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(Não Classificado)

MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL

EXÉRCITO PORTUGUÊS

COMANDO DO PESSOAL

DIREÇÃO DE FORMAÇÃO

ESCOLA DE SARGENTOS DO EXÉRCITO

Manual Escolar

Curso de Sargentos do Exército

História Militar

2021

(Não Classificado)
(Não Classificado)

MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL

EXÉRCITO PORTUGUÊS

COMANDO DO PESSOAL

DIREÇÃO DE FORMAÇÃO

ESCOLA DE SARGENTOS DO EXÉRCITO

Manual Escolar

Curso de Sargentos do Exército

História Militar

Adaptação de 2017

(Não Classificado)
CFS / HISTÓRIA MILITAR
__________________________________________________________________

ÍNDICE

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA HISTÓRIA MILITAR 1-1


101. Introdução ao Estudo da História ................................................................. 1-1
102. Introdução ao Estudo da História Militar ...................................................... 1-5
103. A Guerra e a Organização Militar................................................................. 1-7
104. Princípios da Guerra .................................................................................... 1-9
105. Os Elementos Essenciais de Combate ........................................................ 1-15

CAPÍTULO 2 HISTÓRIA MILITAR DAS CIVILIZAÇÕES CLÁSSICAS À


ALTA IDADE MÉDIA .......................................................................... 2-1
201. A Arte Militar nas Civilizações Clássicas - O Período Grego ....................... 2-1
202. A Arte Militar nas Civilizações Clássicas - O Mundo Militar Romano .......... 2-6
203. Os Reinos Bárbaros ..................................................................................... 2-22
204. Organização Militar dos Visigodos ............................................................... 2-14
205. Os Árabes .................................................................................................... 2-24

CAPÍTULO 3 HISTÓRIA MILITAR MEDIEVAL SÉC. XII A XIII.


RECONQUISTA IBÉRICA. FUNDAÇÃO DE PORTUGAL. ............... 3-1
301. O Inicio da Reconquista e a Formação do Condado Portucalense ............. 3-1
302. O Reino de Portugal..................................................................................... 3-4
303. A Reconquista Portuguesa .......................................................................... 3-5
304. A Arte Militar na Europa Medieval................................................................ 3-7
305. A Sociedade Portuguesa e as suas Obrigações Militares ........................... 3-9
306. A Organização Militar e o Armamento ......................................................... 3-12
307. As Operações Militares ................................................................................ 3-15

CAPÍTULO 4 HISTÓRIA MILITAR MEDIEVAL SÉC. XIV.................. 4-1


401. Introdução .................................................................................................... 4-1
402. As reformas militares de D. Dinis ................................................................. 4-1
403. Evolução da Arte Militar na Europa.............................................................. 4-5
404. Reformas militares de D. Fernando ............................................................. 4-8
405. Guerras Fernandinas ................................................................................... 4-10
406. A 1ª Invasão Castelhana .............................................................................. 4-14
407. A 2ª Invasão castelhana .............................................................................. 4-16
IV
CFS / HISTÓRIA MILITAR
__________________________________________________________________

408. A Batalha De Aljubarrota.............................................................................. 4-17


409. Conclusões da Vitória em Aljubarrota .......................................................... 4-23
410. Consequências da batalha de Aljubarrota……………………………………..4-24
411. A Continuação das Hostilidades até à Paz de 1411 .................................... 4-25

CAPÍTULO 5 HISTÓRIA MILITAR MODERNA. SÉC. XV A XVII ...... 5-1


501. Introdução .................................................................................................... 5-1
502. A Força Armada de Portugal de D. João I a D. João III ............................... 5-2
503. O Desenvolvimento da Arte Militar na Europa nos Séculos XV e XVI ......... 5-6
504. Reorganização do exército por D. Sebastião............................................... 5-10
505. Alcácer Quibir. Crise Sucessória ................................................................. 5-12
506. O Desenvolvimento da Arte Militar na Europa nos Séculos XVI e XVII……5-14
507. Arte Militar Moderna. Período Holandês ...................................................... 5-15
508. Arte Militar Moderna. Período Sueco...………………………………………...5-16
509. Arte Militar Moderna. Período Francês ........................................................ 5-18
510. Restauração da Independência de Portugal ................................................ 5-20
511. A Revolução de 1 de dezembro de 1640 ..................................................... 5-21
512. As Conquistas da Restauração.................................................................... 5-22
513. Reorganização do Exército Português......................................................... 5-28
514. A Batalha das Linhas de Elvas .................................................................... 5-35

CAPÍTULO 6 HISTÓRIA MILITAR SÉC. XVIII ................................... 6-1


601. Introdução .................................................................................................... 6-1
602. Reformas Militares na Europa do Tratado de Vestefália até séc. XVIII…….6-3

603. Arte Militar Moderna. Séc. XVIII, “Manobra de Frederico” ........................... 6-5
604. Portugal Pombalino. ..................................................................................... 6-8
605. O Exército Português no séc. XVIII.............................................................. 6-8
606. A Guerra do “Pacto de Família” ................................................................... 6-10
607. Reorganização Militar pelo Conde de Lippe em Portugal ........................... 6-11

CAPÍTULO 7 HISTÓRIA MILITAR Séc. XIX-XX. PERÍODO


CONTEMPORÂNEO ........................................................................... 7-1
701. Introdução .................................................................................................... 7-1
702. Revolução francesa e Napoleão Bonaparte ................................................ 7-1
703. A influência da revolução francesa nos exércitos ........................................ 7-3

V
CFS / HISTÓRIA MILITAR
__________________________________________________________________

704. Tática de Napoleão ...................................................................................... 7-6


705. “Manobra de Napoleão” .............................................................................. 7-7
706. Portugal na Época da Revolução Francesa………………………………… .. 7-9
707. O Exército Português antes das Invasões napoleónicas…………………….7-11
708. Guerra Peninsular…………………………………………………………...……7-12
709. A 1ª Invasão (19 de novembro de 1807 a 31 agosto 1808) ......................... 7-13
710. A 2ª Invasão (16 de fevereiro de 1809 a 12 de maio de 1809) .................... 7-16
711. A 3ª Invasão (16 de setembro de 1810 a 05 de maio de 1811) ................... 7-20
712. As Linhas Defensivas de Torres Vedras ...................................................... 7-24

CAPÍTULO 8 HISTÓRIA MILITAR SÉC XX. A GRANDE GUERRA 1914-18 ....... 8-1
801. Implantação da República em Portugal ....................................................... 8-1
802. A Grande Guerra 1914-1918 (Introdução) ................................................... 8-2
803. A questão Sérvia e o início da I Guerra Mundial.......................................... 8-4
804. As táticas na Grande Guerra ....................................................................... 8-8
805. O Corpo Expedicionário Português.............................................................. 8-9
806. O CEP na Batalha de La Lys ....................................................................... 8-16
807. O batalhão do regimento de Infantaria 5 em França ................................... 8-19

CAPÍTULO 9 HISTÓRIA MILITAR SÉC. XX. 2º GUERRA MUNDIAL.9-1


901. Antecedentes do conflito .............................................................................. 9-1
902. Expansão da guerra ..................................................................................... 9-2
903. O equilíbrio de forças, e a inversão do conflito ............................................ 9-4
904. A vitória aliada.............................................................................................. 9-5
905. A Posição de Portugal na 2ª Guerra Mundial .............................................. 9-8

CAPÍTULO 10 GUERRA COLONIAL 1961-74 ................................... 10-1


1001. Antecedentes ............................................................................................... 10-1
1002. Reorganização do exército em África .......................................................... 10-2
1003. Os teatros de Operações em África ............................................................. 10-3
1004. Efetivos e Material........................................................................................ 10-8
1005. Conclusões .................................................................................................. 10-10

VI
CFS / HISTÓRIA MILITAR
__________________________________________________________________

CAPÍTULO 11 REVOLUÇÃO DO 25 DE ABRIL DE 1974......................... 11-1


1101. Antecedentes ............................................................................................... 11-1
1102. A revolta das “Caldas”.................................................................................. 11-2
1103. A revolução dos cravos ................................................................................ 11-3

VII
CFS / HISTÓRIA MILITAR

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA HISTÓRIA MILITAR

101. Introdução ao Estudo da História.

A História é a ciência que estuda o Homem, não do ponto de vista biológico, mas das
suas formas de vida, privada ou política, ideias, crenças, formas de organização
política, militar, social, instituições, acontecimentos em que ele é o protagonista.

“(...) não é apenas o desfiar de uma lista de monarcas e princesas, não fala só de
armas e cavaleiros. Há uma outra História que nos diz como têm vivido os homens
através dos tempos, como trabalham para conseguir a comida, a casa e a roupa. Por
ela podemos ver como se formou a sociedade de hoje e aparecer-nos-ão banhados
de uma luz mais clara os problemas do mundo atual. Seguimos nela o
desenvolvimento da ciência e da arte, o esforço tenaz dos homens para dominar a
natureza e as condições que esta põe às suas fainas; e a sua luta do homem e do
meio acrescenta-se o modo como os homens se organizam, como distribuíram as
tarefas e dividem os resultados entre si. (...)“

Este texto, extraído da Teoria da História e Historiografia do Professor Vitorino


Magalhães Godinho, mostra-nos a grande diversidade de temas que é possível
abordar no estudo da História, mas também nos dá uma pista importante para nos
apercebermos de uma das finalidades desse estudo: “Por ela podemos ver como se
formou a sociedade de hoje...”. O estudo das atividades humanas, de tudo aquilo que
o Homem idealizou e construiu ao longo do tempo, ajuda-nos, ou é mesmo essencial,
para compreendermos o resultado do esforço desenvolvido em milénios de existência.
Isto é, da sociedade atual.

Podemos então afirmar que o estudo da História, concentra-se no passado humano


com a finalidade de nos proporcionar uma compreensão mais correta dos
acontecimentos presentes e o sentido da evolução do conjunto em que estamos
inseridos.

Outra finalidade do estudo da história é proporcionar ao homem atual uma experiência


que não lhe é permitida viver diretamente na sua curta existência biológica. Podemos
assim complementar a nossa experiência estudando as realizações mais importantes
verificadas ao longo dos séculos. Esta experiência acrescida permite-nos

CAPÍTULO 1 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR

compreender melhor os acontecimentos atuais e qual o caminho a seguir. Ainda neste


caso a finalidade do estudo da História continua a ser o presente e o futuro.

A História é um fator de união para as nações, as instituições, as famílias. Em cada


um destes grupos, a História (o conhecimento do passado do grupo) é um forte
elemento aglutinador. “O álbum de família exprime a verdade da recordação social.
Nada se parece menos com a busca artística do tempo perdido que estas
apresentações comentadas das fotografias de família, ritos de integração a que a
família sujeita os seus novos membros. As imagens do passado dispostas em ordem
cronológica, “ordens das estações” da memória social, evocam e transmitem a
recordação dos acontecimentos que merecem ser conservados porque o grupo vê um
fator de unificação nos momentos da sua unidade passada ou, o que é equivalente,
porque retém do seu passado as confirmações da sua unidade presente.” (Pierre
Bourdieu citado por Jacques Le Goff no seu artigo Memória no 1º volume da
Enciclopédia Enaudi da Imprensa Nacional).

Definidas então as finalidades do nosso estudo da História podemos perguntar: como


é possível conhecer esses fatores passados, alguns há milhares de anos? A resposta
é: através dos Documentos Históricos. Estes não têm de ser forçosamente papéis
com alguma coisa escrita; podem ser peças de vestuário, armamento, edifícios,
sepulturas ou muitos outros tipos de vestígios deixados pelos nossos antepassados.

Estes documentos têm Fontes Históricas diversas divididas, normalmente, em


materiais, escritas e orais.

Todos estes documentos são minuciosamente analisados, comparados e


interpretados com a finalidade de atestar a sua veracidade e permitir uma visão do
passado tão completa e verdadeira quanto o possível.

Uma parte importante do trabalho desenvolvido na investigação histórica é a de


descobrir novos documentos que nos proporcionem mais informação sobre o passado.
Mas dos documentos já localizados, se uns foram já profundamente estudados, outros
ainda aguardam nos arquivos a visita do historiador. Uns e outros poderão completar-
se e organizar reinterpretações de acontecimentos passados. A própria mentalidade
das pessoas e portanto, também do historiador, evolui com o tempo por isso a
interpretação que se dá a alguns acontecimentos varia de igual forma. Por vezes
diferentes historiadores de uma mesma época interpretam de forma diferente um
acontecimento ou conjunto de acontecimentos. Por estas razões é possível encontrar
no estudo da História, opiniões tão diversas sobre o mesmo tema.

CAPÍTULO 1 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Todos os acontecimentos se desenrolam num determinado espaço geográfico.


Para os estudar é, portanto, necessário conhecer os fatores geográficos envolventes.
Quando estudamos, por exemplo, a formação do Condado Portucalense sabemos que
temos de situar esse acontecimento na parte ocidental da Península Ibérica.

Sabemos também que o homem sempre tentou dominar a natureza, mas que não
pode, de forma alguma, fugir á influência que esta exerce na sua forma de vida, no
tipo de sociedade que desenvolveu ou até nas suas ideias (uma civilização do norte
da Europa é necessariamente diferente de uma civilização da região do Sahara). O
enquadramento geográfico dos factos históricos é, portanto, necessário para o
seu conhecimento mais completo.

Todos os acontecimentos históricos têm lugar numa determinada data. No estudo da


História, saber quando aconteceu alguma coisa importante é fundamental para
enquadrarmos cada facto no lugar que lhe compete na evolução da humanidade.
Todos os factos históricos que se sucedem no tempo são segundo uma certa
ordem. A essa ordenação no tempo chamamos cronologia.

As datas que constam da cronologia por nós adotada vêm muitas vezes seguidas de
“a.C.” ou “d.C.” o que significa que se referem a épocas antes e depois do nascimento
de Jesus Cristo. A forma como os anos, os séculos ou os milénios são contados nesta
cronologia é a que se apresenta na Tabela 1-1.

CAPÍTULO 1 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR

CAPÍTULO 1 – 4
Ano do nascimento
de Jesus Cristo
Antes de Cristo Depois de Cristo
2º Milénio 1º milénio 1º milénio 2º milénio
a.C. a.C. d.C. d.C.
2000 a.C. 1000 a.C. 1000 d.C.
1500 a.C. 500 a.C. 500 d.C. 1500 d.C.
{

{
Século XIV Século VIII 1900 d.C.
a.C. d.C.
490 a.C. 14 de agosto de 1385
Batalha de Maratona Batalha de Aljubarrota
Tabela 1 – 1: A Cronologia baseada na era Cristã
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Podemos verificar no quadro seguinte que alguns acontecimentos estão indicados apenas
pelo século, outros pelo ano e poderíamos até indicar muitos pela sua data completa. Quanto
mais nos afastamos no tempo maior é a dificuldade em precisar a data. Quando falamos da
pré-história normalmente referimos apenas o milénio (3º milénio a.C., isto é, entre os anos
3.000 a.C. e 4.000 a.C.), por não possuirmos indicações mais exatas.

3º Milénio a.C. = Primeiras culturas do Bronze na Península Ibérica.

Século IX a.C. (entre 800 e 900 a.C.) = Chegada dos Fenícios à Península Ibérica.

1348 = Ano da Peste Negra em Portugal.

1 De dezembro de 1640 = Restauração da Independência de Portugal.

Todos os acontecimentos se desenvolvem num determinado meio social. Para que


aconteça alguma coisa importante no aspeto humano é necessário que existam homens e
estes vivam em sociedade. Esta vivência determina formas de relacionamento específicas
entre cada indivíduo ou entre grupos que se formam nessa sociedade. O indivíduo é
fortemente afetado na sua forma de agir pelo meio social em que se insere. É, portanto,
fundamental conhecer o meio social em que os acontecimentos se desenrolam.

Uma determinada sociedade ou grupo de indivíduos, num espaço geográfico e num tempo
cronológico bem definido, proporciona aos inspiradores e executores do acontecimento os
meios materiais (tecnologia e recursos) e não materiais (ideias) que lhe são característicos e
que permitem certo tipo de atividades. Estes são os dados que nos servem de referência aos
factos históricos que queremos estudar: localização no espaço e no tempo, identificação
do meio social e realidades materiais e não materiais que suportam os factos históricos.

102. Introdução ao Estudo da História Militar

a. História Militar e a sua finalidade

"Poderá pôr-se em dúvida que a guerra tenha sido um fator necessário na evolução
do género humano, mas existe um ponto acerca do qual não existe discussão, e é o
de que desde os tempos mais remotos até à época atual, a guerra tem sido uma
preocupação dos homens. Não existe um só período da História completamente livre
de guerras e muito raramente decorreu mais de uma geração sem que se verifique
algum conflito grave. Os grandes conflitos fluem e refluem no tempo, quase com a

CAPÍTULO 1 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR

mesma regularidade que as marés." (GENERAL J. F. FULLER em Batalhas Decisivas


do Mundo Ocidental, Prefácio, Ediciones Ejercito, Madrid 1985).

A História Militar enquadra-se perfeitamente no nosso conceito de História, porque é


uma investigação sobre alguns aspetos militares do passado humano.

A História Militar, portanto, estuda as ações humanas do passado, relacionadas


com o fenómeno da Guerra. Dizemos «alguns aspetos» porque o objeto do nosso
estudo é normalmente limitado a algumas áreas da atividade militar do passado. O
estudo da evolução dos armamentos, das doutrinas táticas, da forma como a
instituição militar se posiciona na sociedade, ou outros temas, são objetos da História
Militar que determinam a direção em que o investigador deve dirigir o seu esforço. A
escolha depende da finalidade que pretendemos atingir e dos materiais disponíveis
podendo essa escolha determinar diferentes métodos de investigação.

As finalidades a atingir com o estudo da História Militar são várias e, em comum, são
as que já definimos para o estudo da História em geral. Começamos por referir a
necessidade do homem complementar a sua curta experiência pessoal. Esta finalidade
serve perfeitamente os militares, porque na nossa profissão esta é por vezes a única
forma de tomar contacto com o campo de batalha. Por outro lado, se quisermos
compreender o papel da instituição militar hoje não podemos deixar de procurar as
causas do sistema atual nos acontecimentos passados.

A História Militar é, sem qualquer dúvida, um importante fator de união dentro


da instituição militar; é o passado comum de todos os militares seja qual for a
sua arma ou serviço; é um elo de união que, se estudado e compreendido, de
alguma forma fomenta o espírito de corpo. Se tivermos em atenção que não se
pode compreender a História Militar sem compreender a sociedade que gera os
acontecimentos militares então percebemos que esse passado comum não pertence
só aos militares, mas também, e acima de tudo, à sociedade que deu origem à
instituição militar. Os militares podem então entender melhor o relacionamento, as
motivações, o serviço prestado perante essa sociedade, o que esta espera da
instituição militar. Se com o estudo da História Militar atingirmos pelo menos estas
finalidades então podemos afirmar que já valeu a pena dedicar algum tempo a essa
tarefa.

CAPÍTULO 1 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Para autores modernos, como John Keegan, a história militar aborda o estudo do
armamento e dos sistemas de armas, das fortificações, do arco e da flecha, do
mosquete etc., até ao submarino nuclear e bombardeiro estratégico, mas estuda
também a própria organização dos exércitos, passando pelas doutrinas militares,
estratégias, operações, táticas e a sua relação com a sociedade.

No final, parafraseando Keegan, “a História Militar tem de tratar da Batalha, ou indo


um pouco mais longe, a história militar estuda o fenómeno da Guerra”.

103. A Guerra e a Organização Militar

A guerra é um facto histórico permanente. Em todas as épocas existiram homens a


impor a sua vontade a outros homens. Esta atitude manteve-se ao longo dos séculos
e nada deixa prever que se vá alterar. A diferença está nos objetivos a atingir e nos
recursos empregues.

Os objetivos são definidos pelo poder político. Sempre foi assim, mesmo quando o
poder político está nas mãos daqueles que executam as ações bélicas.

No século XIX esta realidade foi traduzida por Clausewitz no seu tratado sobre a
guerra: «A guerra é a continuação da política por outros meios». Quando um Estado
não consegue atingir os seus objetivos utilizando os meios diplomáticos ou
económicos por exemplo, então decorre, se os objetivos o justificarem, ao emprego
dos meios de violência.

Esta forma de agir dos Estados ou, antes do seu aparecimento, de quem controla
politicamente um grupo social, pressupõe uma preocupação constante com os
recursos necessários à guerra. Tal atitude não é necessariamente ofensiva. As
preocupações mantêm-se para os grupos sociais ou Estados que pretendem manter
a sua independência e, por isso, não devem descurar a sua defesa. Os recursos
disponíveis são humanos e materiais.

Os recursos humanos variam de Estado para Estado em quantidade (número de


habitantes e a sua distribuição etária) e em qualidade (grau de instrução, capacidade
tecnológica, ideologias, etc.) A utilização destes recursos é sem dúvida a mais
problemática. É o único recurso que tem vontade própria e que decide da sua própria
utilização.

CAPÍTULO 1 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Os recursos materiais evoluiriam com a capacidade do homem para dominar a


natureza, isto é, com a tecnologia desenvolvida. A sua importância aumenta com o
desenvolvimento tecnológico. São cada vez mais caros. Nem todos conhecem a
tecnologia necessária para produzir os meios mais modernos e nem todos dispõem
dos recursos financeiros para os adquirirem. Sempre foi assim ao longo do tempo.
Quando apareceram as primeiras armas metálicas, e porque nem todos podiam
adquiri-las, a maioria dos combatentes continuou a utilizar armas não metálicas (p. ex.
de pedra).

Nos tempos modernos verifica-se com frequência que alguns países dispõem de
recursos monetários suficientes para adquirirem os meios mais sofisticados, mas os
seus recursos humanos não têm capacidade tecnológica para os utilizarem. Por vezes
a população não é suficiente para a dimensão ou qualidade da força que se quer
organizar e, neste caso, o recrutamento pode ser feito fora das fronteiras recorrendo a
mercenários.

As capacidades financeiras e a técnica influenciam fortemente a forma de fazer a


guerra ou até a decisão de a fazer ou não. A ciência confere uma vantagem militar
decisiva às sociedades que conseguem desenvolver, produzir e aplicar a tecnologia
mais avançada. Foi através da superioridade tecnológica que a Europa conquistou a
maior parte dos territórios que deram origem aos países do terceiro mundo.

Os meios de violência disponibilizados por cada sociedade para atingir os seus


objetivos necessitam ser organizados. Essa organização varia no tempo e no espaço.
Percorreu-se um longo caminho desde a época em que as forças necessárias à defesa
de uma sociedade se reuniam apenas quando necessário, até aos exércitos
permanentes e profissionais. Por outras palavras, podemos dizer que esse longo
caminho separa a sociedade que ocupa um espaço geográfico muito limitado e que
participa inteiramente na sua própria defesa, com cidadãos armados e equipados às
suas próprias custas, da sociedade muito numerosa que ocupa largos espaços
geográficos, e que organizou uma instituição especializada no emprego dos meios de
violência e na qual o Estado suporta todos os encargos.

O espaço geográfico foi durante muito tempo uma causa importante das diferenças de
organização militar. Os exércitos cristãos eram diferentes dos exércitos árabes na
Idade Média, porque o meio em que normalmente atuavam assim o exigia. Na
generalidade, os exércitos Ocidentais foram sempre organizados de forma diferente

CAPÍTULO 1 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR

dos exércitos Orientais. A tecnologia moderna com o seu caráter universal veio impor
normas de organização universais e terminar, até certo ponto, com estas diferenças.

104. Princípios da Guerra

a. Introdução

A guerra é um fenómeno humano caracterizado pela violência e que resulta da


necessidade de dirimir pela força os conflitos de interesses entre agrupamentos
humanos. Pode-se então definir a guerra como um ato de violência com a finalidade
de um grupo humano impor a outro a sua vontade.

A guerra é assim, uma luta de vontades.

b. Carateres da Guerra

O fenómeno da guerra apresenta, entre outros, os seguintes carateres:

- Um caráter absoluto, em que a guerra se desenvolve até aos limites extremos de


todas as potencialidades, até ao aniquilamento total da vontade de combater do
opositor.

- Um caráter social e humano, por se tratar de uma forma de expressão de relações


humanas, embora violenta, com posterior influência na existência social, quer dos
intervenientes ativos em qualquer campo, quer aqueles que sofrem os efeitos.

- Um caráter político, porque a guerra é dominada por conceções da política,


constituindo um instrumento desta. “A guerra é a continuação da política por outros
meios”, como definiu Clausewitz.

- Um caráter total, em que com as chamadas “Guerras Mundiais”, todas as


potencialidades humanas e todos os recursos do estado são empenhados no conflito
visando o aniquilamento do exército inimigo, mas também da população adversa que
participava no conflito.

c. Níveis de comando da Guerra

O comando dos exércitos na guerra, pressupõe vários níveis, partindo do poder político
do estado até ao combate no terreno. Assim podemos contar com três níveis principais:

CAPÍTULO 1 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR

(1) - Nível Estratégico: define os objetivos Nacionais e o emprego dos seus recursos, as
razões da necessidade da guerra, e os meios a utilizar. Neste nível são definidas as metas
e os limites do conflito, se a guerra é total ou tem limites na sua extensão.

(2) - Nível Operacional: trata do Planeamento e Condução das campanhas com a


finalidade de obter Objetivos Estratégicos, decide como e onde combater, ocupa-se do
movimento e do emprego das forças, define os eixos de progressão e as linhas de
comunicação que as unidades devem seguir.

(3) - Nível Tático: Trata do uso das forças em combate, a forma de atuar em confronto
com o inimigo, acautela o emprego de reservas, e faz o estudo do campo de batalha onde
se vai desenrolar a ação.

d. Princípios da Guerra

Os princípios da guerra foram desenvolvidos por sucessivos líderes militares ao longo da


História embora só muito recentemente - no início do século XX - tenham sido enunciados
de forma sistemática, idêntica ao que aqui se apresenta. Estes princípios não constituem
só por si uma fórmula para o sucesso, mas o conceito que cada um deles encerra deve
ser sempre muito bem ponderado na ação de comando. Eles constituem a pedra angular
das doutrinas dos exércitos modernos. Por isso, eles devem estar sempre presentes na
memória dos comandantes de qualquer escalão. A análise das campanhas e batalhas do
passado, antigo ou recente, e das decisões dos seus comandantes, efetuada à luz dos
princípios da guerra, permite-nos compreender melhor aqueles acontecimentos e obter a
máxima experiência da sua aplicação.

(1) Objetivo

O objetivo é uma meta ou alvo que se pretende atingir e que determina a direção do
esforço de toda a atividade militar.

Toda a operação militar deve visar a consecução de um objetivo claramente definido,


importante e exequível. A sua escolha deve fazer-se tendo em consideração a missão,
os meios disponíveis, o inimigo e as características da área de operações. Todo o
comandante deve compreender perfeitamente os resultados esperados e o seu impacto
e deve definir com clareza o seu objetivo. É à luz desse objetivo que define as ações a
realizar.

O objetivo último da guerra é o aniquilamento das forças armadas inimigas e da sua


vontade de combater. Assim, todas as operações militares devem ser planeadas por

CAPÍTULO 1 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR

forma a contribuir para este objetivo último. Com esta finalidade são atribuídos objetivos
aos escalões subordinados. Os objetivos devem contribuir para a finalidade das
operações, direta, rápida e economicamente. Cada operação tática a que são atribuídos
objetivos intermédios, deve contribuir para atingir os objetivos operacionais e
estratégicos.

(2) Ofensiva

Seguir o princípio da ofensiva significa obter, manter e explorar a iniciativa.

A ofensiva é sinónimo de iniciativa. A ação ofensiva é necessária para se obterem


resultados decisivos e para conservar a liberdade de ação. Permite ao comandante tomar
a iniciativa e impor a sua vontade ao inimigo.

Em operações, a ação ofensiva é a forma mais efetiva e decisiva para atingir o objetivo.
As operações ofensivas são, assim, os meios pelos quais uma força militar obtém e
mantém a iniciativa, a liberdade de ação e atinge resultados decisivos.

(3) Massa

Seguir o princípio da massa é concentrar o potencial de combate no local e na hora


decisivos.

Com este princípio pretende-se concentrar um potencial de combate superior no ponto e


no momento decisivos. Esta superioridade resulta da combinação apropriada dos
elementos do potencial de combate. A aplicação correta do princípio da massa,
conjugada com outros princípios da guerra, pode permitir que forças numericamente
inferiores no seu conjunto obtenham uma superioridade de combate decisiva num ponto
decisivo.

Para seguir este princípio, é necessário reunir os elementos pertinentes do potencial de


combate com rapidez e, por vezes, através de grandes distâncias. Isso consegue-se,
entre outras ações, através da manobra que coloca as unidades de infantaria e cavalaria
no local mais adequado e no momento mais favorável e também pela capacidade de
transportar os fogos (artilharia, apoio aéreo) para a zona pretendida no momento em que
são necessários.

(4) Economia de forças

Seguir o princípio da economia de forças significa empregar judiciosamente o potencial


de combate para permitir cumprir a missão com um mínimo de desgaste dos seus meios.

Significa atribuir o mínimo essencial de potencial de combate para as ações secundárias.

CAPÍTULO 1 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Desta forma torna-se possível concentrar um elevado potencial no local considerado


decisivo. Este princípio é, portanto, um corolário do anterior. O potencial de combate é
distribuído de forma judiciosa pela ação principal e pelas ações secundárias.

O potencial de combate é o valor atribuído a uma força militar. Não é possível quantificá-
lo em muitos dos seus fatores e só tem significado quando examinado em relação ao das
forças inimigas oponentes, isto é, quando se considera o potencial relativo de combate.
O pote cial de combate é a resultante da combinação dos recursos materiais, recursos
humanos e força moral da unidade. Depende, em larga medida, da competência e
capacidade de liderança do seu comandante.

Existem fatores que têm influência direta no potencial de combate. Podemos sistematizar
esses fatores da seguinte forma:

1. •Características da área de operações;

2. •Coordenação e controlo;

3. •Vulnerabilidade e risco;

4. •Informação;

5. •Operações de apoio e subsidiárias.

1. Os elementos que caracterizam uma área de operações são o terreno, o clima e as


condições meteorológicas e a população.

A influência do terreno varia com o escalão de comando considerado e com a natureza


da operação. No estudo do terreno, são analisados os seus aspetos militares: observação
e campos de tiro, cobertos e abrigos, obstáculos, pontos importantes e eixos de
aproximação.

O clima e as condições meteorológicas influenciam todos os tipos de operações


militares. O clima afeta sobretudo as necessidades logísticas e o rendimento do pessoal.

As condições meteorológicas afetam a observação, a transitabilidade, o exercício do


comando, o rendimento e capacidade do pessoal, o funcionamento de certos
equipamentos e o alcance e efeitos das armas.

Por fim, a atitude, possibilidades e volume da população de uma área de operações


afetam grandemente o emprego do potencial de combate. Em operações de
contrassubversão a população é, em última análise, o fator fundamental.

CAPÍTULO 1 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR

2. O emprego eficiente do potencial de combate exige uma perfeita coordenação dos


esforços ao longo de todos os escalões, o que, por seu turno, implica a existência de
meios e adoção de medidas de controlo adequadas.

3. A vulnerabilidade é o grau de suscetibilidade de uma força a sofrer danos como


consequência de ação inimiga.

São adotadas medidas destinadas a reduzirem a vulnerabilidade à forma de ataque que


se pense ser a mais provável: deceção, dispersão, utilização de cobertos e abrigos,
movimento, etc.

No entanto, as medidas adotadas para reduzirem a vulnerabilidade a uma forma de


ataque podem aumentar relativamente a outra forma. Por exemplo, a dispersão reduz a
vulnerabilidade aos fogos inimigos, mas aumenta-a relativamente a ações de infiltração.

O risco faz parte do elemento incontrolável a que se chama «sorte» e está relacionado
com os ganhos: em regra, maiores ganhos envolvem a necessidade de se correrem riscos
maiores.

4. O conhecimento das possibilidades do inimigo permite empregar os meios


disponíveis por forma a obter um potencial relativo de combate superior. Para isto é
necessário dispor de um bom sistema de informação, mas também de contrainformação.
Este permite dificultar ou impedir que o inimigo obtenha informações sobre as nossas
atividades, possibilidades e intenções.

5. existem certas operações que se destinam a apoiar a ação fundamental e é desta


forma que contribuem para o desenvolvimento e emprego eficiente do potencial de
combate disponível. Essas operações de apoio e subsidiárias são:

a. A cobertura e deceção táticas que se destinam a enganar o inimigo quanto à


localização, dispositivo, possibilidades e intenções das forças que as executam. Entre
as operações de cobertura e deceção táticas figuram as operações de forças de
segurança, as fintas, demonstrações e estratagemas.

b. Barragens e operações de denegação. As barragens consistem em conjuntos


coordenados de obstáculos naturais e artificiais, destinados, fundamentalmente, a
reduzir a mobilidade do inimigo e a canalizá-lo para áreas onde possa ser mais
facilmente destruído. As operações de denegação destinam-se a impedir ou a dificultar
a ocupação ou o aproveitamento, pelo inimigo, de determinadas áreas, instalações,
pessoal ou material.

CAPÍTULO 1 – 13
CFS / HISTÓRIA MILITAR

c. A interdição é qualquer ação levada a efeito para impedir ou dificultar a utilização


pelo inimigo de determinadas áreas ou vias de comunicação.

d. A ação psicológica que se destina a influenciar as opiniões, emoções, atitudes e


comportamento dos meios inimigos, neutros e amigos.

e. A guerra eletrónica para anular ou perturbar a utilização pelo inimigo de todos os


meios (comunicações, sistemas de armas) que utilizam emissões eletrónicas; visa
também impedir de interferir nos sistemas eletrónicos de uma força.

f. A iluminação do campo de batalha elimina ou atenua as limitações que a falta de


luz natural impõe.

g. As operações de assuntos civis podem contribuir para obter a colaboração e o


apoio da população e autoridades civis ou reduzir a sua interferência prejudicial
relativamente à missão a cumprir.

(5) Manobra

O princípio da manobra visa colocar as forças de forma a que o inimigo fique em situação
de desvantagem, isto é, movimentar e dispor as forças por forma a que o potencial relativo
de combate seja desfavorável ao inimigo.

Manobram-se as forças para concentrar e dispersar poder de combate, para manter a


liberdade de ação e para reduzir as vulnerabilidades, mas principalmente, para obter uma
posição vantajosa (desfavorável ao inimigo) que permita atingir o objetivo de forma a exigir
o menor dispêndio possível de homens e material.

(6) Unidade de comando

Este princípio é fundamental para que seja obtida a unidade dos esforços das forças sob
responsabilidade de um comandante.

A aplicação de todo o potencial disponível exige uma grande convergência de esforços,


através da ação coordenada de todas as forças e, para isso, é essencial que não haja
dispersão de responsabilidades. Um único comando para conduzir uma força militar a
atingir um objetivo é a forma mais eficaz de obter unidade de esforços, coordenação da
ação das diferentes unidades subordinadas, concentração do potencial de combate no
ponto e no momento decisivos.

CAPÍTULO 1 – 14
CFS / HISTÓRIA MILITAR

(7) Segurança

Seguir o princípio da segurança significa não permitir que o inimigo adquira uma vantagem
inesperada.

A segurança é essencial para a conservação do potencial de combate. O inimigo, pelo seu


lado, procura obter a surpresa para contrariar a segurança. Esta obtém-se utilizando
medidas apropriadas para evitar a surpresa e atos de sabotagem, para conservar a
liberdade de ação (uma força que não dispõe de liberdade de ação não está segura) e para
negar ao inimigo informações sobre os planos e as ações da força. A segurança não deve
incluir medidas de tal forma exageradas que acabem por prejudicar as próprias operações
da força que adota tais medidas. Não se devem deixar de correr riscos calculados,
inerentes às operações militares. Manter a iniciativa, retirando ao inimigo a oportunidade
de interferir nas nossas ações, contribui para a segurança.

(8) Surpresa

A surpresa significa atingir o inimigo no momento e no lugar para ele inesperados.

Ao atuar de surpresa, o inimigo não está, normalmente, em condições de reagir


eficazmente e em tempo oportuno. A surpresa é um poderoso multiplicador do potencial
de combate, mas não deixa de ser temporário. Para se obter a surpresa não é essencial
apanhar o inimigo completamente desprevenido, mas basta que ele seja alertado
demasiado tarde para impedi-lo de reagir com eficácia.

(9) Simplicidade

Em termos práticos este princípio significa que devem ser preparados planos simples e
fáceis de compreender e devem ser distribuídas ordens claras e concisas.

A simplicidade e a clareza dos planos reduzem o risco de interpretações erradas e as


possibilidades de confusão na sua execução. Os planos devem ser fáceis de compreender
porque, mesmo esses, são frequentemente de execução difícil. Todos os fatores
perturbadores inerentes à batalha dificultam a compreensão e, portanto, a execução dos
planos. Para reduzir ao máximo a margem de erro, deve ter-se especial cuidado na forma
como são distribuídas as ordens: de forma clara e concisa para serem rapidamente
difundidas e não deixarem dúvidas quanto à sua execução.

(Estado-Maior do Exército, Regulamento de Campanha - Operações, volume 1).

CAPÍTULO 1 – 15
CFS / HISTÓRIA MILITAR

105. Os Elementos Essenciais de Combate (EEC)

Uma análise cuidadosa dos conflitos militares permite concluir que existem alguns
elementos que são característicos das situações de combate e que se designam por
ELEMENTOS ESSENCIAIS DE COMBATE (daqui em diante abreviação para EEC) e
que são o Movimento, Choque, o Fogo, a Proteção, o Comando e Ligação e o
Homem. Os cinco primeiros como facilmente verificamos dependem da tecnologia.
Neste capítulo já falamos da relação entre o Homem, a tecnologia e a Organização
Militar. Em seguida estudaremos com algum pormenor os EEC.

Dissemos também que a guerra era a continuação da política por outros meios. Seria
até um tanto absurdo estudarmos a aplicação deste meio sem termos uma ideia, mesmo
que muito sumária, da razão de ser da sua aplicação. As referências aos factos políticos
que determinam os factos militares são, desta forma, necessárias ao nosso estudo.

Estudamos então a evolução político-social da sociedade portuguesa e analisaremos a


evolução paralela da instituição militar. No aspeto militar, o estudo será orientado para
o campo dos EEC e para a forma como a nossa instituição se tem organizado para os
utilizar. Para melhor compreensão destes factos serão dadas as explicações
necessárias sobre as várias correntes exteriores que mais influenciaram e que são
referência obrigatória.

a. O MOVIMENTO, como EEC, existe desde que o homem se deslocou em direção ao


seu semelhante com a finalidade de o destruir. Uma força deve movimentar-se
durante o combate para colocar os fogos numa posição mais vantajosa ou para
concentrar uma força superior ao adversário num determinado ponto do dispositivo.
Para manobrar é necessário movimentar as forças.

O Movimento é fortemente influenciado pela técnica. O caminho de ferro, por


exemplo, veio aumentar de forma muito significativa a possibilidade de se deslocar
rapidamente grandes efetivos com cada vez mais equipamento, armamento e
munições. No aspeto técnico os meios aéreos são os que mais influenciarem o
movimento.

Seja qual for a tecnologia empregue, o movimento, em todas as épocas, teve


sempre a finalidade de tirar o máximo partido dos restantes EEC.

CAPÍTULO 1 – 16
CFS / HISTÓRIA MILITAR

b. O CHOQUE significa a ação direta de um combate ou grupo de combate sobre o


seu ou seus adversários. No nosso estudo vamos dar ao choque o significado de
luta corpo a corpo. A tecnologia colocou, no entanto, à disposição do combate,
instrumentos que prolongaram o seu próprio corpo: a espada, o pique, o machado,
o sabre-baioneta, etc., conferindo-lhe um maior poder de choque. É na aplicação
deste EEC que mais importância se dá ao valor individual. O choque é a finalização
suprema do combate quando os combatentes chegam à luta próxima.

c. O FOGO significa a ação realizada por um combatente ou grupo de combatentes


sobre o seu ou os seus adversários, através de projéteis de qualquer tipo lançados
por qualquer processo. Os adversários estão, portanto, a uma distância tal que não
podem ser atingidos pelo choque.

Quando é lançado um projétil com uma funda, um arco ou uma catapulta, está a ser
utilizado o EEC Fogo. A partir do momento em que se começa a utilizar a pólvora no
campo de batalha é posto à disposição do combatente um meio poderoso que ainda
não parou de evoluir. À medida que a tecnologia avança, os meios que nos
proporcionam o EEC Fogo pelo seu alcance cada vez maior, aplica-se, às dimensões
do campo de batalha.

O elemento Fogo não vem substituir o elemento Choque, mas complementa-lo.


Quanto mais importância for dada a um destes elementos menos se dará ao outro.
Este binómio FOGO/CHOQUE atinge o seu ponto de equilíbrio quando, uma mesma
força, 50% dos combatentes utilizam o Choque e os outros 50% o Fogo. Este
equilíbrio só foi conseguido no início do século XVII com os exércitos de Gustavo
Adolfo da Suécia. No início do século XVIII a baioneta de alvado permitiu a cada
combatente dispor simultaneamente dos elementos FOGO e CHOQUE.

d. A PROTEÇÃO é um EEC utilizado com a finalidade de impedir ou atenuar a ação


de choque ou de fogo do inimigo. Pode ser natural ou artificial. É o caso de uma
simples dobra no terreno ou de dispositivos preparados pelo homem como um
castelo ou simples capacete. Pode também ser individual ou coletiva, como são, por
exemplo, uma máscara antigás ou as muralhas que envolvem uma cidade medieval.

CAPÍTULO 1 – 17
CFS / HISTÓRIA MILITAR

O uso prolongado de dispositivos de proteção coletiva denuncia uma situação de


defesa. Por isso é tido por princípio que fortificar é defender. Nos tempos mais
modernos, em que o poder de fogo adquiriu capacidade para provocar destituições
em grandes áreas (caso das armas nucleares), a rapidez de dispersão e
concentração das forças é uma forma essencial de sobrevivência. O movimento
efetuado funciona então como proteção.

e. A condução da guerra requer a correta perceção das ameaças, a possibilidade de


dar ordens à distância e a recolha de informações sobre o desenvolvimento da ação
em curso em tempo real, por isso surge o EEC COMANDO/LIGAÇÃO. Deste EEC
fazem parte os meios utilizados para a transmissão de informação e de ordens à
distância, desde a sua forma mais simples, a voz, passando pelos sinais óticos e
acústicos, até aos modernos meios de comunicação de som, imagem e dados,
através de sistemas utilizando tecnologia digital por satélite.

f. O HOMEM é o mais importante de todos os EEC. É o único que está sempre


presente. É o único que utiliza os outros EEC. Isto acontece quando utiliza o
armamento que lhe confere poder de choque ou de fogo, quando se movimenta ou
quando se protege da ação do inimigo. Considerado como EEC, e quando os
armamentos eram ainda rudimentares, o homem teve importância sobrevalorizada
no campo de batalha. Com o desenvolvimento da técnica a sua importância relativa
torna-se menos significativa no conjunto dos EEC. Tal não significa que venhamos
a assistir a uma situação em que o Homem é colocado em segundo plano. Mesmo
na época das armas nucleares e de outras tecnologias altamente sofisticadas,
continuam esses meios a depender da utilização que o homem lhes dá. É que o
Homem é o único EEC que toma decisões e combina a utilização dos EEC da forma
que lhe perecer mais ajustada.

CAPÍTULO 1 – 18
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 2 HISTÓRIA MILITAR DAS CIVILIZAÇÕES CLÁSSICAS À ALTA


IDADE MÉDIA

201. A Arte Militar nas Civilizações Clássicas - O Período Grego

a. A organização militar
Paralelamente à evolução histórica do Crescente Fértil, desenvolveu-se no Peloponeso
a civilização Micénica - originada nos intercâmbios dos povos ribeirinhos do Egeu,
Adriático e Mediterrâneo - que com o rodar dos tempos havia de se tornar na civilização
Grego-Latina-Cristã. O Peloponeso forma um conjunto montanhoso pouco fértil para a
agricultura levando à criação de grandes Cidades Estado com cariz fortemente
mercantil dos quais as mais importantes foram Esparta, Atenas e Tebas que se
digladiaram entre si.

Figura 2-1: Cidades Estado


Gregas

Quando todos os povos poderosos avaliaram a sua força militar no número de carros e
cavalos que possuíam, os homens das cidades-Estado da Grécia revolucionaram os
anárquicos campos de batalha da antiguidade, com a criação de um corpo coeso,
compacto e tremendamente eficaz no combate: A Falange - verdadeiro bloco eriçado
de lanças e coberto de escudos, era como uma muralha viva contra a qual se vieram
despedaçar as mais famosas e brilhantes cavalarias do seu tempo.
Nas principais cidades-estado todo o cidadão livre cumpria o serviço militar, sendo esse
serviço geral e obrigatório dos 20 aos 40 anos para o serviço ativo e uma espécie de
reserva territorial entre os 41 e os 60 para defesa das muralhas da cidade, das
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CAPÍTULO 2 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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mulheres e idosos. A incorporação tinha lugar aos 18 anos, servindo, cada cidadão, nas
fileiras, até aos 20 anos. Dos 20 aos 45 ingressava na milícia permanente sendo
chamado para a guerra sempre que necessário. A instrução militar era extremamente
dura existindo ainda hoje na língua portuguesa a figura de "regime espartano". Não
podiam fazer parte do exército os proletários, os estrangeiros e os escravos. Estes
últimos acompanhavam os seus Senhores, mas como servidores e não como
combatentes. Embora fossem conhecedores do ferro desde o século X a. C., não
dispunham dele em abundância e por isso até aos tempos de Alexandre Magno (século
IV a. c.) o seu armamento era em geral de bronze. O exército representava as classes
sociais pois o armamento era adquirido pelo próprio combatente e estava dividido da
seguinte forma:

A Infantaria era constituída por três espécies de soldados:

Os Psilitas, ou infantaria ligeira, não usavam armas


defensivas e combatiam em ordem dispersa, armados
com arco, funda ou dardo (armas de arremesso).
Os Hoplitas, ou infantaria de linha (pesada),
recrutados de entre os cidadãos das classes mais
consideradas, usavam como arma defensiva uma
pesada armadura constituída por casco, couraça e um
grande escudo oval (hoplon) e como armas ofensivas
a espada e a lança (de 2 a 3 metros de comprimento)
que no tempo de Alexandre foi substituída por um
pique ou sarissa de 6 a 8 metros.
Os Peltastas, infantaria mista, menos pesadamente
armados que os hoplitas, usavam um pequeno escudo
circular (pelta) e sobre o peito, em vez da couraça,
placas de estanho sobre coiro. As suas armas
ofensivas eram a espada e o pique ou sarissa mais
curta do que a usada pelos hoplitas.
Figura 2-2: Guerreiro Grego,
(Hoplita) com dardo e Hoplon.

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CAPÍTULO 2 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A Cavalaria compreendia três categorias:


- A cavalaria pesada
(Catrafates), fortemente
couraçada, combatia com a
lança e espada.
- A cavalaria ligeira
(Tarentinos), desprovida de
armas defensivas, combatia
com arcos e flechas.
- A cavalaria mista (Gregos),
usando ligeira armadura
defensiva, combatia com lança
Figura 2-3: Cavalaria Grega.
e espada.

Toda a cavalaria montava sem sela que nesse tempo tinha pouco valor. As máquinas
eram muito variadas e utilizadas especialmente nos cercos. Compreendiam carros
armados de foices, elefantes com torres, balistas, catapultas, torres de madeira, etc.

b. A Falange
A unidade tática era a falange que, na época da guerra do Peloponeso, era constituída
por uma massa profunda de fileiras cerradas de 4000 hoplitas e 2000 Peltastas,
dispostos em 2 retângulos, paralelos e muito próximos. O primeiro era constituído pelos
Hoplitas em 8 fileiras de profundidade (às vezes 12, raramente 16); o segundo tinha os
Peltastas dispostos em metade da profundidade anterior.
Os Psilitas, conforme as circunstâncias, situavam-se atrás e à frente das linhas ou por
vezes ainda à frente das linhas ou por vezes ainda em pequenos grupos nos intervalos
das subdivisões da Cavalaria. Esta formava em partes iguais nas alas da ordem de
Batalha dividindo-se em ilos ou esquadrões, de 16 cavaleiros de frente por 4 de
profundidade, separados por
intervalos iguais a metade da sua
frente. Em princípio as fileiras
eram cerradas, sem intervalos, o
que era próprio para a ação de
choque e para manter a coesão
contra a rotura.

Figura 2-4: Organização da Falange Grega.


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CAPÍTULO 2 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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c. A Tática de Combate da Falange


A articulação da Falange tornava-a pouco manobrável sendo os seus movimentos
limitados a uma ação direta ou perpendicular. A sua força residia sobretudo na
coesão e, para a manter, a Falange nunca de subdividia formando um bloco que
evitava qualquer manobra suscetível de alterar a continuidade da frente. Era, portanto, e
acima de tudo um instrumento defensivo.

No momento do combate, cuja duração andava por 10 a 30 minutos, as tropas ligeiras,


psilitas, iniciavam a ação com as suas armas de arremesso. Em seguida, após terem
flagelado o inimigo, retiravam sobre as alas pelos intervalos dos esquadrões ou para a
retaguarda, logo que as Infantarias pesadas se abordavam. Durante o combate
continuavam, no entanto, a lançar as suas armas de arremesso por cima da infantaria
pesada, hoplitas e peltastas. Quando a Falange se dispunha a receber o choque, as 6
primeiras fileiras dos hoplitas enristavam os piques. O combate consistia então em
duelos generalizados na frente, luta de homem contra homem, em que o valor individual
e a habilidade do combatente desempenhavam o papel principal. De facto, só as duas
primeiras fileiras tomavam parte na luta constituindo as restantes uma reserva de
guerreiros para substituir os mortos e feridos. O aumento da profundidade da Falange,
praticada por alguns estrategos, não atenuou o principal inconveniente da sua
organização que era o de só ter uma linha de batalha
O combate frontal como regra não tem solução. A pouco e pouco a tática de combate
aperfeiçoou-se, sendo a decisão pedida de preferência aos elementos dotados de maior
mobilidade - cavalaria e infantaria ligeira - que preparavam o empenhamento dos
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CAPÍTULO 2 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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elementos pesados, provocando a derrota do inimigo; atacando-o de flanco ou de revés.


A infantaria ligeira viu então cada vez mais aumentar o seu papel, sendo o sucesso uma
combinação dos seus ataques de flanco e de revés com um ataque frontal da infantaria
pesada.

d. Ordem Oblíqua
A disposição resultante da manobra de que Epaminondas se serviu na batalha de
Leutra (371 a.C.) e também de Mantineia (367 a.C.) recebeu o nome de ordem oblíqua.
Em geral, toda a combinação tática que tem por objetivo empregar um esforço contra
um ou dois pontos da linha adversa com superioridade de ação é o que se domina
ordem oblíqua, quaisquer que sejam a natureza dos agentes e a espécie de manobras
de que se faça uso. Assim, quer Epaminondas tivesse formado escalões para fazer
entrar em ação a sua esquerda, conservando a direita afastada, quer para aproveitar o
mesmo fim tivesse feito uma conversão sobre a direita, em ambos os casos combateu
segundo a ordem oblíqua, desde que acumulou na sua esquerda forças consideráveis e
operou com elas desse ponto.

Figura 2-5: sequencia da batalha de Leutra em


371 a. C.

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CAPÍTULO 2 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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202. A Arte Militar nas Civilizações Clássicas - O Mundo Militar Romano

a. Roma e a Conquista de Itália


A Itália foi, desde muito cedo, invadida pelos povos indo-europeus. Os primitivos
habitantes de Roma pertenciam a esses povos. As escavações arqueológicas mostram
que Roma se desenvolveu a partir de uma insignificante aldeia de lavradores. Os
vestígios mais antigos de edifícios encontram-se no monte Palatino, uma das "sete
colinas" da cidade, e datam, aproximadamente, do ano 1 000 a.C.

No século VIII a.C. emigraram do Mediterrâneo oriental para a Itália os Etruscos e


fixaram-se na região que é hoje a Toscana. A partir dessa região iniciaram um processo
de expansão que foi contido a norte pelos Gauleses e a sul pelas colónias gregas. No
século VII a.C. dominavam o norte e o centro de Itália. Era um povo comerciante que
exerceu grande influência no desenvolvimento de Roma. Era o povo mais civilizado de
Itália. Construíam vigorosas fortalezas do tipo de arquitetura Micénica, trabalhavam bem
os metais e eram bons navegadores.

Foi muito vasta a herança etrusca que os Romanos assimilaram, incluindo o sistema de
nomes próprios, cerimónias religiosas, organização militar, insígnias oficiais e
arquitetura. Nos primeiros tempos da Roma Imperial muitos altos cargos foram
desempenhados por nobres etruscos.

O restante território da Itália era dominado por outros povos como os Samnitas, os
Volscos, os Oscos, etc. Os Latinos, povo que vindo do noroeste da Europa no II milénio
a.C., acabaram por se instalar no Lácio submetendo as populações aborígenes e
constituindo, entre os séculos V e IV a.C., uma federação de 30 cidades, a Liga Latina,
cuja capital era Alba Longa. Neste último século Roma impôs-se aos Latinos iniciando a
sua expansão. No sul da Itália, numerosas cidades gregas fundadas a partir do século
VIII a.C. completavam este quadro de ocupação do território.

Roma iniciou a sua expansão lutando sucessivamente contra os povos latinos do Lácio,
contra os Etruscos enfraquecidos pelas suas lutas internas e pela pressão dos
Gauleses a norte, e contra os Samnitas. Nem sempre obteve vitórias. Em 387 a.C. os
Gauleses fazem uma incursão sobre Roma e destroem-na. Mas Roma tem desde muito
cedo uma espantosa faculdade de se engrandecer de revés em revés. A tenacidade, as

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CAPÍTULO 2 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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qualidades guerreiras dos camponeses do Lácio e a sua organização militar deram-lhe


a vitória sobre povos de civilização mais avançada.

Por volta de 390 a.C. Roma possuía 6 000 km2,


controlava outro tanto pelos seus aliados e
colónias, representando o conjunto cerca de 800
000 habitantes. Foram necessários muitos anos
para resolverem os problemas dos Samnitas e
seus aliados. Enfrentaram coligações de
Samnitas, Etruscos e Gauleses, mas em 280 a.C.,
aproximadamente, controlava uma extensão de
80 000 km2 e mais de 3 000 000 habitantes.

Figura 2-6: Disputa da


península Itálica.
Foi no século III a.C. que Roma iniciou a luta
contra os Gregos do Sul da Itália em cujo auxílio vieram reforços da Grécia - o rei Pirro
do Epiro e os seus elefantes de guerra - que nada puderam fazer para salvar as
colónias gregas. No ano 275 a.C. os Romanos dominavam toda a Itália a sul do vale do
Pó.

Roma era uma cidade-estado semelhante às da Grécia e teve como regime político
inicial a monarquia. A tradição refere a existência de seis reis, sendo os três últimos
pertencentes a uma dinastia etrusca. Por volta do ano 500 a.C. uma revolução levou à
expulsão do rei etrusco de Roma e à instauração da Republica.

