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Esta é uma tradução livre e gratuita.

Todos os direitos estão reservados à autora.

Publicado originalmente em 1979 na International Jorunal of Health Services.


TRABALHO E SAÚDE
NO MÉXICO

ASA CRISTINA LAURELL

Tradução de Fernando Farias


Uma tradução do coletivo Saúde Camarada, 2024.
ISBN: 9786500934182

Publicado originalmente em 1979.

Autoria Asa Cristina Laurell

Tradução Fernando I. R. de Farias

Diagramação Willyam V. dos Santos


Na história do marxismo, houve muites camaradas que trabalharam em serviços de saúde, que vislum-
bravam na luta anticapitalista a única forma de criar condições de vida melhores para nossa classe.
Algumes, como Che Guevara, se dedicaram mais à guerrilha do que à prática clínica em si; agiu de
acordo com o que as Revoluções que ele participou demandaram. Já outres, como Nise da Silveira,
que teve um contato breve com organizações de esquerda e marxistas, em especial o PCB, a UFB e
a ANL, construíram um legado enorme na prática clínica. Outres ainda, como Breilh, Laurell e Arou-
ca – e nestus em especial repousa nosso Coletivo – além da prática clínica, sentiram necessidade de
criticar o próprio entendimento do que é a Saúde.

Cada ume à sua maneira, nosses camaradas araram o solo em que pisamos agora, onde pretendemos
construir um ambiente propício para continuar o trabalho de crítica ao entendimento da Saúde, mas
também de produção de uma nova saúde, dentro e, principalmente, fora da academia.

Esse é o principal problema que nos motivou. A Saúde Marxista, como aglutinamos propositalmente,
é um conjunto de diversos campos teóricos e metodológicos, com concordâncias e discordâncias,
num movimento constante de evolução crítica. É um ramo da saúde crítica que, mais do que entender
o “aspecto social” da saúde, tal qual se faz em quase todas as faculdades de saúde, entende a cen-
tralidade do ser social no processo de saúde. É um campo fértil, que tem um potencial gigante e que
floresce mais intensamente no Movimento Estudantil e na área acadêmica em si.

Porém, nós não concordamos que o papel da Saúde Marxista, enquanto crítica do modo de produção
aplicada, se restrinja a isto. Fomos destroçados por uma pandemia e foi desse ambiente em recons-
trução, que surgiu o Saúde Camarada, com objetivo de tornar o debate da saúde da nossa classe feito
para além dos muros da Universidade. A crítica marxista à saúde, à segurança, à educação, a cada am-
biente que reflete nossa opressão de classe… Essa crítica precisa estar na boca de cada trabalhadorie
e não somente nos da área da saúde.

Nosso coletivo foi fundado por Fernando Farias e por Lucas Oliveira, ambos militantes do complexo
partidário do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Atualmente, Fernando segue no coletivo e outres
camaradas tomaram para si a tarefa de construir a capilarização desse debate. Nas redes sociais, es-
tamos presentes no YouTube e no Instagram, onde produzimos materiais de diversas formas. Nossas
portas sempre estarão abertas ao diálogo.

Para finalizar, é sempre importante reforçar: Saúde sem luta de classes mora ao lado da eugenia.
Enquanto a academia debate sobre as repercussões do Capital no nosso adoecer, nós estamos mor-
rendo. No mundo do trabalho em saúde, da mesma maneira estamos morrendo, enquanto se discute
novas formas de precarizar o trabalho e o serviço. O debate da saúde precisa ser do povo, porque
quem vai construir uma nova sociedade (e uma nova saúde) seremos nós, o povo.

Nos siga nas redes sociais e apoie nosso trabalho!


Boa leitura!
Sumário
atuou em cargos no governo e universidades, além de
ser uma das membras fundadoras da ALAMES, junta-

Prefácio da tradução
mente com o sociólogo argentino Juan Cesar Garcia.

Na política, Laurell participou ainda no México da fun-


Por Fernando Farias dação do Partido da Revolução Democrática em 1989,
com várias funções na história inicial do partido. Este
destacamento lhe rendeu o cargo de Secretária de
Saúde do Distrito Federal, em dezembro de 2000. Em

E
seu tempo de trabalho, foi implementada o direito à
sta é nossa primeira tradução, de uma das prin- Pensão Alimentar (2002), a proteção da saúde como
cipais pesquisadoras da epidemiologia crítica la- direito constitucional (2003) e a criação do Programa
tinoamericana. Esta epidemiologia crítica, que é de Serviços Médicos e Medicamentos Gratuitos para
um termo guarda-chuva utilizado por nós, contempla trabalhadores sem seguridade social (2006), além
diversos autores, em especial dois deles, pois foram de outras conquistas do povo. Em 2006, Laurell re-
meus primeiros contatos com a saúde marxista; são nunciou ao cargo para trabalhar no trabalho político
eles: Breilh e Laurell. Neste primeiro material, come- de Andrés Manuel Lopéz Obrador, a quem continuou
çaremos por Laurell. próxima até muito recentemente. Laurell, durante o
período de dezembro de 2018 a junho de 2020, de-
Laurell é uma pesquisadora das ciências sociais, com sempenhou o papel de Subsecretária de Integração
formação inicial como médica-cirurgiã. Nascida em e Desenvolvimento do Sistema de Saúde. Enquanto
1943 na Suécia e naturalizada mexicana, estudou Me- parte de suas responsabilidades, concebeu o modelo
dicina na Universidade de Lund, onde já nesta época, de saúde intitulado “Atenção Básica em Saúde Inte-
participava de protestos anti-imperialistas, como con- gral e Integrada”. Em diversos países da América La-
tra a Guerra do Vietnã. Ao se formar, 1967, a jovem tina, África e Europa, ministrou cursos e seminários.
Laurell ganhou uma bolsa na Universidade da Califór- Além disso, apresenta-se como autora ou coautora de
nia-Berkeley (EUA), onde realizou seu mestrado em 18 livros e mais de 100 artigos.
Saúde Pública com especialização em Epidemiologia.
Durante esta fase, seguiu alinhada às lutas sociais, Destes artigos, um deles, disponível em inglês para
com ativismo e apoio às lutas do movimento negro leitura, é este que trazemos nesta tradução, em que
estadunidense contra a discriminação racial e em de- ela trata com bastante exatidão da transformação da
fesa dos direitos civis para a população negra. classe trabalhadora mexicana durante as décadas de
1940 a 1970. Apesar de ser uma abordagem num es-
Pouco tempo depois, em 1971, Laurell finalmente se crutínio específico, o método de análise laurelliano é
muda para o México, onde, posteriormente, ganhou apresentado em todo o decorrer do texto. Além dos
cidadania e mora até hoje. Inicialmente, trabalhou na óbvios paralelos com o Brasil por ser uma análise situ-
Universidade Nacional Autônoma do México, onde ada num solo da periferia do capitalismo, este artigo
ensinou e pesquisou questões sociomédicas, algo que contribui bastante para aperfeiçoar o estudo das ca-
chamou a atenção da Universidade Autônoma Xochi- tegorias saúde e trabalho.
milco, que em 1976 a convidou para seu segundo mes-
trado, onde pesquisou sobre os temas que mais a tor- No cerne das reflexões provocativas de Laurell, se
naram conhecida até hoje, sendo um destes o que dá constrói uma abordagem diferenciada dentre a Medi-
título a esta tradução: o trabalho e a saúde. Para ela, cina Crítica Lationamericana, que transcende as aná-
é simplismo tratar do impacto do trabalho na saúde lises convencionais sobre a interseção entre trabalho,
do trabalhador apenas como mais um fator ambiental; saúde e doença. A partir do panorama mexicano, ela
é subestimar (e ocultar) sua verdadeira face. Outros investiga transformações significativas nas causas de
temas que ela pesquisou e pesquisa são o processo morte entre os trabalhadores, desencadeadas por
social de saúde-doença, a política de saúde, a seguri- uma evolução no processo de trabalho ao longo das
dade social e críticas às Organizações Internacionais, décadas.
como o BM e o FMI.
Por isso, esta foi nossa escolha para primeira tradu-
Vinte anos após formada, em 1987, Laurell obteve seu ção livre e gratuita do Saúde Camarada. Nela, faz-se
doutoramento em Sociologia pela Faculdade de Ci- repensar da nossa compreensão convencional da re-
ências Políticas e Sociais da Universidade Nacional de lação entre saúde e trabalho. Para além do debate da
Missões da Argentina. saúde-doença como processo, e mais ainda um pro-
cesso social, como ela faz em outros materiais, neste
A partir de sua formação acadêmica e de seu ativismo Laurell trabalha a formação histórica das desigual-
constante em torno das lutas sociais, Laurell também dades, a formação histórica do adoecer capitalista e

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ainda a efetividade das legislações laborais em con-
traste com sua implementação prática. Esta provoca-
ção nos conduz a uma reflexão crítica sobre o papel
do sindicalismo tradicional mexicano, nos instigando
a uma reflexão também sobre nosso próprio e deca-
dente movimento sindicalista.

Por fim, Laurell tem uma defesa que é comum ao Saú-


de Camarada: é preciso se preocupar com a compre-
ensão da classe trabalhadora sobre o problema da
saúde. Não só sobre os Sistemas de Saúde, as Vigilân-
cias, os Hospitais e Faculdades de Saúde, mas sobre o
próprio adoecer. Nossas fileiras devem se apropriar
sobre o debate classista da saúde, para enfrentar com
mais força as mazelas que o capitalismo nos impõe. O
trabalho no capitalismo não é a única possibilidade,
do mesmo modo que a saúde, a doença e a morte no
capitalismo não é nosso único destino. Com teoria e
prática revolucionária, do campo à cidade e dos qui-
lombos aos povos indígenas, faremos nossa própria
revolução.

