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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO TOCANTINS/CAMETÁ


FACULDADE DE LINGUAGEM LÍNGUA PORTUGUESA

LIÉDSON VALENTE GOMES

“FAZER A SANDY”: UMA ABORDAGEM DA CONSTRUÇÃO IRREGULAR NO


PORTUGUÊS.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de


Graduação em Letras, habilitação em Língua Portuguesa,
da Faculdade de Linguagem, Campus Universitário do
Tocantins/Cametá, Universidade Federal do Pará, como
requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em
Letras Língua Portuguesa.

Orientador: Prof. Dr. Robson Borges Rua.

Cametá-PA
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO TOCANTINS/CAMETÁ
FACULDADE DE LINGUAGEM

“FAZER A SANDY”: UMA ABORDAGEM DA CONSTRUÇÃO IRREGULAR NO


PORTUGUÊS.

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado


à obtenção do título de Licenciado em Letras Língua
Portuguesa e aprovado em sua forma final pelo Curso de
Graduação em Letras Licenciatura Língua Portuguesa, da
Faculdade de Linguagem, Campus Universitário do
Tocantins/Cametá, Universidade Federal do Pará.

Cametá, PA, 06 de dezembro de 2021.

Prof. Dr. Robson Borges Rua (Presidente)


Universidade Federal do Pará

Profa. Dra. Raquel Maria da Silva Costa Furtado


Universidade Federal do Pará

Prof. Dr. José Sena da Silva Filho


Museu Emílio Goeld
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

TCC Trabalho de Conclusão de Curso


UFPA Universidade Federal do Pará
LGBTQIA+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexual, Outros
SUMÁRIO

1. Introdução ............................................................................................................................. 5
2. A abordagem da metáfora conceptual ................................................................................ 6
4. Procedimentos metodológicos............................................................................................ 13
5. Análise e discussão dos dados ............................................................................................ 17
5.1 A construção FAZER A X: domínio fonte e domínio alvo ....................................... 17
5.2 Família da construção FAZER A X ............................................................................ 23
6. Conclusão ............................................................................................................................ 28
Referências .............................................................................................................................. 29
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“FAZER A SANDY”: UMA ABORDAGEM DA CONSTRUÇÃO IRREGULAR NO


PORTUGUÊS.

Liédson Valente Gomes1

Resumo: O presente trabalho objetiva desenvolver uma discussão e análise acerca da


construção gramatical irregular no português bastante produtiva, a saber: FAZER A
SANDY. Essa construção ou instanciação, é originada a partir do padrão esquemático
FAZER A X. Ou seja, trata-se de um hiperônimo que seria uma construção mais
esquemática e de nível menos abstrato, e que quando a posição de “x” é preenchida
emerge hipônimos de níveis mais abstratos e consequentemente menos composicionais.
Ainda em relação à construção em estudo, ressalta-se que o verbo não se encontra no
sentido de processo, como em “Maria fez o almoço”, mas sim apresenta uma semântica
mais abstrata. Nesse sentido, a fim de construir o corpus desta pesquisa, recrutou-se
dados da internet, mais precisamente do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp.
Portanto, a fundamentação teórica deste trabalho está enraizada na perspectiva da
Linguística Funcional, a considerar os pressupostos de Bybee (2010); e nos estudos de
Goldberg (1995; 2006), segundo a qual a língua se organiza por meio de construções que
se encontram inter-relacionadas. Além disso, apoia-se na teoria de Lakoff e Jhonson
(1980), acerca da Metáfora Conceptual, no qual se passa a observar a metáfora no
cotidiano, e não mais apenas em contextos literários. Portanto, esse trabalho tem como
principal objetivo contribuir com os estudos linguísticos, buscando oferecer uma
discussão e análise acerca de padrões irregulares, que apesar de não fazerem parte do
cânone da língua são bastante produtivos e demonstram a expressividade da comunidade
LGBTQIA+ e simpatizantes.

Palavras-chave: Metáfora. Construção gramatical. LGBTQIA+.

Abstract: The present paper aims to develop a discussion and analysis about the rather
productive irregular grammatical construction in Portuguese, namely: FAZER A
SANDY. This construction or instantiation is derived from the schematic pattern FAZER
A X. In other words, it is a hyperonym that would be a more schematic construction with
a less abstract level, and when the position of "x" is filled, hyponyms of a more abstract
and less compositional level emerge. Still in relation to the construction under study, it
should be noted that the verb is not in the sense of process, as in "Maria made lunch", but
rather presents a more abstract semantics. In this sense, to build the corpus of this
research, recruited data from the internet, more precisely from the instant messaging
application WhatsApp. Therefore, the theoretical basis of this work is rooted in the

1
Estudante do Curso de Graduação em Letras, habilitação em Língua Portuguesa, da Faculdade de
Linguagem, Campus Universitário do Tocantins/Cametá, Universidade Federal do Pará, matrícula nº
201715740027, ano de ingresso 2017. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial
à obtenção do título de Licenciado em Letras Língua Portuguesa, sob a orientação de Prof. Dr. Robson
Borges Rua.
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perspective of Functional Linguistics, considering the assumptions of Bybee (2010); and


in the studies of Goldberg (1995; 2006), according to which the language is organized
through constructions that are interrelated. Moreover, it is supported by the theory of
Lakoff and Jhonson (1980), about Conceptual Metaphor, in which we begin to observe
metaphor in everyday life, and no longer only in literary contexts. Therefore, this paper's
main goal is to contribute to linguistic studies, seeking to offer a discussion and analysis
about irregular patterns, which despite not being part of the language canon are quite
productive and demonstrate the expressiveness of the LGBTQIA+ community and
sympathizers.