Nos primeiros tempos da Republica, os grandes proprietários, os Patrícios, detinham o


poder político. O resto da população livre, os Plebeus, abrangia os pequenos
lavradores, artesãos e comerciantes. Os Patrícios eram os únicos que tinham acesso ao
Senado e aos cargos públicos. Os Plebeus deviam contentar-se em falar nas
assembleias e nos comícios, que não possuíam qualquer poder.
Quando os Plebeus quiseram modificar a sua condição desfavorável iniciaram uma luta
pelo poder que durou dois séculos, até conseguirem, por fim, a igualdade política. Uma
das mais antigas exigências dos Plebeus era a de que as leis fossem escritas o que foi
conseguido em 450 a.C. com a Lei das Doze Tábuas.
A luta dos Plebeus para conquistar a igualdade foi facilitada pela sua crescente
importância no exército romano. Para manter o expansionismo romano era necessário

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CAPÍTULO 2 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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um exército cada vez maior e este aumento de efetivos tinha de ser feito à custa
daquela classe.

b. A organização militar romana no início da república

Nos tempos em que Roma era governada pelos reis


etruscos o seu exército era constituído pelas forças privadas
das grandes famílias nas quais os seus membros e
"clientes" são conduzidos à guerra por um chefe, o "pater
famílias". Patrícios como Apios Cláudios podem mobilizar
uma força com cerca de 5 000 homens em 504 a.C.

Figura 2-7: Legionário


175 a.C.

Foi, portanto, dos Etruscos, seus antigos senhores, que os Romanos herdaram a
organização militar e as suas primeiras armas. Os guerreiros vestiam um simples gibão,
usavam um capacete de bronze, um pequeno escudo redondo, machado ou espada,
lança ou dardo e punhal. Era um exército de cidadãos, não permanente.
Quando Roma inicia a sua expansão tem lutas constantes com outros povos. A sua
organização militar vai então evoluindo e vai-se adaptando às novas situações. Ao
longo da sua história os Romanos tiveram grandes vitórias, mas também grandes
derrotas das quais souberam tirar os ensinamentos necessários para superarem as
dificuldades.

No inicio da Republica os Romanos dispõem de uma força que combate como os


gregos: em extensas formações compactas de grande poder de choque. Esta força é,
na forma, idêntica à falange grega e os romanos chamam-lhe LEGIÃO.

Inicialmente a Legião era composta só por patrícios, mas a luta dos plebeus pelos seus
direitos deu-lhes o acesso, cada vez mais largo, ao serviço militar. Mas cada cidadão
pagava o seu próprio armamento e equipamento e os plebeus não tinham, em geral,
posses para adquirirem armas e equipamento com qualidade idêntica à dos patrícios.
Dentro da Legião começa então a escalonar-se vários tipos de Infantes de acordo com
o armamento e equipamento e ainda com a idade.

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CAPÍTULO 2 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Figura 2-8: Forma Falângica - Rómulo a Camilo (ano


753 a 390 A.C.)

A Legião, enquanto manteve a sua forma falângica, era constituída por Infantaria
Ligeira e Pesada. Era acompanhada por uma cavalaria pouco numerosa, recrutada nas
classes mais ricas, que se dispunha nas alas e não tinha capacidade para efetuar
perseguições. Não era constituída qualquer reserva.
A Infantaria Pesada, disposta num só bloco, desdobrava-se da frente para a
retaguarda segundo a eficácia do armamento de que possuía (em conformidade com a
riqueza dos combatentes que o adquiriam) em príncipes (50%), Triários (25%) e
Hastários (25%).

Os Príncipes, oriundos das classes mais ricas, usavam casco, couraça e escudo.
Estavam armados com um gládio (espada curta com 50 cm, que atuava na estocada) e
pilum (dardo com 1,30m e ponta metálica).

Os Hastários, com menos posses que os príncipes, dispunham de armadura e escudo


e estavam armados com uma lança comprida (a Hasta).

Os Triários eram soldados veteranos que se equipavam com capacete, couraça e


escudo e estavam armados com gládio, dardo e lança.

A Infantaria Ligeira, constituída por soldados jovens das classes mais pobres, os
Velitas, armados de fundas, arcos e dardos, atuava inicialmente na frente, deslocando-
se para a retaguarda no decorrer do combate.

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CAPÍTULO 2 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O combate da legião, tal como o das falanges gregas, iniciava-se com o lançamento
das armas de arremesso dos Velitas a que se seguia o emprego da Infantaria Pesada.
A ação desta reduzia-se a uma ação frontal sem possibilidade de manobrar. O combate,
em geral, não durava mais de uma hora e a derrota surgia quando um dos blocos perdia
a sua coesão.
A Legião era, pois, um instrumento adequado à defensiva, pouco maneável,
limitada nos seus movimentos pela marcha direta ou perpendicular e com dificuldade
em manter a sua coesão em terreno acidentado.

A forma falângica inicial, cerrada e monolítica, transforma-se num dispositivo flexível a


partir da época em que Roma tem de combater em terrenos montanhosos, na conquista
do sul da Itália.
A grande linha de Príncipes, Triários e Hastários é dividida em 30 fatias, os manípulos,
cada um deles de constituição heterogénea, que atuam no terreno separados por
intervalos. É a primeira forma manipular.

Figura 2-9: 1ª Forma Manipular - Camilo às


Guerras Púnicas (ano 390 a 264 A.C.)

Nesta forma a legião passou a ser constituída por 30 manípulos, cada um com 10
homens de frente disposta em 8 fileiras tal como na forma falângica. O intervalo entre
manípulos era igual à sua frente.
Esta solução que propicia o deslocamento e ação coordenada em terrenos acidentados
ainda apresenta importantes inconvenientes: não permite a reiteração de esforços e cria
problemas ao exercício de comando dado o elevado número (30) de elementos
subordinados.

As constantes ações militares empreendidas por Roma levam, naturalmente, a um


aperfeiçoamento constante do seu aparelho militar. A legião evoluiu então para a
segunda forma manipular em que os manípulos se tornam homogéneos e se dispõem
em três escalões: o primeiro com 10 manípulos de Hastários com 12 homens de frente
e 10 de profundidade; o segundo com 10 manípulos de príncipes com forma igual aos
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CAPÍTULO 2 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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dos Hastários; o terceiro escalão era constituído por 10 manípulos de Triários com 6
homens de frente e 10 de profundidade.

Figura 2-10: 2ª Forma Manipular - Guerra Púnicas a


Mário (264 a 107 A.C.)

A nova forma manipular aberta e profunda, permite já a reiteração de esforços.

Esta organização militar reflete a organização social romana durante a república.


Baseia-se num serviço militar obrigatório que abrange Patrícios e Plebeus que, no
combate, se vão escalonar segundo a idade e o treino: os mais jovens e ágeis são
Velitas; os que se lhes seguem em idade e em experiência são os Hastários, que
constituem a primeira linha; os príncipes, com cerca de 30 anos ocupam a segunda
linha; os Triários, os mais velhos, atuam na terceira linha decidindo com a sua
experiência muitos combates.

O manípulo é a unidade tática base e cada um funcionava como uma pequena falange,
embora o dispositivo não fosse tão cerrado como naquela. O armamento mantinha-se
semelhante ao da forma falângica. Embora a decisão fosse obtida pelo choque, as
fileiras de combatentes lançavam sucessivas vagas de dardos antes do combate corpo
a corpo.

Os manípulos de cada linha estavam separados por intervalos de dimensão idêntica à


frente que ocupavam e os manípulos da fileira atrás colocavam-se frente a esses
intervalos. Esta formação em xadrez permitia a manobra em terreno acidentado,
podendo, quando necessário, os manípulos das segundas linhas avançar para os
intervalos da primeira linha, formando um muro impenetrável, ou os da primeira linha

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CAPÍTULO 2 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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retirar pelos intervalos das linhas seguintes. A linha de Triários constituía de facto uma
reserva orgânica da Legião que o comandante usava em última instância.
O desenvolvimento das estradas, especialmente na Península Itálica, permitia a rapidez
dos deslocamentos e sempre que a Legião pernoitava no itinerário, instalava-se num
terreno que, devido à boa organização e distribuição de tarefas, rapidamente se
transformava num recinto fortificado.

c. Da republica ao Império Romano


As conquistas romanas tornaram Roma no centro do comércio mundial, capital rica de
um gigantesco Estado. A defesa deste território e o alargamento das províncias
prolongam a duração das campanhas tornando necessária a transição no exército de
um sistema de serviço militar obrigatório para um sistema profissional que passou a ser
uma perigosa arma nas mãos dos generais que representavam as diferentes tendências
políticas. Esta nova força foi organizada e utilizada por Mário, cuja morte prematura não
lhe permitiu aproveitar-se das vantagens que tinha nesse campo.

Com o apoio do Senado chegou a formar-se uma ditadura militar que durou de 82 a 79
a.C.. Mas em 60 a.C. a força do Senado foi atacada pelo primeiro Triunvirato, formado
por Pompeu, Crasso e César. A evolução para um regime de ditadura pessoal culminou
com a luta pelo poder entre César e Pompeu. A vitória pertenceu finalmente a César
que, a 9 de agosto de 48 a.C. derrotou Pompeu em Farsália ou Farsalos, no norte da
Grécia.
César, que havia adquirido grande prestígio nas campanhas da Gália, foi eleito ditador
vitalício. O seu assassínio em 44 a.C. não salvou a Republica. Formou-se novo
Triunvirato de que faziam parte Marco António, Lépido e Octávio (filho adotivo de
César). Octávio derrotou o seu rival António em 31 a.C. e, ao mesmo tempo, pacificou a
Espanha e conquistou o Egito. Em 27 a.C. proclamou-se imperador de Roma e adota o
título de Augusto, com o que estabeleceu o seu caráter sagrado.
O império de Octávio estendia-se do Mar do Norte ao deserto do Saara, mas era no
limite norte que se encontravam os maiores perigos e foi aí que Octávio Augusto
empenhou muitas das suas forças. A bacia do Reno e os territórios do que é hoje a
Suíça e a Áustria foram ocupados estabelecendo a fronteira no curso superior do
Danúbio. Os Romanos tinham, finalmente, atingido as portas da Germânia.
O período que se seguiu ficou conhecido por "Pax Romana". Se as lutas contra outros
povos foram pouco significativas neste período, internamente desenvolveu-se uma feroz
luta pelo poder. O Império iria, no entanto, conhecer períodos de grande prosperidade,

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CAPÍTULO 2 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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em especial durante os governos de Trajano e Marco Aurélio em que atinge o seu


apogeu.

d. Os Exércitos de Mário, de César e de Augusto


A riqueza que Roma vai colher nos territórios mais distantes do seu Império dá origem a
grandes fortunas, de proprietários e comerciantes. Uma parte importante da população
vive da exploração daqueles territórios e do comércio que com eles se estabelece
sempre de forma mais favorável a Roma. Por outro lado, quanto maior é o Império
Romano, mais longe se encontra o inimigo e dificilmente Roma será ameaçada. Em
Roma vive-se um ambiente de prosperidade e segurança.
Estas transformações da sociedade levam os
Romanos a não querer prestar o serviço militar. Os
ricos pagam esse serviço a quem por eles o faça.
O exército romano já não é um exército de
cidadãos romanos e aos poucos transformou-se
num exército composto por um núcleo profissional,
romano, e contingentes fornecidos por povos
aliados ou submetidos. A introdução nas fileiras
desses povos e de muitos marginais que por
dinheiro prestam o serviço militar leva ao
desaparecimento da antiga ideologia "nacionalista"
dos Romanos, que tão boas provas deram, em
especial nas guerras púnicas.

Esta deterioração do sentimento de confiança que


resulta de uma separação cada vez maior entre o
exército e a sociedade romana, provocada pela
introdução de cada vez mais "não cidadãos" nas
fileiras, é agravada pela ocupação de posições de
comando por indivíduos escolhidos por razões
políticas, mas sem possuírem as qualificações
necessárias para os cargos militares. O Exército
Romano, assim debilitado, sofre pesadas derrotas
com os povos bárbaros, que ameaçam muitas das
suas conquistas.
Figura 2-11: Legionário com
armamento e equipamento
individual.
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CAPÍTULO 2 – 13
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O Senado Romano procurou então alguém que fosse capaz de conter aqueles povos
nas fronteiras. Para tal foi nomeado Comandante do Exército o Cônsul Caius Marius
(Mário) com plenos poderes para resolver os conflitos do vale do Ródano.

As primeiras medidas tomadas por Mário (cerca de 100 a.C.) destinam-se a


institucionalizar as transformações que, afinal, já se tinham verificado no Exército.
Começou por regulamentar o serviço militar profissional incorporando agora as classes
mais humildes, os servos ou até os criminosos.

A incapacidade monetária destas classes para adquirirem o seu armamento e


equipamento levam Mário a implementar uma outra medida: a uniformização da
Infantaria. Deixa de haver a anterior distinção entre Príncipes, Triários e Hastários e
passa a haver o Legionário, infante profissional equipado e armado pelo Estado. Este
estava armado com pilum articulado (poder de fogo), gládio (poder de choque) e escudo
(proteção) e era cuidadosamente treinado e disciplinado.

No plano tático a legião evoluiu para a forma coortal. O número de unidades


dependentes, os 30 manípulos, diminui formando-se 10 coortes com 6 mil
legionários romanos.
Cada coorte é formada por 600 homens tripartidos em 3 manípulos de 200 homens e
cada manipulo com 2 centúrias de 100 legionários. Este aumento do número de
legionários destinava-se a permitir enfrentar de forma mais eficaz as rebeliões nos
países ocupados.

O número de infantes ligeiros também aumentou, sobretudo os arqueiros e


fundibulários. Os engenhos e máquinas de guerra aperfeiçoaram-se com os
conhecimentos adquiridos com os gregos e cartagineses.

A cadeia de comando é agora muito mais eficaz com a redução de 30 para 10 peças de
manobra. A ligação e a transmissão de ordens são também melhoradas com a
introdução, para além dos tambores e trombetas de épocas anteriores, de um sistema
de estandartes destinado a identificar as unidades, a facilitar a capacidade de comando
dos chefes e a aumentar a coesão dos soldados.

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CAPÍTULO 2 – 14
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Aperfeiçoaram-se os sistemas de
entrincheiramento e introduziram-
se melhoramentos no apoio
logístico criando depósitos ao
longo das principais vias de
comunicação.
Com César mantém-se a
organização militar de Mário. A
inovação mais sensível levada a
cabo no âmbito da organização
militar é o aumento das forças de
Cavalaria, Artilharia e Engenharia.
Figura 2-12: Legionários com símbolos do exército
Romano. Da esq. para dir.: Vexillium, Signifer,
Aquila.

O aumento da Cavalaria deve-se, em grande parte, à experiência adquirida com os


Númidas e era proveniente da Grécia, África, Gália e Germânia. Mantinha, no entanto,
um papel ainda reduzido e atuava nas alas.
A Artilharia foi cuidadosamente organizada. A Legião passou a possuir um trem de
artilharia de 60 carro balistas e 10 catapultas. Os engenhos de tiro rápido foram
utilizados com frequência executando verdadeiras barragens de artilharia que obrigaram
a recuar unidades de cavalaria ou legiões.

A arte do cerco teve um grande desenvolvimento e


atingiu o seu ponto mais elevado nas campanhas da
Gália. Quando o momento é julgado favorável para o
assalto são empregues diferentes métodos
simultaneamente ou um a um: utilização de escadas,
torres rolantes, brechas provocadas nas muralhas. O
emprego crescente destes meios levou à organização
de corpos de engenharia mais numerosos.
Figura 2-13: Catapulta

Os meios utilizados pelos defensores tornam-se igualmente mais sofisticados e as


tentativas de penetrar nos recintos fortificados são cada vez mais difíceis. Recorre-se
então a métodos pouco heroicos e a engenharia é então empregue, por exemplo, para
desviar o curso de água que abastece os sitiados.

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CAPÍTULO 2 – 15
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Na formação tática a Legião de César dispunha-se em três escalões, sendo o primeiro


de 4 coortes e os restantes de três. Em caso de necessidade a segunda linha avançava
através de intervalos da primeira linha enquanto esta retirava para recuperar ou
reorganizar. A terceira linha era utilizada como reserva.

Figura 2-14: 2ª Forma coortal - de César a


Augusto (ano 60 a 30 A.C.)

Os procedimentos adotados por César foram mantidos por Augusto. O Exército


Romano compreendia então 25 legiões e um número igual ou superior de tropas
auxiliares (arqueiros, infantaria e cavalaria ligeira) recrutadas entre os "não romanos".
Este conjunto num total de cerca de 380 000 homens repartia-se em 25 grupos de
fronteira, baseado cada um num poderoso centro militar denominado "castellum".

O Exército Romano que inicialmente partia de Roma para submeter outros povos,
alargar o seu território ou punir os que não aceitavam a soberania romana, e que no
final da campanha regressava a casa, é agora colocado em regime de permanência nas
fronteiras desses territórios. O objetivo já não é partir à conquista de outros territórios ou
assimilar outros povos, mas defender os limites do Império e impedir a entrada dos
povos bárbaros do norte e do leste. O objetivo já não é fazer a guerra, mas garantir a
paz.

Com o objetivo de manter a ordem interna em Roma, em algumas áreas da Península


de Itália e para servirem como guarda pessoal, foi criada uma guarda pretoriana pelo
imperador Ariano, com 10 mil homens. Em princípio são todos recrutados na Itália com
exceção da guarda pessoal recrutada na Hispânia e na Germânia.
Para prevenir as revoltas evitava-se o recrutamento local. Em geral os Iberos serviam
na Gália e os Gauleses em África, mas na Síria e no Egito, as particularidades do
terreno e do clima levaram a admitir unidades autóctones enquadradas por ocidentais.

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CAPÍTULO 2 – 16
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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e. Desagregação do Império e a Decadência Militar


A paz estabelecida por Augusto durou dois séculos, mas
com Marco Aurélio começaram as guerras, em 175,
contra aqueles que viriam a ser os inimigos mais
perigosos do Impérios: os Partos a oriente e os Povos
Germânicos a ocidente. Estes fizeram sérias tentativas de
descer em direção ao sul e os exércitos romanos
conseguiram detê-los com grande dificuldade.
Nas épocas de crise e de guerra a influência do exército
aumentava consideravelmente. Os imperadores eram
facilmente destronados pelos chefes militares que
lutavam entre si pela tomada do poder e os substituíam.
Nesse tempo, o imperador Caracala, em 212, havia
concedido a todos os habitantes do Império o direito de
cidadania.

Figura 2-15: 2ª Legionário séc. I


Muitos chefes militares eram de origem bárbara e por isso a origem dos imperadores torna-
se muita diversa. Esta rivalidade entre os generais romanos provocou devastadoras guerras
civis e as diferentes partes do Império começaram a separar-se.

Imperadores poderosos como Diocleciano ou Constantino o Grande, que permitiu a liberdade


de culto em 313, conseguiram impedir a desintegração e preservar a unidade. Foram
introduzidas diversas reformas, mas não foi possível evitar, no ano de 395 d.C. a divisão em
Império do Ocidente e Império do Oriente. Teodósio, que se tinha convertido o cristianismo em
380, vai dividir o Império pelos seus dois filhos: Acádio com o império romano do Oriente, e
Honório com o Império Romano do Ocidente.

Ainda antes da divisão do Império, hordas de cavaleiros hunos tinham iniciado o seu
movimento em direção ao ocidente provocando o desalojamento de grande número de tribos
germânicas que passaram a exercer uma pressão muito mais forte sobre as fronteiras. Apesar
dos reforços militares que os Romanos fazem deslocar para as fronteiras do Império, a invasão
é inevitável.

Os Visigodos atravessam o Danúbio e entram na Itália, saqueiam Roma e mais tarde


estabelecem-se na Península Ibérica. Os Burgúndios e os Francos tomam a Gália.

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CAPÍTULO 2 – 17
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Os Vândalos atravessam a Europa e, pela Península Ibérica, chegam ao norte de África de


onde passam à Itália e devastam Roma. Os Suevos fundaram um reino no noroeste da
Península Ibérica. Os Anglos e os Saxões atravessam o Canal da Mancha e invadem a
Bretanha. Os Hunos, vencidos na Gália, acabam por formar fortes núcleos populacionais na
região da Hungria. Os Ostrogodos, cerca do ano 450 ocupam toda a Itália.

O Império Romano do Ocidente estava, assim, destruído, mas o Império do Oriente


conseguiu resistir aos ataques dos bárbaros e durou ainda mais mil anos.

Mas as causas que levaram à derrocada do Império Romano do Ocidente refletiram-se,


como não podia deixar de ser, na organização militar, esta, ao pretender adaptar-se às
circunstâncias, iniciou um lento, mas irreversível processo de decadência.

Quando os Romanos, na sua expansão, atingem a Germânia compreendem que é


necessário, a partir de então, manter a situação adquirida no que respeita a extensão
territorial, adotando um posicionamento defensivo. Tentar ocupar os territórios germânicos
era uma tarefa votada ao fracasso e as tribos germânicas no seu movimento para o ocidente
ameaçavam já os territórios sob o controlo de Roma.

Este posicionamento defensivo levou à fortificação das fronteiras e à alteração da missão


das legiões que agora, em vez de procurarem o inimigo no seu próprio território para o
destruir, se limitam a dissuadir ou impedir pela força a entrada das tribos germânicas nos
territórios do império. Esta nova situação provocou um abaixamento do moral das tropas e o
desaparecimento da antiga bravura romana.
A prosperidade económica que atingiu o seu auge durante a "Pax Romana" permitiu um
aumento do bem-estar do cidadão romano, não à custa da sua produtividade, mas através
de uma exploração exaustiva dos recursos das províncias. Este bem-estar adquirido sem
dificuldade provoca inevitavelmente a degradação dos costumes e a fuga ao serviço militar.
A exploração religiosa do cristianismo, por um lado, e a distância a que se encontrava o
inimigo, por outro, conduzem a uma transformação de valores morais da sociedade e ao
desenvolvimento de sentimentos pacifistas que levam o cidadão romano a evitar o serviço
militar. Com a finalidade de atrair voluntários são concedidos aos soldados benefícios em
terras, junto às fronteiras.

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CAPÍTULO 2 – 18
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Quando a cidadania romana é alargada a


todos os povos do Império, o recrutamento
passa a ser feito essencialmente nas
províncias sob uma forma cada vez mais
regional. Adriano institucionaliza a
responsabilidade de recrutamento por cada
legião. Aos cidadãos de Roma está
reservado o serviço na Guarda Pretoriana.

Mas a diminuição do número de cidadãos


que queriam alistar-se levou a que, cada
vez mais, o recrutamento abarcasse povos
bárbaros, vindos de territórios exteriores ao
Império, com os quais se estabeleciam
tratados. Estes novos militares
transformaram o exército romano numa
força não nacional que rapidamente pôs em
causa a antiga disciplina romana. Figura 2-15: Optio comandado uma legião.

Nos séculos III e IV, o Império já tinha grandes dificuldades em conter os bárbaros.
Muitos dos militares romanos são, eles próprios, bárbaros romanizados que por vezes
favorecem aqueles com quem têm mais afinidades étnicas.

As reformas iniciadas por Diocleciano (207-305) e por Constantino (312-337), tinham


como objetivo adequar o exército romano à nova realidade de defender as fronteiras
(limes) romanas após o fim da expansão militar do império. A nova prioridade era a
defesa do império, com as legiões agrupadas em torno das capitais, Milão, Tréves,
Constantinopla, etc.
A legião é reduzida de 6000 homens para agrupamentos táticos de 1 000 infantes e 500
cavaleiros, mais manobráveis que a restante força, para rapidamente reforçarem as
áreas ameaçadas.
Com a integração dos bárbaros na estrutura militar como povos federados de Roma o
legionário adotou as táticas dos bárbaros dando primazia à luta a cavalo, o seu
equipamento e armamento foi modificado, surgindo a armadura completa e abandonou-
se o pesado pilum.
Os cargos de comando e chefia das unidades militares, são retirados às grandes
famílias senatoriais e entregues a militares profissionais

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CAPÍTULO 2 – 19
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A insegurança que se vivia faz com que as cidades ameaçadas se rodeiem de muralhas
e o chefe militar local, normalmente grande proprietário, inspira um maior sentimento de
segurança que o distante poder central. Começam a criar-se condições para a
implantação do sistema feudal.

203. Os Reinos Bárbaros

Figura 2-15: Invasões no Império Romano no séc. IV

O «bárbaro» é, para o habitante de mundo romano, um homem que fala uma linguagem
incompreensível e cuja civilização é ainda primitiva. Os Romanos consideram bárbaros os
montanheses e nómadas do norte de África, os Árabes, os Alanos do Mar Negro os Celtas da
Bretanha, os Germanos que habitam além do Danúbio e Reno, os povos da Península Ibérica
antes de se romanizarem.

Nos finais do século IV o Império Romano


encontrava-se já em desagregação.
Os Visigodos e os Ostrogodos, os primeiros
em parte já cristianizados, fugindo à
invasão dos Hunos, obtiveram permissão
para atravessar o Danúbio (seriam cerca de
200.000) e estabeleceram-se no Império.
Foi o início de uma série de invasões que
alteraram completamente o mapa político
da Europa.

Figura 2-16: Estabelecimento dos reinos


Bárbaros na Europa.
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CAPÍTULO 2 – 20
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Não tendo capacidade para impedir estas invasões ou para expulsar os bárbaros o governo
imperial recorreu à velha tática, incorporando-os no Império e colocando-os ao seu serviço.
Quando, em 409, a Península Ibérica conhece as invasões bárbaras, verifica-se uma grande
carência de alimentos em resultado das grandes devastações provocadas pelos invasores. A
estes males acrescentou-se uma peste que provocou também elevado número de vítimas. Após
dois anos de pilhagens os próprios bárbaros estão famintos e negoceiam, com Roma que os
aceita como «federados».

Os SUEVOS fixaram-se na Galiza e em regiões que seriam o Norte e Centro do atual


Portugal. Formaram um reino com capital, primeiro em Lisboa e depois em Braga a partir
de 409.

Os ALANOS estabeleceram-se na Lusitânia mas em 412 foram batidos e integrados no


reino dos VÂNDALOS que se fixaram no sul para depois passarem ao Norte de África.

Os VISIGODOS sob o comando do rei Vália penetraram na península Ibérica a pedido de


Roma, em 415, com a finalidade de dominarem ou expulsarem os outros povos invasores
que tinham abandonado os seus compromissos de «federados». O seu domínio foi
alastrando até que no reinado de Leovigildo, incluía toda a Península, com a absorção
dos Suevos em 585.

À unidade política seguiu-se a unidade religiosa, quando Recaredo (586-601) se


converteu ao Cristianismo. Este reino, visigótico durou até 711, ano em que se
desmoronou perante a invasão árabe.

A conversão dos visigodos ao catolicismo foi um passo importante para promover a união
da sociedade ibérica. Foi também revogada a lei que proibia o casamento entre
Visigodos e Ibero-Romanos. O latim substituiu a língua goda e passou a ser a língua
oficial. Na Península Ibérica, como em toda a Europa, a cultura romana sobrepõe-se à
cultura bárbara. A unificação de vencido e vencedores foi assim mais fácil e muitas das
estruturas administrativas romanas permaneceram no reino visigodo.

Quando os Visigodos unificaram a Península continuaram a existir no Sul praças


pertencentes aos Bizantinos (Império Romano do Oriente). Tinham sido tomadas numa
tentativa de reconstrução do Império. Para os expulsar foi necessário travar uma luta
renhida que só terminou em 624.

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CAPÍTULO 2 – 21
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Ainda antes da expulsão dos bizantinos das suas praças do sul da Península,
estabeleceram-se os Visigodos no Norte de Africa onde conquistaram Tanger e Ceuta.
Nestas conquistas asseguravam-lhes o controle da entrada do Mediterrâneo o que
conjuntamente com o domínio de toda a costa da Península lhes permitia o domínio de
toda essa região e do comércio que aí se desenvolveu.

O reino visigodo foi palco de muitas lutas internas por diferentes fações que pretendiam
assenhorear-se do poder. Apesar de todas as condições que, como vimos, permitiriam
uma situação de grande unidade, a verdade é que tais lutas enfraqueceram muito a sua
capacidade defensiva e ofereceram fraca resistência à invasão árabe.

204. Organização Militar dos Visigodos

De todos os povos bárbaros que invadiram a Península apenas o contributo dos


visigodos merece ser mencionado pela herança que legaram dos povos que
contribuíram para a formação do reino de Portugal. Dessa herança interessa-nos
particularmente os aspetos militares.

A educação dos visigodos era desenvolvida com a finalidade de formar combatentes


robustos, ágeis e hábeis no manejo das armas. Depois de terminar a sua preparação o
mancebo recebia do pai ou do seu chefe o escudo e a lança (ou dardo) perante uma
assembleia em que todos, mesmos os servos, compareciam armados. A partir de então
não se separavam mais das suas armas que após a sua morte eram colocadas no seu
túmulo.

O serviço militar era obrigatório tanto para o mais elevado dos nobres como para o mais
humilde dos servos. Muitos procuraram libertar-se dessas obrigação à custa dos
privilégios eclesiásticos mas era ponto assente que todos os homens válidos tinham a
obrigação de pagar em armas para defender a nação.

Nas classes nobres o dever militar consistia em servir a cavalo. A infantaria era
constituída pelas classes inferiores e incluía a décima parte dos servos que os senhores
deviam trazer consigo à guerra.

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CAPÍTULO 2 – 22
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A sociedade dominada pelos visigodos era essencialmente aristocrata e a hierarquia


militar correspondia em grande parte a uma hierarquia civil. Por isso, aos cargos civis
mais elevados estava sempre ligada a correspondente autoridade militar.

Os visigodos possuíam uma estrutura social vincada pela fidelidade e dependência


pessoal dos companheiros do rei a este. Estes companheiros do rei visigodo, os
Gardingos, eram os mais beneficiados em recompensas e terras reais, os beneficia,
que recebiam em troca de auxílio na paz e na guerra ao seu senhor, o rei.

A lei visigoda, também preconizava que um homem mais pobre se encomendasse a


outro mais poderoso e que aquele o podia utilizar como soldado particular, como era o
caso dos Bucelários, perante os grandes senhores terratenentes.

Na pirâmide social que se foi construindo, houve uma multiplicação das relações
pessoais entre homens livres, sendo que os próprios Gardingos criavam a sua própria
clientela, obrigando-os por sua vez a prestar-lhes serviço militar, designando-se por
Saiões.
Apenas uma parte do exército era permanente e, em regra, constituída na sua maioria
pela guarda real e guardas pessoais da grande nobreza, recrutada entre servos,
clientes ou libertos ou pelos Bucelários, homens livres, profissionais de guerra a quem
se pagava soldadas ou se cediam terras em prémios pelos seus serviços.

O modelo militar visigodo assentava na hoste


organizada em tiufadias de 1000 guerreiros
dividida em dois quingentários, organizados
de modo próximo ao dos romanos com cinco
centúrias. Cada centúria tinha dez esquadras
comandadas por um decano.

A infantaria era a principal força do exército.


Defendiam-se com um escudo grande, um
casco (capacete) simples e como armas
ofensivas; dispunham inicialmente de dardos,
machados e mais tarde de espadas e adagas.

Figura 2-16. Guerreiros


visigodos.
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CAPÍTULO 2 – 23
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Em combate cada infante ia munido de vários dardos que lançavam com extraordinária
destreza produzindo uma verdadeira chuva de setas sobre o inimigo. Formavam em
ordem dispersa, lançavam os dardos e avançavam com um dispositivo em forma de
cunha.

A cavalaria utilizava o escudo e o elmo ou simples cascos de ferro ou de couro que


inicialmente eram usados apenas pelos chefes ou homens ricos, em especial os cascos
de metal. Com armas ofensivas dispunham de uma lança, espada de bronze ou ferro, e
a manchete ou cutelo, característico dos povos germânicos. Os cavaleiros godos
montavam-se sem qualquer arreio a não ser o freio.

O comando das forças pertencia por direito ao mais nobre mas havia também chefes
militares que tinham conquistado esta distinção pelo seu bravo comportamento em
combate. A informação que nos é dada por Tácito (historiador romano; 55-120 d.C.)
sobre os povos godos do seu tempo, “para os reis se buscava a nobreza, para os cabos
de guerra as suas boas qualidades”, era certamente verdadeira para a época que
estamos a tratar.

Os Visigodos vieram de uma região sensivelmente correspondente à atual Bulgária


onde estiveram em contacto direto com Bizâncio (Império Romano do Oriente), de
quem assimilaram os conhecimentos da arte de fortificar. Às fortalezas romanas que
encontraram, os visigodos juntaram as melhores técnicas bizantinas. A influência de
Bizâncio chega ainda por outra via, pois na mesma altura e durante quase um século
formou-se uma província bizantina no SE peninsular.

205. Os Árabes

Figura 2-17: cavalaria e


Infantaria Berbere

a. Introdução
A extensão e o significado da palavra «Árabe», designativa de um povo, têm variado
muito com o tempo. Hoje o termo aplica-se geralmente às populações de língua árabe
que habitam a Arábia, o Iraque, a Jordânia, a Síria, o Líbano, o Egito e o restante Norte

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CAPÍTULO 2 – 24
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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de Africa, o Sudão e regiões vizinhas da África central e oriental. Além da língua, a


religião e a cultura muçulmana (islamismo) são fortes elos de unidade entre essas
populações.
O Islão nasceu na Arábia, no início do século VII da era cristã. Trata-se de uma religião
nova que irá alterar a história do mundo. Revelada ao profeta Maomé, ela assenta na
estrita crença num deus único, Alá. Os seus adeptos efetuaram rapidamente a
conquista do Médio Oriente e difundiram ao mesmo tempo o Islão e a língua árabe
nesta terra de velhas civilizações. Em poucos anos, os árabes convertidos a esta nova
religião, ocuparam importantes províncias de Bizâncio, invadiram o reino Persa e
fundaram um imenso império.

Esta conquista é a realização de antigos sonhos da expansão árabe agora tornada


possível pelas numerosas conversões que fazem aumentar as fileiras com um número
cada vez mais elevado de muçulmanos que se lançam ao assalto de terras cada vez
mais longínquas. Os êxitos fulgurantes dessas primeiras conquistas devem-se, sem
dúvida à rapidez do ataque, à mobilidade dos cavaleiros lançados através das estepes
e dos desertos, mas, principalmente, à fraca resistência dos inimigos.

Figura 2-18: A expansão árabe


no século VIII

A segunda vaga de conquistas, no fim do século VII e início do século VIII, no Norte de
África, revelou-se demorada e difícil porque os Berberes ofereceram obstinada
resistência. No entanto as conquistas avançam e Cartago (698), Tânger (705) e Ceuta
(709) caem em seu poder. Em 710, um grupo de berberes comandados por Tarife
desembarcaram na Península e saquearam um local que passou a chamar-se Tarifa.
Todos regressaram sãos e salvos a África.

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CAPÍTULO 2 – 25
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A facilidade com que esta operação foi levada a cabo motivou a execução de uma
operação de maior envergadura. Em 711, um exército com cerca de 12.000 homens,
chefiados por Tarik Ibn Zayad atravessou o estreito de Calpe e organizou uma posição
fortificada no monte do mesmo nome. Este monte, um enorme rochedo passou a ser
designado por «rochedo de Tarik» que em Árabe se diz «Gebel al Tarik» que veio a
originar a palavra «Gibraltar».

A sorte da Espanha visigoda foi ditada nesse mesmo ano na batalha de Guadalete junto
às margens do rio Chryssus ou Gadalete. A conquista foi facilitada pelo estado de
enfraquecimento com que se debatia a Espanha no meio das querelas dinásticas e das
revoltas que surgiram mais ou menos em toda a Península. Os invasores, para além
das conquistas na Península, (715), atravessaram os Pirenéus e avançaram pelo Sul de
França, mas foram sustidos por Carlos Martel rei dos Francos, em 732, perto de
Poitiers.

Em quatro anos os árabes conquistaram quase toda a Península Ibérica com exceção
de uma zona Norte, as serras das Astúrias, onde um pequeno núcleo se refugiara. Foi
daqui que começou a reconquista do solo peninsular, (718 por Pelágio) ação que se iria
prolongar desde a Batalha de Covadonga em 722 e por mais de sete séculos.

Em resultado da conquista, os árabes são agora senhores de todas as rotas comerciais,


caravaneiras ou marítimas, que ligam o mediterrâneo ao Extremo Oriente. O seu papel
mediador entre o Oriente e o Ocidente só não se faz sentir agora de uma forma mais
forte porque o relacionamento entre os muçulmanos e cristãos é mais de oposição que
de permuta.

Os contactos estabelecidos entra as duas civilizações permitiram, apesar do confronto,


uma influência mútua tanto no campo cultural, como militar, ou outros. Vamos ver, de
uma forma muito sumária, alguns aspetos da organização militar árabe. Veremos
depois que fomos influenciados por ela.

b. A Organização Militar dos Árabes


A organização militar árabe incorporou as técnicas de combate aprendidas com a
civilização Bizantina e com os invasores Hunos e era notável. Podemos conhece-la
porque sendo os árabes um povo que dava muita importância à literatura, deixou muitos

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CAPÍTULO 2 – 26
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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testemunhos escritos da época que estamos a tratar. Existem numerosos tratados de


guerras árabes que são referidos com pormenor no 2º volume da Historia de Exercito
Português de Christovam Ayres (pág. 89 a 102).

Os exércitos árabes eram


constituídos,
predominantemente, por
cavaleiros apoiados por
peões e arqueiros cujas táticas
consistiam em ataques
impetuosos e maciços de
cavalaria ligeira que se
repetiam em sucessivas
cargas. O cavaleiro era a sua
principal arma de guerra, mas
não deixavam de possuir uma
infantaria numerosa e forte.
Figura 2-19: Cavalaria Berbere

As tropas árabes eram recrutadas em regime de voluntariado devendo cada tribo


fornecer um certo contingente de homens. Finda a guerra as tropas recolhiam aos seus
trabalhos rurais ou ofícios livres mantendo-se apenas ao serviço o núcleo de soldados
pagos que mantinham um efetivo mínimo permanente do exército e a guarda pessoal
do califa que chegou a ser de 600 homens.

O armamento sofreu várias modificações, no contacto com os cristãos. Muitas armas e


processos de guerra foram adotados pelos árabes. Na batalha de Guadalete as armas
que então usavam as tropas de Tarik eram assim descritas por Almacarí.

“… Os homens de Tarik estavam aparelhados de modo diferente: tinham peitos


cobertos de arneses de malha, traziam turbantes brancos na cabeça, os arcos
pendentes nas costas, as espadas suspensas dos cinturões e longas lanças, seguras
na mão com firmeza.”
As espadas árabes mais características chamavam-se «alfanges» ou «cimitarras» e
eram curvas, largas e curtas. Também usavam espadas retas idênticas às dos cristãos.
A lança tinha o ferro com formas diversas e era mais leve do que a dos cristãos pois

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CAPÍTULO 2 – 27
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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servia também para ser arremessada. A «azagaia» era uma lança, mais comprida e
leve (tendo algumas 4 metros de comprimento) e era uma arma de arremesso.

Usavam também o arco e adotaram mais tarde a besta. Eram arqueiros excelentes que
combatiam a pé ou a cavalo. A besta utilizada pelos árabes era também mais leve que
a dos cristãos. Este poder de fogo era muito utilizado e os cronistas da época referiam-
se a ele como “frechadas de arcos torquies que eram tam espesas que tolhiam o sol.”

Para a proteção individual usavam um capacete ou «morrião», de metal e por vezes


ricamente decorados mas também podia ser de couro de búfalo ou de boi. Alguns
tinham, para resguardar a nuca, o pescoço e os ombros, uma rede de malha pendente.
Usavam também uma espécie de camisa de malha de ferro que os protegia até aos
joelhos igual à loriga cristã. Era também usada uma espécie de colete também em
malha de ferro. Frequentemente estas proteções eram usadas por baixo de outras
roupas. Utilizavam também um escudo com as mais diversas formas e feito de materiais
variados.

A maior parte deste armamento era idêntico ao dos cristãos. Por norma essas armas
eram de excelente qualidade pois os muçulmanos tinham grandes armeiros e
dispunham de excelentes aços que davam lâminas de elevada qualidade. Essas armas
eram sempre muito decoradas e ornamentadas trazendo por vezes inscritos versículos
do Corão. Sabe-se que, através dos Cretenses, os exércitos cristãos compravam cotas
de malha aos muçulmanos.

Na arte de fortificar os árabes introduziam algumas influências orientais que torna a


península Ibérica, o mais ocidental dos territórios europeus, aquele que mais se
orientalizou. Inicialmente houve um aproveitamento da fortificação hispano-visigótica.
Depois “desenvolverem-se em formas irregulares, conforme a configuração do terreno
em que assentaram ou dominado os nós de comunicação e as alcáçovas, cidadelas
muito amplas dominando as povoações, que nelas se refugiavam em caso de perigo,
albergando ainda uma mesquita, o Alcácer (a casa do governador) e alojamentos para
as forças militares. … “Passou a dar-se melhor atenção à situação estratégica dos
castelos, localizando-os em locais elevados e dominantes estabelecendo normalmente
contacto visual com os castelos limítrofes e ao aproveitamento das eminências do
terreno”. (O castelo estratégico português do TCOR A.L. Pires Nunes, edição da
DHCM.)

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CAPÍTULO 2 – 28
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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As suas inovações estavam também na técnica de levantamento das muralhas.


Utilizavam “frequentemente a taipa que, sendo considerado um material podre não
diminuiu a resistência dos muros”. O característico arco de ferradura árabe está
frequentemente presente nas fortificações nomeadamente nas aberturas (portas,
janelas, etc.). O castelo árabe foi sempre, na sua essência, uma base de onde as forças
partiram para ações militares. (idem)

Na arte de tomar castelos e cidades muralhadas utilizavam os processos que já vinham


do tempo dos Romanos e recorriam ainda à construção de galerias subterrâneas sob as
muralhas, enchendo-as depois com lenha untada de nafta à qual lançavam fogo, o que
vinha a provocar o ruir das construções.

Um aspeto inédito dos exercícios árabes era o dos serviços. Grupos especializados
constituíam uma autêntica engenharia que improvisava pontes, abria valas, levantava
as proteções dos arraiais ou executava outros trabalhos de organização do terreno.
Tinham também um rudimentar serviço de saúde, com médicos e mulheres enfermeiras,
e um serviço religioso.

A organização militar árabe assentava numa hierarquia mais ou menos rígida. Alguns
dos postos militares, assim como as funções correspondentes, foram adotados pelos
exércitos cristãos o que demonstrava a influência que os árabes tinham na nossa
organização militar. É o caso do «Adail», do «Almocadém», do «Alcaide», do
«Almogávar». Por vezes apenas o nome era adotado como é o caso do «Alferes» que
entre os árabes queria apenas dizer cavaleiro.

As operações militares desencadeadas com esta força armada também não eram
diferentes das dos cristãos. Os árabes, no entanto, preferiam combater em grupos mais
pequenos, armar ciladas, executar incursões rápidas para devastar as terras inimigas
como era o caso das operações chamadas «algaras» ou «algaradas», nomes
igualmente adotados pelos exércitos cristãos.

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CAPÍTULO 2 – 29
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Figura 2-20: Castelo Mouro de


Sintra

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CAPÍTULO 2 – 30
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 3 HISTÓRIA MILITAR MEDIEVAL SÉC. XII A XIII. RECONQUISTA


IBÉRICA. FUNDAÇÃO DE PORTUGAL.

301. O Inicio da Reconquista e a Formação do Condado Portucalense

«Reconquista» é o nome que se dá à recuperação do território hispânico depois da


invasão muçulmana. É um longo período que vai desde a revolta de Pelágio (718),
vencedor da batalha de Covadonga (722), até à recuperação do último reduto mouro,
Granada (1492).

Intermitente e controlada por senhores locais até ao século XII, a luta assumiu então
forma mais sistemática, quando a ação dos soberanos dos vários reinos cristãos que se
haviam formado, auxiliados pelas ordens militares religiosas, se sobrepõe à iniciativa
particular.

A conquista dos territórios que até então tinham estado sob ocupação muçulmana levou
à formação de vários reinos cristãos. No século XI, entre 1031 e 1065, a situação era a
que mostra a figura 3-1. O território muçulmano estava dividido em pequenos reinos ou
taifas o que enfraquecia o seu poder militar.

Figura 3-1: A península Ibérica no século XI (1031 – 1065).

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CAPÍTULO 3 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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No ano 1085, o rei Afonso VI de Leão e Castela transfere a sua capital para Toledo,
bem no centro da Península. Este avanço dos cristãos alarma os muçulmanos que
pedem auxílio a Iúçufe, poderoso rei dos Almorávidas, em África. De igual forma,
Afonso VI apela para os outros reinos cristãos, incluindo a França, terra natal da rainha.

Vindo de França, entre vários cavaleiros, chegou ao reino de Leão, entre 1087 e 1088,
o nobre D. Raimundo que D. Afonso VI casou, em 1090, com a sua filha primogénita D.
Urraca. Concedeu-lhe ainda o governo da Galiza (que já fazia parte do reino de Leão) e
na qual estavam englobados os Condados Portucalenses e Conimbricenses.

O Condado Conimbricense foi formado em 1064 depois da conquista de Coimbra pelo


Rei Fernando Magno. O Condado Portucalense era ainda mais antigo pois já em 936
um documento refere o «território portucalense».

Em 1093 Afonso VI consegue fazer chegar a fronteira meridional cristã até ao Tejo, mas
pouco depois os mouros recuperaram algumas povoações, entre elas Santarém que
caiu em seu poder no ano seguinte. Numa tentativa de recuperar estas terras, as tropas
de conde D. Raimundo são derrotadas e têm de se refugiar na Galiza.

Esta derrota militar teria levado Afonso VI a entregar o Condado Portucalense,


acrescido do que restava do território de Coimbra, a outro cavaleiro francês, o nobre D.
Henrique de Borgonha. Ao seu suserano o Conde D. Henrique ficou ligado pelo habitual
laço de vassalagem: devia ser-lhe fiel e leal e prestar-lhe ajuda e conselhos quando
necessário, o auxilium et consilium feudal medieval. D. Henrique casou com D. Teresa,
filha bastarda de Afonso VI.

Na «Crónica do rei D. Afonso Henriques» é também referido que o conde D. Henrique


devia, no âmbito de ajuda militar, comparecer junto de Afonso VI com trezentos
cavaleiros, “nom avendo naquelle tempo mais naquella terra de Portugal”.

Temos assim uma ideia do número de cavaleiros então existentes naquela «terra de
Portugal» que era um pequeno território englobando as populações de Braga, Lamego,
Viseu, Coimbra, Porto e numerosas pequenas povoações fortificadas semelhantes aos
castros. Os primeiros castelos, fora destas povoações, eram os de Vila da Feira,
Numão, Tarouca, Longroiva e Sernancelhe.

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CAPÍTULO 3 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O Conde D. Henrique só se dedicou verdadeiramente ao seu Condado a partir de 1108.


Até aí passou a maior parte do tempo na corte, em Toledo, e tomou parte na segunda
Cruzada à Palestina de onde regressou em 1105. As suas preocupações estavam mais
centradas na sucessão ao trono de Leão e Castela que no alargamento do território.
Algumas surtidas em território muçulmano não bastaram para ampliar o Condado. Em
maio de 1114 morreu e o governo do Condado Portucalense ficou entregue à viúva, D.
Teresa.

Figura 3-3: A «Reconquista» cristã nas suas principais


fases.

302. O Reino de Portugal


A coroa de Leão e Castela passou em 1124 para as mãos de D. Afonso Raimundes
(Afonso VII) filho de D. Urraca. No Condado Portucalense, governado por D. Teresa já
se fazia sentir algumas tendências independentistas.
Contra esta situação, Afonso VII em 1127 põe cerco ao castelo de Guimarães onde se
encontraram D. Afonso Henriques (seu primo), e muitos nobres conspiradores. No
entanto, o castelo estava bem provido de homens, armas e munições e poderia ter

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CAPÍTULO 3 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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resistido por muito tempo. Mas D. Afonso Henriques aproveitou a oportunidade para
desautorizar D. Teresa, estabeleceu negociações com D. Afonso VII e prometeu
considerar-se seu vassalo. Por fiador desta promessa ficou Egas Moniz. Afonso VII
retira-se com a sua hoste para Leão.

D. Teresa tinha baseado o seu governo do Condado Portucalense numa ação enérgica
mas sempre apoiada pelo Conde Fernão Peres de Trava que, ao tornar-se seu amante,
(ou marido segundo alguns autores), adquiriu poder militar e político demasiado
grandes no Condado. Surgiu o perigo de Portugal ser absorvido pela Galiza. Muitos
nobres portugueses começaram a conspirar apoiando o Infante D. Afonso Henriques.

Estavam estabelecidos dois partidos no Condado Portucalense. O da Nobreza


Portucalense e o partido da nobreza Galega. A 24 de julho de 1128, nos campos de S.
Mamede, deu-se uma batalha entre os partidos de D. Teresa e Fernão Peres de Trava
e os de D. Afonso Henriques. A vitória sorriu ao jovem Infante, D. Teresa e Fernão
Peres de Trava refugiam-se na Galiza. A morte de D. Teresa em 1130 fez Afonso
Henriques Conde de Portugal.

Os anos seguintes são uma luta constante pela independência do Condado. São
levadas a cabo algumas campanhas na Galiza mas não há ganhos para Portugal. Em
1137 é assinado o pacto de Tui pelo qual o Infante, mais uma vez, se reconhece
perpétuo vassalo de Afonso VII. Em 25 de julho de 1139 dá-se o recontro de Ourique e
no ano seguinte a Galiza é novamente invadida. Esta velha questão é resolvida em
Valdevez, em 25 de março de 1140, num torneio em que se defrontaram os melhores
cavaleiros de ambas as hostes. Em 5 de outubro de 1143 são assinadas as pazes de
Zamora.

Nesta cidade encontraram-se o imperador de Espanha e o rei de Portugal, que já usava


esse título, embora ilegitimamente, desde 1137, não por eleição regular à maneira goda
mas pelo consenso dos seus vassalos. Afonso Henriques renunciava à conquista da
Galiza enquanto Afonso VII reconhecia a independência do novo reino e da realeza do
seu primo. Este recebia o senhorio de Astorga em Leão, por vínculo feudal, e como tal
continuava vassalo do imperador.
Se, em Zamora, D. Afonso Henriques conseguiu um importante sucesso político, só em
23 de maio de 1179 o Papa Alexandre III reconheceu a independência de Portugal,

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CAPÍTULO 3 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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através da Bula “Manifestis est Probatum” terminando assim uma longa luta pelo
reconhecimento da autonomia.

Após o acordo de Zamora, Afonso Henriques ficou mais liberto para se ocupar da
expansão para sul. Os recursos humanos não eram abundantes e dificilmente se
poderiam manter duas frentes de combate. Em 1179, contudo, quando o Papa
reconhece a independência de Portugal, já as hostes portuguesas andavam muito a sul
do Tejo.

303. A Reconquista Portuguesa

Desde a sua formação, o Condado Portucalense manteve-se em estado de guerra


quase permanente, a Norte com os Leoneses, na luta pela independência, e a Sul com
os Muçulmanos, ora para defender as suas fronteiras, ora para desloca-las mais para
Sul. Para sobreviver, a sociedade portuguesa, nos primeiros tempos da monarquia
adquiriu um caráter essencialmente militar.

A reconquista vai desenvolver-se em linhas


sucessivas, de Norte para Sul. A primeira
dessas linhas a atingir era a linha do Tejo na
qual se encontravam dois pontos estratégicos
muito importantes: Lisboa e Santarém.

Santarém foi conquistada de surpresa em 1147


num audacioso golpe comandado pelo rei. A
conquista de Lisboa, que já fora tentada em
1141, sem sucesso, foi conseguida naquele
mesmo ano graças à ajuda de cruzados que
passavam por Portugal a caminho da palestina.
Nesse mesmo ano foram tomados os castelos
de Almada, Palmela e Sintra.

Figura 3-4: A «Reconquista»


cristã em Portugal

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CAPÍTULO 3 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A partir de 1147 as forças portuguesas lançaram-se à conquista do Alentejo e a luta da


Reconquista prossegue até ao reinado de Afonso III. Alcácer do Sal caiu finalmente em
24 de junho de 1158. Afonso Henriques chega no ano seguinte a Évora e Beja mas o
reino não tem efetivos para manter conquistas tão extensas.
O avanço para Sul impunha a guarda dos castelos o povoamento e colonização das
terras, as ordens religiosas militares foram instituições de inegável valor nestes aspetos.
Os efetivos eram no entanto poucos e, por vezes, foi necessário abandonar algumas
praças.

Em 1184 dá-se uma grande ofensiva dos mouros que, de 7 a 28 de junho, entraram no
território português e chegaram a Santarém que foi defendida com sucesso pelo Infante
D. Sancho. O reino de Portugal passava mais uma prova de força.

Com a ajuda de cruzados foram conquistados os castelos de Alvor (1189) e Silves


(1189). Estas conquistas foram perdidas perante a invasão de Al-Mansur (Almançor),
em 1190 e 1191, que chegou à linha do Tejo.

Já com D. Afonso II rei de Portugal, os Portugueses participam, ao lado de outros


exércitos cristãos, na batalha de Navas de Tolosa (16 de julho de 1212) e Alcácer do
Sal é reconquistada (18 de outubro de 1217).

D. Sancho II teve um papel muito importante na reconquista. A sua ação militar


desenvolveu-se com intensidade: Elvas (1226), Juromenha, Serpa, Moura, Aljustrel
(1235) Tavira (1242), por fim a foz do Guadiana, caem em poder dos portugueses.

Com D. Afonso III conquista-se todo o Algarve: Santa Maria de Faro (1249), Albufeira
(1250), Loulé, Aljezur e Silves são conquistados. Nunca mais este território foi perdido.
Agora trata-se apenas de ajustar a fronteira com Castela.

Todo este grande esforço só foi possível porque existia, por um lado, vontade férrea da
parte de alguns governantes e, por outro, porque a força militar que Portugal dispunha
era eficaz. Vamos então ver como eram as forças militares desta época.

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CAPÍTULO 3 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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304. A Arte Militar na Europa Medieval

Antes de estudarmos a organização militar portuguesa convém que tenhamos uma


ideia, mesmo que sumária, do que então se praticava nos principais países europeus
que, de uma forma ou de outra, sempre acabaram por nos influenciar.

A organização política característica da Europa medieval é o «feudalismo». Na França,


na Alemanha ou na Inglaterra o poder encontra-se dividido pelos príncipes, duques ou
condes. Esta fragmentação e dispersão do poder político colocam o rei na situação de,
em muitos aspetos da vida política e administrativa, ser apenas um senhor (proprietário)
entre outros senhores (proprietários). O” primus inter pares”.

Isto significa que o rei, no sistema feudal, não pode ditar leis gerais, receber impostos
sobre a totalidade do seu reino ou recrutar um exército que se possa chamar nacional.
A sua ação principal é administrar os seus territórios pessoais: prestar justiça, defender
os que nos seus domínios produzem riqueza, receber os foros (impostos) pagos com
produtos agrícolas ou dinheiro.

Distingue-se dos outros senhores (proprietários), porque a sua coroação foi abençoada
pelo Papa; é o árbitro nos conflitos entre nobres; é quem assume a defesa do Reino.
Neste último caso, e porque só pode recrutar forças nos seus próprios territórios,
necessita que lhe seja prestado o necessário auxílio militar. Este é-lhe prestado por
aqueles que receberam o feudo e aceitaram os laços da vassalagem.

O feudalismo é um sistema no
qual se desenvolvem laços de
dependência de homem para
homem, com uma classe de
guerreiros especializados a
ocuparem os escalões
superiores da hierarquia. O rei
distribuía terras aos guerreiros
e estes ficavam obrigados a
prestar serviço militar pelo facto
de terem recebido o benefício.
Figura 3-5: Cerimónia de
vassalagem.
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CAPÍTULO 3 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A força armada característica desta época é a cavalaria pesada. Dizemos pesada


porque os cavaleiros, e com frequência os cavalos, usavam uma forte proteção
individual e uma diversidade de armamento que lhes conferia elevado poder de choque.

