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REESTRUTURAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA


NO ATUAL CENÁRIO JURÍDICO

Bruno Morales1

RESUMO

O trabalho versa sobre uma possível reestruturação no sistema de segurança


pública do país sem que se altere o cenário jurídico atual, bem como as
funcionalidades de cada órgão desse sistema, as responsabilidades e competências
dos entes federativos na prestação desse serviço, suas mutações e sua estrutura
básica. São extraídas questões específicas do ordenamento jurídico que normatiza a
segurança pública do país, no intuito de esclarecer algumas dúvidas. Procura-se
propor uma possível reestruturação sem que se altere de maneira radical o sistema
existente na atualidade.

Palavras-chave: Segurança Pública, Polícia, Sistema, Constituição

1 Bruno Morales. Ciências Policiais, Segurança e Ordem Pública. E-mail:


bruno.morales09@gmail.com
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1 - INTRODUÇÃO
A Segurança Pública não é só uma área coadjuvante na gestão de um
Estado, mas sim um dos maiores clamores sociais, é também uma área baseada
nos direitos e nas garantias individuais e coletivas, portanto, é de suma importância
abordar esse tema que hodiernamente preocupa os brasileiros. Desse modo, busca-
se analisar o sistema de segurança atual, o ordenamento jurídico que regula esse
sistema e possíveis alterações sem que se modifique sobremaneira tal sistema,
objetivando com essas inovações obter resultados mais positivos do que os que
temos na atualidade.
A segurança pública como conhecemos hoje está em total declínio, seja por
falta de gestão de qualidade, seja por questões culturais ou por ineficiência do
Estado num todo. Por esses fatos o trabalho em tela se objetiva, e todos os estudos
e esforços são voltados para buscar uma possível solução para esse problema que
assola a sociedade brasileira.

2 - SEGURANÇA PÚBLICA
Conforme nos ensina Silva, segurança

[...] assume o sentido geral da garantia, proteção, estabilidade


de situação ou pessoa em vários campos, depende do adjetivo
que a qualifica [...] A Segurança Pública consiste numa
situação de preservação ou restabelecimento dessa
convivência social que permite que todos gozem de seus
direitos e defesa de seus legítimos interesses.2

A Escola Nacional de Administração Pública ensina que segurança pública é


“o conjunto de ações e decisões do governo, voltadas para a solução (ou não) de
problemas da sociedade [...] são a totalidade de ações, metas e planos que os
governos (nacionais, estaduais e municipais) traçam para alcançar o bem-estar da
sociedade e o interesse público”.3

2 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. São Paulo: Malheiros,
2012, p.649.
3 ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ENAP). Políticas Públicas: conceito e

práticas. Belo Horizonte: SEBRAE, 21/09/2008. Disponível em:


<http://www.enap.gov.br/index.php?option= com_docman&task=doc_view%gid=2857>. Acesso em:
01/06/2018.
3

Nesse sentido, podemos concluir que Segurança Pública nada mais é do


que o conjunto de ações e organizações do Estado que visam manter a paz e a
ordem pública interna e a defesa da nação contra ameaças externas.

2.1 Breve histórico


A origem propriamente dita dos serviços de segurança pública no Brasil se
dá na descoberta do país. Deve ser mencionado que Dom João III, então rei de
Portugal, para garantir a dominação das terras brasileiras em meio a inúmeras
tentativas de usurpar e conquistar terras ao redor do mundo, estabeleceu um
sistema de controle, organização, domínio e exploração territorial denominado
Capitanias. Essas Capitanias tornaram-se províncias, pois não tiveram o efeito
desejado por conta da dificuldade na manutenção do vasto território brasileiro, essas
províncias foram então administradas por um governador geral, substituindo a figura
dos Capitães extintos.
Com o sucesso das operações de Napoleão Bonaparte, o príncipe Dom
João de Bragança, o futuro rei Dom João VI, foi forçado a deixar o território lusitano
com sua família e cerca de 15 mil pessoas ligadas à corte, fixando residência em
solo tupiniquim.4 Dom João VI, agora rei, enfrentou a inadequação do sistema de
capitanias hereditárias, e se viu obrigado a reorganizar sua administração colonial,
estabelecendo assim a primeira força militar de segurança e defesa nacional,
chamada “Academia Real Militar”, para garantir a proteção de fronteiras e evitar que
a crise internacional atingisse o Brasil.
Além dessa força militar, existiam nas administrações provinciais as
chamadas câmaras municipais, compostas pelos chamados “homens bons”, milícias
formadas por quadrilheiros, meirinhos, juízes e alcaides, a fim de garantir a ordem
local. Nasce nesse período a primeira força municipal de segurança.
Algum tempo após a chegada da família real no Brasil, foi criada a
Intendência Geral de Polícia, destinada a garantir a ordem e os direitos dos
cidadãos. Essa instituição obteve êxito em gerir conflitos locais, o que no futuro seria
competência específica das chamadas polícia judiciária e polícia militar, com
intenção de aplicar o modelo europeu para civilizar o Estado brasileiro.