Keywords: Metaphor. Grammatical construction. LGBTQIA+

1. Introdução

As pesquisas linguísticas no Brasil, em torno das expressões irregulares, ainda


são pouco expressivas, a ter em vista um número significativo de trabalhos que tomam
como objeto as expressões regulares. Não se sabe exatamente o porquê da preferência
pelos padrões regulares.
Podemos considerar que uma possível causa pelo baixo desenvolvimento de
pesquisas acerca dos padrões irregulares seja em função da ausência de um arcabouço
teórico consistente que explique a formação dessas construções.
Contudo, não podemos deixar de mencionar que essas construções são tão
produtivas na língua quanto às que fazem parte do cânone. Isso porque a linguagem é um
dos aspectos que mais nos aproxima enquanto seres humanos, embora, determinados
grupos/comunidades apresentem uma linguagem específica.
Nesse sentido, buscamos dar visibilidade a construção FAZER A X,
concretizada linguisticamente por FAZER A SANDY (objeto dessa pesquisa), utilizada
pela comunidade LGBTQIA+, e que passa a ser empregada também por outras pessoas
que simpatizam pela comunidade em questão.
Sendo assim, julga-se necessário realizar essa discussão acerca da perspectiva
de uso da língua na sociedade para a comunicação. Ou seja, a escolha do objeto de
pesquisa em questão, deu-se em função da necessidade de oferecer uma possível análise
para as construções produtivas na língua que pouco recebem atenção dos pesquisadores
da área da linguagem.
Sendo assim, este estudo tem como objetivo geral “Desenvolver uma pesquisa
por meio da Linguística Cognitivo-Funcional acerca dos padrões irregulares na língua, a
6

considerar o padrão “Fazer a Sandy". E ele está atrelado a nossa pergunta/problema


“Como fazer uma análise linguística científica de padrões irregulares no Português, como
FAZER A SANDY?”. Ou seja, a partir do problema buscamos formular um objetivo que
pudesse solucionar e/ou resolvê-lo.
E para o bom êxito da pesquisa, construímos também nossos objetivos
específicos que melhor pudessem detalhar o que pretendíamos alcançar, que são:
Demonstrar através de dados coletados o quão os estudos das expressões idiomáticas são
produtivos na sociedade; propor uma análise linguística do padrão irregular “Fazer a
Sandy” sobre a perspectiva da teoria Cognitivo-Funcional e da Metáfora Conceptual;
realizar contribuições para a área da linguagem no que diz respeito à descrição de padrões
irregulares no Português.
Nesse sentido, essa pesquisa está organizada em três seções. Na primeira,
buscamos realizar a apresentação do objeto de pesquisa em estudo, sendo assim,
efetuamos uma discussão acerca da “metáfora” desde uma visão mais tradicional até a
teoria da metáfora conceptual, perpassando pelo sentido literal, uma vez que para alguns
autores é o ponto de partida para a compreensão da linguagem figurada.
Ainda na primeira seção, abordaremos os princípios da Linguística Cognitivo-
Funcional, excepcionalmente no que diz respeito às construções gramaticais. Na segunda
seção procuramos evidenciar nossos procedimentos metodológicos, de modo a explicitar
como essa pesquisa foi construída, para que seus objetivos fossem alcançados, desde a
revisão da literatura até a coleta dados.
Já na última seção, realizamos a discussão e análise dos dados que foram
coletados. Demonstrando como a realização do padrão em estudo é produtivo na língua,
ainda que este seja utilizado por um grupo/comunidade específico. E, buscamos
evidenciar as outras construções interligadas com a instanciação, em estudo, FAZER A
SANDY.

2. A abordagem da metáfora conceptual

Ao longo de toda história e evolução, sabemos que o homem buscou e ainda


busca produzir mecanismos para tentar se comunicar uns com os outros, e acima de tudo,
para que haja entendimento. E dentre esses mecanismos de comunicação, encontra-se a
metáfora que será um instrumento teórico relevante para o objeto desta pesquisa.
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Sendo assim, ao tratarmos sobre esse assunto, é necessário primeiramente


perpassarmos pela discussão acerca da literalidade. Pois, de acordo com alguns
estudiosos, o processo metafórico só é possível através da existência do sentido literal.
Este, por sua vez, de acordo com as discussões levantadas por Vereza (2007), é
um conceito que tem causado bastante polêmica nos debates em diversas áreas da
linguística. Essas discussões, segundo a autora, têm ocorrido em função das críticas que
esse termo tem recebido ao longo dos anos, assim como o conceito de signo tem sido
criticado (VEREZA, 2007).
Nesse sentido, essa questão se torna relevante por haver inúmeras concepções
nesse âmbito da dicotomia entre o conceito de linguagem figurada e linguagem literal.
Sabemos que, para muitos linguistas, a questão da literalidade é de suma importância,
pois é a partir desse fator que se inicia um embasamento para que haja a compreensão
referente à linguagem figurada.
Desse modo, Gibbs (1994) adentra nesse debate apresentando o seu ponto de
vista referente a essas discussões. Segundo o autor, não há um número consistente de
estudiosos que possam descrever de que forma o sentido literal difere do sentido figurado,
“pois presume-se que uma teoria de sentido versa sobre sentido literal e nada mais”
(GIBBS, 1994, p. 26).
Contudo, pode surgir o seguinte questionamento: mas não é simples definir o
conceito de sentido literal? E a resposta para essa pergunta, levando em consideração o
ponto de vista de Vereza (2007), é o fato de que a conceituação do termo “literal” pode
parecer algo simples, o que implica em uma quantidade pouco expressiva em relação a
definições concretas do termo em questão.
Sendo assim, o que se observa, de acordo com a autora, é uma noção que se
refere à um conceito de sentido literal que talvez não contemple a sua realidade
linguística. Pois, o alerta que ela faz é pelo fato de não haver “nem no dicionário Aurélio
− 3a edição nem no Dicionário de Linguística e Gramática de Mattoso Câmara um verbete
específico ou uma menção direta ao termo” (VEREZA, 2007, p. 22).
Com isso, a palavra acaba sendo colocada sob a visão tradicional, como se estas
fossem um conjunto de significados exatos, desprezando outros elementos do contexto
em que são apresentadas. Nesse viés, Vereza (2007) manifesta a hipótese de que:
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O sentido literal seria um conceito não inerente à palavra, mas,


fundamentalmente, inerente à própria visão de significado e de texto de uma
maneira geral, sendo que essa visão teria efeitos determinantes na relação
texto, palavra e leitor/aprendiz. (VEREZA, 2007, p. 14-15).