O vassalo deveria dispor sempre de armas e


cavalo. Por vezes o cavalo ou até parte do
armamento pertence àquele a quem é prestada
vassalagem. O contrato vassalo impunha as
condições e os mais ricos, em certas situações
deviam apresentar-se com certo número de
cavaleiros ou até com todas as forças disponíveis,
armadas e equipadas à sua custa. Em algumas
situações o rei pagava, não necessariamente em
dinheiro, esta ajuda militar.
O cavaleiro protegia-se com um casco (capacete)
de ferro e uma loriga (túnica de malhas e escamas
de ferro), mais tarde, com uma armadura e um
escudo, cujas dimensões e forma variavam muito
com o tempo e o lugar. Dispunha de uma espada,
por vezes de um montante (espada longa que era
empunhada com ambas as mãos), uma acha de
armas (espécie de machado) ou maça (mais usada
pelas ordens militares) e uma lança, a principal
arma do cavaleiro.
Figura 3-5:
Cavaleiro equipado com loriga e armado
com montante (século XI a XIII)

Uma tão completa panóplia de armas e cavalo só podem ser adquiridos por gente de
posses, ou seja, pelos que possuem as terras, em regime ou não de feudo. A guerra só
pode ser então uma atividade aristocrática e os homens de armas, na mentalidade do
seu tempo, dispersavam qualquer combatente não cavaleiro.

Cada cavaleiro não se movimentava isoladamente. Ele fazia parte de uma equipa de
número variável a LANÇA, constituída por um escudeiro, que levava o escudo e
ajudava o cavaleiro a montar, um moço de armas que se ocupava do armamento e
outras tarefas menores e mais um ou dois elementos que tratavam dos cavalos e outras
tarefas.

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CAPÍTULO 3 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Se a força principal é o cavaleiro tal não significa que a infantaria (se é que tal se pode
chamar ao conjunto de combatentes apeados de então) não existisse. Não muito
numerosa, era empregue na defesa dos castelos e no campo de batalha, nas mais
diversas tarefas de apoio à força principal e na utilização do poder de fogo utilizando
com fracos resultados, o arco ou mesmo a funda.

Esta força apeada, da qual não fazia parte os nobres, utilizava um equipamento e
armamento cuja riqueza dependia do senhor que o seguiam. Neste caso podiam ter um
equipamento muito parecido ao dos cavaleiros, mas se tivessem que se armar e
equipar à sua própria custa, então poderia acontecer que não usassem sequer qualquer
proteção. Com o armamento sucedia o mesmo podendo então variar entre espada e o
simples pique toscamente fabricado.

A partir do séc. XI-XII, os peões utilizam duas armas que surgem com a evolução
técnica dos armamentos baseados nas trocas de conhecimentos durante as cruzadas,
nomeadamente as bestas, trazidas pelos cruzados e as alabardas.
A Besta rivalizava com o Arco, podendo executar fogo tenso a longas distâncias e era
muito eficaz contra as armaduras dos cavaleiros. No entanto o arco fazia tiro curvo,
ótimo para os cercos, tinha maior cadência e menor custo de produção, levando a que
no campo de batalha estivessem presentes as duas armas.
Em relação à Alabarda, foi concebida para que um homem a pé pudesse combater o
cavaleiro, derrubando-o do cavalo e, devido à pesada armadura que o protegia dos
fogos de besta, ser fácil ao peão pôr fora de combate o cavaleiro.

A tática da época era rudimentar e simples, colocando em profundidade as várias


peças:
- Cavalaria Pesada, na linha da frente, conferindo todo o poder de choque ao
dispositivo
- Escudeiros, imediatamente atrás da primeira linha de cavaleiros, para que
rapidamente pudessem socorrer e apoiar a ação do “seu” cavaleiro, com armas e
cavalos frescos.
- Numa terceira linha são colocados os elementos das milícias concelhias, como
os besteiros a cavalo, que podiam aparecer na primeira linha, e os arqueiros e
besteiros.
- Finalmente na ultima fileira, os peões.

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CAPÍTULO 3 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A ação era frontal e iniciado o combate das duas forças depressa se transformava num
conjunto de combates individuais (em que o combatente se afirma como herói) o que dá
confusão à batalha e dificulta a ação de comando.

Mais tarde, séc. XIII-XIV, as forças vão dispor-se de forma a criar um dispositivo que
conjugava os mesmos elementos anteriores, mas distribuídos num quadrado dividido
em vanguarda, alas e retaguarda, opostas a idêntica formação por parte do inimigo.

305. A Sociedade Portuguesa e as suas Obrigações Militares

Como é próprio desta época, a sociedade civil está fortemente hierarquizada vai, na
generalidade, ser respeitada na organização militar. Os cargos de chefia são, em regra,
um privilégio da nobreza. As obrigações militares variam muito de classe para classe
social e a riqueza de cada um determinava a forma de serviço militar a prestar.
O «Rei» era simultaneamente chefe da sociedade civil e chefe da sociedade militar.
Exercia as funções de júri e conduzia a guerra tomando parte ativa nas principais
operações militares. De entre os seus deveres contava-se o de alargar o reino, fazer a
“guerra justa”, negociar a paz e aplicar a justiça. A sua autoridade era limitada, muitas
vezes apenas tecnicamente, pela corte e pelo poder espiritual do Papa.

A «Nobreza», classe que fornecia os chefes militares, estava organizada segundo uma
hierarquia que assentava fundamentalmente no usufruto das terras. No topo apareciam
os «Ricos-Homens», importantes proprietários rurais, com grande autoridade sobre os
rurais, com grande autoridade sobre os habitantes das suas terras ou vilas, e eram em
quem o rei delegava, em regra, o governo militar e civil de grandes regiões. Viviam em
castelos implantados nas suas terras e dispunham de guarnições próprias e todos os
meios de guerra. Tinham capacidade para organizar o que na época significava a
extensão do seu território e meios humanos disponíveis.

Na escala hierárquica da nobreza seguiam-se os «Infanções» que mais tarde


passaram a ser chamados de fidalgos. Normalmente dependiam do rei e
desempenhavam cargos no palácio e nos castelos reais ou nos governos dos distritos
ou condados. Só raramente ocupavam grandes cargos públicos. Também podiam ser
proprietários mas não disponham de meios humanos e materiais para organizarem,
como os Ricos-Homens, uma força militar importante.

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CAPÍTULO 3 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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No final vinham os «Cavaleiros» e «Escudeiros», normalmente com poucos recursos,


vivendo na dependência dos ricos-homens ou do rei e servindo nas forças que aqueles
organizavam.

O serviço militar do nobre era, segundo a tradição peninsular, remunerado com


uma «soldada» ou «contia» de acordo com o número de lanças com que o
vassalo devia servir. Mas o monarca recorria a cada passo a outras formas de
recompensa como as tenências e alcaidarias, as concessões de terras e jurisdição e a
libertação de determinadas obrigações fiscais.
O filho de um nobre era educado desde muito novo para ser cavaleiro. Aos sete anos ia
para a corte do Rei ou para o castelo de um rico-homem servir como pajem e receber
os rudimentos da educação cavalheiresca. Aos catorze passava a escudeiro, cuja
missão principal era de cuidar das armas e cavalos do seu senhor. Acompanhava-o
sempre nas expedições guerreiras, caçadas, deslocações à corte ou outros lugares. Só
após ter dado provas de mérito, normalmente evidenciando-se em algum feito de valor
era armado cavaleiro em cerimónia própria, o que constituía uma das festas medievais
mais pomposas.
Quase paralelo com a nobreza situava-se o «clero», em especial os bispos, sacerdotes
e diáconos que, por provirem das classes mais elevadas, aliavam a sua autoridade de
caráter sacerdotal e religiosa a que resultava da sua condição de nobre. Mais nesta
condição de nobres do que na de homens da Igreja contribuíam por vezes com algumas
forças, para a defesa ou alargamento do reino.

As ordens militares, embora essencialmente religiosas, dispunham de uma rígida


organização militar que lhes permitia combater com eficiência. Foram uma força de
imensurável valor na luta contra os muçulmanos.

Para além do clero e da nobreza, havia ainda um outro


conjunto social, normalmente designado por «povo», que
abrangia os moradores dos aglomerados urbanos, a
população rural e os homens de ofício e mestres. Este
conjunto social englobava diversas categorias.

Os «cavaleiros-vilãos» constituíam a camada popular de


maior categoria, ocupando um grau de transição entre a Figura 3-6:
Cavaleiro vilão (século XI a
XIII)

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CAPÍTULO 3 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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plebe e a nobreza. Proprietários detentores de bens por vezes consideráveis foram, a


partir de 1166, no reinado de D. Afonso Henriques, obrigados a servir a cavalo na hoste
real ou, mais raramente nas mesnadas dos ricos-homens. Deviam também dispor da
armadura.

Esta condição do cavaleiro-vilão tornou-se obrigatória porque, apesar de várias regalias


que os reis lhes concediam (isenção de alguns impostos e da obrigação de dar
aposento a fidalgos ou funcionários administrativos, etc.) nem todos estavam
interessados em tal condição. Por algum tempo os incentivos foram aumentados até se
impor a obrigatoriedade em 1166. Tal facto demonstra a importância que o cavaleiro
tinha nas forças militares e a escassez de efetivos que então se fazia sentir. Os
cavaleiros vilões, como qualquer cavaleiro, dispunham de lança, espada, escudo e
armadura.

Os «Peões» (artífices, mestres ou mesmo pequenos proprietários rurais) eram a parte


da classe popular que não dispunha de recursos para manter cavalos, sendo por isso
obrigados a servir como gente de pé. Os peões eram armados de lança ou pique e
alguns de espada, arco ou besta.
Abaixo dos peões, mas ainda como homens livres, existiam os «Malados» ou
«Colonos», (os que trabalhavam por conta alheia), que tinham pouco ou mesmo
nenhum valor militar.

306. A Organização Militar e o Armamento


Quando o rei reunia as forças para participarem em operações de maior envergadura,
enviava as cartas necessárias aos grandes senhores, aos mestrados das ordens
militares e municípios, para que apresentassem as suas forças, prontas para combater,
no «arraial de guerra» para, juntamente com as tropas do Infante e as tropas privativas
do rei, se formar a «hoste régia».

As «tropas privativas do rei» eram constituídas pela «Guarda de Câmara»


comandada por um Guarda-Mor e pela Escolta Real. A Guarda da Câmara compunha-
se de 24 cavaleiros (este número por vezes sofreu alterações) que acompanhavam o rei
dia e noite e o assistiam no Paço; a «Escolta Real», a cavalo, tinha um efetivo muito
variável e também acompanhava o rei em campanha ou quando saia do Paço. Estas
tropas eram pagas pelo rei.

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CAPÍTULO 3 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O Infante (futuro rei), os nobres e as ordens militares apresentavam as suas forças


agrupadas em «mesnadas». Estas unidades orgânicas da hoste tinham efetivos muito
variáveis. Casa mesnada era formada por várias unidades elementares, as «lanças»,
também de efetivos variáveis.

Normalmente a lança era composta por: Cavaleiro – armado de lança, espada,


escudo e armadura completa montando um cavalo devidamente protegido por vezes
com malha de ferro; Escudeiro – com lança, espada, escudo e uma armadura mais
ligeira; Peão – armado de pique, arco ou besta e, eventualmente espada; por fim o
Pajem – com funções de não-combatente. O número de escudeiros ou peões era
variável. Os cavaleiros usavam ainda com frequência a acha de armas e a maça.

Após a conquista dum território o rei guardava para si a parte essencial: as cidades e
outros grandes povoados que começaram a ser organizados em municípios, em
especial no reinado de D. Sancho I. A sua instituição (dos municípios) assentava num
foral que regulava a administração, as relações sociais e os direitos e encargos dos
moradores. Nestes encargos estavam incluídas também as obrigações militares.

A «carta de foral» estipulava qual a força


militar que o município devia colocar à
disposição do rei nas diferentes situações
de guerra.

Figura 3 – 7:
Besteiros Medievais.

Nestas «tropas municipais», de pé ou a cavalo,


tinham principal valor os cavaleiros vilões e eram
uma força valiosa que o rei podia dispor nas
condições expressas no
foral. Ao serem estabelecidas as condições em
que esta força militar era exigida, atendia a
situação particular de cada povoação tendo em
conta os seus recursos e população que variava
muito de povoação para povoação. Figura 3 – 8:
Cavaleiro de século XII e início do
século XIII.
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CAPÍTULO 3 – 13
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Desde o reinado de D. Afonso Henriques até ao reinado de D. Afonso III, as tropas a pé


eram, quase na totalidade, constituídas por lanceiros que usavam também escudos.
Outros peões armavam-se apenas de fundas, manguais, punhais, etc.

Neste conjunto de forças com origens tão diversas existia uma hierarquia que só em
parte funcionava por postos.

Isto significa que, para algumas funções, as pessoas eram nomeadas apenas quando
necessário por serem as mais indicadas para essas funções (pela sua experiência e
também pela sua posição social) não por terem uma patente que lhes garantisse um
lugar na hierarquia. Esta era, portanto, para as funções mais elevadas, uma hierarquia
de cargos.

O comandante máximo das forças era o


próprio Rei que, em alguns casos, participava
nas operações militares mais importantes. O
nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, foi
um exemplo de chefe militar que, com
frequência, era visto à frente da sua hoste.

Quando o rei estava presente comparecia


também o Alferes-Mor. Este era a primeira
dignidade depois do rei. Transmitia as
ordens do Rei aos elementos da hoste sobre
a qual exercia o comando do direito e levava
na batalha a bandeira real. O Alferes-Mor
era secundado pelos Alferes do Infante,
das ordens militares e das mesnadas dos

Figura 3 – 9: ricos-homens que desfraldavam os


Almocadéns e Almogávares séc. XII. respetivos pendões.

O «Adail» era um “posto” importante também com origem árabe. Entre estes, o Adail
era quem comandava ou conduzia superiormente as tropas; significava chefe, guia, era
portanto um homem considerado pelas suas qualidades de honra e valor, pelos seus
conhecimentos e posição social. Aparece também descrito como guias ou cabeças da
gente do campo, que entravam a correr terras de inimigos. Na organização militar

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CAPÍTULO 3 – 14
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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portuguesa o adail foi inicialmente «um simples guia de tropas, ou chefe da peoada ou
da gente de cavalo» (ver pág. 124 do vol. III da História do Exercito Português de
Cristóvão Aires). Quando a hoste se dividia em vanguarda, alas, retaguarda, ou
qualquer outra formação, cada um destes elementos era comandado por um adail cuja
escolha obedecia aos critérios já descritos.

Nos documentos antigos há ainda muitas referências a outros postos mais baixos da
hoste como é o caso dos «almocadéns», oficiais que comandavam grupos de homens
a pé, com a atribuição de auxiliarem os «almogávares», que eram grupos de homens
em guarda avançada para baterem o terreno.

Estes elementos provocavam o inimigo, levando-os a emboscadas e procuravam


capturar inimigos para os interrogar afim de obter informações. Por último, estes grupos
de homens, provocavam o caos e o pânico, atacando as populações de surpresa.
Ambos têm por base expressões árabes, o que demonstra a forte influência que o
exército muçulmano teve na nossa organização militar.

307. As Operações Militares


No período que estamos a tratar, o da Reconquista, as operações desenvolviam-se, em
regra, a partir da primavera e terminavam antes da chegada do inverno. Naquela época,
dificilmente uma força militar conseguiria sobreviver em campanha na estação mais fria.
Os combatentes viviam do que transportavam consigo, o que era necessariamente
pouco, e do que colhiam no terreno o que no inverno era tanto mais difícil quanto maior
o efetivo a alimentar.

2.

1. 3.
Figura 3 – 10: Armamento da Idade Média

1. Maça de armas
2. Acha
3. Chicote de armas (Mangoal)
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CAPÍTULO 3 – 15
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Ao longo de todo o ano geravam-se, no entanto, recontros de fronteira provocados


pelas incursões dos cristãos em territórios dos muçulmanos e destes em territórios dos
cristãos. Por vezes este tipo de conflito desenvolvia-se também na fronteira com outros
reinos cristãos. Algumas destas operações militares são mencionadas em documentos
da época.

São conhecidas assim a «azaria», operações de segurança local destinada a proteger


os que, nas povoações mais próximas da fronteira, iam pelos montes ou soutos
apanhar lenha, frutos ou caçar. Por vezes, verificavam-se lutas sangrentas com as
forças muçulmanas que pretendiam surpreender os que andavam naquelas atividades.
O nome da operação deriva da palavra «azza» que significava «machado».
Em alguns forais como os de Soure (1111), Seia (1136) e Tomar 1162), são feitas
referências a estas operações que os habitantes faziam por sua conta e risco.

Tal como os muçulmanos faziam incursões no território dos cristãos, também estes
executavam operações idênticas em território muçulmano. Eram organizadas forças
pouco numerosas de homens a cavalo que entravam em território muçulmano com a
finalidade de destruir e fazer presas, especialmente cavalos. O primeiro cavalo tirado ao
inimigo era para quem o apanhasse e dos restantes tirava-se um quinto para o rei ou
para o senhor da terra. A este tipo de operações chamava-se «algara» ou «algarada»,
nome que atestam a forte influência muçulmana, neste caso também na forma de atuar.

Uma outra operação a «razia», servia para efetuar incursões no território inimigo como
se de uma algarada se tratasse mas com maior número de efetivos e meios,
pretendendo obter o máximo de espólio, sem intenção de conquistar território.

Os documentos da época referem ainda, com frequência, a «cavalgada» ou


«cavalgata». Esta seria uma operação idêntica à algara mas o seu principal objetivo
seria mais o de obter informações, fazer demonstrações de força e, se então se
proporcionasse, seriam feitas presas.

Destas incursões a território inimigo, realizava-se em regra no mês de maio, uma de


maior envergadura, o «fossado», em que tomava parte cavaleiros, escudeiros e peões,
era dirigida por grandes senhores e frequentemente pelo próprio rei. Foi o caso do
fossado dirigido por D. Afonso Henriques, no decorrer do qual se deu a batalha de
Ourique, em 1139.

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CAPÍTULO 3 – 16
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A esta operação estava obrigada também a população vilã, cuja prestação lhe era
exigida segundo as disposições estabelecidas pelo foral ou pelo costume da terra.
Assim, estariam obrigados a partir na operação um ou dois terços dos cavaleiros-vilões
ficando os restantes na povoação para a defenderem se necessário. Os que eram
dispensados de ir ao fossado, qualquer que fosse a causa pagavam um tributo
chamado «fossadeira» que se destinava às despesas dos fossados.

O fossado era, então, uma incursão em território inimigo com a finalidade de assolar
povoações, desbaratar forças inimigas, fazer prisioneiros, apoderar-se de gado, alfaias
e, se possível, o recheio dos celeiros. Esta devastação era a forma usual de, pouco a
pouco, ir subtraindo os recursos ao inimigo a fim de o debilitar seguindo-se a conquista
efetiva do território.

O fossado durava vários dias e havia necessidade de se estabelecerem arraiais ao


longo do percurso. Aí eram organizadas forças que saíam em cavalgadas a fim de se
informarem sobre a posição do inimigo.

Para prever as incursões muçulmanas no nosso território, tomava-se as medidas


defensivas adequadas. As povoações próximas da fronteira colocavam durante o dia
«atalaias» nos pontos elevados ou nos castelos e de noite «escutas» que avisavam da
aproximação do inimigo com fachos de fumo de dia e fogueiras de noite.

Se o inimigo aparecia tocava-se a rebate e todo o povo era chamado a colaborar na


defesa. Esta convocação repentina a que ninguém podia faltar chamava-se «apelido» e
aplicavam-se pesadas penas a quem faltasse sem justificação.

Com a finalidade de manter o grau de prontidão das tropas, e até das populações, era
executado com frequência um exercício chamado «sacaria». Simulava-se a
aproximação do inimigo, dava-se o alerta e testava-se a rapidez com que todos
ocorriam à chamada e se sabiam quais as suas obrigações. Normalmente este
exercício realizava-se de noite.

As grandes batalhas eram raras. Elas davam-se quando tropas mais numerosas se
confrontavam em campo aberto ou num cerco. No primeiro caso utilizava-se um
dispositivo constituído por quatro frações distintas: a «vanguarda» ou «dianteira», à
frente, as «alas» ou «costaneiras» de um e outro lado da vanguarda e a «retaguarda»

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CAPÍTULO 3 – 17
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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mais atrás, pronta a intervir onde e quando necessário. Este dispositivo de combater era
utilizado nas batalhas decisivas, em campo aberto, em que se dava o choque violento
dos dois exércitos.
RETAGUARDA

ALA ALA

VANGUARDA

Figura 3 – 12: Esquema de batalha em campo

As mesnadas das ordens militares eram as únicas que atuavam disciplinarmente, em


formações cerradas, dando maior importância à ação de conjunto. Os restantes
cavaleiro, com a mentalidade da época, privilegiavam o combate individual. O confronto
desenvolvia-se assim numa série de pequenos combates corpo a corpo.
A peonagem, mal-armada e mal protegida, ocupava o centro ou as alas da linha de
batalha e iniciava normalmente o combate com escaramuças. Após a cavalaria ter
iniciado o combate, o peão limitava-se quase exclusivamente à proteção do cavaleiro
amigo que fosse derrubado ou acabar com o cavaleiro adversário caído.

A tomada dos castelos ou


povoações fortificadas fazia-se
por «assédios regulares» ou por
«assaltos de surpresa». O
primeiro era demorado e consistia
em cercar as muralhas, isolar o
castelo do exterior, montar as
máquinas de guerra necessárias
(herdadas dos romanos), abrir
minas até aos caboucos dos
Figura 3 – 11: Assédio medieval com
muros para provocar o aluimento máquinas.
da muralha e abrir uma passagem
por onde os sitiantes penetravam a fortificação. No segundo caso, no assalto de
surpresa, os atacantes serviam-se normalmente de escadas que encostavam as
muralhas e permitiam que um grupo de combatentes entrasse na fortificação antes de
se desenvolver qualquer ação defensiva eficaz e dominassem uma das entradas.

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CAPÍTULO 3 – 18
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 4 HISTÓRIA MILITAR MEDIEVAL SÉC. XIV

401. Introdução

Terminada a reconquista em que a principal preocupação dos nossos governantes foi,


em regra, a expansão territorial para Sul e a manutenção da independência face a
Castela, tem início um período em que a implantação de instituições que assegurem o
desenvolvimento nacional e o seu normal funcionamento passam a ser as principais
preocupações dos reis portugueses que não deixaram, contudo, de estar alerta perante
o nosso poderoso vizinho e por isso não descuraram os mecanismos de defesa do
reino. É o período de afirmação de Portugal como potência militar e naval.

A intervenção do rei D. Fernando na sucessão do trono de Castela veio lançar um


conjunto de fatores políticos e militares desfavoráveis numa crise social que se
avolumava e atingiu a sua fase mais visível e mais perigosa em 1383, culminando na
batalha de Aljubarrota em 14 de agosto de 1385. Daí em diante, o evoluir dos
acontecimentos foi favorável a Portugal, mas só em 1411 é assinada a paz com
Castela.

Todos estes acontecimentos foram consequência, de importantes alterações na


estrutura social e cultural do País. Estas alterações criaram as condições que
permitiram uma nova expansão, agora para além do mar.

402. As reformas militares de D. Dinis

D. Afonso III, terminou a conquista dos territórios que deram a Portugal a sua
configuração atual. Excetuava-se a fronteira leste que só veio a ser definida pelo tratado
de Alcanizes em 1297 e que sofreu ainda algumas alterações em conflitos mais
recentes, Guerra das Laranjas em 1801.

Ao subir ao trono em 1279, D. Dinis encontrou um reino em pleno desenvolvimento e


territorialmente definido. As tarefas que se impunham eram agora políticas e
administrativas. As medidas de apoio à agricultura e à indústria, as medidas tomadas
com vista a diminuir a grande delinquência que se verificava então no reino, a criação
dos Estudos Gerais mais tarde universidade, o emprego do português nos diplomas
notariais e escritos públicos e outras ações fizeram de seu reinado uma época notável
nos campos político e administrativo. Dedicou também especial atenção à defesa do
reino, promovendo a organização militar do País e aumentando o seu poderio militar.

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CAPÍTULO 4 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Não teve, no entanto, um reinado pacífico. Este foi marcado por uma guerra civil com
seu irmão D. Afonso, pelas lutas com Castela, 1295 e 1296, e pelas lutas que desde
1314 e até à sua morte travou com seu filho, o futuro rei D. Afonso IV.

No campo militar, como principais medidas, nacionalizou a Ordem Militar de Santiago,


de origem leonesa, conseguiu que todo o espólio da Ordem dos Templários, abolida
pelo Papa Clemente V em 1312, fosse utilizado na criação, em 1319, da Ordem Militar
de Cristo, mandou construir e restaurar muitos castelos e criou a importante força
municipal que foram os «Besteiros do Conto».

Mandou traduzir o «Libro de las Siete Partidas» de seu avô Afonso X de Castela. A
«segunda partida», ou segundo capítulo, trata da organização da milícia real que serviu
de base à criação dos “besteiros do conto”. Foram então criados nos principais burgos
do reino pequenos corpos militares com os seus comandos permanentes. Eram
chamados «besteiros» por combaterem com besta e «do conto» por deverem ser
fornecidos em número certo previamente fixado para cada concelho.

Segundo os forais, apenas os pequenos lavradores ou proprietários eram recrutados


para a milícia concelhia, mas com esta nova organização, passavam também a servir,
agora como besteiros, os homens de ofício ou mester cujo número devia ter aumentado
em todo o reino com o progresso das indústrias locais. Alargava-se assim a fonte de
recrutamento nos concelhos.

Figura 4 – 5: Infantes do século XIII


armando e disparando a besta.

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CAPÍTULO 4 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Quanto mais generalizado se torna o uso da besta maior era a importância dada à
personagem nos combates. A cavalaria pesada não perdia de forma alguma a sua
importância, mas podemos desde então assistir à crescente importância da infantaria e
do seu poder de fogo. Os besteiros tornaram-se um elemento tático de tal forma valioso
que se viram equiparados à cavalaria vilã em muitos privilégios.

Pretendia-se também, desta forma, motivar os habitantes dos concelhos a despender


uma maior quantia com um armamento e equipamento bem mais caros e ao incómodo
de terem de prestar variados serviços mesmo em tempo de paz.

Nestes combatentes estavam incluídas diferentes categorias de besteiros conforme o


tipo de besta utilizado. Havia então, entre outros, os besteiros de garrucha que
normalmente serviam a cavalo e que podiam usar armadura ou arnês (arnesados) ou
não (singelos), os besteiros de polé que serviam apeados e os besteiros do monte
que tinham, por missão o patrulhamento em pequenos grupos ou até a caça para o
reabastecimento de tropas.

A força que o rei então dispunha para a defesa do reino era constituída pelas lanças
dos nobres e das ordens militares, pelos cavaleiros vilãos, pelos besteiros do conto e
por outras personagens de pouco valor militar.

Foram também, regulamentadas por D. Dinis as funções do Adail, cargo que já vinha
do antecedente como comandante de um troço de cavalaria vilã, e foram ainda criados
os novos postos do Anadel, Anadel-Mor, Coudel e Coudel-Mor que correspondem ao
comando territorial da milícia dos concelhos.

O «Anadel» era capitão dos besteiros do conto e cumpria-lhe zelar para que nos seus
distritos (anadarias) a corporação estivesse sempre completa, bem armada, municiada
e treinada. O «Anadel-Mor» era o superintendente do alistamento e organização dos
besteiros do conto em todo o reino.

O «Coudel» tinha por missão zelar pela boa organização dos acontiados dos concelhos
(os que possuíam contia e por isso eram obrigados a servir a cavalo) nos seus distritos
(coudelarias). Era o caso dos cavaleiros-vilãos ou besteiros a cavalo nas tropas
municipais. O «Coudel-Mor» fiscalizava o serviço dos coudéis e todo o reino e mais
tarde passou também a ter a responsabilidade de supervisão da criação das melhores
raças cavalares.
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CAPÍTULO 4 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Os cargos que vinham do antecedente, Alferes-Mor, Fronteiro, Fronteiro-Mor,


Alcaide, Alcaide-Mor, Almocadém, que tinham o comando das milícias em campanha,
etc., mantinham-se na ainda rudimentar instituição militar.
A função do Fronteiro era a de dirigir a gente armada de uma comarca fronteiriça,
enquanto o Alcaide era um magistrado de origem nobre, incumbido pelo rei para
desempenhar funções de comando militar numa cidade.

Através da segunda partida (capítulo) do código do Afonso X do Castela, que ficou


conhecido entre nós pelo nome de «Regimento de Guerra», podemos saber o que
nessa época se praticava no que dizia respeito a disciplina, ordens de marcha,
estacionamentos, combates, etc., e que afinal não era mais do que já se praticava no
reino, pelo menos na fase final do período da reconquista.

As tropas municipais organizadas e treinadas pelos anadéis e coudéis eram


comandadas em campanha pelos adaís e almocadéns. A unidade tática continuava a
ser a lança constituída por um cavaleiro, um ou dois besteiros, um escudeiro e um
pajem. O conjunto de 150 lanças (500 a 700 homens) formava uma «Companhia» com
o seu pendão.

A forma como se combatia mantinha-se idêntica, quer em campo aberto quer na defesa
e cerco de castelos. O uso generalizado da besta conferiu à hoste um maior poder de
fogo, mas continuava a ser pelo choque que se decidia a batalha.

O armamento sofreu alguma evolução. A besta, como já vimos, tornou-se uma arma
muito utilizada por cavaleiros e peões. A cavalaria cobria-se de ferro mas as suas
armas ofensivas eram ainda a lança, a espada, o montante, a maça, a acha de armas e
o punhal. O progresso na arte de trabalhar o ferro permitiu a introdução das armaduras
completas (arneses). A proteção dos cavalos tornou-se tão requintada como os arneses
dos cavaleiros. O escudo tornou-se mais leve e mais pequeno.

As ordens monásticas de cavalaria que eram consideradas instituições militares,


quando acabaram as campanhas da reconquista perderam o seu caráter fundamental e
tornaram-se instituições de apoio político e militar da realeza. Em breve os mestres das
ordens seriam nomeados entre a nobreza e por fim entre os próprios membros da
família real e a sua escolha obedecia quase exclusivamente a critérios de natureza
política.

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CAPÍTULO 4 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Foi ainda o rei D. Dinis que mandou vir de Génova o Almirante Manuel Pessanha (ou
Passanha) a quem confiou a organização e comando da nova marinha de guerra
portuguesa.

403. Evolução da Arte Militar na Europa

A Europa do final da idade Média, em especial do século XIV, é caracterizada por fortes
conflitos sociais. “Num quadro povoado de medo, de agravamento das condições de
existência, de lutas pela tomada de poder, de revoltas e querelas, de guerras e sorte, de
más colheitas, de pestes, desenvolve-se a vida deste século que marca o princípio do
fim da Idade Média e a agonia do Feudalismo. A Península Ibérica, como parte
integrante da Europa, não foge a esta realidade, de guerra entre reinas ibéricos,
conflitos entre a nobreza, burguesia e massas populares. “ (ARTUR MANUEL CEIA, em
O Feudalismo da Guerra do Ultimo Quartel do Século XIV em Portugal: tipologia e
caracterização, Revista Militar, 1985, pagina 785)

Nesta época as batalhas não são muito frequentes. Para que ela ocorra é necessário
que ambos os contendores estejam de acordo a travá-la o que nem sempre sucedia
porque, em geral, nenhuma das partes queria arriscar num só combate a sorte da
guerra. Os confrontos desenvolviam-se em atos de destruição e pilhagem através das
«cavalgadas» ou «cavalgatas» e depois estas forças recolhiam aos seus castelos.
Trata-se de numa guerra assente numa forte proteção coletiva, portanto essencialmente
defensiva, em que se procurava desgastar o inimigo.

No século XIV surge uma grande preocupação com a proteção coletiva. Alargam-se os
perímetros amuralhados das povoações, reparam-se e reforçam-se os castelos, os
palácios são casas fortificadas e até as igrejas se transformam em redutos defensivos.

Quando um território é invadido, o invasor tem de ultrapassar inúmeras barreiras e


ignorar esses redutos seria um erro porque passavam a constituir uma ameaça na
retaguarda. Quando, porém, conseguiam conquistá-los, podiam utilizá-los como pontos
de apoio para as suas operações.

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CAPÍTULO 4 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O cavaleiro continuava a ser a figura fulcral no campo de batalha e, portanto, a nobreza


era a principal fonte de recrutamento. Este século
vive, no entanto, um crescente centralismo do
poder o que obriga o soberano a despender cada
vez mais meios financeiros com um exército cada
vez mais sofisticado que exige a contratação de
profissionais. Na Guerra dos Cem Anos, a maior
parte dos exércitos ingleses em França eram
contratados. Ainda não se chegou, contudo, ao
tempo dos exércitos permanentes.
Tais exércitos são caros e esse facto provoca
uma procura de soluções inovadoras para o
campo de batalha. Os Ingleses passaram a
utilizar o «arco longo ou arco galês». Em Crécy
(1346) e em Poitiers (1356) contra a cavalaria
pesada dos Franceses utilizaram forças apeadas
armadas de lanças para os parar e de arcos
Figura 4 – 1:
longos para os flagelar com o seu poder de fogo. Cavaleiros do século XIV.
A cavalaria (em reserva) só deveria intervir para
repor
a frente ou atacar um inimigo já desorganizado.

As formações compactas da cavalaria


pesadamente protegida e armada
encontraram pela frente uma nova tática
que conjugava o combate do cavaleiro,
por vezes desmontado, com os
combatentes de pé, ligeiramente
protegidos, hábeis utilizadores do pique,
da lança ou da alabarda, O apogeu desta
nova forma de combater é atingido na
batalha de Sempach (em 9 de julho de
1386) quando as cerradas falanges suíças
(à maneira romana) impuseram uma
derrota espetacular à pesada cavalaria

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CAPÍTULO 4 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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austríaca.

Para o conseguirem, os infantes suíços utilizavam os piques para parar a cavalaria


inimiga, os arcos e as bestas para a flagelar e as alabardas para desmontar os
cavaleiros.

Figura 4 – 2: 1 2 3

Esquema teórico de
uma batalha na Idade
Media.

1 – Cavaleiro;
elemento de choque
em reserva.

2 – Besteiro; elemento
de fogo.

3 – Piqueiros;
elementos de choque
primeiro escalão.

Acontecimento igualmente da máxima importância foi o aparecimento da artilharia piro


balística. Até aqui dominava a artilharia neurobalística, idêntica à que fora
desenvolvida pelos Romanos e esta era de tal forma eficaz, em comparação com os
novos meios, que subsistiu em algumas campanhas até meados do século XV.

As novas armas, de bronze ou ferro, só se desenvolveram porque nesta época há um


grande desenvolvimento da metalurgia em geral e, especialmente na arte dos
fabricantes de sinos. As primeiras peças de artilharia apareceram em Metz em 1324, em
Florença em 1326 e em Inglaterra em 1327, embora fossem ainda difíceis de manejar e
pouco eficazes.

Figura 4 – 3:
Intervenção dos cavaleiros em função
da evolução do combate.
a. Contra-ataque no caso em que o
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b. Ação sobre um inimigo que foi
inimigo rompeu as formações da contido pela gente de pé.
gente de pé CAPÍTULO 4 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Este aumento do poder de fogo, acompanhado do emprego cada vez maior de piques e
outras armas de haste, provocou algumas mudanças na proteção do cavaleiro. Surgiu a
armadura de placas e um reforço da cota de malha o que aumentou o peso da proteção
e, por isso, diminuiu a mobilidade. O armamento manteve-se idêntico ao anterior, mas
de melhor fabrico.
O combatente a pé, por sua vez,
protegia-se com uma cota de couro ou
de tecido acolchoado, utilizava uma
espada curta, uma lança ou «chuço»,
uma acha de armas, uma funda ou o
arco, e mais tarde a besta ou arco longo
e a alabarda.
Figura 4 – 4: Tron ou Bombarda do século
XIV ou XV

404. Reformas militares de D. Fernando

Entre os reinados de D. Dinis e D. Fernando, embora se tivessem realizado importantes


ações militares em guerras civis, em guerras contra Castela ou ao lado de Castela
contra os muçulmanos (Batalha do Salado em 30 de outubro de 1340), quase não se
registaram alterações na organização militar. Foi D. Fernando quem, no decorrer das
desastrosas campanhas contra Castela, introduziu importantes reformas militares.
Ainda antes das campanhas contra Castela mandou o rei fazer um levantamento da
situação das «gentes d’armas». A fim de completar os efetivos necessários nomeou
pessoas tidas como competentes para os lugares de chefia, em especial os alcaides,
deu início à reparação de fortificações, estradas, pontes e outras obras e mandou fazer
uma criteriosa distribuição de armas, munições e mantimentos por todos os castelos e
lugares fortes, em especial perto da fronteira.

Apesar dos cuidados postos nos preparativos, as campanhas foram mal conduzidas e
por fim resultaram desastrosas para Portugal. A campanha terminou em 1373 e, nesse
mesmo ano, D. Fernando pensou na defesa de Lisboa, projetando a construção de uma
nova muralha envolvente que tornasse a cidade inexpugnável. Esta «cerca
fernandina», de que pouco já resta, teve sete mil passos de perímetro, quarenta e seis
portas e setenta e sete torres.

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CAPÍTULO 4 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Figura 4 – 5: Cerca Fernandina de Lisboa.


Vermelho: cerca Moura, Verde: cerca Fernandina

O rei D. Fernando mandou ainda, em 1376, concluir as muralhas da cidade do Porto,


começadas no tempo de D. Afonso IV, e fortificar as cidades de Évora, Coimbra e
Braga. As muralhas de outras localidades como Óbidos e Torres Vedras foram
reconstruídas.
Em 1373 mandou expedir para todas as comarcas as chamadas «Ordens Gerais» com
vista a regular a prestação do serviço militar pelas classes privilegiadas, o
recenseamento da cavalaria vilã e a revista anual, o «Grande Alardo», geralmente
realizada em maio. Ficaram estabelecidas as obrigações e os direitos de todos, pobres
e ricos, que deviam prestar o serviço militar. Estas medidas tornaram, o recrutamento
um ato nacional abrangendo toda a população masculina do país e criando um
verdadeiro serviço militar obrigatório.

É após a introdução destas reformas militares, que se inseriam numa notável política de
administração e fomento do reino, e da qual se deve realçar a famosa lei das Sesmarias
promulgada em 1375, que se inicia a terceira campanha contra Castela. Vêm os
castelhanos pôr cerco a Lisboa e é nesta altura que chegam a esta cidade 48 navios
ingleses que transportavam cerca de 3000 homens de armas, comandados pelo Conde
de Cambridge em auxílio de D. Fenando I.

Foi sob esta influência inglesa que D. Fernando introduziu algumas alterações nos
postos do exército. O Alferes-Mor voltava às suas anteriores funções de Porta-bandeira
e as suas funções de comando eram entregues ao «Condestável» que passava a ser,
depois do rei, o cargo mais elevado e de maior honra na hoste. Cumpria-lhe dirigir todas
as operações militares, recebia as ordens do rei e transmitia-as ao «Marechal». Este
coadjuvava o Condestável em todas as tarefas executando e fazendo executar as
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CAPÍTULO 4 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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ordens recebidas. Era ainda o Condestável que fazia aplicar a justiça militar indo a sua
competência até à pena de morte.
Foi introduzido por D. Fernando o cargo de «Capitão», que era um vassalo régio que
enquadrava os homens de armas que se apresentavam individualmente na mesnada.
Além destes três cargos foi também criado o de «Aposentador-Mor» responsável pelos
estacionamentos. Partia à frente das tropas, normalmente com um dia de avanço, para
tratar dos alojamentos necessários com os procuradores dos concelhos e câmaras das
vilas. O Rei e pelo menos o Condestável e o Marechal tinham um aposentador privativo.
Mantinham-se todos os restantes postos na hoste tal como já existiam nos reinados
anteriores.

405. Guerras Fernandinas

D. Pedro I de Portugal reinou durante dez anos (1357-1367)


de paz contínua. Este rei deixou ao seu herdeiro, D.
Fernando, um reino abastado e organizado nas áreas da
justiça e divisão de poderes entre o rei e o clero com a
adoção do “Beneplácito Régio”, e a nobreza submetida ao
monarca e com os seus direitos bem definidos e regulados.
D. Pedro durante a década em que reinou, beneficiou de
alguma estabilidade, não havendo guerras internas nem
externas que prejudicassem a sua ação.
Figura 4 – 6: D. Fernando I
o “Formoso”

D.Pedro I

D. Branca D. Cª Manuel D. Inês de Castro D. Tereza Lourenço

D. Luís D. Maria D. Fernando

D. Beatriz D. João D. Dinis

D. João Mestre Avis

Esquema 4 – 1: Genealogia da crise de 1383 –


1385
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CAPÍTULO 4 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Esta relativa estabilidade que vinha desde o reinado de Afonso IV, permitiu o progresso
e desenvolvimento económico do país, apesar da perturbação causada pela peste que
assolava a Europa.

Em 1367, D. Fernando é aclamado como rei, numa altura em que Castela se


encontrava mergulhada numa guerra civil, opondo Henrique de Trastâmara (Henrique II
de Castela), filho bastardo de Afonso XI de Castela e o seu meio irmão Pedro I legitimo
herdeiro à coroa, mas que foi assassinado por Henrique que usurpou o trono.

Afonso X D. Violante

Afonso III + D. Beatriz Sancho IV + Maria de Molina

D.Dinis + D.Isabel

Afonso IV + D. Beatriz D. Constança + D. Fernado IV

D. Pedro + D. Constança D. Maria D. Maria + Afonso XI

D. Pedro I
D. Fernando + Leonor Teles
Henrique I
D. Beatriz + D. Juan I

D. Juan I + D. Beatriz

Esquema 4 – 2: Genealogia da crise de 1383 –


1385

D. Fernando era bisneto de Sancho IV de Castela, por via legítima, e como tal arrogou-
se ao direito de tomar o trono a Trastâmara, sendo instigado e apoiado nesta intenção
por nobres Castelhanos refugiados da guerra civil espanhola, na corte Portuguesa.
Para a concretização desta intenção fez um acordo com o rei de Aragão e com o rei
mouro de Granada, tendo D. Fernando prometido casamento à filha do rei de Aragão,
D. Leonor.
Em 1369, invade a Galiza, mas sofre uma pesada derrota que colocou o norte do país
numa situação muito difícil sofrendo as populações de uma enorme devastação
provocada pelas hostes de Henrique II.
Após este desaire e não podendo contar com os seus aliados, também estes
submetidos, é obrigado a capitular, fazer as pazes com Henrique II em desvantagem,
onde reconhece o usurpador como rei de Castela, prometendo também a este
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CAPÍTULO 4 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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casamento com D. Leonor, desta feita filha do Trastâmara. Este acordo celebrado em
1371, ficou conhecido como o Tratado de Alcoutim.
Embora tenha renunciado ao trono de Castela, a entrada em cena de João de Gante
(filho de Eduardo III de Inglaterra), genro de Pedro I, (o rei assassinado), igualmente
com pretensões ao trono castelhano, leva ao reacender do conflito, fazendo D.
Fernando recuar no Tratado de Alcoutim e celebrando um novo acordo com os ingleses,
em 10 de julho de 1372 em Tagilde, apoiando desta vez João de Gante, Duque de
Lencastre, na corrida ao reino castelhano.
Neste ponto, a guerra que opunha Ingleses e Franceses, na chamada guerra dos cem
anos chega à Península Ibérica e a Portugal, pois além da oposição a Castela de
Henrique II, era do interesse dos Ingleses obter supremacia na Península Ibérica para
vencer a França, aliada de Trastâmara.
Henrique de Trastâmara antecipa-se aos portugueses que esperavam reforços Ingleses
que nunca chegaram, saqueando Lisboa, destruindo e incendiando os arrabaldes
perante a inércia de D. Fernando que se refugia em Santarém, colocando o reino numa
das piores situações que havia memória.
Embora nesta altura a Europa da Idade Média vivesse uma época conturbada no
aspeto religioso, com o Grande Cisma do Ocidente, opondo dois Papas, um em Roma e
outro em Avinhão, e D. Fernando apoiando, ora um, ora outro conforme os acordos
celebrados com ingleses ou castelhanos, a intervenção do Papa, neste caso de
Avinhão, salvou a independência de Portugal, embora sob condições humilhantes.
Após a morte de Henrique II de Castela em 1379, reinava Juan I de Castela, que
manteve a aliança com França de Carlos VI. Inglaterra envolvida na guerra dos cem
anos apostava na estratégia de dominar na Península Ibérica de forma a vencer a
França na Europa, assim, assina novo acordo com D. Fernando I, o Tratado de
Westminster em 1381. Mercenários Ingleses do Conde de Cambridge chegam a Lisboa
ao abrigo do Acordo de Westminster, causando mais dano e estragos a Portugal que os
próprios castelhanos, que nos invadem de novo, ameaçando Sintra, Palmela e Lisboa
que resiste mais uma vez, levando a novo acordo de paz entre as partes em 1383, o
Tratado de Salvaterra.
Neste acordo, a filha de D. Fernando fica prometida em casamento ao filho de D. Juan I.
Entretanto D. Juan I enviuvara e o acordo passa a contemplar D. Beatriz em casamento
com o próprio D. Juan I, única filha de D. Fernando e de D. Leonor Teles à data com
cerca de 10 anos de idade. Este tratado continha inúmeras cláusulas (resumidas pelo
Dr. Eduardo Bossa em conferência na Sociedade Histórica da Independência de
Portugal, 02 de maio de 1985), de modo a que Portugal nunca fosse integrado no Reino
de Castela, perdendo a sua independência:
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CAPÍTULO 4 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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a. Morto D. Fernando sem descendente varão, Portugal e Castela mantinham-se


separados sob o reinado conjunto de D. Beatriz e D. Juan I;
b. Não havendo filho varão legítimo, a coroa de Portugal pertenceria, de direito a
sua filha legítima D. Beatriz, que, por ser casada com o Rei de Castela, D. João I
(Juan I), e apesar de ser proclamada Rainha de Portugal, não viria de facto, a
ocupar o trono, cabendo, nesse evento, a regência do reino a sua mãe, D. Leonor
Teles;
c. Se a Rainha D. Beatriz tivesse um filho varão, […] aos 14 anos de idade, tomaria
posse do trono Português, por abdicação de sua mãe;
d. Se D. Beatriz falecesse imprevistamente antes do pai, sem filho varão, a
sucessão far-se-ia na pessoa de outra filha que o Rei de Portugal tivesse deixado;
e. […] a escritura de Salvaterra de Magos admitia que a coroa Portuguesa fosse
assumida pelo Rei de Castela, D. João I, (Juan I) , que se comprometia, porém, a
manter a independência das duas Coroas.

Provavelmente a nobreza e com certeza a nobreza Castelhana refugiada na corte de D.


Fernando, apoiou a ação do monarca português e tirou vantagens da guerra. Mas os
problemas sociais agravaram-se gerando um estado geral de descontentamento em
especial entre os mercadores e as classes mais baixas. O cisma religioso, que dividiu
clero e os fiéis, suscitou ainda mais ódios de que resultaram algumas irregularidades.

A este conjunto de factos desfavoráveis ao bem-estar das populações, D. Fernando


juntou o seu casamento com D. Leonor Teles de Meneses, odiada pelo povo, por
representar os interesses da nobreza latifundiária. Tudo o que de mau resultava da
política do rei era tido com resultado da má influência que D. Leonor exercia sobre ele.
Apesar disso foram tomadas medidas para refrear os abusos da nobreza, legislou-se
sobre defesa, assunto abordado neste capitulo, economia e questões sociais, como
foram a “Lei das Sesmarias”, e criando a “Companhia das Naus”, fomentando a
construção Naval que serviria como alicerce da expansão marítima.

Se o casamento de D. Fernando tinha provocado já grandes desacatos sociais, a


situação não foi menos grave quando o rei morreu em 22 de outubro 1383. Não
existindo um herdeiro masculino, o trono passaria para a sua única filha legítima, D.
Beatriz, que, no final da terceira campanha (1381-1382), casara com D. João I de
Castela. No acordo do casamento ficara estabelecido que, por morte do rei (já esperada
por padecer de doença incurável) o governo do reino seria confiado à rainha-mãe, D.

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CAPÍTULO 4 – 13
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Leonor Teles, até nascer um filho ou filha a D. Beatriz. Quaisquer que fossem as
circunstâncias os dois reinos deveriam manter-se separados.

D. Leonor Teles unira-se ao nobre galego, o conde João Fernandes Andeiro, o mesmo
que negociou por Portugal o acordo de matrimónio de D. Beatriz. O seu governo era
apoiado pela maioria da nobreza que “governava” ainda vastos territórios em condições
mais ou menos próprias dum sistema feudal. Contra ela estavam a maioria da média e
baixa burguesia e o povo em geral.
O crescente mal-estar que se gerou entre as populações, a forte influência de um
galego, o conde de Ourém, João Fernandes de Andeiro no governo de Portugal,
provocara uma revolta encabeçada por D. João, Mestre da Ordem Militar de Avis e
meio-irmão de D. Fernando (por ser filho bastardo de D. Pedro). O conde Andeiro foi
morto, em 06 de dezembro de 1383 por D. João Mestre de Avis, que se dirigiu ao Paço
Real, com Rui Pereira, Egas Coelho, Rui Mendes e Nuno Álvares Pereira. A rainha foi
obrigada a fugir e a unir-se, juntamente com grande parte da nobreza, a D. João I de
Castela. O mestre de Avis foi proclamado «regedor e defensor do reino», apoiado por
D. Nuno Álvares Pereira e outros nobres, num plano sabiamente gizado por Álvaro Pais
e João da Regras. Preparou-se o reino para enfrentar os partidários da rainha-mãe e do
rei castelhano. Em janeiro de 1384, D. João I de Castela invade Portugal, não
observando o estipulado no tratado de Salvaterra de Magos.

406. A 1ª Invasão Castelhana

A invasão de Portugal pelas forças castelhanas acabou por ter lugar em janeiro de 1384
e, porque o que estava em jogo era o trono português, o objetivo era Lisboa. O rei de
Castela fez avançar as suas tropas segundo três eixos:

1º Eixo, janeiro de 1394: por Almeida, na Beira, tendo as tropas castelhanas chegado
rapidamente a Lisboa e pondo cerco a esta cidade durante vários meses; os seus
habitantes passaram fome e privações de toda a ordem, mas resistiram.

2º Eixo, 6 de abril de 1384: por Fronteira, no Alentejo; para barrar este eixo, ou seja,
para evitar ou pelo menos retardar a chegada destas forças a Lisboa reforçando as que
já ai tinham posto cerco à cidade, o Mestre de Avis enviou Nun’Álvares Pereira com
uma força que obtém, a 6 de abril de 1384, uma importante vitória na Batalha de
Atoleiros que obriga os castelhanos a desistirem deste eixo após terem sido batidos
numa batalha em que se aplicou uma nova tática, utilizando o poder de choque e de

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CAPÍTULO 4 – 14
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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fogo da infantaria, sobre a tradicional carga de cavalaria, usando os portugueses o


terreno como fator preponderante nesta vitória.

3º Eixo, maio de 1384: por mar, com uma frota que saiu de Sevilha para dar apoio às
tropas que cercavam Lisboa.

Ao fim, de alguns meses de cerco (março a setembro


de 1384) declarou-se uma peste entre as forças
castelhanas que provocou um número tão elevado de
vítimas que se viram obrigados a retirar de Portugal.
D. Beatriz que acompanhou o seu marido D. Juan I
também manifestou sintomas de peste, obrigando o rei
de Castela a ordenar de imediato o levantamento do
cerco, e a enviar para Torres Vedras D. Beatriz, onde
veio a recuperar da pestilência.

Figura 4 – 7:
A primeira invasão castelhana (1384)

Sobre as defesas de Lisboa, por ocasião do cerco, Fernão Lopes deixa-nos o seguinte
relato:
”… Os muros da cidade não tinham falta de bom reforço; em 77 torres que ele tem bem
guarnecidas, há escudos, lanças, dardos e bestas de torno e de outras maneiras com
grande abundância de muitos virotões. Havia mais nestas torres muitas lanças de
armas e bacinetes (peça da armadura que cobria a cabeça) e outras armaduras. Tanto
reluziam que bem mostrara cada torre por si que era bastante para se defender. Em
muitas delas estavam trons bem acompanhados por pedras…”

Tendo os castelhanos retirado, o Mestre de


Avis é aclamado Rei de Portugal nas cortes
de Coimbra de 06 abril 1385 apesar da
oposição de parte da nobreza.
Figura 4 – 8:
D. João I
Figura 4 – 9:
Arqueiros Ingleses em Aljubarrota

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CAPÍTULO 4 – 15
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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407. A 2ª Invasão castelhana

Após as cortes de Coimbra, D. João I de Portugal nomeia Nuno Álvares Pereira para o
cargo de Condestável do Reino, Álvaro Pais para Marechal e Gil Vasques de Coimbra
para Alferes-Mor do Rei.

O rei de Castela prepara uma nova invasão de Portugal; no Minho e no Algarve muitos
castelos mantinham arvorado o pendão castelhano; a Lisboa chegam entretanto tropas
inglesas para nos auxiliarem.

Os castelhanos fazem então uma incursão no Alentejo e põem cerco a Elvas sem que
consigam, no entanto, obter sucesso. Na Beira onde tinham também entrado sofrem
outra derrota. O rei de Castela reúne então as suas tropas em Ciudad Rodrigo e decide-
se a invadir Portugal com todo o seu poder. D. João I de Portugal reúne as suas forças
em Abrantes.

O rei castelhano passa a fronteira junto à Guarda, em 8 de julho de 1385, com a sua
melhor cavalaria, muitos cavaleiros franceses, gascões e grande número de
portugueses num total de cerca de 30.000 homens. Celorico foi facilmente submetido e
em Trancoso os castelhanos vingaram-se da derrota sofrida no ano anterior. Não
conseguem entrar em Coimbra nem em Leiria e só a sul desta cidade encontram um
lugar seguro para armar o arraial e reunir as forças.

Em Abrantes, de 3 a 6 de agosto, reúne-se o conselho de


guerra para deliberar sobre qual a melhor estratégia a
adotar. Nuno Álvares defende que se saia ao encontro do
inimigo e se lhe dê combate antes de este chegar a
Lisboa. O Rei e a maioria dos nobres presentes preferem
recolher a Lisboa, defendê-la dentro das muralhas e
executar uma ação ofensiva sobre Sevilha para desviar
parte das forças castelhanas. Entretanto chegam reforços
de Inglaterra.

Figura 4 – 10:
A 2ª Invasão Castelhana.

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CAPÍTULO 4 – 16
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Não chegando a acordo Nuno Álvares, em 7, abandona o Conselho e desobedecendo


ao Rei, vai com os seus 3.000 homens ao encontro do inimigo. D. João acabou por
segui-lo com o resto das tropas alcançando-o já em Tomar no dia seguinte. No dia 8 a
hoste portuguesa tomou posições em Porto de Mós e a partir daí Nun’Álvares efetua um
reconhecimento cuidadoso do terreno. Para barrar o eixo de progressões dos
castelhanos escolheu um lugar ermo ao norte do lugar de Aljubarrota. Para lá transferiu
o arraial durante o dia 13, ordenando-o já em posição de batalha com a frente para
norte, voltada para Leiria.

A batalha teve lugar a 14 de agosto de 1385. A vitória alcançada pelos portugueses


consagra a independência de Portugal, a queda da antiga aristocracia e a vitória da
classe que viria e lançar o país no grande projeto dos descobrimentos.