Pela
construção
de uma nova
saúde e de
uma nova
sociedade!
8
Resumo
Sugere-se que a relação trabalho-saúde-doença tradicionalmente tem sido anali-
sada de forma limitada, na medida em que o trabalho tem sido considerado apenas
como um fator situacional que coloca os trabalhadores em contato com riscos am-
bientais. Propõe-se que o trabalho é uma categoria essencial para a compreensão
da doença, quando se tenta estudar a doença não como um fenômeno biológico
individual, mas como um fenômeno social (e biológico) que ocorre à coletividade.
Além disso, sugere-se que a relação entre doença e trabalho seja analisada a partir
dos elementos do processo de trabalho, entendido como processo técnico e so-
cial, e da capacidade de realização de seus interesses pelos diferentes grupos so-
ciais. Revisando as tendências gerais de desenvolvimento do processo de trabalho
no México, mostra-se que nos últimos 20 anos houve uma transformação nas cau-
sas de morte entre os homens parte da População Economicamente Ativa e houve
um aumento no número e na taxa de acidentes de trabalho e doenças profissionais,
apesar de sua subnotificação. Por fim, a legislação trabalhista sobre saúde e segu-
rança é contrastada com sua efetiva implementação. Este problema é interpretado
no contexto do sindicalismo tradicional mexicano. Mostra-se que os sindicatos que
se democratizaram e conquistaram sua independência lutaram com mais vigor nas
questões de saúde e segurança ocupacional.

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de estudos sobre a relação entre renda/outros fato-
res socioeconômicos e diferenciais de saúde atesta a

Trabalho e saúde
prevalência dessa visão (ANTONOVSKY, 1967). Não
é coincidência que esse deslocamento ideológico da
produção para o consumo ocorra em sociedades que

no México se organizam segundo o princípio da exploração do


trabalho alienado [2]. A resolução total do problema
deve conceituar o trabalho de modo a incluí-lo como
categoria analítica central na compreensão da saúde

U
e da doença como situações sociais e coletivas inseri-
ltimamente tem havido, em vários países, uma das na estrutura da sociedade.
redescoberta da importância do estudo da
relação da saúde com o trabalho. O que por A corrente de pensamento epidemiológico materia-
muitos anos foi o domínio dos especialistas em pro- lista tem abordado o problema de uma maneira dife-
dutividade (KAPLAN, 1976), agora está se tornando rente, no entanto. A categoria central do importante
a preocupação de pessoas que estão tentando fazer trabalho de Eyer e Sterling, por exemplo, é o estres-
prevalecer os interesses dos trabalhadores. se, e os fenômenos sociais são analisados em relação
a esse fator. Tal procedimento minimiza a importância
Defenderei que sustentar uma visão operária no es- de uma análise cuidadosa das categorias sociais (en-
tudo da relação entre saúde e trabalho implica a ex- tre elas o trabalho) e tende a agrupá-las como um
ploração de duas dimensões do problema: a técnica, complexo indiferenciado e estressante sob a rubrica
tradicionalmente desenvolvida por especialistas em do capitalismo avançado (EYER; STERLING, 1977).
saúde do trabalhador, e a conceitual, que é necessá-
ria para a formulação de uma compreensão da classe Stark, por outro lado, faz uma análise muito sugesti-
trabalhadora sobre o problema da saúde. va do trabalho; ele enfatiza, e com razão, a natureza
social e coletiva do trabalho no capitalismo avança-
Parte da dificuldade em desenvolver novas ideias e do, propondo que a análise do trabalho seja válida na
modos de ação em saúde do trabalhador decorre da medida em que coloca a compreensão do processo
forma como o trabalho é concebido. Embora o traba- de trabalho no nível da sociedade como um todo, mas
lho seja a categoria central do problema em estudo, esse nível de abstração não oferece as ferramentas
parece que é tratado de forma bastante espontânea; necessárias para explorar como as partes se relacio-
quase não há tentativa de transformar o trabalho de nam como um todo (STARK, 1976).
uma categoria empírica em uma categoria científica.
Alguns grupos latino-americanos abordaram o pro-
Na abordagem clássica da saúde do trabalhador, o blema de forma diferente, embora suas propostas se-
trabalho é entendido como um problema ambiental, jam relativamente desconhecidas fora de seus países
pois coloca as pessoas em contato com agentes quí- de origem. Fassler, por exemplo, destaca a necessi-
micos, físicos, biológicos e psicológicos que as fazem dade de desenvolver uma compreensão da saúde que
sofrer acidentes ou adoecer. Obviamente, essa con- parta da análise do processo de trabalho para explicar
cepção reproduz a visão tradicionalmente mantida “a patologia individual como expressão concreta dos
pela medicina sob o capitalismo da doença como um antagonismos e contradições sociais”. Ela também
fenômeno biológico que ocorre individualmente. destaca que diferentes tipos de processos de traba-
lho encontram seu ponto de expressão em diferentes
O grande mérito da análise radical da saúde ocupa- momentos do ciclo de vida (FASSLER, 1978).
cional é ter demonstrado que os riscos à saúde dos
trabalhadores estão indissociavelmente ligados ao
funcionamento do sistema capitalista [1] e que, por-
tanto, a implementação de soluções depende mais
do poder e da luta do que de modificações técnicas

***
(ELLING, 1977).

O trabalho na visão capitalista é geralmente ignora- 1. NT: No original: “os riscos à saúde dos trabalhadores estão indis-
do quando as causas da doença são consideradas. A soluvelmente ligados ao funcionamento da indústria capitalista”.
forma mais comum de considerar o trabalho nesse Com a expansão do trabalho para além da indústria, preferimos a
contexto é transplantá-lo da esfera da produção para substituição para sistema capitalista.
a esfera do consumo, encarando o trabalho como ge-
2. NT: Sociedades capitalistas, especialmente no capitalismo de-
rador de recursos que determinam um padrão especí- pendente, como é o caso do Brasil, tendem a ter esta correlação
fico de satisfação de necessidades. O grande número mais explícita.

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da vida social, parece possível argumentar que as
exigências do processo de trabalho organizam toda a

Rumo a uma
vida social (ECHEVERRIA, 1976). Em certas situações
isso fica bem claro, e a separação ideologicamente
imposta entre o mundo do trabalho e o mundo do

conceituação de consumo desaparece. Por exemplo, o bairro operá-


rio construído em torno da fábrica em alguns lugares

trabalho e saúde
mostra como o espaço social é organizado a partir das
necessidades do local de trabalho: na escola, nome-
ada com o nome do patrão, as crianças são educadas
para se tornarem trabalhadoras; no recreio as crianças
aprendem qual tipo de lazer [3] deve ser considera-
do um bom lazer; e, no entorno, o apito estridente

O
que sinaliza o início de cada turno de trabalho impõe
primeiro ponto a ser feito no estudo do tra- o ritmo da fábrica [4]. O papel central organizador
balho e da saúde é que o trabalho é uma ca- do trabalho também é muito claro na vida dos tra-
tegoria social e, portanto, deve ser tratado balhadores agrícolas que são obrigados a se deslocar
como tal em nível analítico, e não apenas como mais de um lugar para outro em função das necessidades
um fator de risco ambiental. Devido ao lugar central do ciclo agrícola comercial. Suas casas, então, são os
que o trabalho ocupa em qualquer sociedade, parece quartéis de cada fazenda onde trabalham; seu acesso
inevitável que ele deva ser a pedra angular de qual- à assistência médica depende de serem trabalhado-
quer tentativa estruturada de explicar a origem social res ativos; seus filhos não têm possibilidade de ir à
da doença. escola; e até mesmo os preços dos bens básicos se
movem com eles - quando chegam, os preços sobem
O que é, então, o trabalho? Segundo Marx, o traba- e, quando saem, os preços caem.
lho é um processo consciente por meio do qual o ho-
mem se apropria da natureza para transformá-la em De fato, o poder coercitivo de organização do traba-
elementos necessários à sua vida. A produção da vida lho sobre a vida individual e social fica claro quando
material, sempre desenvolvida por meio de uma for- consideramos que nenhum trabalhador pode planejar
ma específica de sociedade, ocorre no processo de qualquer “projeto de vida” que não considere como
trabalho. O trabalho, então, é fundamental para toda ponto de partida o tempo e a energia que devem ser
a vida social, pois sem ele a reprodução da vida é im- despendidos em seu trabalho. E mesmo assim, como
possível (MARX, 1975). Este, porém, é o nível mais apontou Córdova, há como obstáculos certos tipos de
abstrato de compreensão do trabalho e do processo organização do trabalho, por exemplo, trabalho por
de trabalho, pois não especifica as relações sociais turnos, proibir o desenvolvimento regular de qual-
sob as quais ocorrem. A determinação essencial do quer atividade que não seja trabalho (CÓRDOVA,
processo de trabalho no capitalismo é que ele seja 1976a). Hoje, com certeza, à medida que o trabalho
organizado de forma a maximizar a criação de mais- perde sua especificidade e se torna mais facilmente
-valia e, portanto, lucro, fato que, como veremos, o intercambiável, este poder organizador sobre a vida
transforma profundamente (MARX, 1970). fora do local de trabalho torna-se menos visível, em-
bora não menos real.
O modo de produção específico em uma determinada
sociedade também gera um modo específico de con- A relação entre produção e consumo, no entanto,
sumo (MARX, 1970, p. 247). Um elemento importan- não explica exaustivamente a relação entre trabalho
te na determinação social do que são as necessidades e saúde, sendo, portanto, necessário desenvolver al-
de uma formação social deriva, assim, do processo de gumas noções básicas para o estudo do trabalho. Um
trabalho e, em muito menor medida, de elementos conceito adequado parece ser o de processo de tra-
biológicos. Na verdade, a biologia determina apenas balho, o qual por um lado específica a relação entre o
as necessidades fisiológicas muito básicas (MARX,
1975, p. 279), e mesmo assim há algumas divergências

***
muito sérias sobre o que é “normal” para a reprodução
da vida humana. Isso evidencia por que é inconvenien-
te na análise da saúde dissociar a esfera do consumo 3. NT: No original, “no recreio as crianças aprendem que tipo de
da esfera da produção e por que é incorreto reduzir o lazer é um bom lazer.”
trabalho a um simples gerador de bens.
4. NA: Esses tipos de bairros da classe trabalhadora podem ser
encontrados no México em torno das fábricas que foram iniciadas
Ao menos na sociedade capitalista, onde predomina
na virada do século. Eles são predominantes, por exemplo, em
a parte produtiva do processo produtivo-reprodutivo Tizapan e Tlalpan.

