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AUTARQUIA DO ENSINO SUPERIOR DE GARANHUNS – AESGA


FACULDADES INTEGRADAS DE GARANHUNS – FACIGA
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

JONATHAN JUVENCIO DE SOUZA

O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A INCONSTITUCIONALIDADE


DA PRISÃO APÓS DECISÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA

GARANHUNS
2019
JONATHAN JUVENCIO DE SOUZA

O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A INCONSTITUCIONALIDADE


DA PRISÃO APÓS DECISÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA

Monografia entregue à Autarquia do


Ensino Superior de Garanhuns (AESGA),
como pré-requisito para a conclusão do
Curso de Direito.

Orientador: Prof. Esp. Maurício Santos


Gusmão Júnior

GARANHUNS
2019
JUVENCIO DE SOUZA, Jonathan.

O princípio da presunção de inocência e a inconstitucionalidade da prisão após decisão de


segunda instância / Jonathan Juvencio de Souza. 2019. 59f.

Monografia (Graduação em Direito) Faculdades Integradas de Garanhuns (FACIGA), Garanhuns,


2019.

Referências: p. 56-59

Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Prisão. Trânsito em julgado.


JONATHAN JUVENCIO DE SOUZA

O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A INCONSTITUCIONALIDADE


DA PRISÃO APÓS DECISÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA

BANCA EXAMINADORA

Monografia entregue à Autarquia do Ensino Superior de


Garanhuns (AESGA), como pré-requisito para conclusão do Curso
de Direito, da Faculdade de Direito de Garanhuns, (FDG).

Aluno aprovado em 03 de julho de 2019.

_____________________________________________
Prof. Orientador Maurício Santos Gusmão Júnior

_____________________________________________
Prof. Examinador Diego Rodrigo Silva de Farias

_____________________________________________
Prof. Examinador Jailton de Melo Elias
Dedico este TCC à minha mãe, Vanusia
Juvencio, à minha companheira de todas
as horas, Nathália Melo, e a todos que me
ajudaram a concluir esta graduação.
AGRADECIMENTOS

Quão bonito é, quando o homem percebe e entende que não está sozinho no
meio, mas sim, que é rodeado de pessoas que o alicerçam e o apoiam
incondicionalmente.
Durante esses cinco anos de caminhada, se construiu toda a base que resultou
agora neste Trabalho de Conclusão de Curso. Durante essa jornada, grandes
amizades foram formadas, grandes descobertas feitas, de modo que, certamente,
alguém será esquecido nas próximas linhas. Não por intenção, mas apenas pela
minha pequena capacidade de memorização.
Primeiramente, agradeço ao autor de tudo, aquele que nunca me desampara,
mesmo que eu não mereça de forma alguma os seus cuidados. A Deus todo poderoso,
minha mais profunda gratidão e reverência.
Agradeço à minha família, meu núcleo de sustentação, à minha mãe, Vanusia
Juvencio, e à minha irmã, Rebeca Juvencio, pelo incentivo de sempre.
Agradeço demais à minha namorada, Nathália Melo, por todos os empurrões,
os pedidos para que eu fosse estudar, pela paciência de entender minha ausência
nos momentos críticos do curso, como por exemplo na elaboração desse TCC, e por
todo apoio e motivação que me deu. Amo muito você.
Aos amigos sinceros formados nesta graduação, isentos de qualquer inveja, ou
sentimento de superioridade, Rogério Cordeiro, Hélder Francisco, Antônio Laurindo,
Náglyton Gustavo, Gleidson Barbosa, Kennya Espíndola e Jefferson Gomes.
Aos professores que viraram amigos, Thaminne Moraes, Fábio Guilherme,
Reinaldo Alves, Giane Lira e Diego Rodrigo. Seus ensinamentos e apoio foram
essenciais para a conclusão desta jornada.
Aos professores que me auxiliaram diretamente neste trabalho, Prof. Maurício
Gusmão e Dra. Cláudia Fernanda. Obrigado pela paciência e pelo apoio.
E, por fim, mas não menos importante, agradeço a todos os amigos que a vida
me deu, e que durante toda a produção desse TCC sempre me incentivaram a
continuar persistindo. Dentre tantos, cito Pe. Poul Anderson, Caio Elieldo, Felipe
Souza, Isamara Policarpo, Lailson Simplício e Robson Adenor.
“É melhor voltar atrás, do que perder-se no
caminho. ”

Provérbio Chinês
RESUMO

A temática proposta neste trabalho foi sobre a legalidade e a


constitucionalidade da prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. Fez-se uma análise minuciosa sobre o princípio da presunção de
inocência, o instituto da prisão, bem como a impossibilidade da privação de liberdade
sem o trânsito em julgado. Buscou-se esclarecer a divergência jurisprudencial vigente
no Brasil atualmente, respondendo ao seguinte questionamento: É constitucional a
prisão após a condenação em segunda instância? O objetivo geral do trabalho é
analisar a legalidade e a constitucionalidade da prisão sem o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória, conforme o Código de Processo Penal (CPP) e a
Constituição Federal de 1988 (CF/88). O trabalho foi realizado com o tipo de pesquisa
exploratória, com método bibliográfico, utilizando-se de livros, documentos e arquivos
em geral. Concluiu-se com este trabalho que todos os argumentos daqueles que
defendem a constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda instância
não se sustentam à luz do próprio ordenamento jurídico, uma vez que o texto
constitucional não dá brechas para interpretação diversa daquela criada pelo
legislador. Levar ao cárcere um cidadão, sem nenhuma medida cautelar justificável,
é flagrantemente inconstitucional e, por consequência, é uma afronta a Carta Maior
que rege a nação, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Prisão. Trânsito em julgado.


LISTA DE SIGLAS

CF/88 – Constituição Federal de 1988


ONU – Organização das Nações Unidas
STF – Supremo Tribunal Federal
Art. – Artigo
CPP – Código de Processo Penal
MP – Ministério Público
CP – Código Penal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
LEP – Lei de Execuções Penais
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SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................09
2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA...........................................................................11
2.1 Noções gerais sobre regras e princípios.........................................................11
2.2 O princípio da presunção de inocência...........................................................12
2.3 Evolução Histórica ............................................................................................14
2.4 Direito comparado..............................................................................................17
3 DO INQUÉRITO À SENTENÇA PENAL: COMO FUNCIONA O PROCESSO
PENAL BRASILEIRO................................................................................................19
3.1 O inquérito..........................................................................................................19
3.2 A ação penal.......................................................................................................21
3.3 As provas............................................................................................................24
3.4 A sentença penal................................................................................................27
4 DAS PRISÕES........................................................................................................31
4.1 Conceito..............................................................................................................31
4.2 Histórico da prisão.............................................................................................31
4.3 A prisão penal e processual..............................................................................34
4.3.1 A prisão-pena...................................................................................................35
4.3.2 A prisão processual........................................................................................37
4.4 As prisões cautelares .......................................................................................37
4.4.1 Prisão temporária............................................................................................37
4.4.2 Prisão em flagrante.........................................................................................39
4.4.3 Prisão preventiva.............................................................................................40
4.5 A prisão cautelar e o princípio da presunção de inocência...........................41
5 INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO APÓS DECISÃO DE SEGUNDA
INSTÂNCIA................................................................................................................43
5.1. Visão histórica do STF......................................................................................43
5.2. Entendimento atual da Corte Suprema...........................................................46
5.3. Presunção de inocência x prisão em segunda instância..............................49
6 METODOLOGIA.....................................................................................................52
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................54
REFERÊNCIAS .........................................................................................................56
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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos últimos anos, têm-se visto diversas mudanças de entendimento das cortes
superiores sobre a questão do cumprimento da pena após a sentença condenatória
de um tribunal, ou seja, a tão propalada prisão em segunda instância. A análise do
texto legal seco se tornou insuficiente para definir qual o real posicionamento jurídico
do tema no país.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem modificado a forma de interpretação do
tema à luz da Constituição Federal, bem como do Código de Processo Penal
Brasileiro, tornando a discussão sobre a prisão após a condenação em segunda
instância, uma verdadeira incerteza entre doutrinadores e parte da população. Por
isso, se faz importante uma análise sobre a constitucionalidade da prisão após a
condenação em segunda instância.
Urge que se tenha no Brasil uma posição razoável sobre o tema. Por esta
razão, buscou-se neste trabalho, responder ao seguinte problema: é constitucional a
prisão penal após a confirmação da condenação em segunda instância?
Percebe-se, nos tempos atuais, uma preocupação pelo fato da jurisprudência
não se mostrar completamente convencida do atual posicionamento sobre o assunto
perante as cortes superiores, pois este mesmo foi alterado recentemente pela
segunda vez em menos de 6 anos.
Esta dissonância no Poder Judiciário pode prejudicar a qualquer cidadão
comum que não tenha como fazer valer seus direitos constitucionalmente garantidos,
quer seja por falta de condições de acesso à justiça, quer seja pela total
impossibilidade de esse acesso se tornar eficaz, uma vez que a restrição de liberdade
hoje acontece antes mesmo da culpa ser comprovada através do devido processo
legal, dificultando o exercício dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
O objetivo geral do trabalho é analisar a legalidade e a constitucionalidade da
prisão sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, conforme o Código
de Processo Penal (CPP) e a Constituição Federal de 1988 (CF/88). Os objetivos
específicos são: relacionar os principais dados históricos do princípio da presunção
de inocência, disposto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, bem como no
CPP; descrever o instituto da prisão no Brasil, à luz da CF/88 e do Código de Processo
Penal; apresentar a compreensão do direito comparado sobre o tema pertinente à
prisão após a confirmação da sentença em segundo grau; e discutir criticamente sobre
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a presunção de inocência e seus novos parâmetros para a análise do tema da prisão


após a condenação em segunda instância.
O trabalho foi realizado com o tipo de pesquisa exploratória, com método
bibliográfico, utilizando-se de livros, documentos e arquivos em geral, buscando-se
tomar conhecimento sobre o tema em estudo, e sobre a sua relação hoje com o mundo
jurídico e, ainda, a sua relevância no âmbito acadêmico.
No segundo capítulo, será abordado o princípio da presunção de inocência e,
também, se verificará a trajetória histórica deste. No terceiro capítulo, será feito um
estudo sobre o processo penal no Brasil, trazendo uma análise sobre o inquérito, a
ação penal, as provas e a sentença penal, bem como os principais aspectos desses
tópicos. No capítulo quatro, serão abordadas as peculiaridades da prisão no país, seu
conceito, histórico e espécies admitidas em direito. No capítulo cinco, buscar-se-á
resolver o problema deste trabalho, entender a inconstitucionalidade da prisão antes
do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, trazendo para isto
entendimentos do STF, bem como da doutrina. No capítulo de metodologia, serão
citados e explicados todos os meios de pesquisas usados para desenvolver este
trabalho. Por fim, nas considerações finais, será apresentado o posicionamento sobre
a problemática discutida neste trabalho, de forma crítica e conclusiva.
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2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Neste capítulo, buscar-se-á a compreensão acerca da presunção de inocência


e, também, se verificará a trajetória histórica do referido princípio. Para isso, é
importante que se entenda o que são princípios para o Direito, qual a diferença entre
princípios e regras, o que significa realmente o princípio da presunção de inocência,
como este surgiu no mundo, e quais os primeiros apontamentos sobre este princípio
no Brasil.

2.1 Noções gerais sobre regras e princípios

De início, é importante entender o conceito do princípio da presunção de


inocência e como chegou até os dias atuais da forma como se conhece. Mas para
isso, é necessário que se entenda o que são princípios e sua diferença para as demais
nomenclaturas utilizadas no meio jurídico.
O ordenamento jurídico é composto por normas. As normas subdividem-se em
regras, que são ordens escritas de forma rígida, e princípios, que não têm a rigidez
que as regras possuem, mas são essenciais para um bom funcionamento do sistema
jurídico.
Princípios não são regras. Alguns doutrinadores os consideram, inclusive, mais
importantes que o próprio texto legal, já que são eles o pilar de todo um ordenamento
jurídico. As regras regem situações específicas, já os princípios baseiam todo um
conjunto de regras, sendo então mais importantes. Sobre isso, sabe-se que

Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e


orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração
ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de
um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou
por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de
caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades
da pesquisa e das práxis. (Reale, 2003, p. 37)

Dessa forma, tem-se que o princípio inspira a criação das regras, ou seja, tem
como função, instruir o legislador ou outro agente sobre os seus motivos.
Ensina Alexy (2008, p. 90) que “o ponto decisivo na distinção entre regras e
princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”.
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Não existe a possibilidade de um sistema ser totalmente composto por regras,


ou totalmente por princípios, como ensina Ávila (2003, apud Lenza, 2016, p. 180):

Um sistema não pode ser composto somente de princípios, ou só de regras.