408. A Batalha De Aljubarrota

A ideia de D. Nuno em dar combate aos castelhanos por forma a impedi-los de chegar a
Lisboa acabou por ser aceite pelo rei. A hoste portuguesa pára então em Porto de Mós
e o Condestável, no dia 13 de agosto sai com 100 lanças a reconhecer a posição do
inimigo que não conseguiu avistar.
Nesse mesmo reconhecimento D. Nuno estudou cuidadosamente o terreno e escolheu,
para barrar o eixo de progressão dos castelhanos o topo de um esporão entre os
ribeiros do Vale de Madeiros e do Vale da Mata. Esse esporão era conhecido na altura
por «Cumieira de Aljubarrota», mas a povoação do mesmo nome ficava a cerca de 12
km a Sudoeste do local onde se travou a batalha. No século XIV, segundo as palavras
de Fernão Lopes, o planalto mantinha-se descampado com “… o chão coberto de
verdes urzes”.

Efetivos
Lanças Arqueiros Besteiros Peões Soma
VANGUARDA 600 50 (a) 650
ALA DIREITA 200 (b) 100 100 750 1150
ALA ESQUERDA 200 200 650 1050
2º LINHA 700 300 (c) 1050 2050
CURRAL 200 1400 1600
TOTAIS 1700 100 800 3900 6500
(a) – Escudeiros de escolta (b) – 100 estrangeiros (c) – 100 escolha do rei

Quadro 4 - 1 Efetivos da hoste portuguesa

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CAPÍTULO 4 – 17
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Desta posição dominavam a passagem da Ribeira de Calvaria, por onde os castelhanos


deveriam vir; os flancos apoiavam-se num terreno de acesso difícil e os portugueses
ficavam com o Sol pelas costas.
A hoste portuguesa não teria mais de 6.500 homens combatentes divididos da forma
que está indicada no Quadro 4-1.

No dia 14 de agosto de manhã, assim que chegaram à Cumieira de Aljubarrota, D.


Nuno indicou onde devia ficar cada uma das forças e começou de imediato a constituir
o dispositivo no terreno anteriormente escolhido. D. João I concordou com o local e o
dispositivo e aí esperaram os castelhanos.

Na posição escolhida, a estrada passava mais próximo do flanco direito e por isso foi
decidido colocar os arqueiros ingleses na ala esquerda para explorar o maior alcance
dos arcos e melhor baterem a frente do dispositivo. Todos combatiam a pé, incluindo D.
Nuno e o Rei.

Os castelhanos tinham entrado em Portugal com um efetivo de cerca de 31.000


combatentes que se dividiam da forma indicada no Quadro 4-2. Estes números incluíam
os portugueses afetos a Castela que no total seriam cerca de 500 lanças, 300 besteiros
e 1.000 peões. Traziam também, segundo os escritos de Fernão Lopes 16 trons.

Quadro 4-2 Efetivos da hoste castelhana


Efetivos
Lanças Arqueiros Besteiros Peões Soma
VANGUARDA 1600 200 (a) 50 1850
ALA DIREITA 700 700
ALA ESQUERDA 700 700
2º BATALHA 3000 2000 5000
TOTAIS 6000 200 50 2000 8250
(a) – 100 na escolha do condestável e 100 nos trons
Obs.: O rei doente e a escolta (150 homens) não se integraram no dispositivo

Era sem dúvida uma hoste poderosa pelo elevado


número de combatentes e pela boa qualidade do
seu armamento e equipamento, o que lhes conferia
uma certa sensação de impunidade, mas
apresentava vulnerabilidades importantes como a
falta de um comando eficaz e a utilização de
conceitos táticos desatualizados.
Figura 4-11: Juan I de Castela em
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Alj b t

CAPÍTULO 4 – 18
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Esquema de 1ª posição Portuguesa

Esquema 4 – 3

A par do despeito causado pelo desaire militar sofrido no ano anterior (cerco de Lisboa
e batalha de Atoleiros), os castelhanos, que tinham aderido à causa do Papa de
Avinhão, traziam ainda algum antagonismo de caráter religioso relativamente aos
portugueses que se mantinham, pelo menos nesta altura, fiéis ao Papa de Roma.

Os castelhanos, que tinham estacionado entre Leiria e Azóia, retomaram a marcha no


dia 14 de manhã. Quando localizaram a posição portuguesa sobre o seu eixo de
progressão e verificaram que aquela é forte e que o terreno não permitia desenvolver
para atacar, decidiram-se a contornar o dispositivo português e escolher uma base de
ataque a Sul. Assim atacariam os portugueses de Sul para Norte, dispondo de melhores
condições de terreno e sem terem o sol pela frente.

A esta manobra dos castelhanos o Condestável reagiu de imediato fazendo inverter o


dispositivo. O terreno era já bem conhecido de D. Nuno que deslocou a vanguarda
cerca de 2.100 metros para Sul onde encontrou uma boa posição com os flancos bem

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CAPÍTULO 4 – 19
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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apoiados em terreno de difícil progressão. As alas e os restantes elementos mudaram


igualmente para a nova posição.

Esquema da 2ª posição portuguesa

Esquema 4 – 4:

É possível que tivessem sido feitos reajustamentos nos efetivos mas a nova posição foi
ocupada rapidamente. As posições relativas das alas mantiveram-se e portanto os
arqueiros ingleses, tal como na primeira posição, continuaram a manter-se no flanco
ocidental do dispositivo.

A ocupação da base de ataque pelos castelhanos fez-se já tarde pelo que,


pressionados pela aproximação da noite e confiantes no seu poder, atacaram antes que
o seu dispositivo estivesse completamente ordenado. Na vanguarda castelhana
encontravam-se os portugueses partidários de Castela. O dispositivo dos trons terá sido
o sinal de partida para o ataque.
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CAPÍTULO 4 – 20
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Esquema do dispositivo de ataque castelhano

Esquema 4 – 5

É controverso se os portugueses teriam organizado o terreno com obstáculos que


dificultassem a progressão do inimigo. O que é certo é que as forças castelhanas, que
atacavam a pé, e devido às dificuldades de progressão nas alas, foram obrigadas a
concentrar-se no centro do dispositivo. É portanto uma massa profunda de combatentes
que choca com as lanças do centro da vanguarda portuguesa.

Os acontecimentos, a partir de então, sucederam-se muito rapidamente. Apesar do


desgaste sofrido pelos tiros dos besteiros e arqueiros, os castelhanos tiveram força
suficiente para provocar a rotura da vanguarda portuguesa (Esquema 4-6, 1º tempo). A
boa disciplina incutida nas tropas portuguesas pelo Condestável permitiu, no entanto,
manter a coesão do dispositivo. As alas atuaram por força a fechar a brecha (Esquema
4 – 6, 2º tempo) enquanto o Rei contra-ataca com a segunda batalha (Esquema 4 - 6, 3º
tempo).

Os castelhanos ao sentirem-se encurralados tentam a fuga, que só alguns conseguem,


acabando por estabelecer o pânico na sua retaguarda que ainda nem tinha atacado. Os
que ficaram dentro da bolsa não tiveram outra saída que defenderem-se até ao fim.

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CAPÍTULO 4 – 21
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Reconstituída a vanguarda, o Condestável iniciou o movimento de recuperação


provocando o recuo dos castelhanos que, não compreendendo o que se estava a
passar e na ausência de ordens, deixaram o pânico e a confusão instalar-se no seu seio
e precipitaram-se em fuga desordenada. D. João I de Castela ao aperceber-se da
situação fugiu com a sua escolta para Santarém e a partir de então foi debandada geral.

ALJUBARROTA
TEMPO DA BATALHA

Esquema 4-6
Desenvolvimento da Batalha

1º tempo 2º tempo

Ações castelhanas

Ações portuguesas

3º tempo

O Mestre de Alcântara tentou ainda um ataque com os ginetes à retaguarda do


dispositivo português mas as forças ali presentes defenderam-se bem e deram tempo a
que D. Nuno as socorresse acabando os castelhanos por ser repelidos.

Atualmente, no local onde se travou a batalha, ergue-se a capela de S. Jorge mandada


construir por D. Nun’Álvares Pereira. O Centro de Interpretação da Batalha de
Aljubarrota, também ali construído permite ter uma visão mais completa deste grande
acontecimento. Mais a norte ergueu-se o Mosteiro de Santa Maria da Vitória mandado
erigir por D. João I de Portugal.

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CAPÍTULO 4 – 22
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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409. Conclusões da Batalha de Aljubarrota

a. Causas da vitória portuguesa.

A vitória portuguesa começou a ser construída muito antes do dia 14 de agosto, quando
no conselho de guerra em Abrantes se definiu como Objetivo, impedir a progressão do
inimigo de chegar a Lisboa.
Movimentando o exército de Abrantes, onde se encontrava em expetativa estratégica,
para Aljubarrota, colocando o exército num terreno que lhes proporcionava Segurança,
utilizaram a Manobra de forma exemplar quando deslocaram e inverteram o dispositivo
de norte para sul, colocando-se numa nova frente face ao inimigo, menos forte, mas
com o terreno preparado e organizado com obstáculos construídos, como foram os
abatises, covas de lobo, estacas, fossos etc.
A intenção da disposição do exército português foi de colocar toda a Massa
concentrada num ponto, embora com Economia de Forças, pois foi criada uma reserva
em 2.ª linha, mas permitiu que, num dado momento da Batalha, os portugueses
estivessem em superioridade.
Após o embate dos exércitos, a maior capacidade de fogo sobre os adversários
apanhados de Surpresa por uma forma de combater que não estavam habituados,
onde se apostou num elemento importante que foi a Segurança, permitiu que sob um
Comando Único e uma obediência à cadeia de comando, se encetasse uma ação
Ofensiva no contra-ataque e na perseguição consequente à vitória obtida.

Figura 4-12: Batalha de Aljubarrota.


14 de agosto de 1385

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CAPÍTULO 4 – 23
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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b. Causas da derrota castelhana


Uma das grandes causas da derrota de Juan I, pese embora o melhor e maior exército,
e o Objetivo de conquistar Lisboa bem definido, foi a falta de Unidade de Comando
bem patente no ataque precipitado dos franceses que o acompanhavam. O ataque
principal (Ofensiva) numa ação frontal num espaço afunilado, não permitiu a Manobra
de envolvimento pelas alas aos portugueses bem encaixados entre as ribeiras.
Além disso descurou completamente a Segurança numa retirada precipitada,
permitindo com isso que a perseguição fosse feita pelos portugueses, sem que
pudessem reorganizar.

Figura 4-13: Campo de Batalha castelhano após a derrota de Aljubarrota.


14 de agosto de 1385. (Pintura de José Daniel Cabrera Peña.)

410. Consequências da Vitória em Aljubarrota


As consequências desta importante vitória foram expostas com grande clareza por
ANTÓNIO SÉRGIO na sua obra: Breve Interpretação da História de Portugal, de onde
se extraíram os seguintes trechos:

“… evidentemente, quem combateu nas cidades e nos campos — o soldado raso, por
que assim digamos, — foi o povo, levado pelas ideias e pelos sentimentos que lhe eram
próprios: chamamos burguesa à revolução porque foi a burguesia que a inspirou de
facto, que lhe deu o rumo, que a dirigiu, que lucrou com ela. Com efeito, o que se gerou
na revolução de 1383— 1385 não foi só uma nova dinastia: foi uma nova proporção de

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CAPÍTULO 4 – 24
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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importância entre as classes sociais e entre as atividades económicas, dando como


resultado uma nova fase da nossa história. …”

“… Aljubarrota, pois, consagra e independência de Portugal, a nova orientação da


sociedade, e a queda de grande parte da vossa antiga aristocracia, substituída por
gente nova. Não se creia, porém, que esse facto, e que aquela maior dose de
cosmopolitismo que nos individualizou na Península Ibérica, destruíram a unidade
intelectual da Espanha. Interpretaríamos mal a nossa política e a nossa cultura se
esquecêssemos que até à segunda metade do século XVII espanhóis-portugueses e
espanhóis-castelhanos apresentam duas elites que vivem intelectualmente numa
mesma civilização, se bem que as note nos portugueses, a par do predomínio da
burguesia, um pendor mais marcado para o génio humanista e liberal. ...”

O Professor A. H. DE OLIVEIRA MARQUES, na sua História de Portugal diz-nos o


seguinte sobre “o significado da revolução”:

“… Tanto a rebelião como a guerra com Castela enfileira, entre os acontecimentos


decisivos de toda a história portuguesa. Foram um dos grandes testes da sua
independência e trouxeram consigo uma mudança digna de nota na estrutura social do
País…”

“… O quadro das outras revoluções europeias do tempo verificou-se em Portugal


também, … Foi mais um exemplo clássico da crise social e económica dos fins do
século XIV. …”

411. A Continuação das Hostilidades até à Paz de 1411

Após a batalha de Aljubarrota a guerra continuou contra Castela que passou de


invasora a invadida. Dentro do reino muitas vilas e cidades entregaram-se
pacificamente a D. João I. Muitos alcaides optaram por fugir para Castela mas as
guarnições dos seus castelos entregaram-se de seguida.

D. Nuno, novamente no Alentejo como fronteiro, foi desafiado por muitos castelhanos e
portugueses renegados para se desforrarem da derrota de Aljubarrota. Com uma força
de 5.000 homens, a 16 de outubro de 1385, na batalha de Valverde, D. Nuno Álvares
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CAPÍTULO 4 – 25
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Pereira alcança mais uma extraordinária vitória sobre os cerca de 30.000 castelhanos
que o tinham desafiado.

Os ataques ao território castelhano entretanto sucedem-se, primeiro só com forças


portuguesas e, posteriormente, lado a lado com as forças do Duque de Lencastre, no
quadro da Guerra dos Cem Anos e das pretensões inglesas ao trono de Castela.

Entre portugueses e ingleses é assinado um tratado de aliança e amizade. Este tratado


viria a ser ratificado em Windsor, a 9 de maio de 1386. Para Portugal representava o
apoio externo necessário a uma defesa eficaz do reino. Em consequência D. João I
casa-se com D. Filipa, filha do Duque de Lencastre e obriga-se a auxiliar os ingleses na
conquista de Castela. Este objetivo mostrou-se praticamente impossível face aos meios
disponíveis e os ingleses acabaram por desistir da campanha.

A partir de 1388 a guerra limitou-se a pequenas ações fronteiriças e no ano seguinte


fizeram-se as primeiras negociações de tréguas mas as ações militares não pararam.
Em maio os portugueses tomaram Badajoz de surpresa e os castelhanos, como
represália, assaltaram e incendiaram Viseu e assolaram várias zonas do Alentejo.

No ano seguinte, D. João I põe cerco a Tui, na Galiza, com uma hoste de 4.000 lanças
(cerca de 12.000 homens). A cidade capitulou a 26 de julho apesar da tentativa que
entretanto os castelhanos fizeram para invadir Portugal.

Na primavera de 1400 os portugueses fazem nova demonstração de força pondo cerco


a Alcântara que consegue resistir, reúne-se, no entanto, uma conferência de paz em
Segóvia para estabelecer uma trégua de 10 anos que veio a tornar-se em paz definitiva
em 1411.

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CAPÍTULO 4 – 26
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 5 HISTÓRIA MILITAR MODERNA. SÉC. XV A XVII

501. Introdução
Ainda antes de concluída a paz com Castela já em Portugal se preparavam novas
empresas. Em 1415 os portugueses tomaram Ceuta no Norte de África. Foi o primeiro
ato de uma expansão que nos levaria a África, à América e à Ásia. Neste processo, a
chegada de Vasco da Gama à Índia em 1498 é um ponto de referência dos mais
importantes na História do Mundo.

O objetivo que então se pretendia alcançar era o monopólio da navegação e do


comércio. Para isso era necessário conquistar pontos de apoio que permitissem
dominar as rotas marítimas que possibilitariam contornar as rotas comerciais dominadas
pelos muçulmanos. No Norte de África misturaram-se os interesses económicos e o
espírito de cruzada embora o peso da primeira razão fosse sempre decisivo.
A conjuntura económica e social Europeia dos finais do séc. XIV, arrasada pela guerra
dos cem anos, pela peste, por condições climatéricas instáveis, originou uma
degradação demográfica, levando à falta de mão-de-obra nos campos, a um deficit
crónico de produtos agrícolas, provocando revoltas populares que estabeleceram novos
tipos de relação de poder.
A falta de metais na Europa, nomeadamente o Ouro, que à época estava exaurido no
velho continente, a escassez de trigo, base da alimentação, e outros tipos de produtos
que chegam a preços muito inflacionados, levou a que os europeus tentassem obter
esses recursos diretamente, mas esbarravam nos monopólios estabelecidos pelos
árabes à volta das rotas comerciais do oriente e Norte de África.
Foi um esforço muito grande que, no seu auge, permitiu o domínio de Marrocos e dos
Oceanos Atlântico e Indico.

A epopeia dos descobrimentos desenrola-se num mundo ávido de descobrir. “É a época


do Renascimento, do desenvolvimento económico e da civilização urbana em que as
novas classes detentoras do Poder se libertam, pelo menos em grande parte, das
anteriores tutelas políticas e religiosas. Em estreita relação com o desenvolvidamente
da vida económica, e incrementado decisivamente pelo aparecimento da imprensa, o
Renascimento opôs ao espírito medieval, predominantemente voltado à religião e à
submissão à autoridade, uma nova conceção de homem na medida em que este
descobria o indivíduo, a subjetividade, a liberdade, o domínio sobre si mesmo e sobre o
mundo, a cultura laica e a ideia de progresso.

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CAPÍTULO 5 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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“Sem se verificar uma rotura absoluta com a Idade Média anterior ao século XIV,
mostrou-se uma época fecunda que contribuiu para um melhor conhecimento do
homem e do mundo, uma época que transformou ou começou a transformar o próprio
homem (pela modificação das condições materiais e espirituais da vida), uma época
que descobriu até a unidade da raça humana.” (Em Renascimento Enciclopédia
FOCUS, volume IV)

Inicialmente na Itália e depois no resto do Ocidente, o feudalismo é banido e dá lugar,


de uma forma mais ou menos convulsiva, ao espírito político moderno. “Surge uma
nova via no domínio da História: o Estado como criação voluntária, organizado
racionalmente, mecanizado.” (em Introdução à obra O PRÍNCIPE de Nicolau Maquiavel,
edições de bolso da Europa-América, nº 24)

Em Portugal, esta luta por um poder centralizado remonta a D. João I e este tipo de
regime político foi consolidado por D. João II e D. Manuel I. O processo de centralização
do poder foi particularmente violento no reinado de D. João II com a eliminação de
alguns dos mais destacados elementos da nobreza.

Não existe, nem nunca existiu, poder político sem a possibilidade de se afirmar pela
força. Se o poder político foi centralizado numa figura política, o rei, então a força
armada da Nação passou igualmente a depender cada vez mais, e só, do rei. Outros
fatores contribuíram para a centralização da força armada, mas podemos afirmar que,
em geral, esta evolução acompanhou a evolução política.

502. A Força Armada de Portugal. Reformas Militares de D. João I a D. João III

Em 1408 D. João I estabeleceu algumas normas tendentes a regular melhor a


organização da força armada do reino. Estabeleceu o número certo de lanças a
fornecer pela nobreza e ordens militares num total de 3.200. Ficou também definido que
essas forças deviam ter sempre pronto um certo número de arnezes (armaduras
completas), num total de 1.500. Já antes tinha fixado quantias certas a serem pagas
aos que serviram com determinado número de lanças suprimindo o abuso do
pagamento das quantias aos filhos dos nobres ainda no berço.

Confinando as tendências da época dedicou especial cuidado aos besteiros de conto.


Esse cuidado ficou bem patente nas instruções que o rei mandara redigir para o
Anadel-mor do reino, Vasco Fernandes de Távora, que determinavam, entre outras
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CAPÍTULO 5 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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coisas, que se averiguasse o número de besteiros que realmente existiam em cada


lugar, que os inspecionasse bem como ao armamento e requeresse o preenchimento
das vagas até ao número certo que cada concelho devia fornecer.

O objetivo era que em todos os lugares, mesmo que fossem terras de nobres, existisse
sempre um número certo de besteiros proporcional à população. Nas listas que se
conhecem o número total chega a 4.484. Os números fornecidos pelas principais
cidades eram:

Lisboa …………… 300 Régua …………… 51


Évora …………… 100 Braga …………… 50
Santarém …………… 100 Torres Vedras …………… 50
Guimarães …………… 100 Mértola …………… 40
Coimbra …………… 100 Olivença …………… 40
Elvas …………… 80 Estremoz …………… 40
Beja …………… 80 Leiria …………… 40
Setúbal …………… 65 Tomar …………… 40
Almada …………… 60 Porto …………… 40

Os anadéis deviam fazer frequentes revistas, chamadas «alardos», para inspecionarem


o estado das armas, organizarem exercícios de tiro e evitar a fuga a este recrutamento.

Para além desta força de besteiros, os concelhos continuavam obrigados a fornecer


combatentes, a cavalo e a pé, conforme o rendimento de cada um. Para além destas
forças continuavam a existir as mesnadas dos grandes senhores e das ordens militares,
O único elemento realmente novo era a artilharia pirobalística, ainda muito
rudimentar.

No reinado seguinte, o de D. Duarte, e com a finalidade de fazer parar os abusos dos


coudéis e anadéis na forma como tratavam os assuntos da milícia, foi publicado o
«Regimento dos Coudéis» em que se regulamentavam de um modo preciso as
obrigações de cada súbdito em cada província, tomando por base a categoria social e
os haveres de cada um.

Ficava assim definido, de forma clara e atualizada, quem devia ter cavalo, que
armamento devia possuir cada um; quais as atribuições dos coudéis — aos quais
competia passar revista aos cavalos e armas para que os cavalos fossem sãos e as
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CAPÍTULO 5 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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armas estivessem em bom estado de funcionamento; - em que épocas se deviam


realizar os alardos; quais as sanções a aplicar tanto para os que não cumpriam as suas
obrigações militares como para os abusos cometidos pelos coudéis. Com esta
legislação ficava completa a organização militar territorial do reino.

Figura 5 – 1: Artilharia do Séc. XV

Apareceu uma nova classe de tropas — os artilheiros. Ainda não tinham uma
organização devidamente regulamentada e eram recrutados na classe dos mesteirais
(os profissionais das artes e ofícios) dos burgos. Deviam ter conhecimentos de
metalurgia e pirotecnia.
Quanto à marinha, o recrutamento não era muito diferente exceto no que respeitava
aos remeiros (eram então muito utilizados navios a remos) que eram escolhidos entre
condenados e cativos.

Já iniciada no reinado de D. Duarte, mas interrompido devido à sua morte prematura,


concluiu-se no reinado de D. Afonso V (regência de D. Pedro) a publicação de toda a
legislação do reino numa forma ordenada e fácil consulta. As «Ordenações
Afonsinas» continham no seu Livro I toda a legislação militar anterior desde o célebre
Regimento de Guerra de D. Dinis, passando pelas Ordens Gerais de D. Fernando
até ao Regimento dos Coudéis de D. Duarte. Referia também tudo o que dizia
respeito à Marinha Real.
D. João II não introduziu grandes alterações na organização militar portuguesa. Criou,
no entanto, o cargo de «Anadel-mor dos Espingardeiros», semelhante ao existente
para os besteiros de conto, o que demonstra a importância que as armas de fogo
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CAPÍTULO 5 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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portáteis já tinham no campo de batalha. Também testemunha o cuidado que este rei
punha na modernização do exército.
O reinado deste rei foi marcado por muitas lutas entre o rei e a nobreza que se explicam
na tendência para a centralização do poder. O cuidado posto na segurança do monarca
nunca era demais e, desta forma, a Guarda Real é aumentada para cerca de 1.000
cavaleiros de lança e para comandar esta força foi criado o cargo de «Capitão-mor dos
Ginetes». Ainda neste reinado compraram-se muitas armas no estrangeiro, a fim de
guarnecer os castelos reais que ficavam assim transformados em arsenais ao dispor do
rei.

No que respeita à marinha, para além dos progressos na construção naval,


artilharam-se as caravelas com peças de grande calibre que permitiam fazer tiro
rasante e possibilitavam uma defesa mais eficaz contra os corsários. Nesta época
construiu-se em Lisboa o maior navio até então conhecido, um galeão de 1.000 tonéis,
bem guarnecido de canhões, e cuja missão era defender a barra do Tejo. Juntamente
com algumas fortificações, assegurava-se assim, a defesa do porto contra a surpresa
de navios inimigos.

Por morte de D. João II, em 26 de outubro de 1495, subiu ao trono D. Manuel, duque
de Beja, cunhado e primo do rei. Embora se tenha mantido a tendência para a
centralização do poder, os nobres viram muitos dos seus antigos privilégios restituídos.
No campo militar as suas mesnadas continuavam a ser parte importante da força militar
do reino. Só o duque de Bragança podia levantar quase um exército.

Em 1498 e a pedido dos procuradores dos concelhos às cortes, são extintas as


milícias municipais (com exceção de alguns concelhos) passando o exército a ser
constituído pelas mesnadas dos grandes senhores, pelos cavaleiros das ordens
militares, por fidalgos voluntários e mercenários nacionais ou estrangeiros. A maior
parte destas tropas eram pagas pelos cofres da coroa. Os chefes militares com
experiência não eram difíceis de encontrar porque as praças do Norte de África
permitiam grande experiência a muitos capitães.

Tais exércitos eram, porém, caros e a sua manutenção, num império tão vasto como o
de Portugal era mais oneroso que as receitais conseguidas com o comércio do Oriente.
Com a subida de D. João III ao trono, em dezembro de 1521 entra-se numa nova fase

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CAPÍTULO 5 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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em que se procura reduzir os custos do sistema defensivo que não parava de


crescer.

Assim, logo em 1522, foi proibida a construção de mais fortalezas na Índia e foi ainda
nomeado Vasco da Gama, como vice-rei, para pôr cobro à anarquia que se fazia sentir
no Oriente. No Norte de África seguiu-se urna política igualmente restritiva das
despesas e abandonou-se algumas fortalezas (Arzila e Alcácer Ceguer). Pouco depois
já este rei tomava medidas para se iniciar a exploração do Brasil e tentar, desta forma,
diversificar a fonte de riquezas do reino.

Os atos de pirataria, por parte de ingleses, franceses e argelinos, faziam-se sentir cada
vez com mais intensidade. Era necessário defender as costas do reino e, neste sentido,
D. João de Castro é nomeado (1542) capitão-mor das esquadras guarda-costas do
reino, com a finalidade de manter um constante policiamento das rotas, escoltar as
naus vindas da Índia carregadas de mercadorias e dar caça aos corsários. Em 1544
aqueles tinham desaparecido do Atlântico.
As campanhas que Portugal continuava a desenvolver em todas as partes
enfraqueceram o potencial militar do reino. D. João III, numa tentativa de reduzir as
despesas de recrutamento, pelo Regimento de 7-VIII-1549, quis reorganizar a velha
milícia assente na organização municipal, tornando obrigatório para toda a Nação sem
distinção de classes, o serviço militar.

503. O Desenvolvimento da Arte Militar na Europa nos Séculos XV e XVI

A passagem da Idade Média para a Idade Moderna significa, em termos políticos e de


uma forma muito simplificada, a passagem do feudalismo para o absolutismo. Do ponto
de vista da organização militar isto significa que a força armada deixa de ser “privada”,
pertença dos inúmeros senhores feudais, fragmentada, para passar a ser cada vez mais
única, controlada pelo poder central. Esta transformação não foi rápida nem isenta de
confrontos por vezes violentos. Sem dúvida alguma, as profundas transformações
sociais e políticas alteraram a estrutura dos exércitos.

O Elemento Essencial do Combate cuja mudança mais afeta a estrutura militar é o fogo.
Embora as armas de pólvora fossem adotadas rapidamente por todos os exércitos, tal
não significa que fossem de início armas eficientes. Pelo contrário, os seus efeitos
foram, nos primeiros tempos, mais morais que de outra natureza. Eram pouco precisas,
o alcance era curto e o carregamento e disparo eram difíceis e demorados e sujeitos às
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CAPÍTULO 5 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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contingências das condições atmosféricas. O arco longo e a besta ainda dominavam o


campo de batalha. Foram estas últimas armas que começaram por pôr em causa o
papel preponderante da cavalaria de choque e fizeram ressurgir a importância da
infantaria.
Na época em que a pólvora ainda dava os primeiros passos no campo de batalha, a
infantaria suíça constituía o melhor instrumento militar da Europa. Combater a pé
pareceu aos Suíços a coisa mais natural do mundo, não só devido à pobreza dos seus
montanheses, mas também à natureza do seu terreno. Utilizavam formações apeadas
semelhantes às falanges (formações retangulares constituídas por densos blocos de
lanceiros dispostos em várias fileiras).
“Armada com piques
(com tamanho igual ao
usado pelos guerreiros
macedónicos antigos),
intercalada por filas de
alabardeiros, com
besteiros à frente e aos
lados para atuar pelo
fogo, a falange suíça,
base de combatentes
disciplinados e
treinados, praticando o
combate

Figura 5 – 2: Infantaria Suíça; Formações cerradas e profundas;


essencialmente defensivas

pelo choque com apoio do fogo, apta a parar a cavalaria de choque com os piques,
depois de a desorganizar com as bestas e a desmontar os cavaleiros com as alabardas,
é o melhor exército da época. Só nos finais do século XV, quando a precisão das armas
da pólvora é suficiente, os besteiros são substituídos, nos quadrados suíços, pelos
arcabuzeiros.” (em Apontamentos de História para Militares do General Loureiro dos
Santos, pagina 100)

Os Suíços adquiriram assim fama de invencíveis e esta fama espalhou-se por todos os
países europeus onde durante muito tempo serviram como mercenários ao serviço dos
mais poderosos soberanos. Os italianos, neste aspeto, seguiram-lhes o exemplo e

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CAPÍTULO 5 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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chegaram a empregar só soldados profissionais nas suas guerras internas. Estes


soldados contratados – os Condottieri – formavam as suas próprias companhias e
serviam a quem lhes pudesse pagar o elevado preço que pediam. Os alemães
formaram também importantes corpos de mercenários, principalmente como
Mosqueteiros e Arcabuzeiros
A partir de meados do século XV, as armas de fogo sofreram um grande
desenvolvimento. Já não era o “tron” de pedra que pretendia substituir as antigas
catapultas e carro balistas, mas bocas-de-fogo fabricadas com barras metálicas
reforçadas com anéis (como um barril) e às quais sucederam rapidamente os tubos
cilíndricos de ferro fundido.

Esta nova artilharia, pirobalística, cujas peças eram conhecidas por bombardas,
serpentinas, colubrinas, águias, sacras, serpes (serpentinas), falcões, berços, etc.,
utilizavam balas de pedra ou ferro e tinham já alguns modelos colocados sobre rodas
para que se pudesse deslocar no campo de batalha. Algumas peças atingem
dimensões notáveis como o famoso canhão de Dardanelos utilizado por Maomé II no
assalto a Constantinopla, em 1453.

Figura 5 – 3: Canhão de
Dardanelos feito em bronze,
pelos Turcos, utilizado na
queda de Constantinopla em
1453. Pesa 17 toneladas e cada
bala de pedra 306 kg.

A sua utilização no derrube das muralhas dos castelos, quando a qualidade das peças
já permitia essa utilização (segunda metade do século XV), provoca a decadência da
antiga fortificação medieval, feita de pedra, que evolui rapidamente para uma
fortificação rasante, com muralhas baixas e largas, capazes de absorver o impacto dos
projéteis mais pesados.
Mas as armas de fogo ligeiras também evoluíram e à antiga besta sucederam, se bem
que com muita desconfiança, o arcabuz e o mosquete que, à medida que se foram
desenvolvendo, permitiram ao combatente apeado bater os cavaleiros a uma distância
cada vez maior, agora é a proteção individual, a armadura, que é posta em causa.

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CAPÍTULO 5 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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No final do século XV, as armaduras mantinham-se mais como elemento decorativo


proporcionador de «status» do que como elementos de proteção.
Os Suíços, como vimos, utilizaram quadrados de infantaria nos quais, apesar da
utilização das bestas, podemos constatar o predomínio do choque. No início do século
XVI, os Espanhóis desenvolvem, com Gonçalo de Córdoba, quadrados de 1000 a
1500 homens, as colunelas, constituídas por piqueiros, arcabuzeiros, alabardeiros e
cutileiros, sob o comando de um «colonel», e combinando, mas ainda de forma muito
incipiente, o fogo e o choque.

Figura 5 – 4: Piqueiros
Alabardas e
Arcabuzeiros; Terços de
Infantaria; século XVI.

Em meados do século XVI, o exército espanhol evoluiu para uma nova formação o
«Tércio», baseado a associação de três colunelas e com um efetivo de cerca de 3000
homens (piqueiros e arcabuzeiros ou mosqueteiros) o Terço de Infantaria ou Tércio.
Esta formação combina os elementos essenciais de combate básicos: o fogo e o
choque. Este tipo de organização foi adotado pelos restantes países da Europa. Os
Franceses fizeram-no de imediato embora com unidades ligeiramente mais pequenas a
que chamavam legiões e, mais tarde, regimentos.

Esquema 5 –1: Evolução da ordem de Batalha


séc. XVI a XVII

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CAPÍTULO 5 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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“Os Espanhóis foram gradualmente aumentando a proporção da infantaria ligeira na


sua organização, empregando-a como cortina de atiradores à frente dos Tércio, ou
como combatentes isolados nos terrenos arborizados e difíceis. No entanto, em terreno
aberto e sem obstáculos, os arcabuzeiros mantinham-se permanentemente protegidos
pelos piqueiros – única parede que os podia salvar das cargas de cavalaria.
Normalmente, os arcabuzeiros tomavam posições à retaguarda ou nos flancos dos
quadrados de piqueiros, e eram protegidos por estes enquanto recarregavam as suas
armas, dando-lhes por sua vez proteção pelo fogo, em descargas cerradas, contra a
cavalaria (carregando em bloco) ou contra as formações imóveis da infantaria inimiga.”

E tão importante se foi revelando a ação desse poder de fogo, que os piqueiros foram
sendo substituídos gradualmente por arcabuzeiros, até que, no século XVI, as colunelas
apresentavam um número sensivelmente igual de combatentes de cada tipo. (em
Apontamentos da História Militar, ME 73-00-00, volume 1, do IAEM).

A artilharia obteve um papel importante nos fogos de preparação executados antes da


batalha e nas operações de cerco a fortalezas e castelos.

“O papel da cavalaria no exército espanhol, decaiu dramaticamente com Gonçalo de


Córdoba e os seus sucessores. Dividida em cavalaria ligeira e pesada, à primeira
estavam cometidas missões de caráter estratégico — ligadas fundamentalmente a
operações contra as comunicações inimigas, suas bases logísticas, e ações gerais de
reconhecimento – enquanto que à segunda competia a «carga cerrada» em campo
aberto.” (em Apontamentos da História Militar, ME 73-00-00, volume 1, do IAEM).

504. Reorganização do exército por D. Sebastião

O sucessor de D. João III, o rei D. Sebastião, fez publicar em 1569 a legislação que iria
completar a anterior. Pela lei de 9 de dezembro desse ano foram definidas de forma
muito concreta as obrigações da população conforme as categorias sociais, a
propriedade territorial, os bens móveis, as profissões e as províncias (as disposições
não eram uniformes para todo o país).

Um ano mais tarde, pelo Regulamento de 10 de dezembro de 1570, são criadas as


«Companhias de Ordenanças». Estas companhias eram formadas pela gente de pé e
os que, segundo a lei, deviam ter cavalo, serviam em companhias a cavalo. Ficava
então estabelecido que todos os homens válidos com idade compreendida entre os 20
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CAPÍTULO 5 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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e os 60 anos, seriam alistados na comarca em que residiam, constituindo companhias


com 250 homens com dez esquadras de 25 homens cada uma.

Este recrutamento era dirigido pelos alcaides-mores nos lugares à sua responsabilidade
ou por fidalgos eleitos pelos municípios para o cargo de capitães-mores. Este era
coadjuvado por um Sargento-Mor e a ambos competia organizar a lista dos homens da
ordenança e fiscalizar, nos dois alardos anuais no início da primavera e do outono, o
seu grau de disciplina, o estado da instrução, as condições do armamento, etc. Durante
algum tempo, o comandante das forças de ordenança de urna comarca chamou-se
«capitão-general».

As companhias de ordenanças eram comandadas por um «capitão de ordenanças».


Para além deste oficial existia também um alferes, um sargento, um meirinho e um
escrivão. Cada esquadra era comandada por um cabo. A instrução era ministrada aos
domingos pelos oficiais das companhias. Isto passava-se nas companhias a pé e nas
companhias a cavalo.

Para além do armamento que cada um devia adquirir à sua custa, as despesas de
pólvora e munições consumidas nos exercícios eram pagas pelos concelhos e, se estes
não dispusessem das verbas suficientes, estavam autorizados a lançar impostos
especiais.

Com a organização destas tropas, juntamente com as tropas levantadas e mantidas


pelos nobres mais ricos (muito poucos) e as tropas privativas da Coroa (guardas reais e
corpos de cavaleiros escudeiros), ficavam aumentados de uma forma extraordinária os
efetivos armados do reino. Toda a Nação podia ser aproveitada para defesa do
território.

Estas ordenanças, que não eram mais que tropa miliciana, deviam fornecer ao exército
em campanha homens já preparados para a guerra, constituindo, desta forma, um
fundo de recrutamento. Foram também aproveitadas para a defesa do litoral, sempre
ameaçado pelos corsários, exercendo vigilância e guarnecendo os fortes marítimos das
povoações próximas do mar. Em Lisboa organizaram-se quatro terços ou colunelas que
englobavam 12.000 ordenanças. As companhias de ordenanças faziam parte das
forças que se bateram Alcácer-Quibir

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CAPÍTULO 5 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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505. Alcácer Quibir. Crise Sucessória


“A construção de um império em Marrocos torna-se inviável no tempo de D. João III,
que reduziu a presença lusa às cidades de Ceuta e Tânger e ao presídio de Mazagão.
Esses castelos sofreram depois rudes assédios, obrigando a uma redobrada defesa
militar. Para a sua conservação, os povos aceitaram todos os sacrifícios e bem o
demonstraram quando do cerco de Mazagão e das Cortes de 1562-1563, ao
sustentarem que, por razões de prestígio e de estratégia, a coroa tinha de permanecer
no Magrebe. A heroica defesa daquela praça criara um ambiente de euforia, com a
determinação «que se não largassem os loguares de África». Era uma solução
defensiva, que apenas implicava o encargo de guarnecer os três castelos e de os
ajudar em caso de perigo”. (em História de Portugal do Professor JOAQUIM
VERÍSSIMO SERRÃO, Editorial Verbo, volume III, pág. 70).

Muitas pessoas consideravam já a Índia uma empresa sem futuro. Faziam-se ouvir
cada vez mais os defensores de urna intervenção em Marrocos invocando o perigo
constante em que se encontravam as fortalezas portuguesas no Norte de África, a
pirataria que continuava a ameaçar a navegação e outros motivos nos quais se incluem
os de ordem religiosa.

Para os que queriam procurar argumentos mais fortes, a ameaça otomana que pairava
sobre a Península Ibérica era efetivamente real. A situação interna de Marrocos e o
perigo de todo o Norte de África cair nas mãos dos Otomanos, pesaram muito na
decisão do rei português. “Grande receio advinha de um possível ataque à costa do
Algarve, e quando D. Sebastião, em 1572, promulgou os novos estatutos das ordens
militares, tinha como objetivo dispor de auxílio militar para defesa do reino.” (obra
citada, pagina 71)

“É notório que desde os meados do século XVI os Mouros redobraram os seus ataques
à costa do Algarve, obrigando a coroa a tomar medidas sérias de defesa. D. Sebastião
mandou cercar de muros a vila de Alcantarilha, que por 1550 fora saqueada com alguns
lugares anexos, e voltam mais tarde a sofrer novas assédios O monarca ordenara
também a construção de uma torre e fortaleza na barra de Tavira, para proteger as
naus que ali se acolhiam e para barrar a entrada dos «inimigos». Pelo ano de 1577, os
moradores desta vila, no dizer do cronista do Algarve, viviam sempre «com o olho sobre
o ombro», para se defenderem dos mouros que muitas vezes acometiam a sua costa; O
afastamento do perigo constituiu assim uma das razões da expedição a Alcácer-Quibir.”

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CAPÍTULO 5 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Figura 5 – 5: gravuras do século


XVII da batalha de Alcácer-Quibir.

Figura 5 – 6: gravuras do
século XVII que representa o
dispositivo da batalha de
Alcácer-Quibir.

Apesar de todas estas razões e dos defensores de uma intervenção ativa em Marrocos,
muitas vozes se levantaram no sentido contrário. O próprio Filipe II de Espanha e o
duque de Alba apresentaram razões que desaconselhavam a empresa. A situação
interna de Marrocos que caminhava para a sujeição ao imperador turco era uma boa
justificação para intervir, mas o risco era efetivamente demasiado elevado.
“Mas D. Sebastião vivia a hora de um sonho militar, desejando como «bem nascida
segurança do Reino» cobrir-se de glória”. (obra citada, página 73).
“No dia 24 de junho saía do Tejo uma grande frota, com 940 velas e 24.000 homens,
sendo 3.000 cavaleiros, 2.000 mercenários italianos, espanhóis e alemães (que o
cronista define de «mal aventurados») O mesmo cronista informa que «destes 24.000
homens, os 17 mil eram forçados e descontentes». Ia a principal nobreza do Reino e,
muitos oficiais mecânicos”. (obra citada, página 76).

Da história da batalha sabe-se que as tropas mouras eram numericamente superiores


dispunham de uma cavalaria poderosa que envolvia a força portuguesa. “No dia da
batalha (4 de agosto de 1578) mandou que ninguém se mexesse sem ordem sua; mas
esqueceu-se de dar a ordem. O exército inimigo, formado em crescente, envolveu a
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CAPÍTULO 5 – 13
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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pequena hoste, e submergiu-a. Foi um desastre completo, que, sabido no reino, o


aniquilou de espanto e dor.” (em Breve Interpretação da História de Portugal de
ANTÓNIO SÉRGIO – Livraria Sá da Costa Editor, Lisboa)
Morreu um número muito elevado de combatentes e muitos ficaram prisioneiros que só
viram a liberdade depois de terem sido pagos pesados resgates.

Com a morte de D. Sebastião ficava interrompida a linha natural da dinastia de Avis.


Iam defrontar-se seis candidatos ao trono que ficou vago. As razões invocadas por cada
um deles eram de ordem jurídica e ideológica mas só Filipe II de Espanha tinha força
para fazer valer os seus direitos. Este rei, que entre nós ficou conhecido como Filipe I
de Portugal, era filho do imperador Carlos V e de D. Isabel, filha do nosso rei D. Manuel
I. Era sem dúvida um descendente da casa real portuguesa.

D. Manuel&Maria de Aragão

D. Luís Cardeal D. Henrique D. João III&Catarina de Aústria D. Isabel&Carlos V D. Duarte&Isabel de Bragança

D. António D. João D. Maria


D. Maria & Filipe II (I)
D. Catarina& João de Bragança
D. Sebastião
Filipe III (II) Rannuncio de Parma D. Teodósio

Filipe IV (III) D. João IV

Esquema 5 – 2: Genealogia da crise


sucessória de 1580.

506. O Desenvolvimento da Arte Militar na Europa nos Séculos XVI e XVII

No século XVI assistimos à afirmação da tática hispano-italiana que assentava na


preponderância da infantaria com as suas formações cerradas e também na sua
heterogeneidade (elementos de choque e elementos de fogo). Este sistema foi
aperfeiçoado por Gonçalo de Córdoba dando origem aos famosos Tércios de Infantaria
que fizeram da força armada espanhola a mais temida da Europa. Ainda no tempo do
«Gran Capitan», no entanto, estas formações começaram a sentir as consequências do
aumento do poder de fogo no campo de batalha.

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CAPÍTULO 5 – 14
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O papel cada vez mais importante que o elemento fogo começava a desempenhar no
combate provocou o abandono gradual da ordem cerrada e profunda e a adoção de
formações mais abertas e mais estreitas. Abriram-se as formações para que o poder de
fogo do adversário não encontrasse alvos tão remuneradores e diminuíram-se as fileiras
para fazer chegar mais à frente o máximo poder de fogo possível. A cavalaria perde,
também devido ao poder de fogo das novas armas, o seu antigo poder de choque e
torna-se adequada a outras missões: proteção, reconhecimento, flagelação.

Este processo não foi nem fácil nem rápido. Dependeu muito da utilização de
progressos técnicos e do aparecimento de chefes militares que deles soubessem tirar o
máximo proveito. Para se alterarem as condições do campo de batalha é necessário
que se alterem, antes de mais, os instrumentos de combate e na época que estamos a
estudar as transformações eram ainda muito lentas.

507. Arte Militar Moderna. Período Holandês


Durante a Guerra Dos Oitenta Anos ou Revolução Holandesa (1568-1648), guerra de
independência travada pelos Países Baixos do Sul (ou Províncias Unidas) contra a
Espanha, a Holanda combateu contra os invencíveis terços espanhóis, sob o comando
de Maurício de Nassau, Príncipe de Orange, que devido às derrotas sofridas
anteriormente, entendeu que, face ao seu reduzido exército, tinha que utilizar uma nova
tática para vencer os espanhóis.
Esta tática inovadora assentava na Mobilidade de unidades menores, para combater a
Massa do conjunto de combatentes das formações dos terços de infantaria.

Para isso reorganizou e modernizou o seu exército, formando batalhões que


combinaram armas de fogo (200 mosquetes), com armas de choque (300 piques)
atuando em unidades táticas de nível Brigada, congregando oito batalhões escalonados
em três linhas conforme esquema 5-3, aumentando a frente do dispositivo o que levou
ao incremento do fogo, e permitiu a reiteração de esforços.
Este dispositivo permitia a mobilidade, flexibilidade e muito importante, eram dotados de
liberdade e independência de ação.

Piques

Mosquetes

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Esquema 5 – 3: Organização do
Exército de Nassau.
CAPÍTULO 5 – 15
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O conceito de aproveitar a mobilidade sobre a massa também foi estendido à cavalaria,


composta por esquadrões de 200 cavaleiros, equipados ligeiramente, e armados de
sabre e de pistola, divididos na ação em cavalaria de batalha ou de choque com grande
poder combativo, independência de ação e mobilidade, e cavalaria ligeira que servia
para ligação e apoio ás unidades.
Em relação à artilharia, Nassau dividiu-a em calibres, a Artilharia de Linha, que servia
para reforçar os pontos fracos da batalha e a Artilharia Ligeira que guarnecia a frente
das formações de piqueiros e mosqueteiros, e as acompanhava no desenrolar da
batalha.

7.- Mosqueteiro 8.- Piqueiro


Figura 5 – 7,8:
No século assistiu-se ao aumento progressivo do EEC FOGO no campo de batalha. Da
preponderância dos piqueiros e alabardeiros passou-se a uma situação de equilíbrio.

508. Arte Militar Moderna. Período Sueco

No início do século XVII, no decorrer da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648),


governava na Suécia o rei Gustavo Adolfo, governante e militar notável, que adaptou ao
seu exército a tática e organização de Maurício de Nassau, tirando partido do
aperfeiçoamento tecnológico que se fez então sentir. “...introduz modificações
importantes nos instrumentos de combate, que aumentam significativamente a
possibilidade de usar eficazmente o fogo; o mosquete aperfeiçoa-se no seu alcance,
precisão, facilidade de carregamento (introdução do cartucho de papel) e cadência de
tiro (1 tiro por minuto); a artilharia torna-se mais manobrável, precisa, é estandardizada
e organizada militarmente (até então os artilheiros eram artífices civis), podendo prestar
melhor apoio de fogo à infantaria e cavalaria”. (em Apontamentos da História para
Militares do General José Alberto Loureiro Dos Santos, IAEM, Lisboa, 1979, pagina
102).

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CAPÍTULO 5 – 16
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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No combate o fogo dos mosqueteiros e da artilharia desempenhava o papel mais


importante, mas eram os
mosqueteiros que dominavam a
ação procurando provocar o maior
número de baixas possível com os
seus fogos. O assalto final era
executado pelos piqueiros que
eram quem decidia o combate já
que a ação de choque da
cavalaria se tornou uma manobra
rara. Figura 5 – 9: Linha de mosqueteiros.

Este novo dispositivo apresentado por Gustavo Adolfo representa o ponto máximo da
evolução do binário fogo-choque (mosqueteiros-piqueiros) que tinha começado pela
predominância dos piqueiros e termina pela ação prioritária dos mosqueteiros. Tinha
sido abandonada a primitiva ordem cerrada e profunda das falanges suíças e chegou-se
a um dispositivo com características de ordem aberta e estreita ou linear.

“…o Exército Sueco formava em duas linhas […] dispostas em escalões alternados de
piqueiros e mosqueteiros, e apoiados e reforçados por Cavalaria e Artilharia – com as
bocas de fogo à frente, e os cavaleiros nas alas. A retaguarda era mantida uma reserva
geral composta por cavalaria e mosqueteiros, …” (Em Apontamentos de História, IAEM,
ME 73-00-00, pág. 115).
“A orientação geral das sucessivas adaptações que foram aparecendo pode sintetizar-
se da seguinte maneira o aumento do poder de fogo próprio diminui o número de fileiras
e tira importância aos piqueiros; o aumento do poder de fogo adverso leva à
necessidade de menores formações, de intervalos e do aumento da mobilidade.” (Gen.
Loureiro dos Santos, obra citada, pagina 103).

Piques

Esquema 5 – 4: Organização do
Exército de Gustavo Adolfo
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CAPÍTULO 5 – 17
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Esquema 5 – 5: Desenvolvimento da
batalha de Breitenfield.

509. Arte Militar Moderna. Período Francês


A procura da mobilidade levou os Franceses, primeiro com Luís de Bourbon, Príncipe
de Condé, e depois com o Marechal de Turenne, a organizarem as suas forças como
as de Gustavo Adolfo, sem, no entanto, perderem a tradição francesa de apostar a
decisão da batalha no poder de choque da Cavalaria.

Os mosquetes e piques organizados como os suecos, serviam para fixar o inimigo para
que a cavalaria batesse os mosquetes e piques numa primeira fase com tiros de pistola,
num sistema em carrossel, disparando, retirando-se para recarregar e voltando a
disparar frente ao inimigo, sucessivamente, para depois carregarem sobre os piqueiros.

Este sistema, apoiado pela artilharia que iniciava os combates, foi decisivo durante a
guerra dos trinta anos, nomeadamente na batalha de Rocroi (18 de maio de 1643), em
que a vitória de Condé sobre os Terços espanhóis foi decisiva e marca o fim da
hegemonia deste dispositivo de combate.

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CAPÍTULO 5 – 18
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Figura 5 – 10: Ação da cavalaria


Francesa em “carrossel” em Rocroi

Turenne, sobrinho de Nassau, aplicou os conhecimentos da estratégia holandesa e


sueca no exército francês do qual foi marechal em 1643, preferindo as batalhas em
campo aberto ao invés da proteção da artilharia das praças, utilizando a tradicional
carga de cavalaria francesa e a exploração da manobra dos elementos apeados.
Reorganizou a Infantaria por Regimentos, compostos por companhias de piqueiros,
mosqueteiros e fuzileiros, aligeirou a proteção dos cavaleiros, retirando-lhe a pesada
armadura, para melhor utilização do sabre e das pistolas, e a artilharia foi distribuída
pelas unidades de Infantaria na proporção de 4 canhões por cada mil Infantes.

Para além destas inovações que, no reinado de Luís XIV, transformam o exército
francês no mais moderno da Europa, o marechal Vauban introduz melhoramentos
consideráveis nas técnicas de construção de fortificações, que adotaram a traça
italiana, com formas poligonais, de muralhas baixas e espessas, tornando-as mais
adaptadas ao terreno, suprimindo os ângulos mortos. Em conclusão, adequando-as a
uma melhor utilização do fogo.
O assédio tentado sempre de surpresa e com rapidez, quase nunca resultava, e o
método que se seguia era o medieval, criando duas linhas, uma de Contravalação,
virada para a praça sitiada, e outra de Circunvalação, virada para fora da praça sitiada
para impedir a aproximação de exércitos de socorro.
Este marechal adaptou pela primeira vez um sabre ao mosquete, criando o sabre-
baioneta, que permitiu mais tarde ao soldado apeado possuir poder de fogo e de
choque em simultâneo. A introdução das espingardas de pederneira no exército francês
conduziu ao aumento exponencial dos volumes de fogos na frente. As batalhas

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CAPÍTULO 5 – 19
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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começam a vencer-se pelo fogo e o elemento de choque perde a preponderância,


levando ao desaparecimento dos piques.

Outra característica importante a assinalar nos exércitos desta época é a crescente


profissionalização dos seus quadros. A maior tecnologia empregue no campo de
batalha, em especial no que respeita a fortificação e artilharia, obriga a uma maior
preparação dos comandantes. Paralelamente aos levantamentos nacionais com
enquadramento profissional (nobre) utilizam-se muito as unidades de mercenários que
se exigem com a preparação adequada. Esta situação permite melhorar de forma
considerável o treino e a disciplina.

Figura 5 – 11: Forte da Graça. Elvas.


Traçado Italiano

510. Restauração da Independência de Portugal


Após a morte de D. Henrique, o Cardeal-Rei, Filipe II de Espanha fez valer o seu direito
à coroa Portuguesa e em junho de 1580, manda um forte exército espanhol comandado
pelo duque de Alba invadir Portugal, que a 25 de agosto derrotou facilmente o exército
que D. António, Prior de Crato, conseguira organizar. Nesse mesmo dia as tropas
espanholas entraram em Lisboa e em pouco tempo dominaram todo o País.

Filipe II de Espanha entrou em Portugal em dezembro desse ano e por cá ficou até
1583. Entretanto, nas cortes de Tomar (abril de 1581) foi solenemente jurado e
aclamado rei de Portugal com o título de Filipe I. Ficou estabelecido nessas cortes que
Portugal manteria muita da sua autonomia, mas a política externa passava a ser comum
aos dois países. A administração ficou inteiramente nas mãos de portugueses mas o

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CAPÍTULO 5 – 20
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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império Ultramarino continuava a ser governado exclusivamente por portugueses de


acordo com a legislação em vigor. O Português continuava a ser a língua oficial. A
moeda era portuguesa. Outras condições foram estabelecidas e resultaram até algumas
vantagens económicas para Portugal.

Filipe I de Portugal cumpriu o prometido, mas a falta de autonomia no campo


diplomático arrastou-nos para as guerras que os Espanhóis mantinham contra Ingleses
e Holandeses. A nossa marinha sofreu um duro golpe com a derrotada da «invencível
armada». Faleceu em 1598 e sucedeu-lhe seu filho Filipe II (Filipe III de Espanha) que
não tinha, de forma alguma, as qualidades governativas de seu pai. Governou (ou
melhor, delegou a governação na pessoa de um primeiro ministro) até 1621, ano da sua
morte. Visitou Portugal onde passou alguns meses em 1619. Durante o seu reinado, e
embora a situação se mantivesse estável, o domínio espanhol tornou-se cada vez mais
impopular. O seu filho e sucessor Filipe III, IV de Espanha, (desde 1621) era muito novo
(dezasseis anos) quando subiu ao trono e o governo foi completamente delegado em
Gaspar Felipe de Guzmán (Conde-duque de Olivares). A administração espanhola criou
um ambiente de revolta endémica e começaram a surgir revoltas dispersas por todo o
país que tomaram a sua forma mais espetacular em Évora, em 1637. O poderio
espanhol estava em declínio e as medidas tomadas visavam uma maior centralização.
Se os portugueses não tivessem reagido acabavam por perder o que restava da sua
autonomia.

