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Aulas de Estudos Pessoanos:

25/01/2021:

1. Módulo I: autor-obra – o que é um autor? Questões de autoridade – a maioria da obra é


póstuma.
2. Módulo II: poética do génio; diferenças e tópicos comuns – natureza recursiva e
dialogal da poesia – confronto / debate.
3. Módulo III: lugar de Pessoa na modernidade portuguesa e europeia (T.S. Eliot e
Valéry).

29/01/2021:

 Distinção entre autor empírico e autor textual (sujeito de enunciação)


 Pessoa em vida já é publicado, ao contrário do que as leituras tradicionais fazem crer
 Formação inglesa: começa por ser um autor que se familiariza e escreve em inglês
 Avó internada: possibilidade de herdar uma doença mental está presente na sua obra:
génio louco
 1908: depois de ler Garrett, começa a escrever em português e tem um projecto que
antevê os heterónimos: Jean Seul, entre outros.
 Pessoa tem um lado editorial muitíssimo consciente: intuito comercial
 Artigos da Nova Poesia Portuguesa: é como crítico literário que Pessoa começa por ser
conhecido
 1913: Pessoa inaugura-se publicamente e anuncia-se como autor de excepção –
supracamões
 1914: Estreia poética – impressões do crepúsculo e o Dia Triunfal
 1915: Orpheu – Opiário (constitui um exemplo do passado de Campos decadente e
herdeiro das tradições finisseculares, antes de conhecer o mestre Caeiro)
 1916: publica “No Exílio” – texto ensaístico (movimento sensacionista)
 Manifestou sempre interesse pela ciência oculta – livros de filosofia e teosofia
 1917: publica Ultimatum, demonstrando a vanguarda na obra de Campos
 Pessoa cuidou imenso da sua obra, sobretudo, em língua inglesa
 Dar visibilidade à Literatura Portuguesa no estrangeiro – ex. traduções da obra de
António Botto
 1928: 1ª vez que usa um termo próprio dos heterónimos: “escrever heteronimicamente”
 1929: Bernardo Soares é publicado – excerto do Livro do Desassossego
 1930: João Gaspar Simões publica um estudo sobre a obra de Pessoa e este conhece-se
em vida como autor estudado
 1931: Notas para recordação do meu mestre Caeiro: estabelece-se a teoria sobre os
heterónimos
 O volume “Ficções do Interlúdio” reúne a poesia publicada em vida
 O volume “ensaios, artigos e entrevistas” é também relevante

01/02/2021:

Problemas Específicos do Corpus Pessoano:

 A obra é póstuma, fragmentária, inacabada e imprópria para publicação.

Noções importantes: o nome do autor designa um conjunto de textos; alterando-se o conjunto


dos textos a que se tem acesso, altera-se a imagem que se tem desse mesmo autor; o nome do
autor cria uma expectativa sobre ele.

Muitos dos documentos apresentam dois momentos de escrita: duas campanhas (materiais
diferentes – ex. tinta e lápis).

Compulsão para a reescrita: tem-se a consciência de que a obra é imperfeita (no sentido de
inacabada).
05/02/2021:

A tradição editorial Pessoana: tem um forte peso naquilo que é a constituição da figura do
autor.

Presença foi muito importante para a publicação da obra: Pessoa começa a ver-se
consagrado como autor para a geração seguinte. Número 48 da revista, após a morte de Pessoa,
é-lhe dedicado.

A grande revelação de Pessoa ao público dá-se pelas edições Ática.

Páginas de Doutrina Estética – Prefácio e Selecção de Jorge de Sena: tanto é preciso dar a
conhecer o poeta como o pensador “uma figura sem par no pensamento português”. Porém, é
uma imagem pálida: uma grande parte da obra ensaística em 46 está por publicar.
Jacinto do Prado Coelho, Estudo de 1950 – Unidade e Diversidade em Fernando Pessoa:
inovador para a época, sobretudo porque não faz uma leitura biografista da obra de um autor
recente para o momento. Procura nos heterónimos o que difere e o que há em comum.

08/02/2021:

Pseudónimos, Heterónimos e Semi-Heterónimos:

Definição de Heterónimo: “[um nome de autor] que exerce, relativamente aos textos, um
certo papel: assegura uma função classificativa”. Focault

12/02/2021:

Carta sobre a génese dos heterónimos (Janeiro de 1935): testamento literário – como quer ser
lido.

Tendência para criar um mundo fictício: infância – criar entidades que não existem.

Intuito publicitário: tira o acento circunflexo do nome.