Um sistema só de princípios seria demasiado flexível, pela ausência de guias
claros de comportamento, ocasionando problemas de coordenação,
conhecimento, custos e controle de poder. E um sistema só de regras,
aplicadas de modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de
válvulas de abertura para o amoldamento das soluções às particularidades
dos casos concretos. Com isso se quer dizer que, a rigor, não se pode dizer
nem que os princípios são mais importantes do que as regras, nem que as
regras são mais necessárias que os princípios. Cada espécie normativa
desempenha funções diferentes e complementares, não se podendo sequer
conceber uma sem a outra, e a outra sem a uma.

Dito isto, verifica-se a importância de cada uma das espécies normativas para
o bom funcionamento de todo o sistema jurídico.

2.2 O princípio da presunção de inocência

Pode-se conceituar a presunção de inocência como um princípio constitucional,


trazido pela CF/88, no inciso LXII, do seu art. 5º, que prega que o réu de um processo
somente será considerado culpado após o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
Alguns doutrinadores se referem a este princípio como sendo o da não-
culpabilidade, já que a redação do texto constitucional traz a culpa, e não a inocência.
Esse argumento é usado, por exemplo, por Bechara e Campos (2008, apud Lenza,
2013, p. 1093):

Melhor denominação seria princípio da não culpabilidade. Isso porque a


Constituição Federal não presume a inocência, mas declara que ninguém
será considerado culpado antes da sentença condenatória transitada em
julgado.

Pode-se entender, então, que o legislador não aplica esse princípio


simplesmente por acreditar na inocência do imputado, porém só se pode declarar a
culpa de fato após a sentença condenatória transitar em julgado.
A doutrina traz a sua visão sobre qual é o conceito do princípio da presunção
de inocência, não sendo este conceito também um só para todos. Há várias posições
diferentes na doutrina sobre qual seja o conceito do referido princípio, como será
demonstrado a seguir.
Para Brasileiro (2015, p. 43), pode-se definir a presunção de inocência da
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seguinte forma:

Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante


sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que
o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua
defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas
apresentadas pela acusação (contraditório).

Compreende-se que o princípio do devido processo legal está intimamente


relacionado ao princípio da presunção de inocência. A partir do momento em que se
respeita a um, está respeitando ao outro.
Como já dito, não existe um único conceito válido sobre o princípio da
presunção de inocência.
Vale, também, trazer o entendimento de Moraes (2018, p. 156) sobre o tema:

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado


até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a
presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito
como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal. Dessa
forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo,
que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao
total arbítrio estatal, permitindo-se o odioso afastamento de direitos e
garantias individuais e a imposição de sanções sem o devido processo legal
e a decisão definitiva do órgão competente.

Assim, pode-se afirmar que o referido princípio preza pelo devido processo
legal, bem como pelo princípio do contraditório e da ampla defesa. O imputado,
enquanto não restar provada a sua culpa, por todos os meios de prova admitidos, não
terá sua culpabilidade reconhecida.
Juridicamente, segundo Lenza (2012b, p. 460), entende-se por transitada em
julgado a decisão que não cabe mais recurso, ou seja, onde já se esgotou todas as
possibilidades de defesa, respeitando o devido processo legal. Fica provada, dessa
forma, a culpa do acusado por sentença irrecorrível, não sendo mais possível interpor
nenhum recurso para tentar reformar a decisão.
Há que se definir sobre o momento em que se dá a formação da culpa do
indivíduo no processo penal. Existe hoje uma grande discussão na sociedade sobre o
assunto. Enquanto parte da população defende que o princípio da inocência só
protege o investigado até o segundo grau de jurisdição, prestigiando assim o atual
posicionamento do STF, outra parte considera a culpa formada apenas após o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória, como está escrito no CPP.
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Antes de a sentença transitar em julgado, há todo um procedimento para


formação da culpa do indivíduo, formação esta que certificará a toda sociedade que
aquele cidadão, que está tendo retirada a sua liberdade, realmente, cometeu um
ilícito, que dê razão a esta privação. Queimar etapas nesse ponto do processo seria
desrespeitar os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa,
e da própria presunção de inocência.

2.2. Evolução histórica

O surgimento do princípio da presunção de inocência data do período do Direito


Romano, momento em que surgiu, também, o princípio do in dubio pro reo, mesmo
que naquela época este não fosse exatamente como conhece-se hoje.
A primeira aparição do princípio da presunção de inocência data do século
XVIII, sendo uma forma de resposta da sociedade contra as atrocidades cometidas
pelo Estado absolutista na época, principalmente por conta do poder de prisão
discricionário que o rei possuía, várias vezes resultando em prisões injustas e
arbitrárias, sem a observância de qualquer processo. Nas palavras de Focault (1975,
p. 18):

As diferentes partes da prova não constituíam outros tantos elementos


neutros; não lhes cabia serem reunidos num feixe único para darem certeza
final da culpa. Cada indício trazia consigo um grau de abominação. A culpa
não começava uma vez reunidas todas as provas: peça por peça, ela era
constituída por cada um dos elementos que permitiam reconhecer um
culpado. Assim, uma meia prova não deixava inocente o suspeito enquanto
não fosse completada: fazia dele um meio-culpado; o indicio, apenas leve, de
um crime grave, marcava alguém como “um pouco” criminoso.

Nota-se que a formação da culpa do indivíduo naquela época se dava


vagarosamente, prova por prova. Ninguém era considerado totalmente culpado antes
da reunião de todas as provas contra o sujeito. Todavia, a partir do momento em que
alguma prova surgisse, não se considerava mais o sujeito totalmente inocente.
Algum tempo depois, com a eclosão do iluminismo e a ascensão da burguesia,
os ideais de uma futura presunção de inocência surgiam, como já trazia Beccaria
(1764, p. 37), quando escreve que “um homem não pode ser considerado culpado
antes da sentença do juiz; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública
depois que seja decidido que ele tenha violado as normas em que tal proteção lhe foi
dada. ”
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Somente com a Idade Contemporânea, inaugurada a partir da Revolução


Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, é que esse
princípio foi realmente colocado em posição de destaque, trazendo no seu art. 9º que
“todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar
indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá
ser severamente reprimido pela lei”.
Em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, que, novamente, afirmou o princípio da presunção
de inocência, em seu art. 11º:

Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de


ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido
provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe
tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Nota-se que a partir deste ponto da história, o que hoje se conhece como
presunção de inocência começou a ser aplicado: O respeito ao devido processo legal,
garantia que ninguém fosse condenado antes de sua culpa ficar legalmente
comprovada.
A partir desse marco, o princípio da presunção de inocência começou a constar
nos textos de vários códigos de processo penal ao redor do mundo, mudando a visão
unicamente punitiva dos tempos antigos, dando um pouco de dignidade aos cidadãos
que se envolviam em processos criminais.
É importante salientar que os documentos citados até aqui colocam a prova da
culpabilidade como um divisor de águas entre a presunção de inocência, e a
possibilidade da prisão do investigado. Logo, a prisão só se torna lícita e legal a partir
do momento em que se demonstra inequívoca a afirmação de que o réu é realmente
culpado pelo fato a ele imputado. Qualquer prisão efetuada fora desses termos,
excetuando, claro, as prisões processuais que serão explanadas nos próximos
capítulos, se torna ilegal e arbitrária.
Sobre isso, pode-se trazer à tona o conceito do garantismo penal, ensinado por
Ferrajoli (2010, p. 785-786):
“Garantismo” designa um modelo normativo de direito: precisamente, no que
diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade”, próprio do
Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um
sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza
como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a
liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à
função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É
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consequentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma


normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente. (Grifo do
autor)

Este garantismo está presente na legislação brasileira, exemplificado pelo


princípio do devido processo legal, estatuído na CF/88, no inciso LIV, do art. 5º, que
garante que ninguém poderá ser privado de sua liberdade e de seus bens sem o
devido processo legal.
No Brasil, o princípio da presunção de inocência foi invocado pela primeira vez
em 1976, em sede de Recurso Extraordinário julgado pelo então Ministro do STF, José
Leitão de Abreu, que tratava sobre a inelegibilidade daqueles que respondiam a
processo criminal. Mendes e Branco (2012, p.590/591) expõem o pensamento sobre
o princípio da presunção de inocência, sob a ótica da época:

Nessa norma fundamental se estatui que “a especificação dos direitos e


garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias
decorrentes do regime e dos princípios que ela adota”. Ora, o
postulado axiológico da presunção de inocência está em perfeita
sintonia com os direitos e garantias do regime e dos princípios que ela
adota. O valor social e jurídico, que se expressa na presunção de
inocência do acusado, é inseparável do sistema axiológico, que inspira
a nossa ordem constitucional, encontrando lugar necessário, por isso,
entre os demais direitos e garantias individuais, especificados no art.
153 da Constituição Federal. Além de se tratar, desse modo, como
declarado com a sua costumeira elegância, o eminente Ministro Xavier
de Albuquerque, de princípio eterno, universal, imanente, que não
precisa estar inscrito em Constituição nenhuma, esse princípio
imanente, universal e eterno constitui, em nossa ordem constitucional,
direito positivo. (Grifo do autor)

Na Constituição da República de 1988, o princípio citado veio insculpido, de


forma inequívoca, no inciso LVII, do art. 5º, que prevê que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”.
Pode-se dizer que há, ainda, outros textos com força constitucional que
asseguram a aplicação deste princípio no Brasil, já que o art. 5º, §2º, da CF/88 dá
status constitucional ao tratado internacional que o Brasil seja parte.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida, também, como
“Pacto de São José da Costa Rica”, preceitua, em seu art. 8º, I, que: “Toda pessoa
acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se
comprove legalmente sua culpa”. O Brasil é signatário do Pacto, que foi ratificado pelo
Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 27 de 1992, e promulgado
17

pelo Decreto 678/92. Tem-se, portanto, que a CF/88 e o Pacto de São José da Costa
Rica asseguram o princípio da presunção de inocência.
Neste mesmo entendimento, o Estatuto de Roma, do Tribunal Internacional,
que foi promulgado no Brasil em setembro de 2002, por meio do Decreto 4.388,
aborda o seguinte:

Art.66. Presunção de Inocência. 1. Toda pessoa se presume inocente até


prova de sua culpa perante o Tribunal, de acordo com o direito aplicável. 2.
Incumbe ao procurador o ônus da prova da culpa do acusado. 3. Para proferir
sentença condenatória, o Tribunal deve estar convencido de que o acusado
é culpado, além de qualquer dúvida razoável.

Com isso, percebe-se que o princípio da presunção de inocência é, hoje,


reconhecido e aplicado em diversos países.

2.4 Direito comparado

Conforme exposto acima, o princípio da presunção de inocência não é uma


particularidade do ordenamento jurídico brasileiro.
A Constituição da República portuguesa, que, tal como a brasileira, sofreu
alguma influência do direito europeu, dispõe, no rol dos direitos fundamentais, art. 32,
2, que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias
de defesa”. É notável a semelhança, neste aspecto, do direito português com o
Brasileiro.
No Direito Italiano, a Constituição de 1947 traz, no seu art. 27, que “O imputado
não é considerado réu até condenação definitiva”. Importante ressaltar que, à época
da promulgação da referida constituição, a Itália vivia sob regime autoritário. Então,
houve um certo tempo até que a determinação constitucional passasse, realmente, a
ser aplicada.
Vale trazer, também, a posição do Direito Francês, uma vez que de lá advém
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que no seu art. 9º diz
que “todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar
indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário a guarda da sua pessoa, deverá
ser severamente reprimido pela Lei ”.
Em países que se utilizam do sistema common law, como os EUA e a
Inglaterra, obviamente, não há constituição escrita. Porém, nos julgados, percebe-se
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a aplicação da presunção de inocência, com forte influência dos ensinamentos de


Beccaria, que defendia que o indivíduo era inocente, até que se prove culpado. Em
1895, no caso Coffin v. United States, 156 U.S. 432, foi estabelecida a presunção de
inocência no Direito Americano. Vale a leitura do trecho de um dos votos dos ministros
da Suprema Corte Americana:

O princípio de que existe uma presunção de inocência em favor do acusado


é a lei inquestionável, axiomática e elementar, e sua aplicação está na base
da administração de nosso direito penal. Concluindo, então, que a presunção
de inocência é evidência em favor do acusado, introduzida pela lei em seu
nome, vamos considerar o que é " dúvida razoável ". É, necessariamente, a
condição da mente produzida pela prova resultante da evidência na causa. É
o resultado da prova, não a prova em si, ao passo que a presunção de
inocência é um dos instrumentos de prova, produzindo a prova da qual surge
a dúvida razoável; assim, uma é uma causa e a outra um efeito. Dizer que
um é o equivalente ao outro é, portanto, dizer que as provas legais podem
ser excluídas do júri, e que tal exclusão pode ser curada instruindo-as
corretamente em relação ao método pelo qual elas devem chegar à sua
conclusão sobre a prova realmente diante deles. (US Supreme Court, Coffin
v. United States, 156 U.S. 432, 1895)

No Canadá, outro país que utiliza o sistema da common law, não possui
Constituição escrita; porém, existe um documento normativo, a Carta de Direitos e
Liberdades, que, no seu texto, traz expressamente o princípio da presunção de
inocência, no item 11, d, que trata das garantias jurídicas dos canadenses: “ser
considerada inocente até que se prove sua culpa de acordo com a lei, em um processo
público por um tribunal independente e imparcial. ”
Dessa forma, tem-se que a aplicação do princípio da presunção de inocência é
global, não sendo particularidade do Brasil, e, portanto, é princípio jurídico aceito e
aplicado em grande parte do mundo.
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3 DO INQUÉRITO À SENTENÇA PENAL: COMO FUNCIONA O PROCESSO


PENAL BRASILEIRO

Neste capítulo, serão abordados aspectos que giram em torno do processo


penal no Brasil. Para melhor compreender a aplicação do princípio da presunção de
inocência, faz-se importante conhecer o caminho pelo qual percorre o indivíduo no
processo penal pátrio, desde o inquérito, passando pela ação penal, sobre como se
dá a produção de provas no processo penal brasileiro e o instituto da sentença penal,
especialmente, a condenatória.