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trabalho, os meios de trabalho (instrumentos) e o pecto está diretamente relacionado à análise dos ins-
objeto de trabalho (MARX, 1975, p. 216); e por ou- trumentos de trabalho como expressão das relações
tro abre a possibilidade de estudar o caráter histórico sociais que os criaram. Por exemplo, os instrumentos
do trabalho [5]. O conceito de processo de trabalho de trabalho criados sob o capitalismo terão como ca-
sintetiza, além disso, duas características fundamen- racterística distintiva a imposição sobre o trabalha-
tais de qualquer produção: a de ter um lado essen- dor de um modo específico de trabalhar. Isso signi-
cialmente técnico – o processo de trabalho – e um fica, entre outras coisas, que a máquina dita o ritmo
lado social. Na sociedade capitalista, isso significa de trabalho e limita o poder de decisão relativo do
que, ao mesmo tempo em que o processo de traba- trabalhador. O primeiro fato está relacionado ao que
lho é um processo técnico por meio do qual os bens parece ser o maior risco do trabalho no capitalismo
estão sendo produzidos, é também um processo de avançado – o estresse – e o segundo aumenta, em
valorização do capital, ou seja, um processo em que certas condições, a propensão a acidentes não do tra-
os trabalhadores criam mais-valia que eventualmente balhador, mas do instrumento.
torna-se nada mais que o lucro do capitalista e o ca-
pital acumulado (MARX, 1975). Esta dupla natureza O elemento analítico mais importante do processo de
do processo de trabalho tem algumas consequências trabalho para a compreensão da saúde, entretanto,
importantes que são relevantes para o problema em é o próprio trabalho. É possível distinguir diferentes
estudo. formas de consumo de força laboral no trabalho, que
por sua vez implicam em diferentes formas de des-
No capitalismo, todo o processo produtivo é organi- gaste do trabalhador. Essas formas de consumo estão
zado de modo a render o máximo de mais-valia, va- ligadas à extração de mais-valia absoluta e relativa. A
lor que é criado pelos trabalhadores, mas cuja quan- extração do excedente absoluto é a forma mais primi-
tidade também depende da situação competitiva do tiva de exploração do trabalhador, pois consiste sim-
capitalista. Isso significa que o processo de trabalho plesmente no aumento da jornada de trabalho sem
ocorre em meio à luta de classes, obrigando os donos qualquer alteração nos instrumentos ou organização
do capital a desenvolver formas de controle sobre o do processo de trabalho (MARX, 1975). A extração
controle operário que se exerce essencialmente por de mais-valia relativa, por outro lado, pode ser obti-
meio da organização do processo de trabalho na fá- da de duas maneiras: aumentando a produtividade do
brica e do tipo de tecnologia utilizado. O princípio bá- trabalho por meio da mudança tecnológica, ou inten-
sico desse controle é separar a execução do processo sificando o trabalho. A extração de mais-valia relati-
de trabalho de sua conceitualização (BRAVERMAN, va é, portanto, a forma predominante no capitalismo
1975). O primeiro elemento a ser levado em conta, avançado (MARX, 1975) [6].
então, na análise de qualquer processo de trabalho
particular são as expressões concretas da luta de A extração da mais-valia absoluta, típico dos pro-
classes e a capacidade dos trabalhadores de atingir cessos de trabalho com pouco desenvolvimento tec-
seus objetivos. nológico, significaria uma combinação de diferentes
elementos: alto custo calórico, grande esforço físico
Analisar os três elementos do processo de trabalho e tempo insuficiente para descanso. Por outro lado,
– trabalho, instrumentos e objeto – a partir dessa du- como o salário é o elemento mais importante na de-
pla perspectiva permitirá uma compreensão técnica e terminação da quantidade absoluta de lucro em um
social de qualquer processo específico de trabalho. O nível baixo de tecnologia, a extração de mais-valia
estudo do objeto de trabalho deve levar em conside- absoluta tende a ser combinada com um baixo nível
ração suas propriedades físicas, químicas e biológicas, salarial que estabelece um limite na reprodução ade-
pois podem constituir sérios riscos à saúde, como se quada da força de trabalho e acelera ainda mais o des-
sabe tanto em relação aos objetos naturais, como o
minério, quanto aos artificiais, como os milhares de

***
produtos químicos substâncias usadas na indústria. A
transformação de um objeto em objeto de trabalho,
por outro lado, é socialmente determinada. Os instru-
mentos, ou meios de trabalho podem ser analisados​​ 5. NA: Processo de trabalho é um conceito que permite a análi-
em termos de sofisticação técnica ou como expressão se em diferentes níveis de abstração: como processo geral, como
processo de determinado modo de produção, como processo de
de relações sociais específicas. determinada formação social e como processo concreto.

O primeiro aspecto nos informa sobre o esforço físico 6. NA: É claro que em qualquer processo de trabalho (no capi-
necessário na execução do trabalho, os riscos impli- talismo) ambos os tipos de mais-valia são produzidos, mas à me-
dida que ocorre uma reorganização do processo de trabalho e o
cados na interação entre o trabalhador, o instrumento desenvolvimento dos instrumentos de trabalho, a produção de
e o objeto, e o grau de controle que pode ser exercido mais-valia relativa torna-se dominante, pois é possível aumentar a
sobre o instrumento pelo trabalhador. Este último as- extração de mais-valia sem prolongar a jornada de trabalho.

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gaste do trabalhador [7]. Os efeitos desse tipo de
processo de trabalho encontram sua expressão não

Economia e
apenas no trabalhador, mas também em sua família.
Isso foi muito claramente demonstrado por Gross e
Underwood, que mostraram que a combinação de
alto custo calórico e baixos salários na produção de
sisal causava desnutrição não nos trabalhadores, mas estrutura social
mexicana
em seus filhos (GROSS; UNDERWOOD, 1971).

O processo de trabalho em que predomina a extração


de mais-valia relativa caracteriza-se por uma forma
diferente de consumo de força de trabalho determi-
nada pelos efeitos do aumento da produtividade (o

D
que implica trabalhar com máquinas) e da intensidade
de trabalho (EYER; STERLING, 1977). A introdução de urante o período de 1940 a 1970, a estrutura
uma tecnologia mais complexa implica, pelo menos econômica e de classes do México foi profun-
até certo limite, exposição a mais riscos de acidentes damente transformada. Em 1940, o México era
e produtos químicos. Tanto a intensificação quanto o predominantemente um produtor agrícola e de maté-
aumento da produtividade provocam reações de es- rias-primas com uma população predominantemente
tresse e fadiga que provocam alterações fisiológicas rural. Em 1970, havia desenvolvido uma economia cujo
no organismo, dando origem à propensão a doenças setor central e dinâmico indubitavelmente era a ma-
tanto a curto quanto a longo prazo. O desgaste do nufatura e uma população na qual a classe trabalha-
trabalhador, neste caso, é um fenômeno mais comum dora industrial desempenhava um papel importante.
do que o padrão “excesso de trabalho-subconsumo” Mas o ano de 1970 também marca um ponto de virada
do produtor de mais-valia absoluta. Em países sub- na sociedade mexicana, pois até então os resultados
desenvolvidos como o México, uma parte importante de 30 anos de um tipo particular de desenvolvimen-
da população não participa diretamente do processo to cristalizado em uma crise econômica e social. Esse
produtivo capitalista, mas sim da pequena produção processo de desenvolvimento pode ser estudado sob
de mercadorias na agricultura. A vinculação dessa vários ângulos, mas tentarei focar apenas nos ele-
forma de produção ao modo de produção capitalista mentos de especial importância para a compreensão
dominante obriga o camponês ou o artesão a investir do trabalho e da saúde.
cada vez mais força de trabalho tentando manter um

Estrutura econômica
nível mínimo de consumo em uma situação de troca
cada vez mais desigual entre seus produtos e os in-
dustriais. O processo de trabalho camponês, então,
assemelha-se ao de extração de mais-valia absoluta,
visto que, com o baixo nível tecnológico, ocorre uma Como pode ser visto na Tabela 1, a participação do
rápida erosão física por longas jornadas de trabalho e produto nacional bruto representada pela agricultura
alimentação inadequada. e indústria extrativa diminuiu em importância relativa
entre 1940 e 1970, enquanto o restante da indústria e
Até aqui, parece possível postular a formação de di- do comércio aumentaram suas proporções. Esse pro-
ferentes padrões coletivos de consumo-reprodução cesso de industrialização foi sustentado essencial-
que seriam determinados pelos seguintes quatro ele- mente por quatro elementos: a manutenção de baixos
mentos: tipo predominante de mais-valia extraída; salários, transferência de recursos da agricultura para
desenvolvimento das forças produtivas; grau de con- a indústria, massivo investimento estrangeiro e uma
trole relativo sobre o processo de trabalho pelo tra- política econômica de Estado favorável ao capital in-
balhador; e situação de luta de classes. dustrial (ALEJANDRO ÁLVAREZ; SANDOVAL, 1975).

A análise desses elementos e do processo de traba-


lho poderia ser feita tanto no nível da formação social

***
como um todo, quanto no nível do processo de traba-
lho particular em, por exemplo, uma fábrica. Parece
necessário sublinhar mais uma vez que a determinação
social é tão real ao nível do local de trabalho concre- 7. NA: Se os salários representam uma porcentagem maior dos
to como ao nível da sociedade como um todo; a não custos de produção, como é o caso quando há um baixo nível de
tecnologia, a possibilidade de limitar os salários significa que o
compreensão disso pode atolar o trabalhador de saú- capitalista aumenta seu lucro se vender o produto a um preço fixo
de do trabalhador em questões técnicas de produção ou garantir seu lucro baixando os preços para um nível mais com-
e impedir uma compreensão mais ampla do problema. petitivo

13
Tabela 1 – Distribuição percentual do produto nacional bruto por setor econômico no México (1940-1970)

Setor econômico 1940¹ 1950¹ 1960¹ 1970²

1. Agricultura 22,6 22,5 18,9 11,5

2. Indústria 29,7 30,4 33,1 33,9

2.1 Mineração (7,9) (5,8) (5,4) (5,2)

2.2 Manufatura (18,6) (20,5) (23,0) (22,4)

2.3 Eletricidade e
(3,1) (4,0) (4,7) (6,3)
construção

Comérico 25,9 26,2 25,8 31,5

Serviços 21,9 20,9 22,2 23,1

¹ Banco do México (SOLÍS, 1973); ² Direção Geral de Estatística, SIC, México.

