esquizofrenia, visivelmente incomodada, parte para cima da
enfermeira que a denunciara, fazendo Nise perceber que, diferente do que constava na
literatura, os pacientes portadores de esquizofrenia tinham sim afeto.

Dessa vez, fica um ano e meio na cadeia, sem se comunicar com Mario, evitando que ele
perdesse seu cargo público por ligações com ela. Na prisão, conhece e mantém contato com o
escritor Graciliano Ramos, que posteriormente a transforma em personagem de seu livro
Memórias do Cárcere. Para manter sua saúde mental e de outros, Nise se ocupava de
passatempos, o que seria uma experiência rica para seu trabalho futuro com Terapia
Ocupacional.

Outro acontecimento importante durante sua época na prisão foi o início do estudo das obras
do filósofo racionalista Baruch de Espinosa, que se tornaria um de seus filósofos preferidos.
Sete cartas que escreve endereçadas a ele em1989 se tornam o livro “Cartas a Spinoza”
publicado em 1995.
Em 1940, Nise e Mário se casam e vão morar no Nordeste do país, em Manaus, onde Mário
passa a atuar como Delegado Federal da Saúde.

Anistia

Em 1944, é anistiada e retorna ao serviço público como psiquiatra no Centro Psiquiátrico


Nacional, no bairro do Engenho de dentro na zona norte do Rio de Janeiro.

Contando o tempo de prisão, ficou oito anos afastada do serviço público. Na tentativa de
reinseri-la no meio médico, o professor Austregésilo auxilia na publicação dos dois ensaios
citados anteriormente, o primeiro na Revista Medicina, Saúde e Farmácia e o segundo, em
1945 na revista Cultura Médica.

Retorno ao serviço público

Nise retomou ao serviço público em 17 de abril de 1944 no hospital Pedro II.Lá, se deparou
com médicos responsáveis por um tratamento que envolvia eletrochoque e se negou a fazer
tal procedimento. Ela tinha ideais, princípios e valores que construiu ao longo de sua vida,
zelava pela vida e os direitos das pessoas. Para Nise, os considerados “loucos” só precisavam
de um atendimento humanizado para desencadear suas emoções e despertar em seus
cérebros seu autocontrole. Como resultado de sua negação a participar do tratamento
agressivo, foi designada para trabalhar na área que era menos reconhecida pelos demais
médicos: a terapêutica ocupacional.

Terapia ocupacional

Uma área que trata de pacientes portadores de alterações cognitivas, afetivas perceptivas e
psicomotoras. Vê o paciente em sua particularidade, cada um com sua limitação, de forma
diferente, para que possa ser tratado com eficácia e ter um melhor desenvolvimento. Tem
como objetivo estimular e reintegrar o paciente à sociedade.

Trabalhando nessa área, Nise, teve seu momento mais marcante, onde conciliou psicologia,
psicanálise, fenomelogia, filosofia, psiquiatria, arte e artesanato para fundamentar seu método
de trabalho com seus clientes. Em sua vida, teve influências marcantes, sua família, por
exemplo, que possuía pessoas cultas, influenciaram muito o seu modo de analisar as coisas e
tomar decisões, vendo a arte como algo de extrema importância para ter um desenvolvimento
em seus clientes, começou então a utilizar esse novo método.
A importância da arte para a sociedade

O ser humano vive em um mundo em que cresce por meio de culturas, que os levam a se
adequar ao ambiente em que vive, que levam-no ao conhecimento e aperfeiçoamento da
ciência. Precisando conhecer o meio artístico e se desenvolver por meio dele. Buoro diz que
“[...] no percurso da história não há civilização que não tenha produzido arte”. A arte sempre
esteve presente no cotidiano do homem.

A arte é uma forma de manifestação social, o indivíduo se liberta de suas emoções,


pensamentos, modo de visão ao seu redor, mostrando e se libertando do seu momento atual
por meio dela, assim as pessoas conseguem se expressar. O estudo dela é importante, para
compreender a relação do ser humano com a sociedade.