The Transformation Book or Book of Tasks (Livro de Encargos) - 1908:

 Tem um grupo organizado em que as figuras têm funções


 As personagens que nele constam têm uma biografia
 Existe uma relação entre as figuras
 Cada uma das personagens tem um projecto editorial

Constitui um antecedente dos heterónimos (prática de assinar com outros nomes é precoce
em Pessoa). Há também já a ideia de que se é “toda uma Literatura”: com vários géneros –
tradução, poesia, ensaio, sátira - e várias línguas – português, inglês e francês.

Carta sobre a génese dos Heterónimos - 1935: Coterie – conjunto de personagens que
interagem umas com as outras. Existe um investimento na descrição das personagens, de forma
a moldá-las aos olhos dos leitores (sempre comparativamente).
Bernardo Soares: semi-heterónimo – é Pessoa menos o raciocínio e a afectividade (um Pessoa
mutilado). Ambos se movem nos mesmos espaços profissionais.

Ideia já presente na tábua bibliográfica de 1928: a apresentação dos heterónimos deve ser
acompanhada de um aparato narrativo.

A discussão em família: debate e diferentes posições.

19/02/2021:

O Hiper-Autor:

Autor Textual: entidade cujo referente são os seus textos e não referentes empíricos ou
biografáveis. O nome do autor não é neutro: é uma moldura que nos permite destacar um
conjunto de textos em relação a outros.

Pessoa - Heróstrato e a busca da imortalidade: se não houver um nome que garanta a moldura
da atenção, o tipo de atenção dedicada aos textos é diferente. Se o leitor entender que o texto é
do autor x, vai lê-lo com determinadas expectativas.

Adolfo Casais Monteiro: porta-voz de Pessoa para a posteridade.

Carta a Adolfo Casais Monteiro:

 Por ser uma faceta secundária da sua obra, Pessoa considera que a Mensagem teria que
ser a sua estreia em português – livro surge no domínio do episódico e do circunstancial
ao público, surge por desígnio divino (momento da remodelação da consciência
nacional). Pessoa coloca-se como autor a nível cósmico – como se Deus comandasse a
sua obra. Pessoa como autor constrói-se como emissário dos Deuses.
 Pessoa teve sempre a preocupação de ser reconhecido como autor Inglaterra: como
porta para a e
 Europa que sempre teve como horizonte. Pessoa projectou-se sempre como o grande
poeta da Europa.
 Em 1935: Pessoa não concebe a publicação dos heterónimos e sim do ortónimo –
“impuro e simples”. A poesia heteronímica estaria num plano superior – objectos da
deliberação e da criação do autor Fernando Pessoa.

Quinto Império para Pessoa: Um horizonte de domínio do espiritual – haver uma


possibilidade de se ser toda uma Literatura.

22/02/2021:

Presença: o psicologismo que defendiam, encontram em Sá-Carneiro. Pessoa causava


estranheza pelo seu fingimento poético – demonstrava demasiada “intelectualidade”.

Hiper-autor: está ao serviço de ordens cósmicas – tenta controlar a sua obra e todas as
instâncias de consagração e divulgação da mesma.

26/02/2021:

Pessoa olha para si como alguém que tem uma missão: um autor que se projecta e que
intervém na história para a posteridade.

1912: Pessoa publica na Águia - “A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente e


Psicologicamente Considerada”:

 Entre o estado da Literatura e o estado da Nação, Pessoa vê uma relação de dependência


lógica.
 Literatura é um motor de aperfeiçoamento social de uma nação. O poeta é o criador de
civilização.
 Esse movimento coincide com um panorama negativo no que diz respeito à sociedade
da época.
 A actual corrente literária portuguesa é absolutamente nacional e o movimento é
composto por grandes individualidades extraordinárias, mas não são Milton nem
Shakespeare, pois esse grande autor está para chegar fatalmente – o supra-Camões.
 O auge da nação depende do aparecimento dessa figura genial - é através do fazer
poético que se prepara a vinda de um império espiritual.
 O poeta que aí vem, é um poeta superior ao maior poeta da europa: Shakespeare.
 As nossas naus futuras serão feitas daquilo de que os sonhos são feitos.
 Construção da figura autor: uma profunda solidão, uma missão altamente grave e
complexa de um homem de génio. Um ser sagrado – um génio que vem de Deus.
 Para Pessoa, os heterónimos, é dar o passo que Shakespeare não deu. É construir as
puras personagens sem o drama.

01/03/2021:

O Hiper-Autor – Gustavo Rubim: Como é que Pessoa se vê como autor:

 Conceito muito forte de autoria (está a cumprir informes instruções do além) –


mantém com a obra uma relação de necessidade (como no Romantismo).
 Primado da auto-interpretação: posição de privilégio hermenêutico que não pode ser
partilhada por outro leitor (aquele que melhor lê a sua obra é o próprio Pessoa – hiper-
autor).
 Geralmente, a crítica Pessoana tem tendência a salientar um fraco conceito de
autoria em Pessoa - existe uma falha, um vazio, um não-eu que se vê fragmentário.
Posição da qual discorda o professor Gustavo Rubim.