Isso significa que a taxa de exploração do trabalho Como pode ser observado na Tabela 2, o valor da pro-
tem sido extremamente alta, em torno de 100 a 150%, dução por trabalhador na indústria aumentou de for-
enquanto na Europa e nos Estados Unidos é incomum ma constante de 1940 a 1970. Como essa tendência
encontrar taxas superiores a 50% (GONZÁLEZ SA- não poderia ser obtida apenas fazendo com que cada
LAZAR, 1972). A descapitalização da agricultura, por pessoa trabalhasse mais tempo, isso significa que a
outro lado, levou a uma crise de produção. Durante o produtividade do trabalho aumentou e também indica
período 1965-1970 houve um decréscimo anual no va- uma mudança da mais-valia absoluta para a relativa.
lor da produção de 0,2% (sem qualquer recuperação Os dados relativos à produtividade por hora calcula-
considerável até 1976), embora o aumento anual da dos para o período de 1971 a 1975 expressam a mes-
população tenha sido de 3,5% (CANCINO; ESPINO- ma tendência, pois houve um aumento de 39% nesses
SA, 1977). Um dos resultados dessa política econômi- cinco anos (LEMUS; ARREGUÍ; MIRAMONTES, 1977).
ca foi uma crescente crise fiscal, com um aumento de
700% da dívida pública de 1970 a 1975 e um aumento
de 400% no déficit do balanço de pagamentos - dois
Tabela 2 – Capital investido e valor da produção por
importantes elementos que contribuíram para as des-
trabalhador na indústria de manufatura no México
valorizações do ano de 1976 (“Punto critico”, 1977a). (1940-1970)
O massivo investimento estrangeiro finalmente levou
Capital Valor da
a uma situação em que o capital estrangeiro controla
Ano investido por produção por
27% das 938 principais indústrias mexicanas, 50% das trabalhador¹ trabalhador¹
10 maiores e 53% da indústria produtora de bens de
capital (CORDERO, 1977). 1940 8,503 8,271

O papel central da indústria na estrutura econômica 1950 25,317 30,062


torna necessário obter alguma indicação de seu de-
senvolvimento em termos das ferramentas analíticas 1960 85,168 67,239
que foram propostas anteriormente, ou seja, o tipo
de mais-valia extraída e o desenvolvimento das forças 1970 120,133 130,696
produtivas. Dadas as dificuldades práticas de obter
expressões numéricas desses dois conceitos, utilizarei ¹ Em pesos; (CARBAJAL; CUELLAR, 1977, pp, 113-126).
algumas medidas indiretas que permitam uma aproxi-
mação.

14
A passagem da extração de mais-valia predominantemente absoluta para a relativa por meio do aumento da
produtividade implica em inovação tecnológica. O aumento do capital investido por pessoa também pôde ser
observado no período de 1940 a 1970. A Tabela 2 indica que os instrumentos de trabalho estão cada vez mais
caros, provavelmente porque são necessárias tecnologias mais complexas.

A Tabela 3 mostra a reorientação dos investimentos na indústria, com queda constante em bens de consumo
não duráveis e intermediários e aumento de seis vezes na importância relativa do investimento na produção de
bens de capital e bens de consumo duráveis. É sabido que esta última indústria é a mais sofisticada em termos
de tecnologia. Esse fato, então, aliado aos dados da Tabela 2, indicam que houve um processo bastante rápido
de desenvolvimento das forças produtivas nos períodos estudados.

Tabela 3 – Distribuição percentual de Capital investido no Setor Industrial mexicano (1940-1970)

Setor Industrial 1940 1950 1960 1970

Bens de consumo não


54,4 54,7 47,8 39,3
duráveis

Bens
41,4 34,9 38,4 37,7
intermediários

Capital e bens de
3,8 9,8 12,3 21,5
consumo duráveis

(CARBAJAL; CUELLAR, 1977, p. 207)

A Tabela 4 demonstra que existe uma clara diferenciação dos níveis salariais da classe trabalhadora industrial
de acordo com o tamanho da empresa empregadora. Mas também está claro que há uma relação inversa entre
a taxa de exploração e a importância da fábrica em termos de produção. Isso exemplifica a tendência de com-
binar a extração de mais-valia predominantemente absoluta com baixos salários, dadas as limitadas possibili-
dades de crescente exploração do trabalhador pela intensificação do trabalho e aumentos de produtividade
decorrentes da inovação tecnológica. Dessa forma, a Tabela 4 também indica que diferentes setores da classe
trabalhadora mexicana se desgastam de diferentes maneiras, o que, por sua vez, deve se refletir no padrão de
doença desses grupos.

Tabela 4 – Número de trabalhadores, rendimento anual e taxa de exploração no Setor Indus-


trial mexicano (1970)
Setor Industrial
Trabalhadores Valor Rendimento
por Valor Total Taxa
adicionado por médio anual
da Produção aproximada de
trabalhador por trabalhador
(em milhões de Número Percentual exploração
(pesos) (pesos)
pesos)

Mais que 1.500 390.223 24.7 15.279 6.740 126

1.501-5.000 178.799 11,3 31.611 15.828 100

5.001-20.000 302.223 19,1 43.698 20.200 116

20.001-50.000 243.591 15,4 55.012 23.772 131

50.001-100.000 166.520 10,5 67.652 28.010 141

Mais de 100.000 299.897 19 109.692 36.590 200

Total/Média 1.581.253 100 52.100 20.865 149

IX Censo Industrial, SIC, México

15
Tabela 5 – Distribuição da População Economicamente Ativa por Setor Econômico no México
(1940-1970)*

1940 1950 1960 1970


Setor
Econômico
Absoluto¹ Percentual Absoluto¹ Percentual Absoluto¹ Percentual Absoluto¹ Percentual

Agricultura 3,831 66,8 4.824 60,9 6.144 55,3 5.104 41,8

Indústria 747 13,1 1.319 16,7 2.008 18,1 2.974 24,4

Comércio e
552 9,6 684 8,7 1.075 9,7 1.197 9,8
Finanças

Serviços 599 10,5 1.090 19,7 1.884 16,9 2.934 24

Total 5.729 100 7.917 100 11.111 100 12.209 100

¹ Em milhares.
* Censo Geral da População, SIC, México. Inclui apenas população com profissões específicas.

Tabela 6 – Distribuição da População Economicamente Ativa por posição no Sistema de Produ-


ção, México (1940-1970)*

1940 1950 1960 1970


Posição
Econômica
Números¹ Percentual Números¹ Percentual Números¹ Percentual Números¹ Percentual

Trabalhado-
res Assala- 3.069 53,7 3.831 46,4 7.268 64,1 8.055 62,2
riados
Pequenos
produtores
e traba- 1.417² 24,9 4.373 52,8 3.976 35,1 4.103 31,7
lhadores
familiares
Empregado-
res, empre-
1.220³ 21,4 68 0,8 88 0,8 797⁴ 6,1
endedores e
gerentes
Total 5.706 100 8.272 100 11.332 100 12.955 100

* Censo Geral da População, SIC, México.


¹ Em milhões.
² Destes, 700,5 (12,3%) trabalhavam na agricultura.
³ Destes, 1.218 (21,4%) trabalhavam na agricultura, e a maioria deve ser incluída na categoria de Peque-
nos Produtores
⁴ Existiu uma mudança nos critérios de classificação, e a maioria na verdade pertence à categoria de Pe-
quenos Produtores.

16
Estrutura de classe de 39% da produtividade por hora de trabalho ocor-
rido entre 1971 e 1976, o que dificilmente poderia ser
atribuído à rápida inovação tecnológica, pois ocorreu
A transformação da estrutura econômica ocorrida en- em um período em que havia uma taxa de investimen-
tre 1940 e 1970 implicou uma profunda mudança na to muito baixa. (LEMUS; ARREGUÍ; MIRAMONTES,
estrutura de classes existente. Houve uma importante 1977).
mudança da força de trabalho da agricultura para a
manufatura e outras ocupações urbanas, acompanha-
da por um rápido processo de proletarização. O Estado, os Sindicatos e
Como pode ser visto na Tabela 5, 67% da população a Legislação
trabalhava na Agricultura no ano de 1940 compara-
do a 42% no ano de 1970. A Indústria e os Serviços
experimentaram um aumento constante neste mes- A organização básica de defesa da classe trabalhado-
mo período, de 13% a 24% e 10% a 24% por cento, ra no local de trabalho é o sindicato. No México, foi
respectivamente. Comércio e Finanças são as únicas somente depois da Revolução de 1910-1917 que essa
atividades que não sofreram uma mudança considerá- forma básica de organização dos trabalhadores foi le-
vel. O fato de ter havido um aumento importante da galizada. A história do sindicalismo desde então é a
população empregada no setor de Serviços enquanto história da luta entre o Estado, que tenta subordinar
este setor não aumentou muito sua participação rela- os sindicatos, e grupos de trabalhadores que tentam
tiva no produto nacional bruto (ver Tabela 1) reflete a arrancar os sindicatos do aparelho de Estado.
aglomeração de migrantes rurais subempregados nas
áreas urbanas como resultado do processo de desen- O direito dos trabalhadores de se organizarem em
volvimento e proletarização no campo. sindicatos e em greve foi incluído na Constituição em
1917, e em 1931 as relações entre trabalho e Capital
Há certa dificuldade em quantificar o grau de pro- foram formalmente regulamentadas pela Lei Federal
letarização devido às características peculiares da do Trabalho (TREJO, 1974). Em 1934, o presidente na-
pequena produção de mercadorias, principalmente cionalista Cárdenas chegou ao poder, e foi durante os
na agricultura, em que a mesma pessoa emprega tra- seis anos de sua presidência que a confederação tra-
balhadores em alguns períodos do ciclo produtivo e balhista mais importante da atualidade foi fundada.
passa a ser empregado como trabalhador em outras Simultaneamente, porém, os sindicatos mexicanos
partes do ano. Isso explica por que há flutuações tão tornaram-se parte do aparelho de controle do Esta-
grandes no grupo empregador na Tabela 6. Mesmo do. Em 1938, a Confederação Mexicana do Trabalho
assim, há uma clara tendência à separação entre os (CTM) foi convertida em um dos setores básicos do
produtores diretos e seus instrumentos de trabalho, partido oficial do governo, o Partido da Revolução
como pode ser visto no aumento de assalariados de Mexicana (PMR). Em 1948, Vicente Lombardo Tole-
54% em 1940 para 62% em 1970. Como foi observa- dano, um líder sindical progressista, foi expulso da
do acima, o campesinato “semi-proletarizado” traba- CTM, que permaneceu sob o controle da burocracia
lha em condições que têm muitas semelhanças com o estatal conservadora. Em 1965, o CTM, juntamente
processo de extração de mais-valia absoluta. com os outros grandes sindicatos, formou o Congres-
so do Trabalho, representando cerca de 95% da clas-
Conforme observado na Tabela 4, há uma variação re- se trabalhadora organizada. Hoje, tornou-se o “setor
lativamente ampla de salários entre os trabalhadores do trabalho” no partido oficial do governo – o Partido
industriais, embora a maioria (55,1%) se aproxime do Revolucionário Institucional (PRI).
mínimo legalmente estabelecido. A rápida taxa de in-
flação também teve um impacto importante sobre o O controle dos Sindicatos Oficiais é exercido sobre
nível real de salários, uma vez que os preços aumen- os trabalhadores por meio de uma estrutura altamen-
taram mais rapidamente do que os salários. te burocrática, corrupção, ameaças, violência e apoio
do Estado (LEAL; WOLDENBERG, 1976, p. 45). Esta
Outro efeito direto da crise econômica, que começou situação limitou consideravelmente as possibilidades
em 1971 e continua até hoje com períodos mais curtos até mesmo das lutas mais básicas. No entanto, tem
de recuperação, é um importante aumento do desem- havido constantes tentativas organizadas de quebrar
prego e uma intensificação do trabalho nas fábricas. esse controle – por exemplo, por trabalhadores fer-
Calculou-se que 3 milhões (de trabalhadores, N.T.) roviários em 1958-1959, por funcionários do Estado
estavam desempregados em 1977, metade dos quais em 1965-1966 e em larga escala de 1970 a 1977. Em-
havia perdido o emprego como efeito direto da crise bora essa insurgência operária não tenha conseguido
econômica na indústria (“Punto critico”, 1977b). A in- quebrar o controle do Estado, pelo menos ganhou
tensificação do trabalho é evidenciada pelo aumento concessões para a filiação sindical. A filiação sindical