Nise desenvolveu uma terapia inovadora, um envolvimento intenso com a arte, com processos
de criação artística e seu envolvimento com a maneira de se expressar do indivíduo. Ela
constatou que na época em que ficou no cárcere, a arte a auxiliou a aguentar o sofrimento. E
foi nesse período que sua mente se abriu para que obtivesse ideias que a levariam para a
história. Durante o trabalho com os clientes, propõe uma gama de oficinas. Um jovem artista
chamado Almir Mavignier aceita a proposta de auxiliá-la, o que leva ao nascimento de um
projeto que deu a origem ao Museu do Inconsciente.

Nise encontra uma nova forma de fazer a Terapia Ocupacional, uma terapia Spinoziana que
une a arte com o conhecimento acerca da práxis, da psique do ser humano e das ciências
humanas. O desenvolvimento de seu ateliê certamente ultrapassou todas as expectativas,
abrindo janelas para as imagens do inconsciente. As obras feitas pelo seus clientes, algo para
se decifrar, então recorrendo a Sigmund Freud e seus estudos do inconsciente e a Carl Gustav
Jung e seus estudos da vida interna do homem e da mitologia.

Em 1946 criou-se a seção de terapêutica ocupacional propriamente dita, onde seus clientes
eram inseridos no meio artístico através de dança, música, teatro, entre outros, mas o que
mais se destacou foi o trabalho com a pintura. Nise visualizou que por meio dela dava para se
observar o profundo de seus pacientes portadores de Esquizofrenia. Eles eram considerados
“loucos” de difícil acesso, até hoje não se foi diagnosticado ao certo o que ocorre com esses
indivíduos, mas, por meio da arte , ela pôde observar seu profundo, suas emoções, então
desencadeando sua vivência para estudos científicos. No meio desta vida complementar, por
trás de seus uniformes abandonados, na luta pela mudança de ambiente hospitalar, surgiram
seres excepcionais como Emygdio, Raphael, Adelina, Isaac, Carlos, Fernando, Abelardo,
Octavio, Lúcio, todos possuidores de uma capacidade de expressão extraordinária.

A Esquizofrenia é uma das doenças psiquiátricas mais graves e desafiadoras. A maioria dos
clientes de Nise eram portadores de Esquizofrenia, os sintomas provocados são os mais
severos e temidos dentre as enfermidades psiquiátricas, pois significam a perda do controle da
vida e das emoções e as pessoas se veem frente a uma inundação de pensamentos desconexos
e de percepções até então desconhecidas.
Emoções refletem nos comportamentos

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2001), o nosso corpo tem um ligação com nossas emoções.
Um acontecimento com nosso físico pode gerar consequências, emoções e assim vice-versa,
pois tudo é um conjunto, somos como “fabricas” que se movem em torno de todos os setores.
Nise acreditava que trabalhando com as emoções através do meio artístico, poderia
compreender e ter um melhor desenvolvimento para que essas pessoas pudessem ter um bom
desempenho para um convívio melhor com a sociedade e com eles mesmos. Nise diz: “A
criatividade é o catalisador por excelência das aproximações de opostos. Por seu intermédio,
sensações, emoções, pensamentos, são levados a reconhecerem-se, e mesmo tumultos
internos adquirem forma. ( no livro “Imagens do Inconsciente”. Rio de Janeiro: Alhama, 1981,
p. 11.)”.

Museu de Imagens do Inconsciente

Fundado em 20 de maio de 1952, o museu de Imagens do Inconsciente que estava vinculado


aos ateliês de pintura e de modelagem, foi um sucesso e estava sempre evoluindo. Foi um
marco na história do Brasil, com exposições únicas e magníficas sendo admiradas por médicos
e pesquisadores do exterior. As pinturas nos quadros sempre foram motivos para estudos do
indivíduo que as realizou, para tentar decifrar suas emoções internas consideradas
indecifráveis.