Shakespeare: maior génio – cuja obra não reflecte a sua genialidade, sendo, por isso, o maior
fracasso – Pessoa quer ser o poeta supremo de toda a Europa, logo, mais que um supra-Camões,
um supra-Shakespeare.

Carta de Pessoa a João Gaspar Simões: defende que o crítico deve analisar o artista-obra e
não a pessoa: Pessoa declara-se um poeta essencialmente dramático.

Entendimento Poético de Pessoa: a razão deve sempre sobrepor-se à emoção, mediando-a.

Para Pessoa, Shakespeare não alcança o último passo apoteótico: cria personagens, mas não
abdica do drama. É o puro génio, mas também o maior fracasso da Literatura: cheio de
potencialidades, mas uma obra que não as honra: “o feito nunca está à altura do imaginado” –
um excesso que não encontra forma num mundo tangível (a única grande obra é aquela que
nunca se fez – a perfeição nas coisas terrenas não existe).

Aquilo que caracteriza o génio: a sua inadaptação ao ambiente.

Pessoa acredita que a sua obra é algo velado: de múltiplas fechaduras, para as quais fornece
chaves de interpretação aos seus leitores.

06/03/2021:
Shakespeare como um espelho: descrição de um puro génio incapaz de construir. Os Deuses
deram-lhe todas as faculdades menos a de construir.

Tensão entre: privilegiar a ideia da grande arte como decorrente do génio ou a defesa que
aquilo que garante que esse génio encontre forma é o talento ou a capacidade de construir a
partir daí. Poeta como construtor ou como o génio inspirado.

Construção e fragmentariedade: quando existe a falência dessa capacidade de construção, o


que fica são pedaços/fragmentos. As mãos humanas vão sempre perturbar a perfeição da obra
como coisa sonhada. A obra perfeita é aquela que fica no puro mundo das ideias como
potência: o feito remete a obra para a sombra grotesca da obra sonhada.

Processo criativo: qualquer coisa que o poeta ouve e intui – uma pura energia criativa, um todo
orgânico, sem falhas: e quando transposta para palavras vai ser sempre uma sombra daquilo que
podia ter sido.

“Poder construir, erguer um Todo, compor uma coisa que seja como um corpo humano,
com perfeita correspondência nas suas partes, e com uma vida, uma vida de unidade e
congruência, unificando a dispersão de feitios das suas partes!” – ideal criativo de Pessoa: o
que está aqui em causa é a metáfora Aristotélica – ser o poema como um animal / um organismo
(uma unidade que submete todas as suas partes a um Todo – a uma lógica comum, um princípio
vital). O grande problema é: ainda que tenhamos partes perfeitas, a lógica do todo falha e a obra
é imperfeita. Essa noção da falha: é o que motiva precisamente a reescrita dos seus poemas –
“para mim a grande tortura é a da composição”. O que resta é sempre a tentativa de traduzir a
ideia.

Em 1913, em carta a Jaime Cortesão, Pessoa, como crítico, elege a construção e a


organicidade como uma qualidade essencial em poesia e que a Nova Poesia Portuguesa
afinal não tinha. Para Pessoa, a falha do Romantismo é que há muito sentimento, mas não há
construção. Os homens da Renascença são os maiores construtores.

Texto sobre o Movimento Sensacionista, 1916: critica na obra de Pedro de Menezes a


justaposição de imagens e ideias desconexas, e não a união sob um denominador comum. Na
crítica à obra de Cabral do Nascimento, afirma detalhadamente que a obra é um todo vivo, um
sistema orgânico: o todo existe em cada uma das partes e na sua ligação às outras partes.

Introdução à Estética: a ideia da unidade na obra de arte – tudo deve convergir para o mesmo
efeito (Edgar Allan Poe – A filosofia da composição). O poeta deve eleger o fim para o seu
poema e depois tudo deve contribuir para esse fim, tudo o que for necessário deve estar lá, o que
não for, deve ser excluído.
“As frases que nunca escreverei” – Livro do Desassossego: a coisa perfeita é a que nunca
escreverá, aquilo que no espaço do sonho tem esse nexo e é talhado, quando passa para a
escrita, desagrega-se. Tragédia: tem em si todos os dons menos o talento de os usar. Em sonho:
é mais do que todos, mais do que Homero, Vergílio, Milton.