No final dos anos vinte, do século XVII, decorria na Europa a «Guerra dos 30 Anos».
Tal conflito obrigava a Espanha a empenhar-se com grandes despesas e grande
sacrifício humano. A França recorria a todos os meios para evitar que os Espanhóis
mobilizassem contra ela todas as suas forças. Por seu lado, os Espanhóis levavam
cada vez mais tropas portugueses para lutas que não nos diziam diretamente respeito e
contrariavam o que tinha sido estabelecido nas cortes de Tomar em 1581.

511. A Revolução de 1 de dezembro de 1640


A época em que se verifica a restauração da independência de Portugal é marcada por
violentos conflitos em toda a Europa, conflitos que têm origem na luta que se faz sentir
pela hegemonia europeia e dos quais não podíamos desligar os fatores religiosos
(católicos-protestantes). Estes conflitos deram origem à chamada Guerra dos 30 Anos
na qual nos interessou particularmente a luta entre a França e a Espanha pelas
condições que se criaram e permitiram a revolução que nos restituiu a independência.

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CAPÍTULO 5 – 21
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Na Europa, apesar de alguns avanços no campo técnico e do ensaio bem-sucedido de


novos táticas, a Espanha continuava a ser uma grande potência militar. No âmbito da
Guerra dos 30 Anos, a partir de 1635, a Espanha e a França entraram em guerra aberta
como referido anteriormente. A política Francesa era então dirigida pelo Cardeal de
Richelieu, que fomentou e apoiou as tentativas separatistas com a finalidade de obrigar
a Espanha a dispersar as suas forças que se pudessem verificar nos territórios da
Coroa Espanhola.
Quando se iniciaram as revoltas na Catalunha (1640), já os preparativos em Portugal
iam muito adiantados. O apoio do duque de Bragança estava já garantido. Existia assim
um personagem com prestígio em volta do qual a nação se uniria em defesa da Pátria

O que se verificou no dia 1 de


dezembro de 1640 foi um autêntico
levantamento nacional da exclusiva
responsabilidade de dirigentes
portugueses que rapidamente
dominaram Lisboa e conseguiram num
espaço de tempo muito curto a adesão
de todo o País. Não houve
praticamente qualquer resistência em
qualquer lugar do continente.
Figura 5 – 12: Revolta do 1º de dezembro.
Morte de Miguel de Vasconcelos

512. As Conquistas da Restauração


A Guerra da Restauração mobilizou todos os esforços que Portugal podia despender e
absorveu enormes somas de dinheiro. Pior do que isso, impediu o governo de conceder
ajuda às frequentemente atacadas possessões ultramarinas, mas se o cerne do
Império, pelo menos na Ásia, teve de ser sacrificado, salvou pelo menos a metrópole de
uma ocupação pelas forças espanholas.

Portugal não dispunha de um exército moderno, as suas fortificações eram escassas –


sobretudo na fronteira terrestre – as suas caudelarias haviam sida extintas, os seus
melhores generais lutavam pela Espanha algures na Europa. Do lado português, tudo
isto explica porque motivo a guerra se limitou em geral a operações fronteiriças de
pouca envergadura, baseadas no ataque a aldeias desprotegidas, à captura de gado e

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CAPÍTULO 5 – 22
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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vitualhas, à queima de searas ou ao corte de árvores. Do lado espanhol, é preciso


lembrar que a guerra dos 30 Anos (prolongada em Espanha até 1659) e a questão da
Catalunha (até 1652) demoraram quaisquer ofensivas de vulto. A rebelião do duque de
Medina Sidónia que, em 1641, tentou separar a Andaluzia da Espanha, arredou ainda
outras tropas da fronteira portuguesa. O duque era cunhado de D. João IV e agia em
coordenação com os Portugueses.

“Algumas batalhas de campo deram vitória aos exércitos nacionais, mas, regra geral, a
guerra teve os seus altos e baixos para as dois contenderes. Os Espanhóis atuavam
normalmente como invasores e os Portugueses como defensores.” (em Historia de
Portugal do Professor A. H. de Oliveira Marques, edição Ágora, 3ª edição 1973, volume
I, paginas 445 e 446)

Para facilidade de estudo e porque correspondem a períodos bem definidos das


campanhas da Restauração, estas podem ser divididas em quatro fases que Carlos
Selvagem (pseudónimo do então Capitão de Cavalaria Carlos Tavares de Andrade
Afonso dos Santos), na sua obra Portugal Militar, apresentou na forma que a seguir se
explica.
a. 1ª Fase
“de 1641 a 1646, desde os primeiros ataques a Olivença e Elvas até ao combate
indeciso de Telena (1646, setembro), caracterizada pela atividade ofensiva dos
portugueses que, tanto no Reino, como no Brasil, infligiram as primeiras derrotas sérias
aos espanhóis (em Montijo, 1644) e aos Holandeses (nas Tabocas, 1645), se bem que
de nenhuma dessas vitórias tivessem tirado quaisquer resultados positivos.”

Nesta fase o principal teatro de guerra foi o


Alentejo cujas linhas defensivas eram definidas
pela cinta de praças fortes: Elvas, Campo Maior,
Olivença, Juromenha, Vila Viçosa, Arronches,
Estremoz, Monforte, etc., e por outra, mais à
retaguarda e quase paralela, constituída por
uma cobertura de obstáculos naturais (serra de
Ossa, serra de Monfurado) e apoiada noutra
praça forte, Évora, chave estratégica do
caminho sobre Lisboa, que não podia deixar de
Figura 5 – 13: Batalha de Tabocas ser o objetivo político dos espanhóis.

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CAPÍTULO 5 – 23
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Verificaram-se também ações militares, por vezes importantes no Norte do país e


Beiras, mas estes teatros de operações desempenharam um papel secundário.

Verificaram-se ataques de ambas as partes sendo as praças mais visadas Badajoz,


Mourão, Elvas, Olivença, Valverde. Não se obtiveram resultados decisivos e no inverno
as operações eram interrompidas até à primavera seguinte. Os cercos às praças fortes
eram preocupação de quem penetrava em território inimigo, mas por vezes, as forças
eram surpreendidas em campo aberto. Foi um destes encontros que deu origem à
batalha do Montijo em que os portugueses obtiveram uma importante vitória.

A 1ª fase caracteriza-se pela atividade ofensiva de Portugal quer na Península Ibérica


quer no Brasil. Após a derrota Holandesa em Monte de Tabocas (na atual Vitória de S.
Antão), no Brasil, em 3 de agosto de 1645, Portugal aceita tréguas assinadas em 1645,
no Tratado de Aliança Ofensiva e Defensiva, durante dez anos, que não foram
respeitadas pelos holandeses nem no Brasil, nem no Ceilão e Angola.

b. 2ª Fase
“de 1647 a 1656…, caracterizada pela atitude defensiva dos portugueses no Reino,
que se limitavam a cobertura e defesa das praças do Alentejo, Beira e Minho, ao passo
que no Brasil e em Africa conseguiram expulsar os holandeses de Pernambuco e
Angola…”

Nesta fase verifica-se assim um deslocamento da guerra para os domínios portugueses


na América e no Oriente. Os espanhóis tinham feito a paz com os holandeses e estes
eram o nosso pior inimigo nas colónias. O esgotamento da Espanha nas guerras na
Europa permitiu que as operações militares na Península se resumissem a pequenos
combates ao longo da fronteira.

A ofensiva holandesa no Brasil provocou uma


forte reação da população, portuguesa e nativa.
Com os socorros militares que foram de Portugal
e uma forte ação de guerrilha que então se tinha
desencadeado em Pernambuco, foi possível
obter as importantes vitórias nas duas batalhas
de Guararapes (1648 e 1649) e libertar todo o
Norte do Brasil.
Figura 5 – 14: Batalha de Guararapes
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CAPÍTULO 5 – 24
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Encurralados no Recife os holandeses ficaram em situação difícil de sustentar e a 26


de janeiro de 1654, depois de 21 dias de bombardeamento e assaltos de trincheiras, o
general holandês Schkoppe assinou a capitulação imposta por Francisco Barreto para a
evacuação pura e simples de todos os estabelecimentos do Brasil”.

Em agosto de 1648, Salvador Correia de Sá desembarca na ilha de Luanda e dois dias


depois assaltou as duas fortalezas holandesas que defendiam a povoação. Apesar das
dificuldades iniciais, alguns dias depois, 1.100 soldados, holandeses e mercenários,
renderam-se aos 600 assaltantes portugueses. Mais facilmente se rendeu a guarnição
holandesa de Benguela e quando os navios de Salvador Correia chegaram a S. Tomé,
Ano Bom e Príncipe já os holandeses se tinham retirado.

No Oriente os acontecimentos tornaram um rumo diferente e após longas lutas os


holandeses conseguiram apoderar-se de Ceilão (1656). Desde há muito que estava
condenado o nosso imperialismo comercial e militar na índia. “Ficavam-nos algumas
fortalezas e feitorias ao longo da costa do Malabar (Cochim, Cananor, etc.), outras ao
norte (Goa, Bombaim, Salsete, Damão e Diu), e na costa da África Oriental
(Moçambique, Sofala, etc.), algumas das quais os holandeses, já inteiramente senhores
do mar e do comércio das Índias, não tardariam a arrebatar-nos também.”
O período que medeia a 2ª fase, distingue-se por alterações políticas na Europa, como
foi o tratado de Vestefália em 1648 que vem por fim à guerra dos trinta anos libertando
a Espanha deste conflito, mas fazendo perigar a nossa independência com a exclusão
de Portugal deste tratado.
Portugal durante a segunda fase, limitou-se a defender as praças fronteiriças,
aproveitando uma trégua tácita com Espanha que não tinha nesta altura capacidade
ofensiva, devido ao conflito Catalão e a guerra dos trinta anos, para efetuar um ataque
em profundidade.
No entanto, a atividade ofensiva continuou quer no Brasil quer em Angola contra os
holandeses.

c. 3ª Fase
“de 1657 a 1660, …, caracterizada pelo malogro da enérgica ofensiva dos espanhóis, já
desembaraçados de outras guerras e dificuldades políticas no centro da Europa.”

“A expulsão dos holandeses no Brasil, a restauração de Angola, em África e a perda de


Ceilão, na Índia, simplificavam consideravelmente o problema da restauração, cujo

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CAPÍTULO 5 – 25
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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campo de operações militares ficava circunscrito à metrópole… Na metrópole, porém, a


ameaça tornava-se agora mais grave, porquanto a Espanha, mais aliviada da guerra
com a França, (Tratado dos Pirinéus 1659), podia lá dispor as suas melhores tropas e
os seus melhores generais para esmagar definitivamente a obstinada rebelião
portuguesa.”

A ofensiva espanhola que teve início na primavera realizou-se no Alentejo e no Minho.


Aqui atacaram Valença (sem sucesso) e conquistaram a fortaleza de Monção. No
Alentejo apoderaram-se de Olivença e Mourão tendo os portugueses recuperado esta
praça em outubro de 1658. Nesse mesmo mês cercaram Elvas que se viu numa
situação difícil e resistiu com grandes sacrifícios dos seus defensores. Conseguiu-se
organizar, no entanto, uma operação de socorro dando-se então o encontro que ficou
conhecido como Batalha das Linhas de Elvas, vitória espetacular dos portugueses e
que fez malograr e farte ofensiva espanhola.

Foi durante a 3ª fase que se realizaram ações


militares importantes para a nossa independência,
caso da Batalha das Linhas de Elvas em janeiro de
1659, quando a Espanha definitivamente liberta
das guerras com a França com o Tratado dos
Pirenéus, e onde Mazarino, ministro do rei gaulês,
reconhece a soberania de Espanha sobre Portugal.

Figura 5 – 15: Batalha das Linhas de


Elvas

d. 4ª Fase
“de 1660 a 1668, desde a chegada de Schomberg a Lisboa (1660) até à paz (1668,
fevereiro), e caracterizada pela enérgica reação dos portugueses…”

Schomberg introduziu em Portugal os princípios da escola militar francesa com que


organizou, disciplinou e instruiu as tropas portuguesas (fora discípulo de Turenne). As
inovações foram principalmente de natureza tática, mas, por se tratar de ensinamentos
de um general estrangeiro, encontraram a maior oposição da parte dos generais
portugueses. Foram então regulamentadas as marchas de costados, e novas
formações de batalha adotadas por Turenne e os estacionamentos em formação de
batalha que tinha a vantagem de garantir proteção e economia de tempo tanto para os

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CAPÍTULO 5 – 26
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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deslocamentos como para as manobras em frente do inimigo, manobrando,


contrariando a linha “estática” como era tradicional.
Schomberg chega a Portugal em 1660 como comandante dos exércitos e vem
acompanhado por seiscentos oficiais de cavalaria, artilharia e engenharia.

Em junho de 1662 o governo do reino fica, na prática nas mãos do conde de Castelo
Melhor, um dos mais lúcidos e enérgicos estadistas que Portugal conheceu. A partir de
então a guerra entrou numa fase decisiva. Schomberg como chefe de estado-maior e
Castelo Melhor como governante que organiza a retaguarda e fornece os meios às
tropas combatentes conseguiram, numa perfeita conjugação de esforços levar a melhor
sobre o poderoso exército espanhol.
Apesar da capitulação de Évora em maio de 1663, o exército português auxiliado pelos
contingentes britânicos conseguiu a brilhante vitória na batalha do Ameixial (8 de junho
de 1663) em que toda e artilharia espanhola, 1.400 cavalos, milhares de armas, 2.000
carros e muitos outros despojos caíram em poder dos portugueses, para além da
libertação de 4.000 prisioneiros que se encontravam em poder dos espanhóis. Merecem
também menção as batalhas de Castelo Rodrigo (7 de julho de 1664) e em especial, a
de Montes Claros (17 de junho de 1665) em que as tropas portuguesas, apesar de
ocuparem uma posição pouco vantajosa, conseguiram, com a heroica resistência da
infantaria e extraordinárias manobras da cavalaria, libertar o nosso território
definitivamente.

A 4ª fase é caracterizada pelas vitórias sobre


Espanha, levando á consolidação da
independência perante Espanha que
compreende que não tem capacidade militar de
retomar Portugal pela força das armas, frente a
um exército nacional reorganizado e eficaz,
devido à ação de Castelo Melhor e Schomberg.

Figura 5 – 16: Batalha de Montes Claros

D. Pedro II assumindo o reino por incapacidade de Afonso VI seu irmão, termina o


conflito com o Acordo de Paz Luso – Espanhol, em 13 de fevereiro de 1668, em Lisboa,
com a garantia da restituição recíproca de todas as praças tomadas. Ceuta foi a única
exceção pois não reconheceu Portugal como nação soberana, continuando na posse de
Espanha.

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CAPÍTULO 5 – 27
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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513. Organização do Exército Português Após a Restauração


Quando se dá a Restauração de 1 de dezembro de 1640, Portugal está numa má
situação económica, militar e, o que é importante para ambas os fatores anteriores,
demográfica. Em 1639 tinha sido realizado um censo da população que indicava ser o
número de habitantes inferior a 1.200.000. Destes, apenas 200.000 estariam,
teoricamente, em condições de pegar em armas.

No aspeto militar, o País estava desprovido de armas e cavalos, a marinha de guerra


estava arruinada e as fortalezas da fronteira estavam desmanteladas. Os marcos
militares da nossa fronteira com a Espanha tinham sido tanto quanto possível
suprimidos e o esforço tinha sido canalizado para a defesa das costas e do império (mal
conseguida já que com o domínio espanhol, tínhamos arranjado novos inimigos). A
legislação filipina com caráter construtivo apenas tinha contemplado medidas
administrativas como, por exemplo, o Regimento dos Sargentos-mores das Comarcas.
Ficava-nos, porém uma herança que nos fora legada por D. Sebastião e sobre a qual,
apesar e abolidas no tempo dos Filipes, se iria fundar o novo exército português: a
organização das Ordenanças do Reino.

Do ponto de vista económico a situação não era melhor. “Todo o Império Português
atravessava uma séria crise com a irrupção vitoriosa de Holandeses e Ingleses. A Rota
do Cabo, eixo da estrutura económica, deixara de constituir a fonte principal da
prosperidade e das receitas. O tráfico português entre Lisboa e a Índia reduzira-se a
menos de um terço desde 1560: […] Portugal perdera o monopólio comercial […] até no
tráfico atlântico, isto é, o que se baseava nos escravos, no açúcar e no tabaco,
declinara com os consecutivos ataques de estrangeiros ao Brasil, às Índias Ocidentais,
e costa ocidental africana e às rotas de navegação.

Mesmo em Portugal a situação económica estava longe de brilhante. Os produtores


sofriam com a queda dos preços. A crise afetava as classes baixas, cuja nobreza
aumentou sem disfarces”. (em História de Portugal de OLIVEIRA MARQUES)

Com uma situação destas o exército que podíamos formar para lutar pela nossa
independência não podia passar de um agregado de soldados mal preparados e
frequentemente mal comandados. Como ponto favorável tinha as excelentes qualidades
guerreiras do povo português.

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CAPÍTULO 5 – 28
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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D. João, Duque de Bragança após o 1º de dezembro de 1640 e de ter sido aclamado


em cortes em 15 de dezembro do mesmo ano com o título de D. João IV “O
Restaurador”, apressou-se a restabelecer as alianças com os antigos aliados,
(Inglaterra, França, Suécia) e a estabelecer acordos de paz com a Holanda. Estes
acordos e tratados eram vitais para Portugal poder financiar uma campanha que se
adivinhava longa e que teria custos imensos, e só com o restabelecimento das colónias
e do comércio tal seria possível.

Para isso foi criado um órgão de apoio à tomada de decisão do rei, o Conselho de
Estado, um órgão de consulta do rei, que nele se apoiava para tomar as grandes
decisões políticas, quer ao nível interno quer ao nível externo.
Contudo a questão da Independência não se resumia a ações diplomáticas era também
necessário criar condições para restruturar um exército capaz de a defender.
Neste ponto as dificuldades eram acrescidas, pois a governação espanhola dos Filipes
tinha arruinado a nossa economia, a agricultura estava praticamente abandonada
devido ao êxodo em massa dos Portugueses para o Brasil procurando melhor
condições de vida.
Relativamente ao exército, este tinha sido desmantelado aos poucos e dissolvido nos
Tércios Espanhóis, as fortalezas de fronteiras abandonadas, e a nossa antiga armada,
era por esta altura uma amostra insignificante da mais poderosa armada que navegou
os mares de todo o mundo.
Para tentar resolver este problema, foram criados vários organismos da estrutura
superior do exército e marinha tais como:
Conselho de Guerra, que foi um órgão fulcral da Restauração. Era presidido pelo
Capitão-General das Armas do Reino, sendo constituído por fidalgos experientes, em
que o seu objetivo era a centralização de todos os assuntos militares. Pode-se
comparar grosso modo ao atual ministério da defesa.
Para o tratamento das questões internas, o Capitão-General das Armas do Reino tinha
sob as suas ordens diretas os Governadores Militares Provinciais (Entre-Douro-e-
Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Entre-Tejo-e-Odiana e Algarve).

A nossa economia dependia essencialmente do trato comercial com as colónias


ultramarinas, pelo que a sua defesa e recuperação eram muito importantes para a coroa
nos seus objetivos de consolidação da independência. Por isso foi criado um órgão
especial para tratar das questões militares das colónias: Conselho Ultramarino, de
quem dependiam os governadores das colónias.

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CAPÍTULO 5 – 29
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Para operacionalizar a reforma das forças armadas, criaram-se órgão intermédios que
tinham como principal incumbência o financiamento, reequipamento, rearmamento e
fortificação das fronteiras, que foram assim denominados:
Junta dos Três Estados que superintendida no aprovisionamento do exército e das
praças do Reino;
Junta do Comércio que cuidava do aprovisionamento da marinha de guerra;
Junta das Fronteiras, especialmente incumbida no que dizia respeito às fortificações,
ainda de importância capital, sobretudo nas regiões de fronteira.
Foram também criados alguns cargos com responsabilidades na área da defesa, dos
quais se destaca o de Tenente General da Artilharia do Reino com jurisdição sobre o
que respeita às armas, pólvora, artilharia, fundições, fortificações e defesa de praças.

Foram nomeados Governadores de Armas (cargo que correspondia ao do antigo


Fronteiro-Mor) por cada província (Alentejo, Algarve, Beira, Trás-os-Montes, Minho e
Estremadura).
Para a constituição do sistema de forças da Nação, a primeira medida tomada foi
restabelecer, com poucas alterações, as Ordenações Sebásticas, pelas quais se
passou a nortear o sistema de recrutamento
Cada uma destas províncias dividia-se em Comarcas, que em todo o Reino totalizavam
25. Em cada comarca, um Capitão-Mor, coadjuvado por um Sargento-Mor e dois
ajudantes, superintendia no alistamento de todos os homens válidos dos 16 aos 60
anos.
Estes eram agrupados em Companhias de Ordenanças, de 240 homens cada, em
conformidade com o Regimento de Ordenanças de 1570. Cada uma destas
companhias dispunha de um capitão e demais oficiais, propostas em cada comarca
pelo capitão-mor ou pelas câmaras e nomeados por carta patente do rei.
Destas Companhias de Ordenanças saíam os elementos para o Exército de Primeira
Linha e para as Tropas Auxiliares.
O Exército de Primeira Linha, permanente e regularmente pago, era constituído por
20 mil infantes e 4 mil ginetes, organizado em terços de infantaria e companhias de
cavalaria. Num e noutro caso, os oficiais eram recrutados na nobreza.

O terço de infantaria dispunha ainda de um estado-maior de que fazia parte um


Sargento-Mor de Campanha, dois ajudantes de Sargento-Mor e outros oficiais. As
Companhias, com um efetivo de 200 homens, eram comandadas por um Capitão e o
enquadramento das tropas era feito pelos Alferes, Sargentos e Cabos de Esquadra.

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CAPÍTULO 5 – 30
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Muitos dos oficiais que enquadravam este novo exército tinham adquirido certa
experiência da forma como combatia a infantaria espanhola nas guerras da Espanha na
Flandres.

Os terços de infantaria eram constituídos por partes iguais de Piqueiros e


Arcabuzeiros. Os primeiros estavam armados com um pique com cerca de 5,5m de
comprimento, uma espada, um peitoral e uma celada (capacete de ferro). Os
arcabuzeiros não usavam armadura defensiva e estavam armados com um arcabuz ou
espingarda de mecha com forquilha e uma adaga. A infantaria formava para o combate
em quadrados (esquadrões), com 50 piqueiros de lado, rodeados e flanqueados nos
vértices por quadrados (mangas), de arcabuzeiros. O combate desenvolvia-se
simultaneamente pelo fogo e pelo choque.
O recrutamento de soldados para a infantaria era feito através das listas de ordenanças
e compreendia os filhos segundos de todas as classes, exceto os lavradores e os órfãos
de pai.

A cavalaria, organizada em companhias de 100 ginetes dividia-se em Lanceiros e


Mosqueteiros. Os primeiros estavam armados com lança e protegiam-se com um elmo,
uma couraça e proteções para os braços. Os segundos utilizavam o mosquete, espada,
adaga e por vezes pistola e protegiam-se apenas com um elmo.
As companhias de cavalaria eram comandadas por um Capitão e as topas enquadradas
pelos Alferes e Sargentos.

Desde sempre a cavalaria tinha sido um privilégio das classes superiores (ou apenas
estas tinham possibilidade de pertencer à cavalaria). Esta era uma questão que,
segundo a mentalidade da época, se tornara pertinente levantar e, por alvará de 1642,
o exercício da cavalaria pertencia particularmente à nobreza. Os próprios soldados
eram normalmente recrutados entre os filhos segundos das famílias fidalgas. Para
garantir a boa preparação desta classe de combatentes foi criado o cargo de Tenente
General da Cavalaria que era um inspetor da cavalaria em cada exército.

Estas tropas eram pagas pela coroa: recebiam pão e 50 réis por dia. Os oficiais eram
recrutados na nobreza e nomeados pelo rei. Os soldados eram recrutados nas listas de
ordenanças (por sorteio) entre os filhos segundos de todas as classes exceto filhos de
viúvas e os lavradores, estes serviam nas Tropas Auxiliares.

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CAPÍTULO 5 – 31
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Todos os terços de infantaria, assim como as restantes tropas de primeira linha,


estavam, subordinados ao Governo de Armas de uma Província cujo Comandante era
um Mestre de Campo General (general de Infantaria).

As Tropas Auxiliares, compreendendo 25 terços Provinciais e 5 de Linha, cada um


deles com 600 homens, eram constituídas com base no recrutamento dos órfãos de
pais, lavradores e homens casados.
As Tropas Auxiliares ou Milícias constituíam o segundo escalão de tropas territoriais.
Estavam organizadas em Terços auxiliares, cada um dividido em 10 companhias a 60
homens cada. Inicialmente formaram-se apenas alguns Terços Auxiliares, mas depois
de 1646 tornaram-se extensivos a todas as comarcas (25 das províncias e 5 de Lisboa).
Quando necessário, os Terços Auxiliares eram obrigados a acudir às fronteiras ou a
guarnecer as praças-fortes. Neste caso, passavam a vencer soldo e a receber pão
como os militares do Exército de Primeira Linha.
Esta segunda linha, constituía uma espécie de reserva do exército, tendo de estar apta,
em caso de necessidade, a assumir funções idênticas às do Exército de Linha
.
As Ordenanças eram divididas em companhias territoriais, sendo formadas pelos
restantes homens válidos. Tinham uma função de depósito de recrutamento, onde se
iam arregimentar elementos para os outros dois escalões, destinando-se, caso se
entendesse que era útil, a guarnecer as praças e fortalezas e ao serviço local.
Para sustentar a guerra no Brasil, onde a luta contra os holandeses assumiu as maiores
proporções, foram organizados terços compostos por brancos, negros e índios. O
sistema de forças no Brasil variava de região para região, assumindo uma estrutura
flexível, de acordo com o grau e direção da ameaça.

Perante uma situação tão difícil era necessário tomar as medidas adequadas com a
máxima urgência. Um decreto de 11 de dezembro de 1640 criou o Conselho de Guerra
que tinha a missão de centralizar e superintender em todos os assuntos respeitantes à
guerra. Equivalia a um atual ministério da defesa. De igual forma foram rapidamente
criados outros órgãos que tinham a ver com assuntos militares: a Junta dos Três
Estados que superintendida no aprovisionamento do exército e das praças do Reino o
Conselho Ultramarino que tratava da defesa das colónias; a Junta do Comércio que
cuidava do aprovisionamento da marinha de guerra; a Junta das Fronteiras,
especialmente incumbida do que dizia respeito às fortificações, ainda de importância
capital, sobretudo nas regiões de fronteira.

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CAPÍTULO 5 – 32
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Foram também criados alguns cargos com responsabilidades na área da defesa dos
quais se destaca o de Tenente General da Artilharia do Reino com jurisdição sobre o
que respeita às armas, pólvora, artilharia, fundições, fortificações e defesa de praças.
Foram nomeados Governadores de Armas (cargo que correspondia ao do antigo
Fronteiro-Mor) por cada província (Alentejo, Algarve, Beira, Trás-os-Montes, Minho e
Estremadura). Cada uma destas províncias dividia-se em comarcas, que em todo o
Reino totalizavam 25. Em cada comarca, um Capitão-Mor, coadjuvado por um
Sargento-Mor e dois ajudantes, superintendia no alistamento de todos os homens
válidos dos 16 aos 60 anos. Estes eram agrupados em Companhias de Ordenanças,
de 240 homens cada, em conformidade com o Regimento de Ordenanças de 1570.
Cada uma destas companhias dispunha de um capitão e demais oficiais, propostas em
cada comarca pelo capitão-mor ou pelas câmaras e nomeados por carta patente do rei.
Destas Companhias de Ordenanças saíam os elementos para o Exército de Primeira
Linha e para as Tropas Auxiliares.

A fortificação mereceu, como no podia deixar de ser, uma atenção muito especial sob
influência da Escola Francesa, D. João IV nomeou engenheiros-mor do reino de
nacionalidade francesa que introduziram em Portugal as técnicas desenvolvidas por
Vauban. Nos primeiros anos, no entanto, essas técnicas limitaram-se quase só a
adaptar de uma forma racional a fortaleza ao terreno a fortificar e muitas obras
exteriores completaram as anteriores fortificações das praças.

Em todas as entradas naturais do território nacional (Minho, Beira e Alentejo) foram


construídas as maiores e mais importantes praças portuguesas (Valença, Almeida e
Elvas). Na maior parte dos pontos da fronteira por onde era possível a entrada dos
inimigos, construíram-se fortificações das quais ainda hoje nos podemos facilmente
aperceber da simplicidade (estavam reduzidas ao essencial) o que demonstra as
dificuldades financeiras que então se faziam sentir.

Foi feito um esforço muito grande de fortificação no Alentejo pois foi considerado que
seria esta a região preferida pelos espanhóis para invadirem Portugal. O desenrolar das
campanhas demonstrou que se tratou de um esforço oportuno e acertado. Em Lisboa,
as fortificações foram fundamentalmente de natureza marítima. Este conceito
estratégico da fortificação manteve-se durante as guerras da primeira metade do século
XVIII (Guerra da sucessão e parte da Guerra dos Sete Anos).

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CAPÍTULO 5 – 33
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Para instrução dos oficiais foi criada a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar o que
demonstra a importância que as praças-fortes tinham na tática daquela época. Foram
igualmente tomadas medidas tendentes ao ensino e aperfeiçoamento dos artilheiros.

Com vista e reforçar a cobertura que os Terços Auxiliares davam em todo o País
ordenou ainda que os comendadores e cavaleiros das Ordens Militares estivessem
apetrechados com armas e cavalos para a guerra e criou um terço de infantaria formado
pelos clérigos e freires do arcebispado de Lisboa, tendo por comandante o Deão da Sé.

Figura 5 – 17 Mosqueteiro, Piqueiro e


Rodeleiro, séc. XVI

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CAPÍTULO 5 – 34
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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514. A Batalha das Linhas de Elvas


A capital portuguesa, Lisboa, era o objetivo estratégico final dos espanhóis. Para barrar
o eixo do Alentejo, o mais utilizando para a invasão de Portugal, existiam duas linhas
defensivas:
1ª LINHA: constituída pelas praças-fortes de Campo Maior, Olivença, Juromenha, Vila
Viçosa, Arroches, Estremoz, Monforte e Elvas, sendo esta última a mais importante das
praças.
2ª LINHA: mais à retaguarda, constituída pelos obstáculos naturais das serras de Ossa
e Monfurado, conjugados com a praça-forte de Évora.

No século XVII, como já vimos, a nação estava semeada de praças e os exércitos não
se atreviam a penetrar em território inimigo sem as neutralizarem primeiro, o que
significava recorrer frequentemente à guerra de sítio. Nestas circunstâncias é natural
que Elvas tivesse sido um chamariz para o exército espanhol, tal como Badajoz foi para
o exército português.

Neste tipo de guerra, o exército sitiante (o que atacava a praça forte) começava por
investir a praça, fazendo o máximo uso da surpresa o que muito raramente era
conseguido. Não obtida a surpresa, envolvia-se completamente a praça com duas
linhas de entrincheiramentos:
A Linha de contravalação, voltada para a praça, com o fim de se opor às saídas da
guarnição;
A Linha de Circunvalação, voltada para o exterior, para deter qualquer tentativa de
socorro.
Esta tentativa de socorro era uma operação muito arriscada numa época em que a
preponderância do fogo já conferia importantes possibilidades ao defensor. De facto, o
atacante começava a sofrer a 600 metros a ação da artilharia e a 200 metros o fogo dos
mosquetes.
A partir da Linha de Contravalação era então lançado ataque à praça que normalmente
resistia. Algumas vezes à custa de pesadas baixas o atacante rompia a linha do inimigo
no assalto realizado com piques e conquistava a praça-forte.

Em junho em 1658 o exército português comandado por Joane Mendes de Vasconcelos


foi pôr cerco a Badajoz. Apesar do valor e bravura com que se baterem os portugueses
faltou-lhes um plano bem concebido e método. As perdas sofridas, uma epidemia que
então provocou ainda mais baixas e a notícia de que os castelhanos estavam a

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CAPÍTULO 5 – 35
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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organizar um importante exército de socorro, foram fatores que levaram um Conselho


de Guerra a decidir pela retirada das nossas forças. Esta efetuou-se em meados de
outubro e em seguida grande parte do nosso exército foi distribuído por várias praças.
Quanto aos auxiliares e ordenanças foram licenciados, pois o inverno estava à porta.

O comandante das forças espanholas, D. Luís de Haro, no entanto, não atendeu ao


facto de já se estar em fins de outubro e, depois de passar por Santa Eulália de
Barbacena, vai pôr cerco à praça de Elvas com um exército de 14.000 infantes, 5.000
cavaleiros e numerosa artilharia, tomando logo conta do convento de S. Francisco (que
hoje serve de cemitério) e do Monte da Graça, onde ergueram dois redutos.

A praça de Elvas possuía um conteúdo valioso: 250 cavalos, o trem de artilharia,


tendas, bastantes mantimentos e quase todos os recursos militares do Alentejo. André
de Albuquerque reconheceu a inutilidade da cavalaria dentro das muralhas pelo que,
ainda a tempo, retirou com ela para Estremoz.

Entretanto os castelhanos
estabeleceram-se em volta de Elvas,
organizando as linhas de circunvalação
e seis quartéis de acampamento
distanciados entre 600 e 1200 metros
da praça. Esses acampamentos ou
quartéis estão assinalados na
figura 5 – 8.

Figura 5 – 18: Linhas de Elvas

Foi também organizada uma linha de contravalação. Esta linha e a de circunvalação


apoiavam-se em vários fortins, sendo os mais importantes os de Vale de Marmelo e da
Corte que melhor defendiam a estrada de Vila Boim.
Em fins de novembro chegou a Estremoz o Conde de Cantanhede, D. António de
Menezes, futuro Marquês de Marialva, para organizar o exército de socorro. Para o
efeito conseguiu reunir 10.000 homens, dos quais 2.000 eram cavaleiros, e sete bocas
de fogo. Dos infantes 2.500 eram do exército de linha e 5.500 pertenciam aos terços de
auxiliares e ordenanças.

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CAPÍTULO 5 – 36
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Para libertar a Praça de Elvas foi aprovado em Conselho de Guerra o plano que
consistia em avançar diretamente sobre Elvas e atacar com toda a energia sobre uma
frente única pelo lado dos Murtais, em combinação com uma vigorosa saída dos
sitiados. Este plano foi transmitido a D. Sancho Manuel (comandante da Praça de
Elvas) com o pedido para enviar cinco soldados que conhecessem bem o terreno, para
servirem de guias. Estes, depois de saírem de Elvas, não conseguiram atravessar as
linhas espanholas e caíram prisioneiros. É, portanto, de presumir que os espanhóis
ficaram logo senhores das intenções dos portugueses.

Figura 5 – 19: Cidadela de Elvas

Foi, no entanto, mantida a decisão tomada e, no dia 11 de janeiro de 1659, o exército


de socorro punha-se a caminho. No fim do primeiro dia de marcha foi reforçado com as
guarnições das praças de Vila Viçosa, Borba e Jerumenha. No dia 12 de janeiro chegou
à Atalaia do Mato onde se lhe juntaram as guarnições de Campo Maior, Arronches e
Monforte e formou o dispositivo de batalha (o que na época era demorado). No dia 13
atingia Atalaia dos Sapateiros, de onde a artilharia colocada na Atalaia deu uma salva
que foi correspondida, conforme o combinado, pelo forte de Santa Luzia, ficando
cientes os sitiados da aproximação do exército de socorro.
Ocuparam-se as posições e iniciaram-se os reconhecimentos. Nestes verificou-se que o
trabalho das linhas de circunvalação e contravalação estavam a ser executados
rapidamente e permitiam uma boa defesa. Soube-se também que os espanhóis tinham
sido reforçados com mais 3.000 infantes e 500 cavaleiros. O cuidado especial posto na
construção das linhas do lado dos Murtais indicava que o inimigo estava informado da
direção do ataque planeado pelos portugueses.

O exército espanhol deliberou aguardar nas linhas o ataque do exército de socorro


português. O dia 14 amanheceu com nevoeiro cerrado e uma força de cavalaria
espanhola enviada a reconhecer as posições portuguesas não detetou qualquer

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CAPÍTULO 5 – 37
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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movimento. Os espanhóis concluíram então que qualquer ação da parte dos


portugueses teria apenas a finalidade de reconhecerem melhor as linhas inimigas. As
tropas espanholas foram então mandadas descansar, dado que tinham permanecido
toda a noite em dispositivo de combate. Apenas ficaram guarnecidos os fortins da linha
de contravalação.

O ataque português desencadeou-se cerca das oito horas da manhã, quando o


nevoeiro começava a dissipar-se, surpreendendo completamente os espanhóis e
provocando confusão nas suas fileiras. O ataque principal deu-se no terreno
compreendido entre o Convento de S. Francisco e o Alto da Graça. A cavalaria
espanhola ainda tentou uma ação de contra-ataque sobre as forças portuguesas que
tinham penetrado o dispositivo inimigo, mas foram repelidos. O comandante das forças
espanholas vendo que estas não podiam sustentar a posição retirou para Badajoz. O
desastre só não foi mais grave para os espanhóis, porque as forças portuguesas não se
encontravam na melhor situação para efetuar a perseguição.

Figura 5 – 20: Batalha das Linhas de Elvas

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CAPÍTULO 5 – 38
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 6 HISTÓRIA MILITAR SÉCULO XVIII
601. Introdução
Desde o início do reinado de D. Pedro II (1667 como regente) e da assinatura do tratado
de paz com a Espanha (1668), em que se reconhecia a independência plena de
Portugal, que se vivia em ambiente de estabilidade política. Tanto o reinado de D. Pedro
II (1667 a 1706), como o de D. João V (1706 a 1750), foram longos e ajudaram a essa
estabilidade.

Figura 6 – 1: D. Pedro II Figura 6 – 2: D. João V

Em Portugal D. Pedro II reestrutura o exército (1702-1704), que mantinha ainda o


dispositivo das Guerras da Restauração, com as unidades organizadas em terços, com
os piqueiros a manter o predomínio da ação. Em 1703 depois de adquirir alguns
mosquetes de pederneira, incentiva a conversão dos piqueiros a mosqueteiros de forma
a aumentar o fogo nas formações. Em 1704, os Terços de Infantaria passam a ser
completamente profissionais e pagos com o proveito do comércio de tabaco.

Este longo período de estabilidade não foi totalmente isento de conflitos externos. A
Guerra da Sucessão de Espanha trouxe devastação ao Alentejo e Beira, entre 1704 e
1708, embora as forças portuguesas e aliados tivessem, em regra, obtido vitórias. Em
1716 e 1717, D. João V enviou duas esquadras para ajudar o Papa e Veneza a
combater os Turcos.

Após a crise sucessória em Espanha, D. João V, vai reorganizar o exército nacional,


aproximando-o da organização francesa do marechal Turenne. Assim, em 1707
promulga as “Novas Ordenanças”, substituindo os Terços de Infantaria por Regimentos

CAPÍTULO 6 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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compostos por 12 companhias. O Agrupamento de 2 Regimentos passa a constituir a
Brigada.
Nas “Novas Ordenanças” de João V o recrutamento este era feito com base no
preconizado nas “Ordenações Sebásticas” do séc. XVI.
Após o tratado de paz de Utrecht, que pôs fim à guerra de sucessão espanhola, o
efetivo foi reduzido e em 1735, D. João V, vai adotar o batalhão (600 homens), como
unidade tática de infantaria, correspondendo um Regimento a 2 batalhões, e a adoção
da espingarda de pederneira para toda a Infantaria, assim como a constituição de
unidades de Granadeiros.
Estas medidas, no entanto, não foram totalmente aplicadas, e no reinado de D. José I
ficaram esquecidas, por ação do marquês de Pombal, até às invasões da Guerra
Fantástica.

602. Reformas militares na Europa desde o Tratado de Vestefália até séc. XVIII
Após o tratado de Vestefália em 1648, os exércitos vão sofrer alterações na sua
organização e empenhamento estratégico.
Os exércitos a partir de então passam a ser o garante da independência de cada país,
que coligados em alianças tentam manter o equilíbrio de forças entre as várias
potências Europeias. Para que esta intenção prevalecesse, foi necessário a criação de
exércitos “profissionais” e “permanentes” às ordens dos monarcas quer em tempo de
guerra, quer em tempo de paz, levando a avultadas despesas para a sua manutenção.
As guerras eram feitas exclusivamente pela vontade da coroa, que utilizava a máquina
militar como instrumento da sua política.

Instrumento privilegiado na condução da política externa, tentava-se utilizar as forças


armadas com alguma parcimónia, numa guerra limitada, fugindo a grandes batalhas
decisivas, caras em homens e material.

Neste período, finais séc. XVII e meados séc. XVIII, a guerra era de desgaste e assédio.
De desgaste, não de aniquilamento, de forma a esgotá-lo e não a destruí-lo
completamente. De assédio porque a estratégia baseava-se no cerco das cidades e
fortificações, no corte de comunicações e abastecimentos, obrigando o estado
antagonista a capitular, devido à falência logística e financeira, e levá-lo a negociar em
desvantagem, que o vencedor explorava, tirando dividendos políticos e mais importante:
económicos

CAPÍTULO 6 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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603. Arte Militar Moderna. Séc. XVIII, “Manobra de Frederico”.
O exército prussiano de Frederico II foi um exército modelo no século XVIII. Retratava
todas as tendências que até então se revelaram. Utilizou como arma de fogo portátil a
espingarda de pederneira com baioneta, que transformava o infante simultaneamente
em elemento de fogo e de choque e beneficiou de um grande desenvolvimento da
artilharia.

A espingarda tinha uma cadência dupla da do mosquete, 3 tiros por minuto. Isto
significava que o combatente demorava metade do tempo a carregar a arma. Assim era
possível diminuir o número de fileiras e manter a mesma densidade de fogo na frente.
Os dispositivos tornaram-se longos no sentido da frente, e estreitos, no sentido da
profundidade. A ordem de batalha profunda atuando pelo choque dos terços de
piqueiros, dá lugar à ordem linear atuando pelo fogo dos mosquetes e espingardas.
Com estas mudanças táticas, os soldados tinham que ter preparação, instrução e treino
prévio, para que a linha desenvolvesse em ordem e eficazmente frente ao inimigo,
exigindo uma grande disciplina de fogo, de modo a obter o máximo volume de fogos.

A infantaria era colocada ao centro em duas ou três


linhas separadas cerca de 300 metros. Em cada linha os
batalhões estendiam-se em frentes longas, separados
uns dos outros por pequenos intervalos porque o fogo
ainda não é suficiente para bater esses espaços que
ficam entre cada unidade. Nas alas deste dispositivo
colocava-se a cavalaria. A artilharia era colocada à frente
da 1ª linha ou em pontos dominantes em terreno
próximo. Na retaguarda da formação era colocada a
reserva, composta por regimentos de cavalaria e
infantaria. Este dispositivo, no entanto, era demorado de
organizar. Figura 6 – 3: Frederico II
Rei da Prússia

Esquema 6-1: Organização exércitos de Frederico II

CAPÍTULO 6 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O combate começava pelas descargas da artilharia e da infantaria, ao que se seguia a
luta corpo-a-corpo. O fogo tem um papel importante na preparação do combate. A
decisão é obtida ainda pelo choque da infantaria armada de espingardas com sabre-
baioneta ou da cavalaria. Estes dispositivos longos (no sentido da frente) são difíceis de
manobrar no terreno pelo que se pratica a ação paralela e frontal. Os melhores chefes
militares não perdem, contudo, a oportunidade de com as suas forças mais recuadas,
tentarem manobrar pelas alas.

A hierarquia militar tornava-se cada vez mais profissional. Os avanços tecnológicos


aplicados aos instrumentos militares exigiam mais conhecimentos técnicos. Era
necessário treinar, planear e executar com eficácia. Estas características não se
compadeciam com amadorismos. Consolida-se então a hierarquia militar profissional
recrutada ainda, na sua maior parte, na nobreza. Quanto aos soldados, muitas vezes
incorporados à força, vêm das áreas marginais da sociedade. Esta grande diferença
entre oficiais e soldados obriga à utilização de uma disciplina férrea.

A partir de meados do século XVIII a Revolução Industrial começava a fazer-se sentir,


no entanto, ainda não existe uma produção em série capaz de produzir grandes
quantidades de armamento a custos mais baixos. As armas são caras, os soldados
profissionais são caros. Por outro lado, o aumento considerável do poder de fogo (tanto
de artilharia como da infantaria) veio trazer maiores necessidades de reabastecimentos
em munições. Como forma de colmatar esse problema desenvolveu-se a logística.

O facto de os exércitos serem caros também os obriga, por um lado, a serem mais
pequenos e, por outro, a planear com mais cuidado o seu emprego o que vem reforçar,
mais uma vez, a ideia de profissionalismo. Evitam-se as batalhas e procura-se
desgastar o inimigo atingindo as linhas de comunicações e os seus abastecimentos. A
guerra apostava numa estratégia de desgaste económico e material de um estado, não
o seu aniquilamento, para retirar dividendos num tratado de paz subsequente à guerra.

As praças-fortes continuam a ser elemento essencial no apoio a estes exércitos porque


é a elas que recolhem quando não resta outra solução se não tomar uma atitude
meramente defensiva e é nelas que se encontraram os reabastecimentos. Elas estão
suficientemente próximas umas das outras para que se possam socorrer entre si em
tempo oportuno. Estas praças situam-se fundamentalmente nos corredores de invasão

CAPÍTULO 6 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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(veja-se o caso do Alentejo em Portugal) constituindo, para o exército amigo, bases de
manobra e centros de reabastecimento e, para o exército inimigo, pontos fortes que não
deve ignorar porque veria a sua retaguarda ameaçada.

Figura 6 – 4: Batalha de Hohenfreidberg (1745)

Neste ambiente, Frederico II da Prússia, através de uma boa utilização dos


aperfeiçoamentos técnicos, de um treino intenso, de uma disciplina muito dura e
do profissionalismo, consegue tirar o máximo rendimento do seu exército tornando-o
invencível em técnica militar naquela época.

A infantaria prussiana treinava intensamente a execução do fogo, a pé firme e em


marcha, e as evoluções táticas feitas em marcha cadenciada (75 passos por minuto) em
que os homens se mantinham muito bem alinhados (cotovelo contra cotovelo). Estes
movimentos deviam ser milimetricamente exercitados nos campos de manobras e
consistiam em passar rapidamente da coluna de marcha para a linha de batalha e na
rápida adoção do dispositivo em quadrado para receber a cavalaria.

A artilharia passou a ser puxada a cavalo o que possibilitava o deslocamento mais


rápido das bases de fogos e foram exploradas novas técnicas que permitiram fazer tiro
indireto. A artilharia pesada tomava posições nas alturas e a artilharia ligeira na frente
dos batalhões. Estas mudanças das bases de fogos eram para Frederico II um fator
importante porque procurou sempre tirar o máximo partido da manobra (tanto quanto
lhe era possível com dispositivos lineares). Para dispor da maior massa de fogo
possível, aumentou o número de bocas de fogo até 4 peças por cada 1.000 homens.

CAPÍTULO 6 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A cavalaria englobava os campos de «couraceiros», «dragões» e «hussardos». O seu
terreno tinha como base a equitação, a esgrima e os movimentos táticos a galope. Os
couraceiros eram utilizados nas cargas a galope para obterem o máximo poder de
choque enquanto as unidades ligeiras de hussardos e dragões caracterizavam o seu
combate pela «carga a varrer», e pelas missões tradicionais de cobertura, exploração,
incursão e reconhecimento.

Neste período os exércitos vão ser fracionados em unidades menores que melhoravam
a manobra e os deslocamentos, criam-se as Divisões, que permitem ao exército
progredir separadamente em colunas por caminhos diferentes, concentrando-se na
zona da batalha.
Utilizando o mesmo principio Divisionário de separação dos corpos e dos elementos de
choque e fogo atribuídos agora ao combatente, as unidades surgem mais moveis,
permitindo atacar o inimigo pelos flancos em manobras torneantes, muito rápidas e
eficazes, sem cometer o “suicídio” de um ataque frontal em grande escala.

No campo da manobra tática, Frederico II procurou sempre evitar o ataque frontal. “A


ação tática de Frederico fundamentava-se na realização de uma manobra que
concentrasse os fogos da infantaria seguida do seu poder de choque e as cargas de
cavalaria, em ação decisiva num ponto da frente adversárias, normalmente numa ala.”
(em Apontamentos de História para Militares. Loureiro dos Santos).

Figura 6 – 4: Batalha de Zondorf (1758)

CAPÍTULO 6 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Esquema 6 – 2: A manobra de Frederico:


Com o terreno fornecendo corredores desenfiados, o exército desfilava a coberto de
uma guarda avançada e depois era rebatido sobre uma ala do adversário.
Quando o terreno era descoberto, fazia-se, em primeiro lugar, um desenvolvimento
paralelo à frente inimiga; em seguida, enquanto uma das alas ficava imóvel a outra
avançava em escalões para contornar o flanco oposto do adversário; os escalões, à
medida que progrediam, faziam fogo; a ala recuada, nesta hipótese, desempenhava o
papel de aguarda avançada com na hipótese precedente.

Outra grande característica do exército de Frederico II era a feroz disciplina a que


sujeitava as tropas. “… Os homens devem temer mais os seus chefes do que o
inimigo…” e para tal os soldados eram treinados como autómatos e em resultado da
aplicação desta regra a perfeição do fogo e movimento alcançados pelos seus
batalhões era tal, que os levou a ser conhecidos por “baterias andantes”.
Resumindo, a manobra tática de Frederico baseia-se na mobilidade dos fogos de
artilharia e na manobra que concentra os fogos de infantaria, seguida do seu poder de
choque e a cavalaria, em ação decisiva e esclarecedora num ponto da frente do inimigo,
normalmente numa das alas.

CAPÍTULO 6 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Para que esta manobra tivesse sucesso assentava, resumidamente, em três
pressupostos, que eram a Liberdade de Ação, (recorrendo à tomada de iniciativa, a
ousadia e ardis e à rapidez na execução da manobra), garantida pela surpresa, mas
nunca descurando a segurança, a Manobra de Envolvimento, e a Concentração de
Esforços ou do potencial da força num ponto mais vulnerável, normalmente nas alas.
Frederico II da Prússia, sublinhava, que as guerras deveriam ser o mais breves
possível, mas intensas, e que se deveria ter a iniciativa do ataque, escolhendo o melhor
momento para com isso obter vantagem sobre o inimigo.
Para isso Frederico obedecia a quatro princípios fundamentais:
a. Disciplina e treino
Feroz disciplina em que afirmava “Os homens devem temer mais o seu chefe
que o inimigo.”
Soldados treinados com autómatos nas marchas e no tiro tornando-os “Baterias
andantes”.
b. Logística
“Os Alicerces de um exército são o estômago.”
Planeamento de depósitos, arsenais e comboios, ao longo da marcha do
exército.
c. Ofensiva para solução objetiva dos conflitos
“As Guerras só se decidem com batalhas.”
Frederico II defendia sempre uma ação ofensiva sobre o inimigo, como forma
única de vencer. Mais tarde deu também espaço para a defensiva.
d. Praticabilidade do emprego de meios
Definição da melhor forma de emprego de meios disponíveis face às diferentes
situações que podiam ocorrer, quer na campanha quer na batalha,
pormenorizando o emprego combinado da diferentes Armas.

604. Portugal Pombalino.


a. Introdução
Após a morte de D. João V, em 1750, o seu filho D. José I, chamou para assumir o
governo do reino um ex-diplomata, Sebastião José de Carvalho e Melo, a quem o rei
concedeu os títulos de Conde de Oeiras (1759) e Marquês de Pombal (1770). “Este
princípio de confiar a governação a um primeiro-ministro nada tinha de novo, quer em
Portugal quer fora dele havendo-se mesmo convertido em regra geral na Europa dos
séculos XVII e XVIII.” (Oliveira Marques, obra citada)

CAPÍTULO 6 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A forma de governar de Pombal insere-se na


evolução que se fazia sentir havia já mais de
um século. Com ele o absolutismo atingiu o
seu ponto mais elevado, iniciava o regime que
ficou conhecido por «despotismo
esclarecido». Perante o poder real todas as
classes eram niveladas, os privilégios
baseados na hereditariedade e na tradição
eram abolidos, assim como todos os
organismos políticos ou sociais que de
alguma forma pudessem controlar a
administração central. Para tal era necessário
retirar todas as formas de poder das mãos da
alta nobreza e do clero pelo que estas classes
sofreram as mais ferozes perseguições.
Figura 6 – 5: Marquês de Pombal

605. O Exército Português no séc. XVIII


As grandes transformações que se verificaram nos exércitos europeus não são postas
em prática em Portugal. Ainda durante as campanhas da Restauração foram
introduzidas reformas de acordo com a doutrina francesa de Turenne. O implementador
dessas reformas, Schomberg, acaba por deixar Portugal vítima da intriga dos que
(generais por direito de nascimento e privilégio) não suportam a experiência do
estrangeiro profissional e perito nessa arte.
Quando o Marquês de Pombal ascende ao poder e inicia a sua luta contra a nobreza
está a hostilizar os quadros superiores do exército. Estas perseguições à nobreza
estavam a afastar os chefes militares. Carlos Selvagem na sua obra Portugal Militar
afirmou: “faltava ao sistema um organismo defensivo – o exército – de que toda a via
Pombal sempre se receou, por não ignorar quanto um exército forte, disciplinado e bem
comandado, poderia constituir, em mãos inteligentes, uma perpétua ameaça contra o
seu desportismo. E no reino, apesar da sua passividade, ainda havia homens como o
marquês de Alorna, Diogo de Mendonça e outros (depois perseguidos e encarcerados)
que lhe podiam fazer sombra e reduzi-lo à impotência.”

CAPÍTULO 6 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Antes do início da Guerra Fantástica, 1762, conflito inserido na Guerra dos Sete Anos,
de 1756 a 1763, opondo a França a Inglaterra e que assolou o Norte e centro do país,
D. José tomou uma série de medidas que tinham como objetivo melhorar o valor da
força armada do reino, mas sem que alterassem a verdadeira capacidade defensiva da
nação e que se baseou no aumento dos efetivos, baseado num recrutamento forçado
dos mais humildes, que sem vontade, sem comando, sem armamento e sem treino, não
passava de um aglomerado de gente sem objetivos.

No seu artigo O Exército Português antes e depois do Conde de Lippe, publicado na


Revista Militar, 1991, página 361, o Coronel António Martins Barreto dá-nos uma
perspetiva da força militar de então e dele foram extraídas as passagens seguintes:
“(...) no início da guerra, em Portugal, e não contando com o reforço de 7.000 ingleses,
o exército tem aproximadamente 8.000 homens de 1ª linha, que constituem o Corpo de
Manobra e aproximadamente 25.000 homens de auxiliares e ordenanças, que só
poderiam ser empregues na guarnição das Praças.

Figura 6 – 6: Espingarda de pederneira de finais do


século XVIII.

Mas, então como hoje, os números não representaram o valor da força e há limites
inferiores de organização, de disciplina e de treino, que se ultrapassados, como
infelizmente sucedera antes da Guerra, destoem a coesão, e força moral e a
operacionalidade de qualquer Exército, que só com muita habilidade e dilatado tempo
poderão ser reconstruídas. É que as estruturas de defesa, a competência dos quadros,

CAPÍTULO 6 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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os hábitos de disciplina e instrução, a coesão e a força anímica dos combatentes
podem facilmente destruir-se por desatenção do Poder, mas não se constroem de
imediato, por disposições régias ou decretos.

