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Direito dos Contratos

RT PRIMEIRAS LIÇÕES – DIREITO CIVIL

Volumes publicados vide nesta Coleção


COORDENADORES
2. Direito das obrigações. Giselda Hironaka e Renato Moraes. Giselda Hironaka
(Coord.). São Paulo: RT, 2007. (Coleção RT Primeiras Lições – Direito Civil, v. 2.)
AMANDA ZOE MORRIS
LUCAS ABREU BARROSO

CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA


CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI
EDUARDO LUIZ BUSSATTA
FÁBIO PODESTÁ
MARCOS JORGE CATALAN
MARIA CLARA FALAVIGNA

DIREITO DOS CONTRATOS


TEORIA CONTRATUAL
CONTRATOS EM ESPÉCIE

Direito Civil – V. 3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Orientação
Nono, Nono Nono. GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA
Direito dos contrato / Nono Nono Nono. – São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2008.

Bibliografia.
ISBN 85-203-

1.
CDU

Índices para catálogo sistemático: 1.


Direito Civil
DIREITO DOS CONTRATOS: TEORIA CONTRATUAL, CONTRATOS EM ESPÉCIE – V. 3

Amanda Zoe Morris


Lucas Abreu Barroso
Cíntia Rosa Pereira de Lima
Cristiano de Souza Zanetti
Eduardo Luiz Bussatta
Perfil da Coleção
Fábio Podestá
Marcos Jorge Catalan
Maria Clara Falavigna

Orientação Tradição: talvez seja a palavra que melhor qualifica o Direito Civil. É
GISELDA HIRONAKA ele o ramo do direito positivo moderno que recebeu maior influência do
© desta edição [2008] direito romano; ramo que de forma mais clara apresenta o direito como fruto
de um processo de evolução histórica, preconizada por algumas das escolas
EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA. do pensamento jurídico. Foram os seus institutos aqueles que passaram
CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO FILHO
Diretor responsável pelo maior período de maturação no contexto geral da Ciência do Direito.
E diante desse longo processo é que o perfeito entendimento das categorias
Visite nosso site
www.rt.com.br jurídicas a ele ligadas é fundamental para a compreensão do sistema jurídico
como um todo.
CENTRAL DE RELACIONAMENTO RT
(ligação gratuita, de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas) O Direito Civil – é costume e é verdade dizê-lo – manifesta, engloba e
abarca um panorama enorme de relações jurídicas, de natureza privada, que
Tel. 0800.702.2433
regem a vida do cidadão comum, desde o seu nascimento (e até antes dele),
e-mail de atendimento ao consumidor até a sua morte (e mesmo para depois dela). Uma dimensão vastíssima, rica,
sac@rt.com.br
preciosa. Uma dimensão que não se acomoda jamais, mas, ao contrário, passa
Rua do Bosque, 820 – Barra Funda por evolução perene, na mesma razão em que se modifica a vida humana e se
Tel. 11 3613.8400 – Fax 11 3613.8450
CEP 01136-000 – São Paulo, SP, Brasil transformam os homens.
Mantendo um fundo conceitual ainda estável, a consagração contempo-
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio rânea do Direito Civil passa pela inevitável revisão e revisitação paradigmática
ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fo-
nográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como que o marca e caracteriza, exatamente, este momento único da trajetória da
a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas humanidade, no qual – para reduzir a uma palavra, se quiséssemos – a pes-
proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação soa humana passa a ocupar o epicentro de toda a dimensão destinatária das
dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de
prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da normas que a ele concernem. Este é, efetivamente, o lugar que deve ocupar,
Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). cuidando-se de protegê-la, por um lado, e de lhe mostrar com clareza os seus
deveres, de outro lado. O grande princípio da dignidade da pessoa humana
Impresso no Brasil
– princípio que não pertence apenas ao Direito Civil, mas que transcende
[02-2008]
seus limites e reside em sede constitucional – a tudo matiza e colore. Outros
Atualizado até princípios fundamentais para a compreensão do novo Direito Civil igualmente
[01-2008] despontam, ou se realinham, ou se transmudam, ou se revestem em outros
tons, tudo configurando para que esta nova principiologia de sustentação e
amparo do Direito Privado, como um todo, resplandeça em busca dos ideais
de justiça e de valorização da vida e da paz.
ISBN 978-85-203- – Coleção Os institutos jurídicos, então – e tendo em vista esta constante trans-
ISBN 978-85-203- – Volume mudação, como resultado da alteração das dimensões da realidade quotidiana
6 Direito dos Contratos PERFIL DA COLEÇÃO 7

que se apresentam, a cada dia, como frutos das evoluções tecnológicas, eco- um dos autores, dada a relevância do fato de que o estudante possa ter, desde
nômicas, científicas e sociais –, prosseguem sendo objeto da indagação e da o início de sua formação, contato com as diversas correntes doutrinárias que
observação do cientista do Direito, que os analisa, os revisa e, principalmente, formam a riqueza e a magnitude da Ciência do Direito.
os adapta às exigências da contemporaneidade, conforme esses novos e sempre Esta é a coleção que, com alegria e honra, a orientadora e a editora
móveis horizontes. oferecem à comunidade jurídica brasileira, neste ano em que a Constituição
Continuam, portanto e sempre, relevantes as novas contribuições Federal brasileira comemora seu 20.º aniversário.
doutrinárias ao Direito Civil. Esta é a primeira razão que motivou este grupo
de estudiosos a construir o resultado de suas pesquisas sob a forma de livros São Paulo, janeiro de 2008.
em coleção. Editora Revista dos Tribunais
A tudo isso se soma o advento do Código Civil de 2002, com seus no- GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA
vos nuances, com suas novas perspectivas que o tornam, não simplesmente
uma revisão do Código de 1916, mas a renovação e adaptação de tradicionais
institutos jurídicos do direito privado à nova sociedade brasileira, moderna,
industrializada, sem esquecer, contudo, a longa história de formação do direito
civil, por vezes tão abandonada na atualidade.
Por outro lado, a demora na tramitação do projeto de lei original (de 1972)
que deu origem ao Código (publicado em 2002) fez emergir a necessidade de
sua harmonização à ordem constitucional democrática, em ebulição desde
1988, e o todo arcabouço legislativo e jurisprudencial que já estava formado
antes de seu advento.
E estas outras razões são, certamente, as que definitivamente justificam,
aos autores e à editora, o desafio de se colocar esta obra no mercado, à disposi-
ção dos estudantes de Direito, dos profissionais da área e dos que se dedicam
ao cotidiano estudo do direito civil, em prol de alcançarem seus sonhos na
profissão jurídica pública.
Todas estas razões alicerçam a concepção original deste projeto editorial
e o lançamento desta obra plural, sob a orientação da Professora Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka, Professora Associada ao Departamento de Direito
Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pela Editora Revista
dos Tribunais, coleção esta que se denomina simplesmente Direito Civil.
Tal coleção é formada por oito volumes: Teoria geral, Direito das Obriga-
ções, Direito dos Contratos, Direito de Empresas, Responsabilidade Civil, Direitos
Reais, Direito de Família e Direito das Sucessões. Cada volume conta com um
coordenador (salvo os volumes Direito dos Contratos, Direito de Família e Di-
reito das Sucessões que possuem, cada qual, dois coordenadores) e co-autores
profundamente conhecedores desse vasto ramo do Direito.
Na elaboração de cada volume, procurou-se, mesmo sob os limites de
uma obra de iniciação e sempre com extremo cuidado didático, abordar cada
um dos mais atuais e importantes temas do direito civil, harmonizando e sis-
tematizando o texto, mas também com a preocupação de preservar, sempre
que possível, as divergências doutrinárias e as conclusões pessoais de cada
Sobre os autores

AMANDA ZOE MORRIS – Doutora e mestre em Direito Civil pela Universi-


dade de São Paulo – USP. Advogada.
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA – Doutoranda em Direito Civil pela Uni-
versidade de São Paulo – USP, com bolsa CAPES (doutorado sanduíche) na
Universidade de Ottawa – Canadá. Professora assistente na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo – USP. Membro da Comissão de Defesa
do Consumidor da 101ª Subsecção Tatuapé – OAB/SP. Advogada.
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI – Doutor e mestre em Direito Civil pela
Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Sistema Jurídico Romanístico,
Unificação do Direito e Direito da Integração pela Università degli Studi di
Roma Tor Vergata. Advogado.
EDUARDO LUIZ BUSSATTA – Mestre em Direito Negocial pela Universidade
Estadual de Londrina – UEL. Professor da Universidade Paranaense – UNIPAR
e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Advogado.
FÁBIO PODESTÁ – Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Uni-
versidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito do Consumidor pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Civil na
Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu – USJT. Juiz-Formador
na Escola Paulista da Magistratura – EPM. Juiz de Direito em São Paulo.
LUCAS ABREU BARROSO – Doutor em Direitos Difusos e Coletivos pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Mestre em Direito
Agrário pela Universidade Federal de Goiás – UFG. Professor da Universidade
de Itaúna – UIT.
MARCOS JORGE CATALAN – Mestre em Direito Negocial pela Universidade
Estadual de Londrina – UEL. Doutorando em Direito Civil pela Universidade
de São Paulo – USP. Professor universitário, de pós-graduação lato sensu e em
cursos preparatórios para as carreiras jurídicas. Advogado.
MARIA CLARA OSUNA DIAZ FALAVIGNA – Mestre e doutoranda em Direito
Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Procu-
radora do Estado de São Paulo.
Sumário

PERFIL DA COLEÇÃO – GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA ................. 5


SOBRE OS AUTORES ......................................................................................... 9
PRIMEIRA PARTE
TEORIA CONTRATUAL

I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
LUCAS ABREU BARROSO

1. De Roma ao liberalismo ...................................................................... 30


2. Da Segunda Revolução Industrial ao direito civil contemporâneo ..... 33
3. Resumo esquemático ........................................................................... 37
II
CONCEITO E FUNÇÕES
LUCAS ABREU BARROSO

1. O que é o contrato? ............................................................................ 40


2. A função econômica do contrato......................................................... 40
3. A função regulatória do contrato ........................................................ 41
4. A função social do contrato................................................................. 43
5. O contrato também possui função ambiental ..................................... 47
6. Resumo esquemático ........................................................................... 48
III
ELEMENTOS
EDUARDO LUIZ BUSSATTA
1. Introdução ........................................................................................... 50
2. As partes e o papel da vontade ............................................................ 52
3. O objeto ............................................................................................... 55
4. A importância da forma....................................................................... 56
5. Resumo esquemático ........................................................................... 57
12 Direito dos Contratos SUMÁRIO 13

IV VII
PRINCÍPIOS FORMAÇÃO
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI

1. Preliminares......................................................................................... 60 1. Sentido e limites da disciplina legal .................................................... 110


2. Liberdade ............................................................................................. 61 2. Proposta............................................................................................... 111
3. Consensualismo .................................................................................. 64 3. Aceitação ............................................................................................. 115
4. Força obrigatória ................................................................................. 66 4. Tempo e lugar da conclusão do contrato............................................. 116
5. Relatividade dos efeitos ....................................................................... 67 5. A ruptura das negociações................................................................... 118
6. Boa-fé objetiva ..................................................................................... 68 6. Resumo esquemático ........................................................................... 119
7. Função social....................................................................................... 71
VIII
8. Resumo esquemático ........................................................................... 76
RELATIVIDADE DE SEUS EFEITOS
V MARCOS JORGE CATALAN
CLASSIFICAÇÃO
EDUARDO LUIZ BUSSATTA 1. Introdução ........................................................................................... 122
2. Da estipulação em favor de terceiro .................................................... 125
1. Introdução ........................................................................................... 78 3. Da promessa de fato de terceiro .......................................................... 130
2. Contratos bilaterais e unilaterais ......................................................... 79 4. Do contrato com pessoa a declarar...................................................... 132
3. Contratos onerosos e gratuitos............................................................ 81 5. O contrato deve respeitar terceiros...................................................... 134
4. Contratos comutativos e aleatórios ..................................................... 82 6. Da ampliação do rol dos responsáveis pela reparação do dano e do
5. Contratos consensuais, formais e reais................................................ 83 consumidor by stander: a contribuição do Código de Defesa do Con-
6 Contratos paritários e por adesão........................................................ 84 sumidor ............................................................................................... 136
7. Contratos de execução imediata, diferida e continuada...................... 85 7. Da tutela externa do crédito ................................................................ 137
8. Contratos preliminares e definitivos ................................................... 87 8. Resumo esquemático ........................................................................... 139
9. Contratos individuais e coletivos ........................................................ 88 IX
10. Contratos típicos, atípicos, mistos e coligados.................................... 89
VÍCIOS REDIBITÓRIOS
11. Contratos principais e acessórios ........................................................ 91 MARCOS JORGE CATALAN
12. Resumo esquemático ........................................................................... 91
1. Notícia histórica, conceituação e natureza jurídica ............................ 142
VI 2. O regramento da matéria no Código Civil .......................................... 143
INTERPRETAÇÃO 3. As opções dadas ao lesado ................................................................... 148
MARCOS JORGE CATALAN
4. Vícios ocultos versus vícios aparentes: critérios para a delimitação dos
1. Introdução ........................................................................................... 95 temas ................................................................................................... 152
2. Da leitura civil-constitucional do direito privado ao diálogo das 5. Resumo esquemático ........................................................................... 157
fontes ................................................................................................... 98 X
3. As condições gerais dos contratos, os contratos por adesão e os enun-
EVICÇÃO
ciados aprovados nas quatro primeiras jornadas do conselho da justiça
MARCOS JORGE CATALAN
federal .................................................................................................. 103
4. Das pacta corvina ................................................................................ 106 1. Noções gerais....................................................................................... 159
5. Resumo esquemático ........................................................................... 108 2. Ampliação, redução e exclusão das garantias...................................... 161
14 Direito dos Contratos SUMÁRIO 15

3. Denunciação à lide: importância e obrigatoriedade? .......................... 165 6. Código de Defesa do Consumidor ...................................................... 225
4. Resumo esquemático ........................................................................... 169 7. Resumo esquemático ........................................................................... 226
XI
XV
CONTRATOS ALEATÓRIOS
EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO
MARCOS JORGE CATALAN
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI
1. Disciplina legal, doutrinária e jurisprudencial. Questões controver- 1. Exceptio non adimpleti contractus ........................................................ 228
tidas ..................................................................................................... 171
2. Exceptio non rite adimpleti contractus .................................................. 230
2. Resumo esquemático ........................................................................... 178
3. Exceção de inseguridade ..................................................................... 231
4. Resumo esquemático ........................................................................... 233
XII
CONTRATO PRELIMINAR XVI
MARCOS JORGE CATALAN
UNIFICAÇÃO DO DIREITO DOS CONTRATOS
1. Breve relato histórico e conceituação .................................................. 181 CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI
2. Da positivação da matéria no Código Civil ......................................... 184
1. Introdução ........................................................................................... 235
3. Aspectos polêmicos ............................................................................. 187
2. Princípios Unidroit para os contratos de comércio internacional ....... 238
4. Resumo esquemático ........................................................................... 193
3. Anteprojeto do Código Europeu dos Contratos .................................. 238
4. Princípios de Direito Europeu dos Contratos ..................................... 240
XIII
5. América Latina .................................................................................... 241
EXTINÇÃO
6. Resumo esquemático ........................................................................... 243
MARCOS JORGE CATALAN

1. Da dissolução do contrato e da extinção da relação jurídica: precisões SEGUNDA PARTE


terminológicas ..................................................................................... 196 CONTRATOS EM ESPÉCIE
2. Da resilição e suas modalidades .......................................................... 199 I
3. Da resolução do negócio jurídico ........................................................ 202
CONTRATOS EM ESPÉCIE: INTRODUÇÃO
4. Reconstruindo limites ao direito de resolver o negócio jurídico......... 205
AMANDA ZOE MORRIS
5. Da frustração do fim contratual .......................................................... 213
6. Resumo esquemático ........................................................................... 215 1. Intróito ................................................................................................ 247
XIV
II
RESOLUÇÃO E REVISÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA
1. Onerosidade excessiva......................................................................... 217
2. Contratos bilaterais ............................................................................. 220 1. Conceito e classificação ....................................................................... 248
2.1 Onerosidade direta e indireta .................................................... 221 2. Pressupostos e elementos constitutivos .............................................. 250
2.2 Redução à eqüidade .................................................................. 221 2.1 Pressupostos subjetivos............................................................. 251
2.3 Revisão do contrato................................................................... 222 2.2 Elementos constitutivos ............................................................ 253
3. Contratos unilaterais ........................................................................... 223 2.2.1 Bem............................................................................... 253
4. Onerosidade parcial ............................................................................. 224 2.2.2 Preço............................................................................. 255
5. Onerosidade excessiva e inadimplemento........................................... 225 2.2.3 Consentimento ............................................................. 256
16 Direito dos Contratos SUMÁRIO 17

3. Responsabilidade pelos riscos e com as despesas................................ 256 3. Aceitação do donatário ........................................................................ 279
3.1 Hipótese de defeito oculto nas coisas conjuntas ....................... 258 4. Capacidade das partes. Restrições à doação ........................................ 279
4. Obrigações do vendedor e do comprador ........................................... 258 5. Espécies ............................................................................................... 281
4.1 Obrigações do vendedor ........................................................... 258 6. Extinção da doação ............................................................................. 282
4.2 Obrigações do comprador ......................................................... 259 7. Resumo esquemático ........................................................................... 284
5. Modalidades especiais de compra e venda .......................................... 259
5.1 Retrovenda ................................................................................ 260 VI
5.2 Venda a contento e venda sujeita à prova ................................. 260 LOCAÇÃO
5.3 Preempção ou preferência ......................................................... 261 MARIA CLARA FALAVIGNA
5.4 Venda com reserva de domínio ................................................. 262 1. Da locação de coisas ............................................................................ 285
5.5 Venda sobre documentos .......................................................... 263 2. Elementos do contrato ........................................................................ 286
5.6 Venda ad corpus e venda ad mensuram ...................................... 264
2.1 O objeto .................................................................................... 286
5.7 Venda à vista de amostras, protótipos ou modelos ................... 265
2.2 O preço...................................................................................... 287
6. Resumo esquemático ........................................................................... 265
2.3 O consentimento....................................................................... 287
III 2.4 O prazo ..................................................................................... 288
DA TROCA OU PERMUTA 2.5 A forma ..................................................................................... 289
FÁBIO PODESTÁ 3. Das obrigações do locador................................................................... 289
1. Breve histórico. Conceito. Distinção entre troca e compra e venda .... 267 4. Das obrigações do locatário ................................................................. 289
2. Classificação e objeto .......................................................................... 268 5. Do direito de retenção ......................................................................... 289
3. Regime jurídico ................................................................................... 269 6. Da locação de prédio urbano ............................................................... 289
4. Resumo esquemático ........................................................................... 270 6.1 Sub-rogação de direitos e obrigações ........................................ 291
6.2 Retomada .................................................................................. 291
IV 6.2.1 Condições especiais para a retomada ........................... 292
DO CONTRATO ESTIMATÓRIO 6.2.2 Direito a renovar........................................................... 293
FÁBIO PODESTÁ 6.3 Aluguel ...................................................................................... 294
1. Generalidades. Conceito e natureza jurídica....................................... 271 6.4 Deveres do locador.................................................................... 295
2. Requisitos contratuais ......................................................................... 272 6.5 Deveres do locatário .................................................................. 295
3. Obrigação do consignatário: alternativa ou facultativa ....................... 273 7. Resumo esquemático ........................................................................... 295
4. Regime jurídico complementar ........................................................... 274
VII
4.1 Impossibilidade de restituição da coisa..................................... 274
4.2 Impenhorabilidade legal ou impossibilidade de seqüestro da CONTRATO DE EMPRÉSTIMO
AMANDA ZOE MORRIS
coisa consignada ....................................................................... 275
4.3 Indisponibilidade da coisa pelo consignante ............................ 275 1. Introdução ........................................................................................... 297
5. Resumo esquemático ........................................................................... 276
2. Comodato ............................................................................................ 297
V 2.1 Conceito e classificação ............................................................ 297
DOAÇÃO 2.2 Partes......................................................................................... 298
AMANDA ZOE MORRIS 2.3 Objeto ....................................................................................... 298
1. Conceito. Objeto. Caracteres............................................................... 277 2.4 Obrigações das partes ............................................................... 298
2. Animus donandi ................................................................................... 278 2.5 Prazo ......................................................................................... 299
18 Direito dos Contratos SUMÁRIO 19

3. Mútuo .................................................................................................. 299 3.2 Depósito gratuito e depósito oneroso ....................................... 321
3.1 Conceito e classificação ............................................................ 299 3.3 Depósito regular e depósito irregular........................................ 321
3.2 Partes – Capacidade do mutuário ............................................. 300 3.4 Depósito mercantil e depósito civil ........................................... 323
3.3 Objeto ....................................................................................... 300 3.5 Depósito resultante de contrato de hospedagem ...................... 323
3.4 Obrigações das partes ............................................................... 301 3.6 Depósito judicial ....................................................................... 325
3.5 Juros .......................................................................................... 301 4. Riscos .................................................................................................. 325
4. Resumo esquemático ........................................................................... 302 5. Obrigações e direitos decorrentes do depósito .................................... 326
5.1 Obrigações e direitos do depositante ........................................ 326
VIII 5.2 Obrigações e direitos do depositário ......................................... 327
DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS 6. Extinção do contrato de depósito ....................................................... 328
FÁBIO PODESTÁ 7. Prisão do depositário infiel.................................................................. 328
1. Breve histórico e generalidades ........................................................... 304 8. Resumo esquemático ........................................................................... 329
2. Conceito. Características. Espécies. Classificação. Forma e prova ..... 305 XI
3. Prazo e extinção do contrato ............................................................... 306 MANDATO
4. Objeto e extinção do contrato ............................................................. 307 AMANDA ZOE MORRIS
5. Prestação de serviço e titulo de habilitação ......................................... 308 1. Conceito e caracteres........................................................................... 331
6. Resumo esquemático ........................................................................... 309 2. Partes. Capacidade. Aceitação ............................................................. 332
IX 3. Objeto .................................................................................................. 333
4. Forma .................................................................................................. 334
EMPREITADA
FÁBIO PODESTÁ 5. Obrigações das partes .......................................................................... 335
6. Substabelecimento ............................................................................... 336
1. Generalidades. Conceito. Objeto. Partes. Requisitos .......................... 310 7. Excesso de mandato. Ratificação ......................................................... 336
2. Classificação. Espécies. Forma e prova ............................................... 311 8. Extinção .............................................................................................. 337
3. Efeitos .................................................................................................. 312 9. Resumo esquemático ........................................................................... 338
4. Efeitos em relação ao preço. Possíveis alterações da obra ................... 313 XII
5. Término do contrato ........................................................................... 315
COMISSÃO
6. Resumo esquemático ........................................................................... 316 MARIA CLARA FALAVIGNA
X 1. Conceito e natureza ............................................................................. 340
CONTRATO DE DEPÓSITO 2. Das obrigações e direitos do comissário .............................................. 341
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA 3. Direito de retenção .............................................................................. 342
4. Obrigações do comitente ..................................................................... 343
1. Conceito e características .................................................................... 317
5. Resumo esquemático ........................................................................... 343
2. Pressupostos e elementos constitutivos .............................................. 318
2.1 Pressupostos subjetivos............................................................. 319 XIII
2.2 Elementos constitutivos ............................................................ 319 CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO
2.2.1 Forma e prova do contrato de depósito ....................... 319 CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA
2.2.2 Objeto do contrato de depósito .................................... 320 1. Introdução ........................................................................................... 344
3. Classificação do contrato de depósito ................................................. 320 2. Conceito e características do contrato de agência e do contrato de
3.1 Depósito voluntário e depósito necessário ............................... 320 agência e distribuição .......................................................................... 345
20 Direito dos Contratos SUMÁRIO 21

3. Pressupostos e elementos constitutivos do contrato de agência e dis- 3. Transporte de pessoas .......................................................................... 366
tribuição .............................................................................................. 347 4. Transporte de coisas ............................................................................ 368
3.1 Conteúdo do contrato de agência e distribuição ...................... 348 5. Resumo esquemático ........................................................................... 370
4. Obrigações e direitos decorrentes do contrato de agência e distribuição . 348
4.1 Obrigações e direitos do agente ou distribuidor (represen- XVI
tante) ......................................................................................... 349 CONTRATO DE SEGURO
4.2 Obrigações e direitos do principal ou fabricante (representado) 350 MARIA CLARA FALAVIGNA
5. Da remuneração do agente ou distribuidor ......................................... 351 1. Origem do contrato de seguro ............................................................. 371
6. Agência com ou sem representação..................................................... 352
2. O Contrato de seguro .......................................................................... 372
7. Da cláusula de exclusividade............................................................... 352
3. O prêmio ............................................................................................. 373
8. Da dispensa do agente ou distribuidor ................................................ 353
4. Importância segurada .......................................................................... 375
8.1 Da dispensa com justa causa ..................................................... 353
8.2 Da dispensa sem justa causa ..................................................... 352 5. Obrigações do segurado ...................................................................... 377
9. Da aplicação subsidiária de outras regras jurídicas ............................. 354 6. Obrigações do segurador ..................................................................... 377
9.1 Direito intertemporal: Código Civil de 2002 e a Lei 4.886/ 7. Prescrição ............................................................................................ 378
1965 .......................................................................................... 354 8. Classificação dos seguros e sua conseqüência ..................................... 378
10. Extinção do contrato de agência e distribuição .................................. 354 9. Resseguro ............................................................................................ 380
11. Distinção entre contrato de agência e distribuição e outras figuras 10. Vigência do contrato ........................................................................... 380
contratuais ........................................................................................... 355 11. Resumo esquemático ........................................................................... 380
11.1 Contrato de mandato ................................................................ 355
11.2 Contrato de comissão ............................................................... 356 XVII
11.3 Contrato de concessão ou distribuição comercial .................... 356 CONSTITUIÇÃO DE RENDA
11.4 Contrato de trabalho ................................................................. 357 AMANDA ZOE MORRIS
11.5 Contrato de prestação de serviço .............................................. 357
1. Conceito, classificação e considerações............................................... 382
11.6 Contrato de corretagem ............................................................ 358
2. Extinção .............................................................................................. 384
12. Resumo esquemático ........................................................................... 358
3. Resumo esquemático ........................................................................... 384
XIV
XVIII
CORRETAGEM
FÁBIO PODESTÁ CONTRATOS DE JOGO E APOSTA
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA
1. Generalidades. Conceito e distinção. Características. Forma e prova ... 360
1. Conceito e natureza jurídica ............................................................... 385
2. Efeitos. Disciplina legal. Causas de extinção do contrato ................... 362
3. Resumo esquemático ........................................................................... 364 2. Pressupostos e elementos constitutivos .............................................. 386
3. Espécies de jogos ................................................................................. 386
XV 4. Regime jurídico ................................................................................... 387
CONTRATO DE TRANSPORTE 5. Mútuo para pagamento de dívidas de jogo ......................................... 388
MARIA CLARA FALAVIGNA
6. Contratos diferenciais ......................................................................... 389
1. Breve comentário ................................................................................. 365 7. Sorteio ................................................................................................. 389
2. Natureza jurídica ................................................................................. 365 8. Resumo esquemático ........................................................................... 389
22 Direito dos Contratos SUMÁRIO 23

XIX XXIII
FIANÇA DO CONTRATO DE FRANQUIA
AMANDA ZOE MORRIS (FRANCHISING)
FÁBIO PODESTÁ
1. Conceito e caracteres........................................................................... 391
2. Requisitos ............................................................................................ 392 1. Introdução e origem ............................................................................ 410
2.1 Subjetivos .................................................................................. 392 2. O contrato de franquia como espécie de contrato de distribuição;
2.2 Objetivos ................................................................................... 393 conceito e objeto; natureza jurídica; características e espécies; a pos-
3. Modalidades ........................................................................................ 393 sibilidade de uma relação de consumo ................................................ 411
4. Direitos do fiador................................................................................. 394 3. Relações que nascem do contrato de franquia empresarial. Vantagens
4.1. Benefício de ordem ................................................................... 394 e desvantagens do sistema ................................................................... 412
4.2. Demais direitos ......................................................................... 395 3.1 Obrigações do franqueador e franqueado ................................. 413
5. Bem de família ..................................................................................... 396
3.2 As relações com terceiros, com especial atenção para o consu-
6. Extinção .............................................................................................. 396
midor......................................................................................... 414
7. Resumo esquemático ........................................................................... 397
4. Modos de extinção do contrato ........................................................... 415
XX
5. Resumo esquemático ........................................................................... 415
DA TRANSAÇÃO
FÁBIO PODESTÁ XXIV
1. Generalidades. Conceito. Natureza jurídica e elementos constitu- CONTRATO DE SOCIEDADE
tivos ..................................................................................................... 399 MARIA CLARA FALAVIGNA
2. Espécies e forma .................................................................................. 400
1. Noções gerais....................................................................................... 416
3. Objeto e interpretação ......................................................................... 401
4. Efeitos .................................................................................................. 402 1.1 Sociedade .................................................................................. 417
5. Causas de nulidade e anulabilidade .................................................... 403 1.2 Requisitos subjetivos................................................................. 417
6. Resumo esquemático ........................................................................... 404 1.3 Requisitos objetivos .................................................................. 418
XXI 1.4 Espécies de sociedade ............................................................... 419
DO COMPROMISSO
1.5 Direito e deveres dos sócios ...................................................... 419
FÁBIO PODESTÁ 1.6 Dissolução da sociedade ........................................................... 420
2. Resumo esquemático ........................................................................... 420
1. Generalidades. Conceito. Espécies e objeto ........................................ 405
2. Resumo esquemático ........................................................................... 406 XXV
XXII CONTRATOS ELETRÔNICOS
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA
DO CONTRATO DE
FATURIZAÇÃO (FACTORING) 1. Introdução ........................................................................................... 422
FÁBIO PODESTÁ 2. Distinção entre os contratos da era da informática ............................. 424
1. Noção. Conceito. Características ........................................................ 407 3. Contratos de adesão na era da informática (Wrap Contracts) ............. 425
2. Espécies. Direito e obrigações (faturizador e faturizado).................... 408 3.1 Cláusula de eleição de foro ....................................................... 426
3. Extinção .............................................................................................. 409 4. Conflitos de leis e jurisdição na internet ............................................. 427
4. Resumo esquemático ........................................................................... 409 5. Resumo esquemático ........................................................................... 428
24 Direito dos Contratos SUMÁRIO 25