O Homem de Porlock: narrativa que demonstra a natureza de toda a criação literária –


um quasi-poema (um fragmento) – uma parte da obra sonhada. Poema que foi composto em
sonho (visita da musa), surgiu de repente, sem esforço. Quando o poema perfeito, para algo real
– fica só o fragmento: o princípio e o fim. Quando o génio tenta comunicar com o Outro
Mundo, essa comunicação sofre sempre uma mácula e torna-se fragmentária.

08/03/2021:

O dia 8 de Março “dia triunfal”: esforço retórico de construção da figura do autor.

Carta a Adolfo Casais Monteiro: descrição de Caeiro – um êxtase, um título, uma figura.

As provas de que a escrita do Guardador de Rebanhos não foi a fio: materiais, suportes
diferentes, tintas diferentes, versões com diferentes revisões. Há várias fases de campanha que
se sobrepõem; a ordenação dos poemas é alterada de forma consciente, não temos apenas uma
justaposição.

Pessoa tinha um projecto para Caeiro:

 Entrevista a Caeiro
 Artigo sobre Caeiro
 Traduções / Internacionalização do autor

“O Guardador de Rebanhos” – a grande obra, motivada pela inspiração (superior a qualquer


outra). – ideia de obra una e coerente.

“O pastor amoroso” e “Poemas Inconjuntos”: questionam alguns princípios do Guardador de


Rebanhos.

Caeiro: põe em causa toda a relação com a realidade: o de maior sinceridade intelectual.

Os vários heterónimos vão constantemente discutir a obra de Caeiro.


12/03/2021:

O Guardador de Rebanhos:

 Constituído por 44 poemas


 Obra constituída a partir da inspiração – obra pura
 Título é um tópico a ser desenvolvido ao longo dos poemas

Poema I:

 Demonstra a conotação metafórica do título;


 Cheio de adversativas (mas) – discurso que se autocorrige e que defende o que é dito;
 O poema é escrito na primeira pessoa – o título pode ser entendido como 3ª pessoa ou
apóstrofe do eu “eu – o guardador de rebanhos”;
 Metáfora: “minha alma é como um pastor” – evocação da tradição de Vergílio –
Bucólicas;
 5ª estrofe: sugestão de que o sujeito é um poeta;
 Desejo de se ser outra coisa: “cordeiro ou o rebanho todo”: outramento e totalidade são
os objectivos;
 Prevê como os leitores devem ser e como os poemas devem ser lidos/sentidos;
 A obra indica um ciclo: início com a abertura da janela e o fim com o seu fecho.

Poema V:

 Presente a temática da doença


 Contradição profunda: “há metafísica bastante em não pensar em nada”

Problemas na obra de Caeiro:

 Poesia com olhar único


 Poesia que, negando o pensamento, está repleta das suas marcas
 Poesia tenta ser um encontro com todas as coisas, mas depois verifica que esse encontro
é impossível – uma poesia de contradição

15/03/2021:
Poema II:

 “eu não tenho – eu tenho” – ligados pela pontuação “:” - explicação ou causalidade?

Linguagem argumentativa de Caeiro – programa que todo o Guardador de Rebanhos explica:


a relação e mediação do sujeito com o mundo / coisas é imediata e dá-se pelos sentidos –
ocorrência do verbo “ver” – transversal a toda a obra.

O Guardador de Rebanhos tem estrutura de livro: prólogo, fecho e voz de poeta.

Como falar da Natureza que é suposto ser sentida e não pensada: recusa obsidiante do
pensamento – todo o projecto de Caeiro sintetiza a aporia – uma contradição que não se resolve.
Proclamar que não se pensa e só se sente é em si uma filosofia.

Sol – metáfora da verdade (poema V) – questão essencial do longo do G.R.

Poemas V / IX: poesia de Caeiro parte de um pressuposto ocidental – atrás de todas as coisas
está um mistério: base cristã – esta vida é uma passagem para a vida eterna; ideia Platónica: este
mundo é a sombra de um outro mundo mais verdadeiro. A poesia de Caeiro pretende suspender
esse mesmo mistério – “mistério das cousas? Sei lá o que é o mistério” (poema V).

Descrição de um momento de felicidade: “abro os olhos e vejo o sol” – algo impossível


fisicamente.

Estrofes com estruturas quase prosaicas: pausas entre estrofes – indicam blocos de sentido.

Poema IX: enumeração – procedimento retórico recorrente em Caeiro. Tenta definir a coisa
em vários aspectos porque ela não pode ser um todo – impossibilidade de sintetizar partes
diferentes de uma coisa.