606. Guerra do Pacto de Família


A situação internacional nesta época é marcada como referido anteriormente por um
violento conflito que opõe a Grã-Bretanha (reinado de Jorge II) à França (reinado de
Luís XV), na denominada guerra dos Sete Anos ou Guerra do Pacto de Família.
Tratava-se da disputa de vastos territórios no continente americano. Essa luta
estendeu-se à Índia onde os ingleses ocuparam todas as praças francesas. Do lado dos
ingleses está a Rússia e a Prússia (de Frederico II). A França une-se com a Espanha no
«Pacto de Família».
Neste contexto internacional Portugal procura manter-se à margem do conflito, isto é,
manter uma posição de neutralidade. Alinhar do lado da França implicava maiores
dificuldades na comunicação com o nosso ultramar ou até a sua perda. Alinhar ao lado
da Inglaterra traria a hostilidade do Pacto de Família, de que fazia parte a Espanha e
correr o risco de uma invasão. O maior problema era que não dispunha dos meios
militares aptos a defender essa neutralidade, isto é, a dissuadir qualquer potência de
interferir nos nossos territórios e interesses.

As dificuldades que enfrentaríamos ao colocarmo-nos a favor da Inglaterra (uma batalha


naval entre ingleses e franceses nas nossas águas territoriais) são fatores que tornam
difícil manter a neutralidade. A Espanha dispõe as suas forças junto à fronteira de
Portugal e juntamente com Luís XV exige, num prazo de quatro dias, a nossa adesão
ao Pacto de Família (além do mais D. José era casado com uma infanta espanhola,
Mariana Victória de Bourbon) e que se fechem os portos aos navios britânicos. Portugal
recusa a adesão a tais propostas e faz saber que está na disposição de usar o direito
de defesa perante quem invadisse o território nacional. Foi sem dúvida tomada a atitude
correta, mas o exército português não se encontrava de forma alguma, preparado para
a guerra.
Em abril de 1762 o exército espanhol apodera-se de Castelo Rodrigo, sem combate. O
objetivo era tomar Almeida, guarnecida por 3.000 homens sem instrução nem disciplina,
que desertaram. Descuidada que tinha sido a nossa própria segurança e defesa nada
mais restava que pedir auxílio aos nossos aliados (os ingleses). Juntamente com muitos

CAPÍTULO 6 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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oficiais e várias unidades os ingleses enviaram a Portugal o Conde de Lippe, oficial da
mais elevada craveira, com o encargo de reorganizar as forças nacionais.

Conde de Lippe chegou a Portugal (3 de julho de 1762), durante o conflito peninsular


que ficou conhecido por “Guerra Fantástica” ou do “Pacto de Família”. A guerra estava
no início e as ordens que então deu de imediato foram determinantes para o sucesso da
campanha. Destaca tropas para cortar o avanço das forças inimigas sobre o Porto ou
Lisboa e executa manobras de diversão na fronteira do Alentejo. As suas manobras
obrigam o inimigo a dividir as suas forças e cortam-lhes as linhas de comunicações.
Os espanhóis são obrigados a retirar e assinar um armistício.

Esta ação imediata do Conde de Lippe na guerra de 1762 veio demonstrar que, contra o
que nós próprios pensávamos, tínhamos possibilidade de defender o País contra forças
superiores. O importante agora era selecionar e formar os quadros militares e investir
na instrução, no equipamento e no armamento. Muitos documentos escritos enviou o
Conde de Lippe ao governo português, procurando demonstrar que seria sempre mais
caro refazer apressadamente um exército, para acudir às crises, do que mantê-lo em
permanência com uma capacidade operacional credível.

607. Reorganização Militar pelo Conde de Lippe em Portugal

Frederico Guilherme Ernesto, conde reinante de


Shaumberg – Lippe, na Alemanha, ou Conde de
Lippe, iniciou a sua vida militar nas Guardas
Inglesas, de onde passou à marinha, e a seguir,
tomou parte na campanha de 1745 contra os Turcos.
Depois de viajar alguns anos, sucedeu ao pai no
governo dos seus estados em 1748, dando realce às
suas notáveis capacidades de governante. Em 1756,
no começo da Guerra dos Sete Anos, com um
exército por si organizado segundo os preceitos de
Frederico II da Prússia, evidenciou as sues
Figura 6 – 7: Conde de Lippe;
qualidades militares vindo posteriormente desempenhar as funções de Grão-Mestre da
Artilharia aliada na Alemanha, tomando parte em várias campanhas.

CAPÍTULO 6 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Terminada a campanha da Guerra Fantástica, a pedido de D. José I continuou o
trabalho de reorganização para que o exército português ficasse em condições de
cumprir a missão de defesa do reino. Para isso introduziu em Portugal os princípios da
escola militar de Frederico II da Prússia. Essa escola defendia uma disciplina dura, um
treino intenso, constante aperfeiçoamento técnico e profissionalismo. A sua ação tática
baseia-se na mobilidade dos fogos de artilharia e na manobra que concentra os fogos
da infantaria seguida do seu poder de choque e as cargas de cavalaria em ação
decisiva, em geral num flanco do adversário. Esta capacidade de manobra é utilizada
para concentrar forças quando e onde necessárias. Tal ação tática necessita para ser
executada de aturado treino, o que não era prática no exército português da época.

Em 1764 inspecionou cuidadosamente as fronteiras portuguesas e mandou melhorar


algumas fortificações e construir outras tendo então regressado à Alemanha. Em 1767
voltou a Portugal par verificar o andamento das instruções que até então dera e dirigir
uns exercícios. Esteve entre nós cerca de seis meses e teve ocasião de apreciar
significativas melhorias no Exército Português. Depois de abandonar novamente o Pais
não deixou de escrever regularmente enviando recomendações sobre a melhor maneira
de conduzir os assuntos militares.

Infelizmente assim que foi assinada a paz com a


Espanha o Marquês de Pombal desviou a sua
atenção para outros assuntos que de momento
lhe davam maior preocupação. Esquecia-se mais
uma vez que o treino das tropas, a competência
dos seus quadros, os hábitos de disciplina e de
instrução, a coesão e o moral, podem facilmente
desaparecer por falta da atenção constante da
parte do poder, mas não se constroem de
imediato por disposições régias ou por decretos.

Figura 6-8: Oficial e Soldados do 1.º


Regimento da Corte (1762-64).

CAPÍTULO 6 – 13
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Pelos nossos soldados exprimiu o Conde de Lippe a
sua admiração na seguinte passagem; “admirável
perseverança do soldado português, que suportou
as maiores privações, e que, não obstante o pronto
estrago do calçado, marchava alegremente por
aqueles caminhos de agudos rochosos, deixando
por toda a parte vestígios dos seus pés
ensanguentados”.

Figura 6-9: Soldado de Infantaria;


da Praça de Valença (1762).

Em 1763 e 1764, com a publicação dos novos regulamentos de infantaria e cavalaria,


foi modernizada a organização tática destas forças de acordo com os princípios
militares da época.
O exército nacional com a organização regimental à imagem dos exércitos prussianos,
podia contar em permanência com cerca de 30 mil homens para a defesa do país,
distribuídos da seguinte forma:
- 25 Regimentos de Infantaria, a 10 companhias, 8 de espingardas e 2 de Granadeiros;
- 10 Regimentos de cavalaria, a 8 companhias com 4 esquadrões;
- 4 Regimentos de Artilharia, 12 companhias;
- 1 Regimento de Voluntários;
- 1 regimento da Armada.

Estas novas instruções foram objeto de treinos e demonstrações, como por exemplo, as
manobras realizadas logo em 1763, no Campo da Ajuda, com 4 regimentos de
infantaria e uma força de artilharia. Os melhoramentos foram tais que em 1766 um
observador estrangeiro escrevia: “A infantaria portuguesa está muito bem disciplinada.
Marcha e manobra bem; mas é necessária mais prática de campo…”.
Foi ainda dado um grande impulso ao levantamento de plantas e cartas militares o que
se deveu à importância que o conhecimento do terreno tinha para as manobras táticas e
para a execução das obras defensivas.

CAPÍTULO 6 – 14
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Deixou-nos ainda regulamentos sobre a forma como deviam ser feitos os
recrutamentos, sobre a justiça e disciplina militares, sobre os recursos financeiros,
armamento, munições, víveres e fardamentos. De tudo o que mandou publicar destaca-
se:
«Regulamento para o Exercício e Disciplina dos Regimentos de Infantaria», de
1763, que ainda eram utilizados no século XIX;
«Regulamento para o Exercício e Disciplina dos Regimentos de Cavalaria», de
1764, que serviu também por muitos anos;
«Instruções Gerais relativas as várias partes do serviço diário», de 1762, que
foram reimpressas no século XIX;
«Ordenança que determina as obrigações dos inspetores das tropas», de 1767;
«Direções que hão de servir para os senhores Coronéis, Tenentes-coronéis e
Majores de Regimentos de Infantaria», de 1767.

Dedicou, como não podia deixar de ser, grande importância à fortificação,


especialmente nas fronteiras. Por ele mandado construir foi o Forte da Graça, em Elvas,
inicialmente chamado Forte de Lippe. A construção da fortaleza de Almeida, iniciada
durante as campanhas da restauração, foi concluída no final do séc. XVIII pelo Conde
de Lippe.

Figura 6-10: Forte de Almeida

CAPÍTULO 6 – 15
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 7 HISTÓRIA MILITAR SÉC. XIX-XX. PERÍODO CONTEMPORÂNEO

701. Introdução
O século XVIII foi o século das revoluções. Em 1762 Jean-Jacques Rousseau fez esta
profecia: «Aproximamo-nos do estado de crise e do século das revoluções». Os
acontecimentos cedo lhe deram razão: entre 1773, o ano em que estalou a rebelião das
colónias inglesas da América, e 1789, data que assinala o princípio da Revolução
Francesa, o mundo ocidental foi sacudido por motins que, em alguns países, tentaram
alterar a ordem estabelecida. É o caso da Suíça (em particular, em Genebra), das
Províncias Unidas (a atual Holanda) e dos Países Baixos do sul, austríacos (a atual
Bélgica).

O fracasso dos mencionados movimentos não constituiu obstáculo para que o ideal
revolucionário se alargasse durante o último quartel do século XVIII. Os extraordinários
progressos das ciências e das técnicas, assim como os primórdios da industrialização,
modificaram os costumes. Influenciadas pelos filósofos que divulgavam as novas ideias
sobre a igualdade inata dos indivíduos e a possibilidade de entendimento entre os
homens, muitas pessoas começaram a raciocinar e a criticar melhor: exigiram, mais
umas liberdades e quiseram ser responsáveis pelo seu destino, sem estarem sujeitos
por muito tempo à cega obediência a um príncipe absoluto, por muito justo que este
fosse.
Estas aspirações não passaram, em regra, dos ambientes mais cultos. Nas camadas
mais baixas da sociedade as preocupações eram muito diferentes: fundamentalmente,
era preciso sobreviver. A Europa estava em pleno desenvolvimento económico, mas o
aumento da população provocou o aparecimento de grande número de desempregados
e os géneros necessários à sobrevivência das pessoas, por não serem abundantes,
eram muito caros, apesar dos avanços verificados na agricultura. Aumentava o número
de descontentes e vagabundos que deambulavam pelos campos e pelas cidades,
predispostos a tudo e que não tinham nada para perder.

702. A revolução francesa e Napoleão Bonaparte


A França era, então, a principal potência europeia; dispunha de uma administração
organizada e de uma brilhante vida cultural. Durante o reinado de Luís XIV o poder
concentrou-se progressivamente nas mãos do monarca absoluto. Este despotismo real
reduziu a influência da nobreza, ainda que esta conservasse os seus privilégios sociais:
— o direito de ocupar altos cargos, a isenção quase total de impostos e o seu domínio
sobre a população rural.

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CAPÍTULO 7 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A faustosa vida da corte e as guerras em que a França então interveio provocaram


graves problemas económicos. Os camponeses estavam oprimidos com pesados
impostos e tanto a nobreza como o clero fugiam de contribuir para as despesas do
Estado. Por seu lado, a burguesia (os cidadãos mais cultos e mais ricos) reclamava
maior participação no poder. Cada vez se sentia mais instabilidade social. O antigo
regime começava a desmoronar-se.

A situação de instabilidade social aumentou com a difusão das ideias revolucionárias


sobre a liberdade e justiça desenvolvidas pelos filósofos ingleses e franceses, como
Locke, Montesquieu, Voltaire, Rousseau e outros. Do outro lado do Atlântico, na
América, adotava-se uma constituição liberal. A monarquia francesa, contudo, não
soube adaptar-se às exigências dos novos tempos. As mais tímidas tentativas de
reforma fracassavam e já ninguém acreditava que fosse possível encontrar uma
solução no regime vigente. “Depois de mim, o dilúvio”, dissera Luís XVI. E,
efetivamente, o dilúvio chegou sob a forma de uma revolução que pretendia acabar com
a velha sociedade de classes.

O assalto à Bastilha, a 14 de julho de 1789, permanece como símbolo da Revolução e é


festejado como o dia nacional de França. Iniciou-se então um período de reformas nas
quais é elaborada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sob a divisa
“Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Em 1792 a Revolução toma um aspeto mais
violento, com perseguições e execuções em grande número. É instaurado um regime
que ficou conhecido pelo «Terror» (1793 a 1794) em que se destacam figuras como
Marat, Danton, Robespierre. O rei é executado na guilhotina a 21 de janeiro de 1793.

A partir de 1795, com uma nova forma de governo, o


Diretório, vive-se novamente um período de relativa
tranquilidade. A burguesia torna-se cada vez mais rica
mas a classe trabalhadora sofre sempre mais com a
subida dos preços e o descontentamento atinge vastas
camadas da população. Neste ambiente surgem diversas
tendências revolucionárias e alguns grupos monárquicos
tentavam o regresso da monarquia, contando com o
apoio dos emigrados e da Inglaterra. Este movimento foi
prontamente esmagado pelo jovem general Napoleão

Figura 7 – 1:
Napoleão Bonaparte

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CAPÍTULO 7 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Bonaparte, herói das guerras de Itália e que acabava de regressar de uma brilhante
campanha no Egito.

O Diretório, que anteriormente contara com o apoio de Napoleão contra os


conspiradores monárquicos, esperava agora tirar partido da popularidade do general
para consolidar a sua posição. Mas Napoleão não estava disposto a deixar-se utilizar.
Converteu-se em senhor do Diretório e aproveitou a impotência e debilidade do Estado.
Com o golpe de Estado do 18 de Brumário (9 e 10 de novembro de 1799), Napoleão
dissolveu o Diretório e pôs em prática os seus ambiciosos planos convertendo-se no
primeiro cônsul do país, isto é, num verdadeiro ditador. Em 1802 é nomeado por
plebiscito cônsul vitalício. Depois de estar no poder por cinco anos, Napoleão fez-se
coroar imperador, em 1804.

Durante pouco mais de dez anos Napoleão conseguiu vitórias que alargaram as
fronteiras da França e quase o converteram em dono da Europa. Mas nem sempre a
sorte das armas lhe sorriu como foi o caso da desastrosa campanha da Rússia em
1812. Em Leipzig (1813) foi vencido pelos exércitos aliados da Prússia, Áustria, Rússia
e Suécia. Os aliados ocuparam a França em 1814 e, obrigado pelos seus generais,
Napoleão capitulou sendo desterrado para a ilha de Elba. Passado um ano evadiu-se
da ilha, chegou a França, e voltou à cena política num período chamado «dos Cem
Dias». As potências europeias armaram-se novamente e em Waterloo e sob o comando
de Duque de Wellington, infligiram a Napoleão uma derrota definitiva. Os Ingleses
impuseram então o desterro perpétuo na longínqua ilha de Santa Helena, no Atlântico
Sul onde faleceu em 1821.

703. A Influência da Revolução Francesa nos Exércitos


A influência da Revolução Francesa nos exércitos ocidentais e, posteriormente em todo
o mundo, foi muito grande. Até aqui observámos que, sempre que se verificaram
importantes alterações sociais verificaram-se também alterações nas instituições
militares. Com a Revolução Francesa fizeram-se sentir alterações mais ou menos
profundas na área do recrutamento, tanto no que respeita à qualidade como à
quantidade, na tática, na estratégia, na disciplina e moral e em muitos outros aspetos.

Com a Revolução caíram os privilégios da nobreza e era esta classe social que até
então fornecia os oficiais para o exército e marinha. Depois da Revolução, extintos os
privilégios também no meio militar, os oficiais passaram a ser selecionados pela sua
competência e não pela sua condição de nobres.

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CAPÍTULO 7 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A França revolucionária que desafia a Europa está rodeada de inimigos e não tem outra
saída que não seja considerar as suas extensas fronteiras como um vasto campo de
batalha. Esta situação exigia um exército numeroso o que em França não constituía
problema porque, para isso, dispunha da nação mais populosa da Europa.

Os exércitos das monarquias que enfrentavam a França, os exércitos da Inglaterra, da


Prússia ou da Áustria, eram ainda exércitos profissionais, altamente treinados, com
soldados caros que importava preservar. Eram os exércitos dos reis que defendiam os
interesses reais. Em França, no entanto, os exércitos eram compostos por cidadãos que
acorriam a defender a pátria.

Aos exércitos reais, profissionais, altamente treinados, enquadrados por oficiais


oriundos de uma nobreza que defendia os seus privilégios, sucedia um exército não
profissional em que cada soldado era facilmente substituído e, por isso mesmo, se
apresentava mal preparado e até um pouco indisciplinado, mas pronto a defender o que
considerava seu, e enquadrado por oficiais que atingiram os postos de chefia por mérito
e não por privilégio.

Ao recrutamento efetuado com cuidadosos critérios de seleção sucedeu o recrutamento


em massa. Os pequenos, ou pelo menos não muito grandes, exércitos reais viram-se
perante um exército de centenas de milhares de cidadãos soldados. Ao recrutamento
destinado a alimentar um serviço profissional sucedeu o recrutamento destinado a
alimentar um serviço militar geral, pessoal e obrigatório.

“O general aristocrático do século XVIII considerava o seu exército como uma


ferramenta cara do rei, difícil de conseguir; cada soldado um elemento difícil de repor;
cada choque frontal um fracasso da manobra. O general revolucionário tinha estas
considerações; o seu exército era uma ferramenta barata do Estado e, por cada baixa, o
Estado podia dar-lhe uma centena de cidadãos soldados...” (Em Apontamentos de
História para Militares, por General Loureiro dos Santos, IAEM, 1979.)

As guerras limitadas do século XVIII chegaram ao fim. Uma guerra é limitada quando
tem limites para a reunião dos efetivos, para a duração dos combates e para a extensão
dos conflitos. Depois da Revolução estas limitações deixaram de existir. Os conflitos
entre os estados deixaram de ter limitações quanto ao espaço e quanto aos meios
utilizados.

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CAPÍTULO 7 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A tática sofreu uma alteração radical. O cidadão-soldado, pelo seu pouco tempo de
instrução, não podia realizar uma tática difícil e complicada como a dos velhos exércitos
do século XVIII que, antes de mais, procuravam conservar as forças combatentes. O
exército revolucionário nunca seria capaz de executar a meticulosa tática prussiana,
não tinha preparação para tal.

Carnot, que foi quem criou o sistema militar da república Francesa, preconizou que a
única forma de superar o problema foi enviar ao choque mais homens do que balas
podiam ser disparadas pelo inimigo. O novo método é o emprego ofensivo de grandes
massas de infantaria. A tática deixou de se preocupar no que respeita à conservação
dos soldados.

“Do ponto de vista técnico existia já uma cartografia capaz de permitir o planeamento
estratégico e tático. Existia uma razoável rede de estradas, pontes e canais, capaz de
facilitar os movimentos de grande quantidade de tropas. Os armamentos eram já
fabricados em série: espingardas de sílex com sabre baioneta e cartucho de papel, com
alcance eficaz de 250 metros e que permitiam uma cadência de 3 tiros por minuto a
artilharia era já muito móvel, o que facilitava a sua concentração, dispunha de peças
intermutáveis, cartuchos de papel e tinha um alcance de 600 metros para projéteis
maciços e de 1.200 metros para metralha.” (Loureiro dos Santos, ob. cit., pag.112).

Os exércitos profissionais, de dimensões reduzidas, usavam pesados sistemas


logísticos que se tornavam incompatíveis para exércitos de grandes dimensões e que
necessitavam de se movimentar com rapidez. Foi necessário aligeirar o sistema
logístico passando a explorar-se tanto quanto possível os recursos locais. Os exércitos
deviam viver do terreno. O sistema logístico não pôde, apesar disso, ser descurado
porque os consumos de armas, munições e equipamentos são cada vez maiores e só
podem ser produzidos por uma indústria mobilizada para a guerra. Neste sistema
logístico, os países conquistados forneciam parte considerável dos víveres necessários
aos exércitos napoleónicos, no entanto os exércitos não dispensaram uma linha de
comunicações com a retaguarda que lhes permitia receber munições, materiais,
armamento, indispensáveis ao combate, apoiando-se essa linha nas cidades e fortes ao
longo do dispositivo.
Para evitar que os exércitos exaurissem rapidamente os recursos de um local, este
estava dividido (diz-se reunido) nos seus corpos de exércitos e estes nas divisões,
distanciados, formando uma teia, que lhes permitia quando fosse necessário entrar em
batalha, concentrar as forças reunidas.

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CAPÍTULO 7 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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704. Tática de Napoleão


O Sucesso obtido por Napoleão, que
operacionalizou o sistema militar de Carnot,
foi conseguido, baseando a sua organização
militar na Divisão, (ao contrário dos ingleses
que assentavam o seu exército em Brigadas
Independentes, como foi o caso das
unidades britânicas que desembarcaram em Portugal em 1808).

Assim a divisão napoleónica, contava com efetivos


de 7000 a 12 000 homens, integrando 2 Brigadas de
Infantaria a 2 Regimentos, 1 regimento de cavalaria,
1 de artilharia, 1 de engenharia e 1 de Serviços,
constituídos por 5 a 6 Batalhões (forma tardia) com
900 homens cada, divididos em 9 Companhias
sendo que no BI uma das companhias era de
Granadeiros e exploradores (Tiralleures). A artilharia
dispunha de 8 bocas de fogo por bateria e o regimento de cavalaria era composto por 4
a 5 esquadrões de 200 homens cada.

Em cerca de 1804, com o crescente número de Divisões, houve necessidade e criar um


escalão intermédio, o Corpo de Exército englobando cerca de 30 000 homens, com
estado-maior.
“O conjunto das forças (Corpos de Exército) constituía “La grande armée” com estado-
maior, 2 a 3 divisões de Infantaria, 1 divisão de cavalaria, reserva de cavalaria e reserva
de Artilharia.” (adaptado de Gen. Loureiro dos Santos ob. citada pág. 116.)

XXX

XX XX X I
EM ●
●●

“ … no sistema napoleónico, o batalhão recorria fundamentalmente a duas formações: a


coluna para manobrar e atacar e a linha para defender.

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CAPÍTULO 7 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O regimento, a brigada e a divisão dispunham-se também de forma simples, adotando a


ordem elástica e profunda.” Adaptado de Gen. Loureiro dos Santos ob. citada pág. 117).

“… Os dispositivos ingleses […] favorecia a linha em detrimento da coluna […] os


ingleses utilizavam a ordem descontínua e linear.” De Gen. Loureiro dos Santos ob.
citada pág. 117).

A ordem de batalha normal de Napoleão dispunha-se em dois blocos ou massas, uma


para iniciar e desenvolver o combate e a outra massa para a decisão da batalha.

Figura 7 – 2:
Ordem de Batalha Napoleónica

705. Manobra de Napoleão.


A manobra de Napoleão ou Batalha Napoleónica, consistia numa ação concertada que
visava colocar o inimigo numa posição desfavorável para o combate, de tal modo que a
solução era a rendição ou o total aniquilamento
Esquematicamente, a manobra de Napoleão era executada tendo em conta a
superioridade ou inferioridade numérica perante o inimigo.

a. Manobra de Napoleão com superioridade numérica:

Figura 7 – 3:
Manobra de Napoleão com superioridade numérica.
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CAPÍTULO 7 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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1. 1ª Fase (Preliminares):
- Revelar o dispositivo inimigo;
- Enganá-lo quanto às intenções. (Finta);
- Procurar pontos fracos ou áreas onde estes possam ser criados;
- Ação de cavalaria: Reconhecimento, Proteção, Medidas de Deceção;
- Fixação do inimigo em toda a Frente;
- Obrigação do inimigo a empenhar reservas através de: Infantaria e Cavalaria com
apoio da Artilharia.

2. 2ª Fase (Manobra torneante)


- Consolidação da fixação da frente inimiga;
-Manobra Torneante sobre a ala mais próxima da Linha de Retirada (cortar
possibilidade de retirada e reorganização à retaguarda), com uma massa torneante
utilizando os corpos em 2ª Linha da 1ª Massa;
- Criação de um ponto fraco na frente inimiga quando da tentativa de repelir a ataque da
massa torneante, que era explorado pela reserva, ou 2ª massa, com a cavalaria,
artilharia e Infantaria.

3. 3ª Fase (Ataque pela reserva)


- Atuação da reserva sob o ponto fraco criado, com forças mais potentes, como a
cavalaria de choque, grande massa de artilharia numa grande concentração de esforços
sobre o ponto fraco.

4. 4ª Fase (Rotura e Aniquilamento)


- Rotura da Frente inimiga;
- Separação em pequenas partes da frente agora destruída;
- Perseguição, Exploração do Sucesso e Aniquilamento do adversário normalmente
pela reserva da cavalaria.

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CAPÍTULO 7 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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b. Manobra de Napoleão sem superioridade numérica a partir de uma posição


central:

Figura 7 – 4:
Manobra de Napoleão sem superioridade numérica a
partir de uma posição central.

1. - Aproveitamento da separação normal inicial das forças inimigas;


- Colocação em posição central em relação às fações inimigas;
- Concentração de esforços batendo em separado e em superioridade as fações
inimigas;
- Utilização criteriosa de elementos de segurança permitindo-lhe:
- Iludir o inimigo sobre a operação;
- Dificultar a chegada de reforços ou socorro do inimigo;
- Resguardar as forças empenhadas.

706. Portugal na Época da Revolução Francesa


Após a morte de D. José em 1777 sucedeu-lhe no trono a sua filha D. Maria. Com a
nova rainha o Marquês de Pombal foi afastado da corte e um novo grupo de pessoas
ascendeu ao poder.
As principias alterações relativamente ao regime anterior verificaram-se sobretudo no
campo da política externa. Enquanto o governo de Pombal sempre se colocara clara e
inequivocamente ao lado da Inglaterra, o governo de D. Maria I preferiu oscilar em
compromissos entre a Inglaterra e a França atitude difícil de tomar para um país que
dependia tanto do mar, e acabou por se empenhar numa aliança com a Espanha e a
Inglaterra e enviar forças para a Catalunha para tomar parte numa ofensiva
conjuntamente com os espanhóis, contra a França na denominada campanha do
Rossilhão e da Catalunha (1793-1795), que resultou numa vitória dos Franceses sobre
a aliança Luso-Espanhola.

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CAPÍTULO 7 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A Espanha, no entanto, diligenciou um acordo de paz com a França, a paz de Basileia


onde Portugal permitiu que a Espanha negociasse com a França em seu nome.
Perante este acordo Portugal saiu como nação vencida da guerra, obrigada a pagar
pesada indemnização de guerra e forçada a fechar todos os portos aos ingleses,
nossos aliados e inimigos de França ao qual Portugal não acedeu.
Os acordos secretos celebrados entre a Espanha e a França previam mesmo a invasão
e conquista de Portugal e, em 1801, é declarada a guerra. Foi uma campanha curta que
durou apenas três meses (a Guerra das Laranjas), na qual o exército português foi
sistematicamente derrotado no Alentejo. A guerra terminou com a entrega de Olivença a
Espanha e o pagamento de uma pesada indeminização.

Era sabido que a Espanha, apoiada pelos franceses, esperava uma ocasião para
reconstruir a união ibérica perdida em 1640. Esta situação agravou-se com o bloqueio
económico decretado por Napoleão, o Bloqueio Continental de 1806, obrigando a fechar
os nossos portos aos navios ingleses, além de outras disposições. Se Portugal
obedecesse ao bloqueio, os ingleses apoderavam-se do Império Português no caso
contrário seria a invadido pelos exércitos franceses e o seu governo teria de fugir para o
Brasil.

Em agosto de 1807, perante as evasivas do governo português o governo francês


apresenta um ultimato: ou Portugal declarava guerra à Inglaterra até 1 de setembro, ou
os exércitos franco-espanhóis invadiam o País.
Em 27 de outubro de 1807, em Fontainebleau, o ministro espanhol Manuel Godoy, e
Napoleão Bonaparte, acordaram a invasão de Portugal e a sua divisão noutros três
reinos:
- A Lusitânia Setentrional (Minho e Douro) para a filha de Carlos IV de Espanha;
- A Lusitânia Central (trás os Montes, Estremadura e Beira) para Napoleão,
- O principado dos Algarves (Alentejo e Algarve) para Manuel Godoy.

Em meados de novembro de 1807, o


general francês Junot atravessou a
fronteira portuguesa com corpo de
exército, denominado Exército da
Observação da Gironda.

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CAPÍTULO 7 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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707. O Exército Português


Depois de o Conde de Lippe ter abandonado Portugal o exército português deixava
novamente decair a sua organização militar. (em História do Exército Português do
General Ferreira Martins, Editorial Inquérito Limitada, Lisboa, 1945).
Apesar da quebra de operacionalidade do exército português, esta instituição não
deixou de merecer a atenção dos novos governantes. As relações com Espanha
continuavam tensas e só com o tratado de 11 de março de 1778 se afastou a hipótese
de nova guerra. Mas havia outros motivos de preocupação.

Terminada a campanha da Guerra das


Laranjas, o marechal de Goltz general
prussiano da escola de Frederico, foi
nomeado comandante em Chefe do Exercito.
O Governo português, pelos seus resultados
da campanha, compreendeu que era
necessário dedicar muita atenção à defesa
do Reino e é ordenado que se proceda a
uma nova incorporação e que sejam tomadas
as medidas necessárias no sentido de
modernizar o exército.

Figura 7 – 5:
Soldado de um batalhão de Caçadores
na época das invasões Francesas.

De Goltz passou revista ao exército português, considerou o seu estado pouco


satisfatório e elaborou um relatório em que propunha as medidas que considerava
necessárias para melhorar a defesa do País. De igual forma, mereceu a sua atenção a
disciplina das tropas e restabeleceu os regulamentos do Conde de Lippe que tinham já
caído no esquecimento. Como tinha já acontecido com aquele oficial, a implantação de
tais medidas despoletou uma série de inimizades e intrigas que levaram de Goltz a
pedir a demissão e a abandonar Portugal em junho de 1802. Muitas das suas
indicações foram, no entanto, aproveitadas pelo governo que os implementou até 1806.
Em maio de 1806, ano do ultimato do Bloqueio Continental, foi dada uma nova
organização ao Exército que ficava então formado por três divisões (Divisão do Sul,

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CAPÍTULO 7 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Divisão do Centro e Divisão do Norte) cada uma composta por 8 regimentos de


infantaria, 4 de cavalaria e 1 de artilharia (de artilharia na Divisão do Sul).

Figura 7 – 6:
5º Dispositivo do Exército Português
1806

Em outubro de 1807 foram reorganizadas as Milícias (antigos terços de auxiliares) e as


Ordenanças. O Reino era dividido em 24 partes com população idêntica a que se
chamavam Brigadas de Ordenanças que forneciam cada uma, o recrutamento para um
regimento de infantaria de linha. Em cada brigada haveria mais dois regimentos de
milícias.
Todas estas medidas estavam ainda em início de implementação quando se deu a 1ª
Invasão. O exército de linha mantinha-se mal pago, indisciplinado, mal-armado e mal
instruído, além de minado pela influência das novas ideias que, de França, chegaram
antes dos invasores.

708. Guerra Peninsular.


a. Introdução.
“A Guerra Peninsular, como é designada em Portugal e Inglaterra, ocorreu no inicio do
séc. XIX. Em Espanha é conhecida pela Guerra de la Independencia. Este evento viria
a unir os três países no combate às profundas conturbações que, então, tiveram lugar.
Recuando aos últimos decénios de setecentos encontra-se a origem desse marcante
acontecimento. Os velhos sistemas absolutistas que governavam quase toda a Europa
mostravam sinais de fraqueza. As revoluções ocidentais que abalaram o século XVIII e,
entre elas, a que levou à independência dos Estados Unidos da América, viriam a
contribuir para as convulsões sociais que, brotando em vários países da Europa.
preparariam a revolução Francesa de 1879.” (Em História de Portugal, Guerras e

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CAPÍTULO 7 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Campanhas Militares, Guerra Peninsular 1801-1814, de António Pedro Vicente,


Quidnovi, pág. 7).

709. A 1ª Invasão (19 de novembro de 1807 a 31 agosto 1808)


As tropas de Junot, comandante do exército da Gironda, cerca de 25 000 homens,
entram em Portugal em 19 de novembro de 1807 por Segura, na Beira Baixa, enquanto
que os generais espanhóis coligados, Tarranco e Cacaffa se dirigem ao Minho, Solano
entra pelo Alentejo e instala o seu Quartel-general em Setúbal. O general francês
chegou a Sacavém em 29 de novembro, já muito de noite, acompanhado por um
regimento de granadeiros e o regimento 70 de Infantaria “…incompletos, esfomeados e
esfarrapados.”, (General Ferreira Martins, ob. citada), contando com os Generais
Delaborde, Loison e Trevot para governar Portugal em nome de Napoleão.

Ao avanço do exército francês não foi oferecida


qualquer resistência de quaisquer tropas
portuguesas que seguiram as indicações do
príncipe regente de receber o invasor como
“amigo”.
E não teria sido tarefa difícil opor resistência a um
exército que tinha sido dizimado por dificílimas
marchas sob chuva torrencial, com grandes
carências de alimentação e fardamento.

Figura 7 – 7:
Jean Andoche Junot, Duque de
Abrantes.

A família real, a conselho dos ingleses e seguindo um plano que já tinha sido pensado
no tempo de Marquês de Pombal para salvaguardar a monarquia em caso de invasão,
embarcou a 27 de novembro e largou para o Brasil no dia seguinte. Quando Junot
entrou em Lisboa já a corte e o governo ali não se encontravam, deixando Napoleão
enfurecido com esta falha de Junot.

Junot instalou-se em Lisboa e tinha 3 objetivos delineados: conquistar Lisboa, aprisionar


a família real, que falhou para grande arrelia de Napoleão, e finalmente dissolver a
capacidade defensiva de Portugal.
A tarefa seguinte foi a de consolidar a conquista de Portugal. O Exército português,
obedecendo às diretivas do governo, não opôs qualquer resistência à invasão e tudo
indicava que não seria difícil neutralizá-lo. A maior parte das tropas foram licenciadas e

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CAPÍTULO 7 – 13
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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as que ficaram foram dispersas por várias praças. Foram também dissolvidas as
milícias e as ordenanças.

Com algumas tropas de linha não licenciadas foi constituído um corpo de sete
regimentos de infantaria, quatro de cavalaria e um de artilharia. Esta força ficou
conhecida por Legião Lusitana e, em março de 1808, comandada pelo Marquês de
Alorna, foi reforçar o exército imperial. Na legião Portuguesa servia também o General
Gomes Freire além de outros oficiais portugueses de valor.

Para além destas medidas de caráter militar, foram tomadas outras (apropriações de
bens, contribuições, profanação e saque das igrejas, etc.) que começaram a provocar
na população um certo espírito de revolta. A prova mais clara de que Portugal deixara
de ser independente deu-se quando, a 13 de dezembro de 1807, a bandeira portuguesa
foi substituída pela francesa no castelo de S. Jorge, em Lisboa e se dúvidas houvesse,
o decreto de 1 de fevereiro de 1808 anexou Portugal ao império napoleónico.

Em Espanha, e aproveitando-se do tratado de Basileia, Napoleão vai colocar um grande


numero de unidades para estabelecer uma linha de comunicação entre Lisboa e França
atravessando toda a Península Ibérica. Mas de facto a verdadeira intenção era anexar
Espanha e colocar no trono o seu irmão José Bonaparte, que se efetivou com a
abdicação do rei em Bayonne, e que provocou um levantamento popular apoiado pelo
exército espanhol contra os franceses.

Em Portugal, as forças espanholas retiraram e


foram substituídas no Porto por milícias populares
no início de junho de 1808 e em breve se propagou
a todo o Norte. No Algarve, em Olhão, a 16 de
junho, é aclamado o príncipe regente, os franceses
são expulsos e obrigados a recolher à praça de
Elvas. Até em Lisboa, onde Junot dominava
inteiramente, se registaram tumultos que foram
violentamente reprimidos. As forças francesas
comandadas por Loison e enviadas para submeter
o Minho vêm-se permanentemente atacadas pelos
guerrilheiros portugueses.
Figura 7 – 8:
Arthur Wellesley, Duque
de Wellington.

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CAPÍTULO 7 – 14
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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No dia 18 de junho, no Porto, após nova insurreição popular, é criada uma Junta
Provisional de Governo. A 19 de junho, em Espanha, a capitulação de Bayen é a
primeira grande derrota das tropas napoleónicas.

Perante este quadro, Junot concentrou as suas tropas à volta de Lisboa no receio da
chegada de tropas inglesas a Portugal e os seus receios tinham fundamento porque, no
dia 1 de agosto de 1808, um corpo expedicionário inglês (cerca de 9.000 homens),
comandado pelo general Arthur Wellesley, desembarcou perto da Figueira da Foz na
praia de Lavos. Daí marchou para Sul, junto à costa, chegando a Leiria no dia 12. Em
Leiria reuniram-se Wellesley e o general Bernardim Freire que comandava um corpo de
7.600 homens organizado em Coimbra. Foi constituído um destacamento português que
foi cedido a Wellesley e ficou sob o comando do coronel Trant.

Wellesley seguiu para Alcobaça no dia 13 e a 15, deram-se os primeiros recontros, a


norte das Caldas da Rainha, entre as forças avançadas de ambos os contendores. No
dia 16 as forças anglo-lusas depararam com uma força francesa na região da Roliça,
perto de Óbidos. A 17 de manhã Wellesley inicia o ataque mas o comandante francês,
Delaborde, não tendo possibilidades de resistir, retirou para as alturas da Columbeira,
dois quilómetros á retaguarda. Defendeu-se nessa posição, mas a sua resistência não
durou mais de duas horas de combate tendo então retirado com algumas forças.

Junot tomou conhecimento da situação difícil em que


se encontrava Delaborde, reuniu as tropas que tinha
em Lisboa, onde deixou apenas uma pequena
guarnição, e dirigiu-se para Norte. No caminho reuniu-
se com Loison que vinha de Abrantes. Em Torres
Vedras reuniu-se com Delaborde que retirava após a
derrota no combate da Roliça.

As forças anglo-lusas tinham avançado para Sul, pela


Lourinhã, e, no dia 19, ocuparam posições no Vimeiro
com a finalidade de proteger o desembarque de
reforços ingleses na praia da Maceira (Porto Novo).

Figura 7 – 9:
Batalha do Vimeiro, 21 agosto de
1808.

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CAPÍTULO 7 – 15
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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No dia 21 de agosto as forças francesas atacaram o corpo anglo-luso. Foram efetuados


três ataques frontais que por três vezes foram repelidos. Falhou igualmente um ataque
de flanco tentado pelos franceses. Ao fim de duas horas e meia de combate os
franceses retiravam para Torres Vedras. Tinham perdido a batalha do Vimeiro.
A 30 de agosto, em Torres Vedras, foi assinada uma convenção que punha termo à
primeira invasão francesa em Portugal. Esta convenção ficou conhecida por Convenção
de Sintra porque foi dessa vila que foi enviada ao governo francês. Os franceses
embarcaram em Lisboa entre 10 e 15 de setembro. Sobre a Convenção de Sintra
fizeram-se ouvir fortes protestos (nomeadamente pelo comandante das forças Lusas
nas batalhas da Roliça e Vimeiro, General Bernardim Freire) já que os portugueses não
foram sequer consultados sobre o assunto e os franceses saíram de Portugal com tudo
aquilo que tinham saqueado, não sucedendo, contudo, o mesmo no Norte do País,
onde a população não permitiu o embarque do saque. O escândalo foi tal que mereceu
reparos do próprio governo britânico. Provavelmente, se tivéssemos ao menos
esboçado um gesto de defesa quando se deu a invasão, não teríamos sido tratados
com tanto desprezo pelo comandante das forças que derrotaram os franceses.

710. A 2ª Invasão (16 de fevereiro de 1809 a 12 de maio de 1809)

Repelida a invasão de 1808, tinham ficado três núcleos de tropas do exército do general
Bernardim Freire: o brigadeiro Silveira no Norte, ficou encarregado da defesa de Trás-
os-Montes; o do marquês de Olhão, que do Algarve viera para o Alentejo em socorro
de Lisboa; e o do general Paula Leite, no Alentejo. Mas apenas o primeiro tinha algum
valor, porque os outros, mistos de tropas regulares e de paisanos armados, eram
desvalorizados pela carência de qualidades militares destes elementos civis.
Após a partida dos franceses foram de imediato tomadas medidas destinadas a
reorganizar a defesa do Reino. O Governo determinou que fossem reorganizados todos
os corpos das diferentes armas antes da primeira invasão. Criaram-se 6 batalhões de
caçadores e elevou-se o efetivo de cada um dos 24 regimentos de infantaria para 1550
homens. Estabeleceram-se os regimentos de milícias em número de 48 com 1101
homens cada. Foi também ordenado que se reunissem nos seus antigos quartéis todos
os oficiais e praças que pertenciam ao exército quando se deu a invasão e foi
concedido o perdão aos desertores. Dada a penúria dos cofres públicos foi feito um
apelo à generosidade particular para possibilitar a reorganização e manutenção do
exército. Em Portugal mantinha-se o exército inglês sob o comando do general Moore.
Os portugueses foram incitados a armarem-se contra o invasor. Por fim foram
mandadas organizar 16 legiões a cujo serviço eram chamados todos os cidadãos dos

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CAPÍTULO 7 – 16
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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16 aos 60 anos que não servissem nos corpos de linha ou milícias. O major-general
Beresford foi contratado para comandante em chefe do exército português.

O marechal Guilherme Carr Beresford chegou a Lisboa em março de 1809 e veio


encontrar o exército português num deplorável estado de organização. Havia grande
falta de oficiais com alguma experiência que enquadrassem as tropas. O exército de 1ª
linha não tinha preparação, as milícias e as ordenanças não tinham armamento, o que
tornava muito pouco viável a ideia de Nação Armada que se pretendia pôr em prática.

Beresford estabeleceu o seu quartel-general em Tornar e


iniciou a tarefa de reconstrução do exército começando pelas
unidades do Centro e do Sul porque as do Norte estavam já
a braços com uma segunda invasão. Os postos de comando
foram quase todos entregues a oficiais ingleses. Esta medida
era perfeitamente justificada e acabou por ser benéfica para
a operacionalidade do exército. Beresford não deixou,
contudo, de elogiar alguns oficiais portugueses que serviram
às suas ordens.

Figura 7 – 10:
General William Carr Beresford.

Foi fixado um limite de idade para os oficiais em serviço ativo. Os vencimentos das
tropas foram aumentados e pagos com pontualidade. Os regulamentos foram
modernizados à semelhança dos ingleses. A organização da artilharia foi modernizada.
Foi criado o batalhão de engenharia semelhante ao inglês. Nos soldados verificou-se
uma melhoria considerável no aprumo, higiene e disciplina.

Mas enquanto decorria esta reorganização, os franceses


invadiam desde fevereiro, o Norte de Portugal. O marechal
Soult tentou atravessar o rio Minho na madrugada de 16 de
fevereiro, em Seixas, mas a oposição das forças
portuguesas obrigou-o a retroceder e a procurar outro
caminho. Só em março conseguiu passar a fronteira e teve
o primeiro combate na ponte de Amarante, onde enfrentou
o governador de Trás-os-Montes, Francisco da Silveira
Pinto da Fonseca (mais conhecido por General Silveira). Figura 7 – 11:
Jean de Dieu Soult, duque
da Dalmácia.

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CAPÍTULO 7 – 17
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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As forças portuguesas, apesar do seu excelente comportamento, não tiveram


capacidade para resistirem à superioridade dos franceses e não conseguiram impedir o
avanço inimigo. Soult ocupou Chaves e tomou o caminho para Braga.
As forças portuguesas procuraram impedir este avanço mas conseguiram-no apenas
por alguns dias. Nesta fase da invasão, quando o general Bernardim Freire pretendia
que as tropas recuassem para o Porto para aí organizarem melhor defesa, a sua atitude
não foi compreendida pela multidão descontrolada que entendeu a manobra como uma
fuga e o acusou de traidor matando-o sem que alguém o pudesse auxiliar. Por fim,
quando os franceses entraram em Braga, encontraram a cidade deserta. Em Trás-os-
Montes, entretanto, o General Silveira reconquistava a praça de Chaves.

À medida que os franceses avançavam, no Porto tomavam-se as medidas possíveis


para defender a cidade. A sua guarnição elevava-se a 24.000 homens mas só cerca de
4.000 eram tropas de linha, uns 2.400 eram milícias e os restantes eram ordenanças
“armados de chuços, varapaus ou foices roçadoras”. Os franceses venceram esta
defesa sem grandes dificuldades apesar da resistência se ter prolongado pelas ruas da
cidade. Muitas pessoas morreram ao tentar atravessar o Douro, (tragédia da Ponte das
Barcas), muitos foram massacrados pelos franceses que saquearam a cidade. No dia
29 de março, Soult estava na posse do Porto.

Nem tudo estava a correr pelo melhor aos franceses. À medida que avançavam, os
itinerários à retaguarda iam sendo cortados pelas forças portuguesas que tinham ficado
para trás.
As milícias nacionais utilizaram a guerrilha em ações concertadas na retaguarda do
inimigo, por meio de emboscadas e cortando as linhas de comunicação e
abastecimento com a Galiza. Estas ações, eram efetuadas com grande rapidez e de
surpresa, mas sem empenhamento decisivo, dispersando na retirada, mantendo a
segurança e evitando a retaliação francesa. Esta tática de guerrilha, atrasou e dispersou
o avanço inimigo, que pretendia chegar ao Porto e depois a Lisboa o mais rápido
possível.

Soult atingiu finalmente o Porto, mas receava continuar em direção a Lisboa porque a
ligação com as forças à retaguarda, estacionadas na Galiza sob o comando do General
Victor, que o deviam reforçar, fazia-se já com muita dificuldade. Por isso teve de libertar
tropas para garantir a ligação com as outras forças e para conter as tropas portuguesas
que se encontravam em Trás-os-Montes. A divisão Loison que tinha sido enviada nesta

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CAPÍTULO 7 – 18
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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última missão demorou quase quinze dias a conseguir superar a resistência que lhe
ofereceu o General Silveira na defesa da ponte de Amarante.

“Á encarniçada defesa da ponte — facto dos mais notáveis desta campanha – só


vencida ao cabo de quinze dias por um estratagema audacioso do inimigo, imobilizou
no Tâmega mais de um terço do exército de Soult (cerca de 8.000 homens), assim
impossibilitado de qualquer movimento importante, o que só por si constituiu um
relevante serviço dos defensores de Amarante. Lembrando a notável ação do
Regimento de Infantaria 12 neste memorável combate, à bandeira do regimento foi
concedida a inscrição: Ponte de Amarante — 1809”.

Enquanto no Norte do país se davam estes


acontecimentos, no Sul Beresford ia introduzindo as
alterações julgadas convenientes para a
reorganização do exército português. Por outro lado
o Governo Britânico enviava mais tropas para
Portugal onde eram já cerca de 30.000 os efetivos
ingleses. Em 21 de abril, Wellesley regressava a
Portugal e passava a comandar o exército anglo-
luso. Foi de imediato tomada a ofensiva contra as
forças francesas.

Figura 7 – 12:
Reconquista do Porto, 12 de maio de
1809.

O exército anglo-luso foi dividido em dois grupos: o primeiro comandado peio próprio
Wellington, atacou as forças francesas no Porto; o segundo, comandado por Beresford,
contornou as posições francesas com a finalidade de cortar a retaguarda e impedir a
chegada de reforços ou a sua fuga para Espanha através de Trás-os-Montes. Depois de
alguns combates com forças avançadas francesas, as forças anglo-lusas
surpreenderam os franceses ao atravessarem o Douro num ponto menos vigiado.
Ameaçados desta forma os franceses retiram em direção a Amarante. A 12 de maio de
1809 o Porto tinha sido libertado.

Daqui em diante as forças francesas viram-se empurradas nas piores condições em


direção ao Norte. Não só tiveram de abandonar armamento e bagagens, mas também

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CAPÍTULO 7 – 19
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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os feridos e doentes. As condições atmosféricas tornaram ainda mais penosa, esta


retirada. Para nós a campanha foi igualmente dura, a intervenção inglesa foi
imprescindível, mas as forças portuguesas bateram-se com valentia e o prestígio do
Exército Português foi reforçado.

711. A 3ª Invasão (16 de setembro de 1810 a 05 de maio de 1811)

Em 6 de julho de 1809 Napoleão obtia uma importante vitória em Wagran e ficava


senhor da Europa Central e Ocidental, incluído a Espanha. No Ocidente, apenas
Portugal e a Grã-Bretanha não tinham sido dominados. Ninguém duvidava que
Napoleão enviaria novas forças para submeter Portugal. Se o nosso País estava
condenado a ser, mais uma vez, um campo de batalha para as forças anglo-lusas e
francesas, então era necessário continuar a aperfeiçoar o exército português. Esta
tarefa foi entregue a Beresford enquanto Wellington se preocupava fundamentalmente
com a defesa de Portugal.

Beresford organizou os agrupamentos de infantaria constituídos por 12 brigadas,


reorganizou os regimentos de artilharia, os corpos de cavalaria e os estados-maiores
dos regimentos de infantaria. Estabeleceu depósitos de recrutas nas diversas províncias
que depois foram centralizados em Peniche e mais tarde em Mafra. Foram restringidas
ao máximo as montadas dos oficiais e foram requisitados muitos cavalos particulares a
fim de permitir a remonta das armas montadas. Foi ordenado o alistamento geral de
todos os homens dos 18 aos 35 anos e completaram-se os regimentos de linha que
estavam fortemente desfalcados. Foi igualmente reorganizado (ou organizado) o serviço
de saúde, tendo vindo de Inglaterra numerosos médicos, material de cirurgia e
medicamentos. Organizou-se um serviço de abastecimentos à maneira inglesa.

A infantaria portuguesa utilizava então a espingarda de pederneira, principalmente o


modelo inglês de calibre 20 mm com 1,55 metros de comprimento, 5,360 kg de peso e
um alcance máximo de 180 metros. Estas armas permitiam uma cadência máxima de 1
tiro por minuto para tropa bem treinada mas não podiam ser utilizadas em tempo de
chuva por se molhar a pólvora. Com esta espingarda era utilizada a baioneta, os
caçadores utilizavam uma espingarda semelhante mas mais curta. A cavalaria estava
armada com uma pequena espingarda e pistola. A artilharia dispunha de peças de 3, 6
e 9 arreteis (peso dos projéteis) com um alcance eficaz máximo de 350 metros e
obuses de 15 cm de diâmetro de boca que podiam fazer fogo até aos 1.100 metros.

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CAPÍTULO 7 – 20
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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“O exército foi fardado como talvez nunca tenha sido até então, mercê, principalmente,
do auxílio da Inglaterra.” Os soldos foram aumentados e pagaram-se os que estavam
em atraso. Foi criada uma gratificação de serviço de campanha. Os exercícios e as
revistas tornaram-se frequentes. Beresford manifestava com frequência o seu agrado
pelos melhoramentos verificados no exército português.

Enquanto Beresford se ocupava da reorganização do exército português, Wellington


preparava o exército britânico que, em termos de disciplina deixava muito a desejar. Os
abusos cometidos sobre a população e a propriedade portuguesa foram tais que na sua
ordem geral de 12 de dezembro de 1810, Wellington afirmava: “... O comandante em
chefe tem a vergonha de confessar que as tropas inglesas têm assim, em varias
ocasiões, feito maior dano ao país do que o inimigo”.
Para se organizar a defesa do País dividiu-se o exército regular em duas partes
principais que se destinavam, uma à Beira Alta, e a outra ao Alentejo ou Beira Baixa,
conforme se manifestasse o invasor. Este exército regular era constituído por 52.000
portugueses das tropas de primeira linha e 24.000 ingleses e destinava-se a ser
utilizado como força de manobra. As tropas de segunda linha destinavam-se a
guarnecer as fortificações e a atuar nos flancos e na retaguarda do inimigo.
Guarneceram fundamentalmente as praças de Almeida, Abrantes, Elvas e as que
constituíram as chamadas Linhas de Torres Vedras.

“Estabeleceram-se depósitos de abastecimentos em Lisboa e Abrantes, Figueira e


Penacova, Porto e Lamego, e armazéns de consumo, em Leira, Condeixa, Tomar,
Viseu, Celorico e Almeida; destes pontos seriam levadas as munições de guerra e de
boca às tropas na fronteira, pelos meios de transporte organizados: carros de bois e
bestas de carga; todos os depósitos seriam evacuados para o interior quando tivessem
de retirar sobre a capital. Melhoraram-se as vias de comunicação, destruíram-se outras;
lançaram-se pontes volantes sobre o Tejo, em Abrantes e Vila Velha de Rodam e outras
no curso inferior do Zêzere; etc.”

“Wellington considerou como um dos meios acessórios mais eficazes da defesa, a


destruição de tudo quanto pudesse ser útil ao invasor, e nesse sentido foram expedidas
ordens aos habitantes de todo o País — sob pena de serem considerados traidores
(proclamação de 4 de agosto) – de modo que em toda a parte por onde o inimigo
passasse encontrasse o deserto e a fome.” (Gen. Ferreira Martins, ob. cit.)
Os efetivos franceses na Península Ibérica rondavam os 360.000 homens e 80.000
cavalos. O comando das forças francesas foi entregue ao marechal Massena,

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CAPÍTULO 7 – 21
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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considerado o melhor general de Napoleão, que assumiu o comando em Valladolid a 12


de maio de 1810. O seu plano consistia em invadir Portugal pelo Norte do Tejo e dirigir-
se para Lisboa, enquanto das forças de Soult era destacado um corpo de exército
(divisão de cavalaria ligeira) para invadir o Alentejo e marchar igualmente em direção à
capital.
As tropas francesas entraram em Portugal por Almeida (6º o 8º corpos de exército
comandados por Ney e Junot respetivamente). Depois do combate nas margens do rio
Coa com a divisão ligeira comandada por Crawford (tropas anglo-lusas), o 6º CE pôs
cerco à praça de Almeida a 25 de julho. No dia 26 de agosto de 1810, pelas 19H00,
devido a uma poderosa ação de artilharia e por descuido dos defensores, explodiu o
paiol de pólvora o que levou a ser considerada a impossibilidade de manter resistência
e à capitulação da praça na manhã de 28 de agosto.
A perda de Almeida obrigou as forças anglo-
lusas a procurar à retaguarda uma posição
mais favorável onde pudesse aceitar batalha
em condições vantajosas. A posição escolhida
foi a do Bussaco e, a 25 de setembro, as
forças francesas estavam em contacto com as
forças anglo-lusas que defendiam aquela
posição. No dia seguinte Massena e os seus
comandantes de CE realizaram os seus
reconhecimentos e ficou decidido atacar as
posições do Buçaco na manhã de 27.

Figura 7 – 13:
Marechal André Massena, comandante
das forças francesas, na terceira
invasão em 1810.

