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Artigo de Revisão

Lesões pré-malignas da laringe: revisão de literatura

Premalignant lesions of the larynx: literature review Jose Antônio Pinto 1


Henrique Wambier 2
Thiago Branco Sonego 2
Fabio Caracho Batista 2
Rodrigo Kohler 2
Rodrigo Prestes dos Reis 2

Resumo Abstract

Introdução: Cerca de 90% dos casos de carcinoma laríngeo Introduction: About 90% of malignant tumors of the larynx are
são originados a partir de alterações morfológicas prévias no carcinomas that often develop from precancerous epithelial
epitélio laríngeo, as chamadas lesões pré-malignas da laringe. lesions. Although the potential progression to invasive cancer is
Mesmo havendo uma correlação comprovada entre as lesões a fact, the rates of malignant transformation reported in medical
pré-malignas da laringe e o câncer laríngeo, o risco real de literature vary between 2 and 74% of all cases. Objective: To
malignização destas lesões permanece desconhecido, sendo access the medical literature in order to obtain the more recent
registrada na literatura médica uma taxa oscilando entre 2 a data available related to the subject. Method: A structured
74,4%. Objetivos: Realizar uma revisão da literatura incluindo search of Medline was performed, using “precancerous lesions
a maior quantidade de informação atual envolvendo o tema. of the larynx”; “malignant transformation rate” and “review”
Método: A revisão de literatura foi realizada através da base de as keywords; including articles from 1988 to 2011. Results:
dados online Medline, utilizando para pesquisa os termos “lesões 45 studies were included in this review. Conclusions: The
pré-malignas da laringe”, “taxa de malignização” e “revisão management and follow-up strategies of premalignant lesions
da literatura”, no período compreendido entre 1988 e 2011. on the larynx epithelium are controversial. New techniques are
Resultados: 45 publicações foram incluídas nesta revisão de being developed in order to treat the lesions and preserve most of
literatura. Conclusão: Não existe consenso na literatura médica the vocal cord structure. The importance of early diagnosis of the
sobre o manejo ideal e o seguimento dos pacientes portadores laryngeal premalignancy is based on the relief of the symptoms,
de lesões pré-malignas da laringe. Novas tecnologias estão em adopting a less aggressive therapy to break the carcinomatous
processo de validação a fim de remover as lesões e preservar ao transformation. Further research on this is recommended.
máximo a estrutura da corda vocal. A importância do diagnóstico
das lesões pré-malignas baseia-se no tratamento precoce dos Key words: Laryngeal Neoplasms; Larynx; Leukoplakia;
sintomas laríngeos, possibilitando o emprego de medidas mais Prevalence.
conservadoras, impedindo sua progressão para a malignidade.
Novos estudos são necessários para melhor elucidação do tema.

Descritores: Neoplasias Laríngeas; Leucoplasia; Prevalência;


Laringe.

INTRODUÇÃO de homens:mulheres de 7:1. Aproximadamente 2/3 des-


ses tumores acometem a região glótica1,2. O diagnóstico
O câncer de laringe representa cerca de 25% dos tu- precoce do câncer laríngeo melhora o prognóstico do
mores malignos de cabeça e pescoço e 2% de todas as paciente, permitindo maior preservação do órgão e so-
doenças malignas. É responsável por aproximadamente brevida.
12.000 novos casos por ano nos EUA, com incidência Sabe-se que mais de 90% de todos os carcinomas
anual mundial de mais de 130.000 novos casos. Ocorre laríngeos são representados por carcinomas de células
predominantemente no sexo masculino, numa relação escamosas com graus variados de diferenciação histo-

1) Especialista em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Diretor do Núcleo de ORL e CCP de São Paulo, Chefe do Serviço de ORL do Hospital e Maternidade São Camilo -
Pompéia.
2) Médico Residente do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.

Instituição: Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.