 1ª estrofe: metáfora
 2ª estrofe: quiasmo entre os conceitos de pensamento e sensação (3ª pessoa – anuncia
um programa) – impossibilidade de fuga
 3ª estrofe: marcação lógica / conclusão - “por isso”: dia de calor = sol (proporciona que
não se pense – felicidade). Antítese: sinto triste vs. Sou feliz.
 O único em que Caeiro toca a Natureza – na maioria das vezes apenas a vê – a visão é o
mais intelectual dos sentidos – ver é como compreender e pressupõe uma distância
maior entre sujeito e objecto.
 Saber a verdade: é ser-se feliz – visão de morte: fechar os olhos, deitar-se imóvel na
terra – momento de abandono.
Base da Poesia de Caeiro assenta nesta antítese: a consciência da sensação de felicidade
causa tristeza.

Parenteses na obra de Caeiro: apartes – momentos que denotam dimensão poemática.

Aspas na obra de Caeiro: citações – contrariar posições enunciadas – ex. pensar no sentido
íntimo das coisas é postiço.

Poema V:

 Parenteses – Caeiro qualifica o modo como fala – aprendeu-o a olhar para as coisas –
modo de falar próprio e especial – a grande questão do G.R. é encontrar a dicção certa
para transmitir a lição do mestre.
 Deus = Natureza – mas não é assim que aparece definido: é através de uma
enumeração: árvores, flores, montes, etc, porque a natureza é parte sem todo.
 Visão panteísta: “Deus é tudo isto” – relação com o mundo está presente na linguagem
(o que se chama a Deus).

Definição Tautológica: uma pedra é uma pedra. Em pedra temos a coisa a ser definida. Em
pedra temos a definição (restrição ou parte do que se queria definir).

Poema XXIV:

 Ver – o essencial – sem qualquer pensamento - “aprender a desaprender” –


proposta aos leitores: saber despir a alma (toda a tradição cristã e platónica) que nos faz
ver uma coisa na outra – abandonar a visão metafórica da realidade.

Impossibilidade do projecto de Caeiro: para ter essa visão pura e directa sobre as coisas, é
necessário um estudo profundo – contradição.

Poema XXVI: suspensão momentânea do princípio de ver sem pensar. Luz – permite ver a
verdade, mas Caeiro nesses momentos encontra a falibilidade do seu projecto: ninguém
consegue desaprender por completo e abandonar as condicionantes da linguagem e da tradição.

G.R. – não temos rimas e temos verso livre: quase passa por prosa. Para Caeiro, a ausência
de rimas no poema reflecte a diversidade da natureza. Escrita vem depois do pensamento –
“penso e escrevo como as flores têm cor” – mas, se o poema não pode ser pensado, regista-se a
falibilidade poemática – pensar não é natural.

19/03/2021:
Dificuldades e aporias no projecto do Guardador de Rebanhos: desaprender para ter a visão
pura – ver sem se ter consciência do que se está a ver. Despir a alma da tradição judaico-cristã:
sair da prisão da linguagem, da visão metafórica do mundo.

Linguagem que parece mimetizar um discurso em voz alta: daí repetições, pausas, etc. No
próprio discurso assistimos ao sujeito a decidir como quer dizer o seu poema.

Caeiro é o poeta que tenta aproximar a palavra da coisa vista: por isso, a sua poesia não
obedece a esquemas prévios (poema XIV). Pensamento é sempre esta mácula que existe entre o
sujeito e a coisa.

Poema XXVII: poema constrói-se através desse dilema com a linguagem. O poema parte
desta contradição: só a natureza é divina e ela não é divina (maiúscula da natureza – um todo
que não é comum). Como é que se fala sobre a Natureza: verso isolado funciona como mote e a
segunda estrofe vai desenvolver-se reflectindo sobre a forma como o sujeito encara essa antítese
– como um comentário. A linguagem dos homens traz para Caeiro uma série de vícios (impor
nomes e personalidades às coisas). Imagem de estar ao sol: saber a verdade e ser feliz.

Poema XXXI: a partir do momento em que Caeiro é poeta, tem que usar a linguagem dos
homens e acaba por se trair.

Cesário-Caeiro: Cesário é o poeta que dá a ver as coisas. Logo, um pré-Caeiro. Anuncia,


contudo, uma coisa que não compreende. Logo, a sua lição só será cumprida por Caeiro.
Cesário descobriu que a poesia deve dizer o que é visto mas não extraiu a consequências disso.

Poema XLV: o sujeito vai interrogar-se a propósito da linguagem que está a usar.

Poema XLVI: poema sobre como fazer poesia – procuro encostar as palavras à ideia. Poema de
sagração de si. Caeiro traz um fato que não consegue despir, pesando tudo aquilo que é
aprendido. Vontade de não ser ele Alberto Caeiro, mas um animal humano: ser a sensação pura
da Natureza.