17
era de 17,7% da força de trabalho em 1940, 21,3% profissionais legalmente reconhecidas, e relataremos
em 1950, 17,9% em 1960 e 24,5% em 1970 (MÉXI- alguns dos poucos estudos que têm sido realizados
CO, 1940). Apesar desse recente aumento na taxa em locais de trabalho específicos.
de sindicalização, a maioria dos trabalhadores assala-
riados carece até mesmo da defesa mínima fornecida >> Causa de morte entre homens com
por um sindicato e, portanto, tem sérios problemas idade ativa
para garantir o reconhecimento de seus direitos legais
mais básicos. De modo geral, pode-se afirmar que a As Tabelas 7, 8 e 9 mostram as 10 principais causas
legislação trabalhista mexicana possui algumas carac- de morte de homens de 15 a 24, 25 a 44 e 45 a 64 [8]
terísticas bastante progressistas que essencialmente anos, respectivamente, em 1955, 1965, 1970 e 1974.
são usadas para legitimar o governo como represen- Não houve grandes mudanças qualitativas nas causas
tante da Revolução Mexicana. No entanto, o sistema de morte durante os 20 anos representados, mas há
de aplicação da lei mexicano é arbitrário, para dizer o aumentos importantes em alguns tipos de doenças
mínimo. e diminuições em outras. Por exemplo, as taxas de
mortalidade por doenças infecciosas, como malária,
O controle relativamente efetivo a que está subme- tuberculose, diarreia e pneumonia, e doenças relacio-
tida a classe trabalhadora explica obviamente por nadas à nutrição, como anemia, diminuíram ou desa-
que foi possível manter o alto índice de exploração pareceram como principais causas de morte. São pa-
já mencionado, além de também influenciar as condi- tologias que podem ser identificadas como resultado
ções do processo de trabalho. de uma situação de excesso de trabalho-subconsumo
ligada à extração de mais-valia absoluta e formas de

Trabalho e doença trabalho na agricultura camponesa. Esse declínio,


aliado à persistência dessa patologia em menor ritmo,
é totalmente consistente com os dados econômicos

S
apresentados acima. Os dados evidenciam um rápido
eguindo a abordagem delineada acima, estu-
processo de desenvolvimento das forças produtivas,
daremos os efeitos do trabalho na saúde em
absorvendo uma parcela considerável da população
termos que vão além do que é legalmente re-
em situação de trabalho de alta produtividade e in-
conhecido como doença ocupacional. Estudaremos
tensidade, deixando outra parte trabalhando em ativi-
primeiro as tendências de desenvolvimento das cau-
dades relacionadas ao setor avançado, mas com nível
sas de morte da população de homens em idade ativa
de produtividade muito inferior.
de 15 a 65 anos e, em seguida, as causas de morte na

***
população geral em comparação com grupos particu-
lares do proletariado urbano. Uma vez observadas as
tendências existentes, passaremos ao estudo da pro-
blemática dos acidentes de trabalho e das doenças 8. Grifo do tradutor.

Tabela 7 – Dez principais causas de morte de homens mexicanos com idade entre 15-24 anos em
1955, 1965, 1970 e 1974*

1955 1965 1970 1974


Causa da
morte Taxa por Taxa por Taxa por Taxa por
Ranking Ranking Ranking Ranking
100.000 100.000 100.000 100.000
Homicídio
87,1 1 47,6 2 46,8 2 57,7 2
ou suicídio

Acidentes 67,0 2 67,8 1 88,4 1 90,3 1

Malária 23,3 3 -² - - - - -

Influenza/
22,7 4 14,2 3 16,1 3 9,2 4
pneumonia

Tuberculose 19,9 5 13,4 4 12,7 4 7,6 5

Gastrite,
enterite, 17,7 6 3,9 9 12,5 5 6,1 6
colite

18
Doença
17,0 7 6,9 6 9,6 6 11,9 3
cardíaca
Arteros-
(0,1) - (1,6) - (1,9) - (3,3) -
clerótica
Outras
doenças (16,9) - (5,3) - (7,4) - (8,6) -
cardíacas
Febre
8,1 8 - - 3,4 10 - -
tifóide
Doença dos
vasos san- 4,5 9 - - - - - -
guíneos

Câncer 3,3 10 5,4 8 5,9 8 5,6 7

Neuroses e
transtornos
- - 9,5 5 - - - -
da persona-
lidade
Anemias e
avitamino- - - 6,1 7 6,0 - 3,1 9
ses
Lesões
vasculares
no Sistema - - 3,0 10 - - - -
Nervoso
Central
Doença
cerebrovas- - - - - 3,5 - 3,4 8
cular

Cirrose - - - - - - 1,8 10

Outros 92,7 - 69,1 - 60,4 - 71,3 -

Total 363,3 - 246,9 - 265,0 - 267,3 -

* Estatísticas Mundiais da Saúde, Organização Mundial da Saúde, Geneva


¹ Espaços indicam que esta categoria não estava mais no ranking de 10 principais causas de mortes naque-
le período.

Tabela 8 - Dez principais causas de morte de homens mexicanos com idade entre 25-44 anos
em 1955, 1965, 1970 e 1974*

1955 1965 1970 1974


Causa da
morte Taxa por Taxa por Taxa por Taxa por
Ranking Ranking Ranking Ranking
100.000 100.000 100.000 100.000
Homicídio
147,2 1 92,2 2 183,2 1 102,4 2
ou suicídio

Acidentes 83,7 2 100,8 1 122,4 2 111,4 1

Tuberculose 62,5 3 38,1 3 36,4 4 22,9 4

Influenza/
42,7 4 33,7 5 27,9 6 20,5 5
pneumonia

19
Doença
41,6 5 16,7 8 31,9 5 31,2 6
cardíaca
Arteros-
(3,4) -¹ (8,8) - (10,5) - (9,1) -
clerótica
Outras
doenças (38,2) - (7,9) - (21,4) - (22,1) -
cardíacas

Malária 40,3 6 - - - - - -

Gastrite,
enterite e 29,7 7 - - 20,1 7 13,3 7
colite

Cirrose 27,2 8 34,8 4 48,3 3 40,4 3

Câncer 10,2 9 13,9 10 13,1 9 12,7 8

Febre
tifóide ou 7,3 10 - - - - - -
paratifóide
Anemias e
avitamino- - - 22,2 6 11,2 10 9,0 10
ses
Lesões
vasculares
no Sistema - - 17,3 7 - - - -
Nervoso
Central
Neuroses e
transtornos
- - 13,9 9 15,2 8 - -
da persona-
lidade
Doença
cerebrovas- - - - - - - 9,8 9
cular

Outros 172,2 - 164,5 - 54,1 - 151,6 -

Total 664,8 - 548,1 - 561,7 - 525,2 -

* Estatísticas Mundiais da Saúde, Organização Mundial da Saúde, Geneva;


¹ Espaços indicam que esta categoria não estava mais no ranking de 10 principais causas de mortes naque-
le período.

Tabela 9 - Dez principais causas de morte de homens mexicanos com idade entre 45-64 anos
em 1955, 1965, 1970 e 1974*

1955 1965 1970 1974


Causa da
morte Taxa por Taxa por Taxa por Taxa por
Ranking Ranking Ranking Ranking
100.000 100.000 100.000 100.000
Doença
197,6 1 115,6 3 201,8 1 192,1 1
cardíaca
Arteros-
(31,4) - (77,4) - (88,4) - (95,9) -
clerótica
Outras
doenças (166,2) - (38,2) - (113,4) - (96,2) -
cardíacas

20
Influenza,
155,6 2 118,6 2 141,0 3 74,2 6
Pneumonia

Senilidade 146,1 3 - - - - - -

Cirrose 112,3 4 122,7 1 154,0 2 134,1 2

Acidentes 101,4 5 111,7 4 136,0 4 121,4 3

Homicídio/
101,1 6 64,0 8 59,2 8 80,9 5
Suicídio

Tuberculose 99,5 7 79,4 6 71,8 6 54,7 8

Gastrite,
enterite, 97,3 8 - - - - 41,4 10
colite

Malária 87,9 9 - - - - - -

Câncer 70,4 10 102,0 5 105,9 5 95,8 4

Lesões
vasculares
no Sistema - - 64,5 7 - - - -
Nervoso
Central

Diabetes - - 37,7 9 - - 48,6 9

Neuroses e
transtornos
- - 32,6 10 - - - -
da persona-
lidade
Doença
cerebrovas- - - - - 68,9 7 62,0 7
cular
Bronquite,
enfisema e - - - - 24,8 9 - -
asma

Úlcera - - - - 23,9 10 - -

Outros 477,2 - 645,0 - 574,4 - 432,8 -

Total 1.646,4 - 1493,8 - 1.561,7 - 1.338,0 -

* Estatísticas Mundiais da Saúde, Organização Mundial da Saúde, Geneva;


¹ Espaços indicam que esta categoria não estava mais no ranking de 10 principais causas de mortes naque-
le período.