XXVI 2. Obrigações do incorporador .................................................................. 449


CONTRATOS BANCÁRIOS 2.1 Prazos relativos à incorporação................................................. 451
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA 2.2 As sanções relativas ao incorporador ......................................... 451
3. Resumo esquemático ........................................................................... 451
1. Introdução ........................................................................................... 429
2. Contrato de custódia ou guarda de valores ......................................... 430 XXIX
3. Contrato de conta corrente ................................................................. 431 LEASING OU ARRENDAMENTO MERCANTIL
AMANDA ZOE MORRIS
4. Contrato de abertura de crédito .......................................................... 432
5. Contrato de depósito bancário ............................................................ 433 1. Conceito e elementos constitutivos .................................................... 453
5.1 Certificado de Depósito Bancário (CDB) .................................. 434 2. Modalidades ........................................................................................... 455
5.2 Recebo de Depósito Bancário (RDB)......................................... 434 3. Resumo esquemático ........................................................................... 456
6. Contrato de desconto .......................................................................... 434
XXX
7. Contrato de cobrança de títulos .......................................................... 435
JOINT VENTURE
8. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos AMANDA ZOE MORRIS
bancários ............................................................................................. 435
9. Resumo esquemático ........................................................................... 436 1. Conceito e natureza jurídica ............................................................... 458
2. Espécies ............................................................................................... 458
XVII 3. Arbitragem........................................................................................... 460
CONTRATOS DE 4. Vantagens e riscos................................................................................ 460
CARTÕES DE CRÉDITO 5. Resumo esquemático ........................................................................... 460
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA

1. Introdução ........................................................................................... 439


2. Partes integrantes ................................................................................ 440
3. Forma do contrato............................................................................... 441
4. Natureza do contrato ........................................................................... 441
5. Responsabilidades ............................................................................... 442
5.1 Extravio, perda ou roubo do cartão .......................................... 442
6. Caracterização das administradoras como instituições financeiras .... 443
7. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de
cartões de crédito ................................................................................ 444
8. Resumo esquemático ........................................................................... 445

XXVIII
CONTRATO DE
INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA
MARIA CLARA FALAVIGNA

1. Noções gerais....................................................................................... 447


1.1 Natureza jurídica....................................................................... 448
PRIMEIRA PARTE
TEORIA CONTRATUAL

LUCAS ABREU BARROSO (COORDENADOR)


CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI
EDUARDO LUIZ BUSSATTA
MARCOS JORGE CATALAN
I
Evolução histórica
LUCAS ABREU BARROSO

Bibliografia
Alinne Arquette Leite Novais. A teoria contratual e o Código de Defesa do Consumidor.
São Paulo: RT, 2001. (Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 17) – A. Santos Justo. Direito
privado romano. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. v. 2. (Stvdia Ivridica, v. 76) – Biondo
Biondi. Istituzioni di diritto romano. Milano: Giuffrè, 1946 – Caio Mário da Silva Pereira.
Instituições de direito civil. 12. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 3 – César
Fiuza. Direito civil: curso completo. 8. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004
– Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das
relações contratuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005. (Biblioteca de Direito
do Consumidor, v. 1) – Enzo Roppo. O contrato. Tradução Ana Coimbra e M. Januário C.
Gomes. Coimbra: Almedina, 1988 – Flávio Tartuce. Direito civil. 2. ed. atual. e ampl. São
Paulo: Método, 2007. v. 3. (Série Concursos Públicos) – Francesco Paolo Casavola. Dal
diritto romano al diritto europeo. Napoli: Editoriale Scientifica, 2006 – Francesco Messineo.
Doctrina general del contrato. Traducción R. O. Fontanarrosa, S. Sentís Melendo e M. Volterra.
Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1952. t. 1 – Francisco Amaral. O Código
Civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização: do paradigma da aplicação ao
paradigma judicativo-decisório. In: Flávio Tartuce e Ricardo Castilho (coords.). Direito civil:
direito patrimonial e direito existencial – Estudos em homenagem à professora Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka. São Paulo: Método, 2006 – Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado – Superando a crise e
renovando princípios, no início do vigésimo primeiro século, ao tempo da transição legislativa
civil brasileira. In:, Lucas Abreu Barroso (org.). Introdução crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2006 – Joaquim de Sousa Ribeiro. Direito dos contratos: estudos. Coimbra: Coimbra
Editora, 2007 – José Carlos Moreira Alves. Direito romano. 5. ed. rev. e acresc. Rio de Janeiro:
Forense, 1995. v. 2 – José Cretella Júnior. Curso de direito romano. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998 – Judith Martins-Costa e Gerson Luiz Carlos Branco. Diretrizes teóricas do novo
Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002 – Mário Lúcio Quintão Soares; Lucas Abreu
Barroso. A dimensão dialética do novo Código Civil em uma perspectiva principiológica. In:,
Lucas Abreu Barroso (org.). Introdução crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006
– Max Kaser. Direito privado romano. Tradução Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999 – Michel Villey. Direito romano. Tradução Fernando
Couto. Porto: Rés, s.d. – Miguel Reale. História do novo Código Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. (Biblioteca de Direito Civil: Estudos em Homenagem ao Professor Miguel
Reale, v. 1) – Orlando Gomes. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Justiça e Direito) – Orlando Gomes. Transformações
gerais do direito das obrigações. São Paulo: RT, 1967 – Paulo Nalin. Do contrato: conceito
pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva civil constitucional. 2. ed. rev. e
atual. 2. reimp. Curitiba: Juruá, 2007. (Série Pensamento Jurídico) – Sílvio de Salvo Venosa.
30 Direito dos Contratos EVOLUÇÃO HISTÓRICA 31

Direito civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 2 – Teresa Negreiros. Teoria do contrato: novos (Direito romano, p. 122): a) porque apenas eram considerados contratos os
paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
acordos de vontade destinados a criar relações jurídicas obrigacionais; b)
1. DE ROMA AO LIBERALISMO porque nem todos os acordos de vontade lícitos geravam obrigações, como
ocorria com os contractus.
Nos primórdios do direito romano, as obrigações contratuais estavam
Todavia, inegável é a constatação de que o desenvolvimento do sistema
reduzidas a um pequeno número de instrumentos, do que se deflui que aquele
contratual romano, do direito clássico a Justiniano, apresentou um enorme
não vislumbrou o contrato enquanto uma categoria geral e abstrata, ou seja,
os romanos não tinham para o contrato nem um nome técnico e nem uma alargamento das hipóteses, às quais a ordem jurídica conferia a possibilidade
doutrina (Max Kaser. Direito privado romano, p. 61; Biondo Biondi. Istituzioni de criar obrigações (José Carlos Moreira Alves. Direito romano, p. 122-123).
di diritto romano, p. 337). Podemos, com base nas lições de José Carlos Moreira Alves (Direito ro-
O sistema econômico vigente naquele tempo, e sua respectiva organização mano, p. 123-125), elaborar um quadro comparativo da evolução do contrato
social, não exigiram uma complexa arquitetura contratual. As obrigações e, nos vários “direitos romanos”:
conseqüentemente, os contratos eram reconduzidos à estrutura da família,
porque o universo econômico consistia em ordenamento doméstico (Francesco DIREITO CLÁSSICO DIREITO PÓS-CLÁSSICO DIREITO JUSTINIANEU
Paolo Casavola. Dal diritto romano al diritto europeo, p. 24). Por isso, o pretor
se apegava às fórmulas existentes de maneira bastante contundente. 1. O contrato não é con- 1. Consolida-se a atenu- 1. Os juristas bizantinos
cebido como uma cate- ação do rígido esque- consideram que a obri-
A formação do contrato deveria obedecer a formas rigorosas, mesmo que goria geral e abstrata. ma: contrato = acordo gação nasce do acordo
elas não coadunassem exatamente com a vontade das partes (Sílvio de Salvo 2. Os juristas conhecem de vontade + elemento de vontade.
Venosa. Direito civil, p. 394). Daí a importância da sacramentalidade ritual apenas alguns tipos de objetivo que faz surgir 2. O acordo de vontade
que a envolvia (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. contrato. a obrigação. passa a ser o elemento
8-9). Este formalismo exacerbado estava assentado na inseparabilidade entre 3. Não é o acordo de von- 2. Aceitação dos contratos juridicamente relevante
os fatos jurídicos e as celebrações religiosas, valendo ressaltar que a vontade, tade que gera a obriga- consensuais. da obrigação.
enquanto elemento preponderante do contrato, somente lograria destaque ção, mas a observância 3. Os pactos adjetos, preto- 3. A definição de contrato
no período justinianeu (Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil, p. 395). de formalidades ou a rianos e legítimos passam se assemelha à clássica
entrega da coisa. a gerar obrigações. conceituação de pacto.
Apesar de, acerca da matéria, não dispor de conceitos genéricos precisa- 4. O pacto não é tutelado 4. Surgimento dos contra-
mente demarcados, as fontes romanas já os continham em estágio incipiente, por uma actio, mas por tos inominados.
corolário da casuística que permeava o espírito prático de seus juristas, sempre uma exceptio.
voltados para o caso concreto, em uma acentuada demonstração de realismo
jurídico (Max Kaser. Direito privado romano, p. 60).
Concluindo, a história do contrato no direito romano demonstra-se
O papel e as funções do contrato começaram a assumir outra dimensão, muito adequadamente resumida nas palavras de José Cretella Júnior (Curso
posteriormente, com a intensificação do comércio. Tal desenvolvimento das
de direito romano, p. 245): “Do formalismo para o não-formalismo, do apego
relações comerciais impendiu no pretor a necessidade de introduzir novas
excessivo à forma para um abrandamento ininterrupto, em benefício do conteúdo,
ações, com vistas à tutela do objeto contratual.
da intenção das partes – eis o sentido exato da evolução da figura contratual
Com efeito, as ações pessoais viram-se multiplicadas desordenadamente,
sem nenhuma preocupação de natureza teórica (Michel Villey. Direito romano, no direito romano”.
p. 154). Não obstante, o contrato assume um caráter de proteção de interesses Analisando o processo evolutivo acima demonstrado, torna-se possível
públicos e privados, concretizando uma finalidade probatória (Max Kaser. arriscar, com A. Santos Justo, uma definição para o contrato no estágio mais
Direito privado romano, p. 62). avançado do direito romano, sem apresentar maiores disparidades com a que
Destarte, a noção de contrato no direito romano até este momento era hoje concebemos: o acordo de vontades de duas ou mais pessoas no intuito
muito mais restrita que no direito civil contemporâneo. E isso se deu basi- de criar uma relação jurídica obrigacional – consoante as regras fixadas pelo
camente por dois motivos, conforme preleciona José Carlos Moreira Alves ius civile (Direito privado romano, p. 24).
32 Direito dos Contratos EVOLUÇÃO HISTÓRICA 33

Temos, portanto, que o contrato somente se afirma como um conceito contratos, princípios informadores – e que ainda hoje têm alguma validade
jurídico e passa a exercer a função regulatória das operações econômicas a – de toda uma teoria contratual inspirada no liberalismo (no plano econômico)
partir da época justinianéia, o que, sem dúvida, representou um avanço sem e no voluntarismo (no campo jurídico).
precedentes para o direito romano e para esse instrumento de juridicionali- Isso porque, o instrumento contratual deveria oferecer certeza e previsi-
zação dos comportamentos e das relações humanas voltados à circulação de bilidade aos que dele participaram, consagrando a máxima quem diz contratado
riquezas na sociedade (Enzo Roppo. O contrato, p. 15-17). diz justo, assentada na moral kantiana (na perspectiva do “imperativo cate-
A evolução histórica do instituto contratual adentrando a Idade Média górico”) e inspirada em Rousseau (com base no “contrato social”). As teorias
não iria alterar em muito as suas conformações se comparadas àquelas que econômicas então vigentes apontavam em sua execução para o laissez-faire,
já assumia na Antigüidade. Aqui também tínhamos um sistema econômico laissez-passer, sendo o bem-estar social alcançado mais apropriadamente
arcaico, no qual a dimensão, a incidência e a difusão do contrato eram redu- por meio da livre iniciativa do que por meio das intervenções estatais (Enzo
zidas e marginais (Enzo Roppo. O contrato, p. 25). Roppo. O contrato, p. 36).
E isso tinha uma razão intrínseca para acontecer. Nas sociedades com A ideologia contratual novecentista resumia as expectativas da sociedade
uma dinamicidade econômica menos acentuada, a tendência era que os efeitos ocidental que buscava expandir os limites da liberdade individual, refletindo,
derivados dos contratos nas relações socioeconômicas fossem determinados em matéria de contrato, no apogeu da autonomia da vontade. Portanto, neces-
com base na comunidade, categoria ou grupo ao qual o contratante pertencesse, sitava superar aquela concepção jurídica feudal, inibidora da personalidade
limitando a liberdade contratual (Enzo Roppo. O contrato, p. 26-27). e pouco aberta do ponto de vista socioeconômico. Mas tudo isso pautado em
Acrescenta-se, ainda, enquanto fator determinante para tal estagnação uma igualdade meramente formal, desprezando-se as latentes desigualdades
evolutiva da teoria contratual o retrocesso experimentado pela ciência jurídica materiais entre os contratantes, o que acabava gerando contratos com dispa-
na alta Idade Média (476 a 1100 d.C.), voltando o direito romano a ser primitivo, ridades de interesses e substancialmente injustos (Enzo Roppo. O contrato,
consuetudinário e provinciano. Do século VIII em diante, essa situação fica p. 36 e ss.).
um tanto mais complicada com o aparecimento do direito feudal, lastreado Foi com o jurista francês Robert-Joseph Pothier que o contrato assumiu
em costumes orais (César Fiuza. Direito civil: curso completo, p. 62-64). a feição geral e abstrata que transmitiu ao Code Napoléon (1804), diploma
Com a chegada da baixa Idade Média (1100 a 1453 d.C.) e a instalação do inaugural da era das grandes codificações, e influenciou as diversas legislações
Estado absolutista, inaugurou-se a economia de mercado, com a conseqüente civis que o seguiram – italiana (1865), portuguesa (1867), espanhola (1889),
necessidade de uma reformulação do sistema jurídico, que retomou suas alemã (1896) e brasileira (1916) –, conservando-se até os presentes dias (Alinne
origens romanas fulcradas no direito justinianeu. A conjugação desse direito Arquette Leite Novais. A teoria contratual e o Código de Defesa do Consumidor,
romano medieval com o direito canônico, também de índole romana, formou p. 36). Trata-se, mais do que isso, do paradigma geral e abstrato, capaz de fazer
o ius commune (direito comum) (César Fiuza. Direito civil: curso completo, o contrato acolher um conteúdo variado, alargando seu uso e possibilidade
p. 65). O instrumento contratual passa a ocupar lugar de relevo nessa nova prática (Francesco Messineo. Doctrina general del contrato, p. 51).
forma de organização social e econômica da comunidade política. Destarte, podemos concluir que a “concepção clássica de contrato
Indubitavelmente, não resulta de mera coincidência o fato de uma teoria não é fruto de um único momento histórico – ao contrário, ele representa o
contratual mais elaborada somente ter lugar a partir do século XVII em re- ponto culminante e aglutinador da evolução teórica do direito após a Idade
giões geográficas onde o modo de produção capitalista começava a se afirmar. Média e da evolução social e política ocorrida nos séculos XVIII e XIX, com
Tampouco que a sistematização legislativa do direito dos contratos tenha se a Revolução Francesa, o nacionalismo crescente e o liberalismo econômico”
dado com o Código Civil francês, de 1804, fruto das aspirações liberais da (Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
burguesia que ascendeu ao poder com a Revolução Francesa (Enzo Roppo. regime das relações contratuais, p. 55).
O contrato, p. 25-26).
O contrato, para além de um conceito jurídico, possuía, nesse momento 2. DA SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL AO DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO
histórico, uma carga ideológica muito acentuada refletindo o pensamento Com o advento da Segunda Revolução Industrial (1860) a dimensão,
político da classe dominante. Não por acaso encontraram campo fértil a a incidência e a difusão do contrato alteraram radicalmente, fazendo deste
liberdade de contratar, a igualdade dos contratantes e a força obrigatória dos um mecanismo jurídico indispensável para a articulação de todo o sistema
34 Direito dos Contratos EVOLUÇÃO HISTÓRICA 35

econômico. Isso ocorreu no contexto de um enorme desenvolvimento das instituições comuns (Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa
forças produtivas e de uma extraordinária intensificação das trocas (Enzo do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 187-210).
Roppo. O contrato, p. 25). Destarte, a nosso sentir, a idéia que se deve assimilar em torno da crise
Tudo quanto nos foi dado analisar, demonstra que um modelo de contrato dos contratos está associada a um novo arranjo no que tange aos princípios e
foi substituído por outro, conquanto a necessidade de adaptar o instrumento regras do direito dos contratos nos meandros do direito civil do século XXI,
contratual às exigências que historicamente foram sendo delineadas desde um tendo por alicerce os fundamentos socioeconômicos vigentes, ou seja, trata-
ponto de vista econômico e social, exigindo do direito civil uma releitura de sua se de uma inadequação da teoria tradicional dos contratos aos atuais padrões
disciplina legal e jurisprudencial, de suas funções e de sua própria estrutura. existenciais e negociais exigidos pelas relações humanas e empresariais (vide
Das lições de Enzo Roppo, deflui a verdade subjacente a essa mudança: Flávio Tartuce. Direito civil, p. 27-30).
“Não existe uma ‘essência’ histórica do contrato; existe sim o contrato, na O repensar da arquitetura contratual é corolário do reconhecimento
variedade das suas formas históricas e das suas concretas transformações” do desajuste verificável entre o modelo paritário de contrato e as relações
(O contrato, p. 348). Não parece ter sido esse o ponto de vista da investigação negociais características da pós-modernidade, vindo a reforçar tal assertiva
doutrinária, entre outros, de Henry Sumner Maine, de Louis Josserand, de as modalidades de contratação denominadas contrato coativo, contrato
René Savatier e de Grant Gilmore, quando preconizaram um retorno do con- necessário, contrato-tipo, contrato coletivo e, o mais difundido deles, o
trato ao status, o fim da idade de ouro da liberdade contratual, a substituição contrato de adesão.
da figura contratual e a morte do contrato, respectivamente. Percebe-se que demandam maior agilidade e fluidez, em virtude da
Dessa incompreensão metodológica surgiu a alardeada crise na teoria despersonalização dos contratantes e da modificação de seus objetos (Paulo
contratual clássica, que se pode entrever em três destacados momentos: crise Nalin. Do contrato: conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na
da massificação, crise da pós-modernidade e crise de confiança (Claudia Lima perspectiva civil constitucional, p. 116-117). Conseqüentemente, conclui-
Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das rela- se que nunca existiu uma fórmula de contrato de uso universal e ahistórico,
ções contratuais, p. 163 e ss.). Em apertada síntese, podemos concluir que: sendo as sucessivas transformações que ele enfrentou ao longo dos tempos,
a) a primeira crise está ligada ao surgimento dos contratos de massa, uma revisão de sua própria racionalidade, adequando-a aos padrões de cada
especialmente os de adesão, como conseqüência do processo econômico de sistema de produção e respectivo modelo de sociedade instituído.
industrialização; seria mais uma crise do dogma da autonomia da vontade Nas palavras de Enzo Roppo, “o contrato muda a sua disciplina, as suas
do que propriamente uma crise do contrato; representou uma crise de trans- funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em
formação positiva do contrato, seu verdadeiro renascimento (Claudia Lima que está inserido” (O contrato, p. 24). Essa foi também a evolução percorrida
Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das pela matéria contratual no direito civil brasileiro desde o Código Civil de
relações contratuais, p. 163-167); 1916 – perpassando por uma fragmentação em microssistemas, a exemplo
b) a segunda crise tem por base as características que a cultura pós- da locação urbana, do arrendamento rural e das relações de consumo – até
moderna lançou sobre o direito; o contrato passou de uma normatividade chegar ao diploma civil em vigor.
geral e única para um regime jurídico plural, a fim de garantir a autonomia real Como salientado alhures, o revogado Código Civil (1916) foi fortemente
da vontade do contratante mais fraco, ao mesmo tempo em que também está influenciado pela tradição jurídica francesa do Código Napoleônico (1804),
voltado para a proteção dos novos bens economicamente relevantes – bens com destaque na seara contratual para o voluntarismo (consagrado no prin-
móveis imateriais ou mesmo bens desmaterializados (Claudia Lima Marques. cípio solus consensus obligat). Isso atendia adequadamente às expectativas
Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações liberais que cercavam a legislação civil sobre o tema dos contratos, quais
contratuais, p. 167-187); sejam, liberdade, igualdade (formal) e intangibilidade contratual, refletindo
c) a terceira crise encontra-se em pleno desenvolvimento, consubs- os princípios informadores daquela codificação: formalismo, individualismo
tanciando no problema da confiança o maior reflexo da fase aprofundada da e patrimonialismo (vide Orlando Gomes. Raízes históricas e sociológicas do
pós-modernidade nas relações contratuais; ao direito civil cabe reconstruir Código Civil brasileiro, p. 1-46).
suas teorias e reforçar seus valores éticos e sociais visando fazer frente aos O perfil do contrato começa a mudar na pós-modernidade jurídica,
desafios da sociedade contemporânea, destruidora das bases, crenças e relevando a necessidade de equilíbrio entre livre iniciativa e regulação estatal,
36 Direito dos Contratos EVOLUÇÃO HISTÓRICA 37

na medida em que resguarda os valores atinentes à justiça social e aos direitos conseqüência da abertura sistêmica do Código Civil, possibilitando uma
fundamentais. Na esteira do Código de Defesa do Consumidor (1990), não constante aproximação entre os postulados da ordem positivada e os reclamos
parece ser outra a postura adotada pelo atual Código Civil (2002), especialmente da realidade social.
quando preceitua como cláusulas gerais principiológicas em matéria contratual Mas isso não é algo que se opera por si mesmo, sendo indispensável
a função social do contrato (art. 421) e a boa-fé objetiva (art. 422). recorrer a um complexo processo hermenêutico de realização jurídica. O
Na realidade, o que temos de inovador é um reflexo mesmo das diretrizes pensamento metodológico oriundo da nova codificação concretiza uma fase
teóricas plantadas a título de princípios informadores no atual Código Civil: de jurisprudencialismo no direito civil brasileiro, em que o caso concreto e
eticidade, socialidade e operabilidade. A eticidade rompendo o formalismo os princípios jurídicos envolvidos constituem o ponto de partida e os fun-
civilístico em proveito dos valores éticos do ordenamento jurídico; a socialidade damentos, respectivamente, para que o intérprete, imbuído de razão prática,
superando o caráter individualista dos institutos civis em reconhecimento do possa encontrar a solução do problema em análise, daí porque também é
predomínio do social; e a operabilidade estabelecendo soluções normativas denominado paradigma judicativo-decisório (Francisco Amaral. O Código
para facilitar a interpretação e a aplicação do texto civil codificado (Miguel Civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização: do paradigma
Reale. História do novo Código Civil, p. 37-42). da aplicação ao paradigma judicativo-decisório, p. 21-24).
Com base na doutrina de Judith Martins-Costa e Gerson Luiz Carlos Concluindo, a tendência do contrato em uma perspectiva civil consti-
Branco podemos asseverar que estes princípios constituem o espírito da nova tucional aponta para a sua inserção no projeto social articulado pela ordem
codificação, conquanto seja a eticidade reconhecida como fundamento das jurídica vigente no país, com lastro na dignidade da pessoa humana (art. 1.°,
normas civis e a socialidade como característica do direito civil contemporâneo
III, da CF), na solidariedade social (art. 3.°, I, da CF) e nos princípios gerais
(Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro, p. 130-160), não obstante
da atividade econômica (art. 170 da CF), ou seja, renascem as promessas de
sua inadequação diante do ideal de democracia social e respeito às minorias,
cidadania e justiça social no horizonte contratual (Teresa Negreiros. Teoria
particularidades inerentes ao Estado Democrático de Direito, por ter-se deixado
do contrato: novos paradigmas, p. 107-108).
acorrentar a concepções axiológicas concernentes ao excedido Estado Social
de Direito (Mário Lúcio Quintão Soares e Lucas Abreu Barroso. A dimensão 3. RESUMO ESQUEMÁTICO
dialética do novo Código Civil em uma perspectiva principiológica, p. 2).
1. De Roma ao liberalismo
Enfim, a decisiva transformação do direito dos contratos no último século
e meio – ou, melhor ainda, desde a vitória burguesa – foi a sujeição da vontade • No direito romano, o contrato somente se afirma como um conceito
jurídico e passa a exercer a função regulatória das operações econômicas
dos contratantes ao interesse coletivo, em conformidade com as exigências do
a partir da época justinianéia.
bem comum (Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Contrato: estrutura
milenar de fundação do direito privado – Superando a crise e renovando prin- • Na Idade Média, com a formação do ius commune, o instrumento contratual
cípios, no início do vigésimo primeiro século, ao tempo da transição legislativa passa a ocupar lugar de relevo na economia de mercado recém-inaugurada
civil brasileira, p. 119-120). A disciplina contratual hodierna reclama por um no âmbito do Estado absolutista.
comprometimento ético e político dos contratantes, alargando enormemente • O Code Napoléon (1804) assimilou o paradigma geral e abstrato, capaz
as fronteiras de seu instrumento técnico (Giselda Maria Fernandes Novaes de fazer o contrato acolher um conteúdo variado, alargando seu uso
Hironaka. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado – Supe- e possibilidade prática, o que influenciou diversas legislações civis
rando a crise e renovando princípios, no início do vigésimo primeiro século, posteriores, entre elas a brasileira (1916).
ao tempo da transição legislativa civil brasileira, p. 123). 2. Da Segunda Revolução Industrial ao direito civil contemporâneo
A alocação destas determinantes metajurídicas no ordenamento con- • A idéia que se deve assimilar em torno da crise dos contratos está associada
tratual resulta do gerenciamento de necessidades sociais pelo constituciona- a um novo arranjo no que tange aos princípios e regras do direito dos
lismo democrático (Joaquim de Sousa Ribeiro. Direito dos contratos: estudos, contratos nos meandros do direito civil do século XXI, tendo por alicerce
p. 44), ao mesmo tempo em que oportuniza a humanização, a socialização os fundamentos socioeconômicos vigentes.
e a moralização do direito dos contratos (Orlando Gomes. Transformações • O perfil do contrato começa a mudar na pós-modernidade jurídica,
gerais do direito das obrigações, p. 2), o que se torna, agora, mais factível em relevando a necessidade de equilíbrio entre livre iniciativa e regulação
38 Direito dos Contratos

estatal, na medida em que resguarda os valores atinentes à justiça social


e aos direitos fundamentais.
• A decisiva transformação do direito dos contratos no último século e
meio – ou, melhor ainda, desde a vitória burguesa – foi a sujeição da
vontade dos contratantes ao interesse coletivo, em conformidade com
as exigências do bem comum.
• A tendência do contrato em uma perspectiva civil constitucional aponta
para a sua inserção no projeto social articulado pela ordem jurídica vigente
no país, com lastro na dignidade da pessoa humana, na solidariedade
social e nos princípios gerais da atividade econômica.
II
Conceito e funções
LUCAS ABREU BARROSO

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consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, autor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São
40 Direito dos Contratos CONCEITO E FUNÇÕES 41