O museu é um centro vivo de pesquisa e até hoje funciona normalmente. Seu acervo possuí
atualmente cerca 350 mil pinturas e modelagens, suas exposições reúnem grupos de estudos,
promovem cursos e oferecem aos interessados campo para pesquisas. Essas imagens contém
informações paralelas a temas místicos, podendo-se também acompanhar o desdobramento
de processos intrapsíquicos.

Os terapeutas analisam as imagens, estudam a atual vida pessoal do indivíduo e buscam


conseguir estabelecer conexões para obter resultados para seu desenvolvimento.

“ O que melhora o atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra. O que cura é a
alegria, o que cura é a falta de preconceitos” Nise da Silveira.

Casa das Palmeiras

Em 1956, no Rio de Janeiro, Nise da Silveira, criou junto com a psiquiatra Maria Stela Braga, a
artista plástica Belah Paes Leme e a assistente social Ligia Loureiro, a Casa das Palmeiras, um
local que visava o acolhimento dos clientes com transtornos psiquiátricos que tiveram alta.
Após refletir sobre o constante retorno desses clientes às instituições psiquiátricas, teve a ideia
de criar um espaço de lazer e práticas artísticas e terapêuticas como uma espécie de
preparação para o retorno ao convívio com o mundo e com as pessoas. Neste espaço, os
clientes criam e se expressam de forma livre e decidem quanto tempo desejam ficar.

Além de um local de acolhimento, o espaço também é um local de estudos.

Em 1986, a Editora Alhambra, lançou o livro “Casa das Palmeiras, a emoção de lidar, uma
experiência em psiquiatria” escrito pela Drª Nise.

Nise da Silveira e sua relação com Jung

O espírito pesquisador da Dra. Nise da Silveira a aproximou da vanguarda intelectual de sua


época e a colocou em contato com as obras de Sigmund Freud e Carl Gustav Jung. Os estudos
de Jung sobre o inconsciente, em particular, chamaram a atenção dela, pois se relacionavam
diretamente com os trabalhos que ela realizava na época e deram respostas a fenômenos que
observava nas suas experiências com os pacientes.

O trabalho de Nise com os internos consistia na terapia ocupacional, que foi completamente
reestruturada por ela durante o período em que trabalhou nessa área. O que antes era um
local descuidado e que não atendia devidamente o que se propunha se tornou um espaço
onde os pacientes, ou “clientes” como dizia Dra. Nise, podiam se expressar livremente através
de atividades manuais como a pintura, modelagem e o bordado, o que proporcionava uma
melhora considerável no estado mental dos doentes.

Um fenômeno que chamou a atenção da Dra. Nise, foi o aparecimento de algumas formas que
se repetiam nas pinturas dos esquizofrênicos, como círculos e mandalas. Foi a partir dessas
observações que surge o primeiro contato entre ela e o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, que
vinha a um tempo estudando as mandalas e a sua relação com a psique.

Em diversas religiões orientais as mandalas são consideradas símbolos mágicos que


representam harmonia e integração e muitas vezes são usadas como ferramentas que auxiliam
na meditação e introspecção. Para Jung as mandalas representam o arquétipo do self, a
consciência em sua totalidade, e possuem o potencial de reorganizar a psique. Dra. Nise ao
perceber que seus pacientes estavam produzindo mandalas entrou em contato com Jung por
meio de correspondências e mandou fotos das mandalas. A partir desse momento surge um
diálogo e trocas de experiências que mais tarde tiveram muita importância para ambos os
pesquisadores.

Esse contato resultou em um convite vindo de Jung para estudar em sua instituição, em
Zurique, sendo sua orientadora Marie Louise Von Franz, uma das mais célebres discípulas de
Jung. Posteriormente no ano de 1957, Nise apresentou no II Congresso Internacional de
Psiquiatria a exposição “A arte e a esquizofrenia” onde pôde apresentar ao mundo o trabalho
que estava sendo realizado na terapia ocupacional.
A aproximação desses dois grandes nomes da psiquiatria trouxe avanços consideráveis em
relação aos estudos sobre o inconsciente, inconsciente coletivo e arquétipos. Dra. Nise é
considerada a percussora da psicologia Junguiana no Brasil, fundou formalmente em 1969 o
grupo de estudos C. G. Jung, porém os encontros já eram realizados informalmente desde
1954, o registro formal do grupo foi uma forma de evitar as perseguições policiais que
sofreram na época da ditatura militar. Além de debater as ideias de Jung e realizar estudos
referentes à psicologia e psiquiatria, o grupo também propunha diversas discussões sobre arte
e em 1965 passaram a produzir a revista “Quarténio”.