Nesse sentido, a abordagem sobre literalidade deveria ser tratada na perspectiva


da metáfora conceitual, ou seja, “o sentido literal seria uma metáfora de natureza
conceptual”. (VEREZA, 2007, p. 15). Sendo diferente do que a visão tradicional diz sobre
o termo literal, pois os sentidos dos enunciados podem ser construídos a partir das
experiências e conhecimentos de mundo adquiridos, defendido nas teorias de Lakoff e
Johnson (1980).
Dessa forma, sustentando a perspectiva abordada anteriormente, que talvez
contemple a realidade linguística do conceito de sentido literal, Martins (2008) vem
reforçar o argumento de que “a compreensão dos enunciados ocorre não porque o
significado das palavras está embutido nas sentenças, mas devido à influência das nossas
experiências e conhecimento de mundo acumulado” (MARTINS, 2008, p. 41).
Então, faz-se necessário refletir acerca do sentido literal, levando em
consideração outros aspectos fundamentais que seriam: as atividades envolvidas, o fator
cultural e o individual. Assim como Gibbs (1994) defende que se deve aderir a hipótese
cognitiva para tratar sobre a literalidade, explorando empiricamente os elementos da
cognição humana.
Ainda nesse sentido da hipótese defendida pelo autor em questão, vale ressaltar
que há a compreensão de expressões não literais sem depreender o sentido a partir do que
se entende por literal. E dessa forma, reforçamos a produtividade das construções
irregulares – objeto de pesquisa desse trabalho –, salientando que essas expressões são
passíveis de compreensão com a mesma rapidez do que as ditas literais.
Portanto, pelo fato de melhor assentar o objeto dessa pesquisa, há uma
preferência em relação aos pressupostos de Lakoff com o modelo cognitivo idealizado,
que determina que o sentido literal de uma palavra está diretamente associado a tudo que
se conhece acerca dessa palavra. Além disso, também, as considerações de Gibbs no qual
afirma que para chegar ao significado literal de uma construção, é preciso levar em conta
os aspectos contextuais, individuais e culturais.
Nesse sentido, sabemos que a Língua tem tendência a ser bastante expressiva e
que os seres humanos utilizam diversos recursos ou mecanismos no intuito de manifestar
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essa expressividade dentro do contexto comunicacional. Dentre esses mecanismos ou


recursos de comunicação constituídos, encontra-se a metáfora.
Sendo assim, adentraremos na discussão acerca desse mecanismo tão produtivo.
Trata-se de uma figura de linguagem, que por muito tempo foi tida apenas como um
recurso de estilo, utilizado principalmente por autores no contexto literário, pois se tratava
da estética que possibilitava um acarretamento entre dois termos para que assim pudesse
causar uma tensão no significado de um poema.
Essa visão um tanto quanto tradicional é perceptível nos fundamentos
apresentados pelo gramático Lima (2011), quando ele diz que “trata-se de recursos
naturais da linguagem, que os escritores aproveitam para comunicar ao estilo vivacidade
e beleza” (LIMA, 2011, p. 596). Esse ponto de vista do autor só reforça a ideia de que a
metáfora é/era tratada como apenas um recurso estilístico para embelezar o texto.
Não podemos deixar de mencionar que essa concepção como apenas um recurso
estilístico surgiu com os pressupostos de Aristóteles, pelo fato de a metáfora ser utilizada
na tradição retórica com o objetivo de enfeitar a fala. Para ele, a metáfora é “a transposição
do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para espécie, ou da espécie para
o gênero, ou de uma espécie para outra, por via de analogia”. (ARISTÓTELES, 2005, p.
274).
A noção de metáfora por analogia é a que talvez mais se aproxime das
concepções atuais que se tem acerca desse mecanismo. Para esse autor, as metáforas
precisam ser bem empregadas nas situações comunicacionais. Dessa forma, é preciso que
o falante possua uma certa genialidade. E isso é algo que acaba sendo desmistificado com
as pesquisas que são realizadas em torno dessa figura de linguagem, como será verificado
posteriormente.
Contudo, um novo paradigma acerca dessa figura de linguagem começa a surgir,
e com isso, a visão que se tinha em relação a esse recurso entra em discussão. Além da
área de ciências de Linguagem, a investigação sobre a metáfora passa a se dar também na
psicologia cognitiva. O que acaba por comprovar o seu valor cognitivo e não mais tratá-
la como apenas um ornamento linguístico (ZANOTTO, 1995).
Sendo assim, é a partir dos estudos pioneiros de Lakoff e Jhonson (1980), acerca
da abordagem da Metáfora Conceptual, que se passou a ter um novo olhar sobre esse
recurso linguístico e que provocou uma verdadeira revolução na área dos estudos sobre a
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metáfora. Com essa nova abordagem, passa a ser observada a presença desse mecanismo
no cotidiano e não necessariamente em contextos literários.
A partir dessa perspectiva, Gibbs (1994) argumenta que é incorreto acreditar que
o uso da linguagem figurada requer algum tipo de habilidade cognitiva especial. Dessa
forma, a teoria da Metáfora Conceptual rompe com a tradição retórica que foi iniciada
por Aristóteles, contribuindo verdadeiramente para uma radical mudança na história
dessa figura de linguagem.
Sendo assim, destaca-se a onipresença das metáforas nos discursos do cotidiano
e a importância que de acordo com Lakoff e Johnson (1980) tais projeções têm na
estrutura da linguagem. Sobre esse fator fundamental para essa discussão em questão,
Souza (2016) diz que:

[...] a linguagem figurada está presente em diversos contextos do nosso dia a


dia. Linguagem figurada, de acordo com Gibbs e Colston (2012:01), seria um
modo de dizer diferente do Literal. Para os autores, inclusive, essa linguagem
é entendida tão rapidamente quanto a linguagem literal, se estiver
contextualizada. (SOUZA, 2016, p. 135).