Paulo: RT, 2007 – Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Função ambiental do contrato: proposta (ideal, moral, cultural etc.) ao contratar, ainda assim o contrato terá que re-
de operacionalização do princípio civil para a proteção do meio ambiente. In: 11.º Congresso sultar objetivamente em uma operação econômica. Em outros termos: Sem
Internacional de Direito Ambiental. Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e
APP. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. v. 1.
transferência de riqueza não há que se falar em contrato, mesmo que exista
entre as partes a convicção de se obrigarem legalmente.
1. O QUE É O CONTRATO? Com efeito, podemos afirmar pela existência de operação econômica
– e, logo, de possível matéria contratual – onde esteja presente a circulação da
Na pós-modernidade, a capacidade científica do direito em produzir
riqueza, efetiva ou potencial, isto é, transmissão patrimonial de um sujeito para
verdades encontra-se absolutamente mitigada, devendo ser encarado como outro (Enzo Roppo. O contrato, p. 13). Portanto, nas economias liberais, todas as
conhecimento jurídico aquilo que corresponda rigorosamente aos fatos pessoas estão compreendidas por alguma rede contratual, mesmo as carecedoras
concretos da realidade socioeconômica. Portanto, resta impossível oferecer de bens (Jorge Mosset Iturraspe. Teoría general del contrato, p. 48).
um conceito estrutural de contrato, nos moldes tradicionais da sistemática
Tendo em mente a sua função econômica, Humberto Theodoro Júnior
civilista, pois o contrato hoje é um instituto multifacetário, abarcando as
acentua que o contrato apenas reconhece um fato inevitável do cotidiano social,
diversas vicissitudes da sociedade, a partir de suas múltiplas interações hu-
procurando impor a ele certos condicionamentos, até porque seria descabida
manas e empresariais. qualquer norma que visasse impedir o contrato ou que buscasse afastá-lo do
Apesar disso, não seria de todo descabido indicar a direção paradigmática campo das operações de mercado (O contrato e sua função social, p. 95).
que o contrato terá que seguir após a edição do Código Civil de 2002, sobretudo Neste contexto, o contrato se afigura um instrumento propulsor da
em face de sua peremptória leitura constitucional. E o fazemos orientados pela ordem econômica, ao exercer a tarefa de jurisdicizar e conferir segurança
preciosa conclusão de Paulo Nalin, para quem o contrato entre particulares jurídica às relações inter-humanas e empresariais de índole particular, sendo
é a “relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, categoria jurídica de fundamental importância para a organização da socie-
destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só dade contemporânea.
entre os titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros” (Do Este é o motivo pelo qual não se pode mais vislumbrar o contrato, se-
contrato: conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva gundo Ricardo Luis Lorenzetti, como fenômeno economicamente neutro; ele
civil constitucional, p. 253). passa a incorporar efeitos distributivos; consubstancia-se hodiernamente como
Para tanto, no instante mesmo em que o contrato recebe este novo im- operação econômica distributiva. Na verdade, “a figura do contrato sempre
pulso jurídico e ideológico, avulta indiscutivelmente a relevância do papel cumpriu funções econômicas, individuais e macroeconômicas” (Fundamentos
do juiz na realização dos valores e interesses nele contidos, tendo em vista o do direito privado, p. 541).
integral cumprimento dos deveres contratuais gerais (justiça, solidariedade,
cooperação, função social, boa-fé, equivalência material, confiança, transpa- 3. A FUNÇÃO REGULATÓRIA DO CONTRATO
rência e informação) nesses tempos de transição para o modelo hermenêutico O sistema de produção vigente e o correlato modelo de estrutura social
judicativo-decisório no direito civil brasileiro. que lhe é peculiar, cada vez mais, intensificam e buscam diversificar as formas de
geração de riquezas, tornando imprescindível a proporcional utilização de um
2. A FUNÇÃO ECONÔMICA DO CONTRATO instituto jurídico que discipline as relações engendradas a fim de tornar factíveis
O contrato possui função econômica na medida em que concretiza um a circulação de bens, serviços, créditos e direitos, de natureza material e imaterial,
instrumento de circulação de riqueza e difusão de bens (Mônica Yoshizato dando concreção às atividades econômicas atinentes ao direito civil.
Bierwagen. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo Código Assim sendo, o contrato assimila e cumpre sua função regulatória no
Civil, p. 63), sendo esta sua essencial destinação, eis que contrato sem fun- momento em que enfeixa os direitos e obrigações assumidas pelas partes
ção econômica simplesmente não é contrato (Humberto Theodoro Júnior. O (Mônica Yoshizato Bierwagen. Princípios e regras de interpretação dos contratos
contrato e sua função social, 2003, p. 99). no novo Código Civil, p. 63), materializando o princípio da autonomia privada,
O seu substrato é a patrimonialidade, melhor ainda, a economicidade, pois exteriorizado pelo exercício da liberdade contratual.
opera exclusivamente nas relações que têm por base o elemento econômico. Nesse sentido, Enzo Roppo (O contrato, p. 125-126) alude a duas signi-
Não obstante, mesmo que as partes sejam movidas por interesses subjetivos ficações para a expressão contrato: a) contrato como processo, “a seqüência dos
42 Direito dos Contratos CONCEITO E FUNÇÕES 43

actos que – praticados pelas partes em conformidade com o modelo fixado partes; b) da conformação estatal da atuação dos contratantes na estipulação
pela lei – permite dizer que um contrato se formou legalmente e que, por isso, do contrato por meio da fixação de normas legais e da intervenção judicial
as obrigações assumidas pelas partes, os resultados por elas prosseguidos, se visando a revisão dos efeitos do contrato.
tornaram juridicamente vinculantes”; b) contrato como regulamento, indicando Naquela hipótese, haja vista que, mesmo atribuindo às partes a prerro-
seu conteúdo imperativo, “ao qual as partes se vincularam, aquilo que, com gativa de estabelecer o que lhes parece mais conveniente, a propósito de seus
base no contrato, devem dar ou fazer e aquilo que, com base no contrato, interesses, ao contratar (vide Cesare Massimo Bianca. Diritto civile, p. 315-
podem esperar ou pretender da outra parte (...)”. 317), estes acabam por estar ajustados dentro do esquema de formalização
A segunda delas, contrato como regulamento, particularmente interessa jurídica que o contrato representa.
aos objetivos do tópico em comento, porquanto destinada a indicar o resultado Nesta conjetura, por abrigar tanto o direito dos contratos quanto a
do contrato, o conjunto de direitos e obrigações que as partes reciprocamente intervenção estatal no domínio contratual.
assumiram e que concretizam a operação econômica por elas pretendida, O direito dos contratos compreendido enquanto “o conjunto – histori-
tudo isso resultando do conjunto de cláusulas articuladas no texto contratual camente mutável – das regras e dos princípios, de vez em quando escolhidos
(Enzo Roppo. O contrato, p. 126). Determinar, pois, o conteúdo do contrato para conformar, duma certa maneira, aquele instituto jurídico, e, portanto, para
significa definir o disciplinamento que os interesses das partes receberão no dar um certo arranjo – funcionalizado a determinados fins e a determinados
campo jurídico. interesses – ao complexo das operações económicas efectivamente levadas a
Destarte, como dito anteriormente, materializa a autonomia privada, cabo” (Enzo Roppo. O contrato, p. 11).
definida por Francisco Amaral “como poder de criar, nos limites da lei, normas O dirigismo contratual – como é mais conhecida a intervenção estatal
jurídicas, vale dizer, o poder de alguém de dar a si próprio um ordenamento na economia do contrato – é provocado tanto por meio da utilização de
jurídico e, objetivamente, o caráter próprio desse ordenamento, constituído normas de ordem pública (cogentes), quanto pela intervenção judicial nos
pelo agente, diversa mas complementarmente ao ordenamento estatal” (Di- contratos, estando fundamentado na prevalência dos interesses coletivos so-
reito civil: introdução, p. 345), e exterioriza a liberdade contratual, no dizer bre os individuais, a fim de reduzir as desigualdades fáticas verificáveis entre
de Mônica Yoshizato Bierwagen “de pactuar, discutir, alterar as condições do os contratantes (César Fiuza; Giordano Bruno Soares Roberto. Contratos de
contrato, resolvê-lo, prorrogá-lo, enfim, fixar-lhe o conteúdo” (Princípios e adesão, p. 43).
regras de interpretação dos contratos no novo Código Civil, p. 74). O dirigismo contratual é um dos meios pelos quais se perfaz o atendi-
Cumpre ressaltar, todavia, que o contratante não cria o direito, mas mento da função social do contrato (Humberto Theodoro Júnior. O contrato e
concretiza-o. Isso implica dizer que deve respeitar os seus pressupostos, e não sua função social, p. 105), com vistas a proteger o economicamente mais fraco
agir isoladamente (Ricardo Luis Lorenzetti. Fundamentos do direito privado, p. e restabelecer o equilíbrio contratual, porquanto a ordem econômica tem por
546). Tal advertência se faz oportuna porque, na realidade, o direito é anterior fim último assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
à produção contratual, mesmo em se tratando dos contratos atípicos, uma social (art. 170, caput, da CF), sendo esta, sem prejuízo da liberdade da pessoa
vez que em relação a estes se verifica somente a ausência de tipologia legal, humana, a direção a ser perseguida pela autonomia privada e, portanto, pelo
o que não afasta a aplicação das demais regras jurídicas estabelecidas pelo contrato (Francisco Amaral. Direito civil: introdução, p. 366).
direito dos contratos. Em outras palavras, para Ricardo Luis Lorenzetti, “a
criação individual é um momento constitutivo, enquanto incorporação ou 4. A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
reinterpretação de um corpus normativo preexistente” (Fundamentos do direito A doutrina da função social, dada a dimensão que logrou alcançar, ao
privado, p. 546), mesmo porque a autonomia privada não é auto-suficiente, compatibilizar os postulados jurídicos e a realidade fática nas relações eco-
devendo coligir inúmeras disposições complementares que não surgem da nômicas e sociais, transcendeu o direito de propriedade, alcançando outros
vontade das partes (Ricardo Luis Lorenzetti. Fundamentos do direito privado, institutos do direito civil. Assim chegando aos contratos, imprimiu-lhe uma
p. 537). nova compreensão, destinada a condicionar a autonomia privada e a liberdade
Do exposto se pode subsumir que a função regulatória comporta duas contratual, haja vista que o seu exercício está direcionado para a satisfação
vertentes, afinal reveladas sob o espectro unitário acima enunciado (contrato de interesses sociais (Mônica Yoshizato Bierwagen. Princípios e regras de
como regulamento): a) da auto-regulamentação do conteúdo contratual pelas interpretação dos contratos no novo Código Civil, p. 63).
44 Direito dos Contratos CONCEITO E FUNÇÕES 45

A autonomia privada e a liberdade contratual, em virtude dos reclamos Todo o entendimento acima exposto resultou na redação do art. 421 do
que afluem da sociedade, encontram-se permeadas por normas de ordem atual CC: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
pública (cogentes), em substituição às disposições de caráter francamente função social do contrato”. A determinação normativa em tela, afora o equí-
individualistas, estruturadas sob a égide do liberalismo. Destarte, não há como voco cometido pelo legislador – ao invés de liberdade de contratar (dimensão
conceber o contrato em nossos dias impregnado por noções que exprimem subjetiva da vontade: celebrar o contrato ou não) está nitidamente se referindo
inexoravelmente a ideologia capitalista. A inserção de novos parâmetros na à liberdade contratual (dimensão objetiva da vontade: poder de estabelecer
seara contratual é necessidade que se impõe na consecução da justiça entre os o conteúdo do contrato) –, demonstra com muita clareza a fundamental
contratantes (vide Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Direito civil: importância que é atribuída à matéria, tanto que inseriu de forma inédita na
estudos, p. 101-117). sistemática civil codificada de todo o mundo o princípio da função social do
Com as modificações estruturais por que passou a sociedade con- contrato como cláusula geral do direito dos contratos.
temporânea, corolário dos novos princípios reguladores das economias de Em sentido funcional, a utilização das cláusulas gerais exprime a exi-
mercado e da influência decisiva da globalização, bem como dos resultados gência do ordenamento jurídico de remeter continuamente seus princípios e
que o avanço tecnológico ocasionou nos meios de produção e de circulação regras para a avaliação e as normas sociais (Pietro Perlingieri e Pasquale Femia.
de riqueza, propugnava-se pelo redimensionamento de determinados con- Nozioni introduttive e principi fondamentali del diritto civile, p. 32). Em um juízo
ceitos da teoria contratual, condicionando o instrumento de sua realização metodológico, significa “uma formulação da hipótese legal que, em termos de
grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio
aos reclamos sociais envolvidos no processo histórico descrito.
de casos” (Karl Engisch. Introdução ao pensamento jurídico, p. 229).
Claudia Lima Marques atenta a estas transformações, que tornaram
Para os fins deste estudo, tais planos funcional e metodológico indicam
insuficientes as regras contidas no direito contratual clássico e deram uma
que as cláusulas gerais atuam como instrumentos de aproximação do diploma
feição diferenciada ao contrato, manifesta que tudo isso acabou mitigando a
civil com os demais princípios e regras do ordenamento jurídico, assim tam-
idéia de que se garantindo a liberdade contratual estaria assegurada a justiça
bém relativamente às normativas constitucionais e às diretivas de natureza
entre os contratantes (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo social, econômica e política (Judith Martins-Costa. A boa-fé no direito privado:
regime das relações contratuais, p. 163). Do ideal de igualdade formal (pe- sistema e tópica no processo obrigacional, p. 274).
rante a lei) evoluíram as relações contratuais à procura da igualdade material
Como primordial instrumento da circulação de riqueza é inegável que
(solidariedade social).
o contrato tenha, então, uma função social a desempenhar, que somente
Não obstante a função social do contrato (aspecto dinâmico da atividade pode ser alcançada quando o interesse coletivo se sobreponha ao individual.
econômica) esteja constitucionalmente inserida na previsão geral da função Também as regras de direito intertemporal dispostas na nova codificação civil
social da propriedade (aspecto estático da atividade econômica) enquanto não olvidaram a função social do contrato, elevando-a ao estado de norma de
princípio-base da ordem econômica (art. 170, II, da CF), torna-se impreterí- ordem pública (cogente).
vel a observância de todos os aspectos que aquela contempla, tendo em vista Conseqüentemente, resta eivada de nulidade, total (da somatória de
garantir a dignidade dos contratantes, conforme os ditames da justiça social suas cláusulas) ou parcial (de apenas uma ou algumas de suas cláusulas, em
(Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Daniel Queiroz Pereira. Função atendimento ao princípio da conservação do negócio jurídico), qualquer
social do contrato, p. 79). convenção que venha contrariá-la (art. 2.035, parágrafo único, do CC). Há
O Código de Defesa do Consumidor não se descurou da novel perspectiva que se ressaltar, portanto, a aplicação imediata e retroativa da função social
que se vislumbrava na seara contratual, estabelecendo no art. 1.º que suas do contrato, contra ela não cabendo invocar as alegações de direito adqui-
normas visam proteger a ordem pública e o interesse social, o que demonstra rido ou ato jurídico perfeito, previstos no art. 5.º, XXXVI, da CF (Mário
a sua insatisfação com as regras ortodoxas do direito civil vigentes até a sua Luiz Delgado. Problemas de direito intertemporal no código civil: doutrina e
publicação e que acabaria por justificar a necessidade de um microssistema jurisprudência, p. 91).
de proteção dos direitos dos consumidores (Ada Pellegrini Grinover et al. Na prática, a função social do contrato é revelada através de sua eficácia
Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do ante- interna (entre os contratantes) e de sua eficácia externa (além dos contratantes),
projeto, p. 499-500). o que permite falarmos em dupla eficácia no que concerne ao princípio em
46 Direito dos Contratos CONCEITO E FUNÇÕES 47

análise, respectivamente, em proteção aos direitos individuais e objetivando é decorrência imposta pelo próprio contexto socioeconômico das atuais
resguardar os direitos metaindividuais, entendimento confirmado pelo Enun- sociedades democráticas.
ciado n. 23 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (Flávio
Tartuce, Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao 5. O CONTRATO TAMBÉM POSSUI FUNÇÃO AMBIENTAL
Código Civil de 2002, p. 243-244 e 253; vide Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Uma ideologia político-jurídica orientada a alcançar a cidadania e a
Função social do contrato: os novos princípios contratuais, p. 113-155). Isso justiça ambientais, enquanto novas dimensões da teoria contratual, precisa
porque, a função social do contrato somente se perfaz, em sua plenitude, conseguir a inserção no ordenamento jurídico vigente de um aparato normativo
quando no vínculo contratual estejam convergindo os interesses das partes adequado para condicionar a liberdade contratual em virtude da preservação
e os interesses coletivos (Mônica Yoshizato Bierwagen. Princípios e regras de e conservação do meio ambiente para as presentes e as futuras gerações.
interpretação dos contratos no novo Código Civil, p. 67). Não teria cabimento no atual estágio de desenvolvimento das teorias do
Vários dispositivos do Código Civil em vigor concretizam a eficácia Estado e do Direito qualquer concepção que entendesse ser possível a utilização
interna da função social do contrato, dentre os quais podemos citar os arts. do instrumento contratual público ou privado em confronto com os interesses
157, 170, 187, 413, 423 e 424; de idêntica maneira também foi prestigiada a da coletividade, de modo que as vantagens administrativas e particulares ali
eficácia externa da função social do contrato na atual codificação civil, exem- buscadas não podem tornar desprezível o meio ambiente (Roberto Senise
plificativamente, nos arts. 436 a 438, 439 a 440 e 467 a 471 (Flávio Tartuce. Lisboa. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho,
agrário, locação, autor, p. 467).
Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002, p. 251-252). Flávio Tartuce, com muita acuidade, alude neste ponto à hipótese
de um contrato que seja inteiramente construtivo se considerados os seus
Efetivamente, percebe-se a eficácia interna da função social do contrato:
efeitos entre os contratantes, mas que se revela ruim para a sociedade por
“a) pela mitigação da força obrigatória do contrato; b) pela proteção da parte ter funcionado como intermediário de um dano ambiental (Flávio Tartuce.
vulnerável da relação contratual, caso dos consumidores e aderentes; c) pela Direito civil, p. 97).
vedação da onerosidade excessiva; d) pela tendência de conservação contratual,
Portanto, estamos a cogitar do meio ambiente a partir da interação que
mantendo a autonomia privada; e) pela proteção de direitos individuais rela-
mantém reciprocamente com a sociedade, eis que as questões ambientais são
tivos à dignidade humana; f) pela nulidade de cláusulas contratuais abusivas problemas políticos, sociais, econômicos, culturais e jurídicos, ao mesmo
por violadoras da função social” (Flávio Tartuce. Função social dos contratos: tempo em que da função ambiental do contato como substrato do Estado
do código de defesa do consumidor ao Código Civil de 2002, p. 415-416). Democrático de Direito.
A seu turno, pode-se inferir a eficácia externa da função social do contrato As imposições que da segunda proposição derivam são a utilização ade-
quando este “gera efeitos perante terceiros (tutela externa do crédito), bem quada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente,
como das hipóteses em que uma conduta de terceiro repercute no contrato. preocupações já contidas na legislação brasileira desde a Lei 4.947/1966 (art.
Também, denota-se essa eficácia externa pela proteção de direitos metaindi- 13, III) e seu Regulamento (Dec. 59.566/1966, art. 13, II).
viduais e difusos” (Flávio Tartuce. Função social dos contratos: do código de Os fatores ambientais informam dispositivos legais cuja observância
defesa do consumidor ao código civil de 2002, p. 416). constitui causa justificativa do exercício da liberdade contratual, pois contidos
Por fim, cabe salientar, ainda, a necessidade de que através do diálogo em normas de ordem pública (cogentes), não sendo possível a auto-regula-
das fontes o princípio em análise seja recepcionado em toda a órbita em que mentação da vontade pelas partes derrogá-los.
encontre receptividade o contrato, relacionado como esteja com qualquer Tais fatores ambientais possibilitam, ainda, a oposição de terceiros aos
das estruturas jurídicas (direito administrativo, direito agrário, direito do contratos em que o objeto (jurídico ou material) importe em prejuízo para o
trabalho etc.), para que aí também se estabeleça a justiça contratual, sendo meio ambiente, o que se dará através de atuação, para tais fins, administrativa
certo que a função social do contrato somente estará devidamente cumprida (pelo Estado) ou judicial (pelos particulares, seus substitutos processuais ou
quando o instrumento contratual representar uma fonte de equilíbrio social pelo próprio Estado).
(Mônica Yoshizato Bierwagen, Princípios e regras de interpretação dos contra- Com efeito, a revisão contratual e a responsabilidade (solidária) das
tos no novo código civil, p. 64). Destarte, esta novel concepção do contrato partes, enquanto formas de operacionalização da função ambiental do
48 Direito dos Contratos CONCEITO E FUNÇÕES 49

contrato, são consubstanciadas por categorias jurídicas bastante conhecidas • A função regulatória comporta duas vertentes: a da auto-regulamentação
em matéria de tutela do meio ambiente, quais sejam, a ação civil pública, o do conteúdo contratual pelas partes e a da conformação estatal da atuação
compromisso de ajustamento de conduta, o mandado de segurança, a ação dos contratantes na estipulação do contrato.
popular, entre outros (Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Função ambiental 4. A função social do contrato
do contrato: proposta de operacionalização do princípio civil para a proteção • A função social do contrato somente pode ser alcançada quando o
do meio ambiente, p. 688). interesse coletivo se sobreponha ao individual.
Destarte, é premente a necessidade de densificar os ditames normativos • A função social do contrato é revelada através de sua eficácia interna (entre
de proteção ao meio ambiente em face dos contratos individuais e coletivos os contratantes) e de sua eficácia externa (além dos contratantes).
– sejam ambos paritários ou por cláusulas predispostas – que ocasionem • A função social do contrato deve repercutir em toda a órbita em que
encontre receptividade o instrumento contratual, relacionado como
ameaça de prejuízo ou dano efetivo aos bens ambientais (Roberto Senise
esteja com qualquer das estruturas jurídicas (direito administrativo,
Lisboa. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, direito agrário, direito do trabalho etc.)
agrário, locação, autor, p. 465). 5. O contrato também possui função ambiental
Cumpre ressaltar, no tocante aos contratos coletivos, que convenções
• O instrumento contratual público ou privado não pode estar em confronto
elaboradas visando à tutela ambiental apresentam bastante utilidade, tendo com os interesses da coletividade em matéria ambiental, em virtude da
resultado da iniciativa de entidades para este fim constituídas ou de associa- preservação e conservação do meio ambiente para as presentes e as
ções de proprietários de imóveis buscando evitar práticas atentatórias ao meio futuras gerações.
ambiente (Roberto Senise Lisboa. Contratos difusos e coletivos: consumidor, • Os fatores ambientais informam dispositivos legais cuja observância
meio ambiente, trabalho, agrário, locação, autor, p. 482). constitui causa justificativa do exercício da liberdade contratual, pois
Os contratos são, portanto, postos em sintonia com os princípios cons- contidos em normas de ordem pública (cogentes).
titucionais fundamentais, ficando, para além do atendimento da função social
a que estão adstritos, subordinados às preceituações de cunho ambiental. As
funções social e ambiental do contrato, deste modo, integram o conjunto
de princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito, com força
vinculante sobre a interpretação e a aplicação jurídicas.

6. RESUMO ESQUEMÁTICO
1. O que é o contrato?
• O contrato hoje é um instituto multifacetário, abarcando as diversas
vicissitudes da sociedade, a partir de suas múltiplas interações humanas
e empresariais.
2. A função econômica do contrato
• O contrato possui função econômica na medida em que concretiza um
instrumento de circulação de riqueza e difusão de bens.
• O contrato se afigura um instrumento propulsor da ordem econômica,
ao exercer a tarefa de jurisdicizar e conferir segurança jurídica às relações
inter-humanas e empresariais de índole particular.
3. A função regulatória do contrato
• O contrato assimila e cumpre sua função regulatória no momento em
que enfeixa os direitos e obrigações assumidas pelas partes.
ELEMENTOS 51

As definições de negócio jurídico são amplas e variadas, tendo pratica-


mente cada jurista a sua. Porém, a grande maioria refere-se à gênese do negócio
jurídico, ou seja, à vontade (Antônio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico:
III existência, validade e eficácia, p. 4). Definem o negócio jurídico como o ato
de vontade que resulta em efeitos jurídicos.
Elementos Manuel António Domingues de Andrade, seguindo tal corrente do
pensamento, define o negócio jurídico “como um facto voluntário lícito cujo
EDUARDO LUIZ BUSSATTA núcleo essencial é constituído por uma ou várias declarações de vontade
privada, tendo em vista a produção de certos efeitos práticos ou empíricos,
predominantemente de natureza patrimonial (econômica) com ânimo que
Bibliografia tais efeitos sejam tutelados pelo direito – isto é, obtenham a sanção da ordem
Antônio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. 5. tir. São jurídica, e a que a lei lhe atribui efeitos jurídicos correspondentes, determi-
Paulo: Saraiva, 2007 – António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. Direito das obrigações. nados, grosso modo, em conformidade com a intenção do declarante ou dos
Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986. v. 1 – Claudia Lima declarantes (autores ou sujeitos do negócio)” (Teoria geral da relação jurídica:
Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1998 – Emilio Betti. fato jurídico, em especial negócio jurídico, p. 25).
Teoria geral do negócio jurídico. Tradução Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZM, 2003.
t. 1 – Enzo Roppo. O contrato. Tradução Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: O contrato, como negócio jurídico, deve ser analisado em seus três
Almedina, 1988 – Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Rio planos: a) plano da existência, no qual se afere justamente a existência dos
de Janeiro: Borsoi, 1954. t. 5 – Maria Helena Diniz. Tratado teórico e prático dos contratos. elementos essenciais, sem os quais o contrato poderá ser – juridicamente
4. ed., São Paulo: Saraiva, 2002. Manuel António Domingues de Andrade. Teoria geral da ou não – qualquer coisa, menos contrato; b) plano da validade, em que se
relação jurídica: fato jurídico, em especial negócio jurídico. Coimbra: Almedina, 1992. v. 2
verifica se os elementos do plano de existência estão de acordo com o orde-
– Marcos Bernardes de Mello. Teoria do fato jurídico: plano da existência. São Paulo: Saraiva,
2001 – Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil 2. ed. namento jurídico, o que significa, se se encontram presentes os requisitos de
São Paulo: Saraiva, 2006. t. 1 e 4 – Ricardo Luis Lorenzetti. Fundamentos do direito privado. validade, de forma que o contrato seja apto a gerar efeitos jurídicos; c) plano
Tradução Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998 – Sophie Gjidara. L’endettement de eficácia, no qual o jurista deverá verificar se o contrato efetivamente gera
et le droit prive. Paris: LGDJ-Montchrestien, 1999. os efeitos queridos pelas partes, o que somente ocorrerá caso os fatores de
eficácia – acontecimentos externos que subordinam a eficácia no negócio
1. INTRODUÇÃO – de fato se derem.
Como todo e qualquer fenômeno jurídico, o contrato necessita de ele- Como dito, no plano da existência se indaga quanto ao ser do negócio
mentos que o constituem. Assim, quando falamos em elementos constitutivos, jurídico, a sua existência para o mundo do direito. A análise realiza-se quanto
nos referimos justamente àqueles elementos que constituem o contrato, sem à existência dos elementos ou pressupostos que a lei considera necessários
os quais ele não existe, ao menos para o mundo jurídico. para que o fato social possa entrar para o mundo jurídico.
Dentre os acontecimentos cotidianos, somente interessam para o direito Emilio Betti afirma que “o ato antes de ser encarado como ato jurídico
aqueles que sofrem a incidência de uma regra jurídica em seu suporte fático deve ser, existir como realidade material, isto é, como conjunto de dados fáticos
(Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 3), sendo designados por que corresponda ao tipo jurídico (fattispecie). Se, nem ao menos, esses dados
fatos jurídicos (em sentido lato). Alguns acontecimentos relevantes para o mínimos de natureza material ocorreram e a fattispecie não se configurou, o
mundo do direito são decorrentes das ações humanas, especialmente os de- caso é de inexistência do ato jurídico e não apenas de nulidade” (Teoria geral
nominados negócios jurídicos, espécie de ato jurídico no qual se admite que o do negócio jurídico, p. 17-18).
agente, de acordo com disposições legais de ordem pública, pela autonomia Ora, de fato, nada mais natural do que a análise sobre determinado acon-
privada, crie regras jurídicas a fim de obter efeitos jurídicos desejados. tecimento, com relevância para o mundo jurídico, se inicie com a indagação
A realização de efeitos jurídicos é a finalidade para a qual são criados todos da sua existência enquanto tal. “A existência do fato jurídico, constitui, pois,
os negócios jurídicos. De fato, os negócios jurídicos visam transformar o mundo a premissa de que decorrem todas as demais situações que podem acontecer
que os circunda, justamente por meio da realização de efeitos jurídicos. no mundo jurídico” (Teoria do fato jurídico: plano da existência, p. 83).
52 Direito dos Contratos ELEMENTOS 53

2. AS PARTES E O PAPEL DA VONTADE art. 4.º do mesmo Codex). A respeito do assunto, remetemos o leitor para o
Volume 1 da presente coleção.
Não há como se pensar em contrato desvinculado dos contratantes, ou
seja, das pessoas que o praticam. Como negócio jurídico bilateral, é necessária As pessoas manifestam a sua vontade, o seu querer, ao entabularem
a presença de, ao menos, duas pessoas manifestando suas vontades para que contratos. De fato, toda a doutrina define inicialmente o contrato como um
o contrato venha a existir. Exceção a isso se refere ao chamado contrato con- acordo de vontades. Os contratantes, no exercício de sua autonomia priva-
sigo mesmo, em que uma única pessoa, por si mesma e como representante da, que é poder conferido pelo ordenamento jurídico para criar direitos de
de uma terceira, conclui um contrato. Na verdade, não seria de fato uma acordo com o seu interesse, estabelecem, através de sua vontade, os direitos
exceção, na medida em que a mesma pessoa manifesta duas vontades, por si e obrigações que caberão a cada qual. É certo que “sem querer humano, não
e por seu representado, vez que age em nome deste último. Como regra geral, há negócio jurídico e, não havendo negócio, não há que se falar em contrato”
(Gagliano e Pamplona Filho. Novo curso de direito civil, p. 18).
somente é admitida tal contratação quando expressamente autorizada pelo
representado ou por lei (art. 117 do CC) (Maria Helena Diniz. Tratado teórico A vontade sempre foi a principal fonte de regulamentação contratual,
e prático dos contratos, p. 9). ou seja, de especificação de seu conteúdo, razão pela qual se dá tamanha
atenção à interpretação dela. “Isso significa, em substância, que os operadores
Assim, na compra e venda, por exemplo, haverá, necessariamente, uma
são tendencialmente livres para organizar e desenvolver as suas atividades
pessoa que assume a obrigação de entregar a coisa descrita no contrato e outra
econômicas, na forma do contrato, segundo as modalidades e condições que
que assume a obrigação de pagar o preço ali também estabelecido.
melhor correspondem aos seus interesses, afastando modalidades e condições
Quando nos referimos à pessoa, estamos a falar daqueles a quem o direito conflituantes com os mesmos” (Roppo. O contrato, p. 142).
atribui personalidade, ou seja, de ser titular de direitos e obrigações.
Na concepção tradicional de contrato a idéia de valor da vontade é seu
Outrossim, qualquer pessoa pode contratar. A pessoa física, ou seja, o elemento principal. Tudo dela advém, é sua fonte única e o que legitima o
ente humano, está autorizado a realizar os contratos que reputa relevantes nascimento de direitos e de obrigações (Claudia Lima Marques. Contratos no
para o desenvolvimento de sua personalidade. Código de Defesa do Consumidor, p. 39). Fruto do liberalismo e do voluntarismo,
Também a pessoa jurídica, que é o ente ideal, formado de acordo com as tal concepção se funda no fato de que o homem, ser racional por natureza, era
normas jurídicas, pela união de pessoas ou de especial patrimônio vinculado livre para contratar ou não contratar. Logo, se decidir contratar, certamente
à atividade, que o direito atribui personalidade jurídica distinta da de seus o fará de forma que lhe traga os melhores benefícios possíveis.
formadores. E, de fato, dado o desenvolvimento da atividade empresarial no Cabia, portanto, ao direito: a) assegurar a livre manifestação de vontade
Brasil e no mundo, com a massificação da produção e do consumo, grande (o que justifica a importância dada à teoria dos vícios da vontade); b) que as
parte dos contratos tem, ao menos de um lado, uma pessoa jurídica. prestações prometidas sejam efetivamente cumpridas pelas partes.
Ao lado das pessoas, admite-se que os contratos sejam entabulados por “A doutrina da autonomia da vontade considera que a obrigação con-
entes despersonalizados, que correspondem a uniões de pessoas ou parcelas tratual tem por única fonte a vontade das partes. A vontade humana é assim o
de patrimônio que o direito admite, excepcionalmente, serem titulares de elemento nuclear, a fonte e a legitimação da relação jurídica contratual e não a
direito e de obrigações, para que cumpram as finalidades para as quais foram autoridade da lei. Sendo assim, é da vontade que se origina a força obrigatória
criados. São exemplos: o condomínio, o espólio e a massa falida. A distinção dos contratos, cabendo à lei simplesmente colocar à disposição das partes
entre as pessoas e os entes despersonalizados decorre do fato de que, enquanto instrumentos para assegurar o cumprimento das promessas e limitar-se a uma
as pessoas podem praticar todos os atos que a ordem jurídica não proíbe, os posição supletiva. A doutrina da autonomia da vontade terá também outras
entes despersonalizados somente podem praticar aqueles atos que o ordena- conseqüências jurídicas importantes como a necessidade de o direito assegurar
mento jurídico expressamente permite. que a vontade criadora do contrato seja livre de vícios ou defeitos, nascendo
Interessante, ainda, observar que mesmo aos incapazes admite-se con- aí a teoria dos vícios do consentimento. Acima de tudo o princípio da auto-
tratar. A incapacidade de fato, que é a impossibilidade de o sujeito praticar nomia da vontade exige que exista, pelo menos abstratamente, a liberdade
atos jurídicos por si só, pode ser suprida por meio do instituto da representação de contratar ou de se abster, de escolher o parceiro contratual, o conteúdo
(para os casos de absolutamente incapazes, enumerados no art. 3.º do CC) e a forma do contrato. É o famoso dogma da liberdade contratual” (Claudia
e da assistência (em se tratando de relativamente incapazes, enumerados no Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 48).
54 Direito dos Contratos ELEMENTOS 55

