em 24 de novembro de 1861, na antiga Desterro, atual Florianópolis, em Santa Catarina. Foram seus pais o mestre pedreiro Guilherme da Cruz e a lavadeira Carolina Eva da Conceição, negros, escravos alforriados – a mãe primeiro que o pai –, pelo coronel Guilherme Xavier de Sousa. O menino João da Cruz receberia, como de costume na sociedade escravocrata e paternalista da época, sobrenome e proteção, firmados no apadrinhamento e na educação formal enquanto, simultaneamente, os pais continuavam vivendo no porão da casa senhorial. Talentoso, aos oito anos de idade Cruz e Sousa revela-se um poeta precoce ao declamar versos de sua autoria, homenageando o retorno do coronel Xavier de Sousa da Guerra do Paraguai e sua promoção a marechal. No período de 1871 a 1875, o jovem cursa, como bolsista, o Ateneu Provincial Catarinense, estabelecimento educacional frequentado pelos filhos das camadas dominantes do Desterro. Tem como professor de ciências naturais o naturalista alemão Fritz Muller – amigo, correspondente e colaborador de Darwin e Haeckel. Aluno brilhante, Cruz e Sousa destaca-se em matemática e línguas: francês, inglês, latim e grego. Culto e erudito, o poeta foi leitor sofisticado: Baudelaire, Leconte de Lisle, Leopardi, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, entre outros autores europeus de seu tempo. Não obstante o elevado nível cultural de sua formação escolar, o racismo o confinará – tema recorrente em seu texto “Emparedado”. Desempenhou funções muito aquém de seu efetivo potencial. Em 1881, viaja pela primeira vez pelo Brasil, indo desde Porto Alegre até São Luís, como ponto e secretário da Companhia Dramática Julieta dos Santos, uma atriz mirim. Afasta-se, desse modo, da franca hostilidade da qual se via cercado e, ao mesmo tempo, adquire uma visão mais abrangente a respeito das condições em que eram mantidos os negros nos anos finais do escravismo. Pouco tempo depois, Cruz e Sousa engaja-se na campanha abolicionista e, na Bahia, é recepcionado por uma comissão: a convite de sociedades dedicadas à causa, como a Libertadora Baiana e a Luiz Gama, o escritor profere um discurso, tendo sido transcrito em jornal local um poema seu em homenagem a Castro Alves. Cruz e Sousa insere-se na vida literária e cultural aos 20 anos, fundando com Virgílio Várzea e Santos Losada, em Santa Catarina, o jornal semanal Colombo, periódico crítico e literário de viés parnasiano. Participa do grupo Ideia Nova e, em 1885, publica, juntamente com Virgílio Várzea, o livro Tropos e fantasias, obra em prosa na qual se encontram textos contra a escravidão. Aliás, todo o período catarinense do autor é marcado pelo combate ao racismo do qual foi vítima em diversas ocasiões e que, inclusive, o impediu de assumir o cargo de Promotor em Laguna para o qual fora nomeado. Outrossim, dirige o jornal ilustrado O Moleque, fortemente discriminado pelos círculos sociais locais devido ao seu viés crítico. Colabora no jornal republicano e abolicionista Tribuna Popular, considerado a mais notável folha catarinense do período. Em sua primeira viagem ao Rio de Janeiro, em busca de ambiente menos racista e literariamente mais aberto, foi recebido pelo amigo e poeta Oscar Rosas e conheceu o também poeta catarinense Luís Delfino, bem como Nestor Vítor, grande amigo e divulgador de sua obra. Nesse ínterim, Cruz e Sousa realiza muitas e díspares leituras literárias, aprimorando-se em seu ofício de escritor: Poe, Huysmans, Flaubert, Maupassant, os irmãos Goncourt, Theophile Gautier, Gonçalves Crespo, Cesário Verde, Teófilo Dias, Ezequiel Freire, B. Lopes, Verlaine, Villieirs de l’Isle Adam vêm somar-se ao elenco de