São Paulo / SP – Brasil.
Correspondência: Jose Antônio Pinto - Alameda dos Nhambiquaras, 159 - São Paulo / SP – Brasil - CEP: 04090-010 – Telefone: (+55 11) 5573-1970 – E-mail: japorl@uol.com.br
Recebido em 05/05/2011; aceito para publicação em 19/11/2011; publicado online em 27/02/2012.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

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lógica3,4 e que, em cerca de 90% dos casos, são origina- O desenvolvimento de um tumor maligno envolve in-
das a partir de alterações morfológicas prévias no epité- terações complexas entre fatores de risco endógenos e
lio laríngeo, as chamadas lesões pré-malignas. exógenos. Existe um acúmulo sequencial de fatores irri-
Essas alterações microscópicas podem ocorrer em tativos crônicos e fatores genéticos em uma ordem pre-
qualquer ponto do trato aereodigestivo superior5, sendo ferencial, na qual genes supressores tumorais e oncoge-
na laringe, traduzidas clinicamente através do surgimen- nes específicos tomam parte. O efeito final dos agentes
to da leucoplasia, da eritroplasia e da eritroqueratose. cancerígenos envolve a transformação das células epi-
Importante ressaltar que a análise macroscópica dessas teliais que se tornam incapazes de responder normal-
lesões, quando isolada do estudo histológico, é incapaz mente aos mecanismos de regulação do ciclo celular.
de definir o verdadeiro potencial neoplásico que pos- Slaughter12 introduziu o conceito de campo de cance-
suem. rização para caracterizar a presença de regiões do epité-
Mesmo havendo uma correlação comprovada entre lio formadas por células contendo alterações genéticas
as lesões pré-malignas da laringe e o câncer laríngeo, o de origem monoclonal, apresentando um maior potencial
risco real de malignização permanece desconhecido. Na de malignização quando comparadas ao tecido normal
literatura médica, uma ampla faixa de variação é des- circunjacente. Uma vez em que exista dano genético à
crita, oscilando entre 2 e 74,4%6. Ademais, não existe célula tronco, novas unidades clonais de células altera-
um consenso sobre o manejo ideal e seguimento dos das são formadas no processo de duplicação celular.
pacientes portadores dessas alterações.
A importância do diagnóstico das lesões pré-malig- Fatores Endógenos
nas baseia-se no tratamento precoce dos sintomas larín- A atividade proliferativa é uma das características
geos, possibilitando o emprego de medidas mais conser- principais dos tumores malignos. Há décadas, a detec-
vadoras, impedindo sua progressão para a malignidade ção imuno-histoquímica de proteínas associadas à pro-
e potencializando as taxas de cura. liferação celular tem sido usada para definição prognós-
tica, como é o caso do antígeno Ki-67, o qual se fixa ao
REVISÃO DA LITERATURA núcleo em atividade mitótica.
Mutações no gene supressor tumoral p53 também
Método estão envolvidas no desenvolvimento de muitos proces-
A revisão de literatura foi realizada através da base sos malignos, incluindo os carcinomas laríngeos. Este
de dados online Medline, utilizando para pesquisa os ter- gene está ativo na regulação do ciclo celular, no reparo
mos lesões pré-malignas da laringe, malignização, leu- do DNA e no processo de apoptose; sendo o gene que
coplasia laríngea, no período compreendido entre 1988 mais comumente sofre mutações nos tumores malignos,
e 2011. sendo também expresso nas lesões pré-neoplásicas.
Pode ser detectado pela reação em cadeia da polimera-
Histórico se (PCR), estando presente em 40% das displasias grau
A primeira vez em que o termo leucoplasia foi em- I, 75% do grau II e em 70% dos casos grau III13,14.
pregado data de 1877, quando Schwimmer descreveu A angiogênese também representa um dos aspec-
a presença de lesão branca em cavidade oral não ca- tos mais importantes relacionados à carcinogênese. É
tegorizada até aquela época. Em 1880, Durant relatou bem estabelecido que o crescimento e metástase dos
primeiro caso de leucoplasia envolvendo a prega vocal tumores invasivos dependem da neovascularização. As
de um paciente de 42 anos. Jackson, em 1923, criou o lesões pré-neoplásicas possuem propriedades angiogê-
conceito de lesões pré-malignas da laringe através de nicas que podem ser realçadas imuno-histoquimicamen-
uma série de 12 casos de câncer laríngeo associado à te por anticorpos anti-endotélio vascular como o CD34.
presença de áreas de hiperqueratose. Em 1910, Rubin Este antígeno é uma proteína transmembrana expresso
descreveu as características histopatológicas da pré- nas células hematopoiéticas progenitoras e nas células
malignidade durante estudo envolvendo o colo uterino. do endotélio vascular. A expressão do marcador CD34
Três anos mais tarde, o próprio autor utilizou o termo apresenta diferença significativa entre todas as cate-
“carcinoma in situ” para descrever as alterações obser- gorias de displasia. O número de microvasos aumenta
vadas7,8,9. Seu trabalho permaneceu negligenciado até proporcionalmente ao incremento dos graus histológicos
1932, quando Broders definiu os critérios histopatológi- das lesões pré-neoplásicas.
cos da pré-malignidade10. Em 1963, Kleinsasser desen-
volveu a primeira classificação sistemática das lesões Fatores Exógenos
pré-malignas da laringe11. Dentre os principais fatores de risco responsáveis
pelo surgimento do câncer laríngeo, destacam-se o ta-
Etiopatogenia bagismo e o etilismo15,16.
O entendimento da fisiopatologia e o reconhecimen- Sabe-se que o fumo representa a maior causa de
to dos fatores de risco são os passos iniciais para o diag- laringite crônica entre a população, havendo uma forte
nóstico precoce e tratamento adequado do carcinoma associação dose dependente com o surgimento do cân-
laríngeo. cer. O cigarro contém cerca de 50 componentes mutagê-