4PEIXOTO, Júlio Afrânio. Histórias do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 2008.
Disponível em: <http://www.ebookbrasil.org/el.ibris/peixoto.html>. Acesso em: 20/05/2018.
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Para realizar o serviço policial ostensivo, foi criada a Divisão da Guarda Real
de Polícia, com a incumbência de garantir a manutenção da ordem pública. Com a
ineficácia da Guarda Real de Polícia para manter o controle dos municípios do
Estado Imperial brasileiro, esta foi extinta, resultando na criação do Corpo de
Guardas Municipais Permanentes, que acabou sendo denominada, em 1866, Corpo
Militar de Polícia da Corte e, em 1920, recebeu o nome Polícia Militar, até hoje
presente no país.5
Com a promulgação da Constituição Federal de 1934, as Polícias Militares
passaram a estar no contexto de proteção e garantia da ordem pública e foram
integradas às forças auxiliares do Exército Brasileiro, pelo teor de seu art. 167. Com
a Lei federal 192/1936, foram reorganizadas as funções estaduais das Polícias
Militares, atribuindo-lhes atividades efetivamente policiais, atuando em âmbito
territorial estadual em tempo de paz e se submetendo à convocação do Exército
Brasileiro em tempos de guerra.
Em 1967 nasce a Inspetoria Geral de Polícias Militares, criada pelo
Ministério do Exército (Decreto-Lei 317/1967), com a finalidade de supervisão e
controle da atividade de repressão e garantia da ordem pública, exercida pelas
Polícias Militares estaduais em todo o território nacional.
No auge do regime militar no Brasil, sob o comando do General de Exército
Emílio Garrastazu Médici, presidente do Brasil (1969-1974), a história mostra efetiva
fusão entre Guardas Civis atuantes e as Polícias Militares estaduais.
Com a Constituição Federal de 1988, a qual vige na atualidade, volta ao
cenário a Guarda Civil Municipal, destinada à proteção dos bens, serviços e
instalações do município, mantendo as Polícias Militares como forças de segurança
pública estaduais.

3 - OS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988


A Constituição da República Federativa do Brasil trouxe, entre tantos
assuntos, a Segurança Pública em seu art. 144, e em seu caput demonstra que esse
serviço é de prestação exclusiva do Estado, porém, a responsabilidade é de todos.
Ou seja, todo cidadão deve contribuir de forma a resguardar a ordem pública e zelar
pela segurança individual e coletiva.

5SOUZA, Aulus Eduardo Teixeira de. Guarda Municipal: A responsabilidade dos Municípios pela
Segurança Pública. Curitiba: Juruá, 2015.
5

O que a Constituição Federal não relaciona é a defesa da nação contra


ameaças externas como tema de Segurança Pública.6 Ora, não são questão de
Segurança Pública Nacional ameaças externas contra a nação? Em seu artigo 142,
tratou sobre as Forças Armadas, que, estando em capítulo exclusivo, na visão
constituinte não são assunto de Segurança Pública, in verbis:

Art. 142 - As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo


Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia
e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem.