À vontade, como fonte de toda a regulamentação contratual, para tal relativizada. Isso se dá, especialmente, pelo aumento das normas de ordem
concepção, eram subsumidas todas as problemáticas contratuais, o que sig- pública, inderrogáveis pela vontade das partes, e pela aplicação dos princípios
nifica dizer, todas as indagações eram resolvidas através da lupa da vontade. da boa-fé objetiva e da função social do contrato, de cunho marcadamente
Isso é combatido por Enzo Roppo ao dizer que “não significa, porém – convém social, estudados detalhadamente neste livro.
esclarecê-lo – que para individualizar o conteúdo e os efeitos do contrato, se
deva recorrer a complicados (e frequentemente impossíveis) introspecções na 3. O OBJETO
psique dos contraentes, para averiguar as suas mais recônditas intenções ou O contrato, como principal fonte de obrigações, gera um dever de prestar.
motivações subjetivas; nem significa que a validade e eficácia do regulamento Este é seu objeto.
contratual devam ser obstinadamente firmadas numa verificação daquele com- Toda contratação tem em vista um fim perseguido pelas partes. “Podemos
plexo de internas tomadas de posição mentais que, precisamente, dão lugar apontar como uma das tendências atuais do estudo do direito das obriga-
ao fenômeno da ‘vontade’ em sentido psicológico” (O contrato, p. 142-143). ções a sobrevalorização do cumprimento no seio do tecido obrigacional. De
Obviamente, tal concepção se baseava na igualdade formal, ou seja, que simples forma de extinção das obrigações ou de mera rubrica na execução
as partes, ao contratar, eram iguais. dos contratos, o cumprimento foi elevado ao fim último da obrigação, bús-
A evolução econômica e social faz com que essa visão não possa mais sola de todas as normas destinadas a instituir e proteger a posição do credor”
ser aceita. Não raras vezes, as partes de um contrato estão em grande desní- (Cordeiro. Direito das obrigações, p. 184).
vel, seja no campo econômico, seja no campo jurídico, seja mesmo no que Em que pese a grande diversidade contratual existente, é certo que
se refere ao conhecimento a respeito de fatos relevantes para a contratação todos os contratos se reduzem, em relação à prestação devida, em obrigações
(assimetria de informação). de dar, fazer ou não fazer.
“Se na visão tradicional, os protagonistas do contrato são os persona- Naqueles que possuem obrigação de dar, o devedor encontra-se adstrito
gens abstratos designados pelos termos genéricos de credores e devedores, a transferir a propriedade ou a posse de determinada coisa, certa ou incerta,
a influência da economia sob o direito contribuiu para um desdobramento móvel ou imóvel, material ou imaterial, ao credor (v.g., compra e venda).
dos modelos, a figura do devedor e do credor tendem a desaparecer atrás dos
Já, nos contratos que contém obrigação de fazer, está o devedor adstrito a
conceitos econômicos de profissionais e de consumidores. Enquanto o Código
praticar ato ou atividade no interesse do credor (v.g., prestação de serviço).
Civil rege fundamentalmente os relacionamentos contratuais em função do
objeto do contrato, referindo-se, assim, a um postulado de liberdade e igual- Por fim, em se tratando de obrigação de não fazer, é dever do sujeito
dade dos contratantes, o direito do consumo apreende os relacionamentos passivo não praticar ato ou realizar atividade que, se não estivesse obrigado,
contratuais em função da posição do contratante no processo contratual. Assim, poderia livremente praticar (v.g. cláusula de não concorrência).
a emergência das noções de profissionais e consumidores deixa pensar que a A prestação, como ato humano do devedor, consistente num dar, fazer
ideologia que sustenta o Código Civil não permite reger de maneira satisfatória ou não fazer, é o objeto imediato do contrato. Já, o bem da vida sobre o qual
os relacionamentos contratuais nos quais está implicado o consumidor. De versa o ato humano do devedor é chamado de objeto mediato (Gagliano e
outro lado, o direito do consumo que incita a visar a relação contratual não Pamplona Filho. Novo curso de direito civil, p. 20). Assim, em um contrato de
mais como um relacionamento inter-individual mas como uma manifestação compra e venda, o objeto imediato será a conduta humana dos contratantes
de antagonismos coletivos, se organizou em função de um esquema dominado consistente em dar (coisa e preço), enquanto justamente a coisa e o preço
pela idéia de um desequilíbrio estrutural, de uma desigualdade inerente à são os objetos mediatos do contrato.
relação entre o profissional e o consumidor de crédito. Os profissionais tra- Para que seja válido o contrato, necessário que seu objeto seja lícito,
dicionalmente em posição de superioridade em razão de seus conhecimentos possível e ao menos determinável (art. 166, II, do CC). Lícito, o que se significa
técnicos e de suas capacidades financeiras mais importantes, opõem-se aos dizer, de acordo com o direito, de forma que não afronte as normas jurídicas
consumidores, quer dizer, àqueles economicamente frágeis que sucumbem à veiculadas através de regras ou de princípios. Possível que possa ser realizado
armadilha do crédito” (Gjidara. L’endettement et le droit prive, p. 206). no mundo dos fatos. Determinável no sentido de que o devedor, para cumprir,
Diante disso, na nova teoria contratual, fortemente marcada pela deve saber qual a prestação devida ou, ao menos, existirem meios dela ser
intervenção do Estado na economia do contrato, a vontade tende a ser determinada.
56 Direito dos Contratos ELEMENTOS 57

Por fim, importante ressaltar que o objeto contratual será, sempre, ainda sobre imóveis de valor superior a trinta salários mínimos, é deveras onerosa,
que indiretamente, de conteúdo patrimonial. De fato, sendo o contrato parte exige que seja feita através de escritura pública (art. 108 do CC).
do direito das obrigações, que, por sua vez, é parte do direito patrimonial, Isso faz com que os contratantes, inclusive, percebam a importância do
somente se pode conceber a prestação como sendo patrimonial. No entanto, negócio que estão a tratar. De fato, na mente humana, os atos que são mais
não há a necessidade de que tal prestação seja diretamente patrimonial. Basta complexos, mais custosos, tendem a ser mais valorizados, a ter seu devido
que tenha reflexos no patrimônio da pessoa, ou possa, ainda que por estimati- reconhecimento. É o que ocorre com o casamento: ao cumprir com todas as
va, ser avaliada pecuniariamente. Assim, por exemplo, em se tratando de um solenidades necessárias para a manifestação de vontade, os nubentes se dão
contrato que envolva a prestação de serviços médicos, obviamente tal serviço, conta de que estão a tratar de algo sério, de relevante e valioso.
por si mesmo, não tem preço, já que está em jogo a vida, saúde, integridade Imperioso ainda distinguir a forma do contrato de sua prova. Como dito,
física do paciente. Porém, não há dúvida de que deva ser remunerado, o que a forma é o veículo da manifestação da vontade. O contrato será válido desde
já é suficiente para caracterizá-lo economicamente. Desta forma, somente não que observe a forma prevista em lei. Já, a prova do contrato corresponde aos
se considerará o conteúdo patrimonial do contrato quando ela não apresentar meios admitidos legalmente para se demonstrar a existência e o conteúdo de
qualquer utilidade para o contratante.
um contrato. Assim, é fato de que podemos ter contratos válidos, porém, em
4. A IMPORTÂNCIA DA FORMA razão da insuficiência da prova, não demonstrados em juízo (v.g., contrato
de prestação de serviços entabulado verbalmente). Em que pese a distinção, é
Todo o contrato, já dissemos, necessita da vontade. No entanto, a vontade certo que ambas são bastante próximas. Tanto é assim que o Código de Processo
interna, não manifestada, é irrelevante, como regra geral. Deve ser ela – a von- Civil, no seu art. 366, dispõe que “quando a lei exigir, como da substância
tade – exteriorizada para que o contrato possa existir. Assim, a vontade deve do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que
ser levada ao mundo exterior através de alguma forma. “É entendida como seja, pode suprir-lhe a falta”.
elemento externo destinado a tornar possível o reconhecimento da manifes-
tação de vontade” (Lorenzetti. Fundamentos do direito privado, p. 420). 5. RESUMO ESQUEMÁTICO
“Não se trata, aqui, de discutir a adequação, mas sim apenas a existência 1. Introdução
de uma exteriorização, de maneira a se compreender que o contrato realmente
2. As partes e o papel da vontade
existiu no campo concreto. Não se limitando a uma mera elucubração de um
sujeito. Trata-se, pois, de veículo de condução da vontade: forma oral, escrita, • O contrato é um negócio jurídico bilateral;
mímica etc.” (Gagliano e Pamplona Filho. Novo curso de direito civil, p. 20). • Somente admite-se contrato consigo mesmo quando autorizado por
Portanto, da simples definição do que seja forma contratual, já se percebe lei ou no instrumento.
sua importância, qual seja, a de exteriorizar a vontade dos contratantes. No • As pessoas físicas, jurídicas e os entes despersonalizados podem ser
entanto, uma maior abordagem deve ser feita neste tópico. contratantes.
Como já afirmamos ao tratar dos princípios contratuais, bem como • A vontade é a principal fonte de regulação contratual. Contudo, a
da classificação dos contratos, o direito brasileiro vale-se do princípio do autonomia privada, que o poder das partes de regularem seus interesses,
consensualismo que, segundo a regra do art. 107 do CC, os contratos se for- vem sendo reduzida a cada dia, com o aumento das normas de ordem
mam validamente com o acordo de vontade, sendo que forma específica só pública, o que caracteriza a nova teoria contratual.
é essencial para a validade do ato quando a lei expressamente a exigir. Mas, 3. Objeto
qual a razão para em determinado(s) tipo(s) contratual(is) exigir-se forma • O contrato é a principal fonte de obrigaçãoes, gerando um dever de
especial e em outro(s) não? prestar, que é seu objeto.
O fundamento da exigência de forma reside na segurança jurídica. Assim, • Objeto imediato é a conduta humana consistente em um dar, fazer
quanto mais oneroso for o contrato, em tese, maiores serão as solenidades exi- ou não fazer. O objeto mediato é o bem da vida sobre qual recai a dita
gidas, o que permite, inclusive, que os contratantes repensem a contratação e conduta humana.
só a façam estando absolutamente seguros de que é realmente isto que desejam. • O objeto contratual, para que o contrato seja válido, deve ser lícito,
Assim, por exemplo, o legislador, ao entender que a transmissão de direitos reais possível e determinado ao menos determinável.
58 Direito dos Contratos

4. A importância da forma
• A vontade contratual deve ser manifestada. Portanto, deve adquirir uma
determinada forma.
• A importância da forma reside, num primeiro lugar, justamente em
permitir a exteriorização da vontade.
• Pelo princípio do consensualismo, os contratos se formam independente
de uma forma específica, somente exigível diante de expressa disposição
de lei.
IV
Princípios
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI

Bibliografia
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60 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 61

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apenas para decidir se contratam ou não, como igualmente para disciplinar
projeto de Código Civil brasileiro – Subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro. 2. o conteúdo do negócio jurídico como melhor lhes aprouver. Fulano decide
ed. São Paulo: Saraiva, 2003– José Roberto de Castro Neves. Boa-fé objetiva – Posição atual procurar um ponto comercial para instalar sua nova loja de roupas. Estuda
no ordenamento jurídico e perspectivas de sua aplicação nas relações contratuais. Revista diversos imóveis por alguns meses e, ao final, seleciona três deles. Entra en-
Forense. Rio de Janeiro. 2000. v. 96, n. 351 – Judith Martins-Costa. A boa-fé no direito privado. tão em contato com os respectivos proprietários. Fulano decide prosseguir
São Paulo: RT, 2000 – Luiz Gustavo Loureiro. Teoria geral dos contratos no novo Código Civil.
São Paulo: Método, 2002 –Miguel Reale, História do novo Código Civil. São Paulo: RT, 2005 as negociações com Sicrano. Ambos discutem os termos do futuro contrato.
– Nelson Nery Jr., R. M. A. Nery. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2. ed. São Paulo: Há várias opções disponíveis, como a compra e venda, a locação e a locação
Revista dos Tribunais, 2003 – Orozimbo Nonato et al. Relatório da comissão elaboradora. In: seguida de opção de compra. Depois de várias reuniões negociais, as partes
L. Castello Branco Rangel (coord.). Código Civil – Anteprojetos. Brasília: Senado Federal, 1989. decidem celebrar contrato de locação pelo prazo de 5 anos. O exemplo serve
v. 4 – Orozimbo Nonato et. al. Exposição de motivos. In: L. Castello Branco Rangel(Coord.).
para ilustrar as três facetas fundamentais da liberdade. A primeira é a liberdade
Código Civil – Anteprojetos. Brasília: Senado Federal, 1989. v. 1 – Orlando Gomes. Contratos.
24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001 – Récio Eduardo Cappelari. Responsabilidade pré- para concluir ou não o contrato, chamada de liberdade de contratar. Fulano
contratual – Aplicabilidade ao direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995 era livre para decidir se concluía ou não qualquer contrato que seja. A segun-
– Regis Fichtner. A responsabilidade civil pré-contratual – Teoria geral e responsabilidade pela da é a liberdade para escolher a pessoa com quem se contrata. Fulano muito
ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001 – Reinhard Zimmermann. pensou antes de decidir prosseguir nas negociações com Sicrano. A terceira
The law of obligations – Roman foundations of the civilian tradition. New York: Oxford, 1996
– Renan Lotufo. Código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1 – Vera Maria Jacob de
é a liberdade de determinação do conteúdo contratual. Fulano e Sicrano estu-
Fradera. A interpretação da proibição de publicidade enganosa e abusiva a luz do princípio da daram diversas possibilidades antes de optarem pela celebração do contrato
boa-fé – O dever de informar no Código. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, 1992, de locação pelo prazo de 5 anos.
n. 4 – Waldirio Bulgarelli. Contratos mercantis. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. O poder de disposição sobre o conteúdo contratual contempla inclusive
a possibilidade de concluir contratos diversos daqueles disciplinados pela
1. PRELIMINARES legislação ou pelo costume. São os chamados contratos atípicos, isto é, os
Os princípios são as normas mais importantes de todo o direito, pois contratos que não se confundem com os tipos especificamente regrados. São
enunciam as diretrizes do ordenamento jurídico e, por conseguinte, funda- tipos: a compra e venda e a locação. Para continuar com a situação hipotética
mentam as regras criadas pelo legislador, jurista ou magistrado. São princípios antes ventilada, suponha-se agora que Fulano e Sicrano tenham decidido pela
cardeais de todo o direito a justiça e a eqüidade. Sua aplicação às situações conclusão de negócio diverso que, por exemplo, viabilize a exploração do
concretas dá-se por intermédio da incidência de um sem número de regras, ponto comercial por terceiro, contra a assunção da obrigação de arcar com os
como as referentes à responsabilidade civil pelo dano causado, prevista nos custos da reforma do imóvel. Nesse caso, Sicrano obriga-se a aceitar a pessoa
arts. 186 e 927, ou à redução da cláusula penal excessiva, nos termos do art. indicada por Fulano. O contrato não consiste em compra e venda, pois não
413, todos do Código Civil. Estas são normas que concretizam os princípios, há a obrigação de transferência de domínio contra o pagamento em dinheiro,
embora com eles não se confundam. como exige o art. 481 do CC. Tampouco se trata de locação, dado que não
Os princípios são tão fortes que, sequer, há necessidade de serem enun- foi avençada a cessão do uso da coisa contra o pagamento de correspectivo,
ciados pelo legislador para que possam ser aplicados. Não raro, as normas o que caracteriza este tipo contratual, de acordo com o art. 565 do CC. A
postas nos códigos e na legislação extravagante simplesmente pressupõem inexistência de transferência recíproca de direito de propriedade exclui a
sua existência, sem que haja referência expressa. Há também princípios apli- possibilidade de tratar-se de permuta. Não se pode, finalmente, pensar em
cáveis à parte do direito, como, por exemplo, aqueles que regem a atuação prestação de serviço ou em empreitada, visto que Fulano comprometeu-se
da Administração Pública, previstos no art. 37 da CF. O direito dos contratos apenas a custear a reforma e não a executá-la e, de outro lado, Sicrano somente
62 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 63

assumiu a obrigação de ceder o imóvel a terceira pessoa. Na hipótese ventilada, As limitações também incidem sobre a escolha do parceiro contratual.
portanto, o contrato seria atípico, isto é, diverso dos tipos especificamente Pode-se novamente invocar o caso do compartilhamento de infra-estrutura,
regrados pela legislação ou pelo costume. em que as prestadoras de serviços de interesse público estão sujeitas a contratar
O princípio da liberdade está submetido a cinco importantes limites com as prestadoras de serviço de telecomunicação, mesmo que assim não o
no direito brasileiro. São restrições com as quais o da liberdade tem que desejem. Pode-se igualmente pensar no contrato de locação exemplificado
conviver. no início. Naquela situação, a decisão de contratar a locação por 5 anos não
O primeiro limite é a lei, pois não há dúvida de que todo ato jurídico foi casual. Tais contratos, nos termos do art. 51 da Lei 8.245/1991, conferem
deve ser lícito, ou seja, conforme os dispositivos legais. O princípio da lega- ao locatário o direito à renovação compulsória, mesmo que assim não queira
lidade vem enunciado no art. 5.º, II, da CF e também nos arts. 104, II e 166, o locador. Segue-se daí que Sicrano está obrigado a continuar a contratar
II, III, VI e VII, do CC. com Fulano, caso este assim o deseje. Ressalvam-se as hipóteses do direito
O segundo é a ordem pública, entendida como o conjunto de regras cuja de retomar o imóvel, previstas no art. 52 da Lei 8.245/1991. Seja como for,
observância é considerada fundamental para a sociedade brasileira. O conceito há evidente limitação na liberdade de escolher o parceiro contratual, pois o
de ordem pública é variável no tempo e somente a arguta interpretação das locador, salvo a verificação de uma das hipóteses que lhe conferem o direito
necessidades sociais permite precisar seus termos. A ordem pública serve de retomar o imóvel, está obrigado a continuar com o contrato de locação
tanto para determinar a cogência de normas, como também para impor limites mesmo que não mais o deseje. O objetivo da norma é o de privilegiar o fundo
que não estejam previstos de modo expresso na legislação. Os bons costumes de comércio criado pelo locatário, o que inclui a manutenção do lugar em
figuram como o terceiro limite. Correspondem ao conjunto das regras morais que desenvolve sua atividade.
tidas como fundamentais pela sociedade brasileira. O número mais expressivo de limites ao princípio da liberdade dirige-se
O respeito à ordem pública e aos bons costumes é exigido pelo art. 122 ao poder de disposição do conteúdo do negócio. No direito brasileiro, o exemplo
do CC, que, embora se refira às condições, encerra regra aplicável a todas mais característico é o Código de Defesa do Consumidor. Boa parte do referi-
as declarações de vontade. A boa-fé objetiva também limita o princípio da do texto legal é dedicada à imposição de limites aos termos do negócio, com
liberdade, nos termos dos arts. 187 e 422 do CC. Por fim, há que se respeitar o declarado objetivo de limitar o poder de fato de que dispõe o fornecedor.
o limite da função social, previsto nos arts. 421 e 2.035, parágrafo único, do Nessa hipótese, a intervenção legislativa se justifica para promover o equi-
CC. A discussão sobre os contornos da ordem pública e dos bons costumes líbrio entre as partes, visto que não há paridade de forças entre fornecedor e
pertence à teoria geral do direito privado. Os princípios da boa-fé objetiva e da consumidor no mundo dos fatos. Para exemplificar, pode-se pensar no art. 51
função social, por sua vez, serão tratados com maior vagar pouco adiante. do CDC, no qual são listadas as cláusulas consideradas abusivas em contratos
Nesse momento, interessa precisar que todos os três aspectos do princípio de consumo. Além de hipóteses bem precisas, como a vedação de cláusulas
da liberdade estão sujeitos à observância das limitações acima referidas. A que transfiram responsabilidades para terceiros, o dispositivo contempla re-
liberdade de contratar, isto é, a liberdade de decidir ou não pela celebração de gra de fechamento, que confere grande margem de apreciação ao intérprete.
dado contrato, encontra-se fortemente limitada no direito brasileiro. Como Isso porque, nos termos do inciso IV, do art. 51, são nulas todas as cláusulas
exemplo, pode-se citar o contrato de compartilhamento de infra-estrutura, contratuais “que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada”. Mais
cuja celebração é imposta pelo art. 73 da Lei 9.472/1997. Por força do referido adiante, o art. 51, agora em seu § 1.º, apresenta algumas hipóteses em que se
dispositivo legal, as prestadoras de serviço de interesse público estão obrigadas presume exagerada a vantagem, sem, todavia, indicar um rol taxativo. Por
a ceder sua infra-estrutura para as prestadoras de serviço de telecomunicações, isso, há importante latitude de apreciação da validade das cláusulas nos con-
desde que seja pago o preço justo e razoável para tanto. Não há liberdade para tratos de consumo, o que implica fundada limitação ao poder de disposição
decidir a respeito da conveniência do contrato. A lei impõe sua celebração do conteúdo do negócio.
para evitar a duplicação da infra-estrutura de postes, o que poderia criar sérios No Código Civil, há diversas limitações ao conteúdo dos contratos,
problemas às cidades, em especial no perímetro urbano. Trata-se de norma como a proibição de renunciar ao direito de revogar a doação, a vedação de o
cogente, cuja natureza é de ordem pública. Caso haja recusa em se concluir comodatário recobrar as despesas incorridas com o uso e gozo da coisa em-
a contratação, a prestadora do serviço de telecomunicações pode exigi-la prestada e a imposição do prazo máximo de 4 anos para o contrato de prestação
judicialmente. Caberá ao magistrado apenas fixar o preço. de serviços, respectivamente previstas nos arts. 556, 584 e 598. Limitação
64 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 65

de relevo dirige-se aos contratos concluídos por adesão, nos quais, por força por força do qual se passou a considerar como regra a formação do contrato
do art. 424, “são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do pelo simples consenso (Nov. Rec. l. 10, t. 1, l. 1).
aderente a direito resultante da natureza do negócio”. No resto da Europa, a efetiva superação do sistema romano ocorreu sé-
culos mais tarde. Desde cedo, contudo, sentiu-se a influência dos canonistas,
3. CONSENSUALISMO que afirmaram o princípio do pacta sunt servanda, ou seja, da necessidade
No direito brasileiro, o consenso sobre o conteúdo do negócio é con- de se cumprir todos os pactos. O primeiro a sustentar a identidade entre os
siderado suficiente à formação do contrato. Não se exige, em princípio, a pactos e os contratos foi Johannes Teotonicus, em 1212, em suas glosas ao
observância de formalidades outras, conforme se depreende dos arts. 104, III, Decreto de Graciano. Mais tarde, o princípio foi estabelecido nas Decretais do
e 166, IV e V, ainda na Parte Geral. Não surpreende, portanto, que o art. 482 Papa Gregório IX, de 1234 (X. 1,35,1). O modo como o texto foi compilado
repute concluída a compra e venda a partir do momento em “que as partes permitiu interpretá-lo no sentido de que a violação de uma promessa era
acordarem no objeto e no preço”. Há, claro, diversas exceções, como, por moralmente reprovável, mesmo que não se revestisse de uma forma especí-
exemplo, a exigência de escritura pública para os contratos que visem criar, fica. Conseqüência necessária desse modo de pensar foi a afirmação de que a
modificar ou extinguir direitos reais sobre imóveis com valor superior a 30 simples promessa era suficiente à geração de obrigações vinculantes. Para o
vezes o salário mínimo vigente no País, conforme dispõe o art. 108 do CC. direito canônico, não mais havia diferença entre pacto e contrato.
Nessa hipótese, o consenso é necessário, porém insuficiente. Para conferir Os elementos essenciais da doutrina canônica foram incorporados
maior certeza, condiciona-se a conclusão válida do contrato à observância pelo direito comum europeu, cujos resultados permitiram que o princípio
de formalidade que extirpe qualquer possível dúvida a respeito do consenso. do consensualismo fosse paulatinamente difundido no continente. Foram os
Pode-se mesmo afirmar que tais formalidades reforçam o consenso, ao con- jusnaturalistas os primeiros a enunciar a regra, embora a tenham amparado
ferir solenidade ao ato. na autonomia privada e não em um dever religioso. No início do séc. XVII, o
O direito brasileiro herdou o princípio do consensualismo da tradição teólogo espanhol Suarez considerava o princípio do pacta sunt servanda como
a base de todo o direito natural, uma vez que se fundava no livre arbítrio do
ocidental. No direito romano, não se admitia que o mero consenso fosse sufi-
homem. Foi sobretudo o holandês Hugo Grócio, todavia, que desenvolveu a
ciente à formação do contrato, exceção feita à categoria dos chamados contratos
nova teoria. Para Grócio, a fides consistia na base da justiça, de modo que as
consensuais, composta exclusivamente pela compra e venda, pelo mandato,
promessas deveriam ser mantidas. Nem mesmo Deus agiria de acordo com sua
pela locação e pela sociedade. Para todos os demais, exigia-se a observância
natureza se não mantivesse sua palavra. Grócio partia do reconhecimento da
de formalidade outra, como a entrega da coisa no mútuo, ou a pronúncia de
liberdade do ser humano para sustentar a possibilidade de aliená-la voluntária
fórmula ritual, na stipulatio. A regra era de que o simples consenso, qualificado
e parcialmente a outrem. Caso houvesse manifestação externa que permitisse
como pacto, não era suficiente à criação do contrato obrigatório. Embora as
perceber essa intenção e sobreviesse à aceitação da outra parte, formava-se o
exceções tenham crescido de modo importante ao longo de sua história, a contrato. Não haveria necessidade de qualquer outro requisito. Mais tarde, o
norma não foi alterada no direito romano, nem mesmo em sua fase final. alemão Pufendorf, sob a influência de Descartes, reforçará a idéia de Grócio,
Não deixa de ser interessante mencionar que Teófilo, um dos membros ao centrar o sistema na idéia de pactum e não mais na simples promessa uni-
da comissão redatora do Digesto, mais tarde adaptou o conceito genérico lateral. Como conseqüência do “penso, logo existo”, da filosofia, os juristas
de convenção de Ulpiano para definir contrato (Paraphrasis, 3,13,2). Isso afirmarão “quero, logo tenho direito” e “quero, logo me obrigo” (Helmut
demonstra que, desde então, se advertia a necessidade de generalizar a possi- Coing. Derecho privado europeo, p. 507 e ss.; John Gilissen. Introdução histórica
bilidade de formação do contrato pelo simples consenso. Tenha-se presente, ao direito, p. 736 e ss.).
contudo, que não foram extraídas todas as conseqüências possíveis da altera- Para os jusnaturalistas, portanto, todos os contratos eram consensuais.
ção proposta por Teófilo que, ademais, foi conhecida pelo Ocidente somente A interpretação dada às Ordenações do Reino pelos juristas portugueses apro-
muitos séculos mais tarde. veitou-se das conquistas do direito comum europeu. Há notícias de diversas
Na tradição ibérica, que se seguiu à recepção do direito romano na Europa obras do séc. XVII que equiparam o pacto ao contrato, embora continuassem
Ocidental, tem-se notícia da primeira consagração legislativa do princípio a existir juristas mais ou menos apegados ao sistema contratual romano. De-
do consensualismo. Trata-se do Ordenamiento de Alcalá de Henares, de 1348, pois da edição da Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769, consolidou-se a
66 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 67

interpretação de que não mais se poderia distinguir entre contrato e pacto. O excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”, dispõe o
direito brasileiro incorporou esse modo de pensar, que se mantém até hoje, art. 413 do CC. Discute-se também a possibilidade de rever o conteúdo do
sob a vigência do Código Civil de 2002. contrato com base nos princípios da boa-fé objetiva e da função social do
contrato. Seja como for, não há dúvida de que a regra é a da intangibilidade do
4. FORÇA OBRIGATÓRIA vínculo contratual. Os contratos validamente celebrados obrigam as partes a
O efeito fundamental do contrato é a criação de obrigações para as partes. cumprir as respectivas prestações assim como foram pactuadas. A revisão é
Isso significa que após a conclusão do contrato as partes estão vinculadas à excepcional e, como tal, deve ser justificada com arrimo em regras expressas
execução das respectivas prestações. Devem cumpri-las e, a partir do momento ou em princípios admitidos pelo sistema.
em que estas se tornam exigíveis, estão mesmo obrigadas a tanto. Todos são No direito brasileiro, o contrato produz apenas efeitos obrigatórios,
livres para assumir riscos, respeitados, claro, os limites impostos à liberdade isto é, vincula uma, duas ou mais partes ao cumprimento de determinadas
de determinação do conteúdo. Os contratos nascem para ser cumpridos. Essa prestações. Os contratos não geram efeitos reais, como ocorre nos direitos
é a regra do direito privado. francês e italiano. Pode-se exemplificar com a compra e venda. Os termos do
Por princípio, portanto, não se pode alterar os termos de negócio pactu- art. 481 são precisos ao estabelecer que, por força do referido contrato, “um
ado que observou à lei e aos demais limites impostos à definição do conteúdo dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a
contratual. Trata-se do que se costuma chamar de intangibilidade do conteúdo pagar-lhe certo preço em dinheiro”. O texto legal é muito claro ao dispor que
contratual. Fulano compra um veículo automotor de seu amigo, Sicrano. O o contrato gera a obrigação de transferir a propriedade e não a transferência
negócio é concluído, mas resta pendente o pagamento do preço, agendado mesma, o que, como regra, ocorrerá com a tradição, para as coisas móveis, ou
para o mês seguinte. Dias depois, Fulano descobre a existência de veículo da com o registro, para as imóveis. Assim, o comprador não é desde logo proprie-
mesma marca, ano e modelo, em melhor estado e a preço menor. Arrepende- tário, embora tenha o direito de exigir a tradição ou o registro da coisa em seu
se de ter concluído o contrato e procura Sicrano para informá-lo que não nome. No Brasil, o contrato não é suficiente à transmissão da propriedade.
mais comprará o veículo. Sicrano tem o direito de exigir o cumprimento do
contrato. A compra e venda formou-se pelo consenso e, portanto, tornou- 5. RELATIVIDADE DOS EFEITOS
se obrigatória para ambas as partes. Não pode agora Fulano voltar atrás, da O princípio da força obrigatória dos contratos indica que as partes
mesma forma que não seria dado a Sicrano deixar de entregar o veículo após estão vinculadas ao cumprimento do pactuado. O princípio da relatividade
o pagamento. O risco poderia materializar-se tanto em favor de Fulano, que, dos efeitos serve a precisá-lo, pois determina que somente as partes, com ex-
de fato, encontrou veículo semelhante à venda em condições mais vantajosas, ceção de quem quer que seja, estão adstritas ao cumprimento das prestações
como em favor de Sicrano, que poderia deparar-se com comprador disposto contratuais. Corretor obriga-se junto à seguradora a propor a conclusão de
a pagar preço maior ou, pelo menos, à vista. Ambas as partes decidiram deli- contratos de seguro a potenciais clientes situados em dada área geográfica.
mitar os respectivos riscos com a conclusão do contrato. Não podem, depois, Certamente a seguradora pode exigir que o corretor cumpra a prestação à qual
deixar de cumprir as prestações a que se obrigaram. se obrigou, isto é, que proponha a conclusão de contratos de seguro às pessoas
Há exceções. No Código Civil, os arts. 317 e 478 e ss. permitem a revisão que residem na área designada. Pode exigi-lo daquele corretor, mas não de
ou resolução do negócio, caso a execução da prestação se torne excessiva- um outro qualquer. Por outro lado, cumprida sua prestação, o corretor pode
mente onerosa por circunstâncias imprevisíveis. No Código de Defesa do exigir o pagamento devido em razão da prestação dos serviços. Pode exigi-lo
Consumidor, o art. 6, V, admite a possibilidade de revisão do contrato sempre daquela corretora, com exceção de qualquer outra. Nisso reside a essência do
que a execução da prestação a cargo do consumidor se torne excessivamente princípio da relatividade dos contratos. Seus efeitos internos recaem apenas
onerosa, mesmo que isso não decorra da superveniência de circunstâncias sobre as partes, sem aproveitar ou prejudicar a terceiros. O princípio comporta
excepcionais. Admite-se a revisão do preço na empreitada se “ocorrer dimi- exceções, como a estipulação em favor de terceiro. Por se tratar de contrato
nuição no preço do material ou da mão-de-obra superior a 1/10 (um décimo) que exclusivamente o favorece, ou seja, que não lhe cria qualquer dever ou
do preço global convencionado”, nos termos do art. 620 do CC. A cláusula obrigação, o art. 436, parágrafo único, do CC, confere ao terceiro o direito de
penal pactuada deve ser reduzida judicialmente “se a prestação tiver sido exigir seu cumprimento. O caso mais comum é o de seguro de vida contratado
cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente pela pessoa em benefício de terceiros.
68 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 69