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nicos, incluindo hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, e pescoço esteja bem determinado nas neoplasias de
nitrosaminas, aldeídos e aminas aromáticas17. Também orofaringe, especialmente nos casos de câncer tonsilar,
está associado às mutações do gene p53 e a sua ex- os dados com relação à sua participação no câncer la-
pressão quantitativa. ríngeo são conflitantes28. A positividade da correlação
A bebida alcoólica, por sua vez, apresenta carcinó- entre a malignidade laríngea e a detecção do vírus regis-
genos e pró-carcinógenos, com destaque especial para trada na literatura varia de 0 a 65%29,30. Recentemente,
o etanol. Sua metabolização leva à formação de ace- Gallo31 demonstrou uma baixa associação entre o HPV
taldeído, um composto com grandes propriedades cito- e a ocorrência de lesões malignas da laringe, apontan-
tóxicas, produzindo radicais livres e bases hidroxiladas do uma série de falhas nos modelos de estudo prévio,
no DNA17. Ademais, promove lesão química na mucosa relacionando os resultados obtidos a uma elevada taxa
laríngea, aumentando a permeabilidade da membrana de casos falso-positivos. Assim, como a maioria dos da-
celular, favorecendo a exposição das células aos demais dos são originados de estudos isolados e com pequena
agentes cancerígenos. amostra, novas evidências são necessárias.
O efeito sinérgico da associação entre o etilismo e o Mais além, a carcinogenicidade também pode sur-
tabagismo também já está bem estabelecido18,19. gir da exposição ocupacional a agentes tóxicos como o
A observação da ocorrência de carcinoma laríngeo gás mostarda, corantes capilares, níquel, pó de madeira,
em uma pequena parcela de pacientes não tabagistas, produtos de borracha, fumaça de diesel e gasolina, for-
em cerca de 3% dos casos20, aventou a possibilidade de maldeído, amianto, solventes orgânicos, óleo mineral e
novos agentes estarem envolvidos no processo de carci- carvão em pó19.
nogênese. Entre eles, a deficiência de micronutrientes, o
refluxo gastroesofágico e a infecção pelo Papilomavírus Clínica e Diagnóstico
Humano (HPV). O diagnóstico das lesões pré-malignas inicia-se com
O refluxo gastroesofágico é um fator etiológico de uma anamnese e um exame laringoscópico, com des-
alta prevalência entre a população. O surgimento de le- taque especial para os antecedentes e fatores de risco
sões laríngeas depende do tempo de exposição, quanti- para o surgimento da neoplasia laríngea. Do ponto de
dade de ácido e presença de lesões prévias na mucosa vista sintomático, a disfonia é o principal sintoma, fruto
da laringe. A distância relativa entre a laringe e o estôma- da rigidez na onda mucosa criada pela lesão, gerando a
go pode explicar a necessidade de aproximadamente 20 produção de uma voz áspera ou rouco-áspera, podendo
anos para o refluxo tornar-se lesivo21. estar associada à baixa resistência ao uso vocal e ten-