O Brasil vem mostrando uma tendência de unificar as informações das


forças de segurança existentes, dessa forma, não há como deixar as Forças
Armadas de fora dos assuntos de Segurança Pública, sendo que a estas é atribuído
o dever de proteção da pátria e de garantir a lei e a ordem. E, ainda, incluí-las é de
extrema importância, como será demonstrado no desenrolar deste trabalho.
O artigo 144 da Constituição Federal, por sua vez, elencou os órgãos
estatais responsáveis pela execução dos serviços de Segurança Pública:

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e


responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Em decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de


Inconstitucionalidade sob o nº 236-8/RJ, os Ministros concluíram que esse rol de
órgãos responsáveis pela Segurança Pública é taxativo, não se poderia expandi-lo,
porém há a possibilidade. Conforme Alexandre de Moraes, “A multiplicidade dos
órgãos de defesa da segurança pública, pela nova Constituição, teve dupla

6BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 05/10/1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 24/05/2018.
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finalidade: o atendimento aos reclamos sociais e a redução da possibilidade de


intervenção das Forças Armadas na segurança interna”.7
Corroborando esse entendimento e reforçando o que foi supracitado, as
Forças Armadas destinam-se à proteção da nação contra ameaças externas – a
manutenção da ordem interna deve ser realizada por Forças Policiais –, somente em
casos excepcionais devem agir na preservação da lei e da ordem.
Outro ponto importante em relação ao capítulo sobre Segurança Pública é
que a responsabilidade de garantir tal segurança não é apenas da União, mas da
Federação como um todo. José Afonso da Silva nos demonstra isso em seus
ensinamentos:

Há, contudo, uma repartição de competências nessa matéria


entre a União e os Estados, de tal sorte que o princípio que
rege é o de que o problema da segurança pública é de
competência e responsabilidade de cada unidade da
Federação, tendo em vista as peculiaridades regionais e o
fortalecimento do princípio federativo, como, aliás, é da
tradição do sistema brasileiro.8

Dessa forma, entram em cena os Municípios, que contribuem de maneira


significativa na prestação desse serviço, de maneira residual e tendo como principal
foco o sistema de prevenção.

3.1 Competências
Diante do que foi arguido, trataremos das funções específicas desses órgãos
que são mencionados nos parágrafos do artigo 144, como segue:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,


organizado e mantido pela União e estruturado em carreira,
destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou
em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de
suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como
outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual
ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se
dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação

7MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.846.
8 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 38ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015,
p.793.
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fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas


de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária
da União.

O parágrafo 1º traz a destinação da Polícia Federal, instituição de caráter


civil. O primeiro ponto é fácil de entender: sempre que há uma ofensa contra a
União, uma de suas autarquias ou uma empresa pública, a PF será responsável
pela investigação. Além disso, sempre que houver uma ofensa legal que tenha
repercussão em mais de um estado ou em mais de um país, ela também será
responsável.
O segundo ponto ocorre quando houver tráfico de drogas, contrabando ou
descaminho (entrada e saída de produtos legais no país, mas sem seguir os
procedimentos necessários), a PF também será responsável pela investigação.
O terceiro ponto diz respeito ao controle de nossas fronteiras. Por exemplo,
quando você chega ou sai do país, apresenta seu passaporte a um policial federal.
Ele está lá porque a PF é responsável por garantir que aqueles que não podem sair
do país não o façam, e aqueles que não devem entrar não entrem, basicamente o
serviço administrativo de fiscalização de fronteiras, diferentemente das Forças
Armadas, que executam a proteção das fronteiras.
O último ponto é o maior, porque temos de entender a polícia judiciária na
União. A polícia judiciária é aquela que investiga crimes. Isso é o que a polícia civil
costuma fazer. É a polícia que age após o crime. É chamado de “judicial” porque
suas investigações ajudam o Judiciário a encontrar a verdade (a ser julgada).
Mas se a Polícia Civil já é responsável pela investigação, por que a PF
também seria? Elas têm funções diferentes. A Polícia Civil é órgão do Estado-
membro e investiga crimes que são julgados por juizados estaduais. A PF investiga
o que é julgado pelo Judiciário federal.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado


e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na
forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é uma instituição policial federal cuja


função primordial é garantir a segurança nas estradas federais e em áreas de
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interesse da União. Nesse sentido, combate as mais diversas formas de


criminalidade em estradas e rodovias federais e também monitora o trânsito de
veículos, bens e pessoas.