O fato de os chamados efeitos internos se restringirem apenas às partes não a conclusão do contrato, ao deixar claro que não haverá dificuldades em
implica que a execução das chamadas obrigações contratuais seja indiferente acertar os detalhes pendentes. Sicrano confia na seriedade dessa afirmação e
às demais pessoas. Salvo exceções legais, não há, claro, possibilidade de se promove diversas modificações no imóvel, a fim de adequá-lo às exigências
exigir que terceiros cumpram as prestações, nem lhes é conferido o direito de funcionais e estéticas da rede de supermercados à qual Fulano está filiado.
exigir o respectivo cumprimento. A execução do contrato, todavia, não pode Trata-se de requisito necessário à conclusão do contrato, como se depreende
violar direitos de terceiros, nem a estes é conferido o direito de desrespeitar os das declarações anteriores das partes. Pouco depois, Fulano recebe proposta
termos do pactuado. Na primeira hipótese, o terceiro é credor de indenização; de Beltrano para migrar para a rede de supermercados concorrente. O negócio
na segunda, devedor. A ninguém é dado violar direito alheio impunemente. parece interessante a Fulano, que o aceita. Como conseqüência, não mais
Dada sua importância, o tema reclama especial aprofundamento, levado a poderá operar na zona em que se situa o imóvel de Sicrano, pois ali já há um
efeito no Capítulo 8. supermercado da nova rede. Embora Fulano não esteja obrigado a contratar
com Sicrano, deve indenizá-lo por todos os prejuízos decorrentes da ruptu-
6. BOA-FÉ OBJETIVA ra das negociações. A conduta de Fulano foi contrária à boa-fé e, como tal,
Apesar de ser tão antigo quando a tradição romano-germânica, o princípio impõe sua responsabilização pelos prejuízos causados, nos termos dos arts.
da boa-fé objetiva somente foi consagrado como tal na legislação brasileira 187 e 927 do CC (Cristiano de Sousa Zanetti. Responsabilidade pela ruptura
com a edição do Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4.º, III, e, das negociações, p. 87 e ss.).
depois, com o Código Civil de 2002, nos arts. 187 e 422. Não deixa de causar No momento da conclusão do contrato, a boa-fé serve para integrar
espécie a renitência do legislador em acolhê-lo, em especial quando se tem em o conteúdo do negócio nos pontos lacunosos e para vedar a inserção de
vista que Teixeira de Freitas o previra no art. 1.954 de seu Esboço de Código cláusulas que violem o princípio (Judith Martins-Costa. A boa-fé no direito
Civil, publicado entre 1860 e 1865. A lacuna legal explica-se pela intenção privado, p. 428). Essa a leitura integrada extraída dos arts. 113, 187 e 422,
de evitar ao máximo a interferência do Judiciário no domínio do contrato, todos do CC.
sentida, muito fortemente, no final do séc. XIX, época em que foi redigido o Sociedade empresária produtora de automóveis contrata o fornecimen-
projeto que viria a ser o Código Civil de 1916. to de peças com exclusividade por tempo indeterminado. Por conta disso,
Na fase de formação do direito brasileiro, somente o Código Comercial o fornecedor promove diversas modificações em sua linha de produção,
de 1850 a contemplara. Tratava-se do art. 131, item 3, que se referia à sua com o intuito de seguir as especificações técnicas da referida sociedade. No
adoção como critério interpretativo. contrato, prevê-se que a possibilidade de denúncia do negócio a qualquer
O princípio da boa-fé implica a observância dos cânones da lealdade e momento por parte da sociedade. A boa-fé impõe a integração do contrato,
do respeito à confiança gerada em todas as relações inter-humanas. Distingue- para que a eficácia do direito de denúncia seja condicionada à observância
se da boa-fé subjetiva, entendida como a crença de agir em conformidade ao de aviso prévio suficiente para que o fornecedor possa alterar novamente sua
direito, cuja importância avulta em matéria possessória. O art. 422 do CC linha de produção, para que possa atender a outros potenciais contratantes.
também se refere ao princípio da probidade, mas trata-se apenas de reforço Seria desleal permitir que o exercício do direito de denúncia conduzisse à
retórico, visto que a boa-fé impõe a todos o dever de agir de forma proba. A exclusão do fornecedor do mercado, visto que, naquele momento, sua linha
incidência da boa-fé objetiva no campo contratual é particularmente impor- de produção tinha capacidade apenas para elaborar peças de acordo com as
tante e interessa não apenas para a fase de conclusão e execução do negócio, especificações daquela sociedade. Nessa hipótese, a boa-fé serve para com-
como também para os períodos antecedente e posterior. Na chamada fase pletar o conteúdo do negócio, para que seja observado comando contratual
pré-contratual, o princípio da boa-fé impõe aos negociantes, por exemplo, o semelhante ao quanto disposto no art. 720 do CC, referente aos contratos de
dever de prestar informações verídicas e, igualmente importante, de respeitar agência e distribuição.
a confiança despertada por sua conduta nos potenciais contratantes. Caso Os cânones de lealdade e de respeito à confiança gerada, devem igualmen-
não o faça, deve arcar com os prejuízos causados, nos termos dos arts. 187 te ser respeitados pelo texto das cláusulas contratuais. Construtora contrata
e 927 do CC. a execução de obra com sociedade incorporadora. No negócio, pactua-se a
Fulano e Sicrano põem-se a discutir a locação de um imóvel para que exclusão da responsabilidade da construtora por quaisquer danos causados
este seja usado como um supermercado. Fulano praticamente assegura no exercício de sua atividade. A cláusula é parcialmente inválida, pois a boa-fé
70 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 71

impede a exclusão da responsabilidade por danos causados dolosamente ou com por seus atos. Duas sociedades empresárias entabulam negociações, com o
culpa grave. Ninguém está autorizado a prejudicar outrem impunemente. objetivo de desenvolver nova esponja de aço. Celebram, então, contrato que
Na fase de execução, a boa-fé impõe às partes a observância de diversos disciplina os estudos conjuntos a serem realizados, bem como a responsabi-
deveres direcionados à obtenção do leal cumprimento do pactuado. Destaca- lidade pelos respectivos custos. No instrumento contratual, há cláusula que
se o chamado dever de colaboração, que implica não apenas a necessidade de as obriga a manter confidenciais todos os dados comerciais compartilhados
executar a própria prestação, como ainda, dentro do critério de razoabilidade, por força do negócio. Mais tarde, chega-se à conclusão de que o desenvolvi-
a de criar condições favoráveis para que a outra parte também o faça. Sociedade mento de nova esponja de aço não vale a pena, tendo em vista a existência de
empresária, que atua na área de informática, contrata sociedade prestadora concorrentes muito fortes no mercado. A despeito de o contrato ter chegado
de serviços de engenharia, para construir uma subestação de energia elétrica ao fim, as partes continuam obrigadas a não divulgar a terceiros os dados
em suas dependências. O objetivo é o de baratear o custo da energia elétrica, comerciais obtidos no curso dos estudos, pois tal conduta seria desleal e,
cujo consumo representa parte expressiva dos gastos fixos da sociedade que portanto, contrária à boa-fé objetiva.
atua na área de informática. Para tanto, a sociedade empresária deve obter em Segue-se daí que a boa-fé exerce três funções fundamentais no campo
seu nome determinada autorização do Poder Público. Mesmo que não haja dos contratos, isto é, integra o conteúdo do negócio, cria deveres e limita
previsão contratual nesse sentido, a prestadora de serviços de engenharia deve o exercício de direitos. A observância do princípio da boa-fé se impõe em
auxiliar a sociedade empresária na obtenção da licença, pois possui todas as todas as relações inter-humanas, o que, no campo dos contratos, implica o
informações técnicas necessárias a tanto. Os contratantes devem atuar como necessário atendimento aos cânones de lealdade e de respeito à confiança
parceiros, cujo escopo comum é a satisfatória execução do negócio. Releva gerada no período das negociações, na conclusão, na execução e mesmo após
também o dever de informar que, inclusive, é previsto nos arts. 6.°, III; 9.°; o término da avença. A boa-fé manifesta-se de diferentes formas em cada um
12; 14; 31; 36, parágrafo único; 37, § 3.º e 52 do CDC. Pode-se, ainda, citar os destes períodos e não há como precisar todas as suas possíveis aplicações.
deveres de cuidado, de esclarecimento e de segredo. A enumeração é apenas Isso nada tem de surpreendente, pois a boa-fé objetiva é um princípio cuja
exemplificativa, pois será sempre exigível o cumprimento de tantos deveres concretização reclama o constante balanceamento dos dados peculiares de
quantos sejam necessários para resguardar a leal execução do pactuado (Judith cada caso concreto.
Martins-Costa. A boa-fé no direito privado, p. 439).
No curso da execução do contrato, a parte não pode exercer seus di- 7. FUNÇÃO SOCIAL
reitos em contrariedade à boa-fé. Veda-se o abuso do direito, espécie de ato A inserção do princípio da função social consiste na mais conhecida ino-
ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Fulano cede o uso de imóvel seu para vação do Código Civil no campo contratual. O exame da exposição de motivos
Sicrano por 30 meses, a fim de que este ali resida e pague o respectivo aluguel. revela que o objetivo foi o de subordinar o exercício da liberdade contratual
No curso do contrato, Sicrano dá notícia a Fulano de que pretende passar a aos ditames da socialidade, sem perder de vista a necessária proteção dos
usar o imóvel para fins comerciais. Fulano não se opõe e Sicrano instala no interesses individuais. Buscou-se, em suma, inserir princípio que pudesse
imóvel uma modesta loja de roupas. A situação perdura por um ano, sem conciliar a tutela dos interesses dos contratantes com aqueles da coletividade
que seja promovida qualquer alteração no texto contratual. Há cláusula no (Miguel Reale. História do novo Código Civil, p. 268).
instrumento de que toda e qualquer modificação do pactuado somente será Não se trata da primeira tentativa nesse sentido verificada no direito
eficaz se feita sob a forma de aditamento escrito ao contrato original. Meses brasileiro. No projeto de Código Comercial de 1915, Inglêz de Souza sustentou
mais tarde, Fulano pede o despejo de Sicrano, sob a alegação de que o imóvel a necessidade de subordinar a teoria clássica da obrigação ao interesse social.
não foi usado em conformidade com o pactuado, nos termos do art. 9.º, II, Todo o direito das obrigações seria dominado pelo princípio da solidariedade.
da Lei 8.245/1991. O exercício do direito é abusivo. A conduta anterior de Não se chegou, todavia, a inserir dispositivo com o cunho de generalidade que
Fulano lhe impede de dar por terminado o contrato em razão da alteração da ostenta o art. 421 do atual CC, pois Inglêz de Souza entendeu que bastaria à
destinação do imóvel. Nenhum direito pode ser exercido de modo desleal, preservação do interesse social qualificar como cogentes as normas de pro-
sob pena de configurar ato ilícito. teção da parte mais fraca nos contratos. Entendeu, assim, que a observância
O princípio da boa-fé perdura mesmo após o término do contrato, pois da função social seria assegurada pelas regras cogentes relativas aos contratos
as partes continuam obrigadas a agir lealmente e a respeitar a confiança gerada de trabalho e locação de serviços, à moderação das penas convencionais, aos
72 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 73

limites impostos aos contratos que restringem a concorrência profissional Obrigações de 1941, redigido por Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo
ou industrial e à proibição do credor ficar com o penhor. A preservação do e Hanneman Guimarães, sustentou-se que isso se daria com a inserção da
interesse social foi identificada com a proteção legal conferida à parte mais disciplina da lesão, prevista no art. 31 do texto projetado. Embora o exame do
fraca em dados contratos. Não havia espaço para a criação de limites exclu- texto não tenha ido mais adiante, vingou a Lei de Introdução ao Código Civil,
sivamente baseados no princípio da solidariedade. Necessária, sempre, a cujo anteprojeto fora elaborado pelos mesmos autores e que, em seu art. 5.º,
intermediação de uma lei (Herculano Marcos Inglêz de Souza. Projecto de previu a necessidade de observar os interesses sociais na aplicação da lei.
Codigo Commercial, v. 1, p. 17; 41; 52-53). No Anteprojeto de Lei Geral de aplicação das normas jurídicas, de 1964,
Da mesma forma que Inglêz de Souza, Bevilaqua sentiu a necessidade de afirmou-se que a função social seria promovida por meio da vedação do exer-
subordinar o interesse privado ao do corpo social, em nome da solidariedade cício de qualquer direito que lhe fosse contrário. Mais tarde, o Anteprojeto
humana. A preocupação com as necessidades sociais encontrava-se presen- de Código das Obrigações de 1965, redigido na parte pertinente por Caio
te desde a elaboração do projeto inicial do que viria a ser o Código Civil de Mário da Silva Pereira, procurou dar guarida aos interesses sociais por meio
1916, ocasião em que, inclusive, o jurista considerou obsoleto o excessivo da disciplina da lesão, prevista no art. 64. Com a mesma finalidade, embora
individualismo do Código Civil francês. Como reforço, sustentou que o direito sem reclamo direto à liberdade contratual, previu-se o limite do abuso do
privado não poderia fundar-se exclusivamente no fato econômico. Ao tratar do direito no art. 857.
abuso do direito, afirmava mesmo que a evolução do direito conspirava para Embora o objetivo de subordinar o direito dos contratos às exigências
a acentuação de seus intuitos éticos, em detrimento dos egoísticos. A solução sociais seja sentido no Brasil desde 1915, foi somente o Código Civil de 2002
seria a socialização do direito, para harmonizar as exigências individuais que o positivou sob a forma de princípio. De modo diverso ao que foi proposto
com as sociais. Não seria admissível o exercício de qualquer direito que se ao longo do séc. XX, a função social passou a figurar como uma limitação geral
chocasse com sua função econômica e social (Clóvis Bevilaqua. Codigo Civil à liberdade contratual e não apenas como critério justificador da inserção de
dos Estados Unidos do Brasil commentado, v. 1, p. 424-426 e Observações para determinadas normas, como as que protegiam a parte mais fraca e discipli-
esclarecimento do Codigo Civil brasileiro, p. 12; 21 e 24-26). Da subordinação navam a lesão. Sente-se, portanto, de maneira mais incisiva, a necessidade
do interesse privado à função social dos direitos, todavia, não extraiu qual- de precisar suas implicações no direito dos contratos.
quer restrição à liberdade contratual. Muito ao contrário, o Código Civil de Nesse primeiro momento, imediatamente posterior à entrada em
1916 sequer reproduziu na parte geral dos contratos as limitações atinentes vigor do Código, muito se discute a respeito. Sem a pretensão de tecer
à situação especial do sujeito que se encontravam previstas tanto nos arts. considerações de ordem teórica que extrapolariam os limites de uma obra
389 e 390 da Consolidação das Leis Civis, como no art. 1.908 do Esboço de introdutória, parece possível externar algumas refl exões de interesse.
Teixeira de Freitas. Deve-se ter presente que a livre iniciativa é um dos valores fundamentais do
Com toda a probabilidade, isso decorre do fato de Bevilaqua ter defendido Estado Brasileiro. O contrato consiste em importante manifestação da livre
que a função social dos contratos se esgotaria com a conciliação dos interesses, iniciativa e, como tal, sua tutela é considerada relevante para toda a coleti-
o que sempre ocorreria com a mera pactuação. Ainda a esse respeito, salien- vidade. O contrato não pode, todavia, servir de instrumento de opressão do
tava que o contrato promovia o progresso humano por meio da circulação da fraco pelo forte, pois, neste caso, não promoverá a criação e distribuição de
riqueza. Assim, à ordem jurídica caberia interferir para exigir o cumprimento riquezas que justifica sua proteção jurídica. O necessário respeito à função
do pactuado e não para alterar o objeto da declaração de vontade. Com isso, social impõe, destarte, que os contratos sejam equilibrados.
estaria bem tutelada a função social do contrato. Não há qualquer referência à Segue-se daí que a função social permite qualificar como cogentes as
necessidade de proteção da parte mais fraca, mencionada por Inglêz de Souza normas fundamentais à promoção do equilíbrio contratual, como, por exem-
em seu projeto de Código Comercial. Mais tarde, Bevilaqua reconheceu a plo, a regras relativas à lesão e à revisão por onerosidade excessiva, pretensão
disparidade de forças e advertiu a necessidade de alterar a legislação, embora externada na Exposição de Motivos do Código Civil (Miguel Reale. História
nada de concreto tenha proposto a respeito (Clóvis Bevilaqua. Evolução da do novo Código Civil, p. 88 e 92). Serve, igualmente, para reforçar a incidência
theoria dos contractos em nossos dias, p. 57 e ss.). do princípio da boa-fé, cuja devida aplicação também milita nesse sentido.
As tentativas de reforma da legislação civil também se ocuparam da função O desejo de relacionar a função social do contrato com o princípio da boa-
social do contrato. Por ocasião do Anteprojeto da Parte Geral do Código das fé objetiva foi, inclusive, expresso na Exposição de Motivos (Miguel Reale.
74 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 75

História do novo Código Civil, p. 93). Tudo isso decorre muito claramente do do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, aprovado
parágrafo único do art. 2.035, cujo comando impede a derrogação consensual na I Jornada de Direito Civil.
de qualquer norma que tenda a assegurar a observância da função social do Por mais importante que seja, o princípio da função social não subs-
contrato. Tem-se aqui o que se vem qualificando como eficácia interna da titui o da liberdade. Nos Estados Democráticos de Direito, os indivíduos
função social do contrato, conforme o Enunciado 360, aprovado pelo Centro são livres por definição. Com a vênia dos co-autores desta obra, de distinto
de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal na IV Jornada de Direito parecer, afirmar que o exercício da liberdade está condicionado a uma série
Civil, realizada em outubro de 2006. De outro lado, ainda no âmbito de sua de limites não é o mesmo que fundá-lo na correspondência às necessidades
eficácia interna, a função social impõe preservação do contrato equilibrado, sociais. Contrata-se para atingir objetivos próprios e não alheios. Raciocinar
pois sua correta execução é considerada valiosa para a sociedade brasileira, em sentido contrário eliminaria a possibilidade de assumir riscos em busca
conforme reconhecido pelo Enunciado 22 do Centro de Estudos Judiciários do de proveitos, pois sempre haveria a possibilidade de o conteúdo do negócio
Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, ocorrida ser totalmente alterado por força dos reclamos sociais. Não se pode transferir
em setembro de 2002. Divisa-se aqui a função social como critério justificador aos contratantes o dever de sanar as mazelas da sociedade brasileira, como se
das regras tendentes à conservação do negócio jurídico. estivessem a serviço do Estado. Os contratantes são pessoas livres, não fun-
Sustenta-se também que a função social tenha eficácia externa. Defende- cionários. Andou mal, portanto, o art. 421 do CC ao dispor que “a liberdade
se, assim, que interesses distintos daqueles que presidiram a contratação sejam contratual será exercida em razão (...) da função social”. A necessidade de
subordinar o exercício da liberdade de contratar aos interesses maiores da
considerados ao se examinar o conteúdo do negócio. Em específico, afirma-se
sociedade não pode pôr em dúvida o princípio de que as pessoas são livres
que a função social serve tanto para proteger valores metaindividuais, como
para regular os próprios interesses. A função social é limite e não razão de
para resguardar a dignidade humana, nos termos do Enunciado 23 do Centro
ser do contrato.
de Estudos Judiciários do Conselho de Estudos da Justiça Federal, também
aprovado na I Jornada de Direito Civil. Oportuno notar que a redação original do dispositivo legal poderia dar
margem à interpretação diversa, pois restou disposto no art. 417 do Ante-
O ponto central, ainda não eqüacionado de maneira definitiva pela dou- projeto de 1972 que a liberdade de contratar “somente” poderia ser exercida
trina, reside em precisar como devem ser conciliados os interesses individuais em razão e nos limites da função social do contrato. O texto legal realmente
e sociais no interior do contrato. Trata-se de problemática de grande interesse poderia levar a crer que a liberdade apenas seria reconhecida na medida em
para o estudioso do direito dos contratos, cujo exame, entretanto, reclama que os interesses do particular coincidissem com os da coletividade.
aprofundamento que escapa aos limites de um texto destinado à quem pela
No Anteprojeto revisto de 1973, todavia, o advérbio “somente” foi
primeira vez se aproxima do tema. Permite-se acrescentar, de qualquer forma, excluído e, com ele, as chances de se caracterizar o exercício da liberdade
que os reflexos sobre os interesses metaindividuais se projetarão com maior individual exclusivamente como meio de execução observância dos objetivos
freqüência e de maneira mais evidente nos contratos destinados a regular maiores do Estado. Não custa salientar que a Exposição de Motivos rechaçou
relações de massa, como são, por exemplo, aqueles concluídos pela adesão a expressamente o reconhecimento de concepções totalitárias, pois visou har-
cláusulas contratuais gerais. monizar a proteção dos interesses dos particulares com os da coletividade e
Afirma-se também que a função social sirva a promover a tutela externa não submeter todos a um dirigismo contratual que não teria cabimento em
do crédito. Embora o tema seja mais bem desenvolvido no Capítulo 8, aproveita um Estado Democrático de Direito.
desde logo salientar que se tem entendido que o princípio da função social do Trinta anos depois de se ter decidido a redação do que viria a ser o art.
contrato veda que terceiros concorram para a inobservância das obrigações 421 do CC, esse entendimento foi referendado, ao se afirmar que a inserção
contratuais, sob pena de responder pelos prejuízos que causarem. Note-se da função social do contrato não torna secundário o princípio da liberdade,
que não se está a afirmar que terceiros estejam vinculados ao cumprimento que continua a ser a pedra angular do direito dos contratos (Miguel Reale.
das obrigações pactuadas entre as partes, mas sim que não lhes é dado vio- História do novo Código Civil, p. 266). Segundo o Supervisor da Comissão que
lar o direito oriundo do negócio jurídico, o que é decididamente distinto redigiu os anteprojetos do Código Civil, o objetivo fundamental de inserir a
(Antonio Junqueira de Azevedo. Os princípios do atual direito contratual e a limitação foi o de evitar que a contratação seja fonte de abusos, pois o valor
desregulamentação do mercado, p. 137-147). Esse é o sentido do Enunciado 21 da livre iniciativa deve ser sopesado com outros de igual relevância social.
76 Direito dos Contratos PRINCÍPIOS 77

O controle deve ser, principalmente, feito por meio da devida consideração • Os terceiros não podem, todavia, violar os termos do pactuado, sob pena
das demais normas contempladas pelo ordenamento jurídico brasileiro, com de responderem pelos prejuízos causados por sua conduta
especial relevo para o princípio da boa-fé objetiva. Deve-se, em suma, con- 6. Boa-fé objetiva
ciliar o exercício da liberdade com os outros vetores decisórios fornecidos • Histórico legislativo
pelo ordenamento jurídico, de modo a harmonizar a tutela do individual • O princípio da boa-fé implica a observância dos cânones da lealdade e
com a do coletivo. Tudo a confirmar que a função social é um limite e não do respeito à confiança gerada
fundamento da liberdade contratual (Miguel Reale. História do novo Código • A boa-fé objetiva incide em todo o iter contratual
Civil, p. 266-268). • Na fase pré-contratual, impõe a responsabilidade da parte que agiu em
contrariedade a seus ditames pelos prejuízos decorrentes da ruptura
8. RESUMO ESQUEMÁTICO
das negociações
1. Preliminares • No momento da conclusão do contrato, a boa-fé serve a integrar o
• Os princípios são as normas mais importantes de todo o direito conteúdo do negócio e veda a inserção de cláusulas que lhe sejam
• Os princípios independem de previsão legislativa contrárias
• Os princípios podem ser setoriais, ou seja, aplicáveis apenas à dada parte • Na fase de execução, implica a observância de diversos deveres
do ordenamento relacionados à obtenção do leal cumprimento do pactuado, como o
2. Liberdade dever de colaboração e o dever de informar
• Liberdade de contratar • Ainda na fase de execução, impede que a parte exerça seus direitos em
contrariedade aos cânones que consagra
• Liberdade de escolher o parceiro contratual
• As partes continuam obrigadas a respeitar o princípio mesmo depois
• Liberdade de determinação do conteúdo contratual, inclusive para
da execução do contrato, por meio da observância do dever de sigilo,
concluir contratos atípicos
por exemplo
• Limites à liberdade: lei; ordem pública, bons costumes; boa-fé e função
7. Função social
social
• Trata-se da mais conhecida inovação legislativa do CC, levada a efeito com
• As limitações incidem sobre todas as três facetas do princípio da
o objetivo de subordinar o exercício da liberdade contratual aos ditames
liberdade
da socialidade, sem deixar de proteger os interesses individuais
3. Consensualismo
• Histórico: Projeto de Código Comercial de 1915; Código Civil de 1916;
• Como regra, o consenso a respeito do conteúdo do negócio é suficiente Anteprojeto da Parte Geral do Código das Obrigações de 1941; Anteprojeto
à formação do contrato da Lei Geral de aplicação das normas jurídicas de 1964; Anteprojeto do
• Evolução histórica: direito romano, tradição ibérica, direito canônico, Código das Obrigações de 1965
direito comum europeu, direito português e brasileiro • Eficácia interna: critério de cogência das normas fundamentais à promoção
4. Força obrigatória do equilíbrio contratual e das regras tendentes à conservação do negócio
• O efeito fundamental do contrato é a criação de obrigação para as partes jurídico
• Como regra, não se pode alterar os termos do negócio pactuado em • Eficácia externa: consideração e proteção de valores metaindividuais e
conformidade com o direito da dignidade humana. Tutela externa do crédito
• Há exceções, como a revisão ou resolução por onerosidade excessiva, a • A função social é limite e não razão de ser da liberdade contratual
revisão do preço da empreitada e a revisão da cláusula penal
• Os contratos geram apenas efeitos obrigatórios e, portanto, não são
suficientes à transferência da propriedade
5. Relatividade dos efeitos
• Somente as partes estão adstritas ao cumprimento do pactuado
• Há exceções, como a estipulação em favor de terceiro
CLASSIFICAÇÃO 79