Galli e coloboradores21 evidenciaram a ocorrência dência à fadiga.
da doença do refluxo gastroesofágico em 83,3% dos pa- Clinicamente, as lesões pré-malignas podem ser re-
cientes portadores de lesões pré-cancerígenas ou malig- presentadas pela leucoplasia, eritroplasia e eritroquera-
nas de laríngea, sendo que apenas 63,7% dos pacientes tose. A leucoplasia é termo que define a presença de
apresentavam sintomatologia22. Outros autores reporta- placas esbranquiçadas decorrentes do processo de que-
ram uma relação de 85% em 40 casos estudados. Em- ratinização do epitélio laríngeo. A eritroplasia é caracte-
bora esses estudos apontem uma alta relação entre o rizada pela presença de área avermelhada na mucosa
refluxo e o carcinoma de laringe, novos estudos devem laríngea, sem nítida associação a um evento inflamató-
ser realizados para elucidação do tema. rio. A eritroqueratose é marcada pela presença de lesões
No que diz respeito ao HPV, sua infecção é apontada nas quais existem mescla entre áreas leucoplásicas e
como coadjuvante no processo de transformação neo- eritroplásicas.
plásica. As formas de contaminação laríngea pelo vírus Suas expressões clínicas são bastante variáveis,
são de caráter especulativo, contudo, as hipóteses da podendo ocorrer lesões isoladas ou associadas, aco-
transmissão durante o parto ou contaminação orogeni- metendo uma ou ambas as pregas vocais, sendo ainda
tal são plausíveis23. Independente da maneira com que contínuas ou separadas.
ocorre a transmissão viral, sabe-se que o vírus apresenta As lesões possuem predileção pela face superior da
tropismo pela camada germinativa do epitélio, atingindo corda vocal, mais especificamente, pela região fonatória
as células basais após penetrar entre as microabrasões anterior. Lavah32 demonstrou a predominância de displa-
presentes nas camadas celulares mais superficiais, com sia na superfície de 78% dos casos em estudo envol-
auxílio de alguns tipos de receptores, a exemplo α6β1 e vendo 83 pregas vocais. Zeitels33, analisando 52 casos
α6β4 integrina24,25. Uma vez que atinge a célula alvo, ini- suspeitos, demonstrou a ocorrência de 52% das lesões
cia o processo de replicação viral, gerando 50 a 100 có- na face superior da prega vocal.
pias epissomais do genoma viral por unidade de célula Além dos métodos mais consagrados para diag-
infectada26. A literatura médica demonstra a ocorrência nóstico das lesões pré-malignas, novas técnicas estão
de cerca de 100 genótipos virais em humanos27, contu- sendo desenvolvidas ao longo dos anos na tentativa de
do, apenas os subtipos de HPV 16 e 18 apresentam um aprimorar o diagnóstico, como a endoscopia rígida e de
verdadeiro potencial oncogênico, sendo considerados contanto e, a endoscopia da autofluorescência.
de alto risco. A endoscopia rígida e de contato foi desenvolvida
Embora o papel do HPV nos cânceres de cabeça por Andrea et al.34, facilitando a identificação das áreas