As Forças em presença no Buçaco eram, segundo Frision, de 59 806 homens para o


exército francês comandado pelo Marechal Massena, divididos em 3 Corpos de
Exército, 2º CE sob comando de Reynier, 6º às ordens de Ney e 8º com Junot á
frente, assim como uma divisão de cavalaria comandada por Montbroun.

Quanto ao exército anglo-luso, comandado por Wellington, era constituído por cerca de
52 300, em partes idênticas para britânicos e portugueses, mas organizados em 5
Divisões de Infantaria inglesa, 1 Divisão de Infantaria Ligeira, também inglesa, 1 Divisão
de Infantaria portuguesa e 3 Brigadas Independentes de Infantaria portuguesa.

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CAPÍTULO 7 – 22
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O ataque às posições do Bussaco foi iniciado pelo 2º CE (comandado por Reynier),


pelas 7H00 da manhã, ainda com denso nevoeiro. Desta ação os franceses foram
repelidos e sofreram pesadas baixas. Ao aperceber-se que já não estava em condições
de realizar novo esforço e que necessitava de se reorganizar nada mais pôde fazer que
aguardar pelas consequências do ataque do 6º CE (comandado por Ney) que teve início
uma hora mais tarde. Estes tiveram igualmente grandes baixas que obrigaram Massena
a suspender o ataque. Estas ações duraram quase todo o dia.

“Do lado dos aliados a perdas totais no Bussaco foram 1.138 homens, cifra em que
entram os portugueses com 82 mortos, 478 feridos e 18 extraviados, segundo o
relatório de Wellington. O marechal francês, na parte oficial da batalha que enviou para
Paris, chamou-lhes modestamente «simples reconhecimento». Nem por isso conseguiu
atenuar o desaire com que não contava, e que lhe custou um total de 4.486 baixas
(segundo Frision), incluindo 521 mortos no campo e 3.601 feridos, entre os quais 4
generais (um morto) e numerosos oficiais superiores.” (Gen. Ferreira Martins, ob. cit.)

Figura 7 – 14:
Disposição das forças no Bussaco.

Só no dia seguinte ao da batalha os franceses descobriram o caminho que permitia


tornear a posição do Bussaco, e de imediato Massena deu ordens a algumas unidades
para tomarem o caminho de Mortágua a Boialvo, em direção a Coimbra. Não
conseguiu, no entanto, realizar estes movimentos sem ser observado por Wellington
que imediatamente mandou retirar da posição do Bussaco para ocupar as posições das
Linhas de Torres Vedras onde esperava deter o exército inimigo.

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CAPÍTULO 7 – 23
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O exército anglo-luso perseguido de perto pelas forças francesas conseguiu entrar nas
Linhas de Torres Vedras em 12 de outubro. Para trás deixava o exército francês numa
terra desprovida de recursos. Massena organizou o seu quartel-general em Alenquer
mas depressa se apercebeu que, perante uma defesa tão bem apoiada num terreno tão
forte, era impossível atacar com sucesso a menos que recebesse reforços importantes.
Não tendo recebido os reforços esperados, Massena decidiu retirar para Santarém a 1
de novembro. Em fins de fevereiro de 1811 no entanto, sem meios para manter as suas
forças, já dizimadas pela miséria e pela doença, resolveu retirar de Portugal.
Durante este movimento de retirada, o exército francês foi perseguido de perto pelo
exército anglo-luso, tendo sido travados os combates de Pombal, Redinha, Condeixa,
Casal Novo, Foz de Arouce e Ponte de Murcela. Só depois de ter atravessado o rio Alva
foi suspensa a perseguição por ser difícil fazer o reabastecimento das tropas em
terrenos completamente desolados.

712. As Linhas Defensivas de Torres Vedras


No final de julho de 1808 o coronel Vincent, chefe dos engenheiros do exército de
Junot, reconheceu a região Norte de Lisboa com a finalidade de reconhecer as linhas
de comunicação que conduziam à capital portuguesa e demonstrar a facilidade com que
elas podiam ser defendidas. Elaborou um relatório em que constava uma ideia geral
sobre a topografia da região dos ataques que podiam ser realizados em direção a
Lisboa e dos meios de defesa a adotar para lhes fazer frente.
Em 24 de outubro desse mesmo ano, o major Neves Costa, do Real Corpo de
Engenheiros, que tinha acompanhado o coronel Vincent nos seus reconhecimentos,
elaborou um memorando que enviou ao governo e no qual alertava para a importância
que as posições existentes a Norte de Lisboa tinham para a sua defesa. Propunha
também que se realizasse o levantamento de uma carta militar daquela região por um
método expedito que dizia ter inventado. Este trabalho foi realizado desde os fins de
novembro de 1808 até ao fim de fevereiro do ano seguinte.

A partir da batalha de Talavera, em 27 de julho de 1809, Wellesley convenceu-se que


não podia contar com qualquer auxílio proveitoso por parte das forças espanholas e que
em ações futuras, só podia contar com as tropas anglo-lusas postas sob o seu
comando. A situação que então se vivia obrigava a aceitar que a defensiva era a melhor
estratégia a adotar, perante um inimigo que se apresentava mais forte.

Lisboa era o objetivo principal de todas as forças invasoras do nosso país e por isso é
natural que a defesa da capital seja objeto de cuidados especiais no âmbito da defesa

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CAPÍTULO 7 – 24
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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de Portugal. Mas Wellesley tinha também outras preocupações que ficaram patentes
nos registos do seu diário de operações: “… mas preocupa-me sobre maneira o
embarque das forças britânicas. Há tantas formas de entrar em Portugal, que
acabaremos por nos ver confinados à defesa de Lisboa… e será muito difícil (sendo
impossível) um empenhamento decisivo diante da capital seguido do embarque do meu
exército”. Estão aqui patentes duas preocupações: por um lado garantir a segurança do
embarque das forças aliadas em caso de insucesso militar; por outro lado, bloquear os
principais eixos de aproximação para a capital.

Para atingir estes objetivos era necessário escolher um conjunto de posições


defensivas que deveriam possuir determinadas características. Assim, estas linhas
deveriam ser suficientemente fortes para permitir uma defesa eficaz e ainda garantir,
simultaneamente, o controlo de todas as estradas e caminhos que conduzissem a
Lisboa e a comunicação com o mar para receber os recursos necessários e permitir, se
necessário, a retirada do exército.

Foi ainda em outubro de 1809 que Wellesley fez o seu primeiro reconhecimento à
região. Depois desse reconhecimento foi elaborado um memorando, entregue ao
comandante da engenharia, que continha instruções sobre os fatores a ter em atenção
na escolha das posições.

Quando se deu início à construção das obras teve-se em atenção que se deviam atingir
dois objetivos já referidos:

1. Assegurar o local de embarque em caso de insucesso;


2. Deter as forças inimigas ou, se tal não fosse conseguido, desgastá-las e retardá-
las o mais possível antes de se lançarem sobre Lisboa.

Para concretizar o primeiro objetivo foi escolhida uma pequena baía e Este de S. Julião
(foz do Tejo) que carecia entretanto de algumas obras de Fortificação para que as
forças embarcassem com o máximo de segurança.

O segundo objetivo seria concretizado por uma linha principal de defesa coberta por
posições avançadas que apoiassem a retirada do exército aliado garantindo-lhes o
tempo necessário à ocupação da linha principal de defesa. Esta seria constituída por
obras suficientemente fortes destinadas a fechar as passagens entre as serras e por
fiadas de entrincheiramentos construídos ao longo das linhas de alturas de forma a

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CAPÍTULO 7 – 25
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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apresentarem uma barreira contínua ao longo da península de Lisboa que não pudesse
ser contornada pelas forças inimigas.

Quem se deslocar pelas regiões onde foi construída esta linha (desfiladeiro de Mafra,
Serra de Chipre, Cabeço de Montachique, desfiladeiro de Bucelas) e as posições
avançadas de Torres Vedras e Monte Agraço facilmente se aperceberá quanto o
terreno pode realmente facilitar a defesa. As obras tiveram início a 3 de novembro de
1809.

Na construção das Linhas foram utilizados os habitantes da região e dois regimentos de


milícias. Estes foram empenhados em permanência mas os habitantes foram utilizados
mediante requisição e eram rendidos semanalmente. No total, foram requisitados cerca
de 50.000 camponeses. A direção dos trabalhos contou, para além dos graduados dos
regimentos de milícias e outras entidades portuguesas, com 18 oficiais e 150 sargentos
ingleses.

No dia 17 de julho o Tenente-Coronel Fletcher (comandante da Engenharia) recebeu


ordem para reforçar com novas obras os flancos das posições avançadas de Torres
Vedras, Monte Agraço e Alhandra. O inimigo seria assim obrigado a atacá-las
frontalmente, dados os condicionamentos do terreno, sofrendo maior desgaste e dando
mais tempo para o exército aliado ocupar a linha principal de defesa. Como ainda havia
tempo disponível foi também construída uma estrada interior, para utilização por
infantaria e cavalaria, que ligava Alhandra a Monte Agraço.

Quando Wellesley chegou às linhas de Torres Vedras a 8 de setembro de 1810,


analisou cuidadosamente o terreno e os trabalhos já efetuados e compreendeu que
ocupar somente os postos avançados de Torres Vedras e Monte Agraço e manter a
maior parte do exército na defesa, na linha principal (Mafra, Montachique, Bucelas), era
isolar e sacrificar sem qualquer vantagem as tropas que ficavam a guarnecer aquelas
posições e dar ao inimigo um motivo de triunfo com consequências nefastas no moral
das tropas e da população. As chuvas de outono engrossaram o caudal da rio Sisandro
e tinham-no tornado um obstáculo de certo valor. Foi então decidido construir mais
alguns redutos, criar novos obstáculos e outras obras de forma a transformar esta linha
de postos avançados numa verdadeira linha de defesa e dar aí combate ao inimigo.

Ficaram assim definidas três linhas de defesa. A primeira linha (a que continha as
posições de Torres Vedras e Monte Agraço) foi descrita por Napier da seguinte forma:

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CAPÍTULO 7 – 26
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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“… estendia-se desde Alhandra no rio Tejo, até à foz do Sizandro na costa Atlântica, e
tinha vinte e nove milhas de comprimento (cerca de 46 km) …” (citado em As Linhas de
Torres Vedras e os Princípios da Guerra pelo TCOR Fernandes Henriques, publicado
no Boletim do IAEM).

Seguia-se uma descrição desta linha de defesa que terminava assim: “… Esta era a
primeira linha de defesa, inicialmente destinada a linha de postos avançados, mas
convertida em linha principal de defesa … graças ao retardamento sofrido pelo exército
de Massena, à espantosa mão de obra portuguesa, às enormes chuvadas que caíram,
acima de tudo, à formidável natureza do terreno.”

Para além da segunda linha de defesa (desfiladeiro de Mafra, Serra de Chipre, Cabeço
de Montachique, desfiladeiro de Bucelas) que como a primeira, constituía um sistema
defensivo do Tejo ao Atlântico, existia ainda a terceira linha de defesa que constituíam o
chamado distrito de Oeiras e era formada por um conjunto de 13 obras destinadas a
proteger o embarque em S. Julião da Barra.

Além destas três linhas de defesa existia ainda, entre a Costa da Caparica e Almada,
um conjunto de dezassete redutos que se destinavam a impedir que o inimigo ocupasse
a margem sul do Tejo e se apoderasse de posições de onde poderia bombardear
Lisboa ou a esquadra fundeada no Tejo.
Além de todas estas obras de defesa foram estabelecidos depósitos de
aprovisionamentos, de barracas e de víveres, nos pontos designados para quartéis-
generais. Estabeleceu-se um sistema de transmissão de mensagens igual ao da
marinha inglesa e que permitia transmitir uma mensagem do Tejo ao Atlântico em cerca
de sete minutos.

Para guarnecer este


grande conjunto de obras
(70 na primeira linha, 69
na segunda linha e 13 no
distrito de Oeiras) foram
empregues consideráveis
efetivos em infantaria e
artilharia.

Figura 7 – 15:
Forte de S. Vicente Torres Vedras,
vista das canhoeiras.
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CAPÍTULO 7 – 27
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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No total as linhas de Torres Vedras eram guarnecidas com 39.385 infantes, 20 peças de
24”, 363 peças de 12”, 195 peças de 9”, 43 peças de 6” e 4 peças de 5½” num total de
625 peças de artilharia.
Na primeira linha o forte do S. Vicente em Torres Vedras encontra-se em bom estado
de conservação e é de fácil acesso. Quem o visite pode apreciar a dimensão dos seus
três baluartes.

Figura 7 – 16:
Forte de S. Vicente Torres Vedras,
vista dos paióis.

No total o forte de S. Vicente dispunha de 1720 infantes, e 26 peças de artilharia. O


cuidado posto na preparação desta obra e sua guarnição deve-se ao facto de por ali
passarem quase todas as estradas que então (e ainda hoje) existiam a Oeste de
Montejunto e que conduziam a Lisboa.

Figura 7 – 17:
Forte de S. Vicente Torres Vedras,
Sistema de comunicação entre Postos
de Comando.
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CAPÍTULO 7 – 28
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Figura 7 – 18:
Mapa da distribuição das Linhas de
Defesa de Torres Vedras.

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CAPÍTULO 7 – 29
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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713. Os Exércitos do fim de Século XIX e início do século XX.

A instituição militar no século XIX foi profundamente afetada pela Revolução Industrial.
A sua influência começou a fazer-se sentir de forma mais acentuada, ainda durante as
campanhas napoleónicas, com a aplicação da máquina à manufatura de lingotes de
ferro. O aperfeiçoamento das máquinas a vapor permitiu o fabrico em série da maioria
dos armamentos conhecidos.

Figura 7 – 19:
Canhão de retrocarga e culatra móvel
séc. XIX

Em 1849 o aparecimento da bala Minié (um


aperfeiçoamento dos inventos mencionados)
permitiu uma obturação perfeita da câmara da
espingarda de cano estriado.
Os inventos militares mais importantes do século
XIX foram a cápsula fulminante, o sistema de
percussão central e a bala cilindro-cónica. Já em
1811 a Prússia tinha começado a utilizar
Figura 7 – 20:
Bala oca Minié espingardas de carregamento pela culatra que
dariam origem a temida carabina Dreyser.

Estes inventos permitiram disparar em quaisquer condições meteorológicas o que não


acontecia com a espingarda de pederneira. O passo seguinte seria o desenvolvimento
da espingarda de repetição utilizando a espingarda cilindro-cónica.

Figura 7-21:
Espingarda Kropatschek, de repetição, cal. 8 mm.
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CAPÍTULO 7 – 30
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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O carregamento fica também facilitado e o


combate tem agora a possibilidade de
carregar, apontar, disparar e voltar a
carregar na posição de deitado; a silhueta
era assim muito mais reduzida diminuindo a
exposição do combate aos fogos diretos
inimigos e aos efeitos da artilharia. A
espingarda com estas novas
características deu novo valor à Infantaria Figura 7 – 22:
que se tornou a principal arma no campo Cartucho cilíndrico-cónico.

de batalha.

Em 1889 apareceu uma outra arma


importantíssima: a metralhadora
Maxim, inglesa, que fazia 2.000 tiros
por minuto durante três minutos. A
artilharia beneficiou igualmente das
novas possibilidades oferecidas pelo
acréscimo de capacidade técnica,
mas o custo da introdução desses
melhoramentos atrasou de forma
considerável essas melhorias. Figura 7 – 23:
Metralhadora Pesada Maxim.

Em 1900 as principais potências


tinham os seus exércitos equipados com este tipo de arma. A Alemanha desenvolveu a
Mauser, a França a Lebel, a Áustria a Mannlicher e a Inglaterra a Lee Metford.

Em resumo, podemos afirmar sem qualquer dúvida que o século XIX vê aumentar no
combate o elemento fogo. Este aumento do poder de fogo traz necessariamente
alterações nos outros Elementos Essenciais do Combate.

Como não existia uma proteção individual eficaz (nem nunca mais houve) foi necessário
recorrer à proteção coletiva: covas de lobo (abrigos individuais), trincheiras, arame
farpado, utilização de campos de minas. Desenvolveu-se assim a fortificação de
campanha com a finalidade de proteger o combatente da grande capacidade de fogo
que então apareceu no campo de batalha, mas também com a finalidade de parar ou

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CAPÍTULO 7 – 31
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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canalizar o inimigo. O aumento do elemento fogo conduziu assim a um aumento do


elemento proteção, nesse caso, coletiva.

Figura 7 – 24:
Proteção coletiva. Casamatas e
trincheiras.

O emprego da proteção coletiva significa, para além da sua finalidade, que o


combatente se “agarra” ao terreno, isto é, perde mobilidade. As unidades movem-se
(manobram) menos porque necessitam de se proteger e a única proteção eficaz é
coletiva (não se pode mover). O aumento do elemento fogo tem como consequência
indireta a diminuição do elemento movimento no campo tático, isto é, durante o
combate. Por outras palavras, o aumento do elemento fogo conduziu a uma atitude
defensiva.

Convém fazer uma distinção tão clara tão possível entre «movimento no campo tático
e «movimento no campo estratégico». Convém rever estes conceitos e para
utilizarmos uma linguagem simples diremos, como no parágrafo anterior, que
movimento no campo tático é aquele que se processa no desenrolar do combate, por
forma, a explorar todas as oportunidades de uma força se colocar em posição mais
vantajosa e utilizar melhor os elementos essenciais do combate; o movimento no
campo estratégico é aquele que se processa antes do combate, isto é, quando se
movimentam forças para os locais mais convenientes com a finalidade de iniciar o

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CAPÍTULO 7 – 32
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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combate da forma mais adequada. É importante distinguir estes dois tipos de


movimentos porque, se o movimento no campo tático ficou, como já vimos, restringido,
o movimento no campo estratégico foi, no decorrer do século XIX, e por influência da
Revolução Industrial, substancialmente alterado.
No ano de 1806 o engenheiro americano Fulton fez progredir a navegação ao lançar o
seu steamboat no Hudson. O navio era acionado por uma roda de pás, e destinava-se a
assegurar as comunicações entre Nova Iorque e Albany. Ficou, pois, aberto o caminho
para um intenso tráfego fluvial. O caminho de ferro começou a desenvolver-se também
pela mesma época: em 1804 o engenheiro inglês Richard Trevithick conseguiu fazer
uma locomotiva a vapor puxar as vagonetas que transportavam o minério de uma mina.
Em 1825 já se tinha construído uma locomotiva suficientemente potente para puxar um
comboio de 90 toneladas num percurso de 16 km. Em pouco tempo começaram a
expandir-se as linhas férreas. O vapor revolucionou o transporte no mar e em terra.

Estas importantes inovações tecnológicas foram depressa utilizadas com finalidades


militares. No aproveitamento destes meios merecem destaque a Inglaterra pela forma
como desenvolveu as máquinas navais reforçando a sua posição de grande potência
naval e a Prússia, grande potência terrestre que desenvolveu os caminhos de ferro
utilizando traçados que obedeciam quase exclusivamente as razões de ordem militar.
Estes dois tipos de transporte que utilizavam o vapor, o barco e a locomotiva,
permitiram uma alteração profunda na capacidade de movimento.

Há um significativo aumento qualitativo porque qualquer destes meios permite mais


velocidade: o barco a vapor é mais rápido que o barco à vela e está menos sujeito às
contingências meteorológicas e o caminho de ferro é muito mais rápido que o carro
puxado por animais ou deslocamento a pé. As tropas e os abastecimentos podem
chegar muito mais rapidamente aos seus destinos. Esta característica permite encarar
de forma diferente, entre outros aspetos, a dispersão e a concentração das tropas.

Há um significativo aumento quantitativo, em especial no movimento terrestre, porque o


volume e o peso de matérias ou o número de pessoas a deslocar aumentou muito: o
movimento terrestre, ainda hoje um comboio desloca muito mais pessoas e mercadorias
que qualquer outro meio de transporte. Este facto permite deslocar com relativa rapidez
quantidades avultadas de pessoal e material.

Esta facilidade de transportar rapidamente as forças militares de um ponto para outro do


território, de uma frente de batalha para outra frente de batalha exige tomadas de

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CAPÍTULO 7 – 33
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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decisão muito rápidas, informações mais oportunas e outros elementos que exigem
uma ligação eficaz entre os diferentes órgãos de comando. Por estas razões os
estados-maiores sofrem um grande incremento e são prontamente aproveitados os
inventos que permitem rápidas comunicações.

Em 1844 Samuel Morse aperfeiçoa um sistema


de telegrafia por fios e em 1876 Graham Bell
apresenta o telefone que permite ligações mais
rápidas que o telégrafo. O ideal seria a ligação
não depender de quaisquer fios que o obrigam a
fixar meios ao terreno e isso seria possível
quando em 1895 Marconi começa a utilizar a
telegrafia sem fios.
Figura 7 – 25:
Telégrafo.

Estes inventos aumentam substancialmente a capacidade de comando e ligação e à


medida que a tecnologia avança vão sendo aplicados aos escalões mais baixos. Mas
permitem também a transmissão de notícias quase em direto do campo de batalha para
a retaguarda e isto vai ter grande influência no moral das populações e obriga a ter mais
atenção à opinião política.

Em conclusão: “O modo como os elementos essenciais do combate se apresentam


implica uma atuação tática na qual o fogo tem o papel primordial. A capacidade de
choque da cavalaria e da infantaria, desprovida de qualquer proteção individual eficaz,
desaparece quase na prática…. O afrontamento tático é cada vez mais um duelo entre
atiradores de infantaria e de artilharia com a finalidade de preparar o assalto que,
quando frontal, quase nunca resulta.” (Loureiro dos Santos, em Apontamentos de
História para Militares, IAEM, Lisboa 1979, pág. 127 e 128)

Este impasse no campo de batalha – a imobilização devida ao predomínio do fogo — só


pode ser ultrapassado por um comandante militar capaz de encontrar soluções novas.
Helmuth von Moltke utilizou uma nova estratégia que consistia em tornear as posições
inimigas para cortar as suas linhas de comunicações; estas são essenciais porque é
através delas que o exército recebe os numerosos abastecimentos necessários à
manutenção do elevado poder do fogo; para recuperá-las, porque de outra forma não
poderia sobreviver, a força inimiga teria de abandonar a atitude defensiva e atacar.

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CAPÍTULO 7 – 34
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Moltke, chefe do Estado-Maior prussiano, em 1857, concebeu e pôs em execução as


campanhas vitoriosas contra a Dinamarca (1864), a Áustria (1866) e a França
(1870/71). Para que a sua tática resulte é necessário que o envolvimento não falhe ou a
guerra voltará á sua forma estática, dada a vantagem do poder defensivo.

Todas estas alterações técnicas e táticas, promovidas pela industrialização, vão levar
ao desenvolvimento de uma guerra, que utilizou os conceitos táticos napoleónicos, com
o armamento e equipamento da era contemporânea, em equilíbrio entre as forças
oponentes que esgotado o movimento inicial se vão proteger em longas linhas de
trincheiras.

Figura 7 – 26:
Manobra de Moltke.

Figura 7 – 27:
Plano Scheliefen.

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CAPÍTULO 7 – 35
CFS / HISTÓRIA MILITAR

CAPÍTULO 8 HISTÓRIA MILITAR SÉC XX. GRANDE GUERRA 1914-18. O CEP EM LA LYS

801. A Implantação da República em Portugal


A situação de instabilidade que há tantos anos se verificava no Reino, os
escândalos e descrença na capacidade da Monarquia para resolver os graves
problemas que afligiam a população, especialmente aqueles que aspiravam de
forma consciente a uma mudança política e viviam sobretudo nas cidades,
desencadearam uma série de acontecimentos que conduziram à implantação da
República em Portugal.
Ações de rua organizadas pelos republicanos e em especial pelas sociedades
secretas, foram desencadeadas com a finalidade de despertarem a atenção e
obterem o apoio da população. Os militares aderiram, inicialmente de forma
modesta, mas mais tarde tiveram enorme peso [...] pela adesão da Marinha quase
em bloco e de pequenas franjas do Exército, ao nível de Capitães, Tenentes e
Alferes, de um grupo de cadetes da Escola de Guerra e, em maior número, de
sargentos e praças. Mas a superioridade dos efetivos pertencia claramente às
forças da Marinha, no empenhamento que manifestavam pelo ato Revolucionário
[...]
(Professor Veríssimo Serrão, História de Portugal, volume XI, página 28).

Na madrugada do dia 3 de outubro, forças militares revoltosas instalaram-se no


cimo da Avenida da Liberdade (na Rotunda). A estas forças juntaram-se cadetes
da Escola do Exército e, de imediato, se fez sentir uma forte agitação popular. A
Marinha colocou os navios Adamastor e S. Rafael no Tejo, prontos a
bombardearem o palácio das Necessidades onde se encontrava a família real. As
comunicações com o estrangeiro, que se processavam por cabo submarino, foram
cortadas.
Foram poucas as unidades que se movimentaram em defesa da Monarquia. O
Capitão de Artilharia Henrique de Paiva Couceiro foi dos poucos militares
monárquicos que ofereceu resistência digna de nota. As forças leais à Monarquia
instalaram-se no Rossio. Houve trocas de tiros de artilharia que por vezes se
tornaram muito violentos. [...] A marinha está com os revolucionários. Agora, três
e meia da tarde, (4 de outubro), cessam todas as descargas para recomeçarem
com violência às quatro e meia. Às seis horas um cruzador abre o fogo contra o
Arsenal e o Terreiro do Paço. Está um céu de labaredas.
Outro vaso de guerra desce o rio e coloca-se em frente das Necessidades.

CAPÍTULO 8 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Às dez e meia da noite mais notícias: os navios bombardearam o Paço; as tropas


fiéis à monarquia estão encurraladas no Rossio. [...]
[...] Toda a noite ouço o estampido brutal do canhão, que por vezes chega ao
auge, para depois cair sobre a cidade um silêncio mortal, um silêncio pior.
Que se passa? Distingo o assobio das granadas, e de quando em quando um
despedaçar de beiral que cai à rua. E isto dura até à madrugada. De manhã (5 de
outubro) as tropas do Rossio rendem-se e os marinheiros desembarcam na
Alfândega. Às oito e meia está proclamada a república. [...]
(Raul Brandão, Memórias)

802. A Grande Guerra (1914-1918)


a. Europa em Convulsão.
A Europa do princípio do séc. XX, era um continente profundamente dividido e
cheio de contrastes entre os vários países e regiões. Ao nível político no Ocidente
da Europa predominavam as democracias liberais monárquicas e republicanas,
assentes em regimes democráticos-parlamentares, onde a base destes regimes
era uma burguesia influente, poderosa e empreendedora.
Na Europa Central e Oriental, os regimes eram autoritários, não democráticos
como os impérios russo, austro-húngaro e alemão, onde o poder estava centrado
na pessoa do líder, com o apoio dos exércitos, e numa aristocracia latifundiária.
Neste sentido, correspondia sensivelmente o regime político ao tipo económico
adotado: Inglaterra com uma indústria desenvolvida e poderosa, apoiada na
capacidade financeira da burguesia, sendo secundada pela França e Alemanha
com economias similares e por isso concorrentes.
Relativamente à Europa Central e Oriental o sistema económico era baseado na
economia rural, com indústria pouco desenvolvida, capacidade de investimento
financeiro fraca e atraso na modernização, como na Rússia, e na Áustria-Hungria.
No entanto podemos incluir neste bloco também as economias Italiana,
Portuguesa e Espanhola.

b. Rivalidades Económicas, Políticas e Coloniais


Os contrastes entre os vários países baseados em regimes políticos
diferenciados, mas sobretudo em economias em franco crescimento, como a
Alemanha e a Inglaterra, levaram a que estes rivalizassem na hegemonia
económica na Europa, com a criação de monopólios, e também nos impérios
coloniais.

CAPÍTULO 8 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR

A Alemanha também rivalizava com a França, pois esta nunca aceitou a perda
das regiões da Alsácia e da Lorena na guerra franco-prussiana entre 1870-71.
Relativamente aos países de regime autoritário como a Rússia e a Áustria-
Hungria, a disputa era mais de posição estratégica, com a influência nos Balcãs,
onde a Rússia apoiava os movimentos independentistas dos povos balcânicos,
sob o domínio do império Austro-húngaro, de forma a obter um acesso ao
Mediterrâneo.

c. “Paz” Armada e Sistemas de Alianças das Nações Europeias.


Com o conflito de interesses entre os vários estados, nomeadamente nas disputas
territoriais tanto na Europa com nas colónias, a tendência foi de se armarem
maciçamente, aproveitando a tecnologia e indústria em franca expansão nos
países em contenda, e recrutamento em números até a data nunca vistos.
Paralelamente à política belicista de equilíbrio de forças, as várias potências
foram-se agregando em alianças de acordo com os interesses em comum,
políticos, económicos e militares.
Em 1882, Alemanha, Áustria-Hungria e Itália, formam uma aliança militar de
defesa e apoio mútuo, chamada Tríplice Aliança. Esta Aliança foi, no entanto,
abandonada pela Itália em 1914.
Com o abandono de Itália e a evolução da guerra, o Império Otomano junta-se à
Tríplice Aliança em 1914, sendo seguida pela Bulgária logo em 1915, ficando esta
aliança conhecida como as “Potências do Meio” ou “Potências Centrais”.

Por outro lado, os países rivais desta aliança formam outra aliança militar para
defesa dos seus interesses. A França e o Reino Unido, já tinham firmado em 1904
um acordo denominado “Entente Cordiale” que terminou com o conflito entre estas
potências sobre o domínio colonial em África. Mais tarde esta aliança é estendida
à Rússia que já possui acordos bilaterais com os outros dois países passando a
denominar-se, a partir de 1907, de tríplice “Entente Cordiale”.
Este tipo de sistemas de alianças vincadamente militar, punha seriamente em
causa a estabilidade e segurança de toda a Europa, pois como é dedutível
bastava um país entrar em conflito direto com qualquer outro acendia o rastilho
de uma guerra Pan-Europeia e Mundial.
A Europa vivia um clima de “paz podre”, que se convencionou chamar de “Paz
Armada”.

CAPÍTULO 8 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR

[…] Os Estados europeus participavam num esforço comum para que a “paz
armada” não degenerasse no conflito temido, mas simultaneamente desejado. Os
ressentimentos, as rivalidades e os interesses eram demasiado grandes para que
a diplomacia e a vontade política de alguns encontrassem soluções aceitáveis
para todos os intervenientes. […]
[…] nos últimos anos antes da guerra, a Europa vivia num impasse
crescente. Ao procurarmos, ainda hoje, analisar as causas e os fatores que
conduziram ao extenso conflito em que se transformou a Grande Guerra, não
podemos em definitivo estabelecer prioridades ou ajuizar conclusivamente. Mas
não há dúvida de que, sem grande erro, devemos eleger como determinante
profunda a rivalidade económica das grandes potências, em especial da Inglaterra
e da Alemanha. […] A política de alianças desenvolvida, por um lado em torno da
Alemanha e por outro, em torno da aproximação entre a França, a Rússia e a
Inglaterra, acabou por arrastar para a guerra, uma a uma, a grande parte das
nações europeias, […]
(Aniceto Afonso, In Guerras e Campanhas Militares, Grande Guerra, QUIDNOVI,
pág. 9 e 10).

Figura 8-1: Mapa da Europa e sistema de alianças em 1914

CAPÍTULO 8 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR

803. A questão Sérvia e o início da I Guerra Mundial


Alianças Militares concluídas, rearmamento e mobilização feitos em grande
escala, planos de contingências preparados, tudo estava pronto para um conflito
que todos desejavam, pensando na nova ordem que surgiria após uma guerra
que se calculava rápida. Faltava o motivo.
Em 28 de junho de 1914, o príncipe herdeiro do Império Austríaco (arquiduque
Francisco Fernando) é assassinado em Serajevo, capital da Bósnia, que tinha sido
anexada pela Áustria-Hungria em 1908.
O Governo Austríaco acusa a Sérvia de estar por detrás do atentado perpetrado
por Gravil Pricip, membro de uma fação ultranacionalista que pretendia a união
dos estados bálticos na “Grande Sérvia”.
Perante a refutação da acusação por parte da Sérvia, e depois de obtido o apoio
da Alemanha, a Áustria declara guerra em 28 de julho de 1914, desenlaçando o
novelo de alianças que culmina com a invasão da França pela Alemanha através
da Bélgica no início de agosto de 1914, precipitando a Europa e o resto do mundo
na sua primeira guerra mundial.

a. A Frente Ocidental
Gorada a tentativa de conquista de Paris através do plano Scheliefen-Moltke
alemão, pela reação franco-britânica na Batalha do Marne em setembro de 1914,
criou-se um impasse com a estabilização da frente numa extensa linha defensiva
estática, que se estendeu dos Alpes ao canal da Mancha, apoiada num intricado
sistema de trincheiras, guarnecido por milhões de combatentes que suportaram
estoicamente e em equilíbrio de forças, a ação da artilharia, da metralhadora e
dos gases.
Tentando romper o impasse que durou todo o ano de 1915, seguiram-se duras
batalhas: a “Operação Julgamento”, liderada pelos alemães em Verdun no
inverno de 1916; sustida heroicamente pelos franceses com o custo de mais de
meio milhão de homens;
a ofensiva aliada no Somme, de junho a novembro daquele ano, onde pela
primeira vez são empregues os carros de combate (tank), e que teve como único
resultando o aumento exponencial de vidas perdidas (pereceram cerca de 1
milhão de homens entre ingleses, franceses e alemães.)
Era este o cenário de destruição e morte que esperava os portugueses quando
desembarcaram na Flandres em 1917.

CAPÍTULO 8 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Figura 8-2: Soldados Britânicos na trincheira

b. A Frente Oriental
Pelo contrário, na frente oriental, compreendida entre o Mar Báltico e o Mar Negro, a
guerra mantinha o seu carácter de movimento. O «rolo compressor» russo foi travado
pelos exércitos germânicos comandados por Hindemburg e Ludendorff na batalha de
Tannenberg, em agosto de 1914, e dos lagos Masures, em setembro do mesmo ano.

Enquanto que na frente ocidental em 1915 a guerra manteve um impasse, na frente


Russa os Austro-Alemães conquistaram a Polónia e a Lituânia. No medio Oriente, na
frente Balcânica, que ia do mar Adriático ao Bósforo, na Turquia, uma força aliada
constituída por forças britânicas, australianas e neozelandesas tentaram o
desembarque em Dardanelos, fracassando em toda a linha. Neste ano a Bulgária
entrava na guerra ao lado dos impérios centrais, e a Sérvia, atacada por todos os
lados, sucumbia em outubro. Nesse mesmo ano, a Itália entrava na guerra, ao lado
dos aliados.
Em 1916, apesar das ofensivas de Brussilov, o exército russo rendeu-se ante a
máquina de guerra alemã e a Roménia, que entrou na Grande Guerra pelos aliados
foi submetida. A estratégia alemã desde então foi a de tentar ganhar rapidamente a
guerra nas duas frentes.
Em 1917 o poder imperial do Czar foi derrubado com a tomada de poder pelos
bolcheviques de Lenine, que negociou desde logo a retirada da Rússia da guerra que
culminou com a assinatura de um armistício em Brest-Litovsk com as Potências
Centrais, em março de 1918.

CAPÍTULO 8 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR

A guerra acabara na frente Leste, a Alemanha rapidamente transferiu os seus


exércitos do Leste para ocidente, aumentando a pressão sobre ingleses e
franceses, desgastados física, moral e economicamente. Essa data, 1917,
assinala a entrada dos EUA no conflito. Embora Woodrow Wilson mantivesse uma
postura de não interferência na guerra europeia, o facto de os navios americanos
serem constantemente afundados pelos alemães, inclusivamente os de
passageiros como o Lusitânia e o Arabic, mudou a opinião pública americana e a
posição do presidente, que se dispôs a combater as Potências Centrais,
prometendo apoio militar em homens e material

A entrada americana
criou boas expetativas
nos aliados, contudo a
ajuda não podia chegar
de imediato, pois
levantar um exército com
2 milhões de homens,
carece de tempo, que
como se viu, os aliados
não tinham.
Figura 8-3: Desembarque Americano 1918

Durante o ano de 1917, os aliados tiveram que suportar os esforços da guerra


lançando a “Ofensiva Nivelle” em abril, e a “Ofensiva da Flandres” a partir de junho
até novembro, tentando mais uma vez romper a frente. Estas ofensivas revelaram-
se desastrosas pois os alemães tinham retirado para a linha Siegrefied, composto
por várias linhas de defesa entrincheiradas, reforçadas com abrigos de betão.

Em 21 de março de 1918, os alemães reforçados com os exércitos da frente russa


e depois de terem respondido às ofensivas aliadas de 1917, decidem tomar a
iniciativa lançando a sua grande ofensiva no Somme com o propósito de separar
os exércitos francês e inglês, obrigando este a embarcar para Inglaterra, assim
como tomar definitivamente os portos de Calais e Bouloge-sur-mer para impedir o
desembarque das forças americanas que chegavam em reforço. Nesta ofensiva,
apelidada de “Primavera”, o avanço alemão chegou à zona de Compiégne e ao
Marne, colocando a capital francesa de novo sob o bombardeamento da artilharia
pesada germânica.

CAPÍTULO 8 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Os aliados mudando a estratégia unificam o comando das forças conjuntas sob a


direção do marechal Foch, e
beneficiavam agora de uma
superioridade numérica e
tecnológica com o
completamento americano,
permitindo-lhes executar um
contra-ataque iniciado a 18 de
julho de 1918, a “segunda
batalha do Marne”, que levou

Figura 8-4: “Tank” ultrapassando uma trincheira

através de uma série de ataques rápidos e de surpresa, à reconquista de toda a


França do Norte e à derrocada alemã.

Mas a ofensiva aliada não se


localizou só na região da Flandres,
em todas as outras frentes os
Aliados tinham passado à ofensiva:
os turcos otomanos claudicaram
ante os ingleses, o Império Austro-
Húngaro assinou o armistício em 4
de novembro e Alemanha fez o
mesmo em 11 do mesmo mês. Figura 8-5: Avanço sobre bombardeamento

A Grande Guerra Mundial, que terminou com a assinatura de uma série de


tratados (Tratados de Versalhes de 28 de junho de 1919, de Saint-Germain-en-
Laye, em 10 de setembro de 1919, o de Neuilly-sur-Seine, em 27 de novembro de
1919 e o de Petit Trianon, Versalhes, assinado em 4 de Junho de 1920), originou
o desaparecimento dos quatro grandes impérios da Europa Continental: o dos
Romanov da Rússia (1917); os dos Hohenzollern da Alemanha e Prússia e dos
Habsburgos austríacos (1918) e dos Turcos-Otomanos (1922).
A Europa do pós-guerra apresenta uma nova configuração com o aparecimento
de novos estados nascidos dos nacionalismos europeus, como a Checoslováquia
e a Jugoslávia, criadas em nome do direito dos povos disporem de si próprios.

CAPÍTULO 8 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR

804. As Táticas na Grande Guerra.


a. Introdução
A primeira guerra mundial foi planeada pelas potências europeias para ser uma
guerra rápida, os planos francês e alemão assim o ditavam, apostando os alemães
na doutrina de Helmut von Moltke, de estratégia ofensiva de torneamento das
forças inimigas apostando na velocidade de colocação de grandes contingentes
rapidamente na frente de combate e que após o torneamento e o corte das linhas
de comunicação inimigas, se seguiriam os combates com vista à destruição do
inimigo. Numa guerra que apostava no movimento.
No entanto o que sucedeu foi a impossibilidade de colocar em tempo o número de
homens, armamento e equipamento em superioridade suficiente para subjugar os
aliados, arrastando-se a primeira fase da guerra em combates violentos de
tentativas de ganho, manutenção ou reconquista de terreno que levou à
estabilização de uma frente entre os Alpes e o Mar, onde milhões de homens de
um lado e de outro se entrincheiraram e defenderam cada palmo de terra.

b. Guerra das Trincheiras


Como se tratava de uma guerra de novo tipo, que ficou conhecida como guerra de
trincheiras, onde se tentava manter uma frente estável e romper a do inimigo, o
terreno estava organizado numa séria de linhas defensivas de tipo simples
ou múltiplas linhas defensivas.

Figura 8-6: Sistema de Trincheiras Aliada.

CAPÍTULO 8 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Eram essas linhas constituídas por trincheiras cavadas no solo e escalonadas da


linha da frente em contacto com o inimigo até á retaguarda onde se encontravam
as reservas e os postos de comando das brigadas e divisões em 3 zonas:
– 1ª Zona de Defesa (Profundidade de 2Km)
• A- Linha Avançada (80 a 250 metros)
– Observação
• B- Linha de Apoio (300 a 800 metros da linha A)
– Resistência
• C- Linha de Reserva
– 1500 a 1800 metros da Linha A – Reserva
– 2ª Zona de Defesa, Linha Intermédia
• 1ª Linha (Linha das Aldeias)
• (3000 metros da linha A)
– Obras de fortificação de campanha
– Aproveitamento de ruínas
– Abrigos para Metralhadoras e Morteiros
– Artilharia de Campanha
• 2ª Linha de Defesa (Linha de Corpo)
• (3000 metros à retaguarda da 1ª Zona de Defesa)
– Série de redutos, trincheiras e arame farpado – Cobertura de vias de comunicação
na frente.
- 3ª Zona de Defesa (Linha de Exército)
• (6000 metros da 1ª Zona de defesa)
• Zona Avançada
• Zona de Batalha
• Zona de Retaguarda
- Defesa de estradas, caminhos-de-ferro, etc. mais importantes;
- Artilharia de Corpo e Reserva de Corpo

Figura 8-7: Sistema de defesa das


trincheiras

CAPÍTULO 8 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR

As táticas na Grande Guerra


(1) Doutrina Britânica na guerra de trincheira.
Para ultrapassar as defesas inimigas os britânicos apostaram em formações táticas de
batalhão de infantaria, composto por 4 companhias de infantaria a 4 pelotões. Na tentativa
de romper a frente inimiga, cada batalhão lançava 10 vagas sucessivas com 100 metros
de distância a cada 2 minutos.
As primeiras 6 vagas eram compostas pelos elementos de combate de 3 companhias, a
7ª vaga levava o QG do batalhão e a 8º e a 9º vagas levavam o material, equipamento e
munições remanescentes do batalhão.
A 10ª vaga era de apoio e levava os maqueiros e os médicos.
Durante o avanço os combatentes tinham que transportar além do equipamento
individual, que incluía a espingarda com baioneta e a dotação de munições, a máscara
antigás, granadas de mão, pá individual, alicate corta arame, o equipamento da
companhia distribuído pelos pelotões com as munições extra, arame farpado, materiais
de construção e reparação de trincheiras., etc.

No entanto, este dispositivo de vagas sucessivas e rígidas, embora apoiadas pela


artilharia, esbarrava invariavelmente com as posições defensivas alemãs que não
permitiam ganhos significativos e que se traduziam em grande mortandade, obrigando os
combatentes a assegurar a linha de trincheira que se tornou estática.

A partir do final de 1917, com as melhorias técnicas, foi possível colocar no campo de
batalha o carro de combate que veio trazer, além do movimento, a proteção o fogo e o
choque num só elemento, apoiando em conjunto com a artilharia, o avanço da infantaria.

(2) Doutrina Britânica na Guerra de Movimento.


Com o apoio da artilharia e dos carros de combate, foi possível lançar os batalhões em
vagas flexíveis e muito importante, com comando descentralizado, a ordem nuclear.
Assim, num primeiro momento, era lançada uma 1ª. vaga sob a escuridão com tropas de
assalto, cujo objetivo era ocupar pontos importantes na terra de ninguém e eliminar focos
de resistência como nichos de metralhadora, atiradores furtivos, etc.
Num segundo momento, eram lançadas mais três vagas após uma barragem de artilharia
sobre as linhas inimigas com a seguinte sequência:
- 2ª. Vaga em pelotões em fila simples;
- 3ª. Vaga em pequenos grupos de reforço;
- 4ª. Vaga para ocupar e consolidar o terreno conquistado.

CAPÍTULO 8 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Este avanço por pelotões, com mais mobilidade, estava reforçado com maior poder de
fogo fornecido pelas metralhadoras Lewis e granadas. A progressão era feita com sobre
apoio entre os pelotões, em que o primeiro fixava o inimigo e os seguintes ultrapassavam
o foco de resistência.
Neste caso o apoio da artilharia ao avanço da infantaria não se ficava por fogo de
preparação massivo, fixando a frente, destruindo linhas de comunicação, material e
equipamento antes do assalto. Surge uma nova forma de utilizar o apoio de fogos que
passava por:
- Fogo de Barragem, como referido tinha objetivos previamente definidos para
destruir antes do assalto;
- Fogo de Apoio, este fogo, rolante, em frente da infantaria, cerca de 50m
acompanhava a progressão até à trincheira inimiga;
- Fogo Vertical antes do assalto, visava enfraquecer e obrigar o inimigo a recolher
à trincheira, não dando oportunidade de rechaçar o assalto da infantaria. A introdução
dos carros de combate (Tank) na frente, agora com melhoramentos significativos, vem
romper o impasse da guerra, utilizando em simultâneo o movimento, proteção, fogo e
choque.
O ataque era feito com 3 tanques dispostos em triângulo fornecendo apoio ao avanço da
infantaria. Neste avanço, os carros de combate abriam brechas no arame farpado,
suprimiam pontos de resistência e ultrapassavam as trincheiras.

(3) Doutrina Alemã na Guerra de Trincheira.


Perante a contraofensiva de Joffre em oposição ao plano Scheliefen, na batalha das
fronteiras em agosto de 1914, que empurrou os alemães para a batalha do Marne, em
setembro, von Moltke ordenou a retirada das suas foças para a linha de Verdun, fortificada
pelos germânicos, e manter posições. Após as tentativas de torneamento mútuo, a corrida
para o mar, as frentes estabilizam em quilómetros de trincheiras.
Como os franceses e ingleses, os alemães criaram um sistema defensivo de trincheiras,
baseado em linhas contínuas de organização do terreno, de defesa elástica.
O sistema alemão era organizado em 3 conjuntos de linhas defensivas:
- 1ª Zona de defesa constituída por dois conjuntos lineares
- 1º conjunto linear de entrincheiramento, cobrindo ângulos mortos e sobretudo a “terra
de ninguém”.
- 2º conjunto igual ao primeiro a 200 metros de distância
- 2ª Zona de defesa
Entre os 700 e os 1000 metros com obras em concreto como casamatas e abrigos
solidamente construídos; ninhos de metralhadoras e arame farpado.

CAPÍTULO 8 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR

3ª Zona de defesa
Com as reservas era defendida a todo o custo esta 3ª zona e garantida com contra-
ataques pré-planeados.
As distâncias entre cada linha eram substanciais, obrigando a artilharia inimiga a
movimentar-se na frente para apoiar a infantaria e bater todas as zonas defensivas.

Figura 8-8: Sistema de defesa Alemã

(4) Doutrina Alemã na Ofensiva (Doutrina Houtier).


Tática de Infiltração - Oscar von Houtier, general alemão, utilizou pela primeira vez com
sucesso na conquista de Riga em 1 de setembro de 1917, uma tática em que apostava
no emprego de pequenos grupos de combatentes, não mais de uma dúzia, bem armados
com metralhadoras pesadas e ligeiras e granadas de mão, equipados e treinados, que
antecedendo a infantaria se infiltravam através dos pontos fracos da frente inimiga,
suprimindo ninhos de metralhadoras, e outros focos de resistência pela retaguarda,
penetrando em profundidade no sistema defensivo do adversário.
Embora este plano fosse originariamente francês, só foi possível executar pelos alemães
porque optaram pela descentralização do comando e pelo estímulo à iniciativa dos
escalões mais baixos que atuavam independentes.
Sucintamente a atuação por infiltração das tropas de assalto à frente da infantaria
baseava-se num primeiro momento no cegamento e supressão dos pontos fortes através
de barragens de artilharia e na utilização de gás, para num segundo momento ser
explorado pelo avanço dos grupos de assalto em ordem dispersa que ultrapassavam as
resistências adversárias através dos pontos fracos.
Ganhando a profundidade da defesa inimiga, desarticulavam-na, ao mesmo tempo que
as forças de seguimento limpavam as resistências dos pontos fortes.

CAPÍTULO 8 – 13
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Figura 8-10: Esquema atuação tática das tropas de assalto alemãs

805. O Corpo Expedicionário Português


A participação Portuguesa na Grande Guerra iniciou-se efetivamente antes de esta
eclodir na Europa, pois em África desde 1914 que Portugal lutava contra os Alemães em
Angola e Moçambique pela manutenção dos territórios ultramarinos.
Quando a guerra começou e a Inglaterra entrou no conflito, o governo português de
António Costa evoca a velha aliança luso britânica para se juntar aos aliados no combate.
Esta necessidade de entrar na guerra prende-se com vários fatores:
Manutenção das colónias;
Assegurar o prestígio internacional da jovem república;
Distinguir a posição de Portugal em relação à Espanha e assegurar a própria
independência;
Ter assento nas negociações no pós-guerra.
No entanto a Inglaterra não quis que Portugal participasse no conflito, preferindo a sua
neutralidade, antepondo Winston Churchill uma aliança com Espanha.
Em 1916, a Inglaterra deparou-se com falta de navios devido à ação destruidora dos
submarinos alemães e pede a Portugal que arreste todos os navios alemães fundeados
nos nossos territórios, pedido ao qual acedemos na condição de entrarmos na Guerra.
Ato imediato foi a declaração formal de guerra por parte da Alemanha e a entrada de
Portugal na Primeira Guerra Mundial, em 09 de março de 1916.

Antes da mobilização para a constituição de um corpo de exército, que se planeou para


uma divisão reforçada, mas que se efetivou com duas, e que viria a ser conhecido pelo
Corpo Expedicionário Português, (CEP), já o país tinha mobilizado 50.000 homens para
África, 12.800 para as ilhas e 40.000 para a metrópole.
Após a declaração de guerra pela Alemanha, e acertado o apoio Britânico em
Equipamento, Armamento e Treino, Portugal em 1917, mobiliza 57.000 homens
destinados a combater na Flandres ao lado dos Ingleses com duas divisões de Infantaria,
que após um período de treino de guerra de posição ou trincheira desembarca em Brest,
na França, em janeiro de 1917.

CAPÍTULO 8 – 14
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Figura 8-12: Mapa dos setores de Brigada do CEP

CAPÍTULO 8 – 15
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Este corpo de tropas comandado pelo General Tamagnini Silva ficou sob as ordens do
comandante em chefe das forças expedicionárias britânicas, Marechal Douglas Haig, sob
o comando operacional do I Exército Britânico comandado pelo General Horne e sob a
dependência tática do Tenente-General Haking, comandante do XI Corpo de Exército
Britânico.
Sob o comando do I Exército Britânico a 2ª divisão de Infantaria Portuguesa foi colocada
a Sul da 40ª Divisão britânica e a Norte da 55ª Divisão Britânica, numa frente de
aproximadamente 11km, a sul da Flandres no Vale do Lys entre Armentiére a La Bassée
e Merville a Bethune, dividido em 3 setores de brigada: Ferme du Bois; Neuve Chapelle
e Fauquissart.

Portugal ainda enviou para França um corpo de


artilharia o Corpo de Artilharia Pesada
Independente ou CAPI, ficando sob o comando
francês do General Pétain.
O sector ocupado pelo CEP na Flandres, era
um dos piores, quer considerando as condições
de salubridade quer as tático-militares.

O setor encontrava-se junto à planície do rio Lys, e era atravessado por uma miríade de
canais que ensopava o
terreno barrento e
pegajoso onde os
homens tiveram que
fazer crescer
trincheiras e abrigos
com sacos de terra.
A água assomava
depois de cavados
alguns centímetros.

Como se tratava de uma guerra de novo tipo, que ficou conhecida como guerra de
trincheiras, onde se tentava manter uma frente estável e romper a do inimigo, o terreno
estava organizado numa séria de linhas defensivas de tipo simples ou múltiplas linhas
defensivas. Eram essas linhas constituídas por trincheiras cavadas no solo e escalonadas

CAPÍTULO 8 – 16
CFS / HISTÓRIA MILITAR

da linha da frente em contacto com o inimigo até á retaguarda onde se encontravam as


reservas e os postos de comando das brigadas em quatro escalões.
Tudo se passava dentro da rede de trincheiras, era ali que se planeava, se comia, se
dormia, juntamente com os ratos e os parasitas, suportando firmemente no abrigo os
bombardeamentos, aguardando a ação do inimigo ou preparando os raids à terra de
ninguém.
A chuva e o frio terrível do Norte da Europa tornavam ainda mais penosa e desgastante
a sobrevivência dos nossos soldados neste novo tipo de guerra para o qual não estavam
preparados nem compreendiam o porquê da situação em que se encontravam.

Devido à falta de navios, as tropas não foram rendidas, o que provocou um grande
desânimo nos soldados. Além disso, alguns oficiais, com maior poder económico e de
influência, conseguiram regressar a Portugal, mas não voltaram para ocupar os seus
postos.
Para agravar a situação e contrastando com o relativamente calmo ano de 1917, durante
o mês de março de 1918, a situação dos portugueses agravou-se com o recrudescimento
dos ataques no setor defendido pelo CEP. A moral caiu a pique, o que levou o comando
português e inglês a fazerem as alterações, previamente acordadas, de colocar uma
única divisão na defesa da frente.
Em 06 de abril a 2ª divisão do CEP, constituída por cerca de 20.000 homens, dos quais
somente pouco mais de 15.000 estavam nas primeiras linhas, comandados pelo general
Gomes da Costa, entrou em posição.

Quando assumiu o comando da 2ª divisão o


general Gomes da Costa sabia que os seus
homens estavam com a moral enfraquecida por
estarem na trincheira há já noves meses,
causando-lhes um enorme desgaste físico e
psicológico.
Após uma visita do comandante do XI Corpo
britânico, general Horne, em que afirmou que o
CEP” deveria morrer a defender a linha B”,
chegaram à conclusão que o corpo não tinha já
capacidade de se manter mais tempo na frente e
seria substituída a partir de 08 de abril de 1918.
Tarde de mais. Figura 8-13: 1º cabo do CEP em Flandres

CAPÍTULO 8 – 17
CFS / HISTÓRIA MILITAR

806. O CEP na Batalha de La Lys


Num último esforço, as forças dos países do meio, planeiam uma grande operação na
primavera de 1918, com o nome de “Operação Georgette”, com a intenção de romper as
linhas em Ypres e chegar ao mar e ocupar Calais e Bouloge-sur-mer para evitar o
desembarque das forças Norte Americanas (que tinham entrado na guerra e que vinham
desequilibrar a igualdade de forças presentes até então) e atacar Paris.
Na frente do setor luso-britânico, estava posicionado o 6º Exército alemão de Von Quast
com cerca de 350 000 Homens. Decididos a romper a frente, escolheram um ponto onde
a sua defesa fosse teoricamente mais vulnerável, e esse ponto era exatamente no setor
português. O ataque alemão efetuou-se precisamente no dia em que as tropas lusas
tinham recebido ordens para, finalmente, se deslocarem para posições mais à retaguarda
para serem rendidas por tropas “frescas” inglesas.

Este ataque em larga escala e em profundidade numa frente estrita, utilizando um grande
número de tropas de assalto bem armadas e equipadas, foi antecedido de um maciço
bombardeamento iniciado pelas 04h15m do dia 09 de abril de 1918, que visou destruir os
Postos de Comando, as linhas de comunicações e a artilharia.