As causas de morte que apresentam tendência de au- A taxa de doença cardíaca arteriosclerótica também
mento são acidentes, certos tipos de doenças cardía- aumentou em todas as faixas etárias entre 1955 e
cas, cirrose hepática e tumores malignos. Entre 1955 1974, embora a tendência tenha sido mais marcante
e 1974, a taxa de mortalidade por acidente subiu de para homens entre 45 e 65 anos de idade. Para este
67,0 para 90,3 por 100.000 para homens de 15 a 24 grupo, a taxa de mortalidade por 100.000 saltou de
anos, de 83,7 para 11 1,4 por 100.000 para homens 31,4 para 95,9. A conhecida relação entre este tipo
de 25 a 44 anos e de 101,4 para 121,4 por 100.000 de cardiopatia e o estresse generalizado e o estresse
para aqueles de 45 a 64 anos. É fácil entender como o causado por um processo de trabalho de alta produ-
aumento da mortalidade por acidentes está ligado ao tividade/alta intensidade faz dela a expressão mais
trabalho e à necessidade de morar em áreas urbanas. clara dos resultados patológicos da transformação do

21
processo de trabalho em termos capitalistas (EYER; Tabela 10 - Dez principais causas de morte na popula-
STERLING, 1977). As taxas de tumores malignos em ção mexicana geral com idade entre 15-44 anos e na
todas as faixas etárias estudadas aumentaram entre população coberta pela Seguridade Social.
1955 e 1965, mais significativamente na faixa etária de População cober-
45-64 anos. A tendência mais evidente na faixa etária População geral
ta pela Segurida-
mais avançada tem a ver com as características da do- Causa da (1974)²
de Social (1976)¹
ença, que costuma levar décadas para se desenvolver. morte
Absolu- Percen- Absolu- Percen-
No entanto, é muito provável que o aumento de tu- to tual to tual
mores malignos esteja diretamente ligado ao uso de
substâncias cada vez mais perigosas no processo de Câncer 412 18,4 3.162 3,4
trabalho.
Doenças
O aumento das taxas de cirrose hepática, que pode cardíacas,
249 11,1 5.227 5,6
ser observado em todas as faixas etárias, pode ser to- Doenças Hi-
mado como um indicador de alcoolismo e deficiências pertensivas
nutricionais. Não se pode dizer que o abuso de álcool Acidentes,
esteja exclusivamente ligado a situações estressan- homicídios e 223 10,0 22.974 24,5
tes de trabalho, mas existem algumas diferenças im- suicídios
portantes entre o padrão de consumo de álcool em
ambientes urbanos e rurais. Por exemplo, o tipo de Cirrose 169 7,5 3.008 3,3
álcool consumido é diferente, assim como a maneira
de consumi-lo. Causas ma-
154 6,9 2.757 2,9
ternas
As mudanças ocorridas nas condições de saúde ao
longo do tempo, refletidas nas principais causas de Tuberculose 140 6,3 3.266 3,5
morte, verificam a associação entre o processo de
trabalho e as diferentes formas como o trabalhador Diabetes
90 4,0 -³ -
é desgastado, dando origem a diferentes tipos de mellitus
patologia predominante. Outro indício dessa relação
causal seria a comparação entre grupos envolvidos Pneumonia 77 3,4 3.252 3,5
em processos de trabalho representativos da extra-
Doenças
ção predominante de mais-valia absoluta e relativa e
cerebrovas- 77 3,4 1.701 1,8
diferentes graus de desenvolvimento das forças pro- culares
dutivas.
Nefrites,
70 3,2 - -
Infelizmente, não existem dados de mortalidade que nefroses
identifiquem a relação dos trabalhadores com o pro- Enterites,
cesso de trabalho, mas pode-se abordar o problema doença - - 2.529 2,7
comparando a população pertencente ao Instituto diarreica
Mexicano de Seguridade Social (IMSS) com a popula-
ção geral. Embora legalmente todos os trabalhadores Anemias - - 1.249 1,3
assalariados devam ser membros do IMSS, 75% dos
membros trabalham em grandes ou médias empresas, Outros 577 25,8 44.710 47,5
significando que é essencialmente a classe trabalha-
dora urbana que pertence a esta instituição (MÉXICO,
1976). As tabelas 10 e 11 apresentam as principais cau- Total 2.238 100,0 93.919 100,0
sas de morte e sua importância relativa na mortalida-
¹ Subdireção Médica Geral, Instituto Mexicano de
de total para ambas as populações. Não foi possível
Seguridade Social, México;
calcular as taxas, pois a população em cada faixa etá-
² Direção Geral de Estatística, México;
ria é desconhecida. No entanto, pode-se inferir que
³ Espaços indicam que esta categoria não estava
as taxas de mortalidade são muito mais baixas entre
mais no ranking de 10 principais causas de mortes
os segurados, uma vez que não representam mais de
naquele período.
2,5%-5,8% do total de mortes, enquanto, em con-
junto, representam cerca de 27% da população total
(MÉXICO, 1976). O primeiro fato a considerar é que
doenças como diarreia, pneumonia e anemia não apa-
recem entre as 10 principais causas na população se-
gurada, mas aparecem na população em geral.

22
Tabela 11 - Dez principais causas de morte na popula- Na faixa etária segurada entre 15 a 44 anos, as qua-
ção mexicana geral com idade entre 15-44 anos e na tro principais causas de morte são tumores malignos,
população coberta pela Seguridade Social doenças cardíacas, acidentes e cirrose hepática. Com
População cober- exceção dos acidentes, cada um representa uma pro-
População geral porção maior da mortalidade total entre os segura-
ta pela Segurida-
Causa da (1974)² dos do que entre a população em geral. O diabetes
de Social (1976)¹
morte aparece entre as principais causas de morte no grupo
Absolu- Percen- Absolu- Percen-
to tual to tual
segurado, mas não na população em geral, fato que
deve estar relacionado ao aumento dessa doença e ao
Câncer 935 24,3 7.211 11,0
estresse prolongado.

Na faixa etária segurada de 45 a 64 anos, as quatro


Diabetes
532 13,9 3.128 4,8 principais causas de morte são tumores malignos,
mellitus
diabetes, cirrose hepática, doenças cardíacas e hiper-
Cirrose 472 12,3 6.748 10,3 tensivas, todas relacionadas ao processo de trabalho
capitalista avançado. Com exceção das doenças car-
Doenças díacas, cada uma apresenta uma porcentagem maior
cardíacas, do que na população em geral. O maior peso das car-
443 11,5 9.765 14,8
Doenças Hi- diopatias na população geral provavelmente poderia
pertensivas ser explicado pelo fato de não haver distinção entre
Doenças cardiopatia arteriosclerótica e outros tipos. Como
cerebrovas- 249 6,5 3.517 5,3 mostra a Tabela 9, a importância relativa de outras
culares cardiopatias é alta nessa faixa etária, pelo menos en-
tre os homens.
Tuberculose 181 4,7 2.185 3,3

Riscos ocupacionais
Bronquite,
enfisema e 102 2,7 773 1,1

reconhecidos legalmente
asma
Acidentes,
homicídio e 65 1,7 5.781 8,8
suicídio
Nefrites, A discussão anterior mostra que é inadequado consi-
50 1,3 -³ - derar como doença do trabalho apenas os acidentes
nefroses
e as doenças ocupacionais. Pode-se argumentar que,
Colelitíase, por trás da definição tradicional e limitada de doen-
24 0,6 - -
Colecistite ça relacionada ao trabalho, pode-se encontrar uma
Influenza, conceituação classista de doença e uma situação
- - 3.623 5,5 particular de luta de classes [9]. Se a doença fosse
pneumonia
conceituada como um fenômeno biológico e de ocor-
Enterite,
rência individual, as únicas doenças relacionadas ao
doença - - 2.252 3,4
diarreica
trabalho seriam aquelas que pudessem ser atribuídas
diretamente aos agentes biológicos, físicos e quími-
Outros 789 20,5 20.834 31,7 cos envolvidos no processo técnico de trabalho. Uma
vez aceito esse ponto de vista, a luta entre trabalho e
capital, cujos resultados ganham expressão na legis-
Total 3.842 100,0 65.817 100,0 lação trabalhista, é sobre a existência ou não de um
determinado agente causador de doença. Adotar um
¹ Subdireção Médica Geral, Instituto Mexicano de outro ponto de vista implica questionar não apenas o
Seguridade Social, México; lado técnico do processo de trabalho, mas também
² Direção Geral de Estatística, México; seus determinantes sociais.
³ Espaços indicam que esta categoria não estava
mais no ranking de 10 principais causas de mortes
naquele período.

***
9. Grifo do tradutor.

23
Existem alguns problemas muito sérios para avaliar o número real de doenças e acidentes ocupacionais que
ocorrem no México, justamente porque um setor significativo da classe trabalhadora não pode contar com os
sindicatos para impor o mínimo respeito às leis existentes. As únicas estimativas relativamente corretas são as
do Instituto Mexicano de Seguridade Social, que, como vimos antes, inclui apenas uma minoria de trabalha-
dores. Todos os dados que analisaremos, então, referem-se a trabalhadores de médias e grandes empresas.

A evolução dos acidentes de trabalho e seus resultados em termos de invalidez e óbito podem ser observa-
dos na Tabela 12. O primeiro fato relevante é o grande aumento ocorrido em termos absolutos. O número de
acidentes e casos de invalidez aumentou quatro vezes entre 1960 e 1976; as mortes aumentaram mais de sete
vezes. Em termos relativos, também houve um aumento considerável: a taxa de acidentes passou de 79,0 para
107,8 por 1.000 trabalhadores, enquanto a taxa de invalidez de 168,4 para 241,1 por 100.000 trabalhadores
e a taxa de mortalidade de 10,8 para 28,9 por 100.000 trabalhadores. Os índices de frequência e gravidade
também aumentaram entre 1972 e 1976, de 43,9 para 49,6 e 0,899 para 1,296, respectivamente.

