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PONTIFICIA UNIVERSITÀ LATERANENSE


FACULDADE CLARETIANA DE TEOLOGIA
FABIANO DE LIMA

RESENHA DO FILME: “HOMENS E DEUSES”

CURITIBA
2018
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FABIANO DE LIMA

RESENHA DO FILME: “HOMENS E DEUSES”

Trabalho apresentado ao curso de Teologia do


Studium Theologicum – Faculdade Claretiana de
Teologia da Pontificia Università Lateranense
como requisito para horas complementares.

CURITIBA
2018
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1. RESENHA

“Homens e Deuses” conta a história real dos nove monges trapistas do Mosteiro de
Nossa Senhora do Atlas, localizado em Tibhirine, fundado na década de 1960, numa afastada
localidade no norte da Argélia, dos quais sete foram sequestrados em 27 de março de 1996 e
decapitados por um comando terrorista da GIA em 21 de maio. "Trapista" é um "apelido" da
"Ordem Cisterciense da Estrita Observância", este apelido surgiu justamente do fato de que seu
primeiro mosteiro foi a Abadia de La Trappe, não tem relação com "trapos" ou com o fato dos
monges serem "esfarrapados", confusão muito comum, um "mito" acerca dos trapistas. Os
trapistas são monges beneditinos cenobitas, isto é, vivem em comunidade, o que os difere, por
exemplo, dos monges cartuxos, que são eremitas, isto é, religiosos de vida solitária.
A história baseada na vida desses nove monges e da sua “preparação” para a morte
impressiona a qualquer um que a assistir, um verdadeiro exemplo de humanidade, fé e coragem.
De início busca-se ilustrar a harmonia existente entre a comunidade e os monges residentes no
mosteiro de Atlas, seu cotidiano numa aldeia pobre da Argélia, carente de quase tudo, onde os
laços de amizade da população local com esses religiosos nos fazem refletir.
Embora religiosos, o filme demonstra muito bem como os monges não tinham intenção
de converter nenhuma pessoa da vila, todos muçulmanos, atendiam a todos sem restrições ou
exigências. Durante o filme podemos observar que embora tenham uma relação próxima com
os moradores da vila apenas os monges estão presentes nos ritos religiosos, demonstrando a
tolerância religiosa existente ali. Alguns muçulmanos, profundamente religiosos,
paulatinamente começam a frequentar o mosteiro. Em resultado disto, um grupo de diálogo
cristão-muçulmano, o Ribat (uma palavra árabe que significa "ligação") se formou, e se
encontravam regularmente no mosteiro para oração e discussão, também é mostrado no filme
a relação íntima entre alguns membros dessa comunidade e os monges, que frequentavam suas
residências, participavam de festas etc.
A história tem início no ano de 1993, contando de certa forma a transição de uma Argélia
pós-colonial, contudo a produção se mostra sem aspirações de fomentar uma narrativa sobre a
questão política existente neste contexto. A paz nessa comunidade começa a entrar em risco
justamente neste período, quando tem início a disputa entre diversas facções políticas na
Argélia: governo, socialistas, muçulmanos e extremistas, conflito que teve seu ápice com o
assassinato, em 1993, de um grupo de trabalhadores Croatas. Tendo como personagens
principais o superior dos monges, frei Christian de Chergé, eleito o líder do grupo, estudioso
da Bíblia, mas também do Corão que acreditava que a sua missão era continuar naquela vila, e
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também frei Luc, o médico, idoso e doente, que curava aldeãos, mas também terroristas, e que
não se negava a ajudar todas as pessoas que o procuravam em busca de ajuda, os outros monges
complementam a imagem de comunidade, de comunhão, e, o mais interessante, ao longo do
filme demonstram as suas dúvidas, anseios, aflições, o medo de morrer, a possibilidade de fugir,
de regressar a França, às suas famílias, apesar de implicitamente, estarem cientes da sua missão,
eles refletiam muito sobre quais as decisões certas a se tomar, demonstrando no decorrer de
todo o filme os vícios e virtudes da “pessoa” humana.
Um líder dos terroristas invade o mosteiro de forma autoritária e exigindo que o médico
o acompanhasse para tratar um dos seus homens que tinha sido ferido, e, é confrontado por frei
Christian de Chergé, que o informa de maneira calma, mas firme que ali não podem entrar
armas, pois trata-se de um local de paz, um templo, e quando indagado sobre os medicamentos
ele diz: “eu não posso dar o que não tenho” informando que o terrorista teria o mesmo
tratamento dado a comunidade – ainda cita o Corão, surpreendendo aparentemente o próprio
terrorista e para surpresa daqueles que esperavam uma reação agressiva por parte dele, ele
aperta a mão do Frei e acaba por aceitar a negativa, Frei Christian lhe diz que é a Noite de Natal,
na qual se comemora o nascimento do Príncipe da Paz. Frei Christian reconhece o corpo do
mesmo terrorista, quando levado pelos militares e reza por sua alma, outro exemplo de fé e
tolerância.
Os monges são aconselhados pelo próprio governo argelino a regressar a França,
contrapostos com a vontade expressa da comunidade que não os queria ver partir, o medo os
assolava, e esses homens os transmitiam uma sensação de segurança e paz. Um dos monges,
aparece numa sequência, atormentado, rezando durante a noite, gritando por ajuda, acaba
procurando Frei Christian, que o aconselha a expressar as suas dúvidas e o orienta a encontrar
a paz que, por momentos, havia perdido.
Ao som da música de Tchaikovsky, num velho rádio que toca o Lago dos Cisnes, há
uma lindíssima associação à Última Ceia, nesta sequência os monges abrem duas garrafas de
vinho, aparecem um a um, a sorrir, a chorar, explicitando sua fragilidade, diante do seu destino
e conformando-se. Nas últimas cenas no meio da noite, os monges são raptados – à exceção do
frei mais velho, que se esconde de baixo da cama, demonstrando a tão humana característica
do medo e da fraqueza, e que até mesmo esses homens sucumbem ao temor da morte – são
levados como reféns, cogitei que em sequência viriam cenas das atrocidades sofridas por eles,
mas enganei-me. Não aparecem cenas explícitas de violência, ferimentos, sangue, nada disso
evidencia-se, destaca-se o branco da neve que submerge os últimos passos dos monges nesta
terra, e a leitura da carta testamento deixada por frei Christian, escrita antes do rapto, e na qual
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expressa a sua decisão, explica suas motivações, o reconhecimento da vida dos seus irmãos, seu
amor pelo país, com os seus ideais corânicos, a sua espiritualidade e o seu Deus que, afinal, em
vez de dividi-los, se apresentou como único, deixando claro que não é a falta de amor que
destrói os homens e sim a incapacidade de amar.