22/03/2021:

Poema XLVI: fundamental reflexão sobre a poesia – componente metapoética. Escrita como
uma procura. Impossibilidade de concretização do desejo de ser-se só Natureza e mais nada: por
isso é que os versos de autocomplacência surgem com uma concessiva.

Poema XII: referência a Vergílio – nome canónico da poesia bucólica. Referência a um


determinado tipo de linguagem dos poetas (enganadores pela má percepção da realidade). Dá a
conhecer uma Natureza que não é a que “está aqui mesmo” – Caeiro nunca leu Vergílio mas
tem conhecimento sobre o mesmo.

Ligação de Caeiro a Cesário: descobriu um ponto de vista mas que recai sobre a cidade:
Caeiro desloca esse olhar para o campo. Poema III: “ler até arderem os olhos o livro de Cesário
Verde”. O modo de olhar de Cesário estava certo mas provocava uma profunda tristeza - coisas
artificiais da cidade que afastavam o homem da pura Natureza.

Estes poetas sintetizam todas as formas de expressão de uma época.


Poema I do Guardador de Rebanhos: relação entre o que se sente e se vê e a consciência
disso.

 Ruído de chocalhos – convoca uma imagem pastoril – naturalizar os pensamentos (os


primeiros três versos); contudo, há uma nota deceptiva – a consciência do pensamento
distancia o sujeito da sensação.

Diferenças entre as publicações dos poemas da Ceifeira:

 1ª publicação – com título e sete estrofes.


 2ª publicação – sem título e seis estrofes.

Análise da
Ceifeira:

 Contraste
entre a

felicidade da figura e o adjectivo pobre atribuído pelo sujeito.


 Descrição de um canto que provoca reações no sujeito.
 O que em mim sente está pensando – tensão essencial em Pessoa.
 O canto é feliz e inconsciente, porém a intervenção do eu na percepção e a sua
consciência interrompem essa felicidade – causando tristeza.

Animais e crianças – Alegre inconsciência. O problema do ortónimo é que se quer isto sem se
abandonar o pensamento e a consciência e isso é uma impossibilidade. Ser-se um outro
inconsciente sem deixar de ser um eu consciente.

Música – sensação pura.

26/03/2021:

Poema “Não sei ser triste a valer” – ortónimo:

 Tópico de “não se saber ser” – por oposição a Caeiro, cuja lição é sobre como devemos
ser, num discurso pedagógico.
 Flor é usada como cumprimento do destino natural – no ortónimo, tão natural é a flor
florir como no sujeito pensar. Por oposição a Caeiro: florir é natural e o oposto de
pensar.
 Presença obsidiante do pensamento – que, no ortónimo, não é recusada. Por oposição a
Caeiro, que quer sentir e não pensar.

Poema “Aniversário” – Álvaro de Campos:

 Influência do tempo: aquele em que se gostava de fazer anos.


 Felicidade – porque o sujeito não conhecia a morte.
 Alegria de não perceber coisa nenhuma.
 “pára, meu coração. Não penses!” – o tempo é aquilo que se vai somando até morrer.
 Infância é equivalente à figura da ceifeira: momento de canto sem consciência – tempo
que não se pode recuperar.
 O que o sujeito percebe agora é que não percebe nada. Mas o não saber nada de agora é
uma dor dilacerante de se saber que não se recupera o estado inicial. O não saber nada
da infância era só felicidade e inconsciência.
09/04/2021:

Análise de “Tabacaria” de Álvaro de Campos:

 Dor de pensar é um tópico recorrente em Pessoa e particularmente evidente em


Campos;
 Poema tem marcação do ritmo por estrofes: o ritmo é cuidadosamente trabalhado e é
determinante. Cada estrofe funciona como um movimento poético, de consciência e
físico. Porque aquilo que acompanhamos no poema é a deambulação do sujeito no seu
quarto que se vai deslocando da janela ao interior do quarto.
 Na primeira estrofe, temos uma marcação declaradamente anti-épica: todo o poema da
Tabacaria vai funcionar como um monólogo interior (com vários parenteses –
suspensão do discurso – efeito de fluxo de consciência.
 Não querer ser nada: destino impossível porque não esgota tudo o que o sujeito é.
 Por isso, o quarto verso aparece como supérfluo porque não serve de nada (à parte) – o
verso perde a sua força, é um anti-climax - o que o poema vai glosar é que todos os
sonhos do mundo são inúteis.
 A partir da segunda estrofe temos o desenvolvimento do mote da primeira estrofe:
começa com a invocação das janelas do quarto: situa o sujeito num espaço interior que
o permite ver o exterior. O quarto é dado como um átomo anónimo no cosmos: no
universo – relativização total do quarto, uma parte do todo incomensurável. O sujeito
está condenado a ser só uma partícula e não poder ser todas as outras coisas.
 Coisas que são reais por fora vs. Coisas que são reais por dentro. A janela comunica os
dois espaços – permite ver como os olhos (casa – corpo e janela – olhos). Permite
aceder ao conhecimento do mundo e perceber essa estranheza. Aquilo que a janela dá a
ver é o mistério.
 Aquilo que Caeiro rejeita, é o que Campos começa por ver: o mistério de uma rua
cruzada por gente – para além do meu pensamento, o que existe? O problema do
conhecimento e pensar o que se vê – central em Campos. O mistério da existência,
a morte, o envelhecimento dos corpos.
 Imagem tipicamente de Campos: misturar algo nitidamente abstracto com algo
absolutamente real e tangível: “Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela
estrada de nada”.
 A rua cruzada por gente: aquilo que não se consegue conhecer nunca – aquilo a que não
se consegue aceder pelo pensamento.
 Na terceira estrofe, há um refluxo da consciência: deixamos de ver o que está lá fora,
mas o que está dentro do sujeito. Dentro da cabeça do sujeito – tudo se passa muito
mais aceleradamente.
 Confronto: pensamento (coisa real por dentro) vs. Realidade (coisa real por fora –
Tabacaria do outro lado da rua) – sujeito dividido entre a fidelidade à aparência das
coisas ou à sensação de que nada existe (apenas as coisas reais por dentro).
 Oscilação entre o passado e o presente é constante – olhar retrospectivo vai descrever
um passado de uma cena inicial – aprendizagem de quem foi até ao campo com
grandes propósitos, mas só encontrou ervas e árvores. Campos vê na poética de
Caeiro a cura para a doença – a grande revelação.
 Oscila-se entre o épico (dos grandes propósitos) e falha de uma aprendizagem
proposta por Caeiro – inútil, pois nunca existe encontro com a Natureza.
 Adversativas permanentes: um projecto sempre ofuscado pela falha.
 Percurso entre janela e cadeira no interior do quarto – revisitação de si e deambulação
pelo passado – movimento do sujeito como uma personagem em palco, efeito
didascálico de expressões como “levanto-me, sento-me, vou até à janela”.
 Monologo da Tabacaria responde a esta pulsão, errância, incapacidade do pensamento:
“Em que hei-de pensar?” – processo controlado pelo sujeito.
 Solidão cósmica: eu sou um, entre cem mil, o meu quarto é um, entre todos os do
universo. A história não marcará o nome de nenhum. Todos os seus sonhos serão senão
estrume (metáforas triviais do universo do escatológico, do lixo) – algo que aproxima
Campos de Bernardo Soares (o eu que é um pano esquecido no estendal).
 Ideia do desaparecimento será transversal.
 Figuras que Pessoa considera: Napoleão: sucesso prático; Cristo: empatia com a
humanidade; Kant: sucesso da obra intelectual.
 Reproduz a voz popular: o que os outros dizem (itálico).
 Eu numa situação de aporia: condenado a não ter solução – sem resgate – “somos
escravos cardíacos das estrelas”.
 Perante o anúncio do nada que a consciência sinaliza, temos um intervalo: para a
pequena que come chocolates com prazer – o outro que Campos nunca consegue ser,
porque o pensamento interrompe sempre a felicidade possível na vida. A pequena é
feliz porque não pensa.
 Olhar para si é sempre reconhecer-se como estrangeiro a si mesmo.

12/04/2021:
Continuação da análise do poema “Tabacaria”:

 Oposição entre “nada” e “tudo”. O sujeito que no seu espaço interior ambiciona
ser tudo, mas, na realidade, confronta-se com ser nada.
 Recorrência de elementos do lixo, do escatológico.
 Figura que se metaforiza: que ao longo do tempo possibilita a reabilitação.
 Se olhar para dentro de mim – encontro nada; se olhar para fora – tudo é
estrangeiro, logo nada.
 Em Campos, a sensação de ver tudo causa peso e condenação.
 Máscara colada ao rosto – Pessoa, Sá-Carneiro, Régio.
 Toda a Humanidade é inacessível ao pensamento.
 Dualidade: sujeito dentro de uma moldura vs. Homem exterior, na moldura da
porta da tabacaria.
 Entender cada coisa como partícula do universo – movimento de expansão até
ao cosmos.
 Momento final de deambulação: universo não tem ideal nem esperança.