Com isso, é importante expor que as metáforas, principalmente às do cotidiano,


apresentam projeções “de um domínio de experiência em termos de outro” (SOUZA,
2016, p. 137). Trata-se de transferir a semântica de uma palavra (domínio fonte) para a
outra (domínio alvo), comparando características entre duas entidades subjacentes.
Desse modo, a fim de exemplificar essa perspectiva, apresentamos o enunciado
“Cuidado, sua amiga é uma cobra!”. Podemos observar que para o falante atingir o seu
objetivo através da sentença, que é alertar alguém sobre a índole de sua amiga, o falante
utilizou dois domínios, a saber: domínio-fonte (a cobra) e o domínio-alvo (a amiga).
Logo, é evidente que há uma tentativa de aproximar as características do animal
com o ser humano, metaforicamente, através da projeção, como será evidenciado no
esquema a seguir (Figura 1).

Figura 1 – Representação da projeção


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Fonte: Própria do autor

Dessa forma, como observamos na imagem acima, não necessariamente se quer


dizer que a “amiga” é um réptil, que rasteja ao invés de andar, ou ainda, que tem algum
mecanismo para injetar o veneno no organismo de um outro ser vivo, mas a metáfora
ocorre porque implicitamente ela é comparada à cobra em termos das qualidades mais
específicas designadas ao animal.
Nesse sentido, observamos que a amiga (ser humano) apresenta características
próprias e que seriam intransferíveis, enquanto a cobra (animal), além de apresentar
algumas características intransferíveis, possui outras que poderiam ser comparadas ou
projetadas, de acordo com o ponto de vista apresentado por Souza (2016), às atitudes de
pessoas que não são confiáveis, que seriam: traiçoeira, traidora, astuciosa etc.
Portanto, essa pesquisa, de acordo com o que está sendo apresentado, tem o
intuito de trabalhar a metáfora sob a perspectiva cognitiva. Ou seja, trata-se do processo
mental dos seres humanos, em obter percepções a partir do que experienciam na realidade,
visando compreender como as pessoas organizam seus pensamentos em relação à essas
experiências, de modo que consigam individualmente interpretar os estímulos do
ambiente em que estão inseridos.
Em vista disso, põe-se em xeque a construção irregular mais esquemática
FAZER A X, da qual instancia construções menos abstratas e metafóricas, inclusive o
objeto dessa pesquisa, a saber: FAZER A SANDY. A título de exemplificação,
observamos o dado a seguir contendo a realização linguística da construção em estudo,
de modo a verificarmos a projeção de um domínio fonte para um domínio alvo:
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Dado (01)

Essa construção foi constituída metaforicamente pela comunidade LGBTQIA+


e é utilizada por simpatizantes. Ela é empregada no contexto comunicacional com o
intuito de expressar uma opinião sobre as atitudes de outra pessoa, ou seja, de proferir
que ela esteja fingindo ser algo que não é.
Nesse sentido, ressaltamos que as pesquisas linguísticas no Brasil em torno
dessas construções irregulares ainda são pouco expressivas, dessa forma, há a necessidade
de analisá-las e buscar compreender como foram constituídas. Pois, o que não se pode
negar, é que elas são muito produtivas e que representam a expressividade do falante,
enquanto usuário da Língua.
Ainda sobre a revisão da literatura, consideramos relevante tratarmos de uma
abordagem bastante significativa à perspectiva cognitivo-funcional, que é a abordagem
da gramática de construções, em que a unidade gramatical é a própria construção, que por
sua vez contempla um pareamento de forma e significado (LANGACKER, 2008;
GOLDBERG, 1995, 2006).
No que diz respeito a essa pesquisa, recorremos à abordagem da Gramática de
Construções para fundamentarmos nosso ponto de vista acerca da inter-relação entre
construções, conforme prevê a teoria cognitivo-funcional. Na esteira desses estudos, está
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assentada a informação de que uma construção gramatical pode se relacionar com outras
construções tanto verticalmente, quanto horizontalmente.
Em relação ao objeto de nossa pesquisa ‘FAZER A SANDY’, observamos que
esse padrão é uma instanciação de uma construção mais esquemática/abstrata, a saber:
FAZER A X, em que esse padrão, por sua vez, instancia outras construções que, de certo
modo, compartilharão aspectos formais e/ou funcionais.
Sobre o compartilhamento de aspectos formais e/ou funcionais no mesmo nível
(DIESSEL, 2015), destacamos as construções que integram a família do nosso objeto de
pesquisa, as quais são: “FAZER A EGÍPCIA”, “FAZER A ALICE” e “FAZER A KÁTIA
CEGA”, sustentando a hipótese dos estudos construcionistas acerca da organização da
gramática em formato de rede.
Assim, concluímos a seção sobre a revisão da literatura situando o nosso objeto
de pesquisa e relacionando-o com arcabouço teórico que nos auxiliará na seção de análise
de dados posteriormente.

