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Aimé Césaire

(Basse-Pointe, Martinica, 26 de junho de 1913 — Fort-de-France, 17 de abril de 2008)

Nascido na Martinica foi um dos mais importantes e expressivos pensadores negros do


mundo. Produziu uma vasta obra como dramaturgo, poeta, ensaísta e político.Foi um dos
grandes combatentes do colonialismo, especialmente o francês, do qual a Martinica era
colônia. Foi o autor da proposta (em 1946) que elevou as colônias francesas a condição de
departamentos ultramarinos – com direito a eleger representantes para a Assembleia francesa.

Fundou diversas revistas e jornais que deram visibilidade ao pensamento negro no século
XX. Em 1934, ainda como estudante, funda L’étudiant noir (“O estudante negro”) e em 1947
“Presences Africaines “(Presença Africana), ambas fundadas em Paris. L’étudiant noir foi co-
fundada com outro estudante, Leopold Senghor (do Senegal) que se tornaria um parceiro de
toda a vida nos escritos e nos combates políticos.

Em 1935, no terceiro número de L’étudiant noir, Cesaire cunhou pela primeira vez o conceito
de negritude – que falava da condição de opressão do negro produzida pela diáspora africana.
Esse conceito foi amplamente usado em literatura, poesia e na política africana. Um dos
grandes entusiastas e contribuidores foi Leopold Senghor, que mais tarde seria o presidente
do Senegal (1960-1980).

Léopold Sédar Senghor

Senghor era de família aristocrática. O pai, serere, era um rico comerciante de nobre
descendência; a mãe era peul (ou fulani) povo de pastores nômades. Sua infância, em Joal, a
aldeia senegalesa onde nasceu, foi sem maiores problemas.

O menino Léopold estudou na missão católica de Ngazobil e completou seus estudos


secundários no Lycée Van Vollenhoven.

Ganhou uma bolsa de estudos e foi para Paris, sendo o primeiro africano a obter o título de
“agregé” numa universidade francesa.

Os anos de estudo em Paris são fundamentais para o surgimento do movimento da Negritude,


resultante do encontro do senegalês Léopold Sédar Senghor com o martinicano Aimé Césaire
e com Léon Gontran Damas, da Guiana Francesa.
Sua carreira na França, foi brilhante. Em 1936 foi professor em Tours, mais tarde em Paris.
Durante a II Guerra, foi feito prisioneiro pelos nazistas. Na oportunidade, aprendeu alemão e
escreveu poemas que depois foram publicados em Hosties Noires (Hóstias Negras) Depois de
libertado, fez parte da Resistência.

Em 1945 foi eleito Deputado do Senegal na Assembléia Constituinte Francesa. Quando o


Senegal uniu-se ao Sudão para formar a Federação do Mali, Senghor foi Presidente da
Assembléia Federal.

Desfeita a Federação, com a independência do Senegal, Senghor foi eleito o primeiro


presidente da nova república e permaneceu no cargo até 1980, quando se retirou, por sua livre
e espontânea vontade, indo viver na Normandia, terra de sua esposa.

Em 1983 foi eleito para a Academia Francesa de Letras. Os últimos anos de sua vida passou
entre a Normandia, Paris e Dakar.

Senghor visitou o Brasil mais de uma vez, tendo recebido, em 1964, o título de Doutor em
Honoris Causa pela UFBa.

Sua obra foi traduzida para uma infinidade de idiomas: japonês, alemão, sueco, russo,
italiano, português…

Seus prêmios literários se somam aos que ganhou como político e estadista.

Ele foi Doutor em Honoris Causa em mais de 20 universidades.

Sobre o Movimento da Negritude


Senghor era de família aristocrática. O pai, serere, era um rico comerciante de nobre
descendência; a mãe era peul (ou fulani) povo de pastores nômades (Foto: Patrick
Aventurier/Gamma-Rapho via Getty)
O encontro de estudantes negros, de diferentes procedências, nas metrópoles européias, foi de
fundamental importância para o surgimento de uma consciência negra, melhor talvez dizer de
uma consciência pan-africana,Senghor incluindo-se aqui os africanos na diáspora.

Considera-se o marco inicial do Movimento da Negritude a publicação, em 1932, da revista


Légitime Défense por um grupo de estudantes antilhanos. Revista que não passou do primeiro
número, tendo seus fundadores sofrido as maiores represálias, até mesmo por parte de seus
compatriotas conservadores.

Contudo, ela influenciou definitivamente o grupo que surgiu a seguir e fundou outra revista
L’étudiant noir (o Estudante Negro). Além da revista, o grupo desenvolveu intensa atividade.
Organizando reuniões, exposições, assembléias, publicando artigos e poemas em outras
revistas, conseguiu fazer o mundo enxergar que existia, sim, uma cultura, uma civilização
africana.