3.1 O inquérito

O primeiro procedimento que se instaura após o cometimento de um crime de


qualquer natureza é o inquérito. Em termos de conceito, pode-se dizer que o inquérito

É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração


de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal
possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento
persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial.
Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da
ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada
(CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos
elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial
e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de
decretação de medidas cautelares. (Capez, 2018, p. 113)

A partir desse entendimento, depreende-se que o inquérito é o procedimento


primeiro de qualquer persecução penal. É instaurado, geralmente, pela polícia
judiciária, assim entendida as polícias civis estaduais e a polícia federal. Via de regra,
pois, em alguns casos, o inquérito é presidido por outras autoridades, como, por
exemplo, no caso de crimes militares, onde a atribuição é da autoridade militar ou,
ainda, as comissões parlamentares de inquérito instauradas no Congresso Nacional,
que, também, podem investigar fatos determinados.
Em suma, essa peça informativa intitulada de inquérito busca esclarecer a
autoria e a materialidade de um crime, coletando informações essenciais para que
seja proposta a ação penal.
O inquérito possui características marcantes, que são imprescindíveis para que
atinja seu fim último, que é subsidiar o Ministério Público ou, nos casos de ação
privada, a vítima, para propositura da ação penal.
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Ensina Capez (2018) que o inquérito é escrito. O CPP traz a previsão dessa
peça informativa, com as formalidades que deverão ser cumpridas. O inquérito é
sigiloso, até pelo caráter investigativo que possui. Esse sigilo não é oponível ao
Ministério Público (MP) com atribuição para atuar naquele procedimento, nem à
autoridade judiciária competente. Caso não seja decretado o sigilo do inquérito, o
advogado, também, poderá ter acesso às informações nele acostadas,
independentemente de procuração. Quando decretado o sigilo, impõe-se que o
acesso restrinja ao procurador constituído, nos termos do art. 7º do Estatuto da OAB.
Vale ressaltar que, nessa fase, não existe, ainda, a ampla defesa e o
contraditório, já que não há ação penal instaurada. Esses princípios somente poderão
ser evocados, posteriormente, no curso da ação penal.
Urge salientar que o caráter inquisitivo do inquérito não dispensa a presença
do advogado constituído pelo investigado ou, na impossibilidade, a assistência pela
defensoria pública.
Capez (2018) ensina que outra característica do inquérito é a sua oficialidade.
Somente órgãos oficiais têm a prerrogativa de produzir inquéritos, não sendo possível
que um particular o faça, embora, na ação privada, a iniciativa da ação penal seja do
ofendido. Esta característica diz respeito à obrigação que tem a autoridade policial de
instaurar o inquérito, quando do recebimento de uma notícia de infração penal,
independentemente de provocação, com exceção dos casos de ação penal pública
condicionada e de ação penal privada. A autoritariedade é a exigência que a CF/88
faz sobre o inquérito ser presidido por uma autoridade pública, a autoridade policial.
Esta característica bem se assemelha à da oficialidade.
Ainda, na lição de Capez (2018), a característica da indisponibilidade significa
que, uma vez instaurado o inquérito, a autoridade policial não poderá simplesmente
arquivá-lo por si só. Em outras palavras, não há discricionariedade quanto à abertura
do inquérito, se existem elementos mínimos da autoria ou da materialidade delitiva.
O inquérito possui, também, aspecto inquisitivo, uma vez que a persecução se
encontra na mão de uma única pessoa, no caso, da autoridade policial. Esta deve agir
de ofício, empreendendo esforços ao esclarecimento do crime e de sua autoria.
Quando a autoridade policial obtém elementos razoáveis da autoria e da
materialidade do crime, deverá promover indiciamento, que Lenza (2012b, p. 62)
define da seguinte forma:
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O indiciamento é um juízo de valor da autoridade policial durante o decorrer


das investigações e, por isso, não vincula o Ministério Público que poderá,
posteriormente, requerer o arquivamento do inquérito. De ver-se, todavia, que
o indiciamento é uma declaração formal feita por representante do aparato
repressivo estatal, no sentido de apontar aquela pessoa como autora do delito
e, como consequência, seu nome e demais dados são lançados no sistema
de informações da Secretaria de Segurança Pública relacionados àquele
delito e passam, por isso, a constar da folha de antecedentes criminais do
indivíduo. Em caso de futuro arquivamento ou absolvição, o desfecho deverá
também ser comunicado à Secretaria de Segurança para que seja anotado
na folha de antecedentes.

Sobre a seriedade do ato de indiciamento, impõe-se conferir a lição de Nucci:

Indiciado é a pessoa eleita pelo Estado-investigação, dentro da sua


convicção, como autora da infração penal. Ser indiciado, isto é, apontado
como autor do crime pelos indícios colhidos no inquérito policial, implica um
constrangimento natural, pois a folha de antecedentes receberá a informação,
tornando-se permanente, ainda que o inquérito seja, posteriormente,
arquivado. Assim, o indiciamento não é um ato discricionário da autoridade
policial, devendo basear-se em provas suficientes para isso. (Nucci, 2018, p.
233)

Dessa forma, compreende-se que o inquérito policial é concluído quando a


autoridade se dá por convencida de que o investigado é o provável autor da infração.
Vale ressaltar que, mesmo que a autoridade policial encontre elementos para o
indiciar, o Ministério Público poderá entender de forma diversa, não levando adiante
a ação penal contra este. A conclusão da polícia não vincula a atividade do Ministério
Público.
Note-se que, a partir desse momento, o investigado passa à condição de
indiciado, porém, isso não significa de forma alguma que o Estado o está
considerando culpado pela infração apontada na notícia-crime. Ainda, haverá os
passos processuais, que são longos, a serem cumpridos, como será demonstrado nos
próximos tópicos.

3.2 A ação penal

Após o término do inquérito, há a remessa ao Ministério Público, que se


manifestará perante o juízo, apontando se denuncia o investigado ou se não há
elementos suficientes de materialidade e de autoria. A partir do momento em que a
denúncia é oferecida, está instaurado o processo penal. A partir daí, com o
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recebimento da peça acusatória pelo juiz, o denunciado se torna réu. Acerca da fase
judicial, colha-se a lição abaixo:

É o procedimento judicial iniciado pelo titular da ação quando há indícios de


autoria e de materialidade a fim de que o juiz declare procedente a pretensão
punitiva estatal e condene o autor da infração penal. Durante o transcorrer da
ação penal será assegurado ao acusado pleno direito de defesa, além de
outras garantias como a estrita observância do procedimento previsto em lei,
de só ser julgado pelo juiz competente, de ter assegurado o contraditório e o
duplo grau de jurisdição etc. (Lenza, 2012b, p. 71)

Dessa forma, leciona Lenza (2012b) que a ação penal é um direito autônomo,
não se confundindo com o direito material que se busca tutelar. É também um direito
abstrato, já que independe do resultado final do processo. É um direito subjetivo, já
que o titular pode exigir do Estado-juiz a prestação jurisdicional. E é um direito público,
já que se está provocando uma atividade jurisdicional de natureza pública.
Sabe-se que as ações penais podem ser públicas ou privadas, dependendo do
tipo de infração cometida. Serão públicas se a atribuição para sua propositura for do
Ministério Público e, privadas, se esta atribuição estiver reservada ao particular. Sobre
isso, diz o art. 100, caput, do Código Penal (CP): “A ação penal é pública, salvo
quando a lei, expressamente, a declara privativa do ofendido”.
Observa-se que o critério para definir se a ação é pública ou privada é o
normativo. Cabe à lei penal dizer, sendo regra o caráter público da ação penal e a
exceção, a iniciativa privada. Tourinho Filho (2010, p. 380) diz que “levando em conta
o sujeito que a promove, a ação penal se classifica em pública e privada. Essa a
summa divisio da ação penal no Direito pátrio.”.
Dentro da categorização das ações penais públicas, há uma divisão. Estas
podem ser pública incondicionada ou pública condicionada. Será incondicionada,
quando o MP promove a ação independentemente de provocação ou de pedido da
vítima, bastante que estejam presentes as condições da ação e os pressupostos
processuais. Por outro lado, a ação penal será condicionada à representação, se o
MP precisar ser instado pela vítima ou por seu representante legal a promover a ação.
Sobre isso, traz o art. 100, § 1º, do Código Penal: “A ação pública é promovida pelo
Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido
ou de requisição do Ministro da Justiça”.
Na ação penal privada, é necessária a apresentação da queixa-crime pela
vítima ou por seus representantes. Esta categoria se divide em mais duas: a privada
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exclusiva e a privada personalíssima. A ação penal privada exclusiva ocorre quando,


sendo a vítima menor ou incapaz, ou sendo já falecida, os seus representantes ou
sucessores também podem propor a ação. Por sua vez, a ação penal privada
personalíssima, somente a pessoa da vítima pode propor a ação penal, não admitindo
sucessão processual, nem representação. Se menor, deve-se aguardar o atingimento
da maioridade. Se incapaz, o posterior reestabelecimento.
Sobre essa categorização da ação penal, Tourinho Filho (2010, p. 384)
sabiamente ensina que

Tal distinção não é destituída de interesse, pois sabemos que, quando a ação
penal é pública, somente o órgão do Ministério Público pode iniciá-la, e,
quando privada, sua promoção compete, exclusivamente, ao ofendido ou a
quem o represente legalmente. Tão importante é essa divisão que os autores
costumam classificai as infrações penais, quanto ao processo, em crimes de
ação pública e em crimes de ação privada.

Quem define qual tipo de ação penal será proposta, quanto aos critérios de
ação penal pública, privada, e suas subdivisões, é o próprio direito penal material, que
no seu bojo indica qual o tipo de ação aceita para cada infração cometida, como já
explicitado acima.
Conforme leciona Capez (2018), como na ação civil, a ação penal também
possui algumas condições, como a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de
agir e a legitimidade para agir.
Por possibilidade jurídica do pedido, entende-se que esta condição foi cumprida
quando a lei penal expressamente prevê a conduta criminosa narrada na peça inicial.
Não se pode propor uma ação penal, se o fato supostamente praticado pelo indiciado
não constitui crime previsto na legislação penal pátria. A denúncia deve, portanto, ser
rejeitada, quando o fato imputado ao agente não for considerado crime pelo
ordenamento.
Por interesse de agir, faz-se necessária a aplicação do trinômio: necessidade,
inerente ao devido processo penal, sem o qual é impossível impor uma pena; utilidade,
que decorre da verificação da efetiva utilidade do uso da justiça para a defesa do
direito supostamente violado; e adequação, que verifica o processo penal
condenatório e o pedido de aplicação de sanção penal.
Por fim, a legitimidade para agir compreende o conceito já visto no Direito Civil,
das partes dos polos da demanda terem capacidade de postular e, realmente, serem
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os legitimados, como o MP ou a vítima, no polo ativo, como o provável autor do fato


no polo passivo.

3.3 As provas

É essencial para um bom estudo da prisão, que se entenda o instituto da prova


no processo penal brasileiro. Capez (2018, p. 364) ensina que a prova,

Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP,
arts. 156, I e II, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar
ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato,
da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e
qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de
comprovar a verdade de uma alegação. Por outro lado, no que toca à
finalidade da prova, destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos
elementos essenciais para o deslinde da causa.