4. Procedimentos metodológicos

Como sabemos, toda pesquisa científica tem como finalidade solucionar dúvidas
e/ou resolver um determinado problema. E para que essa finalidade seja concretizada, é
necessário que sejam estabelecidos métodos capazes de instruir a pesquisa, de modo que
demarquem o que precisa ser feito e de que forma.
Com isso, podemos sinalizar de antemão, que basicamente esta pesquisa seguiu
por três etapas fundamentais, como apresentadas na figura abaixo:

Figura 02 – Fases da realização da pesquisa


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Fonte: Própria do autor

Como verificamos na figura (02), a primeira etapa desta pesquisa foi a


delimitação do tema e a revisão da literatura, pois era necessário verificarmos quais eram
as abordagens e opiniões existentes acerca da metáfora, para que assim pudéssemos
desenvolver a pesquisa de acordo com os objetivos que esperávamos alcançar.
Na segunda etapa, buscamos construir os procedimentos metodológicos, de
modo que melhor pudéssemos desenvolver esta pesquisa. E por fim, a realização da
análise dos dados que foram coletados na etapa anterior, bem como a consolidação da
escrita do artigo.
Nesse sentido, a pesquisa descrita aqui se deu a partir do contato com
construções não-canônicas e com a teoria funcionalista, que versa sobre a funcionalidade
da língua em uso. Ambas foram apresentadas na disciplina de Sintaxe, ministrada no sexto
período da graduação do curso de Letras, no Campus Universitário do Tocantins/Cametá.
Devido as pesquisas linguísticas no Brasil, em torno dessas construções
irregulares, ainda serem pouco expressivas, houve a necessidade de analisá-las e buscar
compreender como foram constituídas para o uso comunicacional. Dessa forma, a
pesquisa, em questão, busca oferecer um estudo acerca de uma construção bastante
produtiva, a saber: FAZER A X, que por sua vez, é concretizada pela construção FAZER
A SANDY, nesse artigo.
Embora seja um padrão produtivo, ressaltamos que ele ainda é empregado em
contextos bastante específicos, geralmente pela comunidade LGBTQIA+. Porém, não
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podemos deixar de mencionar que há a realização desse padrão por simpatizantes, ou seja,
por falantes que se identificam e se autoconsideram participantes dessa comunidade.
Além disso, a preferência pela temática também se deu no intuito de enaltecer a
causa LGBTQIA+, promovendo o respeito ao próximo, ainda que este seja diferente. Ou
seja, é imprescindível vislumbrar e compreender a diversidade como uma boa qualidade,
algo que traz aprendizado, dinamismo, progresso e novas reflexões.
Contudo, para o bom êxito desta pesquisa, ou seja, como Gil (2007) argumenta
ela “desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a formulação do
problema até a apresentação e discussão dos resultados” (GIL, 2007 apud GERHARDT
e SILVEIRA, 2009, p. 12). Nesse sentido, foram construídos alguns elementos
significativos, como: a) uma pergunta/problema; b) objetivo geral; c) objetivos
específicos.
a) pergunta/problema: de acordo com Prodanov e Freitas (2013, p. 42) as
interrogações são constituídas “em relação a pontos ou fatos que permanecem obscuros e
necessitam de explicações plausíveis e respostas que venham a elucidá-las”. Nesse
sentido, foi formulada a seguinte indagação para essa pesquisa: “Como fazer uma análise
linguística científica de padrões irregulares no Português, como FAZER A SANDY”?

b) objetivo geral: esse elemento também é fundamental, pois através dele


podemos expressar qual a finalidade que desejamos alcançar com essa pesquisa. Além
disso, ele resume a ideia central do que se deseja, portanto, o objetivo geral que rege essa
pesquisa é “Desenvolver uma pesquisa por meio da Linguística Cognitivo-Funcional
acerca dos padrões irregulares na língua, a considerar o padrão “Fazer a Sandy".
c) objetivos específicos: como uma pesquisa cientifica é em suma a
concretização de um estudo planejado (PRODANOV; FREITAS, 2013), há a necessidade
de se traçar objetivos com o intuito de descrever os resultados que se pretende alcançar,
ou seja, são eles que apresentam as ideias de uma forma mais detalhada. E para essa
pesquisa, construímos três objetivos específicos, que são:
1. Demonstrar através de dados coletados o quão os estudos das expressões
idiomáticas são produtivos na sociedade;
2. Propor uma análise linguística do padrão irregular “Fazer a Sandy” sobre a
perspectiva da teoria Cognitivo-Funcional e da Metáfora Conceptual;
3. Realizar contribuições para a área da linguagem no que diz respeito à
descrição de padrões irregulares no Português.
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Portanto, realizamos, de fato, uma pesquisa, pois buscamos construir novos


conhecimentos acerca das expressões irregulares no português, sendo assim, realizamos
uma discussão de natureza empírica, sob a ótica do procedimento teórico da abordagem
das construções gramaticais e da Metáfora Conceptual, que têm como postulado a noção
básica do pareamento entre forma e significado.
Portanto, discorre-se em torno da construção gramatical e de suas relações com
outras construções. Para tal, selecionou-se a instanciação, do padrão em estudo, “Fazer a
Sandy”, com o intuito de realizar uma descrição desse padrão produtivo no português.
A pesquisa possui uma metodologia de caráter exploratório, ou seja, trata-se de
uma pesquisa qualitativa. E para recrutar os dados, utilizou-se a rede de internet,
especificamente conversas espontâneas realizadas no aplicativo de WhatsApp. Dessa
forma, foram retirados em forma de print trechos de conversas individuais e em grupos
que são constituídos no aplicativo referido.
Nesse sentido, trata-se de uma pesquisa bibliográfica por ser desenvolvida com
base em materiais já publicados e devido à forma pela qual obtivemos os dados
necessários para a sua elaboração. Como esses dados foram retirados de um aplicativo da
rede de internet, coube-nos verificarmos a fidelidade e confiabilidade das fontes
(PRODANOV; FREITAS, 2013).
Em relação aos dados coletados para constituir o corpus desta pesquisa, podemos
relatar que estão sendo recrutados desde o primeiro semestre do ano de 2019, quando se
obteve o contato com as construções não-canônicas. A partir desse momento, começamos
a observar a ocorrência do padrão em estudo.
Como foi dito anteriormente, os dados foram recrutados através de prints, sob o
consentimento dos participantes das conversas, contudo, respeitando a ética da pesquisa,
os participantes não serão identificados. A partir disso, foi criada uma pasta para que
pudéssemos organizar em segurança o total de trinta e dois dados.
No que diz respeito ao uso da teoria, recorreu-se aos estudos das construções
gramaticais, como já foi relatado, e ao arcabouço da metáfora conceptual (LAKOFF,
2006), de modo a estabelecer mapeamentos entre domínios diferentes, com a intenção de
estruturar uma unidade significativa.
Como nessa pesquisa se aborda um padrão construcional que assume a forma
irregular na língua, recorreu-se também aos estudos de Bybee (2010), com o intuito de se
valer da discussão acerca dos aspectos de composicionalidade e não composicionalidade.
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Assim, do padrão construcional “FAZER a X” deriva-se novas expressões


linguísticas e irregulares na língua, contudo será dado ênfase na construção a ser estudada
nessa pesquisa, apresentada no dado a seguir:

Dado 02

Na instanciação supracitada ocorre o processo da metáfora, no entanto,


expressando uma semântica específica, o que faz reforçar o argumento de Diessel (2015)
acerca dos constructos que são gerados a partir de uma construção mais esquemática e
menos abstrata.