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado


e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na
forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

A Polícia Ferroviária Federal é o órgão policial responsável pelo policiamento


ostensivo das ferrovias federais do Brasil, previsto na Constituição Federal, mas
ainda não totalmente estabelecido nem administrativamente nem funcionalmente.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de


carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as
funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,
exceto as militares.
.
A Polícia Civil é aquela que age após um crime, buscando esclarecer o que
aconteceu. Em seu trabalho cotidiano, a Polícia Civil registra os fatos, coleta as
primeiras informações através do Boletim de Ocorrência (BO) e inicia investigação
através do Inquérito Policial, ressalvadas as competências da União, ou seja, as que
são destinadas à Polícia Federal.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a


preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros
militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil.

A Polícia Militar é a polícia ostensiva, responsável pela segurança da


população e pela prevenção do crime. Como medida preventiva, o policial militar faz
policiamento ostensivo, isto é, circula pelas ruas e circula em lugares públicos,
sempre buscando garantir a paz e a tranquilidade das pessoas. Se necessário, a
Polícia Militar também deve perseguir criminosos e realizar prisões, desde que
cumpridas as exigências legais. Em situações de alta concentração de pessoas, a
Polícia Militar age orientando-as e antecipando-se a problemas.
Já os Bombeiros Militares são corporação cuja principal missão é conduzir
atividades de defesa civil, prevenção de incêndios, combate a incêndios, busca,
resgate e socorro público dentro de suas respectivas unidades federais.
9

§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares,


forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se,
juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Policiais militares, bombeiros militares e policiais civis são subordinados aos


governos estaduais, ao Distrito Federal e territórios. Tal subordinação limita a
independência e autonomia dos órgãos, deixando claro o vínculo com o Poder
Executivo, bem como demonstra que a Polícia Militar e os Bombeiros Militares são
forças auxiliares do Exército, ou seja, em tempos de guerra deverão auxiliar o
Exército Brasileiro.

§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos


órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a
garantir a eficiência de suas atividades.

Referente a esse parágrafo, está em tramitação no Congresso Nacional o


Projeto de Lei 3.734/2012, que disciplina a organização e o funcionamento dos
órgãos responsáveis pela segurança pública, e ainda institui o Sistema Único de
Segurança Pública (SUSP), que deverá planejar e executar as ações de segurança
pública em todo o Brasil, com o objetivo de garantir a eficiência das atividades
policiais. O SUSP será integrado pelos órgãos mencionados no art. 144 da
Constituição Federal e pela Força Nacional de Segurança Pública, que poderão
atuar, em conjunto ou isoladamente, nas vias, rodovias, ferrovias e hidrovias
federais, estaduais ou municipais, no âmbito de suas respectivas competências.
O projeto do SUSP prevê também o compartilhamento de informações entre
as entidades policiais, ou seja, uma base de dados que será alimentada e poderá
ser compartilhada por todos os órgãos policiais existentes.

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais


destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme dispuser a lei.

O parágrafo 8º trata da possibilidade de os municípios estabelecerem


Guardas Municipais para auxiliar na segurança pública. A Lei nº 13.022/14 dispõe
sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais e inclui, especificamente em seu art.
6°, a possibilidade mencionada.
10

Para validar a relevância das Guardas Municipais, é necessário analisar


recente julgamento, in verbis:

[...] é constitucional a atribuição às guardas municipais do


exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para
imposição de sanções administrativas legalmente previstas.9