segundo a idade em crianças, adolescentes ou adultas; segundo a capacidade


em capazes ou incapazes etc.
Soma-se a isso que qualquer classificação adotada possa ser adequada
V é necessário que todos os seres ou fenômenos sob análise se incluam numa das
categorias decorrentes da classificação. Assim, se resolvemos classificar as pessoas
Classificação físicas, por exemplo, será adequada a classificação (categorias) de homens e
mulheres, vez que todas as pessoas físicas existentes no mundo se enquadram
EDUARDO LUIZ BUSSATTA numa dessas categorias. Por outro, será equivocado classificá-las como loiras
ou morenas, vez que além dessas duas categoriais, existem as ruivas etc.
Assim, é certo que cada contrato será classificado tantas vezes quantos
Bibliografia forem os critérios estabelecidos ou utilizados.
Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. A classificação dos contratos se reveste de grande importância, tanto
3 – Carlos Roberto Gonçalves. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3 – Claudia teórica quanto prática, como se verá na seqüência. No entanto, desde já,
Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1998 – Eduardo
adiantamos que a cada categoria são aplicáveis regras próprias. Assim, por
Luiz Bussatta. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. São Paulo:
Saraiva, 2007 – Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3 exemplo, ao analisarmos o disposto no art. 476 do CC, que trata de exceção
– Lucas Abreu Barroso. Leasing agrário e arrendamento rural com opção de compra. Belo do contrato não cumprido (Capítulo XX) verificamos que somente é aplicável
Horizonte: Del Rey, 2001 – Mário Júlio de Almeida Costa. Direito das obrigações. Coimbra: aos contratos bilaterais. Logo, é imprescindível saber o que se entende por
Almedina, 1994 – Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado contrato bilateral, o que é justamente o objeto da classificação.
e legislação extravagante. 3. ed. São Paulo: RT, 2005 – Orlando Gomes. Contratos. 24. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2001 – Paulo Nader. Curso de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
Neste curso classificaremos os contratos do seguinte modo: a) quanto
2005. v. 3 – Ricardo Luis Lorenzetti. Fundamentos do direito privado. Tradução Vera Maria à reciprocidade de obrigações, em bilaterais e unilaterais; b) quanto à gratui-
Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998 – Rodolfo Pamplona Filho. A disciplina do contrato dade, em gratuitos e onerosos; c) quanto ao risco envolvido no contrato, em
preliminar no novo Código Civil brasileiro. In: Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves comutativos ou aleatórios; d) quanto às formalidades para sua formação, em
(coords.). Questões controvertidas no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2004 – Sílvio consensuais, formais e reais; e) quanto a sua negociação, em paritários e por
de Salvo Venosa. Direito civil. São Paulo: Atlas, 2005. v. 2.
adesão; f) quanto ao tempo de execução, em execução instantânea, diferida
e continuada; g) quanto à definitividade, em preliminares e definitivos; h)
1. INTRODUÇÃO
quanto às pessoas vinculadas, em individuais ou coletivos; i) quanto à disciplina
Classificar significa agrupar seres ou fenômenos de acordo com suas se- jurídica, em típicos, atípicos e mistos; j) quanto à dependência recíproca, em
melhanças; importa em um raciocínio pelo qual seres idênticos ou com algumas principais e acessórios.
similitudes são afastados dos demais, que não possuem tais características.
O mesmo se dá em relação aos contratos: classificá-los significa agrupá- 2. CONTRATOS BILATERAIS E UNILATERAIS
los em decorrência de pontos em comum, a fim de que lhe sejam aplicadas Também chamados de sinalagmáticos, bilaterais são os contratos que
as regras próprias a cada qual. “Classificar os contratos é reduzir a multipli- têm como elemento marcante a reciprocidade de prestações. Cada parte é
cidade de suas espécies a categorias jurídicas singulares, cada qual com suas credora e devedora da outra. Importam em uma troca, vez que os pólos da
características próprias” (Paulo Nader. Curso de direito civil, p. 39). relação jurídica se obrigam uns em relação ao outros, passando cada qual a
Todo ato classificatório exige o estabelecimento de critério(s) para tanto. ser titular de um crédito e de um débito, ao menos. Há sempre prestação e
E, de fato, da mesma forma que os ângulos de visão, os critérios classifica- contraprestação (Paulo Nader. Curso de direito civil, p. 42).
tórios são muitos, o que redunda na existência de várias categorias. Assim, Correspondem à imensa maioria dos contratos diuturnamente entabula-
um mesmo objeto de classificação, pode ser incluído em diversas categorias, dos. Assim, na compra e venda, por exemplo, o comprador é credor da coisa e
justamente em decorrência da utilização de vários critérios classificatórios devedor do preço, enquanto o vendedor é credor do preço e devedor da coisa.
distintos. Somente para exemplificar, pensemos na classificação das pessoas Conforme ensina Lorenzetti (Fundamentos do direito privado, p. 210) dois
físicas. Podem ser elas classificadas, segundo o sexo em homens ou mulheres; são os elementos dos contratos bilaterais: a) ambas as partes se obrigam; b) as
80 Direito dos Contratos CLASSIFICAÇÃO 81

obrigações são recíprocas, tomando-se em conta a sua mútua dependência, por inadimplemento e a resolução por onerosidade excessiva nos contratos
o que significa dizer, cada prestação é causa da outra. bilaterais, discussão essa que será aprofundada nos Capítulos 13 e 14.
Já, por unilaterais temos os contratos em que somente há prestação Já, é uníssono que a exceção do contrato não cumprido (art. 476), que
devida por uma das partes. A outra nada tem a prestar, não é devedora, mas “corresponde a uma defesa dilatória pela qual o contratante, (...), instado
somente credora da prestação devida pela primeira. Não há troca de presta- judicial ou extrajudicialmente a realizar a prestação devida, defende-se sus-
ções. O exemplo característico deste tipo contratual é o de doação simples ou tentando que a prestação da parte contrária também não foi cumprida, de
pura. Somente há prestação devida pelo doador, fazendo com que o donatário forma que não estaria obrigado a realizar a sua enquanto o outro não realizasse
tenha qualquer prestação a cumprir. a que lhe incumbia” (Eduardo Luiz Bussatta. Resolução dos contratos e teoria
Importante deixar claro que a classificação em comento não guarda do adimplemento substancial, p. 98) somente é cabível nos contratos bilaterais.
qualquer relação com as vontades necessárias à formação do contrato. Como Esse tema será mais bem desenvolvido no Capítulo 15.
vimos, o contrato importa em um acordo de vontades, sendo sempre, portanto,
negócio jurídico bilateral, ou seja, fruto de duas vontades. Nesse sentido, por 3. CONTRATOS ONEROSOS E GRATUÍTOS
óbvio, não existiria contrato unilateral. Contratos onerosos são aqueles em que cada ganho importa em um
A doutrina costuma ainda falar em contratos bilaterais imperfeitos. Por dispêndio, ou seja, “ambas as partes visam a obter vantagens ou benefícios,
eles temos aqueles contratos que não têm como elemento a reciprocidade impondo-se encargos reciprocamente uma em benefício da outra” (Caio Mário
de obrigação, mas que em razão do pactuado ou do transcorrer da relação da Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. 37). Exemplo típico de contrato
contratual acabam por adquirir tal característica. Poderíamos dizer que eles oneroso é a locação, em que as partes, ao contratar, perseguem justamente a
são acidentalmente bilaterais, pois a lei os admite sem contraprestação, mas obtenção de vantagens para cada uma, dispondo-se, no entanto, a arcar com
esta, como dito, vem a existir. Assim, por exemplo, o contrato de depósito. um ou mais “ônus”.
Na sua essência, é unilateral, trazendo obrigação somente para o depositário Gratuitos ou benéficos, por sua vez, são os contratos em que uma das
que está adstrito a guardar e conservar a coisa e a restituí-la ao depositante partes somente aufere vantagens enquanto a outra somente suporta os encar-
quando instado. No entanto, podem haver despesas e prejuízos para o depo- gos. Tal modalidade contratual importa sempre em uma liberalidade (Paulo
sitário em razão da dita guarda e conservação da coisa, o que faz surgir para o Nader. Curso de direito civil, p. 45).
depositante a obrigação de ressarci-los ou indenizá-los (art. 643). Importante não confundir esta classificação com a dos contratos bila-
Por fim, impende tratamos dos contratos plurilaterais. Tal classificação terais e unilaterais, dada a utilização de critérios classificatórios distintos.
surgiu tendo em vista a discussão a respeito da natureza jurídica dos atos Todo o contrato bilateral será, necessariamente, oneroso. No entanto, nem
de formação das sociedades. Parte da doutrina, à época, sustentava não ser todo contrato unilateral será gratuito. O contrato de mútuo feneratício (com
contratual, vez que nos contratos as partes possuem interesses antagônicos. cobrança de juros) é unilateral, já que somente traz prestações para o mutuário
O comprador busca adquirir a coisa pelo menor preço possível, enquanto o (a entrega da coisa mutuada pela mutuante é ato de nascimento do contrato e
vendedor almeja o maior preço. E isso não ocorre em se tratando sociedades, à não obrigação contratual), mas é oneroso, à medida que ambos os contratantes
medida que os sócios se vinculam na busca da satisfação do mesmo interesse, possuem encargos (o mutuário deve restituir o capital e juros; o mutuante não
qual seja, empenhar patrimônio e esforços a fim de desenvolver uma dada possui disponibilidade sobre o capital emprestado até a restituição).
atividade que visa, normalmente, lucro. Por fim, há que se ressaltar a importância prática da distinção. Os con-
Assim, ao contrário do sustentado por parte da doutrina (Caio Mário da tratos benéficos ou gratuitos, justamente por onerar somente uma das partes,
Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. 39; Carlos Roberto Gonçalves. Direito devem ser interpretados estritamente (art. 114), o que significa dizer, não
civil brasileiro, p. 69) tal classificação não tem em conta o número de partes, admitem que o intérprete, na dúvida, entenda pelo sentido que mais obrigue
mas sim a perseguição de fim comum. Assim, será plurilateral o contrato de o contratante onerado. O mesmo vale no que pertine ao contrato de fiança,
sociedade com apenas dois sócios e não será plurilateral o contrato de cessão que é também é gratuito (art. 819).
de posição contratual, em que existe mais de dois pólos no contrato. Ainda, o art. 392 dispõe que nos contratos benéficos o contratante que
A distinção entre contratos bilaterais e unilaterais gera efeitos práticos. se onera somente responderá por dolo, enquanto aquele que é favorecido, bem
Parte da doutrina considera que somente é admissível a resolução do contrato como os contratantes em contrato oneroso respondem por simples culpa. Assim,
82 Direito dos Contratos CLASSIFICAÇÃO 83

por exemplo, no contrato de comodato, o comodante somente responderá por Importante ressaltar que os contratos podem ser natural ou acidentalmente
eventuais danos causados ao comodatário caso aja dolosamente, ou seja, com aleatórios. Naturalmente aleatórios são aqueles que, pelos seus elementos e
a intenção de prejudicar. sua estrutura, sempre dependerão para a sua qualificação do risco. É o caso
já citado do jogo. Não há como pensar no contrato de jogo sem o risco que a
4. CONTRATOS COMUTATIVOS E ALEATÓRIOS ele é inerente. Já, acidentalmente aleatórios são os contratos que, pelos seus
Trata-se de uma classificação dos contratos bilaterais e onerosos. elementos, são comutativos, mas em decorrência da vontade das partes,
Como tudo na vida, os contratos estão sujeitos a riscos, ou seja, a eventos manifestada no momento da formação do contrato, ou posteriormente, vem
futuros e incertos capazes de gerar efeitos no contrato. Tudo pode frustrar- a se transformar em aleatórios. Assim, o contrato de compra e venda que
se, nada é garantido (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil, p. 16). No é comutativo, pode vir a se transformar em contrato aleatório se as partes
entanto, alguns contratos têm em conta justamente a existência de tais riscos, negociarem sobre coisas futuras que podem vir ou não a existir ou existir em
atribuindo-lhes determinados efeitos jurídicos. maior ou menor quantidade. Esse ponto será tratado de forma mais aprofun-
dada no Capítulo 11.
Assim, serão aleatórios os contratos que ficam dependentes de um de-
terminado risco que vai influenciar na existência ou inexistência de prestação Efeito prático de maior relevo nesta classificação refere-se ao fato de
para uma das partes, ou a sua existência ou maior ou menor quantidade. que, para parte da doutrina, somente os contratos comutativos dão direito
ao desfazimento do contrato ou abatimento do preço quando a coisa recebida
Significa dizer que a vantagem decorrente do contrato não é certa para todos
contiver vícios ocultos que a torne imprestável para o fim a que se destina, ou
os contratantes (Lorenzetti. Fundamentos do direito privado, p. 221).
lhe reduza consideravelmente o valor (art. 441). Essa visão é criticada quando
Já, serão comutativos os contratos em que as vantagens para cada contra- tratamos dos vícios redibitórios (Capítulo 9).
tante estão previamente definidas. “As prestações de ambas as partes são de
antemão conhecidas, e guardam entre si uma relativa equivalência de valores” 5. CONTRATOS CONSENSUAIS, FORMAIS E REAIS
(Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. 39).
Quando definimos contratos, dissemos ser ele um acordo de vontades
Assim, nos contratos comutativos “a relação entre vantagem e sacrifí- (Capítulo 2). Quando tratamos dos princípios contratuais (Capítulo 4), afir-
cio é subjetivamente equivalente, havendo certeza quanto às prestações”, mamos que, não havendo norma legal impondo determinada formalidade
enquanto nos contratos aleatórios, “há incerteza para as duas partes sobre à validade do contrato, ter-se-á que o acordo de vontades é suficiente para a
se a vantagem esperada será proporcional ao sacrifício” (Orlando Gomes. sua formação válida, o que se dá o nome de princípio do consensualismo.
Contratos, p. 74). Assim, serão consensuais os contratos que são válidos independentemente
Ao verificarmos o contrato de compra e venda (art. 481 e ss.), por exemplo, de qualquer forma. Basta o acordo de vontades, manifestado ainda que oral-
claramente percebemos que se trata, em regra, de contrato comutativo, vez mente (algumas vezes admite-se até mesmo tacitamente) para que o contrato
que a coisa vendida, bem como o preço pago para obtê-la estão determinados. seja válido, o que significa dizer, para que seja apto a gerar efeitos na ordem
Não há indeterminação da prestação em decorrência de eventual risco. Já, por jurídica. Essa é a regra no direito brasileiro, conforme se percebe do disposto
outro lado, ao analisarmos o contrato de jogo (art. 814 e ss.), percebemos que no art. 107 ao estabelecer que “a validade da declaração de vontade não de-
a alea, a sorte, faz com que os ganhos e as perdas de cada contratante não sejam penderá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.
conhecidos de antemão. Isso faz com que o contrato seja aleatório. Já, serão formais os contratos que a ordem jurídica determina a obser-
Há séria controvérsia na doutrina a respeito da classificação do contrato vância de certa forma ou solenidade para a sua validade. Não observada a
de seguro. Parte da doutrina (entre outros, Paulo Nader. Curso de direito civil, forma ou solenidade, o contrato será nulo (art. 166, IV). A forma pode ser
p. 46), o considera como aleatório pelo fato de que a seguradora somente terá única, quando a ordem jurídica determinar a observância de uma forma
prestação a realizar caso ocorra o sinistro coberto. Essa posição é combatida específica sob pena de invalidade do contrato que não a respeitar (como no
por Fábio Ulhoa Coelho (Curso de direito civil, p. 346) que, com fundamento caso de compra e venda de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos,
no art. 757, afirma que a prestação da seguradora é justamente garantir inte- art. 108). Pode ser também alternativa, que se dá na hipótese da ordem ju-
resse legítimo do segurado, o que deve ser cumprido por ela durante todo o rídica permitir a realização dos negócios por duas ou mais formas distintas,
período do contrato. ambas válidas (v.g. o compromisso de compra e venda será válido e apto a
84 Direito dos Contratos CLASSIFICAÇÃO 85

gerar direito real à aquisição quando celebrado por instrumento público ou discutem todos os pontos relevantes da contratação, até o acordo final. O
particular, art. 1.417). conteúdo contratual é, por assim dizer, fruto do trabalho conjunto das partes.
O fundamento da exigência de forma reside na segurança jurídica. Assim, Assim, se alguém deseja adquirir, por exemplo, um imóvel, e após encontrar
quanto mais oneroso for o contrato, maiores serão as solenidades exigidas, o parceiro contratual, discute e convenciona todos os elementos relevantes
o que permite, inclusive, que os contratantes repensem a contratação e só a desta contratação, tais como o objeto, o preço, o prazo de pagamento etc.,
façam estando absolutamente seguros de que é realmente isto que desejam. A estaremos diante de um contrato paritário.
respeito deste ponto vide Capítulo 3, a respeito da importância da forma. Por sua vez, será por adesão o contrato em que uma das partes sim-
Por contratos reais temos os contratos que se perfazem com a entrega plesmente adere, em bloco, às condições elaboradas previamente pela outra
do objeto sobre os quais versam. Para a sua perfeição, “a lei exige a traditio parte. Ou seja, é o negócio cujo clausulado vem previamente estipulado por
efetiva do objeto. Nele a entrega da coisa não é fase executória, porém requi- um dos contratantes e ao qual se tem a opção de aderir ou não, ou como quer
sito da própria constituição do ato” (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Claudia Lima Marques, é aquele cujo conteúdo é preestabelecido por uma
direito civil, p. 36). Antes da entrega, o contrato não está plenamente formado, das partes, restando à outra somente a possibilidade de aceitar em bloco as
havendo quando muito uma promessa de contratar. Exemplo típico desta cláusulas estabelecidas ou recusar o contrato e procurar outro fornecedor de
modalidade contratual é o contrato de mútuo, em que o art. 579 é enfático bens (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, passim) ou serviços.
ao dizer que ele se perfaz “com a tradição do objeto”. Se num primeiro momento, eram os contratos paritários predominan-
Trata-se de romanismo injustificado a manutenção de tal modalidade tes, verificamos hoje que a imensa maioria das contratações é entabulada por
contratual. Sabidamente, em Roma, nem primeiro momento, se entendia adesão, dada a massificação da produção e do consumo e da necessidade das
vontade como muito tênue para gerar direitos e obrigações, razão pela qual empresas de realizar o cálculo empresarial. Somente uma pequena parcela de
os contratos deveriam formar-se através da menção de palavras ritualísticas contratos ainda pode ser tida como paritária, normalmente aqueles firmados
(contratos verbis), ou por escrito (contratos literis) ou com a entrega da coisa entre pessoas físicas fora de sua profissão (o cidadão que vende seu veículo
a outro contratante (contratos res). Ora, no direito brasileiro atual a vontade usado para outro) ou em se tratando de duas grandes empresas negociando
é suficiente para formar validade contratos atípicos (art. 425), de forma que contratos de bastante relevância.
não haveria a necessidade de exigir a entrega da coisa para a formação de A amplitude e importância dos contratos por adesão hodiernamente
determinados contratos típicos, como é o caso do já citado comodato e ainda estão a merecer tratamento específico por parte do legislador, como o fez o
da doação, do contrato estimatório, do mútuo e do depósito. Assim, acertada português, ao disciplinar as “cláusulas contratuais gerais” através do Dec.-lei
a crítica de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, p. 37), 249/1999. Trata-se de diploma que visa regulamentar todas as contratações
o que o fez retirar tal modalidade de contrato de seu Projeto de Código das que se valem desta forma de pactuação. O legislador do Código Civil perdeu
Obrigações, infelizmente não seguido pelo Código Civil de 2002. importante chance de proceder da mesma forma. Na verdade, a regulamentação
Por fim, importante ressaltar que a classificação de um contrato real no foi feita através de somente dois artigos. O art. 423 determina que a interpre-
direito brasileiro nada tem a ver com os contratos assim chamados nos sistemas tação dos contratos de adesão, em caso de ambigüidade ou contradição, se
que adotam o modelo francês de transmissão da propriedade. Neles, os contratos dê contra o estipulante, criando, assim, para ele, o dever de ser claro. Já, o art.
são suficientes para transmitir a propriedade das coisas e, portanto, tais contratos 424 impõe a nulidade das cláusulas contratuais que, contidas em contratos
são chamados de reais. No Brasil, sabidamente nenhum contrato tem o efeito de adesão, importem em renúncia prévia ou antecipada de direito decorrente
de transmitir a propriedade, vez que adotamos o sistema alemão, pelo qual é da natureza do negócio.
necessária a prática de ato posterior para tanto, qual seja, o registro do título Dada a importância do tema, tratamos de forma detalhada do contrato de
aquisitivo junto ao Cartório de Registro de Imóveis para tal modalidade de bens adesão e de sua interpretação no Capítulo 6, para o qual remetemos o leitor.
(art. 1.245), e a tradição em se tratando de bens imóveis (art. 1.267).
7. CONTRATOS DE EXECUÇÃO IMEDIATA, DIFERIDA E CONTINUADA
6. CONTRATOS PARITÁRIOS E POR ADESÃO Os contratos de execução imediata são aqueles nos quais não há tempo
Contratos paritários são aqueles precedidos de ampla negociação. As considerável entre o nascimento e a extinção do contrato mediante a sua
partes realizam tratativas preliminares, proposta, contraproposta, enfim, execução. No mesmo instante que nascem são extintos pelo pagamento ou
86 Direito dos Contratos CLASSIFICAÇÃO 87

adimplemento. Os atos de conclusão e execução do contrato quase que se sivo, a resolução não buscará a volta ao status quo, mas gerará efeitos somente
confundem. Assim, por exemplo, quando um cidadão adquire um jornal em após a sua decretação. Tomemos como exemplo o contrato de locação: caso
uma banca de revistas, pagando a integralidade do preço e levando consigo o contratado pelo prazo de 12 (doze) meses, vindo o locatário a cumprir, por
objeto comprado, teremos um contrato de execução imediata. exemplo, 6 (seis) meses, passando então a ser inadimplente, a ação de despejo
Nos contratos de execução diferida, ao contrário, há espaço considerável (que resolve o contrato) deixará incólume aquele período.
de tempo entre o nascimento do contrato e sua execução. Esta difere no tem-
po. Há o estabelecimento de um termo (certo ou incerto; ou mesmo de uma 8. CONTRATOS PRELIMINARES E DEFINITIVOS
condição) que faz com a execução do contrato se distancie no tempo de seu Contratos preliminares, também chamados de contratos-promessa,
nascimento. Exemplo característico é do contrato de compra e venda, cujo são aqueles que têm como objetivo a realização de um contrato definitivo,
pagamento se dê em prestações ou mesmo em um único vencimento, desde ou seja, as partes se obrigam a um fazer (obrigação de emitir declaração de
que distinto da data de nascimento do contrato. Também categórico o caso vontade) consistente na feitura do contrato que efetivamente lhes interessa.
do mútuo, em que o próprio legislador estabelece o momento do pagamento, Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das obrigações, p. 316-317), leciona
no caso de silêncio do contrato (art. 592), demonstrando ainda mais a sua que, como quer o Código Civil português, o pré-contrato ou contrato pre-
característica de execução diferida. liminar consiste na “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo
Por contratos de execução continuada, também chamados de contratos contrato”. Paulo Nader (Curso de direito civil, p. 157) ensina que o “contrato
de trato sucessivo, há um débito permanente, ou seja, a prestação não pode preliminar consiste na promessa não formal, efetuada por uma ou mais partes,
ser satisfeita em um único ato, pois a continuidade lhe é essencial. Assim, de celebrar determinada modalidade contratual, no futuro e geralmente com
por exemplo, no contrato de locação. A cessão de uso do bem móvel ou imó- definição de prazo ou condição, com expressa indicação das regras a serem
vel deve dar-se pelo prazo previsto no contrato ou não lei. Não há meios de observadas”, não sendo outra não é a idéia defendida por Rodolfo Pamplona
cumprir tal prestação em um único ato. O mesmo no que pertine ao contrato Filho (A disciplina do contrato preliminar no novo Código Civil brasileiro,
de seguro. É obrigação do segurador garantir interesse legítimo do segurado p. 359) ao doutrinar que este se caracteriza como “uma avença por meio da
pelo prazo contratual (normalmente de um ano). qual as partes criam em favor de uma ou mais delas a faculdade de exigir o
Clara a diferença entre os contratos de execução diferida e de execução cumprimento de um contrato apenas projetado”.
continuada ou sucessiva. Nos de execução diferida, a prestação devida é De fato, por vezes, as partes, objetivando a realização de uma dada pres-
protraída no tempo em razão dos interesses das partes que convencionam tação (um dar, fazer ou não fazer) não querem ou mesmo não podem, desde já,
tempo de pagamento diverso daquele em que nasceu o contrato. No entanto, contratar. Por exemplo, objetivando a alienação onerosa de um imóvel de valor
poderia ocorrer o pagamento naquele mesmo momento. Já nos de execução superior a 30 (trinta) salários mínimos, devem as partes celebrar tal contrato
continuada ou sucessiva não há como se pensar na realização imediata da por escritura pública (art. 108 do CC). No entanto, em razão de vários fatores,
prestação, vez que é da sua essência realizar durante um período mais ou como os custos de tal formalidade, podem não desejar fazê-la desde já. Ou,
menos longo de tempo. então, não seja possível a confecção do instrumento público neste momento,
A importância de tal classificação reside no fato de que somente os como na hipótese das partes não possuir algum dos documentos necessários
contratos diferidos e de execução continuada podem sofrer a influência do para tanto (exemplo, certidão de regularidade fiscal do imóvel). É justamente
fator tempo, o que significa dizer, podem ter sua economia alterada por fato nesse ponto que reside o interesse prático do contrato preliminar. Portanto,
superveniente à contratação, possibilitando, assim, e no caso de presentes dos acertada a decisão do legislador em não exigir, para a validade do contrato
demais requisitos legais, a revisão (art. 317) e a resolução por onerosidade preliminar, a mesma forma do contrato definitivo (art. 462 do CC).
excessiva (art. 478), ambas tratadas no Capítulo 14 desta obra. Interessante observar que o contrato preliminar pode ser bilateral, como
Ainda, os efeitos em razão da resolução do contrato, normalmente por unilateral. Bilateral quando ambas as partes se obrigam a firmar o contrato
inadimplemento, variarão de acordo com as ditas modalidades contratuais. definitivo. Unilateral, quando somente uma delas assim está obrigada, de
Em se tratando de contrato de execução imediata ou diferida, a resolução forma que à outra subsiste a opção de contratar ou não, opção essa regulada
fará com que as partes voltem ao estado anterior à pactuação (status quo). O pelo art. 466 do CC.
direito visa apagar os efeitos do contrato que não foi cumprido por uma das Ainda, em relação ao conteúdo do contrato preliminar, segundo Nelson
partes e que por isso foi desfeito. Mas, se se tratar de contrato de trato suces- Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código Civil comentado e legislação
88 Direito dos Contratos CLASSIFICAÇÃO 89

extravagante, p. 398-399), pode-se falar em contratos de preliminaridade má- qualidade, à quantidade, à garantia e características de produtos e serviços,
xima, média e mínima. Máxima, quando o contrato preliminar possui, desde bem como à reclamação e composição do conflito de consumo”.
já, todos os elementos contrato definitivo a ser entabulado. Média, quando há Assim, como dito, através de um acordo de vontades criam-se normas
a necessidade da feitura do contrato definitivo para que os efeitos desejados verdadeiramente coletivas, alcançando categorias ou filiados, que vão ser
pelas partes sejam criados. Mínima, quando o contrato preliminar traz apenas obrigatórias nos contratos individuais por estes celebrados posteriormente.
alguns pontos de acordo entre as partes, de forma que há a necessidade de No dizer de Caio Mário da Silva Pereira, importam em pré-regulamentação
acordos posteriores para que o contrato definitivo venha a ser formado. das relações individuais (Instituições de direito civil, p. 42), desde que não
Dada a importância do contrato preliminar, no Capítulo 12 será feita ultrapassem os ditames imperativos de lei.
sua análise pormenorizada, para o qual remetemos o leitor. À medida que aumenta a massificação contratual, fruto da economia
de mercado, o interesse nos contratos coletivos avulta, especialmente no que
9. CONTRATOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS pertine ao direito do consumidor e ao direito do trabalho. Por intermédio deles
Contrato individual é “o que se forma pelo consentimento das pessoas, se consegue uma flexibilidade maior do que através das leis, bem como, dada
cujas vontades são individualmente consideradas” (Caio Mário da Silva Pe- a sua concretude, disposições mais adequadas para cada nicho contratual.
reira. Instituições de direito civil, p. 42) e que cria o dever de realizar prestações
diretas para os contratantes. Assim, por exemplo, no contrato de compra e
10. CONTRATOS TÍPICOS, ATÍPICOS, MISTOS E COLIGADOS
venda. As vontades são individualmente consideradas (comprador e vende- Diz-se que um contrato é típico quando a sua disciplina jurídica (con-
dor) e a pactuação cria o dever do comprador pagar o preço e a do vendedor teúdo dos direitos e obrigações) vem estabelecida de forma mais ou menos
de transmitir a propriedade da coisa vendida (art. 481 do CC). ampla em uma determinada lei, seja o próprio Código Civil, seja em legis-
Contrato coletivo é aquele que, “na sua perfeição, a declaração volitiva lação extravagante. Há, em texto legal, o arcabouço jurídico próprio de um
provém de um agrupamento de indivíduos, organicamente considerado. A dado contrato. A expressão “tipo” aqui é utilizada no mesmo sentido que lhe
vontade do agrupamento é dirigida à criação do iuris vinculum, como o querer dá o direito penal, ou seja, como especificação legal de uma dada conduta
coletivo dele” (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. 42). (no direito penal) ou de um acordo de vontades (no campo contratual). Ao
analisarmos o Código Civil, verificamos que a partir do art. 481, o legislador
Todos os contratos geram normatividade, pois criam normas jurídicas,
passa a dar disciplina jurídica detalhada às modalidades de contrato (compra
individuais e concretas a serem observadas pelos contratantes. No entanto,
e venda, troca ou permuta, contrato estimatório, doação etc.) que reputa mais
nos contratos coletivos esse efeito fica mais evidente, na medida em que seu relevantes, seja em razão da sua utilidade prática, seja em razão dos conflitos
conteúdo consiste justamente em normas que regerão os contratos individuais de interesse deles advindos.
que posteriormente serão firmados.
Por outro lado, tendo em conta que o contrato está ligado ao fenômeno
De fato, o art. 611 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao econômico, que é algo dinâmico, não poderíamos pensar que somente os contra-
definir o que é convenção coletiva de trabalho, uma das espécies de contrato tos tipificados em lei é que poderiam ser tabulados entre as partes. Na verdade,
coletivo, dispõe que é ela “o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou no exercício da sua autonomia privada, permite-se aos interessados entabular
mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais contratos não previstos pelo legislador, que não possuem estrutura de direitos
estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas repre- e obrigações especificadas em lei. A esses contratos se dá o nome de atípicos.
sentações, às relações individuais de trabalho”. Ou seja, a convenção coletiva De fato, as transformações do mundo moderno forçam a criação de
de trabalho funciona como uma espécie de “sobre-contrato” no qual se cria novas formas contratuais, que são admitidas pela ordem jurídica, conforme
normas a serem observadas nos contratos individuais de trabalho. Fica como se pode ver do disposto no art. 425 do CC: “É lícito às partes estipular con-
meio termo entre a lei e o contrato individual. tratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”. Pode-se
O mesmo se diga em relação à convenção coletiva de consumo. O Código mesmo dizer que o legislador está sempre correndo atrás do contratante. À
de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) dispõe, no seu art. 107 que “as medida que um determinado contrato é difundido, passando a gerar conflitos
entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos interpessoais, o legislador acaba por tipificá-lo, a fim de tutelar eficazmente os
de categoria econômica podem regular, por convenção escrita, relações de interesses em jogo. Isso se deu, recentemente, com a tipificação dos contratos
consumo que tenham por objeto estabelecer condições relativas ao preço, à de plano e seguro de saúde, o que foi feito através da Lei 9.656/1998.
90 Direito dos Contratos CLASSIFICAÇÃO 91