5. Análise e discussão dos dados

Nessa seção, realizaremos uma análise dos dados coletados via WhatsApp, a fim
de destacarmos como resultado da pesquisa a produtividade de padrões considerados
marginais no português brasileiro. Desse modo, nossa seção de análise subdivide-se em
duas partes. Na primeira, trataremos da construção FAZER A X, a considerar o processo
metafórico, destacando os domínios fonte e alvo; já na segunda parte, discorreremos
acerca dos efeitos semântico/pragmáticos da construção em estudo.

5.1 A construção FAZER A X: domínio fonte e domínio alvo

No que diz respeito ao sentido literal, conforme os pressupostos estabelecidos


por Lakoff (1987), para chegar à compreensão de uma determinada palavra, é necessário
levar em conta tudo o que se conhece e que está diretamente associado a ela. Nesse
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sentido, em nossa pesquisa, destacamos como sentido literal as características da entidade


humana Sandy, conforme consta na figura a seguir:

Figura 03 – Domínio fonte: Características da entidade humana (Sandy)

Fonte: Própria do autor

Como verificamos na imagem acima, alguns adjetivos foram elencados para


caracterizar ou configurar a entidade humana Sandy, por meio dos quais será possível a
realização do processo metafórico, possibilitando a transposição de um conjunto de
características de um domínio fonte para um domínio alvo. Além disso, podemos observar
que estes adjetivos serão utilizados mais no sentido pejorativo, aproximando-se de outro,
que é o sonso(a). A título de ilustração, analisemos os dados a seguir:

Dado 03 Dado 04

Com base nos dados (03) e (04), verificamos que há duas características do
domínio fonte que são projetadas para um domínio alvo, a saber: ingênuo e inocente. A
considerar o processo metafórico, verificamos que em (03), o domínio alvo (Márcio)
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poderia perfeitamente ser caracterizado como ingênuo ou inocente, a partir da informação


“Ele finge que não pega”, e em (04) a partir da informação “Tenho que me segurar pra
não dar o baile”.
Nesse sentido, a construção FAZER A X, concretizada linguisticamente por
FAZER A SANDY, mostra-se como um dos padrões da língua portuguesa bastante
produtivo, ainda que ocorra com mais frequência em uma comunidade específica
(LGBTQIA+). Além disso, a construção em estudo possibilita a realização de um
processo de comparação ou de correlação na língua, porém, por vias linguísticas
diferentes das formas canônicas.
Ainda com base no dado (03), podemos aliar o nosso argumento à linha de
raciocínio de Lakoff e Johnson (1980) acerca da realização da metáfora no cotidiano. Para
os autores, a metáfora está presente nos discursos usuais dos processos de interação,
diferentemente do que aprendemos no ensino básico, em que a metáfora é concebida
apenas como um recurso estilístico, presente nos textos literários.
Outro aspecto pertinente para essa discussão é em relação ao verbo FAZER, pois
podemos observar que ele, na pesquisa em questão, não apresenta uma relação de
processo como em “Minha mãe fez o almoço”, “O pedreiro fez a casa”. O que pode ser
verificado é que, na construção Fazer a X, o verbo afasta-se da noção de processo, e passa
a acarretar um novo valor semântico: fingimento.
Nesse sentido, essa semântica de fingimento estará presente em quase todas as
construções mais abstratas. Além do mais, em termos mais descritivos, a posição em
aberto da construção, representada pelo X, contempla a noção de fingimento. Ou seja,
cada vez que essa posição for ocupada por um determinado elemento linguístico, na
maioria das vezes, apresentará o valor semântico de fingimento.
O significado específico para cada construção de nível mais baixo na hierarquia
das construções dá-se por meio da metáfora, que é “um recurso conceptual largamente
utilizado pelos seres humanos em seu dia a dia” (ABREU, 2010, p. 41). Desse modo, os
elementos que preenchem a posição ocupada por X são responsáveis em estabelecer o
mapeamento metafórico entre duas entidades. Sendo assim, analisemos o dado a seguir:

Dado 05
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Em (05), podemos observar mais duas características do domínio fonte que


podem ser projetadas em um domínio alvo, como: comportada e inofensiva. Dessa forma,
com base no dado, percebemos que o significado da construção faz menção a uma
entidade que teve o intuito de se passar por algo que ela não é, sendo caracterizada como
comportada e inofensiva.
Pode-se chegar a essa conclusão a partir da informação “Falando toda pacífica”,
o que demonstra a realização do processo metafórico, pois, ao ser emitida essa informação
pela entidade, percebe-se o intuito dela de se passar por algo que talvez não seja. O que
reforça novamente a produtividade da construção FAZER A SANDY, bem como o papel
que as metáforas do cotidiano desempenham em uma conversação.
Sendo assim, ainda com base no dado (04), podemos analisar a atitude da
entidade, no sentido de se passar por “santa”, ou seja, de reivindicar algo de forma
tranquila, sem conflitos. Enquanto a outra entidade (Gui), como apresentado no dado,
“Partiu para a baixaria”.
Ainda nesse mesmo âmbito da semântica do fingimento, ou seja, da realização
do processo metafórico estabelecido pela construção em estudo, analisaremos o dado
(05), de forma a evidenciar a projeção das características do domínio fonte (cantora
Sandy), para um domínio alvo (entidade humana), a saber: comportado e inocente.