Esses dados dizem muito sobre os custos que os trabalhadores estão pagando em termos de saúde e vida pela
inovação no processo de trabalho ditado pelos determinantes sociais da produção capitalista: lucro e acumu-
lação de capital.

Tabela 12 - Acidentes, deficiências permanentes e mortes relacionadas ao trabalho (1960-


1976)*

Acidentes Deficiências Mortes


Ano Taxa por Taxa por Taxa por Taxa por Taxa por
Absoluto 1.000 tra- Absoluto 1.000 tra- 1.000 Absoluto 1.000 tra- 1.000
balhadores balhadores acidentes balhadores acidentes

1960 100.762 79,0 2.148 168,4 21,3 138 10,8 1,4

1970 245.723 89,1 4.381 158,8 17,8 471 17,1 1,9

1975 361.154 98,9 7.785 213,0 21,5 936 25,6 2,6

1976 401.303 107,8 8.940 241,0 22,3 1.077 28,9 2,7

* Departamento de Medicina do Trabalho, Serviços de Análises e Informação Estatística, Instituto Mexicano de


Seguridade Social.

A partir dos dados sobre doenças ocupacionais (Tabela 13), fica claro que deve haver subregistro grave. A Lei
Federal do Trabalho registra 161 doenças ocupacionais (MÉXICO, 1971). Parece improvável, por exemplo, que
apenas 1.781 trabalhadores tenham sofrido perda auditiva grave; ou que, dentre 44.000 mineiros, 70.000
fundidores e 12.000 oleiros, apenas 24 tenham sofrido casos de silicose mortal.

Apesar da má qualidade dos dados, pode-se supor que o aumento ocorrido de 1960 a 1976 reflita tendências
reais, pois havia uma taxa de invalidez consideravelmente maior em 1976 do que em 1960 (696,8 e 200,0,
respectivamente), apesar da existência de critérios legais ainda mais rígidos para o reconhecimento da do-
ença ocupacional em 1976. Isso significa que o aumento da taxa de doença ocupacional de 18,1 para 47,8
por 100.000 trabalhadores é um efeito não de melhor registro, mas de piora das condições de trabalho que
também se reflete no aumento da taxa de invalidez. Esse aumento de doenças ocupacionais reflete o uso de
substâncias perigosas no processo de trabalho.

Por fim, a Tabela 14 apresenta os riscos do trabalho, ou seja, acidentes e doenças ocupacionais sofridos segun-
do a renda. Ao estudar a tabela, deve-se considerar que rendimentos menores podem corresponder a indús-
trias menores e, mais importante, a empregos de nível inferior entre os trabalhadores. Como se vê, a probabili-
dade de sofrer algum acidente de trabalho é quase 20 vezes maior entre os trabalhadores que recebem menos

24
do que o salário mínimo legal do que entre os de maior renda. Isso reflete as condições reais de trabalho, no
sentido de que os trabalhadores menos qualificados estão expostos a mais riscos e também têm menos capa-
cidade de impor medidas de segurança.

Tabela 13 - Doenças ocupacionais, deficiências permanentes ocupacionais e mortes ocupacio-


nais registradas no México (1960-1976)*

Doenças ocupacionais Deficiências Mortes


Ano Taxa por Taxa por Taxa por Taxa por Taxa por
Absoluto 1.000 tra- Absoluto 1.000 tra- 1.000 Absoluto 1.000 tra- 1.000
balhadores balhadores acidentes balhadores acidentes

1960 240 18,1 48 4,8 200,0 8 0,6 33,3

1970 620 22,4 141 5,1 227,4 8 0,3 12,9

1975 1.010 27,6 623 17,0 616,8 18 0,5 17,8

1976 1.781 47,8 1.241 33,3 696,8 24 0,6 13,5

Aumento
percentual 642 164 2.485 776 248 200 0 -59
(1960-1976)
* Departamento de Medicina do Trabalho, Serviços de Análises e Informação Estatística, Instituto Mexicano de
Seguridade Social.

Por fim, a Tabela 14 apresenta os riscos do trabalho, ou seja, acidentes e doenças ocupacionais sofridos se-
gundo a renda. Ao estudar a tabela, deve-se considerar que rendimentos menores podem corresponder a
indústrias menores e, mais importante, a empregos de nível inferior entre os trabalhadores. Como se vê, a
probabilidade de sofrer algum acidente de trabalho é quase 20 vezes maior entre os trabalhadores que rece-
bem menos do que o salário mínimo legal do que entre os de maior renda. Isso reflete as condições reais de
trabalho, no sentido de que os trabalhadores menos qualificados estão expostos a mais riscos e também têm
menos capacidade de impor medidas de segurança.

Tabela 14 – Riscos trabalhistas¹ por nível de renda, México (1976)²

Renda Absoluto Taxa por 1.000 trabalhadores

Até 80 pesos 197.579 287,6

81-100 pesos³ 107.339 118,2

101-170 pesos 104.936 82,3

171-280 pesos 24.270 46,3

Acima de 280 pesos 5.353 15,2

Total 439.927 117,1

¹ Inclui acidentes ocupacionais e doenças ocupacionais; ² Departamento de Medicina do Trabalho, Serviços de Análi-
ses e Informação Estatística, Instituto Mexicano de Seguridade Social; ³ Representa o salário mínimo por lei.

25
Além do extremo desgaste físico, os garimpeiros tra-

Saúde do Trabalhador em
balham sob a constante ameaça de explosões de gás.
Máquinas de mineração contínua são usadas nas mi-

Usinas Elétricas,
nas subterrâneas mais novas, e o carvão cai constan-
temente perto dos mineradores, que são protegidos

Mineração e Agricultura
apenas por uma placa de aço. Além dos mineiros, há
engenheiros trabalhando nas minas supervisionando
as máquinas. Uma das coisas que se observou é que
embora houvesse mais possibilidades de acidentes
Existem poucos estudos publicados no México sobre nas minas antigas, os garimpeiros nas minas moder-
as condições de trabalho, mesmo no sentido mais res- nas sofrem maiores índices de acidentes. O exame da
trito do termo. As diligências que indubitavelmente questão revelou que existe menos controle direto so-
são feitas pelo Instituto da Segurança Social e pelos bre o processo de trabalho pelos trabalhadores nas
inspetores do trabalho não são divulgadas publica- novas minas mecanizadas. do aumento do ruído e da
mente. Apesar dessas limitações, há três estudos re- velocidade de produção (CÓRDOVA, 1976b).
levantes para o tema em questão: um realizado por
eletricistas para mudar sua posição de negociação co- Os índices de acidentes nas minas de carvão refletem
letiva, outro realizado entre mineiros de carvão e, por as más condições de trabalho tanto nas antigas quan-
fim, um estudo sobre envenenamento de trabalhado- to nas novas minas. A taxa de frequência de acidentes
res agrícolas. nas grandes minas da Fundidora Monterrey e Indústria
Mineira México no final dos anos 1960 e início dos
O estudo das condições de saúde dos eletricistas de anos 1970 foi pelo menos cinco vezes a taxa de 1970
alta tensão (JAUREGUI et al., 1978) tem duas par- para os mineiros de carvão dos Estados Unidos (CÓR-
ticularidades. Por um lado, é um estudo específico DOVA, 1976b; “Punto critico”, 1976a).
planejado pelo sindicato e parcialmente realizado
pelos próprios trabalhadores com assistência técnica Os trabalhadores agrícolas são um dos grupos me-
de médicos; por outro lado, explora amplamente os nos organizados da classe trabalhadora mexicana, e
efeitos gerais do trabalho sobre a saúde. os sindicatos no campo têm sido muito perseguidos
pelos governos estadual e federal, quando não total-
Um grupo de trabalhadores foi exposto à eletricida- mente proibidos. Essa virtual ausência de órgãos de
de de alta tensão e outro grupo da mesma empre- defesa se reflete nos altos índices de acidentes e into-
sa não. Verificou-se que o risco de acidentes foi de xicações registrados nesse setor. Durante o ano agrí-
17,8% no grupo exposto e 2,8% entre os controles. cola de 1974, na região de Laguna, uma das mais de-
Os resultados mais impressionantes do estudo, no en- senvolvidas do México, foram registrados 847 casos
tanto, são aqueles presumivelmente relacionados ao de envenenamento por inseticida, correspondendo a
estresse. Trabalhadores expostos a cabos de alta ten- uma taxa de 121,1 por 100.000 habitantes da região,
são apresentaram aumento significativo da pressão ou a uma taxa de 1,4 por 100 homens em idades eco-
arterial, tanto sistólica quanto diastólica, e aumento nomicamente ativas na agricultura. Quase nenhuma
da excreção de catecolaminas, substâncias que apa- das vítimas pertencia ao Instituto de Segurança So-
recem tipicamente na urina de pessoas sob estresse. cial, evidenciando a sua situação totalmente despro-
O exame clínico mostrou ainda que o grupo exposto tegida (“Punto critico”, 1976b).
sofreu uma prevalência muito maior de todas as doen-

Saúde e legislação
ças relacionadas ao estresse do que o grupo de con-
trole, por exemplo 4 vezes mais hipertensão, 6 vezes
mais doença cardíaca arteriosclerótica, 11 vezes mais

de segurança
úlcera péptica, 4 vezes mais diabetes e 5 vezes mais
distúrbios do sono. Foi finalmente demonstrado que
28,2% dos trabalhadores expostos à eletricidade de
alta tensão morreram dentro de 10 anos após a apo-

A
sentadoria, enquanto essa estatística era de 6,4% en-
tre os trabalhadores não expostos. legislação básica sobre higiene industrial, se-
gurança e remuneração do trabalhador faz
As condições de trabalho nas antigas minas de carvão parte da Lei Federal do Trabalho (MÉXICO,
parecem pertencer ao século passado. Em um estudo 1971, p. 141–216). Esta legislação tem regulamentação
sobre mineiros de carvão, Córdova descreveu como própria na qual são especificadas as normas de segu-
os mineiros trabalham com uma picareta de 10 a 12 rança e de higiene, além de seus meios de aplicação.
horas por dia para extrair um mínimo de 5,4 kg de car- Os regulamentos que estão legalmente em vigor no
vão. momento da redação foram adotados em 1934 e 1946