2. COMENTÁRIO

O filme nos suscita a reflexão, principalmente pelo fato de tratar-se de religião, conflitos
religiosos, quando estamos habituados a ver atrocidades serem cometidas em nome da religião,
os monges tinham sido sempre muito respeitosos do povo, da cultura e da religião locais, o que
nos leva a questionar o porquê de tanta intolerância se todos poderíamos viver em paz
respeitando a religiosidade alheia como eles viveram, e nos deixa mais indignados com o
desfecho da história.
O filme não foca em discutir questões políticas, não brutaliza, não polemiza, apenas
busca mostrar a neutralidade, de uma forma que não leva a indiferença e sim ao respeito pela
fé do outro, a solidariedade, o respeito mútuo, a nobreza desses homens. Talvez pudesse
levantar algumas questões que prefere não tocar, de todo modo é tocante, comovente, ao assisti-
lo somos agraciados com um verdadeiro diálogo inter-religioso, com as fraquezas humanas, a
dúvida, o medo, dramas pessoais, a humanidade, a espiritualidade, e a coragem.
Quantas pessoas foram mortas brutalmente em nome da fé? Quantos conflitos religiosos
ainda estão ocorrendo no mundo? Quantas pessoas ainda morrem em nome da religião? Em
seus corações não existe piedade? Solidariedade? Só fanatismo? Quais as razões destas ações
que vão contra a todos os ideais de fé? Homens e Deuses, nos leva a refletir sobre nossas ações,
nossa fé, nossas fraquezas, nossa religiosidade, nossa "razão" e, principalmente nossa tolerância
e respeito ao próximo, é capaz de comover não somente os cristãos, sejam católicos ou
protestantes como também, acredito, agnósticos e até mesmo ateus, por exaltar homens que
suportaram o que "lhes foi designado" com determinação, seguem seus princípios até o fim, em
nome do que acreditam, algo raro; despem-se de todo egoísmo e preconceito.

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