Dado (06)
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O dado (06), assim como os demais, é um trecho de uma conversa no WhatsApp,


em que há registro da construção “Fazer a Sandy”. De acordo com o contexto,
percebemos que no diálogo há uma entidade humana, a qual finge não se reconhecer na
imagem que lhe fora enviada. Podendo, dessa forma, ser projetado nele enquanto domínio
alvo, as características de bom comportamento e inocência.
Em função disso, a resposta dessa entidade é avaliada ironicamente, o que
possibilitou o uso da construção “Fazer a Sandy” por um dos participantes no diálogo,
para se referir ao fato do outro fingir não se reconhecer na imagem. Em termos
metafóricos, percebe-se que a intenção do participante da conversa que ironiza a resposta
em relação a imagem, é de, pejorativamente, informar que essa entidade quer se passar
por santo, inocente.
Outro ponto interessante a destacarmos nessa pesquisa, são os dados estatísticos.
Mais adiante apresentaremos uma tabela, na qual constam, as formas flexionadas e as
formas nominais do verbo.

Tabela 01 – Registro do verbo FAZER na construção em estudo

Formas Quantidade

Infinitivo 11
Nominais
Gerúndio 08

Flexionadas Presente 7
22

Passado 05

Subjuntivo 01

TOTAL 32

Fonte: Própria do autor

Conforme verificamos na tabela (01), os dados coletados demonstram que a


construção não é realizada na forma nominal de particípio, apenas nas formas nominais
de gerúndio e de infinitivo. Em se tratando das formas flexionadas, os dados apresentam
a realização do verbo FAZER no tempo presente, passado e apenas um na forma
subjuntiva, como pode ser observado no dado a seguir:

Dado (07)

Ressaltando que, nos dados coletados, não houve a realização linguística da


construção em estudo, no que diz respeito ao tempo futuro. Nesse sentido, pelo que
percebemos nos dados coletados, a construção em estudo apresenta uma tendência de
maior frequência/ocorrência para as formas nominais de gerúndio e infinitivo e, também
para as formas flexionadas de presente, passado e subjuntivo – uma vez que, conforme os
dados, registramos a ocorrência de uma construção.
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Por outro lado, chamamos a atenção para o fato de que a ausência da forma
flexionada no tempo futuro e da forma nominal de particípio, sinaliza nessa pesquisa que
não há uma regra específica que impeça a realização dessa construção nas formas
linguísticas em destaque, mas o que ocorre é uma preferência dos falantes pelas formas
em que encontramos registros.
Sendo assim, a partir do que foi exposto na tabela (01), será apresentado a seguir
um gráfico contendo a estatística das formas nominais em relação as formas flexionadas.
De acordo com o gráfico, podemos observar que há uma preferência da ocorrência da
construção em estudo para as formas nominais do verbo, a saber: infinitivo e gerúndio.

Gráfico 01 – Distribuição do verbo FAZER nos dados

Fonte: Própria do autor

Contudo, consideramos necessário ressaltar que esses resultados estatísticos


refletem apenas os dados que foram coletados, ou seja, com base na amostragem que
conseguimos reunir para constituir o corpus dessa pesquisa. Logo, não descartamos a
possibilidade de obtermos outros resultados, caso os dados fossem coletados em outros
meios de comunicação diferente do qual utilizamos nessa pesquisa: rede de internet
(WhatsApp).

5.2 Família da construção FAZER A X

Ao adotarmos os pressupostos da Gramática de Construções, apresentamos


nessa subseção, uma discussão acerca das construções interligadas em formato de rede, a
considerar o compartilhamento de suas propriedades formais e/ou semânticas.
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No entanto, o nosso objeto de pesquisa, ao que podemos perceber visivelmente,


compartilha propriedades formais com as seguintes construções: FAZER A ALICE,
FAZER A KÁTIA CEGA E FAZER A EGÍPCIA. Sendo assim, no que diz respeito às
propriedades semânticas, nem todas elas estão inter-relacionadas.
Nesse sentido, defende-se a hipótese de que o conhecimento humano é
enciclopédico e assume o formato de uma rede, em que as construções estão
interconectadas entre si (DIESSEL, 2015). É com base nessa hipótese que se defende o
ponto de vista de que existem relações entre as construções, conforme consta na
representação da figura a seguir:

Figura 04 – Família da Construção

Fonte: Própria do autor

Em ambas as instanciações ocorre o processo da metáfora, no entanto, cada uma


delas expressa uma semântica específica, o que faz reforçar o argumento de Diessel
(2015) acerca dos constructos que são gerados a partir de uma construção mais geral e
mais esquemática.
A título de ilustração, analisemos o dado a seguir:

Dado (08)
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Em (08), podemos observar, primeiramente, que o dado é uma instanciação do


padrão construcional semipreenchido FAZER a X, e que o termo “egípcia” é um elemento
que preenche essa posição, ou seja, concretizando linguisticamente o padrão.
Dessa forma, a disposição de uma imagem egípcia é recrutada metaforicamente
para a construção, de modo que o falante, ao fazer menção ao monumento egípcio, pode
construir duas significações: a) fingir que não viu algo e b) expressar um ar de
superioridade. E no dado em questão, verifica-se a realização do primeiro significado: a)
fingir que não viu algo.
A considerar o dado (08), percebemos claramente que a semântica da construção
faz menção a uma situação específica em que uma entidade humana tem a intenção de
fingir não ver algo ou uma situação. Pode-se chegar a essa conclusão através da
informação que antecede, quando uma outra entidade diz “Mate no cansaço”, ou seja, há
o intuito de ignorar de fato uma situação.
No mesmo âmbito do processo metafórico, ganha espaço uma outra instanciação
menos abstrata. Ainda que seja a concretização linguística do padrão construcional, ela
possui uma semântica própria ao ser preenchida, como será analisado no dado a seguir:

Dado (09)
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O dado (09) apresenta a construção menos abstrata, FAZER A ALICE, que de


acordo com o contexto da conversa, podemos notar que uma entidade da área da docência
visa a um futuro com uma realidade utópica, mas que em seguida se depara com uma
quebra de expectativa, apresentada por um interlocutor, pois este chama a atenção para o
fato de que no cenário atual, a profissão de professor não é valorizada, ao contrário da
profissão de médico.
Portanto, a metáfora desta instanciação é em relação ao livro Alice no País das
Maravilhas do autor Lewis Carroll, que consiste em uma personagem que vive em um
mundo diferente de sua realidade, no qual a protagonista tem suas aventuras e descobertas
no imaginário, reportando-se para uma mente sonhadora e hipotética.
Sendo assim, novamente é possível notar a concretização linguística da estrutura
enquanto padrão construcional. Essa concretização permite que uma nova semântica seja
embutida na sentença, diferenciando-a das quais foram apresentadas anteriormente.
Dessa forma, fica evidenciada a produtividade dessas formas não canônicas na Língua.
Ainda, com base na semântica de fingimento, constatamos mais uma construção
de nível mais baixo na hierarquia construcional, utilizada na comunidade LGBTQIA+.
Percebemos que a partir do preenchimento da posição de X, na construção, há um
significado específico que emerge do padrão.
A título de ilustração, analisemos o dado seguinte:

Dado (10)
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Fonte: https://www. https://www.dicionariopopular.com/katia-cega/

Em (10), observamos um dado retirado da internet, de modo que apresenta a


realização linguística do padrão em estudo. E comprova também o fato de o falante ser
bastante expressivo, em termos de comunicação. Demonstrando, portanto, o quanto a
comunidade LGBTQIA+ utiliza essa expressividade no dia a dia.
Como podemos verificar no dado em questão, o processo metafórico se dar pelo
fato de uma entidade humana querer fingir uma ação. Pode-se conjecturar que esse
objetivo seja em função de não querer ter qualquer tipo de contato com o “ex”. Assim,
reafirmam-se os pressupostos de Lakoff e Johnson (1980), em relação à importância
dessas projeções e a onipresença das metáforas no cotidiano.
Portanto, é perceptível a correlação que a entidade faz entre a Kátia cega que foi
uma cantora de sucesso nos anos 80, com o comportamento que se deseja ter em relação
a uma outra pessoa, e que se justifica pelo fato de se fingir de cega diante de uma situação
em que se deseja evitar.
Nesse sentido, ressaltamos que essa realização linguística além de compartilhar
propriedades formais, também partilha traços semânticos com uma outra concretização,
a saber: FAZER A EGÍPCIA. Ou seja, em termos de sentido, elas são as que mais se
aproximam.
Sendo assim, a partir do que foi apresentado, comprova-se o argumento de Souza
(2016) de que a metáfora é tão passível de entendimento, quanto a linguagem dita literal,
desde que esteja devidamente contextualizada, tal como foi possível observar nos dados
analisados.
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6. Conclusão

Esta pesquisa buscou apresentar uma discussão acerca das expressões irregulares
na língua. Nesse sentido, observamos que a nossa língua não é composta apenas por
formas canônicas, pelo contrário, há a existência e produtividade também de formas não
canônicas (irregulares), as quais, muitas vezes, são utilizadas em grupos/comunidades
específicos, assim como o nosso objeto em estudo, FAZER A SANDY.
Nesse sentido, este artigo foi contemplado com três seções. Na primeira seção
buscamos de início analisar e comparar as concepções consolidadas acerca da metáfora,
no intuito de verificarmos como era abordado acerca desse mecanismo, desde a tradição
retórica até os pressupostos defendidos pela teoria da metáfora conceptual.
Ainda nesta seção, buscamos apresentar o arcabouço teórico da Linguística
Cognitivo-Funcional que serviu como sustentação teórica para esta pesquisa,
principalmente para contemplar as construções gramaticais, uma das bases fundamentais
do objeto em estudo.
Na segunda seção, mostramos os nossos procedimentos metodológicos que
utilizamos para a realização dessa pesquisa e para a coleta dos dados, que serviram como
corpus. Já na última, expomos a nossa análise e discussão dos dados, verificando as
projeções do domínio fonte para o domínio alvo.
Com isso, os resultados nos mostraram que na língua tendemos a comparar e/ou
correlacionar as coisas não apenas por meio de formas canônicas (contempladas nas
gramáticas tradicionais). No que diz respeito ao aspecto formal, observamos que na
realização do padrão, em questão, há preferência dos falantes pelas formas nominais
(gerúndio e infinitivo) e pelas formas flexionadas (presente, passado, subjuntivo).
O desenvolvimento de uma pesquisa em torno das construções irregulares
possibilita oferecer à área da Linguística um conhecimento sobre o funcionamento da
língua em sua perspectiva de uso. Construções não canônicas são bastante produtivas na
língua, porém, ainda pouco exploradas em termos de geração e análise.
Portanto, mais do que apresentar uma abordagem acerca da análise de expressões
irregulares na língua, buscamos oferecer com essa pesquisa uma perspectiva rumo ao
vasto campo do saber sobre construções cristalizadas, que são utilizadas com uma certa
frequência pelos falantes da língua, sem que esses se deem conta dos mecanismos que
originaram tais construções.
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Referências

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ANEXO 1 – PRINTS DE WHATSAPP/CONSTRUÇÃO ‘FAZER A SANDY’


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ANEXO 2 – CONSTRUÇÃO ‘FAZER A ALICE’


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ANEXO 3 – CONSTRUÇÃO ‘FAZER A EGIPCIA’

ANEXO 4 – CONSTRUÇÃO ‘FAZER A KÁTIA CEGA’

Fonte: https://www. https://www.dicionariopopular.com/katia-cega/

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