O impacto foi tão forte que Aimé Césaire — o primeiro a usar a palavra negritude em um
poema — destruiu tudo o que tinha escrito até então. Para ele e para Léon Damas, foi uma
surpresa maravilhosa ouvir Senghor falar de uma África jamais sonhada pelos negros da
diáspora, África dos doutores de Tumbuctu, do império Ashanti, das amazonas do Daomé.
África cuja música não era feita somente de tambores, mas de sofisticados instrumentos como
o khalam e o korá.

Resultante do Movimento foi a publicação da Anthologie de la nouvelle poésie africaine et


malgache, com prefácio de Jean Paul Sartre, em que o famoso escritor e filósofo francês
escreveu: “Que esperáveis, pois, quando retirásseis a mordaça que tapava estas bocas
negras ? Que elas vos entoassem louvores?”

A antologia revela ao mundo uma infinidade de poetas africanos e malgaches (de


Madagascar) que vieram a se tornar famosos. Posteriormente, em colaboração com o
intelectual senegalês Alioune Diop funda a revista Présence Africaine, que também editou
várias obras de escritores africanos em prosa e poesia.
Para Senghor, Negritude significava “a soma total dos valores africanos”. E Damas
proclamava: não somos mais estudantes martinicanos, senegaleses, ou malgaches, somos,
cada um de nós e todos nós, um estudante negro (daí o título da revista).
Reações
Nem só de elogios viveu o Movimento da Negritude, e muito menos o seu fundador. Dentre
as primeiras reações está a célebre frase de Wole Soyinka, nigeriano, primeiro negro a
receber o Prêmio Nobel de Literatura (1986): “O tigre, não precisa proclamar a sua tigritude.
Ele salta sobre a presa e a mata”.
Intelectuais negros mais radicais criticam o amor de Senghor pela França. Femi Ojo-Ade o
chama de híbrido.
Mas é bom lembrar que ele soube bater, quando necessário. Em “Hóstias Negras” ele diz
palavras muito duras sobre a Europa e sobre a França:

A negritude sartriana, bem como a de Leopold Sédar Senghor, baseiam-se no todo ou em


parte, na filosofia heideggeriana, que se radica no Geworfenheit do homem (o ente lançado).

Mas já Aimé Césaire procura um campo mais positivo de entender os fenómenos do mundo
negro, pois, como diz L. Sédar Senghor, «para Césaire, o «branco» simboliza o capital, tal
como o negro o trabalho... através dos homens de pele negra da sua raça, é a luta do
proletariado mundial que ele canta». Como compreender, em tal caso, a recusa obstinada que
opõe às formas técnicas, que permitem uma melhor racionalização das formas de produção?

A recusa de Césaire não se dirige às próprias técnicas, mas sim às formas de desumanidade
que elas possibilitaram e, ao recusá-las, pretende também recusar para as sociedades negras
qualquer parcela de responsabilidade no infame tráfico da escravatura, e nas formas de
antropotecnia que foram as de alguns povos que dos escravos fizeram um dos seus principais
negócios. O que assim podemos entender, na condenação de Césaire, é que qualquer forma
de posse, contém em si uma exclusão, enquanto tais bens possuídos não forem pertença única
do proletariado.

Esta impossibilidade de partici- 43 (19) K. Marx, Contribuição à crítica da economia política.


pação (ou, por outras palavras, esta larga forma de excluir o maior número da participação na
posse das formas de produção), que já se verificava na sociedade europeia que tinha
fabricado os instrumentos a que objectivamente se refere Césaire (e não só os instrumentos,
mas também as técnicas para a sua utilização, circunstâncias que, aliás, como já vimos,
andam indissolùvelmente ligadas), agrava-se ainda mais quando se transfere para os
territórios coloniais, podendo dar origem a duas formas de proletariado: o dos brancos e o dos
negros, os quais, contudo, não possuem os mesmos interesses, nem estão sujeitos a idênticas
formas de alienação.

Porque, como convém ainda recordar, «na contribuição social da sua existência, os homens
entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade; estas relações
de produção correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais.

O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura económica e política à qual


correspondem formas de consciência social determinadas. O modo de produção da vida
material condiciona o processo de vida social, político e intelectual em geral. Não é a
consciência dos homens que determina a realidade, é pelo contrário a realidade social que
determina a sua consciência» (19).

Aliás, para compreendermos com maior amplitude o papel desempenhado pelas burguesias
capitalistas e mer- 44 (20) K. Marx, Manifesto Comunista. cantilistas na destruição dos
valores sociais da África negra, devemos verificar que, onde quer que conquistou o poder, «a
burguesia destruiu as relações feudais, patriarcais, idílicas.

Todos os laços complexos e variados que unem o homem feudal aos seus superiores naturais,
foram por ela impiedosamente destroçados, para só deixar subsistir o frio interesse nos laços
entre o homem e o homem» (20). Não podem restar dúvidas, portanto, aos proletariados,
tanto brancos como negros, que todas as formas idealistas ou espiritualistas tradicionais, são,
perante a sua experiência prática, formas de alienação que, provocadas como são pelos meios
de produção, encerram em si próprias a negação sistemática das essências do proletariado.