Destarte, pode-se compreender que a prova, no processo penal brasileiro, é


como uma base, é a verdade que se busca durante a resolução da controvérsia. Sem
as provas, as argumentações jurídicas são inúteis, já que não possuem o objeto a ser
discutido.
De igual maneira, Lenza (2012b, p. 247) preconiza que:

O objetivo da atividade probatória é convencer seu destinatário: o juiz. Na


medida em que não presenciou o fato que é submetido a sua apreciação, é
por meio das provas que o juiz poderá reconstruir o momento histórico em
questão, para decidir se a infração, de fato, ocorreu e se o réu foi seu autor.
Só depois de resolvida, no espírito do julgador, essa dimensão fática do
processo (decisão da quaestio facti) é que ele poderá aplicar o direito (ou
seja, solucionar a quaestio juris). O que se almeja com a prova, entretanto, é
a demonstração da verdade processual (ou relativa), já que é impossível
alcançar no processo, como nas demais atividades humanas, a verdade
absoluta.

Pode-se então compreender que as provas funcionam no processo como uma


busca do juízo pelo que realmente ocorreu quanto ao fato que se está sendo imputado
ao réu. A partir de documentos, interrogatórios, testemunhas, entre outros, a “cena do
crime” irá se materializar na mente do magistrado, possibilitando a este realizar o
julgamento, tendo em vista que o direito só poderá ser aplicado quando estiver claro
o que, de fato, ocorreu.
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Há uma série de classificações possíveis para as provas no processo penal


brasileiro. Segundo a lição de Capez (2018), essa classificação pode ser quanto ao
objeto, ao efeito, ao sujeito, e à forma.
Quanto ao objeto, tem-se que a prova pode ser direta, quando por si só,
demonstra um fato; ou indireta, quando alcança o fato através de um raciocínio lógico-
dedutivo, aglutinando a prova com outros fatos secundários. No tocante ao efeito, a
prova pode ser plena, quando é suficientemente convincente ou necessária para a
formação de um juízo de certeza no julgador ou pode ser não plena, quando traz uma
mera probabilidade, como indícios, por exemplo.
No tocante ao sujeito, as provas podem ser reais, quando consiste em algo
externo, não humano, como a arma, por exemplo, ou pode ser pessoal, que são
aquelas que encontram origem no sujeito, no humano, como os depoimentos. Por fim,
quanto à forma, as provas podem ser testemunhais, quando resulta de um depoimento
de um terceiro; documentais, que são produzidas através de documentos, ou
materiais, quando são obtidas por meio químico, físico ou biológico, como o exame
de corpo de delito, por exemplo.
Como são inúmeras as classificações das provas, de igual modo, são os meios
de prova admitidos em direito. Cediço que o CPP traz alguns exemplos de provas,
como por exemplo, a perícia, o interrogatório, o relato de testemunhas, a prova
documental, os indícios etc.; porém, esse rol não é taxativo, é meramente
exemplificativo. Isto é, não esgota os meios de prova que são aceitos pelo direito.
Existem as provas inominadas, como fotos, filmagens, arquivos de áudio, entre
outros. Tudo que, porventura, puder ser usado como meio de prova é aceito pelo
ordenamento jurídico. A exceção fica por conta do princípio de vedação da prova
ilícita, consagrado pela CF/88, bem como pelas provas que não possuem a finalidade
de demonstrar a verdade dos fatos ou, ainda, que atentem contra a moral, como, por
exemplo, a reprodução simulada de um estupro.
Sobre o tema, leciona Lenza (2012b):

Não seria lógico que o Estado, a pretexto de distribuir justiça, permitisse que
seus agentes ou que particulares violassem normas jurídicas para garantirem
o sucesso do esforço probatório, pois, assim, estaria, paradoxalmente,
incentivando comportamentos contrários à ordem jurídica que pretende
tutelar com a atividade jurisdicional. É por isso que a Constituição Federal
previu, expressamente, em seu art. 5º, LVI, que “são inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meio ilícito”. A ilicitude da prova pode
decorrer das mais variadas ações: busca domiciliar sem mandado, quando
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não houver consentimento do morador ou situação de flagrância; violação de


sigilo bancário; exercício de ameaças para obtenção de confissão;
interceptação de comunicações telefônicas sem autorização judicial; colheita
de testemunho em Juízo sem a presença de defensor etc.

Por essa razão, entende-se não ser razoável que provas produzidas de
maneira irregular possam produzir seus efeitos, qual seja, servirem para
demonstração da culpabilidade do réu pelo delito que lhe é imputado. Adotar essa
prática seria afrontar, por completo, o princípio do devido processo legal, tornando
sem efeito qualquer decisão condenatória prolatada, diante da ilicitude da prova
colhida.
Doutrinariamente, Lenza (2012b, p. 257) ensina que existem dois tipos de
prova ilícita. A primeira é a prova ilícita em sentido estrito, sendo uma prova ilegal
obtida por meio de violação de uma norma de direito material. A obtenção dessa prova
independe do curso do processo. A segunda classificação é a prova ilegítima, que se
configura como a prova produzida sem estar em conformidade com as normas
processuais. Deriva de um comportamento processualmente ilícito.
Importante ressaltar-se que essa classificação é meramente doutrinária. Na
prática jurídica, ambos os tipos de provas ilícitas são vedados pelo ordenamento
pátrio, visando-se, assim, evitar abusos na investigação.
Todo processo penal visa apurar uma suposta infração cometida pelo réu. Para
que se chegue a uma sentença condenatória, a culpa deve-se restar provada. Surge,
então, o instituto do ônus da prova.
O CPP é claro quando dispõe sobre quem tem a obrigação de provar o alegado:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,


facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal,
a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Na leitura do disposto no ordenamento pátrio, nota-se que aquele que acusa


tem a obrigação de provar. É o que se chama de ônus da prova. Nucci (2018, p. 513)
apresenta este conceito da seguinte forma:

O termo ônus provém do latim – onus – e significa carga, fardo ou peso.


Assim, ônus da prova quer dizer encaro de provar. Ônus não é dever, em
sentido formal, pois este não se constitui em obrigação, cujo não
cumprimento acarreta uma sanção autônoma. Entretanto, não é demais
salientar que as partes interessadas em demonstrar ao juiz a veracidade do
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alegado possuem o dever processual de fazê-lo. Do contrário, haveria uma


sanção processual, consistente em perder a causa. Quanto ao ônus de
provar, trata-se do interesse que a parte que alega o fato possui de produzir
prova ao juiz, visando fazê-lo crer na sua argumentação.

Diante da análise desses trechos, percebe-se que o ônus da prova é, em regra,


do Ministério Público, e, no caso de ação penal privada, da vítima. Estes são os que
acusam. Portanto, devem provar a acusação. Porém, em algumas situações, o próprio
réu chama para si a produção de provas, visando a demonstrar algum fato que venha
excluir a tipicidade ou a ilicitude do suposto crime cometido. Exemplo clássico é o da
legitima defesa, onde não cabe a quem acusa provar que o réu agiu amparado por
essa excludente. O próprio réu deve demonstrar isso no decorrer do processo.
Atribuir à defesa o encargo de produzir provas é a exceção, já que o réu,
também, tem “a seu favor” o princípio da presunção de inocência e do in dubio pro
reo, não podendo ser levado ao extremo essa faculdade do réu de provar sua
inocência. No caso de as provas trazidas ao processo pela defesa infundirem dúvida,
deve-se absolver o réu. Para condenação, impõe-se a prova inequívoca, da tipicidade,
da ilicitude e da culpabilidade. Se a regra se tornar a exceção, e o réu tiver sempre a
incumbência de provar sua inocência, cai por terra o princípio constitucional da
presunção de inocência, o que não pode ser admitido em um Estado democrático de
direito.

3.4 A sentença penal

A sentença é a parte última do processo, aquela que põe fim à lide. É a decisão
do juiz, que se materializa após o exame de todas as provas produzidas no processo.
O Código de Processo Civil define que a sentença “é o ato pelo qual o juiz põe termo
ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. No processo penal, segue-se essa
mesma linha.
Sobre a origem do termo “sentença”, ensina Tourinho Filho (2013, p.342) que

Vem a palavra do latim sententia, que, por sua vez, vem de sentiendo,
gerúndio do verbo sentire, dando a ideia de que, por meio dela, o juiz declara
o que sente (quod judex per eam quid sentiant declaret). A palavra sentença
deve ser reservada para aquele ato processual, momento culminante do
processo, em que o juiz põe termo ao processo, pouco importando se decidiu,
ou não, o mérito da causa.
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O juiz, ao se deparar com o processo concluso para julgamento, faz uma


reconstrução dos fatos narrados nas peças processuais, buscando concluir se o réu
deve ser condenado ou não, se o pedido é procedente ou improcedente, e faz isso
através de um trabalho mental, de lógica, a partir de todo o material produzido no
curso do processo.
A natureza jurídica da sentença possui dois elementos: A declaração de
vontade do juiz sobre o caso analisado e a exteriorização do resultado de um juízo
lógico, uma operação mental do juiz, já que este reconstrói mentalmente o fato
judicializado, para ser capaz de concluir se o pedido é procedente ou não. O
dispositivo da sentença, a decisão propriamente dita, nada mais é do que a adequação
do fato analisado à legislação teoricamente afrontada. Após fazer esse exercício
intelectual, o juiz está apto para adequar a lei ao fato concreto. O juiz, como parte do
Estado, aplica a vontade do Estado, emanada através da norma legal.
A função da sentença é fazer valer, declarar o direito. Tourinho Filho (2013, p.
345) ensina que

“Quando o juiz procede à subsunção do fato à norma, aplicando o direito à


espécie concreta, ele nada mais faz senão, por meio daquele procedimento
de coordenação, declarar o direito preexistente. Quando o juiz condena o réu
por furto, por exemplo, ele está declarando, naquele caso concreto, o direito
de punir do Estado. Se a sentença for absolutória, o juiz declara que o jus
puniendi, naquele caso concreto, inexiste. Em suma: a função da sentença é
meramente declaratória do direito anteriormente estabelecido. ”

Importante salientar, sobre esse aspecto, que na hipótese da lei não se


manifestar sobre o fato levado à juízo, como este não pode se esquivar de apreciar, o
juiz não pode simplesmente criar o direito. Deve ser respeitado o rito previsto no art.
126 do CPP, que apregoa que “No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas
legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de
direito”.
Segundo Tourinho Filho (2013), existem dois tipos de sentença penal: a
absolutória, e a condenatória. A sentença é absolutória quando o juiz afasta a
pretensão punitiva do Estado. Isso ocorre quando entender que a acusação é
infundada, e a pretensão deduzida nela é improcedente, quer seja pelo fato não ser
ilícito, quer seja pela inexistência do fato, quer seja por inexistência de provas
suficientes, quer seja pela ausência de culpabilidade do agente. Vale fazer a leitura
do que diz o CPP:
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Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva,


desde que reconheça: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver
prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV - estar
provado que o réu não concorreu para a infração penal; V – não existir prova
de ter o réu concorrido para a infração penal; VI – existirem circunstâncias
que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º
do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida
sobre sua existência; VII – não existir prova suficiente para a condenação.

Em algumas situações, embora a sentença tenha caráter meramente


declaratório no caso da sentença absolutória, o juiz decretará a medida de segurança,
conforme o próprio art. 386 do CPP traz a possibilidade. Em primeira análise, pode
essa decretação ser considerada uma condenação, já que há uma imposição estatal
sobre o réu. Para isso, a doutrina criou a expressão sentença absolutória imprópria,
para a diferenciar da absolutória própria, onde realmente o juiz apenas declara que o
réu não deve ser condenado, sem nenhum ônus aplicado. Como em toda sentença
penal, após o trânsito em julgado, não cabe mais nenhuma mudança de decisão por
parte do juiz. A sentença absolutória torna-se imutável.
Outra espécie de sentença penal é a condenatória, que ocorre quando o juiz
afirma, de forma fundamentada nos autos, que a infração imputada ao réu existiu de
fato, que este é o autor, e que a culpabilidade do agente foi comprovada. Segundo
Tourinho Filho (2013, p. 370), “com a sentença condenatória, o juiz julga procedente
o jus puniendi, afirmando a responsabilidade do acusado e infligindo-lhe a sanctio
juris.”. Ao proferir a sentença, o juiz também decidirá sobre ser cabível ou não a prisão
preventiva ou outra medida cautelar, resolver sobre o regime inicial de cumprimento
de pena, baseando-se no disposto no CP, e atentar sobre o tempo já cumprido de
prisão provisória, se for o caso.
Sobre isso, vale citar o art. 59 do CP, que trata sobre a aplicação da pena:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta


social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a
quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial
de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena
privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Portanto, a partir da leitura do dispositivo acima, percebe-se que o Juiz, ao fixar


a pena, deverá fundamentar sua decisão, a partir das circunstâncias judiciais, sem
perder de vista as atenuantes, agravantes, bem como as causas de aumento e de
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diminuição de pena. Não deverá o juiz fundar-se em meras convicções pessoais, já


que, neste ato, representa o próprio Estado na sua função julgadora e submete-se
aos ditames legais e constitucionais.
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4 DAS PRISÕES

A prisão é o fim último da persecução penal. Por isso, faz-se importante estudar
todas as nuances relacionadas a este instituto no nosso país. Neste capítulo, serão
abordados o conceito e o histórico da prisão, as modalidades e as espécies de prisão
no Brasil.