Ao observar o trecho do parágrafo 8º em que o legislador menciona “como


dispuser lei”, fica claro que, inteligentemente, já previa que as Guardas Municipais
também necessitariam de regulamentação própria, assim como as outras
instituições, que majoritariamente já possuíam, inclusive até mesmo antes da
promulgação da Constituição Federal de 1988.
Até o ano de 2014, foram criadas inúmeras Guardas Municipais sem
nenhuma padronização, sem normas que as norteassem. Essas Guardas foram
criadas e regimentadas por princípios e preceitos militares, pois, em sua grande
maioria, eram iniciadas e comandadas por militares da reserva.
Com o advento do Estatuto Geral das Guardas Municipais, foi destinada aos
municípios uma instituição de segurança com característica civil, desde o início
quebrando os conceitos militares, caracterizando-as como instituição uniformizada, e
não “fardada”. Outra característica que vale salientar é a de instituição armada, que
traz a concepção de força pública de enfrentamento, com função preventiva, ou seja,
primariamente social, com intervenção precoce e proteção sistêmica da população,
e secundariamente a ostensividade, com o patrulhamento dos logradouros públicos.

4 - SISTEMA DE FILTROS
O sistema em tela baseia-se no sistema de tratamento e filtragem de água.
Um sistema completo de purificação de água deve ser capaz de realizar mais de
uma etapa de filtração, garantindo água de excelente qualidade para o consumo.
E o que isso tem a ver com Segurança Pública? Simples, um eficiente
sistema de Segurança Pública deve realizar mais de uma etapa, ou seja, passar por
alguns processos de filtragem para obter excelente qualidade. O atual modelo de
Segurança Pública não trabalha com uma filtragem efetiva, o que temos são forças

9TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. RE 658.570. Rel. Min. Roberto Barroso.
Julgamento em 06/08/2015, Plenário, DJE de 30/09/2015, com repercussão geral.
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de segurança em três níveis federativos diferentes (União, Estados-membros e


Municípios) e com atribuições diferentes, como demonstrado anteriormente.
O Sistema de Filtros na Segurança Pública deveria funcionar seguindo a
lógica de que todo produto ilícito, principalmente drogas, que entra no país passa
pelas fronteiras, e as fronteiras são de responsabilidade da União. Passando pelas
fronteiras, seguem por rodovias federais e estaduais, até chegar ao consumidor
final, que, por sua vez, reside em um Município.
Para que esse processo de filtragem seja eficiente no Brasil, deve-se
primeiramente incentivar a criação e estruturação das Guardas Municipais, sem elas
o sistema se torna falho.
O sistema constitui-se de três etapas, Filtro de Fronteiras, Filtro Rodoviário e
Filtro Permanente. A primeira etapa, que é o Filtro de Fronteiras, deverá ter como
função filtrar o máximo de “sujeira” possível nas fronteiras do país. Nessa etapa a
conjugação de forças de segurança da União e dos Municípios é de extrema
importância. Com isso, a Polícia Federal e as Forças Armadas cuidam da segurança
das fronteiras, fronteiras essas localizadas em Municípios, que, por sua vez, terão
suas Guardas Municipais para realizar o policiamento da cidade, concluindo, então,
a primeira etapa de filtragem.
A segunda etapa, que é o Filtro Rodoviário, consiste na presunção de que
passará alguma “sujeira” pela primeira etapa. Nessa segunda etapa a integração
das Polícias Rodoviárias Federal e Estadual é fator primordial para que a filtragem
ocorra com o máximo de eficiência possível. Sendo assim, a Polícia Rodoviária
Federal realizará o policiamento das estradas e rodovias federais, e a Polícia
Rodoviária Estadual (Militar) realizará o policiamento nas estradas e rodovias
estaduais, eliminando os resquícios deixados pela filtragem da primeira etapa,
concluindo, portanto, o ciclo da segunda etapa.
A terceira e última etapa, que é o Filtro Permanente, como bem diz o nome,
é uma etapa permanente, que consiste na presunção de que ainda há algum
resquício a ser eliminado, e é de extrema importância a integração das Polícias
Militar, Civil e Guarda Municipal. Essa etapa deverá ser permanente, pois não busca
somente eliminar os resquícios deixados pelas outras etapas, consiste também em
realizar o trabalho de prevenção, investigação e combate de crimes.
Para que o Sistema de Filtros não tenha falhas, é necessário que cada
órgão cumpra com suas responsabilidades e faça de fato o que é de sua
12