Von Quast lança então um ataque em larga escala e profundidade no setor português que
sabia ser o mais frágil da linha defensiva aliada, concentrando um grande potencial de
meios, cerca de 350 000 homens, numa frente estreita. No setor do CEP, cerca de 11Km,
a 2ª Divisão recebe o embate de três divisões germânicas com cerca de 50.000 homens,
contra 15.000 que perante a dificuldade de cobrir 11 Km de frente do CEP, aliado a um
momento delicado que é a rendição de uma força em contacto por outra, assim como a
falta de comunicações provocada pelo bombardeamento cirúrgico inimigo, fizeram com
que se retirasse apressadamente, não lhe permitindo reorganizar-se frente ao inimigo.
Nas primeiras quatro horas o CEP sofreu 7500 baixas.

Figura 8-14: Fogo de Barragem sobre trincheira francesa

CAPÍTULO 8 – 18
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Figura 8-15: Ataque alemão em 9 de abril de 1918. Pormenor do setor da 2ª Divisão do CEP.

Perante este ataque, as linhas defensivas são destruídas e é criada uma bolsa dentro das
linhas aliadas. Contudo, uma rápida reação aliada e a tenacidade de algumas unidades
lusas, como o caso do Batalhão de Infantaria 15, em La Couture, quebraram o ímpeto
alemão vindo os aliados restabelecer uma nova frente, não permitindo a progressão
alemã e criando um novo impasse.
Sem solução militar e em inferioridade os alemães
rendem-se e é assinado o armistício em 11 de novembro
de 1918.
A batalha do Lys constituiu uma estrondosa derrota das
forças luso-britânicas, mas apesar da derrota, o sacrifício
dos militares portugueses serviu para cobrir a retirada e
reorganização das forças aliadas, salvando ainda assim
milhares de vidas e permitiram continuar com o objetivo
principal destas linhas defensivas, que era negar às
Figura 8-16: Soldado festejando o
forças alemãs o acesso aos portos de Calais, permitindo Armistício

o desembarque das tropas Americanas em reforço.


O resultado do sacrifício nacional na Flandres em termos políticos, foi que Portugal
conseguiu manter a soberania das colónias, a independência e afirmar o regime
republicano além-fronteiras. Internamente, mergulhou numa crise social, económica e
financeira que teria desfecho em 1926, num golpe militar perpetrado por aqueles que
combateram na Grande Guerra.

CAPÍTULO 8 – 19
CFS / HISTÓRIA MILITAR

807. O Batalhão do Regimento de Infantaria 5 em França

No conflito da grande guerra, também o Regimento de Infantaria 5, do qual a ESE é a


herdeira das tradições e valores, contribuiu com um Batalhão de Infantaria no esforço de
guerra nacional na Flandres.
Organizado em julho de 1917, em Lisboa, no quartel da Graça, o 1º Batalhão do RI 5,
constituiu o 3º Batalhão da 6ª Brigada de Infantaria da 2ª Divisão do CEP.
Após um período de treino e de adaptação às trincheiras da linha da frente entre finais de
setembro e novembro de 1917, vai tomar posição na 1ª linha em Fauquissart e Chapigny
até 7 de abril de 1918.
Durante o mês de março de 1918, os Alemães aumentaram o ímpeto e a frequência dos
assaltos em “raids”, que também visaram as posições do Batalhão do RI 5 que com
grande valor sempre repeliram estas ações.
Finalmente em 07 de abril de 1918, o Batalhão retira da 1ª linha para ocupar posições de
reserva da Brigada em Neuve Chapelle.
Esta unidade, cujo seu comandante foi o Major Mário Oom do Vale, era composta por
quatro companhias de infantaria; a primeira sob o comando do alferes Daniel Pinto
Barros, a segunda pelo alferes Dória, a terceira companhia tinha à frente o capitão Ciríaco
Júnior e por último, a quarta companhia com o comando do alferes Gomes.

Figura 8-17
Grupo de Sargentos do Batalhão de Infantaria 5 na Flandres

O Batalhão do RI 5 tinha de reforço um destacamento de metralhadoras pesadas Lewis,


sob as ordens do Alferes Brito. O Batalhão estava colocado num setor importante, na
estrada que ligava Estaires a La Bassée, atravessando todo o sector central atribuído à
6.ª Brigada do qual o Batalhão do RI 5 era reserva. Esta unidade estava distribuída da
seguinte

CAPÍTULO 8 – 20
CFS / HISTÓRIA MILITAR

maneira: a 2º Companhia em Riez Bailleul e as restantes acantonadas ao longo da


referida estrada a partir de Pont du Hem, sensivelmente a meio caminho entre Estaires e
La Bassée.

a. O Batalhão de Infantaria 5 na Batalha do Lys


No 9 de Abril de 1918, contava com 16 oficiais e 658 sargentos e praças, num total de
400 combatentes disponíveis.
Após o devastador bombardeamento de 09 de abril e privado de comunicações com o
comando da 6.ª Brigada que impedia o comando do Batalhão de receber indicações para
as ações a tomar, o Major Vale, decidiu reforçar as subseções que lhe estavam atribuídas,
com a 3.ª Companhia para o subseção I a Sul e a 1.º Companhia para a subsecção a
Norte como lhe competia.
Simultaneamente, recebe ordem do comando da brigada através do seu capelão que
apesar do fogo intenso com que os alemães flagelavam o sector, pôs-se a caminho,
informando o major Vale que este deveria retirar a 2.ª Companhia para Pont du Hem. Na
impossibilidade das 1.ª e 3.ª companhias ocuparem os subsectores, o comandante do
Batalhão de Infantaria 5 decidiu estabelecer posição em Pont du Hem e Charter House,
contando agora com a companhia do alferes Dória e com uma companhia do Batalhão
Infantaria 11, comandado pelo alferes Corvo.
Decidido a resistir, teve de abandonar os seus intentos devido ao intenso
bombardeamento, principalmente em Charter House e pela moral das tropas, devastada
pela violência e intensidade do ataque alemão, levando Oom do Vale a abandonar a sua
posição.
O Batalhão de Infantaria 1 tinha, entretanto, sido repelido e obrigado a retirar, permitindo
aos alemães penetrar profundamente no sector da 4.ª Brigada, Fauquissart, preparando-
se para flanquear o Batalhão de Infantaria 5 a partir de La Lingue, levando-o a retirar para
Carter’s Post, seguindo depois o caminho para La Gorge, com cerca de 400 praças. Ainda
assim, os alemães aprisionaram 260 praças e sargentos juntamente com o alferes Dória
e o tenente médico Joaquim Correia.
O intenso bombardeamento, a desproporção de efetivos face à concentração de meios
alemães que concentrou um grande número de efetivos numa frente estreita, a dificuldade
de cobrir 11 Km de frente do CEP, aliado a um momento delicado que é a rendição de
uma força em contacto por outra, assim como, a falta de comunicações, provocado pelo
bombardeamento cirúrgico inimigo, fizeram com que o CEP se retirasse apressadamente,
não lhe permitindo reorganizar-se frente ao inimigo.
O Batalhão de Infantaria 5, embora em reserva da Brigada, tentou desesperadamente
cobrir os setores que lhe estavam atribuídos, permanecendo o tempo que lhe foi possível

CAPÍTULO 8 – 21
CFS / HISTÓRIA MILITAR

em Pont du Hem, mas a retirada das forças na primeira linha e a desproporcionalidade


do inimigo, obrigaram esta unidade a recuar.
Após o restabelecimento de uma nova frente e tendo em conta a escassez de meios e
efetivos, o comando do CEP aprova o plano para que a 2.º Divisão a partir de 25 de Abril
de 1918, seja composta somente com duas brigadas, com três batalhões cada.
O 3.º Batalhão da 4.ª Brigada foi constituído por três companhias do Batalhão de Infantaria
5. Contudo, foi já sob o comando do General Garcia Rosado que os efetivos foram
divididos em 9 batalhões, ficando em reforço do XI CE Britânico.
A Infantaria, a Artilharia e a Engenharia portuguesas entraram em combate
incorporados na 57.ª e 59.ª divisões Aliadas na Batalha do rio Escalda sob o superior
comando do General Fox, entre outubro e novembro de 1918 e foi nas margens do
Escalda que os portugueses receberam a notícia que a guerra tinha terminado, em 11 de
novembro de 1918.

b. O Batalhão de Infantaria 5 após o Armistício

Após o armistício o que restava do Batalhão de Infantaria 5 foi empregue em serviços


vários como o arranjo dos campos, enchimento das trincheiras, desmontagem das
defesas e arranque do arame farpado, etc.
Finalmente embarca para Portugal a bordo de um vapor Inglês em 5 de junho de 1919,
chegando a Lisboa em 11 de junho de 1919.
As recompensas dadas aos elementos do
Regimento de Infantaria 5 demonstram que esta
unidade que esteve praticamente todo o tempo
na 1º linha contou com elementos de grande
valor militar obtendo duas promoções por
distinção, uma a 1º sargento e outra a 1º Cabo,
assim como diversos louvores de Batalhão,
Brigada e a destacar, nove louvores de Divisão
entre oficiais sargentos e praças. Além dos
louvores referidos houve lugar à atribuição das
mais altas condecorações em campanha como a
medalha de Valor Militar atribuída a um Tenente-
Coronel e onze Medalhas de Cruz de Guerra 3ª
Classe, a cinco Alferes, um 1º Sargento, dois 2º
Sargentos e três Soldados.
Figura 8-18: Soldado de Infantaria
condecorado com medalha de cruz e Guerra

CAPÍTULO 8 – 22
CFS / HISTÓRIA MILITAR

Quer pelas vicissitudes advindas da participação do CEP na Flandres, quer pelo esforço
ímpar e inigualável que os portugueses despenderam neste sangrento conflito, o desfile
do Corpo Expedicionário Português nas cerimónias do Dia da Vitória, em Paris, foi
totalmente merecido.

Figura 8-19: Desfile do CEP no dia da Vitória em Paris

CAPÍTULO 8 – 23
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 9 HISTÓRIA MILITAR SÉC. XX. 2ª GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

901. Antecedentes do conflito


Após a capitulação dos países das “Potências Centrais”, na Grande Guerra, e assinado
o Tratado de Versalhes em 1919, a Alemanha vê-se confrontada com uma série de
condições “humilhantes”, como a restituição à França da Alsácia e da Lorena,
devolução dos territórios ocupados à Polónia, Bélgica e Dinamarca e obrigação de
pagar pesadas indemnizações de guerra aos vencedores (a França nunca abdicou
desse pagamento), que seriam pagos em ouro, minério e bens manufaturados. Outra
condição do tratado, foi a desmilitarização do estado Germânico.

A crise de 1929, na América e na Europa, veio tornar críticas as condições de vida na


Alemanha, levando o seu povo a seguir o totalitarismo de Hitler, como o único líder
capaz de reerguer a Alemanha.
De facto, e aproveitando a fragilidade económica, a instabilidade política e social na
Europa, alguns líderes como Mussolini (1925) em Itália, Hitler (1933) na Alemanha,
Franco (1939) em Espanha e Salazar (1932) em Portugal, vieram introduzir nos estados
uma nova politica que se baseava no autoritarismo do estado, no totalitarismo “Tudo
pela Nação, nada contra a Nação”, e nacionalismo que leva a atitudes de desrespeito e
violência de uma nação sobre outra, baseada no belicismo vigente neste tipo de
regimes.

Após a grande crise, cada país tentou resolver por si os respetivos problemas internos,
quer económicos, políticos e sociais.
Em relação às atividades económicas estas foram alvo de fortes restrições em relação
às importações, com a aplicação de elevadas taxas aduaneiras e um controlo muito
apertado do câmbio de moeda.
A tentativa de “dumping” por parte da Alemanha e Inglaterra, levou ao crispar das
relações e a tomada de medidas que levaram ao rearmamento da Europa, criando um
clima de desconfiança geral.
Para a Alemanha, parte da solução dos seus problemas passava pela expansão
territorial, que consideravam vital.
Com a eleição em 1933 de Hitler para chanceler da Alemanha, este vem romper com o
tratado de Versalhes e lançar no país o rearmamento, decretar o serviço militar
obrigatório, seguindo-se a criação de um exército e força aérea, aumentando
simultaneamente o orçamento militar.
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CAPÍTULO 9 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Apostado em impor uma política imperialista e de conquista de espaço vital, ocupa o


Sarre, em 1935 (que era governado pela Liga das Nações) e em 1936 a Renânia é
militarizada. Logo em março de 1938 a Áustria é anexada e em março do ano seguinte,
sob o pretexto dos alemães sudetas, ocupam essa região e toda a Checoslováquia é
tomada. Tudo isto acontece sem que houvesse uma firme e forte atitude dos países
aliados, que deixaram que estas agressões se sucedessem a grande velocidade,
apesar do acordo de Munique (entre Alemanha, Itália, Inglaterra e França, tendo a
Checoslováquia ficado de fora).
Finalmente, em 1 de setembro de 1939, após um pacto de não agressão (Ribbentrop-
Molotov) com a União Soviética de Estaline, a Polónia é invadida em 27 de agosto de
1939, sem qualquer declaração de guerra.
Desta vez, mercê dos pactos e alianças, a Inglaterra e a França declaram guerra à
Alemanha dois dias depois+, lançando a Europa numa nova guerra: A segunda Guerra
Mundial.

Figura 12-1: A Europa em 1940

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CAPÍTULO 9 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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902. Expansão da guerra


a. A Frente Ocidental
Após o ataque da Wehrmacht à Polónia e a derrota deste país em menos de um mês, e
a sua divisão entre soviéticos e alemães, a guerra que se seguiu caracterizou-se mais
uma vez por um lado, pela inação dos aliados e por outro pela estratégia e velocidade
do avanço da Alemanha sobre os países da Europa Ocidental, numa ação que ficou
conhecida pela guerra relâmpago ou blitzkrieg, assente em divisões blindadas ou
panzer, e numa força aérea que apoiava o avanço terrestre.
Numa sequência muito rápida de ataques, aniquilou e submeteu vários países. Em abril
de 1940, além da Polónia a Dinamarca e a Noruega eram conquistadas diante de uma
Inglaterra sem capacidade anímica e bélica para contrariar Hitler, com a agravante de
logo em maio, ter entrado na Holanda e na Bélgica (Países Baixos) sem oposição.
Aproveitando a inércia da Inglaterra e da própria França, este país é invadido e
ocupado, tendo Pétain, assinado em nome do governo o armistício em 22 de junho de
1940, onde se consagrava a divisão da França em duas com o Norte e Ocidente sob
ocupação e o Sul sob o governo fantoche de Pétain com capital em Vichy.
Esta situação vem criar na Europa continental um vazio de oposição à Alemanha, sendo
o último reduto da resistência a Grã-Bretanha.
Naturalmente que para ter o domínio completo da Europa, Hitler precisava de subjugar
a Inglaterra, mas o seu poder naval não era o suficiente para um ataque marítimo,
optando por isso pelo bombardeamento maciço entre os meses de agosto e outubro de
1940, que só os radares ingleses evitaram dano maior e, neste caso, de infligir pesadas
baixas na aviação germânica.
Saindo do teatro de guerra europeu, o conflito estende-se ao Norte de África, onde o
Afrika Korps do General Rommel, mais uma vez vem obter êxito diante dos ingleses na
Líbia, em abril de 1942.

b. A Frente Leste
Perante as tentativas infrutíferas de Hitler conquistar a Inglaterra e o avanço soviético
sobre os estados do báltico, Estónia, Letónia e Lituânia, que faziam perigar os planos
expansionistas da Alemanha, decidem inverter o rumo das ações e lançarem-se em
conquistas para Leste, mercê de alianças parciais feitas com romenos, húngaros e
finlandeses estes juntamente com alemães invadem a URSS com cerca de 200 divisões
enfrentando um exército tecnologicamente mais fraco, mas que viria a beneficiar de um
aliado de peso que impediu aos alemães a conquista de Leninegrado: o inverno.

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CAPÍTULO 9 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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c. Pacifico
O Japão que se tinha coligado com as forças da aliança do Eixo, era o principal aliado
alemão na Ásia e no Pacífico onde atacou e conquistou as possessões inglesas,
francesas e holandesas nestes territórios.
Pressionando as Filipinas onde os Estados Unidos da América tinham bases navais,
decidem-se os japoneses por um ataque aéreo ao Hawai onde bombardeiam a frota
americana fundeada no porto de Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, levando os
Estados Unidos a declarar guerra ao Japão e a entrar na Guerra Mundial.

Figura 12-2: As Conquistas Japonesas

903. O equilíbrio de forças, e a inversão do conflito


Com a entrada dos Estados Unidos da América no conflito, tornou-se possível a criação
e uma força multinacional ofensiva aos países do Eixo.
Entre os anos de 1942 e 1943, a guerra entrou num período de equilíbrio de forças
devido à dispersão das forças do III Reich obrigado a combater em várias frentes.
O ataque alemão a Estalinegrado manteve-se durante o inverno de 1942-1943, com
grandes baixas de parte a parte, mas tendo finalizado com a rendição em fevereiro de
1943 do Marechal Von Paulus, por incapacidade alemã de reforçar o 6º exército com

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CAPÍTULO 9 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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homens e material para furar o cerco imposto pelo 62º exército soviético comandado
pelo general Vassili Cuikov.
Esta derrota marca uma reviravolta no rumo da guerra, pois outras derrotas se seguiram
para o Reich, nomeadamente a eliminação da presença alemã no norte de África,
conduzida por forças aliadas compostas por tropas americanas, inglesas e francesas,
comandadas pelo general Montgomery.
Aproveitando o bom momento, e explorando o sucesso, os aliados desembarcam na
Sicília (9-10 de julho de 1943 – Operação Husky), ilha de grande valor estratégico de
apoio ao desembarque de contingentes aliados com a intenção de abrir uma nova frente
no sul da Europa e dividir o dispositivo alemão.
Com a Sicília conquistada, o alvo seguinte seria a fragilizada Itália (3 de setembro de
1943 - Operação Baytown) onde foi imposto um armistício em 8 de setembro de 1943.
No entanto, as operações continuaram no solo italiano com a Operação Avalanche (9
de setembro de 1943), o que levou ao afastamento e assassinato de Mussolini às mãos
dos próprios italianos.
Contudo, este eixo era vital para a Alemanha, que embora a Itália se tenha afastado do
Eixo, aqueles continuaram a lutar em solo itálico, só capitulando no mês de maio de
1945.

904. A vitória Aliada


a. Na Europa
As ofensivas aliadas contra a Alemanha começaram, de uma forma concertada e em
todas as frentes na primavera de 1944, pressionando ao máximo as forças do Eixo de
forma a desgastá-las e a quebrar o ímpeto, preparando um desembarque massivo na
Europa, que veio a acontecer em 06 de junho de 1944, no célebre” Dia D”.
Sob o comando de Eisnhower os americanos e ingleses (estes sob a chefia de
Montgomery) desembarcam na Normandia obrigando os alemães a retroceder, apesar
da tentativa de rutura da frente aliada na batalha das Ardenas entre dezembro de 1943
e janeiro de 1944.
Paris foi libertada em 25 de agosto de 1944, logo seguida da Bélgica e Holanda. Ao
mesmo tempo, na frente leste a contraofensiva soviética permitiu-lhes reocupar todo o
seu território e aproveitar para ocupar a Polónia, impor um armistício altamente
favorável aos russos na Roménia e invadir a Hungria, como tinha feito nos países do
Báltico.
Sem capacidade ofensiva, privado do combustível oriundo do Norte de África e
Roménia, com a sua indústria de armamento destruída, os alemães vêm a sua capital,
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CAPÍTULO 9 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Berlim, ser ocupada pelo exército vermelho a 2 de maio de 1945, após o suicídio de
Hitler, em 30 de abril.
No dia 08 de maio de 1945, o Marechal Keitel, assina a capitulação sem quaisquer
condições. O território alemão é dividido entre os aliados e soviéticos, deixando de
existir o estado alemão.
Na Europa a guerra tinha terminado, mas no Pacífico iria continuar.

Figura 12-3: Ofensiva Aliada e recuo do Eixo na Europa.

b. No Pacífico
O Japão tinha conseguido manter forte pressão sobre os países do extremo oriente e
pacífico, desde a guerra sino-japonesa em 1937, conquistando praticamente todas as
possessões ultramarinas dos países europeus naquelas latitudes.
Após o bombardeamento de Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941 e a consequente
entrada dos Estados Unidos no conflito, o rumo da guerra no Pacífico veio sofrer um
“volte-face” na Batalha Naval de Midway, em junho de 1942, quando os Americanos
afundam quatro porta-aviões japoneses e 2 cruzadores, retirando-lhes a capacidade
ofensiva naval e aérea e a iniciativa militar para o resto do conflito.

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CAPÍTULO 9 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Com a moral fortalecida, os americanos tomam a iniciativa a partir de então,


desembarcando em Guadalcanal, em 7 de agosto de 1942, desalojando os japoneses e
batendo mais uma vez a frota nipónica, assegurando a ofensiva por conta dos
americanos e aliados em toda a Ásia e Pacífico.

No entanto e não obstante as ações vitoriosas desencadeadas pelos aliados,


comandados pelo general Douglas McArthur, os japoneses não mostraram intenção de
se renderem, malgrado as terríveis baixas que sofreram, mostrando uma tenacidade
fanática, espelhadas na campanha “kamikaze”.

Perante a resistência japonesa o presidente dos EUA, Henry Truman, ordenou a


utilização do poder atómico, lançando duas bombas, uma sobre a cidade de Hiroxima,
em 6 de agosto de 1945 e a outra sobre Nagasáqui três dias depois.
Perante a destruição e morte causada pelos bombardeamentos, o imperador japonês
Hirohito é obrigado a capitular, fazendo uma declaração a aceitar esse facto, tendo os
seus oficiais (em sua representação) assinado a ata de rendição ao general Richard
Suntherland a bordo do couraçado USS Missouri, em 2 de setembro de 1945.
Tinha Terminado a Segunda Guerra Mundial.

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CAPÍTULO 9 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Figura 12-5: A assinatura do Armistício pelo representante do Imperador


Japonês Hirohito

905. A Posição de Portugal na 2ª Guerra Mundial

Durante o período em que ocorreu a II Guerra Mundial, o regime vigente em Portugal


era o do “Estado Novo”, sob a liderança autoritária e totalitária de Salazar.
A postura tida pelo regime perante o conflito foi o de neutralidade, pois embora sob um
regime ditatorial, próximo de Mussolini, Salazar distanciou-se do Nacional-Socialismo de
Hitler, continuando empenhado na aliança com os Ingleses pese embora a posição
neutral, apelidada de neutralidade cooperante.
Para Salazar outra fonte de preocupações era a Espanha de Franco, que Salazar sabia
ser germanófilo. Para obviar atitudes bélicas futuras, fez um “Tratado de Amizade e Não
Agressão”, conhecido como “Pacto Ibérico”, assinalado em 17 de março e 1939.
Em agosto desse mesmo ano, e com intenção de firmar a aliança com a Grã-Bretanha,
é assinado um acordo de cooperação militar, em que os ingleses se comprometiam a
apoiar diretamente o esforço de rearmamento e modernização do exército português.

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CAPÍTULO 9 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Este tratado, por parte dos Britânicos, servia para que, no caso de Hitler invadir Portugal
para chegar a Gibraltar, (administrado pelo Reino Unido), termos alguma capacidade de
resposta.
De facto, a invasão de Portugal através da Espanha, esteve nos planos de Hitler, na
Operação Félix em 1940, caso os ingleses obtivessem uma posição no nosso território.
Na eventualidade de uma invasão, o governo português planeou uma retirada
estratégica para os Açores, garantido a nossa soberania. Neste sentido foi enviado para
o arquipélago um grande contingente de homens e armamento, incluindo praticamente
toda a aviação.
No entanto, a Operação Félix não se concretizou e em 29 de junho de 1940, Portugal e
Espanha assinam um protocolo adicional ao “Pacto Ibérico”, reiterando a neutralidade
peninsular, reforçando a aliança e a não beligerância entre os dois países.
Embora as manobras diplomáticas de neutralidade do governo português resultassem
na Europa, o que é facto é que Portugal sofreu a agressão por parte de um dos
membros do “Eixo”, quando o Japão invade em 1941 o território de Timos Leste, onde
lançou o terror e morte entre tropas portuguesas e civis, que posteriormente se juntam
voluntariamente aos australianos para combater os japoneses.

Entretanto e considerando a ação mortífera dos submarinos alemães, que encontravam


refúgio nas águas neutrais dos Açores, os aliados planeiam ocupar efetivamente o
arquipélago, antecipando-se a uma hipotética, mas cada vez mais plausível, invasão
alemã, e utilizar as ilhas como uma importante e estratégica base aérea e naval no
Atlântico.
Roosevelt, sabendo da neutralidade de Salazar e da sua intransigência nesta postura,
planeia o envio de tropas brasileiras para ocupar as ilhas portuguesas.
Neste caso, a aliança luso-britânica serviu para que Churchill evita-se essa humilhação
assinando um acordo com Salazar em agosto de 1943 onde a base das Lajes era
cedida aos ingleses.
Churchill de facto foi um grande estadista experimentado e inteligente, conseguindo
com o acordo das Lajes antecipar-se aos americanos, mas Salazar exigiu em
contrapartida o escrupuloso cumprimento do acordo de cooperação militar de 1940
ainda por cumprir, além de, no final do conflito, Timor fosse de novo entregue à
soberania Portuguesa.
As Lajes são cedidas aos ingleses até 1944, data em que os Estados Unidos da
América, iniciam a utilização da base que dura até aos nossos dias (agora de uma
forma mais exporádica).
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CAPÍTULO 9 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Durante o conflito da II Guerra Mundial Portugal, além da neutralidade, conseguiu


manter uma balança comercial positiva, mercê das exportações que fazia quer para
Aliados quer para os países do Eixo, nomeadamente em volfrâmio, essencial no fabrico
de munições e armamento, tendo o seu preço subido em flecha durante a guerra.

Tendo conseguido manter a estratégia de neutralidade Portugal evitou que a destruição


e a mortandade da guerra chegassem até nós e que no fim do conflito, negociando com
ingleses e americanos, veio Salazar a ser recompensado pela sua colaboração,
obtendo a benevolência dos aliados e dos estados democráticos Europeus que
permitiram a continuação do regime fascista vigente, e integrando Portugal na
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 4 de abril de 1949 e em 14 de
dezembro de 1955 na Organização das Nações Unidas (ONU).

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CAPÍTULO 9 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 10 GUERRA COLONIAL (1961-1974)


1001. Antecedentes

Com o fim do conflito da II Guerra Mundial, o domínio colonial das Potências Europeias
sobre os territórios africanos e asiáticos começam a ser postos em causa pelos
movimentos de Emancipação e Nacionalistas.
Em alguns casos, alguns destes domínios obtiveram, sem violência, a sua
autodeterminação, como o caso das possessões inglesas, que, no entanto, se
diferenciava na administração desses territórios do caso francês e português.
Finda a Guerra, Inglaterra concedeu a independência à Índia e ao Ceilão, na Ásia,
seguindo-se África, com o Sudão e o Gana, no entanto, houve confrontos no Quénia.
A França, em 1957, concede independência a todos os catorze estados coloniais
franceses, excetuando a Argélia que por questões de interesse económico, a França
não considerava este território uma colónia, mas sim parte integrante da República
Francesa. Só após uma guerra muito dura é concedida em 1962 a autonomia a este
país.
Também a Bélgica concede a Independência ao Congo em 1960, o que iria afetar
diretamente a situação em Angola.

Portugal em contra corrente com o resto do Mundo, considerava que os territórios não
eram colónias, mas que faziam parte de um sistema multirracial e multicultural e
integrante do país. Era o “Portugal do Minho a Timor”.
“Orgulhosamente só”, Portugal optou por uma política belicista de manutenção dos
territórios, que não viria a resultar na Índia que (apesar de tentar todos os meios
diplomáticos) encontrou o governo de Salazar irredutível, levando à invasão de Goa,
Damão e Diu em dezembro de 1961 (Operação Vijay – Vitória).

Esta derrota serviu para demonstrar dois factos importantes da política salazarista:
a. Privilégio da vertente militar para resoluções das questões ultramarinas (assumiu
pessoalmente a pasta da Defesa), sem olhar a sacrifícios humanos e materiais,
económicos e sociais;
b. Enfraquecimento da diplomacia nacional e isolamento internacional, depois da
retirada de apoio da velha aliada – Inglaterra.

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CAPÍTULO 10 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Em África, algumas potências mundiais (Estados Unidos da América, União Soviética, e


China) jogando no tabuleiro africano o xadrez da guerra fria, assumem-se solidários
com a causa da autodeterminação dos povos, apoiando e incitando à sublevação dos
países que sobre eles era exercida soberania.
Após a independência do Congo, Angola passa a ser palco de violentos confrontos,
dando-se inicio ao conflito africano, conhecido como “Guerra Colonial”.

1002.

Figura 13-1: Reação a emboscada


1003. Reorganização do exército em África
Com uma conjuntura internacional que nos era desfavorável em relação à política
ultramarina levada a pelo Estado Novo e com a rápida mudança da situação política
africana que se vinha verificando desde os finais da década de cinquenta do século XX,
o regime português previu a possibilidade de um conflito armado nos territórios
ultramarinos.
Foram então tomadas medidas para que as forças armadas pudessem atuar não de
uma forma convencional, mas num conflito com características bem diferentes de
guerrilha, onde as ações de contrassubversão seriam as mais adequadas.

“Na guerra clássica, de cariz convencional, a concepção, o planeamento e a


condutadas operações visam a conquista de objectivos físicos predefinidos no terreno,
como forma de atingir os fins estratégicos nacionais que, normalmente, se resumem a
conquistar o território do inimigo, para obter a sua rendição e lhe impor a nossa

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CAPÍTULO 10 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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vontade. Na guerra subversiva, de matriz revolucionária, é a população, cuja conquista,


para apoio maciço à causa, é determinante para a vitória. […]
Neste tipo de confronto, o inimigo é fluido, versátil, sem estrutura de combate definida e
permanente. A sua zona de acção é todo o território. Dispersa os meios, em vez de os
concentrar, e não pretende conquistar objetivos de forma metódica previsível. Utiliza o
efeito-surpresa e as acções de desgaste e de sabotagem. O seu objectivo militar é
vencer pelo desgaste, pela saturação, pela pressão continuada, de modo a conseguir
quebrar a vontade ao adversário e conduzi-lo, lentamente, à aceitação da derrota.”
(Em “Guerra da Guiné”, Fernando Policarpo, Quidnovi, 2010).

Decorreu então uma reorganização das forças estacionadas nas “províncias


ultramarinas” baseada em três pontos:
a. Implantação das Forças Militares em todo território, com unidades fixas, designadas
por unidades de quadricula, que tinham como missões: Ações de nomadização
dentro da sua quadrícula; Patrulhamentos; Proteção de Itinerários, permitindo neste
caso a liberdade de movimentos e de ação; Ações que garantissem o bem-estar e a
segurança das populações que nos era afeta; Evitar o apoio da população à guerrilha
e o Estabelecimento de bases no território.
b. Constituição de unidades com grande mobilidade e autonomia possibilitando a sua
atuação em tempo contra o inimigo perseguindo-o e batendo-o, numa lógica de
contraguerrilha.
c. Finalmente, implementação de um sistema de informações integrado e coordenado,
com o objetivo de recolher, tratar e utilizar, em proveito das nossas tropas as notícias
recolhidas.

Com estes componentes conjugados pretendia-se que as ações levadas a cabo no


terreno servissem para criar pressão, punir e expulsar os opositores para fora das
zonas economicamente vitais para Portugal.
Neste sentido, a reorganização do dispositivo levou á criação dos chamados Comandos
Territoriais, distribuídos por quadriculas e em que a unidade base tipo era o Batalhão.
No entanto, como as unidades de quadrícula ficavam imobilizadas nas áreas de
aquartelamento, próximo das populações, houve necessidade de criar outro tipo de
unidades que pudessem ser empregues em operações de segurança interna e em
ações diretas de contrassubversão, perseguindo a guerrilha nos seus redutos, utilizando
as mesmas táticas dos guerrilheiros na lógica de guerra de contraguerrilha, como foram
os Caçadores Especiais. Mais tarde por pressão de alguns setores do exército foram

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CAPÍTULO 10 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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extintos, passando as unidades em África, a constituírem-se em Batalhões de


Caçadores e as ações fora da quadrícula a serem executadas por forças especiais do
tipo Comandos e pelos denominados Grupos Especiais (GE), constituídos por nativos
afetos e ex-guerrilheiros.

1004. Os teatros de Operações em África

Isolado internacionalmente, com a economia gravemente afetada pela guerra e com


uma política de intransigência característica do Estado Novo, Portugal viu-se arrastado
para uma guerra de treze anos num Teatro de Guerra repartido em três Teatros de
Operações diferentes e distantes.

Os movimentos de libertação contavam com o apoio dos países limítrofes dos territórios
ultramarinos que já tinham passado pelo processo de descolonização e que eram hostis
à política colonial de Portugal, este apoio aos movimentos de libertação permitia-lhes
atravessar as suas fronteiras e criar santuários de guerrilheiros dificultando seriamente
a ação das forças portuguesas.

a. Angola 1961- 1974


Sem possibilidade de um fim político no sistema colonial da administração do território,
ocorreu em Luanda algumas ações levadas a cabo pelo Movimento para a Libertação
de Angola (MPLA) em 04 de fevereiro de 1961 (para Portugal e para a FNLA a data é
15 de março), tentando tomar de assalto a Casa de Reclusão de Militar em Luanda, a
Sede dos CTT, a Rádio Nacional de Angola e algumas esquadras de polícia.
Mais tarde a União dos Povos de Angola (UPA) depois Frente Nacional de Libertação
de Angola (FNLA), lança uma série de ataques mortíferos a quintas e plantações
isoladas no Norte de Angola, tentando erradicar a população branca, tendo como apoio
a Ex-Congo Belga de onde saíram para perpetrar o ataque em 15 de março de 1961
(daí a data referida anteriormente).
Com o alastrar dos ataques, cada vez mais selváticos e com origem étnica, Salazar
decide reforçar o contingente em Angola em abril de 1961: “Para Angola rapidamente e
em força!”
Àqueles dois movimentos junta-se a União Nacional para a Independência Total de
Angola (UNITA), que conduzem uma luta de guerrilha que após uma primeira fase de
êxitos se veem remetidos a ações de desgaste e guerrilha face ao controlo do território
por parte dos portugueses.

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CAPÍTULO 10 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Contudo a intensificação do esforço militar português, aliada às divergências e questões


entre os três movimentos em luta, permitiu que as guerrilhas nunca ganhassem terreno
significativo, antes o fossem perdendo cada vez mais. Mau grado um acordo tático entre
o M.P.L.A. e a F.N.L.A. em 1972, é possível dizer-se que Angola se achava próximo de
pacificada por ocasião do 25 de Abril de 1974 e que Portugal dominava praticamente
todo o território da colónia. (A.H. Oliveira Marques, História de Portugal, Editorial
Presença, pág. 707).

O Alto-comissário e Governador-Geral de Angola, almirante Leonel Cardoso, em nome


do Governo Português, proclamou a independência de Angola, no dia 10 de novembro
de 1975 transferindo a soberania de Portugal, não para um determinado movimento
político, mas sim para o “Povo Angolano”, de forma efetiva a partir de 11 de novembro
de 1975 declarando no seu discurso:

"E assim Portugal entrega Angola aos angolanos, depois de quase 500 anos de
presença, durante os quais se foram cimentando amizades e caldeando culturas, com
ingredientes que nada poderá destruir. Os homens desaparecem, mas a obra fica.
Portugal parte sem sentimentos de culpa e sem ter de que se envergonhar. Deixa um
país que está na vanguarda dos estados africanos, deixa um país de que se orgulha e
de que todos os angolanos podem orgulhar-se".

Figura 13-2: Progressão no Leste de Angola

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CAPÍTULO 10 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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b. Guiné (1963-1974)
A situação encontrada na Guiné-Bissau ou Guiné Portuguesa, como era denominada na
altura, é diferente da de Angola, pois no terreno só se encontra uma única força de
guerrilha, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC),
que inicia o conflito em 23 de janeiro de 1963 através do ataque ao quartel do Batalhão
de Artilharia 1914, em Tite.
Ao contrário de Angola e Moçambique, a Guiné possuí um território mais pequeno,
densamente arborizado e pantanoso, que a guerrilha utilizou em seu favor, beneficiando
também de um forte apoio logístico por parte da China e Países do Leste da Europa, de
países africanos como a Guiné-Conacry e Senegal, assim como de Cuba, do qual foi
capturado diverso armamento e equipamento.
Em 1969 a luta que o PAIGC nos impunha era muito dura tendo em conta os fatores
apontados, os apoios logísticos e militar não só em armamento como em treino e
santuários de guerrilha na Guiné-Conacry, além do clima, da densa rede de canais e
rios, da arborização cerrada, a escassez de alimentos e a guerrilha que nos era imposta
e que permitia a fuga rápida para a fronteira.
Em 1973, a guerrilha com equipamento rádio russo, armamento checo e morteiros de
120mm que permitiam bater os aquartelamentos à distância e fora do território, veio
juntar os mísseis terra-ar SA7 Grail Strella que colocam a nossa supremacia aérea do
campo de batalha em causa.

Figura 13-3: Míssil terra-ar SA 7 Grail


Strella

“Em 1973, e mau grado os cerca de 43000 homens em armas (dos quais entre 17 a
25000 africanos),
Portugal controlava sobretudo as cidades e a luta não apresentavam sinais de evoluir
favoravelmente os seus desígnios. Pouco antes da revolução do 25 de Abril de 1974
tinham-se entabulado negociações com Marcello Caetano, visando o reconhecimento
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CAPÍTULO 10 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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da independência por Portugal” (A.H. Oliveira Marques, História de Portugal, Editorial


Presença, pág. 704).

Em 1973, o PAIGC reúne em Lugajole, no setor de Medina do Boé e apoiado pelos


países do “terceiro mundo” com assento na ONU, declara unilateralmente a
independência a qual foi reconhecida internacionalmente em 24 de setembro de 1973,
mas por Portugal esse reconhecimento só chegaria em 10 de setembro de 1974.

Figura 13-4: Progressão na “bolanha”

c. Moçambique 1964-1974

Em Moçambique a guerra é desencadeada em setembro de 1964 nos distritos de Cabo


Delgado, Niassa e Tete, pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) que
entram no território da província ultramarina vindos de bases levantadas fora das
fronteiras nomeadamente na Tanzânia e Malawi.
Além da luta armada contra Portugal pela autodeterminação, a FRELIMO leva a cabo
uma querela interna pela tomada do poder após a morte do seu presidente Eduardo
Mondlane, que, juntamente com o aumento do dispositivo português no território, leva a
um enfraquecimento das ações.
Em 1970, mediante os reforços das tropas portuguesas em Tete e em Mueda, a
FRELIMO fica confinada a ações de minagem de estradas e linhas de caminho de ferro,
assim como emboscadas e ataques isolados às nossas tropas.

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CAPÍTULO 10 – 7
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Em 1973 as populações do Sul viviam em acalmia, mas no Norte a resistência ainda era
visível aumentando aquando da construção da barragem de Cahora-Bassa, não
impedindo, no entanto, a sua construção.
Decidido a aniquilar a FRELIMO, o General Kaúlza de Arriaga, Comandante em Chefe
das Forças Terrestres de Moçambique, reúne o maior número de efetivos e material
possível e numa estratégia de força realiza a operação “Nó Górdio”, com resultados
sofríveis para a intenção de aniquilar a FRELIMO.
No ano de 1973, Portugal tinha no terreno perto de 60 000 homens (20 000 portugueses
europeus e cerca de 40 000 africanos), que utilizando equipamento mais moderno, com
apoio da aviação conseguiu ter a situação controlada, não como em Angola, mas capaz
de confinar as ações da FRELIMO junto das fronteiras nomeadamente em Tete,
apoiada esta organização nas facilidades que a Zâmbia dava aos movimentos da
guerrilha.
Na véspera do 25 de Abril, abriu-se outro tipo de conflito em Moçambique, não entre os
opositores já referidos, mas sim entre a população da colónia e os militares que foram
acusados de negligência na sua proteção.
Em 25 de junho de 1975, obtém a sua independência.

Figura 13-5: helitransporte

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CAPÍTULO 10 – 8
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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1005. Efetivos e Material

Quadro 13-1: Forças Portuguesas


empregues em África.

No quadro comparativo os dados apresentados por Aniceto Afonso e Carlos Matos


Gomes, no seu livro “Guerra Colonial, Editorial Notícias, e demonstram a disparidade de
números entre os opositores. No entanto, o armamento ligeiro não está referenciado,
sabendo-se que embora no inicio do conflito a diferença tecnológica fosse enorme, com
o evoluir da guerra e a obtenção de apoios em armamento, equipamento e treino por
parte de potências como a União Soviética, a China, a República Democrática Alemã e
Cuba (para falar nos países Comunistas), e também dos Estados Unidos e da Suécia,
criaram condições para que as forças subversivas conseguissem obter sucesso frente
ao exército Português que com graves dificuldades financeiras só a custo e com
sacrifício dos portugueses se consegui armar para um tão vasto conflito.

a. Armamento ligeiro das Forças Armadas Portuguesas

O exército português estava armado com a Espingarda Automática G-3 e Espingarda


Automática FN, de calibre 7,62.
Ainda no capítulo do Armamento Ligeiro, foram adotadas as metralhadoras HK-21 e
MG-42 de calibre 7,62, assim com a Pistola-metralhadora de fabrico Nacional FBP de
9mm.
Para fazer frente ao elevado número de RPG utilizados pelo inimigo, Portugal adquiriu o
lança granadas foguete, vulgo “Bazuca”, mas de qualidade inferior àqueles.

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CAPÍTULO 10 – 9
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Devido ao tipo de guerra e ao terreno onde esta se desenrolava, optou-se como arma
de tiro curvo o Morteiro de 60mm, transportável ao ombro por bandoleira e eficaz a
curtas distâncias o que era o desejável para a contrassubversão.

Figura 13-6: Espingarda


automática G-3, 7,62mm

b. Armamento dos Movimentos de Libertação

O armamento utilizado pelos movimentos de libertação (armamento e equipamento de


diversas origens) era sobretudo de origem em países do bloco socialista. A União
Soviética e os seus aliados, do chamado bloco de Leste, foram os principais
fornecedores das forças de guerrilha nos três teatros de operações, embora em Angola
tivesse havido captura de material americano e sueco.
Os tipos de armas individuais e coletivas, ligeiras ou pesadas, eram os mesmos,
embora por vezes de modelos mais antigos do que aqueles que equipavam os
respetivos países, incluindo a China. No decurso da guerra, surgiram armas e minas de
países ocidentais, nomeadamente pistolas-metralhadoras Thompson, minas italianas e
inglesas e metralhadoras de fabrico alemão, sendo que algumas destas armas também
eram utilizadas pelas tropas portuguesas.
Os movimentos de libertação, apesar de algumas dificuldades em armar e equipar as
suas forças, dispuseram, de modo geral, de armas mais adequadas à guerra do que os
soldados portugueses.
No campo dos Lança Granadas, pode-se afirmar que tinham vantagem em relação ao
equipamento português com o “LG SA 7 Grail Strella”.
Com o abastecimento de Morteiros de 120mm soviéticos, conseguiam bater os
aquartelamentos portugueses a longa distância, impedindo uma resposta rápida pois
após cada ataque se punham imediatamente em fuga para lá da fronteira como era
prática na Guiné e em Moçambique.
A Arma ligeira de eleição foi a AK-47 Kalashnikov 7,62mm.

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CAPÍTULO 10 – 10
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Figura 13-7: Espingarda automática


AK-47 Kalashnikov, 7,62mm

1006. Conclusões

Oliveira Salazar, numa frase proferida em 1961, demonstrou a sua intenção de manter o
“Império” a qualquer custo, quando após os ataques em Angola mandou as Forças
Armadas para este território “rapidamente e em força já”, rejeitando qualquer tipo de
negociação com a comunidade internacional e a ONU, ficando “orgulhosamente só”.
A Guerra Colonial, travada em três frentes Angola, Guiné e Moçambique, significava
para Portugal, rural, corporativo e isolado, um investimento titânico, pese embora as
relações comerciais em “circuito fechado” com as colónias e as tentativas de
desenvolvimento do país com a adesão à Associação Europeia de Livre Comércio
(EFTA), e a implementação dos Planos de Fomento Nacionais, o país encontrava-se
numa situação económica difícil.
O regime estava decadente, com dissensões internas, nomeadamente no seio das
forças armadas que preconizavam logo em 1961 uma solução negociada para as
colónias, o que levou Salazar a tomar para si a pasta da Defesa e a conduzir
pessoalmente a política belicista em relação a África.
Com o evoluir do conflito, Portugal viu-se obrigado a canalizar muito da mão de obra
necessária ao desenvolvimento nacional para a guerra, levando o conflito a uma
emigração em massa para a Europa.
Com o afastamento por incapacidade de Salazar em 1968, esperava-se no seu
sucessor Marcello Caetano, uma outra abertura ao diálogo e a uma rápida resolução do
conflito com os movimentos de libertação, tendo este estadista visitado as províncias
ultramarinas. Puro engano, a guerra arrastou-se por mais seis anos até 1974, quando
os militares conduzem um golpe de estado, derrubam o regime e negoceiam com os
movimentos de libertação as condições da independência e terminam com a guerra
colonial.

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CAPÍTULO 10 – 11
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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A ação militar em África tem um balanço trágico, com perto de 9000 mortos, 30000
feridos e com cerca de 140000 ex-combatentes com stress pós-traumático, além das
inúmeras vítimas civis para ambos os lados.
Após o fim da guerra com Portugal, as ex-províncias ultramarinas, envolveram-se em
lutas fratricidas pela posse do poder o que levou a muitos mais anos de guerra e muitas
mortes até que conseguissem finalmente consolidar a sua independência.

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CAPÍTULO 10 – 12
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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CAPÍTULO 11 REVOLUÇÃO DO 25 DE ABRIL DE 1974

1101. Antecedentes

Na génese do golpe militar do 25 de abril de 1974, estiveram fatores políticos, sociais e


económicos, onde a guerra colonial aparece como fenómeno catalisador do
descontentamento na sociedade e no meio militar, pois não se vislumbrava solução
pacífica e política do conflito, devido à intransigência do poder político e de alguns
setores privilegiados da sociedade.
Com o arrastamento da guerra colonial sem solução á vista, e cada vez mais isolados
no panorama internacional, ficam os militares numa situação precária, sendo utilizados
como “bodes expiatórios” neste conflito sem fim.
Portugal, neste período, vivia uma situação assaz anacrónica, conhecida pela
“primavera Marcelista”, onde se apostava no desenvolvimento e modernização da
economia, com a entrada de Portugal na Associação Europeia de Livre Comércio
(EFTA) e na aplicação dos “Planos de Fomento” nacionais, por um lado, mas por outro,
assentava o regime na repressão de ideias e ideais, que chegavam de uma Europa do
pós-guerra em mudança acelerada, como foi o período da década de sessenta,
traduzidas nas crises estudantis na Europa e em Portugal.
Para além do mais, a própria oposição civil ao regime ou estava na clandestinidade ou
não se fazia ouvir por receio da ação da polícia política.
Este conjunto de fatores veio criar um movimento de cariz estritamente militar e
apartidário o denominado “Movimento dos Capitães”, mais tarde “Movimento das Forças
Armadas”, que reúne pela primeira vez perto de Évora em 09 de setembro de 1973, na
sequência das reclamações dos oficiais do Quadro Permanente (QP) contra as
alterações de carreira publicadas em julho e agosto, beneficiando na antiguidade os
capitães do quadro de complemento a serem integrados no quadro permanente com
maior antiguidade que os oficiais oriundos da Academia Militar.

Contudo este movimento após a satisfação das suas reivindicações não desmobiliza,
integra os oficiais milicianos, e dando um sentido mais político ao movimento, vem
pressionar a hierarquia e o presidente da república com um documento posto a circular
clandestinamente, exarado após nova reunião em 05 de março de 1974, em Cascais,
com o título: “O Movimento as Forças Armadas e a Nação”.
Reagindo, o governo de Marcelo Caetano, numa tentativa de provar a normalidade e
concórdia reinante nas forças armadas e no país, impõe às chefias militares uma prova

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CAPÍTULO 11 – 1
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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de apoio inequívoco ao regime, promovendo o célebre “beija-mão da brigada do


reumático” como ficou conhecido.
A este ato, não compareceram nem o Chefe de Estado Maior General das Forças
Armadas (CEMGFA), general Costa Gomes, nem o Vice-Chefe de Estado Maior
General das Forças Armadas (VCEMGFA), general António Spínola, estando este
último sob escrutínio direto do regime após o lançamento do seu livro “Portugal e o
Futuro”, onde era contestado o modelo político para a solução da guerra colonial.

Figura 14-1: Cerimónia de apoio ao regime pelos oficiais das


forças armadas em 14 de março de 1974. “Beija-mão”.

Após a recusa de comparência são ambos demitidos em 14 de março de 1974, levando


esta demissão à revolta das Caldas da Rainha em 16 de março de 1974, perpetrado
pelo Regimento de Infantaria 5 (RI 5), que embora falhasse nos seus intentos foi o
prelúdio do 25 de Abril.

1102. A revolta das “Caldas”

Em 16 de março de 1974, e após a demissão dos generais Costa Gomes e Spínola,


que não participaram em 14 de março no “beija-mão” a Marcello Caetano, alguns
oficiais do MFA, colocados no RI5 em Caldas da Rainha, e apoiantes de Spínola, viram
nesta demissão uma afronta e uma oportunidade de derrubar o regime e colocar
Spínola, numa posição destacada após a revolta, à frente do movimento.

Contando, em princípio, com o apoio de outras unidades, decidem-se na madrugada do


dia 16 de março de 1974, e depois de terem aprisionado o comandante do RI5
recentemente empossado, marcham sobre Lisboa com os objetivos de controlar o

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CAPÍTULO 11 – 2
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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aeroporto e a rotunda da Encarnação (Relógio), aguardando pelas outras unidades que


efetivamente nunca saíram dos quartéis nessa noite.
Devido ao estado de alerta do governo, tendo em conta os acontecimentos recentes no
seio das FA, houve conhecimento prévio da ação do RI5 perdendo-se para estes o fator
surpresa, e lançando o governo para os acessos a Lisboa o RA1, o RC7, a GNR e a
DGS, tudo forças fiéis ao regime.

Figura 14-2: RI 5 cercado em 16 de março Figura 14-3: Negociações (ameaças) para


de 1974 rendição pelo Brigadeiro Serrano.

Antes da chegada a Lisboa a coluna das Caldas da Rainha é instada a voltar para trás,
onde recolhe ao quartel que é cercado pelas unidades da Região Militar de Tomar.
Sem qualquer apoio e isolados os militares dos RI5 entregam-se, sendo presos mais de
200 militares entre Oficiais, Sargentos e Praças.
A Unidade é ocupada por militares afetos ao regime, restabelecendo-se a cadeia de
comando, levando no final Marcello Caetano a afirmar: “Reina a ordem em todo o país.”
Mas esta “ordem” iria durar pouco tempo.

1103. A revolução dos Cravos.

Após o 16 de março, o MFA toma uma atitude mais cautelosa e elabora um plano de
operações que levasse a um golpe de estado para derrube do regime, baseado na
surpresa, coordenação e concentração de forças.
Na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, a partir do posto de comando do MFA no
quartel da Pontinha, com o major Otelo Saraiva de Carvalho no comando das
operações, e após a transmissão da canção de Zeca Afonso, “Grândola Vila Morena”
pelas 0h20m, o golpe militar pôs-se em marcha, contando com o apoio de várias
unidades que de norte a sul desenvolveram uma ação concertada com o objetivo de
derrubar do regime.

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CAPÍTULO 11 – 3
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Nas operações que se seguiram um dos conjuntos de alvos mais importantes para o
movimento, eram os meios de difusão de comunicação social, rádio e televisão, que
logo foram ocupados e controlados.
A rádio televisão portuguesa (RTP) foi tomada pela Escola Prática de Administração
Militar (EPAM), os militares do campo de tiro da serra da Carregueira, cerca de 40,
ocupam a Emissora Nacional (EN) e o Batalhão de Caçadores 5 (BC 5), invade o Rádio
Clube Português (RCP), de onde é emitido o primeiro comunicado do MFA cerca das
O4h20m pela voz do jornalista Joaquim Furtado: “Aqui posto de comando do Movimento
das Forças Armadas.”
No Norte o Centro de Instrução de Condução Auto 1 (CICA 1), toma o Quartel-general
da Região Militar do Porto (QGRMP), juntamente com unidades de Lamego incumbidas
de silenciar a RTP e EN do Porto, e do Batalhão de Caçadores 9 (BC 9) de Viana do
Castelo, que ocupa o aeroporto de Pedras Rubras.
Em Lisboa, coube à Escola Prática de Cavalaria (EPC), que saiu de Santarém, uma
tarefa preponderante, que foi ocupar o Terreiro do Paço, onde se veio a dar um
contratempo frente às forças do Regimento de Cavalaria 7 (RC 7). Salienta-se neste
caso o papel do capitão Salgueiro Maia que resolveu o impasse, conseguindo o apoio
de parte desta unidade ao movimento revolucionário.

Figura 14-4: Impasse na Rua do Arsenal Figura 14-5: Capitão Salgueiro


Maia no Largo do Carmo

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CAPÍTULO 11 – 4
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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Foi este mesmo capitão que à frente das forças da EPC se desloca ao Largo do Carmo
onde se encontrava Marcelo Caetano refugiado (e onde se rendeu) para impor como
condição a entregar do poder ao general Spínola.

Também a Escola Prática de Infantaria sediada em Mafra, esteve desde o primeiro


momento com o MFA, ficando nesse dia incumbida da missão de controlar o aeroporto
da Portela e neutralizar o Regimento de Artilharia Ligeira 1 (RAL 1).
As forças da Escola Prática de Artilharia (EPA) deslocam-se de Vendas Novas com o
intuído de controlar a Ponte 25 de Abril (Ponte Salazar na altura) e apontar batarias
para o Terreiro do Paço e Monsanto, fornecendo apoio de fogos ao movimento. Foi esta
Escola que ficou com a tarefa de libertar os militares da casa de reclusão da Trafaria,
presos após o golpe das Caldas da Rainha, em 16 de março.
Deposto o regime, e apoiado o movimento pelo povo que saiu à rua em massa, é
revelado o programa do MFA, (que não estava na altura subordinado nem
comprometido com nenhum partido político) e que resumido no programa dos três D,
(Democratizar; Descolonizar; Desenvolver), se propôs rapidamente a:
- Desmantelar os órgãos políticos do Estado Novo,
- Suprimir a polícia política (Polícia Internacional de Defesa do Estado, PIDE),
- Restabelecer a liberdade de pensamento e de livre expressão,
- Reconhecer os partidos políticos e as organizações sindicais,
- Estabelecer de imediato negociações com os movimentos independentistas
das colónias,
- Realizar eleições livres em 1975.

Com este programa pretendeu o MFA entregar o poder através de um governo


provisório, a “Junta de Salvação Nacional”, para que preparasse eleições para uma
assembleia constituinte e que dotasse Portugal de instituições democráticas,
protagonizando uma nova política
de desenvolvimento económico e
social em prol de todos os
portugueses.

Figura 14-6: Apoio popular ao MFA

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CAPÍTULO 11 – 5
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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As primeiras eleições livres ocorreram em 25 de Abril de 1976, com Mário Soares à


frente do primeiro governo constitucional e o primeiro presidente da república eleito, sob
a nova constituição, seria o General Ramalho Eanes, em 14 de julho do mesmo ano.
Pese embora a volatilidade dos governos seguintes, o que é facto é que as instituições
democráticas estavam a funcionar livremente e em democracia, tal como os militares de
abril tinham pretendido e que hoje se perpetua.

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CAPÍTULO 11 – 6
CFS / HISTÓRIA MILITAR
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BIBLIOGRAFIA
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VIII
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IX

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