Tais formas espiritualistas procuram reforçar-se, no sentido de resistir ao aparecimento de


uma humanidade nova, e isto nas zonas que deram origem e forma ao capitalismo
imperialista (isto é, a Europa e parte da América), como em todas as regiões do mundo onde
permanece a alienação imposta pelas formas de trabalho.

E isto, quer se trate do trabalho agrícola mais tradicional, efectuado por meio de técnicas
ultrapassadas, quer daquele que se realiza no âmbito das grandes indústrias que se baseiam
num conhecimento científico cada vez mais amplo.

Porque o progresso das forças produtivas só pode atingir o seu plano máximo por via do seu
completo desen- 45 volvimento, sem entraves artificiais determinados pela necessidade de
criar, pela rarificação, preços de venda que permitam garantir um grande juro aos capitais
empenhados nas formas de industrialização e comercialização dos produtos.

Mas logo que se atinja um estádio onde seja possível proceder a uma apropriação das formas
de actividade produtora, sem qualquer exclusão, há-de desaparecer toda e qualquer tentativa
de impor a alienação através da produção da mais valia. Só alcançado este plano nos
poderemos encontrar perante um homem novo, quer se trate do homem africano quer do
europeu. Para isso é necessário fazer progredir os vários mercados existentes no mundo, até
se chegar à criação de um mercado mundial, única forma de alcançar a integração da
totalidade dos produtores numa única forma de trabalho comum.
Porque caminhamos hoje para formas de produção idênticas, graças a um tipo de máquinas
iguais, fabricadas ou pela mesma empresa ou por empresas congéneres, e que, naturalmente,
funcionam da mesma forma, estejam onde estiverem.

Compreendemos ainda aqui que a recusa da técnica, ou do conhecimento da técnica, como


faz Sartre, impediria o homem negro africano de dominar as próprias formas de produção.

Decerto ainda não atingimos neste momento um plano em que se possa entrever uma
absoluta identidade das técnicas e dos sistemas de produção, se bem que, por exemplo, a
distribuição de máquinas e ferramentas fabricadas por um país para muitos outros, suponha,
desde logo, uma 46 identidade nas formas de fabrico e, por consequência, uma identidade das
formas de trabalho. E não podemos dizer que tais identidades sejam esporádicas, pois a
libertação do homem das tarefas mais grosseiras (tanto na agricultura como na indústria) e o
cada vez mais amplo surto da automação, forçam a essa aproximação.

Neste momento ainda se não chegou a um ponto de saturação que leve a sentir a necessidade
inelutável de um mercado único. Pelo contrário, as burguesias capitalistas procuram reforçar
o seu aparelho de produção que, embora vá fazendo algumas concessões ao proletariado
(melhoria de salários, de assistência médica, social e outras), pretende defender as suas
formas de produção, com o seu poder alienatório.

O Mercado Comum, longe de pretender chegar à criação de um mercado único, convida antes
ao domínio de uns quantos países mais poderosamente equipados em detrimento de outros,
com menores possibilidades, ou com inferior armadura técnica; o caso da Grécia, associada
ao Mercado Comum em condições especiais, mostra que, realmente, este tipo de mercados
pretende apenas salvaguardar as estruturas capitalistas de uma rápida socialização. Trata-se,
acima de tudo, de ver como as relações de produção objectivam o movimento das forças
produtivas e, consequentemente, qual a posição, que podem ocupar no plano de distribuição,
tanto no mercado interno como nos mercados externos.

O choque entre a Inglaterra e o Mercado Comum e, posteriormente, o reforço da C. E. C. L.


releva exactamente desse problema. 47 Assim, enquanto Sartre acaba por negar a realidade
da existência material do vivido (e, aliás, é essa mesma tentativa a dos existencialistas que
alinham na corrente heideggeriana e, também, de alguns surrealistas que acabaram por
esquecer a lição do materialismo dialéctico), a idealidade da consciência afirma, no vivido, a
realidade da existência material (como, de resto, já tinha sido observado por Engels).

Examinados assim os problemas com que se defronta a África negra, não podemos deixar de
reconhecer que, embora sob formas peculiares, se apresentam eles bastante idênticos aos do
proletariado e campesinato europeus como aos da Ásia, aos das Américas, aos de todo o
mundo, enfim, porque estamos longe de poder chegar a uma forma de reconciliação
universal. Esta forma de reconciliação pressupõe, como é óbvio, a desaparição absoluta de
quaisquer formas de distinção entre os homens, incluindo as que se baseiam nas cores, isto é,
propugna a chegada a um estádio onde o homem não possua cor, seja apenas um homem, ou
mais amplamente o homem. E tal forma de reconciliação é a única que pode permitir a
realização humana da humanidade, sem a qual não será possível, de resto, a existência de
uma realidade integralmente humana.

Isto é o que deseja o humanismo negro, seguindo caminho idêntico aos humanismos branco
ou amarelo, que mais não procuram, afinal, do que chegar a uma conjugação directa destes
humanismos, para atingirmos um único humanismo.

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