16/04/2021:

Poema XLVII do Guardador de Rebanhos:

 Poema final: começa com notação meteorológica: a nitidez – dia excessivamente nítido
– o excesso não parece compatível com a nitidez.
 Obra perfeita – depois implica o descanso: “ter trabalhado muito para depois não
trabalhar nada” – momento de descanso do criador que consuma a obra perfeita.
 Primeira estrofe dá conta da marcação de um dia: sob excesso – luz superlativa.
Mecanismo do “como se” – o dia continha a possibilidade de criação da obra, mas isso
não significa que tal tenha acontecido: o poeta da visão constante, no seu momento da
revelação, vai começar por “entrever” – verbo é significativo - “uma estrada por entre
as árvores” – ver algo entrecortado, ou seja, ver algo fraccionado e não por inteiro – fica
também sugerido o sentido de adivinhar através de indícios; “talvez” – intensificar a
experiência de suposição - a revelação que vai ser dita é a lição máxima de Caeiro (a
ausência de mistério das coisas).
 O elenco das coisas percepcionadas indica a anulação do conceito de Natureza (até aqui
essencial em Caeiro, como conceito abstracto) – esta não existe, aquilo que a
experiência prova é que apenas existem montes, vales, rios, etc, enquanto coisas
individuais que são diferentes umas das outras. Não existe um todo, porque não há um
denominador comum nestas coisas que o sujeito só conhece porque são diferenças. A
tentativa de achar esse todo é uma doença intelectual.
 Na tensão entre a segunda estrofe e a terceira, temos o anúncio de uma libertação dessa
doença das nossas ideias e a persistência do conceito de Natureza com a definição que é
dada. Ao definir a natureza, Caeiro está a dar-lhe uma existência. A terceira estrofe
nega e problematiza a segunda. O mistério é o reconhecimento da diferença individual
entre as coisas.
 O todo só permanece na Natureza: que é composta por estas individualidades
estilhaçadas.
 Universo Pessoano: tensão entre fragmentariedade e unidade de sentido que podemos
chamar Deus ou Perfeição. Todos os indivíduos são partes sem todo.

“Ode Triunfal”:

 Desejo de fusão em termos eróticos bastante violentos


 Sinalização de um desfalecer erótico – transmutação de géneros muito evidente em
Campos
 Inverte-se a lição de Caeiro: voragem de Campos é o sentido inverso da simplicidade de
Caeiro – sujeito é um vórtice que numa vertigem vai engolir o mundo todo.
 Excesso: conter em si o mundo todo – ruptura da linguagem (evidente nas odes).

“A Partida”:

 Temos aqui Caeiro às avessas e o discípulo está no lugar do mestre.

Poema XLVIII do Guardador de Rebanhos:

 Tensão entre aquilo que se desvanece e aquilo que ao desvanecer é morte ou é vida
 Questão da passagem ou daquilo que fica.

19/04/2021:
Análise do texto de Reis sobre Caeiro:

 Experiência da coisa é objectivista em Caeiro.


 Grécia Antiga – escultura (celebração do objecto e da coisa em si) – visão nítida
– todo o Cristianismo vem trazer a doença da visão metafórica. Assim, Caeiro é
supra-grego – “a Natureza é partes sem todo”.
 Como discípulo de Caeiro, Reis apresenta-se já como alguém que lhe acrescenta
em pensamento. Reis dá atenção à forma e sintaxe num esforço intelectual de
dar ordem ao mundo – a urgência do pensamento dita a percepção do mundo.
Os discípulos de Caeiro têm tantos textos a reconhecer o seu mestre como a
apontar-lhe os erros.

Poema “Alberto Caeiro” de Ricardo Reis:

 Lado de tributo e dívida ao mestre;


 Descrição da poética de Reis – lugares próprios da sua poesia: depuração formal;
tópico da passagem do tempo (precariedade / efemeridade) – flores que se
degradam (o que deixa de existir). Deslocação simbólica face ao entendimento
de Caeiro: flor – o que existe;
 Expressão “decorrer a vida” – abdicar da acção;
 Beira rio / beira da estrada – convite à abdicação de viver – lugares por
excelência de Reis (lugares de fronteira – intervalo híbrido);
 Não vale a pena agir porque tudo passa e não há nenhum sentido que possamos
tirar dessa passagem – quem fala, ausenta-se e distancia-se.
 Primeiro destinatário destes ensinamentos: é o próprio Reis que tenta convencer-
se a si mesmo.

Prefácio a Caeiro:

 Notação da falha;
 No Guardador de Rebanhos, tem quatro poemas contrários;
 No Pastor Amoroso, deixa falar o coração e não os sentidos;
 Nos Poemas Inconjuntos, existe a perturbação da doença.
Epitáfio de Caeiro:

 O seu epitáfio seria apenas o seu nome mais duas datas;


 Reis constrói uma figura de autor, dizendo o que Caeiro não é – força da Terra e,
por isso, “ignorante” que vai fazer a revolução no mundo, fundando uma nova
maneira de ver o mundo.
 Restituição: Caeiro acorda em nós algo que já temos e não sabíamos.

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