Já por contrato misto temos aquele contrato em que se “alia a tipicidade suprimento do conteúdo das cláusulas próprias os princípios legais relativos
e a atipicidade, ou seja, aquele em que as partes imiscuem em uma espécie ao contrato típico mais próximo” (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de
regularmente dogmatizada, aspectos criados por sua própria imaginação, direito civil, p. 35). Isso importa saber da existência ou não de disposições legais
desfigurando-a em relação ao modelo legal” (Caio Mário da Silva Pereira. aplicáveis. Quando ausente figura contratual típica assemelhada, avultará a
Instituições de direito civil, p. 35). “Como ponto de partida, a convenção se importância dos princípios gerais. Uma vez verificada a proximidade com
identifica com uma espécie, mas por algumas de suas cláusulas afasta-se do figura contratual típica poderá ser intentada uma interpretação por analogia
figurino legal, ensejando dúvidas quanto a sua tipicidade” (Paulo Nader. com aquela. A moderna doutrina apresenta três teorias que buscam auxiliar
Curso de direito civil, p. 54). Não há que se confundir o contrato misto com os a atividade do intérprete em relação aos contratos atípicos. Tais são as teo-
contratos coligados. Naquele, há um só contrato, fundindo características de rias da absorção (estabelece um paralelo com o contrato típico mais ligado
duas ou mais modalidades contratuais (Lucas Abreu Barroso. Leasing agrário estruturalmente), da extensão analógica (coloca mais perto contrato atípico e
e arrendamento rural com opção de compra, p. 81). Nestes, temos dois ou mais típico que guardam apenas certa semelhança) e da combinação (suscita cada
contratos distintos, uma combinação de contratos completos, normalmente contrato típico envolvido) (Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil, p. 444).
em virtude de sua causa comum, de cuja pluralidade não resulta uma unici-
dade contratual (idem, p. 82). 11. CONTRATOS PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS
A classificação ora tratada não se confunde com a classificação dos con- Principais são os contratos que possuem existência e utilidade por si
tratos em nominados (possuem nome previsto em lei) e inominados (que não mesmo, independentemente da existência de outro contrato.
possuem nome previsto em lei), que não guarda qualquer relevância prática, Acessórios, por sua vez, são os contratos que somente são úteis se ligados
tratando-se de romanismo injustificado. Podemos ter contratos nominados, a um contrato principal. A sua existência com efetivo interesse para as partes
porém atípicos. Basta que uma determinada lei estabeleça o nome do contra- demanda a existência de um contrato ao qual é ele ligado.
to, sem lhe dar a efetiva disciplina jurídica. Isso se dá, por exemplo, com o Assim, se pensarmos em um contrato de locação garantido por fiança,
contrato de arrendamento mercantil. A Lei 6.099/1974, bem como inúmeras verificaremos, claramente, a relação de dependência que o segundo tem
outras leis, tratam dos efeitos tributários do referido contrato. No entanto, para com o primeiro. Ora, a locação, individualmente considerada, satisfaz
não há lei alguma que lhe dê disciplina jurídica específica.
o interesse das partes, existe utilmente por si mesmo. O mesmo não ocorre
A importância da classificação abordada neste tópico se refere à inte- com o contrato de fiança. Ele depende da existência do contrato principal,
gração e à interpretação do contrato. Se as partes tabularem um contrato na medida em que lhe serve de garantia. Somente há interesse em se pactuar
típico qualquer, a eventual omissão fará com que a pactuação seja integrada um contrato de fiança se existir um contrato principal que se visa garantir.
pelas normas supletivas ou dispositivas previstas no texto legal. Assim, por Individualmente falando, o contrato de fiança não satisfaz qualquer interesse
exemplo, se ao pactuar um contrato de compra e venda, nada foi disposto a
dos contratantes.
respeito das despesas com a tradição, aplicar-se-á o contido no art. 490 do
CC, de forma que competirá ao vendedor arcar com as mesmas. Os contratos acessórios versam, normalmente, a respeito de garantias.
São exemplos, além da fiança, a hipoteca, o penhor etc.
Em se tratando de contratos atípicos, a tarefa do intérprete fica mais
difícil, à medida que terá que se valer das normas gerais do Código Civil para A importância da classificação em questão decorre do princípio segundo
a interpretação e a integração do pacto, conforme determina o art. 425, já ci- o qual o acessório segue o principal. Assim, sendo nulo o contrato principal,
tado. Isto porque, os contratos atípicos são regulados por princípios e normas nulo será o acessório (art. 184 do CC); ocorrendo a resolução do principal, re-
gerais, haja vista que decorrem de uma tipicidade social. Interpretá-los exige solvido estará o acessório etc. A recíproca não é verdadeira. Os vícios do contrato
compreender em toda a sua extensão o sentido da regra do art. 112 do CC, acessório não afetam o principal, salvo se o contrário resultar de disposição
conferindo pleno significado à autonomia privada e à liberdade contratual contratual efetiva das partes (Paulo Nader. Curso de direito civil, p. 52).
(Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil, p. 443). Assim, a “celebração de um con-
12. RESUMO ESQUEMÁTICO
trato atípico exige-lhes [às partes] o cuidado de descerem a minúcias extremas,
porque na sua disciplina legal falta a sua regulamentação específica. Na solução 1. Introdução
das controvérsias que surgirem, o julgador ou intérprete terá de invocar, no • A classificação tem grande importância pedagógica e prática
92 Direito dos Contratos CLASSIFICAÇÃO 93

• Classificar importa em agrupar os contratos de acordo com suas • Por contratos de execução continuada, também chamados de contratos de
características próprias. trato sucessivo, há um débito permanente, ou seja, a prestação não pode
2. Contratos unilaterais e bilaterais ser satisfeita em um único ato, pois a continuidade lhe é essencial.
8. Contratos preliminares e definitivos
• Unilaterais são os contratos que somente geram obrigações para uma
das partes; • Contratos preliminares, também chamados de contratos-promessa, são
aqueles que têm como objetivo a realização de um contrato definitivo,
• Bilaterais são aqueles em que ambos os contratantes possuem obrigações,
ou seja, as partes se obrigam a um fazer (obrigação de emitir declaração
ou seja, há obrigações recíprocas;
de vontade) consistente na feitura do contrato que efetivamente lhes
3. Contratos onerosos e gratuitos interessa.
• Onerosos são os contratos “ambas as partes visam a obter vantagens ou • Contrato definitivo é aquele que satisfaz o interesse das partes, bastando
benefícios, impondo-se encargos reciprocamente uma em benefício por si mesmo.
da outra.” 9. Contratos individuais e coletivos
• Gratuitos ou benéficos, por sua vez, são os contratos em que uma das • Contrato individual é “o que se forma pelo consentimento das pessoas,
partes somente aufere vantagens enquanto a outra somente suporta os cujas vontades são individualmente consideradas”.
encargos. • Contrato coletivo é aquele que, “na sua perfeição, a declaração volitiva
4. Contratos comutativo e aleatórios provém de um agrupamento de indivíduos, organicamente considerado.
A vontade do agrupamento é dirigida à criação do iuris vinculum, como
• Comutativos são os contratos em que as vantagens para cada contratante
o querer coletivo dele”.
estão previamente definidas.
10. Contratos típicos, atípicos, mistos e coligados
• Aleatórios são os contratos que ficam dependentes de um determinado
• Contrato é típico quando a sua disciplina jurídica (conteúdo dos direitos
risco que vai influenciar na existência ou inexistência de prestação para
e obrigações) vem estabelecida de forma mais ou menos ampla em
uma das partes, ou a sua existência ou maior ou menor quantidade.
uma determinada lei, seja o próprio Código Civil, seja em legislação
5. Contratos consensuais, formais e reais extravagante.
• São consensuais os contratos que são válidos independentemente de • Contratos atípicos são aqueles que não previstos pelo legislador, que não
qualquer forma. possuem estrutura de direitos e obrigações especificadas em lei.
• Serão formais os contratos que a ordem jurídica determina a observância • Misto é o contrato que se “alia a tipicidade e a atipicidade, ou seja, aquele
de certa forma ou solenidade para a sua validade. em que as partes imiscuem em uma espécie regularmente dogmatizada,
• Serão reais os contratos que se perfazem com a entrega do objeto sobre aspectos criados por sua própria imaginação, desfigurando-a em relação
os quais versam ao modelo legal.”
• Coligados são os contratos que de dois ou mais contratos distintos,
6. Contratos paritários e por adesão
uma combinação de contratos completos, normalmente em virtude
• Contratos paritários são aqueles precedidos de ampla negociação. de sua causa comum, de cuja pluralidade não resulta uma unicidade
• Contratos por adesão são os contratos em que uma das partes simplesmente contratual.
adere, em bloco, às condições elaboradas previamente pela outra. 11. Contratos principais e acessórios
7. Contratos de execução imediata, diferida e continuada • Principais são os contratos que possuem existência e utilidade por si
• Os contratos de execução imediata são aqueles nos quais não há tempo mesmo, independentemente da existência de outro contrato.
considerável entre o nascimento e a extinção do contrato mediante a • São acessórios os contratos que somente são úteis se ligados a um
sua execução. contrato principal.
• Nos contratos de execução diferida, ao contrário, há espaço considerável
de tempo entre o nascimento do contrato e sua execução. Esta difere
no tempo.
INTERPRETAÇÃO 95

Penteado. Doação pura, preliminar de doação e contratos de gestão. Revista de Direito


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RT, 2004 – Cláudio Belmonte. Proteção contratual do consumidor. São Paulo: RT, 2002 impostas à liberdade de contratar. In: Claudete Carvalho Canezin (coord.). Arte jurídica:
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2002; O Código Civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização. In: Flávio
Tartuce e ,Ricardo Castilho (coords.). Direito civil: direito patrimonial, direito existencial. São Ao se examinar um contrato, antes de qualquer outra providência
Paulo: Método, 2006 – Francisco Paulo De Crescenzo Marino, Interpretação e integração é preciso verificar o conteúdo negocial declarado pelas partes a fim de se
dos contratos. In:, Antônio Jorge Pereira Junior e, Gilberto Haddad Jabur (coords.). Direito determinar o tipo contratual desejado pelos parceiros que, por meio dele,
dos contratos. São Paulo: Quarter Latin, 2006 – Gabriele Tusa. Contratos bancários: o código delinearam seus interesses econômicos e existenciais, ainda que se constate
civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização. In: Flávio Tartuce e ,Ricardo
Castilho (coords.). Direito civil: direito patrimonial, direito existencial. São Paulo: Método, que aqueles optaram por um contrato atípico, ou seja, por contrato que não
2006 – José Fernando Simão. Direito civil: contratos. São Paulo: Atlas, 2005; Análise das se encaixe em um dos modelos previamente eleitos pelo legislador quando
regras do contrato de sociedade quando da morte dos sócios e a vedação de existência da elaboração do Código Civil ou da legislação esparsa.
do pacto sucessório. Revista Imes. São Caetano do Sul, n. 1, 2000 – Judith Martins-Costa. Vale lembrar que o conteúdo do contrato não se confunde com a vontade
O método da concreção e a interpretação dos contratos: primeiras notas de uma leitura
suscitada pelo Código Civil. In:, Mário Luiz Delgado e, Jones Figueiredo Alves (coords.).
de cada um dos contratantes, haja vista que a vontade, só será socialmente rele-
Questões controvertidas: no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005. vante, a partir do momento que toma forma de declaração negocial (Francisco
v. 4 – Konrad Hesse. Escritos de derecho constitucional. Trad. Pedro Cruz Villalon. Madrid: Paulo De Crescenzo Marino. Interpretação e integração dos contratos, p. 52).
Centro de Estudos Constitucionais, 1992 – Luiz Edson Fachin. Teoria crítica do direito civil. Em verdade, tal busca, para além dos termos delineados pelas partes,
Rio de Janeiro: Renovar, 2000; . Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro:
deve ser promovida não apenas aparada na real intenção dos envolvidos, mas
Renovar, 2001 – Marcos Jorge Catalan. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios
constitucionais. Scientia Iuris: Revista do Curso de Mestrado em Direito Negocial da UEL. também na realidade econômica que envolve os interesses externados no caso
Londrina: Ed. UEL, 2003; A hermenêutica contratual no Código de Defesa do Consumidor. concreto (Nelson Nery Junior; Luciano de Camargo Penteado. Doação pura,
Revista de Direito do Consumidor, v. 62, 2007 – Nelson Nery Junior e Luciano de Camargo preliminar de doação e contratos de gestão, p. 08), até porque, ao se interpretar
96 Direito dos Contratos INTERPRETAÇÃO 97

um contrato, é relevante a análise do sentido literal da linguagem, o contexto midor, formata os contratos por adesão e rechaça as cláusulas abusivas, resta
verbal e o contexto situacional que envolve a relação negocial (Francisco Paulo clara a importância de se analisar ainda, no processo hermenêutico, além do
De Crescenzo Marino. Interpretação e integração dos contratos, p. 55). que fora destacado acima, a condição subjetiva destas, pois, em diversas
Deste modo é deveras relevante, como quer Gabriele Tusa, a missão situações, um dos pólos da relação negocial poderá ser composto por um
imposta ao intérprete de “conceituar, enquadrar e identificar a relação con- sujeito vulnerável ou mesmo hipossuficiente, noções estas que não se con-
tratual em si” diante da amplitude de elementos que devem ser considerados
fundem (Marcos Jorge Catalan. A hermenêutica contratual no Código de Defesa
nesta operação que necessariamente deve ser realizada no plano concreto
do Consumidor, p. 139-161).
(Contratos bancários: o Código Civil brasileiro e o problema metodológico
de sua realização, p. 297), pois há muito o silogismo que motiva a subsunção Observa-se, deste modo, que diante da proliferação de negócios ju-
perdeu sua importância. rídicos cada vez mais complexos, esta tarefa, que poderia parecer simples,
O processo hermenêutico na pós-modernidade, como pôde ser obser- nem sempre é de fácil realização, e também por isso, impõe-se ao intérprete
vado, rechaça a subsunção como principal mecanismo de concretização do o dever de acautelar-se, evitando-se as conseqüências da eleição equivocada
direito, passando a valorar elementos que permitam a aferição da aceitação de um tipo contratual inadequado para a solução do problema concreto que
social e a legitimidade da decisão. lhe é apresentado.
Sem fugir a esta idéia, o Conselho da Justiça Federal, na I Jornada de Direito De fato, nem sempre as mesmas regras e princípios serão aplicáveis
Civil, realizada no ano de 2002, aprovou o Enunciado 27, que em resumo dita a contratos com natureza e escopos distintos, podendo afirmar-se que a ati-
que, ao se criar a norma jurídica, o hermeneuta deve ter em conta o sistema vidade interpretativa é a operação mais abstrusa e minudente a que o jurista
do Código Civil, as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos pode dedicar-se, reclamando sensibilidade ímpar, apurado senso, intuição
e, ainda, analisar os fatores metajurídicos relevantes para a solução do caso feliz, experiência vasta e adequado domínio não só do direito positivo, mas
submetido à sua apreciação, diretriz da qual se depreende a necessidade, especialmente da alma de determinado sistema jurídico (Francesco Ferrara,
quando do procedimento de concreção do direito, de análise de elementos Interpretação e aplicação das leis, p. 129).
que vão além da aferição da vontade externada pelos contratantes quando da Promovido este enquadramento inicial, outros passos são necessários,
formação do negócio jurídico. pois a tarefa não se estanca por aqui, não sendo admitido, na atualidade,
É importante salientar que a conexão proposta das regras e princípios que o juiz se limite a atuar com a “boca da lei” quando a conduta das partes
presentes no ordenamento jurídico com elementos externos, atualmente, é preencha o tipo legal previamente estabelecido.
incentivada pelo modelo aberto eleito pelo legislador, vez que recheado por Até porque, como bem salienta Judith Martins Costa, na atualidade
cláusulas gerais. “o contrato são os contratos” eis que sob um mesmo signo são designadas
Aliás, no que pertine às cláusulas gerais, faz-se necessário destacar, com situações bastante distintas, dentre elas: a) negócios individuais e paritários,
Rodrigo Xavier Leonardo, que esta porta também deve servir para que se cujos termos são minudentemente discutidos pelas partes; b) contratos por
tragam elementos para dentro do ordenamento, especialmente por conta do adesão que permitem certo grau de interação do aderente, com a alteração,
influxo inevitável de outros microssistemas jurídicos, e em especial, em razão ainda que mínima, do clausulado predisposto; c) contratos formulados em
da força que possuem as regras e princípios constitucionais (A função social razão de ações metaindividuais, sem qualquer consideração acerca da situa-
dos contratos: ponderações após o primeiro biênio de vigência do Código Civil, ção subjetiva dos destinatários; e d) negócios que somente são justificáveis
p. 150), mantendo-se vivo o ordenamento mediante a dinâmica e constante em nível comunitário ou global (O método da concreção e a interpretação dos
contratos: primeiras notas de uma leitura suscitada pelo Código Civil, p.
oxigenação do mesmo.
133); lição que justifica a necessidade de tratamento individual das questões
Retomando o tema principal, em se considerando que cada modalidade surgidas no contexto social.
contratual prevista no ordenamento possui regramento próprio, com dire- Em verdade, em razão da mutação sócio-econômica, a evolução do
trizes peculiares, e ainda, que a cada dia, observa-se uma maior preocupação direito privado conduz o intérprete a conceber o contrato não apenas como
do Estado em tutelar o pólo mais fraco da relação jurídica negocial, quando, mero acordo de vontades com o escopo de gerar obrigações, ganhando relevo
por exemplo, tanto no Código Civil, como no Código de Defesa do Consu- as condições subjetivas dos contratantes e ainda os efeitos que este negócio
98 Direito dos Contratos INTERPRETAÇÃO 99

produzirá para a sociedade (Silvio Romero Beltrão. As atuais diretrizes de civil), regras estas imperativas, obrigatórias ou injuntivas, inderrogáveis pela
interpretação dos contratos, p. 220) e diante de tal constatação, resta ululante a autonomia privada.
importância de aferir inicialmente o que realmente fora ajustado pelas partes, O fenômeno denominado constitucionalização do direito civil tem
o papel exercido por cada uma delas na formação das cláusulas contratadas e especial importância na luta contra o mecanismo de legitimação da exclusão
a extensão da confiança reciprocamente depositada entre elas. social: o negócio jurídico (Luiz Edson Fachin. Teoria crítica do direito civil, p.
Mas indaga-se se a tarefa do hermeneuta cinge-se a identificar qual o 99), defendido sob o argumento de ser o mais importante instrumento apto
modelo contratual eleito pelas partes para que possa aplicar as regras pre- a promover o desenvolvimento econômico da sociedade.
vistas pelo tipo pré-determinado pelo Código Civil, pela legislação especial A leitura proposta, ganha relevo especialmente quando estejam em
ou mesmo as diretrizes que orientam a teoria geral dos contratos, no caso de jogo questões ligadas à dignidade da pessoa humana, à exclusão social ou à
eleição de um modelo inexistente no ordenamento jurídico. exploração dos menos favorecidos, pois parece evidente que se faz necessária a
A resposta aqui certamente é negativa, posto que este modelo de leitura garantia de um patrimônio mínimo a todos os sujeitos de direito (Luiz Edson
dos negócios jurídicos em geral morreu com os sistemas fechados erigidos sob Fachin. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo).
o manto do individualismo e dos quais atualmente não se observa nada mais Para além destes processos, que ainda hoje se desenvolvem paulatina-
que escombros consumidos pela erosão eólica promovida lentamente pelo mente, não se pode negar que, no transcorrer do século XX, e em especial
tempo. Hodiernamente, a missão imposta ao intérprete, em que pese muito após a transição do Estado Liberal para o Estado Social e a mutação deste
mais nobre, também se apresenta muito mais complexa. para o Estado Democrático de Direito, a Constituição assumiu seu verdadei-
De fato, no processo de construção da norma jurídica, há de se ter em ro papel, interferindo diretamente nas relações privadas típicas, de modo a
mente que para além de todo o exposto e da necessária compatibilização de romper definitivamente com o individualismo, em contraposição à sua fun-
princípios como o da liberdade negocial e o da igualdade substancial, nota-se ção de outrora, que a limitava a construir normas programáticas e a tutelar
manifesta tendência no direito privado no que pertine à valorização do livre as relações do indivíduo com o Estado (Silvio Brambila. O sistema do Código
desenvolvimento da personalidade individual (Flávio Tartuce, A função social Civil e do Código de Defesa do Consumidor e as limitações impostas à liberdade
dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil, p. de contratar, p. 243).
23), sendo que tais premissas nunca poderão ser ignoradas pelo hermeneuta
Sem adentrar em maiores discussões, certo é que ambos os processos
na tarefa que lhe é destinada.
se complementam na tutela de interesses que o Estado passa a valorar ou aos
Enfim, o resultado da hermenêutica contratual na pós-modernidade
quais atribui maior ênfase, como acontece com os direitos da personalidade,
deve aferir inicialmente se a decisão alcançada é válida perante o sistema, e
com a limitação do exercício do direito de propriedade, com a proteção do
uma vez constatada a legalidade daquela, verificar se a mesma é aceita pelo
meio ambiente e com a funcionalização da teoria geral dos contratos mediante
núcleo social que a envolve, e enfim, se respeita aos valores ético-filosóficos
a limitação da autonomia privada e o respeito aos princípios sociais, como
vigentes, a fim de adquirir legitimidade.
quer Paulo Nalin, ditames impositivos de conduta que não podem ser invo-
2. DA LEITURA CIVIL-CONSTITUCIONAL DO DIREITO PRIVADO AO DIÁLOGO DAS cados apenas para suprir eventuais lacunas que surjam quando da criação
FONTES da norma jurídica (Introdução à problemática dos princípios gerais do direito e
os contratos, p. 102).
Cumpre destacar, antes de qualquer outra consideração, que há algum Daí ser imperioso que cada celeuma surgida entre particulares, apresen-
tempo se ouve falar sobre a constitucionalização do direito privado, sendo tada ao hermeneuta seja analisada a partir da Constituição, promovendo-se
imperioso entender este processo como a inserção, no texto constitucional,
assim a leitura constitucional do direito privado, idéia que remete o intérprete
de matérias que dizem respeito aos interesses particulares, processo que
àquele diploma normativo independentemente da clareza das regras existentes
não se confunde com outro fenômeno também importante, denominado
na ordem infraconstitucional.
publicização do direito civil, este último, caracterizando-se no regramento de
condutas previstas no Código Civil e em outros microssistemas de direito O recurso ao texto constitucional, afirme-se, sempre necessário, se mostra
privado, como a Lei de Locações e o Estatuto da Terra, por meio de normas relevante também quando se pensa na tutela do pólo mais fraco da relação
de caráter cogente (Paulo Luis Netto Lôbo. Constitucionalização do direito jurídica, raciocínio que chocaria os juristas do período clássico caso lhes fosse
100 Direito dos Contratos INTERPRETAÇÃO 101

possível retornar à vida, pois dar às partes tratamento diferenciado implicaria, O método de interpretação conforme a Constituição (Konrad Hesse.
sob tais olhares, inaceitável ofensa ao princípio da igualdade formal. Escritos de derecho constitucional), entre outras vantagens, amplia a tutela do
Ocorre que, hodiernamente, é exatamente esta a postura que se espera homem enquanto ser, e no que pertine aos negócios jurídicos, mitiga o peso da
do intérprete, pois em um país formado por milhões de analfabetos funcio- vontade em prol de outros valores tutelados pela Lei Maior (Paulo Nalin. Do
nais, no qual em torno de 60 milhões de habitantes estão à margem da linha contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva
da miséria, não há como sustentar que há igualdade material (Marcos Jorge civil-constitucional, p. 91), haja vista que as regras inspiradas no individua-
Catalan. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais, lismo e que dão força ao positivismo dogmático tornaram-se inadequadas e
p. 376), sendo imperioso, nestes casos, invocar-se o princípio constitucional obsoletas para solucionar os problemas da sociedade contemporânea.
da isonomia para que os pratos da balança de Thêmis sejam reequilibrados, Não se pode negar que o impessoal tratamento dado aos sujeitos de
dando tratamento distinto aos desiguais e mais que isso, respeitando-se as direito e a massificação das relações negociais, que os avanços tecnológicos e
diferenças. a crescente especialização das atividades econômicas impuseram ao legislador
A positivação na Constituição dos chamados direitos sociais de segunda o dever de buscar respostas para a adequada tutela das partes contratantes e,
geração, dentre eles o direito à moradia, a educação, e enquanto corolário desta, em especial, do pólo mais fraco da relação jurídica, dentre eles o consumidor,
o aderente e o trabalhador.
à informação, também exerce papel primordial na construção de um novo
método de interpretação, pois tais direitos não deixam de ser direitos civis, e Deste modo, se inicialmente tais problemas foram enfrentados por
por conta disso, se estendem aos textos infraconstitucionais (Roberto Senise processos como o intervencionismo estatal e o dirigismo contratual e com a
Lisboa, Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, construção da figura do abuso de direito e da teoria do risco, por exemplo,
que contribuíram para a reconstrução do direito privado, abandonando
locação, autor, p. 71) em qualquer leitura que se pretenda fazer deles, sendo
aquele outrora construído para os particulares (Ricardo Luis Lorenzetti.
de observância obrigatória no processo de concreção da norma jurídica a ser
Fundamentos do direito privado, p. 540), atualmente, sua solução encontra-se
criada não só a partir das diretrizes previstas para o tipo contratual eleito pelas
especialmente na leitura constitucional do direito privado, rompendo-se com
partes, mas especialmente, pela busca da justiça social que deve estar presente
muitos dos paradigmas erigidos no passado (Christiano Cassetari. A influência
na escolha da melhor resposta dentre as alternativas dadas pela lei maior.
da principiologia da nova teoria geral dos contratos na análise do contrato de
Ademais, é importantíssimo destacar o papel exercido pelas premissas fiança locatícia, p. 296).
elevadas à condição de fundamentos da República, dentre elas: a redução das Também não se pode negar enquanto sinal de evolução, que o Código
desigualdades sociais e a erradicação da pobreza, balizando-se o exercício da Civil absorveu várias das citadas diretrizes constitucionais, trazendo em seu
autonomia privada; podendo ser afirmado que nenhuma atividade negocial corpo regras e princípios que alteraram o foco de sua atenção, abandonando
poderá ser exercida quando se colocar em conflito com os ditames da justiça uma proteção injustificada do patrimônio individual, tutelando o homem
social (Rogério Ferraz Donnini. A Constituição Federal e a concepção social enquanto ser, informando-se pelo processo de personalização ou repersona-
do contrato, p. 76). lização do direito privado.
Não se olvida que os preceitos constitucionais são normas de confor- Pode-se assim concluir, ainda que sucintamente, que o negócio jurídico
mação do sistema e, em sendo superiores hierarquicamente, condicionam há de atuar como o instrumento hábil a permitir aos homens a busca por sua
todo o processo hermenêutico de aplicação e criação do direito, e assim, ine- satisfação plena, objetivo precípuo derivado do princípio da dignidade da
xistirá liberdade contratual quando esta ofender à igualdade substancial que pessoa humana, pois esta é a essência do novo direito civil que exsurge das
deve imperar entre os parceiros negociais, posto que “princípios e as regras cinzas do egoísmo que imperou nos séculos passados.
constitucionais se aplicam direta e imediatamente nas relações interprivadas” Além disso, não pode ser ignorada a lição de Francisco Amaral, que ao
(Luiz Edson Fachin. Teoria crítica do direito civil, p. 33). destacar a necessidade de se observar o pluralismo das fontes legislativas na
Neste contexto, não pode ser negado que a Constituição sempre haverá construção da norma jurídica, apela à necessidade de resgate ao pensamento
de ser invocada no processo de criação da norma jurídica, ainda que a vontade tópico para o adequado enquadramento dos casos concretos às diretrizes im-
externada pelas partes, diante da clareza das cláusulas que compõem o ajuste, postas pelo ordenamento (O Código Civil brasileiro e o problema metodológico
não permita que qualquer dúvida paire sobre ela. de sua realização, p. 14).
102 Direito dos Contratos INTERPRETAÇÃO 103