26
e estão totalmente desatualizados. Atualmente, está a questão, em janeiro de 1978 foi federalizada a fis-
sendo preparada uma nova lei que será bastante avan- calização e o cumprimento da legislação trabalhista
çada, mas ainda assim é previsível que a nova legis- de segurança e higiene para toda a indústria. Isso sig-
lação não mude consideravelmente as condições de nifica que o Ministério do Trabalho terá agora de fis-
trabalho na indústria mexicana. calizar e promover a formação de Comissões Mistas
em 120.000 locais de trabalho, em vez de 18.000.
As leis em qualquer sociedade expressam a domi- É fundamental ressaltar que a mudança na legislação
nação de uma classe social sobre as outras classes. não foi acompanhada de aumento substancial no or-
Também é verdade que parte da função da legisla- çamento.
ção é criar uma ilusão de proteção para os cidadãos,
quando, na realidade, a aplicação da lei é muito res- A segunda estrutura básica de fiscalização e fiscali-
trita. Todas as evidências sugerem que este é o caso zação da legislação trabalhista, e a única com pode-
da legislação sobre higiene e segurança industrial no res de fiscalização, é a Inspetoria do Trabalho, que faz
México, e que a nova legislação, independentemente parte do Ministério do Trabalho. Os fiscais do traba-
de sua redação progressista, terá muito pouco impac- lho devem supervisionar o cumprimento de toda a
to real nas relações produtivas. A única maneira de legislação trabalhista – salários, horas de trabalho,
fazer a lei funcionar é os trabalhadores organizados se trabalho infantil e assim por diante – e não apenas a
informarem sobre os problemas e exigirem sua apli- parte relacionada aos riscos ocupacionais. Para reali-
cação. zar essa fiscalização nas 18.000 indústrias sob jurisdi-
ção federal em 1977, havia 170 fiscais em todo o país,
A Lei Federal do Trabalho prevê a existência de duas 60 dos quais atuavam fora do distrito federal. Esses
estruturas básicas para garantir o cumprimento da fiscais realizaram 12.830 fiscalizações em 1977, sendo
lei e sua aplicação: as Comissões Mistas de Higiene 4.000 em novas indústrias. Isso sugere que o restante
e Segurança e a Inspetoria do Trabalho (MÉXICO, das fábricas seria inspecionado em média apenas uma
1971, p. 152). [10] vez a cada 14 anos.

As Comissões Mistas devem existir em todos os lo- Além da raridade das fiscalizações, existe obviamente
cais de trabalho e ser compostas por igual número um problema de qualidade, que está relacionado com
de representantes , tanto dos trabalhadores quanto os escassos recursos e falta de formação profissional
do patrão. Sua função básica é investigar acidentes, e de experiência dos inspetores. Para realizar todas
fiscalizar a área de trabalho e promover medidas pre- as suas atividades, o Ministério do Trabalho dispunha
ventivas (MÉXICO, 1977). Se suas recomendações de 0,11% do orçamento federal em 1977, ou 679 mi-
não forem executadas, as Comissões podem chamar lhões de pesos (US $30 milhões à época) (“Oposici-
as autoridades de Inspeção do Trabalho. Além dessa ón”, 1977). Além disso, é provável que esta atividade
organização local, foi constituída, em maio de 1978, não escape à corrupção que existe em todos os níveis
uma Comissão Consultiva Nacional de Segurança e da sociedade mexicana. Mais um problema que difi-
Higiene do Trabalho, com representantes do Estado, culta o funcionamento da Inspecção do Trabalho é a
de sindicatos e patronais (MÉXICO, 1978). notificação muito irregular dos acidentes. Segundo a
lei, todos os acidentes de trabalho devem ser comu-
Quaisquer que sejam as objeções que se possam ter nicados ao Ministério do Trabalho, mas, na realidade,
à estrutura dual dos Comitês Mistos, dadas as vanta- estima-se que isso aconteça apenas em cerca de 30%
gens de gestão em tal situação, esta não é sua prin- dos casos. Deveria haver mais coordenação nesta ma-
cipal fraqueza no momento. O problema é que esses téria entre o Ministério do Trabalho e o Instituto de
comitês locais simplesmente não existem. Uma par- Segurança Social, que detém uma grande quantidade
te da indústria mexicana está sob jurisdição federal de informação sobre acidentes de trabalho, uma vez
e a outra sub-estatal e local. Em termos de legisla- que gere parte do sistema de indenizações.
ção trabalhista, isso significa que, no primeiro caso, o
Ministério do Trabalho (federal) faz cumprir as leis e, Finalmente, deve-se ter em mente que a situação na
no segundo, as autoridades estaduais locais o fazem. indústria sob jurisdição local é muito pior, e a federa-
Até abril de 1978, havia cerca de 18.000 locais de tra- lização de todos os aspectos de segurança e higiene
balho sob jurisdição federal. Em 1972, existiam apro- ocupacional terá muito pouco significado prático na
ximadamente 3.000 Comitês Mistos nesses setores maioria dos casos. Visto neste contexto, fica bastante
(MÉXICO, 1972), e em 1977, o Ministério do Trabalho
anunciou uma campanha para registrar 1.000 novos
Comitês Mistos por ano (MÉXICO, 1977, p. 4). Mes-

***
mo que essa meta fosse alcançada, todos os 18.000
locais de trabalho não teriam estrutura básica de se-
gurança e higiene até 1988. Para complicar ainda mais
10. Grifo do tradutor.

27
claro que a nova legislação provavelmente será igno-
rada em sua maior parte. Saúde ocupacional
A Lei Federal do Trabalho estabelece (MÉXICO, 1971,
p. 143–150) que os trabalhadores que sofrem de do- e as demandas dos
trabalhadores
enças ocupacionais devem receber assistência clínica
e cirúrgica gratuita, reabilitação, próteses quando ne-
cessário e compensação monetária. É o empregador
quem deve arcar com essas despesas, a menos que

É
seja comprovado que o trabalhador estava embria-
gado, drogado, ou que tenha sido causador intencio- claro que os avanços da saúde do trabalhador
nalmente do acidente, tentado suicídio ou brigado. O estão diretamente ligados à capacidade de luta
cumprimento da lei é fiscalizado pela Justiça do Tra- da classe trabalhadora. O caráter dos sindicatos
balho, que também resolve os casos de conflito. mexicanos, em sua maioria controlados de cima, tem
impedido em grande medida o desenvolvimento de
A Lei da Previdência Social exige que o Instituto de lutas por melhores condições de trabalho. Uma exce-
Previdência Social assuma a responsabilidade do pa- ção a esta regra pode ser alguns dos grandes sindica-
trão perante a população segurada. Esquemas se- tos do setor público, por ex. usinas de energia e pe-
melhantes de seguro contra acidentes de trabalho troleiros, que costumam negociar algumas melhorias
existem nos institutos menores de previdência social sob pressão de sua base, para fortalecer seu controle
para funcionários públicos, trabalhadores de usinas político.
elétricas, ferroviários e assinantes do Instituto Mexi-
cano de Seguridade Social, que compreendem cerca Até que ponto a direção sindical corrupta e controla-
de um terço da população e entre 50 a 85% da popu- da pelo Estado freia as demandas por melhores con-
lação da classe trabalhadora industrial, dependendo dições de trabalho pode ser demonstrada pelo fato
do tipo de indústria (MÉXICO, 1976). O empregador de que quase todos os sindicatos com uma estrutura
paga uma indenização de acordo com um sistema de interna democrática começaram a fazer reivindica-
classificação de riscos. ções concretas nessa área. Esse tem sido o caso de
trabalhadores de usinas de energia, telefonia, metrô
Além de pagar as despesas com cuidados médicos, o e cimento, e de dezenas de outros sindicatos. Há dois
Instituto de Segurança Social paga compensações por problemas relacionados a esse aumento quase espon-
morte e invalidez. No caso de invalidez total, o traba- tâneo dessas demandas. A primeira está relacionada
lhador recebe uma pensão correspondente a 60%- à sua prioridade, já que tais reivindicações costumam
80% do seu salário normal. Por morte relacionada ser consideradas menos importantes do que, por
ao trabalho, a viúva recebe um mês de salário e uma exemplo, reivindicações por aumentos salariais ou ga-
pensão de 36% da invalidez total, mais um adicional rantias de respeito à liderança sindical democrática.
de 20% da invalidez total para cada filho (LAZO CER- Isso, obviamente, significa que, em uma situação de
NA, 1961). negociação, as exigências das condições de trabalho
geralmente são sacrificadas no início da negociação.
Para os segurados, não parece haver grande proble-
ma em receber as indenizações devidas em casos de O segundo problema está intimamente ligado à con-
acidentes graves. O problema surge quando eles ten- ceituação dos riscos do trabalho e sua prevenção. A
tam obter uma indenização por doenças ocupacio- reivindicação mais comum dos sindicatos a esse res-
nais, que, como vimos, raramente são reconhecidas peito é a compensação monetária por condições pe-
no México. Também é provável que os trabalhadores rigosas de trabalho, e não a eliminação do risco em
que não pertencem a nenhum sistema previdenciá- si. Isso pode ser explicado pelo miserável nível sala-
rio e, portanto, têm que lutar na justiça do trabalho, rial que leva os trabalhadores a buscar um aumento a
raramente obtêm a indenização que é seu direito le- qualquer custo. Mas, em outro nível, reflete um pro-
gal. Para todos os trabalhadores, não só é raro como blema ideológico, porque mostra que o trabalhador
quase impossível obter indenização por doenças inti- se pensa como o capitalismo o pensa – como força de
mamente ligadas às condições de trabalho como um trabalho que tem um custo, não como um ser humano
todo, uma vez que tais doenças não podem ser atribu- que tem uma vida.
ídas a um determinado agente causal.
Uma consciência diferente provavelmente não pode
resultar apenas da criação de um conhecimento mais
amplo sobre os perigos técnicos do processo de tra-
balho; tal educação apenas cria uma compreensão da
relação externa entre as coisas. Analisar os problemas

28
de saúde do ponto de vista do processo de trabalho de clases sociales en Mexico /. 1. ed. [s.l.] UNAM,
como um todo social e técnico possibilita a compre- Facultad de Ciencias Politicas y Sociales, 1972.
ensão do verdadeiro significado da exploração e das
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Esta é uma tradução livre e gratuita.

Todos os direitos estão reservados à autora.

Publicado originalmente em 1979 na International Jorunal of Health Services.

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