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com maior concentração de alterações nucleares e de- trapassando a membrana basal.


sarranjos microvasculares. Para isso, utiliza a coloração O termo carcinoma micro-invasivo pode ser utilizado
das pregas vocais com corantes supravitais e endoscó- para designar o carcinoma in situ que invade a membra-
pios com ampla capacidade de magnificação (60 e 150 na basal de maneira discreta e limitada.
vezes) e nas mais diversas angulações. Apesar da téc-
nica não substituir a análise histopatológica, orienta em Tratamento
quais áreas é mais favorável a realização da biópsia. O tratamento das lesões pré-malignas da laringe ain-
Existe também a endoscopia de autofluorescência, da permanece controverso. Não existe uma correlação
baseada na análise da intensidade e característica da direta entre o aspecto clínico das lesões com as altera-
luz emitida, na forma de fluorescência, por uma subs- ções histológicas evidenciadas. Além disso, uma mes-
tância com base em suas propriedades físico-químicas. ma lesão leucoplásica pode apresentar uma variabilida-
A técnica observa a fluorescência do tecido após ser de intralesional de atipia epitelial, embora seu aspecto
exposto a uma luz azul com espectro luminoso de 442 macroscópico seja o mesmo. A literatura médica revela
nanômetros. Tecidos constituídos por células normais, que o risco de transformação maligna é mais acentuado
apresentam fluorescência esverdeada, já os constituí- quanto maior for o grau de displasia7 e quando a displa-
dos por células neoplásicas, apresentam fluorescência sia ocorre em pacientes tabagistas35.
reduzida35. Arens et al36 realizaram um estudo prospecti- Embora não possamos postergar a chance de uma
vo analisando 116 casos de lesões laríngeas suspeitas, intervenção precoce, muitos autores advogam um tempo
comparando as imagens obtidas pela autofluorescência de tratamento clínico prévio, com a remoção dos fatores
por laringoscopia direta, com as imagens obtidas pela de risco mais evidentes para o surgimento das lesões
autofluorescência por laringoscopia indireta, observando pré-malignas da laringe. Neste período de 3 a 4 sema-
concordância dos achados em 89% dos casos, aumen- nas, é recomendado à mudança no hábito tabágico e/ou
tado o entusiasmo com relação à nova técnica. etílico, associando o tratamento comportamental e me-
dicamentoso do refluxo laringofaríngeo, caso presente.
Classificação O emprego de corticoesteroides inalatórios ou agentes
Kleinsasser11 classificou as lesões epiteliais da la- antioxidantes também pode ser indicado.
ringe em três graus, as quais correspondem à displasia Não havendo resposta ao tratamento inicial, a reali-
grau I, displasia grau II e displasia grau III/carcinoma in zação de microcirurgia de laringe está indicada. A lesão
situ da classificação proposta pela Organização Mundial deve ser removida por completa, sendo realizada uma
da Saúde. decorticação da prega vocal, conhecida como cordec-
A displasia grau I corresponde ao estado de hiperpla- tomia tipo I ou subepitelial. A ressecção da lesão é re-
sia e acantose do epitélio escamoso, o qual se encontra alizada após a infiltração subepitelial de solução salina
coberto por uma lâmina de queratina com espessura va- combinada com adrenalina na diluição de 1:10.000. A in-
riável, apresentando estratificação regular e células bem fusão do espaço de Reinke tem por função gerar a hidro-
diferenciadas. Na displasia grau II, a hiperplasia epite- dissecção entre a mucosa da prega vocal e o ligamento
lial apresenta estratificação anormal, com a ocorrência vocal, facilitando a ressecção da lesão e avaliando seu
ocasional de atipias nucleares. Já na displasia grau III, do grau de aderência. A técnica do microflap descrita por
a estratificação do epitélio é anômala, havendo atipias Zeitels é empregada, removendo-se a lesão acima do
nucleares em quase todas as camadas do epitélio. ligamento vocal, com margens de mucosa normal, após
Em 1988, Friedmann37 , considerando as lesões epi- a incisão circunscrita ao redor da mesma produzida por
telias laríngeas comparáveis às lesões do colo uterino, instrumentos à frio33,39. Quando se opta pelo uso do laser
da vagina e da vulva; propôs a utilização do termo “ne- de CO2, empregam-se as potências entre 3 a 5 Watts
oplasia intraepitelial laríngea” (NIL). A NIL I corresponde no modo superpulso e intermitente para a ressecção das
à presença de queratose com displasia leve, a NIL II à lesões40.
queratose com displasia moderada e a NIL III, à querato- Cuidados com o material obtido são de extrema im-
se com displasia severa ou ao carcinoma in situ. portância, devendo a peça cirúrgica ser encaminhada
Golusinski et al.38 utiliza a classificação das lesões em bloco, com pontos de reparo orientando o patologis-
epiteliais hiperplásicas de Ljubljana, agrupando as le- ta. O estudo histológico pela técnica da congelação du-
sões laríngeas em quatro categorias. Na Hiperplasia rante o ato operatório é preferível, com atenção especial
Simples, observa-se a ocorrência de espessamento para as margens cirúrgicas e a profundidade das lesões.
epitelial por meio de um aumento do número de célu- Caso haja envolvimento da membrana basal ou do liga-
las epiteliais possuindo aspecto normal. Na Hiperplasia mento vocal, uma ampliação da ressecção ou uma outra
Anormal, existe uma hiperplasia por aumento do número intervenção deve ser realizada.
de células basais. Na Hiperplasia Atípica ou de Risco, No seguimento do pacientes portadores de lesão
é notável o acúmulo de células basais na presença de pré-maligna da laringe, está preconizado a realização de
atipia nuclear pronunciada. No Carcinoma in situ, existe exame laringoscópico mensal dentro dos primeiros seis
displasia celular em toda a espessura do epitélio, haven- meses da ressecção da lesão. Este seguimento objetiva
do acentuado pleomorfismo e atividade mitótica, não ul- o controle evolutivo da cicatrização, da qualidade vocal