4.1 Conceito

Pode-se definir prisão, segundo Capez (2018, p. 302), como a privação da


liberdade de um indivíduo, por flagrante delito, ou por decisão escrita e fundamentada
da autoridade judiciária competente, ou em decorrência de sentença penal
condenatória, ou no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão
temporária, ou preventiva, conforme o art. 283 do CPP.
Acerca do tema prisão, a Constituição Federal, no rol dos direitos e garantias
fundamentais do cidadão, assim dispõe no seu art. 5º, LXI e LXVI:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXVI -
ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
liberdade provisória, com ou sem fiança;

Há um estatuto da prisão na Constituição Federal, que deixa claro que se trata


da ultima ratio, pautada sempre na sua necessidade. Ademais, existe no ordenamento
jurídico brasileiro tanto a prisão cautelar, que possui suas respectivas espécies, como
a prisão proveniente de condenação, também, com suas espécies.

4.2 Histórico da prisão

A prisão como se conhece atualmente não existia desde sempre nas


sociedades civilizadas. Cada período da história tratava o encarceramento de uma
maneira diversa da que a de hoje em dia.
Analisando primeiramente o período da antiguidade, pode-se se apegar à lição
de Bitencourt (2017, p. 42):
32

A antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente


considerada como sanção penal. Embora seja inegável que o
encarceramento de delinquentes existiu desde tempos imemoráveis, não
tinha caráter de pena e repousava em outras razões. Até fins do século XVIII
a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda de réus, para
preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados.
Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena
de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.

Nota-se que, nos primórdios da civilização, não se tinha a ideia de que a


privação da liberdade serviria como punição pelos atos cometidos pelo povo. O fim da
prisão naquele período era simplesmente de custodiar o agente temporariamente, até
que este fosse julgado.
Bitencourt (2011) leciona que a partir da queda do Império Romano, se inicia
no mundo um novo período histórico: a Idade Média. Neste período, a prisão continua
tendo um caráter meramente custodial, não existindo ainda a figura da reclusão como
pena por um delito. O que difere a Idade Média do período da Antiguidade é que agora
surgem dois modelos de prisão: a prisão de Estado e a prisão eclesiástica.
A prisão de Estado era destinada a acolher os inimigos do poder senhorial, ou
do poder real, que tivessem traído o governo, ou ainda para acolher os adversários
políticos dos mandatários. Essa detenção poderia tanto ser provisória, enquanto não
se fazia o julgamento dos inimigos, como temporal, onde o preso permanecia nesta
condição até que recebesse o perdão real.
Já a prisão eclesiástica, era destinada aos religiosos que se rebelavam com o
poder da Igreja, e tinha um sentido de meditação e penitência, visando que com o
tempo de oração e penitência, se arrependessem do pecado cometido e se
corrigissem.
Dentre esses dois modelos de prisão, a eclesiástica era a mais humana. Porém,
ainda assim, era muito diferente das prisões que se vê hoje em dia, já que foi através
da Igreja, por exemplo, que surgiram as prisões subterrâneas, de onde geralmente
não se saia com vida.
O direito canônico, aliás, teve grande importância para o surgimento da prisão
moderna, pois advém de seus artigos as ideias iniciais sobre a reforma do delinquente.
Bitencourt (2011, p. 35) ensina que “precisamente do vocábulo ‘penitência’, de estreita
vinculação com o direito canônico, surgiram as palavras ‘penitenciário’ e
penitenciária’”. Reforça-se: há um imenso abismo entre a prisão canônica e a prisão
33

moderna. Estas não são equiparáveis. Porém, alguns dos ensinamentos da primeira,
compõem a prisão que se pratica nos dias de hoje.
A partir do século XVIII, já na Idade Moderna, os conceitos de punição utilizados
até então, notadamente a pena de morte, já se encontravam no seu limite. Inicia-se,
então, uma guinada da prisão como pena:

A pena privativa de liberdade – assinala – não tem uma longa história [...]. Na
segunda metade do século XVIII, o arco da pena de morte estava
excessivamente tenso. Não tinha contido o aumento dos delitos nem o
agravamento das tensões sociais, nem tampouco havia garantido a
segurança das classes superiores. O pelourinho fracassava frequentemente
em se tratando de delitos leves ou de casos dignos de graça, uma vez que a
publicidade da execução dava lugar mais à compaixão e à simpatia do que
ao horror. O desterro das cidades e as penas corporais tinham contribuído
para o desenvolvimento de um banditismo sumamente perigoso, que se
estendia com impetuosa rapidez quando as guerras e as revoluções haviam
desacreditado e paralisado os velhos poderes. A pena privativa de liberdade
foi a nova grande invenção social, intimidando sempre, corrigindo amiúde,
que devia fazer retroceder o delito, quiçá, derrota-lo, no mínimo, cerca-lo
entre muros. A crise da pena de morte encontrou aí o seu fim, porque um
método melhor e mais eficaz ocupava o seu lugar, com exceção de alguns
poucos casos mais graves. (Von Hentig, apud Bitencourt, 2011, p. 49)

Percebe-se que era necessário, urgentemente, um novo modelo para conter o


avanço do número de pequenos delinquentes na Europa, desencadeado pela pobreza
que só aumentava, bem como pela ineficiência das punições utilizadas até então.
A prisão como pena se mostrou como forte alternativa, uma vez que desde o
início do século XV, a ideia de vergonha começava a ecoar naquela sociedade. O mal,
para eles, não se castigava, se não fosse exposto a todos, tornando a prisão-pena
ainda mais eficaz que a pena de morte na tentativa de coibir que outros praticassem
as mesmas infrações.
Importante citar a afirmação de Beccaria, que, em 1764, publicou o livro Dos
Delitos e das Penas, trazendo a ideia de pena, levando-se em conta o contrato social,
de Rousseau, já que a pena é devida a quem descumprir a lei social, imposta
exatamente para assegurar a sobrevivência da sociedade. Beccaria (1764, p. 46)
defende que a pena deve ter um fim útil e humanitário, como se analisa neste
fragmento:

O fim, pois, não é outro que impedir o réu de causar novos danos a seus
cidadãos e afastar os demais do cometimento de outros iguais.
Consequentemente, devem ser escolhidas aquelas penas e aquele método
de impô-las, que, respeitada a proporção, causem uma impressão mais eficaz
34

e mais durável sobre o ânimo dos homens e que seja a menos dolorosa para
o corpo do réu.

Beccaria é um dos primeiros defensores da ideia de que é melhor prevenir


delitos que castigá-los. Embora considere que a prevenção geral é o fim principal da
pena, não aceita que seja atribuído um caráter aflitivo àquela. A pena deve buscar a
recuperação do infrator, não se admitindo, assim, a aplicação da prisão por pura
vingança, pois esta não pode ser fundamento do jus puniendi.
Na história da aplicação da prisão no mundo, vários sistemas foram adotados.
Lenza (2012a, p. 460) aponta como os mais relevantes sistemas de aplicação da pena
os seguintes:

a) sistema da Filadélfia ou solitary system, adotado em 1775 na prisão de


Walnut Street Jail, caracterizado pelo isolamento do preso em sua cela,
a fim de que pudesse refletir e se arrepender por seus atos, sem contato
com outros presos; b) sistema de Auburn, adotado em 1816 no Estado
de Nova York — EUA, em que o preso permanecia isolado em sua cela
durante a noite e trabalhava em silêncio na companhia de outros presos
durante o dia; c) sistema progressivo inglês, em que a pena era cumprida
em diversos estágios, havendo progressão de um regime inicial mais
rigoroso para outras fases mais brandas, de acordo com os méritos do
condenado e com o cumprimento de determinado tempo da pena.

O sistema progressivo é o que se aplica, hoje, no Brasil, conforme a redação


do art. 33, § 2º, do CP, que estabelece que “a pena deverá ser executada de forma
progressiva, de acordo com os méritos do condenado, passando de um regime mais
gravoso para outros menos rigorosos, sempre que cumpridas as exigências legais. ”
O STF, durante um julgamento do Habeas Corpus 82.959, em 2016, entendeu
inconstitucional o dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que proibia a progressão
de regime nos crimes hediondos e equiparados, tráfico de drogas, terrorismo e tortura,
por ferir os princípios da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana.

4.3 A prisão penal e processual

A legislação penal brasileira prevê duas espécies de prisão: a prisão-sanção,


proveniente de uma pena imposta, e a prisão sem o caráter de pena, com caráter
cautelar, também, denominada de prisão processual.
Para se alcançar os objetivos deste trabalho, é mister que se conheça sobre as
prisões. Se discorrerá sobre ambas nos próximos tópicos.
35

4.3.1 A prisão-pena

A prisão penal propriamente dita é a que resulta na aplicação do jus puniendi


pelo Estado-juiz ao reconhecer a culpa do acusado pela prática delituosa. Em suma,
é a prisão que representa a resposta pelo mal praticado pelo réu. Como se discorreu,
anteriormente, constituiu-se em objeto deste trabalho saber se o cumprimento desta
pena antes do trânsito em julgado da sentença representa ofensa à Constituição
Federal.
O Código Penal prevê três espécies de pena, quais sejam, privativa de
liberdade, restritiva de direitos e multa. A prisão-pena é aquela aplicada a quem for
reconhecidamente culpado por ter cometido um ilícito penal. Diz-se que é a punição
imposta pelo Estado, visando a reintegrar a ordem jurídica ofendida. Além de servir
como uma espécie de retribuição pelo mal cometido, a prisão-pena também atua na
sociedade como um instrumento de intimidação a todos, visando a prevenir o
cometimento de novos delitos. Em outras palavras, tem caráter retributivo e
preventivo, a par da finalidade ressocializadora:

O nosso Código Penal, por intermédio de seu art. 59, prevê que as penas
devem ser necessárias e suficientes à reprovação e prevenção do crime.
Assim, de acordo com nossa legislação penal, entendemos que a pena deve
reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como
prevenir futuras infrações penais. As teorias tidas como absolutas advogam
a tese da retribuição, sendo que as teorias relativas apregoam a prevenção.
Na reprovação, segundo a teoria absoluta, reside o caráter retributivo da
pena. (Grego, 2015, p. 537)

A pena privativa de liberdade, ainda, tem mais uma classificação. Divide-se em


reclusão e detenção, à vista da gravidade do delito, do quantum da pena prevista em
abstrato pelo legislador penal. Sobre a pena de reclusão, tem-se que,

Das privativas de liberdade, a pena de reclusão é a mais severa e, por isso


mesmo, cominada aos delitos mais graves. Ela deve ser cumprida em regime
fechado, semiaberto ou aberto. Regime fechado é aquele em que a execução
da pena se faz em estabelecimento de segurança máxima ou média. Quando
a execução se faz em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar,
diz-se semiaberto o regime. Aberto, quando se faz a execução em casa de
albergado ou estabelecimento adequado. (Tourinho Filho, 2013, p. 441)

A reprimenda de detenção, geralmente, dedicada a crimes com menor


potencialidade, somente poderá ser cumprida nos regimes semiaberto ou aberto. No
36

regime aberto, por exemplo, o condenado trabalhará fora do estabelecimento, sendo


recolhido novamente no período noturno. Vale ressaltar que o art. 117 da LEP traz
algumas hipóteses que permitem o condenado no regime aberto a cumprir a pena em
sua residência: quando é maior de 70 anos, for acometido por doença grave, se a
condenada tiver filho menor ou deficiente, e, ainda, se for gestante.
Embora, na teoria, a prisão-pena vise à ressocialização do indivíduo, o que se
percebe hoje é um total desrespeito à Lei de Execuções Penais (LEP), por parte do
próprio Estado. Sobre isso, cabe a leitura de parte do voto do Des. Amilton Bueno de
Carvalho, do Tribunal de Justiça do RS, como relator na apelação criminal nº
70.029.175.668:

Aqui o Estado inibe, no viés constitucional, como direito e garantia


fundamental, penas cruéis (art. 5, XLVII, “e”); “a pena será cumprida em
estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o
sexo do apenado” (XLVIII); “é assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral” (XLIX); “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento
desumano e degradante” (III). Na suma, a Lei Maior estabelece – diferente
não poderia ser neste estágio civilizatório – o princípio da humanidade das
penas! Ao aterrissar o comando constitucional, a Lei de Execução Penal
define explicitamente, nos artigos 82 a 95, as condições objetivas das
unidades prisionais. Já nos artigos 40 a 43, fixa os direitos dos apenados.
Assim, vê-se, com obviedade, que o Estado deve punir aquele que agride a
lei penal e, numa outra ponta, deve cumprir rigorosamente com as normas
estabelecidas para o cumprimento das penas que ele impõe. Ou seja, a
legalidade tem dois vieses: um que determina a prisão (contra o cidadão) e
outro que protege o apenado. Tanto é assim que a própria LEP estabelece o
incidente do “excesso ou desvio” da execução para as situações em que
“algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas
legais ou regulamentares” (art. 185). Todavia, tem acontecido – máxime no
Estado Gaúcho – verdadeira autofagia sistêmica: com base na lei se
condenam pessoas a pena de prisão (para prejudicar) mas no momento em
que se deve beneficiá-las (condições prisionais), nega-se a legalidade. Algo
intolerável, beirando a hipocrisia. Todos, absolutamente todos, sabemos que
o Estado é violador dos direitos da população carcerária. Todos,
absolutamente todos, sabemos das condições prisionais. E mesmo assim
confirmamos o sofrimento gótico que alcança os apenados. Nos últimos
tempos tudo é desvelado pela imprensa: juiz da execução penal, às lágrimas,
denuncia que tem vergonha de ser gaúcho, ante o que acontece nos
presídios; tentativa de responsabilização de juízes e promotores pelas
condições prisionais; os presídios gaúchos estão como os piores da nação
– o pior entre os piores do mundo! A dor é tão antiga, tão denunciada, tão
presenciada, tão acomodada, tão escamoteada, que é de pasmar que nunca
tenha sido superada – e tudo aponta no sentido de que nunca será. E aqui a
Câmara faz “mea culpa” por ter sido conivente com o sistema prisional. É
momento (tardio, talvez) de dar um basta. Ou seja, de se cumprir
integralmente a legalidade (não apenas naquilo que prejudica o cidadão). Não
se trata de se pregar anomia, mas sim de cumprir com a lei. Há, repito,
contradição insuportável em se condenar alguém com base na lei e, depois,
negá-la no momento da execução da pena! (Apelação Crime Nº
70029175668, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 15/04/2009)
37

Nota-se, neste trecho de jurisprudência, que o próprio Poder Judiciário tem


noção das condições ilegais e inconstitucionais em que estão as penitenciárias e as
cadeias do país.
Inúmeros doutrinadores criticam duramente a execução penal no Brasil, como,
por exemplo, Cézar Roberto Bitencourt, escritor do livro Falência da Pena de Prisão,
e Tourinho Filho, que, em seu livro de Processo Penal, traz inúmeras alusões a artigos
da LEP, que são desrespeitados pelo sistema penitenciário nacional, como o art. 84.
Este dispositivo determina que “o preso primário cumprirá pena em seção distinta
daquela reservada para os reincidentes”, ou, ainda, o art. 88, que dispõe que “o
condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário
e lavatório”, ambos, raramente, são observados nos estabelecimentos espalhados
pelo país.

4.3.2 A prisão processual

Antes da prolação da sentença penal, poderá ocorrer a prisão do indivíduo, em


alguns casos particulares. No ordenamento jurídico pátrio, existem vários exemplos
dessa espécie de prisão provisória. Pode-se citar, como exemplo, a prisão cautelar da
Lei 6.815/80 (Estatuto dos Estrangeiros), a prisão cautelar constitucional do art. 139,
II, b, da CF/88 e, no âmbito do processo penal, as prisões cautelares: prisão em
flagrante, prisão preventiva e a temporária.

4.4 As prisões cautelares

Considerando as prisões cautelares, existem três espécies: a prisão em


flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária. Importante ressaltar que essas
modalidades de prisão não trazem a ideia de pena, o que seria ilegal, mas sim, a ideia
de persecução penal, de forma a garantir a efetividade da justiça. Nucci (2018)
exemplifica estas modalidades na forma a seguir exposta.

4.4.1 Prisão temporária

A primeira é a prisão temporária, que busca assegurar o êxito da investigação


policial, sem possíveis dificuldades, que seriam verificadas com o investigado solto. À
38

autoridade judiciária, deve-se demonstrar que é imprescindível se valer dessa


modalidade de segregação para que a investigação possa ocorrer, associado ao fato
de o investigado estar, por fundadas razões, supostamente envolvido em crimes
graves e, ainda, não possuir residência fixa ou não fornecer elementos necessários à
sua identificação.
À prisão temporária é dedicada atenção especial na legislação brasileira,
possuindo lei própria para tratar do tema. A matéria se transformou na Lei 7.960/89, a
partir da Medida Provisória nº 111, de 1989. Esse Diploma Legal traz, no seu art. 2º,
a determinação de que o prazo da prisão temporária é de cinco dias, igualmente,
prorrogável nos casos de extrema e comprovada necessidade. Decorrido este prazo,
deve ser solto o indivíduo imediatamente pela autoridade judiciária, sob pena de
incorrer em abuso de autoridade. Observe-se que, quando se trata de crime hediondo,
o prazo é de 30 dias, prorrogável, justificadamente, por igual período.
Este entendimento se mostra consolidado nos tribunais, como percebe-se em
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE


DROGAS. PRISÃO TEMPORÁRIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA
LEI 7.960/1989. 1. Esta Corte Superior de Justiça, em conformidade com
os preceitos da Lei n. 7.960/1989, tem reiteradamente decidido ser possível
a decretação da prisão temporária, tendo em vista a imprescindibilidade das
investigações policiais. 2. O decreto de prisão temporária evidenciou a
imprescindibilidade da constrição para o prosseguimento das investigações,
tendo em vista a delação apontada pelo investigado quando de sua prisão
em flagrante, segundo o qual os 15,5kg de cocaína e mais de 7,675kg de
crack pertenceriam ao paciente, que, a propósito, já registra condenação
por crime de tráfico de entorpecentes. Desta forma, demonstrada a
necessidade da prisão para a colheita do material fático-probatório a fim de
elucidar o crime versado nos autos em toda sua extensão, bem como a
existência de elementos indiciários de autoria ou de participação do
paciente no crime de tráfico, o que autoriza a decretação da prisão
temporária nos termos do art. 1º, incisos I e III, n, da Lei n. 7.960/1989. 3.
Ordem denegada. (STJ - HC: 388819 SP 2017/0034428-8, Relator: Ministro
ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 01/06/2017)

Cumpre ressaltar que a lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, ordena
em seu art. 2º, § 4º, que a prisão temporária nos casos de crimes hediondos tem prazo
de 30 dias, igualmente prorrogável nos casos de extrema e comprovada necessidade.
Esta medida reforça que o Estado procura julgar e punir de forma mais enfática aquele
que for surpreendido cometendo crime considerado grave.
39

4.4.2 Prisão em flagrante

Outra modalidade é a prisão em flagrante, realizada no instante em que se vê


o indivíduo praticando ou terminando de praticar a infração penal. Essa hipótese está
prevista na CF/88, no inciso LXI, do art. 5º, sem ser necessária a ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente.
Necessário que se diga que, tendo a prisão em flagrante ocorrido, auto de
prisão em flagrante deve ser lavrado e encaminhado a autoridade judiciária
competente, que precisará dar uma solução ao caso no prazo de 24 horas. Se o preso
permanecer nesta condição por tempo maior que o previsto no §1º, do art. 306, do
CPP, a prisão se torna ilegal. Sobre isso, a jurisprudência do STJ se manifesta da
seguinte forma:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE ARMA.


PEDIDO DE SUPERAÇÃO DA SÚMULA N. 691 DO STF. TERATOLOGIA.
PRISÃO EM FLAGRANTE POR MAIS DE 24 HORAS. DEMORA NA
REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. ILEGALIDADE
CARACTERIZADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Permite-se a superação da
Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal quando, a um primeiro olhar,
constatar-se flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente. 2.
No caso dos autos, o investigado foi preso em 13/12/2018 e permaneceu
custodiado unicamente em função do flagrante até o cumprimento da decisão
que deferiu o pedido liminar. 3. Considerando que a prisão em flagrante se
caracteriza pela precariedade, de modo a não se permitir a sua subsistência
por tantos dias sem a homologação judicial e a convolação em prisão
preventiva, identifico manifesta ilegalidade na omissão apontada, a permitir a
inauguração antecipada da competência constitucional deste Tribunal
Superior. 4. Ordem concedida para, confirmada a liminar, relaxar a prisão em
flagrante do autuado, sem prejuízo da possibilidade de decretação da prisão
preventiva, se concretamente demonstrada sua necessidade cautelar, ou de
imposição de medida alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.
Determinada, ainda, comunicação ao CNJ. (STJ - HC: 485355 CE
2018/0340228-9. Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ. Data de
Julgamento: 10/03/2010)

Recebido o auto de prisão em flagrante, o juízo tem três possibilidades: Se


ilegal a prisão, deve-se relaxá-la imediatamente; se presentes os requisitos do art. 312
do CPP, deve-se converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, se não forem
aplicáveis as medidas cautelares do art. 319 do CPP; ou conceder a liberdade
provisória, com ou sem fiança.
O magistrado, com o advento da lei 12.403/11, não pode mais simplesmente
manter a prisão em flagrante, mas sim, deve aplicar uma das três hipóteses ao
indivíduo preso.
40

4.4.3 Prisão preventiva

A prisão preventiva, das prisões cautelares, é a que mais leva em consideração


o conceito de ultima ratio do Direito Penal. Somente deverá ser utilizada quando
nenhuma outra forma substitutiva da prisão for cabível, com a imprescindibilidade de
garantir a eficácia de futuro provimento jurisdicional, cuja demora possa comprometer
sua efetividade, tornando-se inútil. Possui pressupostos que devem ser atendidos:
necessidade, urgência e insuficiência de qualquer medida menos drástica, dentre as
previstas no art. 319 do CPP.
Também, é pacifico na jurisprudência a aplicação desse entendimento, como
pode-se perceber no STJ:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA.


PRESENTES OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA PRISÃO
PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA
DA CONDUTA. QUANTIDADE EXPRESSIVA DE DROGA. MEDIDAS
CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA. ORDEM
DENEGADA. 1. A decretação da custódia cautelar encontra-se
suficientemente fundamentada, em face das circunstâncias do caso, que,
pelas características delineadas, retratam, in concreto, a necessidade da
medida para a garantia da ordem pública, mormente em virtude da
quantidade de drogas apreendidas e apetrechos normalmente utilizados na
prático do tráfico. 2. Os fundamentos da decisão que decretou a prisão
preventiva não se mostram desarrazoados ou ilegais, considerando-se,
sobretudo, as circunstâncias da prática delitiva e a grande quantidade de
droga envolvida, qual seja, "1 (um) tijolo de maconha, com peso de 868
gramas, 3 (três) pinos de cocaína, balança de precisão, diversas
embalagens para acondicionamento de tóxicos, além de 1 (uma) pistola
calibre 380 e 9 (nove) munições intactas" (fl. 30), o que, nos termos da
jurisprudência desta Corte, é motivo apto a justificar a segregação cautelar
como garantia da ordem pública. 3. De fato, consoante pacífico
entendimento desta Corte Superior, "a quantidade, a natureza ou a
diversidade dos entorpecentes apreendidos podem servir de fundamento ao
decreto de prisão preventiva" (RHC 102.733/MG, Rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 11/10/2018). 4. A
existência de condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons
antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, não é apta a desconstituir
a prisão processual, caso estejam presentes os requisitos de ordem objetiva
e subjetiva que autorizem a imposição da medida extrema, como verificado
na hipótese. 5. Ordem denegada. (STJ - HC: 480320 SP 2018/0311098-7,
Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 07/02/2019)

Com isso, nota-se que somente é possível a prisão preventiva se cumpridos


pelo menos três requisitos: prova da existência/materialidade do crime, que seria a
prova de que o ilícito realmente foi perpetrado. Se há dúvidas, não se pode aplicar a
preventiva; indício suficiente de autoria, que, nesse caso, não se pode confundir com
prova plena da culpa, mas apenas a suspeita fundada de que o investigado é o autor
41

da infração penal; e pelo menos uma das situações descritas no art. 312 do CPP
(garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal,
ou da aplicação da lei penal).