competência, bem como é preciso investimento tecnológico e em qualificação


profissional de todas as forças de segurança disponíveis.
Por fim, há de se ressaltar que o sistema apresentado não combaterá
somente os produtos ilícitos que adentram o país, esse combate é fator primordial
para que se evitem crimes de outras naturezas, pois as drogas e outros ilícitos estão
diretamente relacionados ao aumento da violência. “Números da SSP apontam
aumento de 72,9% nos homicídios em 10 anos. Especialistas relacionam homicídios
com o tráfico de drogas.”10 E se nada for feito para impedir o aumento da
criminalidade, o Brasil inteiro tende a seguir o péssimo exemplo do Rio de Janeiro,
que não é fato isolado, mas é o que mais se comenta na mídia.

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente buscou-se resumidamente demonstrar as faces do atual
Sistema de Segurança Pública brasileiro, as instituições presentes nesse sistema e
suas competências, bem como o que é e para que serve a Segurança Pública.
Posteriormente, foi apresentado o Sistema de Filtros, um sistema que poderá inovar
a Segurança Pública, se aplicado de maneira correta e com os devidos
investimentos.
A proposta do trabalho em tela foi demonstrar que não há a necessidade de
grandes mudanças no ordenamento jurídico existente, pode-se alterar algo para se
adequar às realidades do tempo presente, mas nada radicalmente. O necessário
para que um sistema obtenha resultados satisfatórios é boa vontade política e
investimentos de qualidade.
Por fim, deixo uma reflexão trazida pelo Ministro Gilmar Mendes, quando
discursou no Seminário “Segurança Pública e democracia nos 20 anos da
Constituição de 1988”, in verbis:

Portanto, é fundamental que nós adotemos um “pensamento


possibilista”. Eu ousaria dizer que uma boa parte da reforma
que hoje os senhores alvitram certamente pode ser feita quase
sem mudança no texto constitucional. Muito pode ser feito sem
mudança no texto constitucional, no que concerne à maior
intervenção, à maior parceria, tanto no plano horizontal, das
diversas forças – aqui incluídos setores do Judiciário e do

10 G1.COM. Especialistas apontam causas para o aumento da violência no RS. Porto Alegre,
21/12/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/02/especialistas-
apontam-causas-para-o-aumento-da-violencia-no-rs.html.
13

Ministério Público –, como eventualmente no plano vertical de


cooperação, que pode em alguma medida – e já há abertura
para isso – envolver até mesmo os municípios. Por que não?11

REFERÊNCIAS

BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Segurança Pública e Combate ao


Crime Organizado. Segurança pública e democracia. Seminário “Segurança
pública e democracia nos 20 anos da Constituição de 1988”, realizado nos dias 26 e
27 de novembro de 2008. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 05/10/1988.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
Acesso em: 24/05/2018.

ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ENAP). Políticas Públicas:


conceito e práticas. Belo Horizonte: SEBRAE, 21/09/2008. Disponível em:
<http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view%gid=2857
>. Acesso em: 01/06/2018.

G1.COM. Especialistas apontam causas para o aumento da violência no RS.


Porto Alegre, 21/12/2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-
sul/noticia/2016/02/especialistas-apontam-causas-para-o-aumento-da-violencia-no-
rs.html>.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

PEIXOTO, Júlio Afrânio. Histórias do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cia. Editora
Nacional, 2008. Disponível em: <http://www.ebookbrasil.org/el.ibris/peixoto.html>.
Acesso em: 20/05/2018.

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2012.

11 BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime


Organizado. Segurança pública e democracia. Seminário “Segurança pública e democracia nos 20
anos da Constituição de 1988”, realizado nos dias 26 e 27 de novembro de 2008. Brasília: Câmara
dos Deputados, Edições Câmara, 2011, p.133-134.
14

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 38ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2015.

SOUZA, Aulus Eduardo Teixeira de. Guarda Municipal: A responsabilidade dos


Municípios pela Segurança Pública. Curitiba: Juruá, 2015.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. RE 658.570. Rel. Min.


Roberto Barroso. Julgamento em 06/08/2015, Plenário, DJE de 30/09/2015, com
repercussão geral.

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