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Lesões pré-malignas da laringe: revisão de literatura. Pinto et al.

e a avaliação de possíveis recidivas, com destaque para da gravidade da displasia, sendo 3,7% em 1.388 casos
os pacientes com displasia de alto grau que continuam de leucoplasias sem displasia, 10.1% em 824 casos de
com o hábito tabágico. Caso não existam indícios de re- displasias leves e moderadas e, 18.1% em 310 casos de
cidiva ou progressão da doença, os controles endoscópi- displasias severas.
cos podem ser mais espaçados temporalmente. Weller et al6, em metanálise envolvendo 940 casos
reportados de nove estudos e período mínimo de segui-
Novas Tecnologias mento de 12 meses, observaram uma taxa de transfor-
Outros tipos de tratamento estão em desenvolvimen- mação maligna de 14%, com um tempo médio de 5,8
to, como a terapia fotodinâmica (TFD) e o laser KPT (fos- anos. Relataram ainda que, o risco de malignização é
fato de potássio-titânio). triplicado com o aumento da severidade da displasia.
A terapia fotodinâmica utiliza drogas sensíveis40 pro- Com relação às modalidades de tratamento adotadas,
curando realizar procedimentos que possam controlar a não foram observadas diferenças estatísticas.
evolução da doença com maior preservação da mucosa
da prega vocal. As drogas fotosensíveis são absorvidas Comentários FINAIS
pelas células tumorais em uma maior extensão do que
as células normais e depois destruídas por reação fo- Diante de um tema de grande polêmica, podemos
toquímica através da aplicação do laser de argônio ou perceber a dificuldade de criação de um protocolo pa-
laser corante pulsátil 585 nanômetros 41. As drogas foto- drão na condução dos pacientes portadores das lesões
sensibilizantes mais utilizadas são a hematoporfirina por pré-malignas da laringe. Na prática clínica, o bom senso
via intravenosa e o ácido 5-aminolevulínico (ALA) por via está indicado com o seguimento sistemático desses indi-
tópica, o qual apresenta efeitos colaterais tóxicos menos víduos. Novas evidências são necessárias para a eluci-
intensos42. dação das melhores formas de abordagem, do papel real
O emprego do laser KTP (fosfato de potássio- titânio) das novas técnicas em desenvolvimento e a correlação
baseia-se no princípio da fotoangiólise ou ablação micro- das lesões malignas da laringe com prováveis fatores de
vascular, com o objetivo de concentrar a energia do laser risco, como é o caso do HPV.
na microcirculação, preservando ao máximo a microes-
turutra da prega vocal. Isto é possível graças à longitude REFERÊNCIAS
de onda do laser, 532 nanômetros, correlacionando-se
1. Ferlay J, Bray F, Pisani P and Parkin D.M. GLOBOCAN 2002. Can-
com a absorbância da hemoglobina. Seu uso tem se cer Incidence, Mortality and Prevalence Worldwide IARC CancerBase
demonstrado efetivo no tratamento de um número ex- No. 5. version 2.0, IARCPress, Lyon, 2004.
pressivo de lesões, incluindo papilomatose laríngea, dis- 2. Dobrossy L. Epidemiology of head and neck cancer: magnitude of
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Como a disponibilidade desse tipo de laser ainda é limi- Network of Cancer Registries. Lyon: International Agency for Research
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contexto de inúmeras arbitrariedades. Novas evidências risk and interval to malignancy of patients with laryngeal dysplasia; a
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corroboram com a necessidade de rever os antigos con- 2010;35:364–372.
ceitos e a necessidade de novas pesquisas com relação 7. Sadri M, McMahon J, Parker A. Management of laryngeal dysplasia:
ao tema. a review. Eur Arch Otorhinolaryngol, 2006 Sep;263(9):843-52. Epub
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monstravam altas taxas de malignização, muito prova- 9. Jackson C. Cancer of the Larynx: Is it Preceded by a Recognizable
velmente devido à falta de padronização da classificação Precancerous Condition. Transactions of the American Laryngological
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of Slaughter’s concept of field cancerization: evidence and clinical im-
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