4.5 A prisão cautelar e o princípio da presunção de inocência

Como já visto, o princípio da presunção de inocência, insculpido na CF/88,


preceitua que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória. Dessa forma, faz-se necessária a análise sobre a
aplicação ou não do referido princípio nas prisões cautelares.
Há algum tempo, já é pacífico nos tribunais superiores que as prisões
cautelares não ferem em nada o princípio constitucional da presunção de inocência,
pois não se trata de aplicação da pena, o que só é permitido após a condenação.
Sobre isso, vale trazer a jurisprudência que pacificou este entendimento, da lavra do
Ministro Celso de Mello, na relatoria do HC 67.707/RS, na Primeira Turma do STF:

A prisão cautelar – que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad


poenam”) – não objetiva infligir punição à pessoa que a sofre. Não traduz, em
face da finalidade a que se destina, qualquer ideia de sanção. Constitui
instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no
processo penal” (Basileu Garcia, “Comentários ao Código de Processo
Penal”, vol. III/7, item 1, 1945, Forense). Por isso mesmo, a prisão cautelar –
que não envolve antecipação satisfativa da pretensão executória do Estado
– revela-se compatível com o princípio constitucional da não-culpabilidade.
Tanto que, como já salientado, a própria Constituição possibilita a prisão em
flagrante ou aquelas decorrentes de ordem, escrita e fundamentada, de
autoridade judiciária competente, nos termos da lei. A regra da não
culpabilidade - não obstante o seu relevo - não afetou nem suprimiu a
decretabilidade das diversas espécies que assume a prisão cautelar em
nosso direito positivo. O instituto da tutela cautelar penal, que não veicula
qualquer ideia de sanção, revela-se compatível com o princípio da não
culpabilidade. (STF - HC: 67707 RS, Relator: CELSO DE MELLO, Data de
Julgamento: 07/11/1989)

Pode-se concluir, então, que, por não ser considerada uma sanção, mas
apenas um modo de se conduzir melhor o processo penal, as prisões cautelares não
ferem o princípio da presunção de inocência, desde que sejam observados os
pressupostos legais e, principalmente, que se avalie sobre sua necessidade, já que a
regra é a liberdade do indivíduo.
42

Sendo assim, toda prisão cautelar imposta ao agente, sem a fundamentação


legal dos pressupostos, pode ser interpretada como antecipação da pena, afrontando,
expressamente, a presunção de inocência, sendo este o entendimento pacífico.
43

5 INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO APÓS DECISÃO DE SEGUNDA


INSTÂNCIA

Neste capítulo, adentrar-se-á na temática proposta no título deste trabalho, qual


seja, sobre a inconstitucionalidade da prisão após a condenação em segunda
instância. É, realmente, constitucional a prisão sem o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória? Para esta resposta, se faz necessário conhecer a trajetória
histórica do tema no STF, qual o entendimento atual daquela Corte e como os textos
legais tratam o assunto no ordenamento jurídico pátrio.

5.1 Visão histórica do Supremo Tribunal Federal

Durante a vigência da Constituição de 1967, a prisão antes da condenação


transitar em julgado era a prática comum. Após a promulgação da Constituição
Cidadã, no ano de 1988, os Tribunais Superiores precisavam se manifestar a respeito
desse tipo de prisão, já que a redação da Carta Magna ordenava que todo indivíduo
era considerado inocente, até que se transitasse em julgado a sentença penal
condenatória, ou seja, sem mais recurso algum a interpor.
A primeira discussão sobre a temática surgiu no STF, no ano de 1991, somente
3 anos após o início da vigência da nova Constituição. Talvez, por influência do
pensamento aplicado até então, os ministros relativizaram o novo ensinamento
constitucional e proferiram o seguinte acórdão:

Habeas corpus - O Plenário desta Corte, ao julgar, em 28.6.91, o HC 68.726,


de que foi relator o Sr. Ministro Néri da Silveira, decidiu, por unanimidade
de votos, que não ofende o princípio do artigo 5º, inciso LVII, da
Constituição Federal a prisão do réu condenado, embora ainda sem ter
transitado em julgado a decisão condenatória, razão por que, aliás, é
perfeitamente compatível com o citado dispositivo constitucional a norma
do §2º do artigo 27 da Lei 8038/90 que determina que os recursos
extraordinário e especial serão recebidos no "efeito devolutivo". Habeas
corpus indeferido. (STF - HC: 68841 SP, Relator: MOREIRA ALVES, Data
de Julgamento: 24/09/1991)

Dessa forma, o Tribunal entendeu que, mesmo o indivíduo sendo considerado


inocente, segundo a nova Constituição, deveria cumprir a pena como se condenado
estivesse. Infelizmente, este entendimento permaneceu em vigor por muitos anos no
Tribunal, como mostra a análise da jurisprudência trazida por Lenza (2018, p. 1177),
44

como por exemplo, o HC 69.964 (j. 18.12.1992), HC 72.366 (j. 13.09.1995), HC 73.968
(j. 14.05.1996), HC 74.983 (j. 30.06.1997), entre outros. Tais precedentes foram
suficientes para a edição de duas súmulas vinculantes:

SÚMULA 716
Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação
imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória.
SÚMULA 717
Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em
sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão
especial.

Porém, no ano de 2009, o Ministro Eros Grau reviu, em sede de relatoria, o


posicionamento inconstitucional que vigorava até então. Por 7 votos a 4, decidiu-se
que a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da
sentença penal condenatória era inconstitucional, já que desrespeitava o inciso LVII,
do art. 5º, da CF/88. Faz-se muito importante conhecer os argumentos do relator do
HC em questão, o 84.078 MG:

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA


“EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o]
recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo
recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para
a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução
da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença
condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso
LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n.
7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se,
temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes
do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título
cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito.
Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza
extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do
recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa,
caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o
direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição
dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar,
sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o
sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na
realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está
querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente”. 6. A
antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da
Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos
magistrados ---não do processo penal. A prestigiar-se o princípio
constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por
recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos,
além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como
45

incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou


mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor
operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse
preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida
a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução
de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por
responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime
funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o
STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do
disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --
disse o relator -- “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em
tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem
que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de
qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das
diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por
unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei
estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a
impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade
anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente
prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da
propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade,
mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a
ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas
democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa
qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas,
inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua
dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua
exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias,
as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar
plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual.
Ordem concedida. (STF - HC: 84.078 MG, Relator: EROS GRAU, Data de
Julgamento: 05/02/2009)

Apresenta-se de forma deveras interessante a forma como o relator argumenta


a favor da inconstitucionalidade de qualquer penalização antes de concluído o
processo penal, em todas as suas nuances e possibilidades. Ademais, como afirmar
ser inocente, como manda o texto constitucional, o indivíduo que ainda não teve sua
sentença incontestável, mas já cumpre a pena como se condenado fosse? É
inconcebível que se entenda possível a aplicação de sanção àquele que,
constitucionalmente, é considerado inocente.
Por vários anos, a jurisprudência continuou com esse entendimento. É tanto
que, no ano de 2011, a presidente da República sancionou a lei 12.403/11, que alterou
dispositivos do CPP. Dentre as mudanças, está a alteração do art. 283, que passa a
ter a seguinte redação:

Art. 283 - Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência
de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação
ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
46

Tal dispositivo legal reafirma o texto constitucional, uma vez que deixa clara a
ilegalidade de conduzir à prisão, aquele que ainda não teve sua culpa comprovada e,
portanto, se presume inocente, por força do verbete constitucional.

5.2 Entendimento atual da Corte Suprema

O posicionamento constitucional proferido no voto do Ministro Eros Grau


vigorou por vários anos. Porém, em 17 de fevereiro de 2016, o STF, pelo placar de 7
a 4, mudou a interpretação majoritária que existia até aquele momento, denegando o
HC 126.292/SP:

HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE


INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA
CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO.
EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de
acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que
sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio
constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII
da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado. (STF - HC: 126292
SP, Relator: Teori Zavascki, Data de Julgamento: 17/02/2016)

Faz-se necessária a atenta dissertação de alguns dos votos dos eminentes


ministros, quando da decisão de mudar radicalmente o entendimento do Tribunal. O
relator do HC foi o Ministro Teori Zavascki, que iniciou o seu voto argumentando que,
mesmo sem a regra de cabimento ter sido cumprida pelo impetrante, iria conhecer o
HC, pelo fato de o caso ser excepcional, já que ia de encontro à jurisprudência
dominante do Tribunal, que era pela inconstitucionalidade da prisão sem o trânsito em
julgado. Argumentou, também, que a execução de sentença deve ser fruto de uma
reflexão entre o alcance do princípio da presunção de inocência, mas, também, com
a busca da efetiva função jurisdicional penal, atendendo à sociedade, e não só ao
acusado.
Para o relator, é possível a relativização da presunção de inocência após
acórdão do Tribunal de apelação, uma vez que o exame das provas e fatos do crime
só podem ser discutidos até ali. Os tribunais superiores não mais reexaminam provas
e fatos, mas apenas matéria de direito. Ali é cumprido o duplo grau de jurisdição. Frisa,
também, que, em nenhum outro país no mundo, a execução fica suspensa
aguardando referendo da Corte Suprema. No voto, o relator, ainda, afirma que é
frequente que a pretensão punitiva do Estado fique prejudicada, dada a quantidade
47

de recursos possíveis a serem impetrados nos tribunais superiores, o que posterga o


trânsito em julgado, culminando na prescrição da pretensão punitiva.
Com o respeito devido ao Ministro relator e aos 6 ministros que acompanharam
o seu voto, é possível verificar que vários pontos alegados não procedem. Claro que
as alegações e argumentos do eminente Ministro têm respaldo no clamor popular,
pela questão da necessidade de uma resposta rápida da justiça, diminuindo a
sensação de impunidade.
Porém, simplesmente, interpretar sem cuidar das normas positivadas para
atingir os objetivos temporais do clamor social é abrir um precedente terrível para um
Estado democrático de direito. Em breve, será possível questionar ser, ainda,
necessário que tenhamos um ordenamento jurídico escrito. Não se saberá mais o que
seguir: se o que a lei escrita determina ou se o que o STF afirmou. Se, realmente, se
quer dar respaldo ao clamor popular atual, então, que se mude a legislação, pelos
meios legais admitidos para isso. Os congressistas foram eleitos pela população, e
são os responsáveis por fazer as alterações na legislação.
Inadmissível a prisão sem o trânsito em julgado, quando o art. 283 do CPP é
claro ao dizer que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de
sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. A ilegalidade se torna
flagrante nessas situações. O próprio STF poderia pôr fim a esta celeuma, ao pautar
o julgamento das ADCs 43 e 44, declarando se é constitucional ou não este artigo. A
segurança jurídica pede que, enquanto essa mudança não ocorra, se respeite a lei, e
a cumpra.
No julgamento deste HC, quatro ministros se manifestaram contra o
posicionamento defendido pelos demais membros do pleno. Foram eles, os ministros
Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
A ministra Rosa Weber foi enfática sobre o motivo que a levou a divergir do
colega relator: “Penso que o princípio da segurança jurídica, sobretudo quando esta
Suprema Corte enfrenta questões constitucionais, é muito caro à sociedade, e há de
ser prestigiado. ” É flagrante a preocupação quanto à segurança jurídica. Não é pura
e simplesmente por achar que as normas são imutáveis, ou que o direito não deve
evoluir junto com o avanço do pensamento social, mas é inegável que a interpretação
48

inversa ao que defende a legislação positivada traz um risco incomensurável à


segurança jurídica.
O voto do ministro Marco Aurélio é um dos mais claros quanto à questão da
segurança jurídica, do acesso ao judiciário, e da limitação de interpretação de normas
legais. Vale citar trechos do voto do eminente Ministro:

Presidente, não vejo uma tarde feliz, em termos jurisdicionais, na vida deste
Tribunal, na vida do Supremo [...]. Esses dois pronunciamentos esvaziam o
modelo garantista, decorrente da Carta de 1988. Carta – não me canso de
dizer – que veio a tratar dos direitos sociais antes de versar, como fizeram as
anteriores, a estrutura do Estado. Carta apontada como cidadã por Ulisses
Guimarães, um grande político do Estado-país, que é São Paulo, dentro do
próprio País. Tenho dúvidas, se, mantido esse rumo, quanto à leitura da
Constituição pelo Supremo, poderá continuar a ser tida como Carta cidadã.
Reconheço, mais, que a Justiça é morosa, que o Estado, em termos de
persecução criminal, é moroso. Reconheço, ainda, que, no campo do Direito
Penal, o tempo é precioso, e o é para o Estado-acusador e para o próprio
acusado, implicando a prescrição da pretensão punitiva, muito embora
existam diversos fatores interruptivos do prazo prescricional. Reconheço que
a época é de crise. Crise maior. Mas justamente, em quadra de crise maior,
é que devem ser guardados parâmetros, princípios e valores, não se gerando
instabilidade, porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo
surpreendida [...]. Porque, no rol principal das garantias constitucionais da
Constituição de 1988, tem-se, em bom vernáculo, que "ninguém será
considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória".
O preceito, a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima, em
termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual, onde o
texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a
norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de vingar o princípio
da autocontenção. Já disse, nesta bancada, que, quando avançamos,
extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como que se lança
um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa. Considerado o
campo patrimonial, a execução provisória pode inclusive ser afastada,
quando o recurso é recebido não só no efeito devolutivo, como também no
suspensivo. Pressuposto da execução provisória é a possibilidade de retorno
ao estágio anterior, uma vez reformado o título. Indaga-se: perdida a
liberdade, vindo o título condenatório e provisório – porque ainda sujeito a
modificação por meio de recurso – a ser alterado, transmudando-se
condenação em absolvição, a liberdade será devolvida ao cidadão? Àquele
que surge como inocente? A resposta, Presidente, é negativa [...]. Peço vênia
para me manter fiel a essa linha de pensar sobre o alcance da Carta de 1988
e emprestar algum significado ao princípio da não culpabilidade. Qual é esse
significado, senão evitar que se execute, invertendo-se a ordem natural das
coisas – que direciona a apurar para, selada a culpa, prender –, uma pena, a
qual não é, ainda, definitiva. [...] Acompanho, Presidente, a divergência
revelada pela ministra Rosa Weber. Implemento a ordem pleiteada na inicial
deste habeas corpus. (STF - HC: 126292 SP, Relator: Teori Zavascki, Data
de Julgamento: 17/02/2016)