Em 1968, Nise publicou o livro “Jung vida e obra”, que segundo ela não tem a pretensão de
resumir a psicologia de C. G. Jung, é apenas um mapa de bolso, um itinerário de estudo, que
busca guiar o leitor nesse amplo campo, que é a psicologia Junguiana. O livro abrange
questões biográficas, a interpretação de conceitos como: complexos, energia psíquica, tipos
psicológicos, estrutura da psique, inconsciente coletivo, processos de individuação,
interpretação de sonhos e a relação de Jung com os mitos, com a alquimia e com a religião.

Os estudos realizados na terapia ocupacional e o contato com a teoria Junguiana culminaram


no livro “O mundo das imagens”, de 1992. Nessa obra Nise critica o modelo médico tradicional
e sua base cartesiana, que segundo ela eram extremamente agressivos e expõe o trabalho
realizado com os pacientes na terapia ocupacional, sempre dando explicações psicológicas
para os símbolos que apareciam. No conteúdo expresso nas obras produzidas pelos internos,
foi possível interpretar uma comunicação simbólica que representava o desenvolvimento auto
curativo da psique.

Um caso memorável é o do paciente Lúcio Noeman. Lúcio encontrou na terapia ocupacional,


através da modelagem, uma forma de lidar com suas emoções. Era expressa em suas
esculturas a constante luta entre os opostos (consciente x inconsciente, bem x mal), ideia
comum nos delírios esquizofrênicos. Ao dar vazão a esses sentimentos, que o atormentavam
quando não direcionados devidamente, os sintomas de sua doença eram minimizados e um
avanço considerável era visto em seu estado. Porém, mesmo com o desenvolvimento positivo
de seu comportamento, a família e o médico psiquiatra responsável por Lúcio optaram pela
psicocirurgia. O resultado foi desastroso, não trouxe nenhuma melhora em suas relações e
atividades sociais, além de destruir completamente a sua capacidade criativa e afetiva. Após a
lobotomia ele demonstrava apatia no ateliê e uma grande regressão em seus trabalhos
apresentados.

Em suma o intuito do livro é apresentar essa comunicação não verbal entre a consciência e o
inconsciente e os benefícios que esse contato traz para saúde mental dos pacientes. Expressar
esses conteúdos inconscientes através do trabalho manual é uma forma de jogar luz na
sombra e ativar a energia transformadora da psique, o que leva a um movimento de
reintegração e reorganização psíquico.

Animais co-terapeutas

Outra ferramenta importante que era usada no tratamento dos doentes era o afeto
catalisador. As observações realizadas mostravam o quão difícil e pouco eficaz qualquer
tratamento se tornava, se não houvesse um ponto de apoio em que o paciente pudesse
depositar seu afeto. Geralmente os pontos de referência eram os monitores, porém Nise
percebeu que poderia usar animais para realizar essa função. O fato dos esquizofrênicos se
vincularem facilmente com os cães e gatos a levaram a essa conclusão, além disso, esses
animais possuem estabilidade emocional e não poderiam intervir no trabalho realizado pelos
pacientes, o que dava mais motivos para serem usados como co-terapeutas, como a própria
Dra. Nise os designava.

Ela tinha um amor especial pelos felinos, o que a levou a escrever um livro inteiramente
dedicado a eles “Gatos, a emoção de lidar”, publicado postumamente em 2016, onde ela traz
diversas curiosidades sobre os gatos, aponta a relação deles com a arte e a literatura, além de
comentar sobre o seu simbolismo, e qualidades psíquicas.

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