escritores anteriormente citados, cujas obras o poeta frequenta. Em 1890, muda-se para o Rio de Janeiro e colabora com diversos magazines – como a Revista ilustrada e Novidades – e jornais – como A Cidade do Rio, de José do Patrocínio – além de publicar artigos-manifestos do simbolismo na Folha Popular, principal órgão de divulgação do movimento e também no jornal O Tempo. Ademais, convive intelectualmente com Pompéia e Bilac, por intermédio de Oscar Rosas. Trava amizade com o grupo de escritores que constituirá o núcleo simbolista do qual será o membro mais expressivo. 1893 será um ano particularmente fecundo em sua bibliografia, com o lançamento de seus livros Missal (poemas em prosa), em fevereiro, e Broqueis (poemas), em agosto. Em 1895, era tal o destaque de Cruz e Sousa nos meios simbolistas que Alphonsus de Guimaraens vem de Minas Gerais ao Rio de Janeiro especialmente para conhecê-lo. Também em 1893 o poeta exercerá vários cargos, todos eles modestos, na Estrada de Ferro Central do Brasil. Nesse tempo casa-se com a jovem negra Gavita Rosa Gonçalves. O casal terá quatro filhos. A família sofre sérios problemas financeiros, devido aos baixos salários recebidos por Cruz e Sousa durante sua ocupação na EFCB. Gavita é acometida de distúrbio mental após o nascimento do segundo filho do casal, Guilherme. Em 1897, o escritor confia seu espólio literário ao amigo Nestor Vítor, muito provavelmente devido ao seu frágil estado de saúde. Em conseqüência das condições de trabalho na EFCB, contrai a tuberculose. À procura de um clima melhor para sua saúde, retira-se, no mesmo ano, para a estação mineira de Sítio. Mas a doença não regride e o poeta morre em 19 de março de 1898, aos trinta e seis anos de idade. Seu enterro, realizado no cemitério carioca de São Francisco Xavier, é custeado por José do Patrocínio e por uma lista de contribuições, devido à absoluta falta de condições financeiras da família. O corpo do poeta foi transportado de Minas Gerais para ser sepultado no Rio de Janeiro num vagão destinado ao transporte de animais. Entre suas obras póstumas figuram: Evocações (livro que havia deixado pronto e inédito), publicado em 1898; Faróis (coletânea organizada por Nestor Vítor, depositário de seu espólio literário), lançado em 1900 e Últimos sonetos, em 1905. Em 1923, é publicada a primeira edição de sua Obra Completa. Fundador e um dos principais representantes do simbolismo no Brasil, Cruz e Souza foi um dos precursores da literatura afro-brasileira e figura proeminente de seu tempo. Nascido e crescido num meio extremamente hostil ao negro, em província do sul do país para onde se dirigiram levas de imigrantes europeus brancos, Cruz e Sousa deparou-se, ao longo de sua curta vida, com inúmeras barreiras, sendo emparedado de diversas maneiras. Em plena vigência das políticas de branqueamento no país, o poeta afrodescendente foi vítima de vários episódios racistas. A sua contrariedade e indignação frente à injustiça praticada aos negros é constatada por meio de sua aberta orientação abolicionista e de seu trabalho literário, inovador e fortemente contrário ao discurso conservador da época. A edição mais completa do conjunto da obra de Cruz e Souza é a da Editora Aguilar, que inclui ainda Livro Derradeiro (poesia), Outras Evocações e Dispersos (prosa). Em 1995, esta edição foi atualizada pelo poeta Alexei Bueno, para a editora Nova Aguilar. Cumpre acrescentar que compõe também a obra do poeta o livro intitulado Julieta dos Santos (1883) – pouco conhecido, escrito em homenagem à atriz mirim em cuja companhia dramática trabalhara – e os livros deixados por ele inéditos Cambiantes e Campesinos.