O direito fica sob risco quando o poder judiciário passa a extrapolar seus limites
de interpretação do texto legal. Fica prejudicado o indivíduo, que recorre ao judiciário
na esperança de ter seu direito à liberdade de locomoção garantido, como defende o
49

texto constitucional expressamente. O ministro Celso de Mello, proferindo seu voto no


HC em questão, afirmou que,

Quando esta Suprema Corte, apoiando-se na presunção de inocência, afasta


a possibilidade de Execução antecipada da condenação criminal, nada mais
faz, em tais julgamentos, senão dar ênfase e conferir amparo a um direito
fundamental que assiste a qualquer cidadão: o direito de ser presumido
inocente até que sobrevenha condenação penal irrecorrível. Tenho para mim
que essa incompreensível repulsa à presunção de inocência, Senhor
Presidente, com todas as gravíssimas consequências daí resultantes,
mergulha suas raízes em uma visão absolutamente incompatível com os
padrões do regime democrático. Acho importante acentuar que a presunção
de inocência não se esvazia progressivamente, à medida em que se sucedem
os graus de jurisdição. Isso significa, portanto, que, mesmo confirmada a
condenação penal por um Tribunal de segunda instância, ainda assim
subsistirá, em favor do sentenciado, esse direito fundamental, que só deixará
de prevalecer – repita-se – com o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, como claramente estabelece, em texto inequívoco, a
Constituição da República. (STF - HC: 126292 SP, Relator: Teori Zavascki,
Data de Julgamento: 17/02/2016)

Com esse fragmento, fica demonstrado que, para o Ministro, não se acaba com
a presunção de inocência pelo simples fato de o acusado ter já sentença desfavorável
em um Tribunal de apelação. Tem coerência essa posição, já que, se realmente fosse
a intenção do constituinte que a presunção de inocência pudesse ser relativizada
dessa forma, não teria incluído de forma expressa que o fim desse princípio só se dá
após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Portanto, o Poder Judiciário não tem autorização legal para mudar a literalidade
do texto constitucional. Se assim o fizesse, não haveria mais razão de ser do
Congresso Nacional, órgão ao qual compete as inovações e as alterações legislativas
do ordenamento brasileiro. A CF/88, no seu art. 2º, afirma que “São Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. ” Dessa
forma, delimita bem qual é a função de cada um dos poderes e preza pela não invasão
da competência entre estes.

5.3 Presunção de inocência x prisão em segunda instância

Os argumentos em favor da prisão após confirmação da condenação em


segunda instância têm respaldo no clamor popular, que objetiva, em última análise,
uma resposta rápida da justiça criminal, diminuindo a sensação de impunidade.
Questiona-se, aqui, até que ponto o ativismo judicial poderá dar uma
interpretação ao texto constitucional, que implica, verdadeiramente, em uma
50

mudança, demasiadamente, substancial em seu sentido. Se, realmente, se quer dar


respaldo ao clamor popular atual, então, que se altere a legislação, pelos meios legais
admitidos para isso.
Os congressistas foram eleitos pela população e têm poder para fazer essas
alterações nas leis. Estes tanto têm consciência disso, que já propuseram Projeto de
Emenda à Constituição, a fim de alterar a redação do inciso sobre a presunção de
inocência. Trata-se da PEC 410/18, de autoria do parlamentar Alex Manente -
PPS/SP, que propõe “Alterar o inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal para
prever que ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal
condenatória em grau de recurso”. Tais atitudes só comprovam que a lei atualmente
vigente no país não permite a imposição de pena a quem, ainda, não foi declarado
culpado pelo devido processo legal.
Pode-se atrelar segurança jurídica à própria justiça e o seu valor para a
sociedade. Para que uma norma seja perfeitamente aplicada, é necessário que traga
segurança ao ordenamento pátrio. Não é possível dá-se credibilidade a um conjunto
de normas que esteja sofrendo modificações sucessivas. Alterar a aplicação das leis
conforme o entendimento de cada tribunal ou juiz seria comprometer a confiança da
população em seu sistema jurídico. Não se quer dizer, com isso, que a lei não pode
ser interpretada. A interpretação se faz necessária, até mesmo para adequar a lei às
mudanças pelas quais passa a sociedade, a sua dinâmica. Não é cabível, no entanto,
que essas mudanças interpretativas comprometam a confiança no Poder Judiciário,
na credibilidade da justiça.
Nesse sentido, importa trazer o seguinte entendimento sobre a
inconstitucionalidade da prisão após a condenação de segunda instância insculpida
na Constituição Brasileira:

Percebe-se que o texto constitucional é mais amplo, na medida em que


estende a referida presunção até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, ao passo que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Dec. 678/92, art. 8º, nº 2) o faz tão somente até a comprovação legal da
culpa. Com efeito, em virtude do texto expresso do Pacto de São José da
Costa Rica, poder-se-ia pensar que a presunção de inocência deixaria de ser
aplicada antes do trânsito em julgado, desde que já estivesse comprovada a
culpa, o que poderia ocorrer, por exemplo, com a prolação de acórdão
condenatório no julgamento de um recurso, na medida em que a mesma
Convenção Americana também assegura o direito ao duplo grau de jurisdição
(art. 8º, § 2º, “h”). A Constituição Federal, todavia, é claríssima ao estabelecer
que somente o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória
poderá afastar o estado inicial de inocência de que todos gozam. Seu caráter
51

mais amplo deve prevalecer, portanto, sobre o teor da Convenção Americana


de Direitos Humanos. De fato, a própria Convenção Americana prevê que os
direitos nela estabelecidos não poderão ser interpretados no sentido de
restringir ou limitar a aplicação de normas mais amplas que existam no direito
interno dos países signatários (art. 29, b). Em consequência, deverá sempre
prevalecer a disposição mais favorável. (Lima, 2015, p. 19)

Pode-se, então, concluir que o constituinte quis dar à presunção de inocência


um grau de importância elevado, tendo em vista a relevância social que o referido
princípio traz para toda a sociedade, de modo que esta saiba que o poder judiciário
não praticará injustiças contra o próprio povo. O ativismo judicial não poderá conferir
a esse princípio sentido ou interpretação que o legislador constituinte não albergou.
Na verdade, para além da interpretação, esta mudança radical mais se amolda à
alteração legislativa, cujo caminho a percorrer é o do parlamento, e não por
interpretação judicial propriamente dita.

.
52

6 METODOLOGIA

O presente trabalho utilizou-se do tipo de pesquisa exploratória, com método


bibliográfico, utilizando-se de livros, documentos e arquivos em geral.
Por conseguinte, o trabalho apresentado se utilizou dos dados fornecidos pela
literatura jurídica acerca do princípio da presunção de inocência, para formar uma
hipótese acerca da constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda
instância que fosse baseada em informações doutrinárias e jurisprudenciais.
O método bibliográfico é aquele que

[...] se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas


anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. Utiliza-
se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros
pesquisadores e devidamente registrados. O pesquisador trabalha a partir
das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos.
(Severino, 2016, p. 131)

A pesquisa, também, fez uso de vários livros, artigos científicos, monografias,


revistas, etc., para elaborar uma pesquisa com base concreta e respeitável, para que
se pudesse chegar a um resultado correto e baseado em fontes consideráveis. Como
ensinam Marconi e Lakatos (2016, p. 33):

Trata-se de levantamento de referências já publicadas, em forma de artigos


científicos (impressos ou virtuais), livros, teses de doutorado, dissertações de
mestrado. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com o
que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao
cientista “o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulações
de suas informações”.

Pode-se notar, assim, que há várias fontes de informação possíveis para


realizar um trabalho como este, quer sejam livros, quer sejam artigos ou, até mesmo,
recortes de internet.
Também, foi utilizada a pesquisa exploratória, definida por Gil (2017, p. 27)
como um tipo de pesquisa que tem como propósito:

[...] proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo


mais explícito ou a constituir hipóteses. Seu planejamento tende a ser
bastante flexível, pois interessa considerar os mais variados aspectos
relativos ao fato ou fenômeno estudado.

Os objetivos apresentados puderam ser atingidos com os tipos de pesquisa


53

apresentados, onde foi possível estudar e descrever o princípio da presunção de


inocência, e a inconstitucionalidade da prisão após a condenação em segunda
instância.
Por conseguinte, a metodologia se fez essencial para o desenvolvimento e
conclusão deste trabalho, de modo a facilitar o estudo e mostrar diversas opções para
a melhor elaboração do mesmo.
54

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A temática proposta neste trabalho foi sobre a legalidade e constitucionalidade


da prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, conforme o
Código de Processo Penal (CPP) e a Constituição Federal de 1988 (CF/88). Fez-se
uma análise minuciosa sobre o princípio da presunção de inocência, o instituto da
prisão, bem como a impossibilidade da privação de liberdade sem o trânsito em
julgado, vedada expressamente tanto pelo CPP, como pela Constituição Federal.
Os objetivos específicos foram: relacionar os principais dados históricos do
princípio da presunção de inocência, disposto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição
Federal, bem como no CPP, objetivo alcançado no capítulo 2 deste trabalho;
descrever o instituto da prisão no Brasil, à luz da CF/88 e do Código de Processo
Penal, o que foi apresentado no capítulo 3; apresentar a compreensão do direito
comparado sobre o tema pertinente ao princípio da presunção de inocência, objetivo
alcançado em partes do segundo capítulo deste trabalho; e discutir criticamente sobre
o referido princípio e seus novos parâmetros para a análise do tema da prisão após a
condenação em segunda instância, este tendo sido abordado no capítulo 5 deste
estudo.
O trabalho foi de enorme valia para o crescimento acadêmico, uma vez que a
produção textual trouxe novos conhecimentos, aumentando a bagagem de
informações que possivelmente estarão sendo usadas diariamente no exercício da
atividade profissional do discente. Como a temática proposta está muito em voga, foi
uma oportunidade de aprofundamento em uma das discussões jurídicas mais atuais
da sociedade, o que ajudará, certamente, na ampliação do conhecimento jurídico
deste autor.
Demonstrou-se, por meio deste trabalho, que todos os argumentos daqueles
que defendem a constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda
instância não se sustentam à luz do próprio ordenamento jurídico, uma vez que o texto
constitucional não dá margem à dúvida para interpretação diversa daquela
expressada pelo legislador constituinte. Continuar relativizando as normas
constitucionais e legais significa romper com o Estado democrático de Direito, uma
vez que se desconsideram a necessidade da segurança jurídica, bem como o princípio
da dignidade da pessoa humana, já que levar ao cárcere um cidadão, sendo cabível
recurso da sentença que o condenou, é, flagrantemente, inconstitucional. Afronta a
55

Carta Maior que rege a nação: a Constituição da República Federativa do Brasil de


1988.
As implicações que a aplicação de pena antes do trânsito em julgado traria
seriam responsáveis por superlotar, ainda mais, as prisões do país, prisões essas que
já comportam muito mais que o dobro da capacidade prevista. E, pior, a maioria
desses presos poderia ser, posteriormente, declarados inocentes, já que boa parte é
de provisórios, ou seja, não tiveram sequer sentença condenatória em primeira
instância. Durante esse período em que estão nas prisões, muitos podem vincular-se
a organizações criminosas, para garantir a sua segurança dentro das unidades
prisionais, bem como a de sua família. Mesmo que o réu seja posteriormente
considerado inocente, além de cumprir uma pena que não lhe era cabível, ainda, terá
que suportar as consequências da permanência no cárcere.
Por fim, conclui-se que é ilegal e inconstitucional a prisão após a condenação
em segunda instância, uma vez que essa só é permitida, conforme o direito positivo
brasileiro, em especial a Constituição Federal, após o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória. A literalidade do texto constitucional não permite interpretação
diversa da apresentada pelo legislador, devendo o Poder Judiciário fazer cumprir as
leis, até que o poder competente, qual seja, o legislativo, altere as normas atualmente
vigentes.
56

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores,
2008.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. J.Cretella Jr. e Agnes Cretella.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1997.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas


– 4. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas


– 5. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.

BRASIL, DECRETO Nº 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992, Promulga a


Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
de 22 de novembro de 1969. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 21 mar.
2019.

BRASIL, DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940, Código Penal.


Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
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BRASIL, DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941, Código de


Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
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BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal, 3ª edição, Editora Juspodivm,


2015.

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