Resta assim reintroduzida, a partir da constatação de sua importância, 3. AS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS, OS CONTRATOS POR ADESÃO E OS
por meio do método do paradigma judicativo decisório, a necessidade do ENUNCIADOS APROVADOS NAS QUATRO PRIMEIRAS JORNADAS DO CONSELHO
pensamento problemático, ressaltando-se a importância da valoração de DA JUSTIÇA FEDERAL
todos os fatores que contribuíram para a celeuma surgida no caso concreto
e a aferição dos efeitos da decisão judicial não apenas no plano da validade, Segundo a doutrina majoritária, contrato por adesão é o negócio cujo
pois a mesma deve ainda ser socialmente aceita e dotada de legitimidade. clausulado vem previamente estipulado por um dos contratantes e ao qual se
Considerando-se ainda o big bang legislativo (Ricardo Luis Lorenzetti. tem a opção de aderir ou não, ou como quer Claudia Lima Marques, é aquele
Fundamentos do direito privado) enquanto fenômeno da pós-modernidade, há cujo conteúdo é preestabelecido por uma das partes, restando à outra somente
de se destacar que, uma vez identificada potencial colisão normativa, surge a possibilidade de aceitar em bloco as cláusulas estabelecidas ou recusar o
uma nova corrente de pensamento, desenvolvida na Europa por Erik Jayme, contrato e procurar outro fornecedor de bens (Contratos no Código de Defesa
versando acerca da necessidade do diálogo das fontes existentes em busca de do Consumidor, passim) ou serviços.
melhores respostas para os problemas surgidos no cotidiano. Em verdade, a idéia transcrita acima traduz, em essência, a noção do
Tal comunicação é necessária em razão do pluralismo de mananciais que sejam as condições gerais do contrato e não a de contrato por adesão, haja
que hodiernamente podem regrar um mesmo fato, da pluralidade de sujeitos vista que este, enquanto acordo de vontades, não existe como figura abstrata
hábeis a tutelar os mesmos direitos e ainda das múltiplas respostas potenciais e predisposta de modo unilateral.
para um mesmo problema (Claudia Lima Marques. Comentários ao Código de Além disso, ímpar salientar com Paulo Lôbo que a relação havida entre
Defesa do Consumidor: introdução). contrato por adesão e condições gerais dos contratos é de continente e con-
Por meio da aludida teoria, o Código Civil e o Código de Defesa do teúdo, pois o primeiro nem sempre se compõe exclusivamente das últimas,
Consumidor e por que não também a legislação extravagante e a Conso- pois poderá ter cláusulas negociadas e outras informadas pelo aderente
lidação das Leis do Trabalho, esta última, especialmente após a Emenda (Condições gerais dos contratos e o novo Código Civil brasileiro, p. 111), em
Constitucional 45/2004, deverão interagir, autorizando, por exemplo, como que pese ser pacífico que a discussão de alguns dos termos do negócio não
quer Flávio Tartuce, que a noção de justa causa prevista na legislação tra- desnatura a necessidade de proteção do aderente.
balhista seja aplicável aos contratos de prestação de serviços regrados pelo De fato, o que pode ser objeto de prévia aprovação da autoridade com-
Código Civil (Diálogos entre o direito civil e o direito do trabalho, p. 53) ou que petente ou ter controlada a predisposição unilateral são as condições gerais
as regras elencadas no Código de Defesa do Consumidor sejam invocadas na e não as cláusulas contratuais (Paulo Luiz Netto Lôbo, op. cit., p. 112), que
interpretação do contrato de seguro (Direito civil: teoria geral dos contratos surgirão apenas após a adesão da parte à proposta previamente formulada.
e contratos em espécie, p. 496). Fato é que, na atualidade, a contratação por adesão se faz necessária por
A teoria de vanguarda merece amplo respeito, sendo até mesmo objeto conta de diversos fatores, dentre eles: a ampliação das necessidades humanas, e
do Enunciado 167, de autoria do magistrado paraibano Wladimir Alcibíades a velocidade em que as negociações se desenvolvem na atualidade e a escassez
Marinho Cunha Falcão, aprovado na III Jornada de Direito Civil promovida de tempo por conta do modo de vida imposto pelo atual human away of life;
pelo Conselho da Justiça Federal em 2004, frisando que “com o advento do surgindo em oposição ao clássico contrato paritário, que se sintetiza como
Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse aquele em que as partes negociam as cláusulas detalhadamente.
Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação Assim, não se pode negar que a maior parte dos contratos pactuados na
contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria atualidade se aperfeiçoa por adesão, forma esta que, de um lado, é capaz de
geral dos contratos”. agilizar o aperfeiçoamento dos negócios jurídicos, possibilitando o acesso a
Como se afere, resta ratificada a tese da necessidade de comunhão das um maior número de contratantes de bens e serviços, mas a qual, sob outro
fontes legislativas em busca de respostas adequadas e justas para os casos que vértice, acaba “democratizando” e “socializando” as injustiças e os abusos,
se apresentem à análise do hermeneuta, até porque o paradigma da unidade eis que a mesma minuta carregada de preceitos particulares viciados na con-
parece ter sido superado pela idéia de pluralidade de fontes no processo de cepção, será imposta a milhares, às vezes, milhões de consumidores, sem que
criação da norma jurídica. estes possam previamente se insurgir contra esses abusos.
104 Direito dos Contratos INTERPRETAÇÃO 105

Exatamente por conta desses problemas, como bem ensina Federico de Muito embora os contratos pactuados por adesão sejam mais freqüen-
Castro y Bravo, mais precisamente, visando evitar que uma classe fortaleça tes no âmbito das relações de consumo, não se confundem com estas, como
seu poder, aproveitando-se deste para predispor o conteúdo das minutas, bem destacou o Enunciado 171, aprovado na III Jornada de Direito Civil, do
usurpando, consequentemente, a liberdade e as garantias dos membros de Conselho da Justiça Federal, daí que também poderão surgir na esfera das
outra: a dos aderentes, é que o legislador acabou determinando a observância relações civis como ocorre no caso dos contratos de locação imobiliária e em
de diversos limites quando se contrata por esta via (Las condiciones generales todos os demais em que as condições negociais sejam pré-estabelecidas por
de los contratos y la eficacia de las leyes, p. 20). uma das partes.
A figura que antecede os contratos por adesão pode ser identificada Exemplo da situação destacada observa-se nos contratos de aquisição
pela leitura de alguns dos seus elementos: a bilateralidade, a generalidade, de safra futura pactuados entre agricultores e fecularias no Estado do Paraná,
uniformidade e abstração das cláusulas (Paulo Restiffe Neto e Paulo Restiffe. haja vista que as empresas elaboram as minutas de modo detalhado, colhendo
Contratos de adesão no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. posteriormente a assinatura dos pequenos agricultores, alterando-se apenas,
p. 63) e enfim, a relativa inalterabilidade e a eficácia concreta dependente de em cada instrumento, a quantidade esperada do produto comprado em razão
integração. da extensão das áreas cultivadas, aproveitando-se ainda, para além da vasta
Uma rápida explicação do que seja cada uma dessas características se experiência e do quadro de profissionais que desenvolvem a atividade mer-
faz necessária: cantil e conhecem os segredos de sua área, no mais das vezes, da necessidade
dos agricultores em comercializarem a safra a ser plantada para que possam
a) Bilateralidade: implica na necessidade de que para a formação de custeá-la e especialmente alimentar seus rebentos.
um contrato, impõe-se a presença de pelo menos duas declarações Como adiantado, o legislador não fechou os olhos para o problema, e
de vontade; ainda que timidamente, positivou a matéria nos arts. 423 e 424 do vigente CC,
b) Generalidade: quer dizer que as cláusulas não são elaboradas tendo tratando o primeiro da interpretação mais favorável ao aderente, e o segundo,
em conta a pessoa do consumidor, mas sim, um sem número de da vedação à renúncia antecipada a direito inerente ao contrato.
pessoas na mesma situação fática; Neste condão, quando o intérprete vier a se defrontar com contradições
c) Uniformidade: significa que analisando várias minutas, será obser- ou obscuridades nas cláusulas negociais ou mesmo quando se deparar com
vado que seguem um mesmo padrão, se é que não se pode afirmar flagrante desequilíbrio, com amparo nas aludidas regras e especialmente,
que são idênticas; tendo como fonte o texto constitucional e princípios como o da função social,
d) Abstração das cláusulas: implica na existência das condições gerais do equilíbrio das prestações e boa-fé objetiva, deverá executar sua missão em
contrato, independentemente da existência de um parceiro negocial busca da solução mais justa, remediando a patologia existente.
concreto; Imperioso também é destacar o teor do Enunciado 172, aprovado na III
e) Relativa inalterabilidade: traduz a idéia do pequeno poder dado Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal em 2004 que frisa que
ao aderente de alterar o conteúdo das cláusula contratuais; e, por as cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações jurídicas de
fim, consumo, sendo então possível a identificação de tais cláusulas também em
f) Eficácia concreta dependente de integração: consiste no fato de que o contratos civis comuns.
contrato só produzirá efeitos a partir do momento em que o aderente Nestes casos, parece evidente que diante de uma cláusula abusiva,
externa sua vontade de contratar. sempre que possível, o contrato deverá ser mantido, e muito embora não
haja referência expressa quanto ao assunto no Código Civil, ao contrário do
Diante do quadro que se apresenta, resta evidente, como quer Teresa que ocorre no Código de Defesa do Consumidor (art. 51, § 2.º) poderá ser
Negreiros, que a manifesta desigualdade entre os contratantes legitima a invocado aqui o recurso ao diálogo das fontes ou o princípio do favor negotti,
imposição de medidas que tutelem o aderente (Teoria do contrato: novos para- no vernáculo: conservação do negócio jurídico, como reconheceu o Conselho
digmas, p. 370) que não pôde negociar os termos do contrato pactuado, e por da Justiça Federal ao aprovar em 2002, por ocasião da I Jornada de Direito
conta disto, a cada dia observa-se o nascimento de novas regras que buscam Civil, o Enunciado 22, que dita: “A função social do contrato prevista no art.
o reequilíbrio das relações externadas por tal forma de contratação. 421 do novo Código Civil constitui cláusula geral, que reforça o princípio de
106 Direito dos Contratos INTERPRETAÇÃO 107

conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”, impondo-se ao pacta corvina e que esta por sua vez é proveniente da palavra corvo, ave que se
juiz, como dispõe o Enunciado 26, aprovado na mesma Jornada, “interpretar alimenta de seres mortos e ainda de outras pequenas aves e de seus ovos, pro-
e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, movendo clara alusão à proibição da prática de negócios jurídicos que tenham
entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes”. por objeto a herança de pessoa viva, em razão dos votos implícitos de morte
Mister destacar ainda dentre as várias idéias consagradas na IV Jornada de alguém para que se possa ter proveito (Direito civil: contratos, p. 32).
de Direito Civil do CJF em 2006 merece ser destacado o teor do Enunciado
Como exemplo da aludida restrição, pode ser invocado o julgado abaixo
363, que ao determinar que “os princípios da probidade e da confiança são de
ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a exis- transcrito, oriundo do Tribunal de Justiça do Paraná, que reconhece como nulo
tência da violação”, concede ao hermeneuta o poder de aplicar tais princípios negócio, ainda que pela via oblíqua, verse sobre herança de pessoa viva.
até mesmo de ofício diante da idéia do da mihi factum dabo tibi ius.
“Alienação de bens deixados por filho comum das partes sem her-
Ademais, o Enunciado 361 da mesma Jornada, ao determinar que “o
adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de deiros descendentes através [sic: leia-se, por meio] de procuração
modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé outorgada muitos anos antes do óbito do sucedido. Impossibili-
objetiva, balizando a aplicação do art. 475” demonstra a recepção da teoria do dade. Inteligência dos arts. 85 e 1.089 do Código Civil [de 1916,
adimplemento substancial pelo direito brasileiro, reforçando a necessidade equivalente aos arts. 112 e 426 do Código de 2002]. Admitir-se
de sua observância e aplicação por todos os operadores do direito. para transmissão de direitos hereditários o mandato outorgado a
Enfim, na IV Jornada de Direito Civil realizada em 2006 teve aprovado, ré, muitos anos antes do óbito do filho falecido, implicaria, por via
dentre outros, o Enunciado 364, o qual, ao reconhecer que “no contrato de transversa, em conferir-se a tal instrumento a eficácia para alienação
fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando de herança de pessoa viva, redundante no chamado “pacto corvina”
inserida em contrato de adesão”, demonstra a preocupação dos civilistas com repelido pelo art. 1.089 do Código Civil brasileiro (...)” (TJPR, 5.ª
a tutela do aderente, normalmente vulnerável, e só por isso, já é merecedor de Câm. Cível, Ap. 68.855-5, rel. Des. Cunha Ribas. j. 07.12.1999).
aplausos, até porque sugere um belo exemplo de aplicação do art. 424 do CC.

4. DAS PACTA CORVINA Outro exemplo, ainda mais esclarecedor, extrai-se de parte da ementa
de julgado colhido junto ao Tribunal de Alçada de Minas Gerais, o qual deci-
Encerrando as disposições gerais quem trata da teoria geral dos contratos
no Código Civil, o art. 426 inibe o pacto sucessório, não permitindo que o mesmo diu que “os negócios jurídicos translativos da herança, antes da abertura da
alcance sequer o plano da validade, o que se dá a partir da teoria das nulidades sucessão, reputam-se nulos, por importarem em pacto sucessório, que a lei
virtuais, haja vista que sem o declarar de tal modo, proíbe-o, remetendo o in- proíbe” (TAMG, 6.ª Câm. Cível, Ap. 2000.00.0327700-5/000, rel. Des. Dárcio
térprete à sanção prevista no inciso VII, do art. 166, do mesmo Código. Lopardi Mendes, j. 22.02.2001, DJMG 14.03.2001).
Ratificando esta idéia José Fernando Simão disserta que a expressão Observa-se que no caso acima, a parte objetiva a declaração de pretenso
“não pode” contida no aludido dispositivo legal deve ser entendida como direito à meação dos bens que, no inventário da sogra, coube ao ex-marido,
hipótese de nulidade e não de mera anulabilidade, inviabilizando o aprovei- argumentando que na conversão da separação do casal em divórcio ficou-lhe
tamento de quaisquer dos efeitos desejados pela partes (Análise das regras do assegurado o direito à metade da herança que o suplicado viesse a ter futu-
contrato de sociedade quando da morte dos sócios e a vedação de existência do
ramente; pretensão que não pode ser deferida por se configurar ofensiva ao
pacto sucessório, p. 41).
teor do art. 426 do CC.
Não há dúvidas que o artigo em questão configura-se como regra de
ordem pública, também denominada cogente ou injuntiva, preceito este, Como pode se aferir, a restrição imposta por lei será invocada tanto
portanto, inderrogável pela vontade das partes (Carlos Roberto Gonçalves. quando violada diretamente, quando pela via indireta, o que ratifica a já
Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 46). sustentada tese da inafastabilidade da aludida regra por meio do exercício da
Explicando detalhadamente a origem deste preceito legislativo, ensina autonomia privada, sendo que qualquer negócio que verse sobre a herança
José Fernando Simão que o pacto sucessório tem origem na expressão latina de pessoa viva nunca alcançará, sequer, o plano da validade.
108 Direito dos Contratos INTERPRETAÇÃO 109

5. RESUMO ESQUEMÁTICO • Contrato por adesão é o negócio cujo clausulado vem previamente
estipulado por um dos contratantes e ao qual se tem a opção de aderir
• Sempre será preciso verificar o conteúdo negocial declarado pelas partes ou não, sendo que de modo mais preciso, a idéia transcrita acima traduz,
a fim de se determinar o tipo contratual desejado, ainda que se constate em essência, a noção do que sejam as condições gerais do contrato;
que optaram por um contrato atípico.
• Tal forma de contratação são capazes de agilizar o aperfeiçoamento dos
• O processo hermenêutico atualmente rechaça a subsunção como principal negócios, possibilitando o acesso a um maior número de contratantes
mecanismo de concretização do direito, passando a valorar elementos que de bens e serviços, mas infelizmente, acabam “democratizando” e
permitam a aferição da aceitação social e a legitimidade da decisão. “socializando” as injustiças e os abusos;
• A conexão das regras e princípios do ordenamento com elementos externos • Podem ser identificados pela leitura de alguns dos seus elementos: a
é incentivada pelo modelo aberto eleito para a elaboração do Código bilateralidade, a generalidade, uniformidade e abstração das cláusulas,
Civil. a relativa inalterabilidade e a eficácia concreta dependente de
• Todo contrato deve ser interpretado, por mais claras que sejam suas integração;
cláusulas, mormente porque o contrato não é apenas um acordo de • Tais contratos não se confundem com os contratos de consumo e podem
vontades com o escopo de gerar obrigações, ganhando relevo as condições surgir em relações civis;
subjetivas dos contratantes e ainda os efeitos que este negócio produz • Diante de uma cláusula abusiva, sempre que possível, o contrato deverá
para a sociedade. ser mantido;
1. Da leitura civil-constitucional do direito privado ao diálogo das fontes 3. Das pacta corvina
• O fenômeno denominado constitucionalização do direito civil tem • O Código Civil veda o pacto sucessório.
especial importância no combate à exclusão social na medida em que
impõe uma leitura dos negócios jurídicos, quando possível, a partir de
um prisma existencial;
• Melhor seria substituir aquela expressão por leitura constitucional do
direito privado: idéia que remete o intérprete à CF independentemente
da clareza das regras existentes na ordem infraconstitucional;
• A inserção na Constituição dos direitos sociais de segunda geração exerce
papel primordial na construção de um novo método de interpretação,
pois tais direitos não deixam de ser direitos civis;
• O Código Civil absorveu várias das citadas diretrizes constitucionais,
trazendo em seu corpo regras e princípios que alteraram o foco de
sua atenção, abandonando uma proteção injustificada do patrimônio
individual, tutelando o homem enquanto ser;
• O método do paradigma judicativo decisório suscita a necessidade do
pensamento problemático, ressaltando-se a importância da valoração
de todos os fatores que contribuíram para a celeuma surgida no caso
concreto e a aferição dos efeitos da decisão judicial;
• A comunhão das fontes legislativas em busca de respostas adequadas
e justas para os casos que se apresentem à análise do hermeneuta é
também deveras importante.
2. As condições gerais dos contratos, os contratos por adesão e os
enunciados aprovados nas quatro primeiras jornadas do conselho da
justiça federal
FORMAÇÃO 111

e do respectivo preço. Fulano simplesmente decidiu adquirir o refrigerante e


pagou o preço estipulado na tabela constante do bar. Nada mais.
Sicrano pretende adquirir o controle de sociedade que opera no ramo
da construção civil. O negócio lhe parece bom, mas faltam informações que
VII permitam delimitar com maior precisão o risco a ser assumido. Sicrano decide
então precisar a situação da sociedade, o que implica analisar, a fundo, diver-
sas informações, como, por exemplo, a responsabilidade da pessoa jurídica
Formação junto ao Fisco e credores outros. A coleta das informações toma três meses.
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI Depois, Sicrano põe-se a negociar com os representantes legais da sociedade
o valor da aquisição e a extensão das responsabilidades a serem assumidas,
o que consome mais três meses. Por fim, as partes chegam a um consenso e
Sicrano adquire o controle da sociedade.
Bibliografia
São, ambos, contratos de compra e venda. No primeiro caso, a formação
Alcides Tomasetti Jr. Oferta contratual em mensagem publicitária – Regime do direito comum do negócio foi instantânea; no segundo, precedida por uma fase preliminar
e do código de proteção do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n.
4, p. 241-253, 1992 – Antonio Junqueira de Azevedo. Responsabilidade pré-contratual no
razoavelmente extensa. Em comum, o término do processo com a obtenção do
código de defesa do consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual consenso a respeito do objeto contratual em ambos os casos. Pode ocorrer que
no direito comum. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, 1996, n. 18 – Carlyle Popp. o Código exija algo mais que o simples consenso para a conclusão do negócio
Responsabilidade civil pré-negocial – O rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2001 jurídico, como ocorre com os contratos reais e solenes, mas isto não é a regra.
– Clóvis Bevilaqua. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Seja como for, não pode haver contrato sem consenso e é justamente isso que
Alves, 1938. v. 4 – Cristiano de Sousa Zanetti. Responsabilidade pela ruptura das negociações.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005 – Cristiano de Sousa Zanetti, Bruno Robert. A conclusão
disciplina o título do Código Civil relativo à “formação dos contratos”. De
do contrato pelo silêncio. In: Flávio Tartuce, Ricardo Castilho (coord.). Direito civil: direito um lado, tem-se alguém que propõe a conclusão de dado negócio. De outro,
patrimonial e existencial. Estudos em homenagem à professora Giselda Maria Fernandes alguém que o aceita. Na leitura do Código Civil, a conclusão do contrato
Novaes Hironaka. São Paulo: Método, 2006, p. 257-295 – Custódio da Piedade Ubaldino depende sempre da existência de declarações convergentes de proposta e
Miranda. Comentários ao código civil. São Paulo: Saraiva (no prelo) – Francisco Cavalcanti aceitação. O regramento da parte geral dos contratos aplica-se com perfeição
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: RT, 1984, t. II; Tratado de
direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. t. XXXI; Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo:
aos negócios consensuais e, por extensão, aos contratos reais e solenes na
RT, 1984. t. XXXVIII – Judith Martins-Costa. As cartas de intenção no processo formativo da medida em que for possível a sua adaptação.
contratação internacional: os graus de eficácia dos contratos. Revista da Faculdade de Direito
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1994, v. 10 2. PROPOSTA
– Orlando Gomes. Contratos. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000 – Récio Eduardo Capelari. A proposta regrada pelo Código Civil é uma declaração unilateral de
Responsabilidade pré-contratual – Aplicabilidade ao direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1995 – Régis Fichtner Pereira. A responsabilidade civil pré-contratual: teoria vontade destinada a oferecer a celebração de dado contrato a outrem. Não
geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, por acaso, também é qualificada como oferta e seu prolator como proponente
2001 – Vera Jacob de Fradera. O valor do silêncio no novo Código Civil. In: Arruda Alvim et ou ofertante. Nos termos do art. 427 do CC, sempre que a proposta contiver
al (cord.). Aspectos Controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: RT, 2003. elementos suficientes à formação do contrato, sua divulgação vincula o propo-
nente a concluí-lo. Destarte, a aceitação dos termos propostos conduz à con-
1. SENTIDO E LIMITES DA DISCIPLINA LEGAL clusão do negócio, sem que seja necessário qualquer outro ato do proponente.
Os contratos não nascem por “geração espontânea”. Sempre são precedi- Quem recebe a proposta, tem o direito de aceitá-la, recusá-la ou simplesmente
dos por um processo de ajuste de interesses, que pode ser mais ou menos longo, ignorá-la. Se aceita, forma-se o contrato, sem que seja necessário qualquer
pois as partes têm que concordar sobre o conteúdo do negócio. Fulano tem outro ato por parte do proponente. No primeiro exemplo, propôs-se a venda
sede. Dirige-se ao bar mais próximo e adquire um refrigerante. O contrato de do refrigerante por certo preço. Fulano aceitou, pagou e saciou sua sede.
compra e venda foi formado de modo imediato, pois não houve maior discussão Nem sempre, contudo, a proposta vinculará o proponente. Pode ocorrer,
a respeito das prestações das partes, isto é, das características do refrigerante por exemplo, que os termos da declaração excluam esse efeito. Beltrano externa
112 Direito dos Contratos FORMAÇÃO 113

o desejo de alienar sua fazenda por R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), mas Dias depois, repensa e procura Fulano para concluir o negócio nas bases
reserva para si a prerrogativa de pensar melhor a respeito antes de se vincular. anunciadas. Fulano afirma ter perdido o interesse. Sicrano nada pode fazer,
O Código também dispõe que a natureza do negócio pode afastar o caráter pois Fulano não mais estava vinculado ao cumprimento da proposta inicial,
vinculativo. As circunstâncias do caso igualmente podem afastar a principal conforme dispõe o art. 428, I, do CC.
conseqüência jurídica atribuída à oferta. É o caso de quem propõe a aquisição Caso a proposta sem prazo seja feita a pessoa ausente, o Código dispõe
de bens em tom jocoso durante celebração carnavalesca. São exceções. A regra que será vinculante pelo prazo necessário para que a resposta chegue ao conhe-
é de que a oferta vincula o proponente sempre que contiver todos os elementos cimento do proponente. Esse o texto do art. 428, II. Somente as circunstâncias
essenciais à conclusão do contrato, como se depreende do art. 427 do CC. O do caso permitirão precisar a extensão do prazo. De qualquer forma, deve-se
mesmo vale para as ofertas ao público, de acordo com o art. 429 do CC. computar o tempo necessário para análise, para que a resposta seja enviada e,
A proposta vincula, mas não para sempre. O proponente é quem deci- por fim, para que chegue ao conhecimento do proponente. Deve-se, em suma,
de o período durante o qual estará disposto a concluir o contrato. Assim, a calcular o tempo necessário para que o proponente possa conhecer a resposta.
oferta permanece eficaz durante o prazo estipulado. Sua eficácia cessa se não Com toda probabilidade, será maior o prazo de duração da vinculação de oferta
sobrevier aceitação antes do término do referido prazo. Por exemplo, socie- comercial enviada pelo correio do que daquela divulgada na internet.
dade empresária propõe-se por um mês a concluir contratos de representação Se chegar tarde ao conhecimento do proponente, ou seja, depois de ter-
comercial em dadas bases. Externada a aceitação tempestivamente, resta minado o período de vinculatividade da oferta, é dever deste informar o fato
concluído o contrato de representação comercial, sem que seja necessária ao pretenso aceitante, desde que o atraso decorra de circunstância imprevista.
ulterior manifestação da sociedade empresária. Trata-se de dever oriundo da boa-fé objetiva, que impõe o respeito aos cânones da
Deve-se precisar o que se entende por aceitação tempestiva. Pode-se conti- lealdade e do respeito à confiança gerada em todas as relações inter-humanas.
nuar a trabalhar com o exemplo anterior para facilitar a exposição. Suponha-se Fulano oferece seus serviços de engenheiro a diversos escritórios especia-
que o interessado tome conhecimento da proposta de contrato, mas se reserve lizados em patentes situados nos mais distintos pontos do território nacional.
a prerrogativa de refletir a respeito até o último dia do prazo. No termo final, Trata-se de oferta sem prazo feita a ausentes. Dadas as circunstâncias do caso,
decide aceitar a proposta. Subscreve então os termos do contrato e o envia pelo estima-se razoável que a resposta chegue em trinta dias. Sociedade situada na
correio para a sociedade empresária. O envelope chega à sociedade empresá- região norte se interessa pelos serviços, mas expede a resposta pouco depois,
ria três dias após o término do prazo. Dado o acúmulo de correspondência, a pois tomara conhecimento da proposta com grande atraso em virtude de greve
aceitação somente se torna efetivamente conhecida cinco dias após o decurso do serviço local de correios. Por confiar na contratação do novo prestador
do prazo, quando o empregado responsável pelo setor de recursos humanos de serviço, referida sociedade decide ampliar sua rede de contatos e começa
constata sua existência. O direito brasileiro considera concluído o contrato. Nos a estudar a instalação de novas unidades nos Estados vizinhos. Ao receber a
termos do art. 428, III, conta o momento da expedição da aceitação. Basta que resposta tardia, Fulano deve prontamente comunicar a sociedade empresá-
a aceitação tenha sido expedida dentro do prazo estipulado pelo proponente ria, sob pena de arcar com as perdas e danos de quem legitimamente confiou
para que conduza à conclusão do contrato, salvo se houver regra na proposta em na conclusão do contrato. O dever de informar não existiria, contudo, se o
sentido diverso. Nesse particular, não interessa ao direito brasileiro o momento atraso fosse exclusivamente imputável à referida sociedade. Como regra, não
da recepção ou do efetivo conhecimento da aceitação. Caso a resposta positiva se responde pela negligência alheia.
seja externada pessoalmente, o problema sequer se apresenta. Pode ocorrer que o proponente se arrependa. Caso se retrate antes ou no
Nem sempre, todavia, o proponente indica o período pelo qual preten- mesmo momento em que a oferta chega ao conhecimento do destinatário, não
de vincular-se. Nessa hipótese, incidem as regras dispositivas constantes da surge o efeito vinculante. Não se chega sequer a criar no pretendido destinatá-
legislação. De acordo com a linguagem do Código Civil, a proposta feita sem rio da oferta a expectativa de que o negócio possa ser concluído. A retratação
prazo entre pessoas presentes deixa de ser vinculante se não for imediata- prévia ou contemporânea priva o ofertante de qualquer responsabilidade pela
mente aceita. Por presentes, entende-se não apenas as pessoas que estão no falta de conclusão do negócio. O arrependimento, todavia, pode igualmente
mesmo lugar, como também aquelas que estão em contato graças a um meio manifestar-se depois de a proposta ter se tornado vinculativa. Nessa hipótese,
de comunicação que permite interação imediata, como o telefone. Fulano o efeito vinculante pode ser cancelado pelo proponente por meio da revoga-
encontra Sicrano na rua e propõe a venda de seu automóvel. Sicrano recusa. ção desde que a oferta não tenha sido aceita. Esse o sistema do Código Civil.
114 Direito dos Contratos FORMAÇÃO 115

Exige-se apenas que seja conferida ao destinatário a efetiva possibilidade de 3. ACEITAÇÃO


tomar conhecimento da revogação. No caso das ofertas dirigidas ao público, A aceitação consiste na declaração de vontade de adesão aos termos
o art. 429, parágrafo único, é explícito ao dispor que a revogação deve dar-se da proposta. Seu efeito é o de formar o contrato. Nem sempre, contudo, a
pela mesma via de divulgação da oferta e desde que, note-se bem, seja ressal- aceitação corresponde integralmente aos termos da proposta. Pode ocorrer
vada essa possibilidade na proposta inicialmente veiculada. Segue-se daí que que a proposta seja aceita apenas em parte. Foi o que ocorreu na hipótese de
é inoperante a revogação de proposta ao público sem que essa possibilidade aquisição do controle da sociedade que atua na área da construção civil antes
seja prevista desde o início. mencionada. Sicrano interessou-se pelo negócio, mas não aceitou desde logo
Revogada a oferta, tolhe-se ao destinatário de origem, chamado de obla- o preço proposto pelo alienante. Preferiu antes estudar melhor a situação da
to, o direito de concluir o contrato. A oferta foi revogada, não mais vincula. sociedade, para avaliar com maior precisão a extensão dos riscos assumidos.
Mais tarde, propôs outro preço, que não foi imediatamente aceito. O contrato
Fulano decide vender um imóvel, por certo preço à vista. Estipula-se que a
somente foi concluído depois de longa negociação, sucedida por diversas acei-
oferta terá efeito por 60 dias. Sicrano se interessa, mas não dispõe de todo tações parciais. De acordo com o regime do Código Civil, a aceitação parcial
o numerário necessário. Entra então em contato com um banco, para obter equivale a nova proposta. Invertem-se as posições. No primeiro momento, os
financiamento. O banco lhe exige diversos documentos e, em certo ponto, titulares da sociedade apresentaram-se como oferentes. Com a apresentação de
cobra-lhe pela análise jurídica necessária à concessão do crédito e pela vistoria novo preço por Sicrano, assumiram a posição de oblato. No primeiro estágio,
do imóvel, feita com o objetivo de aferir o respectivo valor de mercado e definir o efeito vinculante recaiu sobre os titulares da sociedade, no segundo, sobre
o limite do financiamento. Quando Sicrano está por obter a autorização do Sicrano. A regra é igualmente aplicável às aceitações fora do prazo, também
banco para efetuar a compra, Fulano lhe comunica que perdeu interesse na regidas como proposta, ex art. 431 do CC.
venda. Tudo antes que se tenha transcorrido o prazo de 60 dias. A revogação São três as formas por meio das quais se pode aceitar uma proposta. De
da oferta é eficaz, mas o proponente deve ressarcir os prejuízos sofridos pelo modo expresso, tácito ou pelo silêncio. A aceitação expressa obviamente é
interessado. Embora não haja dispositivo expresso, essa é a regra do direito a mais comum. O oblato manifesta claramente – declara – seu interesse na
brasileiro, fundada no princípio da boa-fé. O proponente deve arcar com os conclusão do contrato. É o caso do contrato de representação comercial no
exemplo mencionado. O interessado aceitou a proposta e encaminhou a
danos suportados por quem confiou na seriedade de sua declaração.
declaração à sociedade empresária pelo correio. A aceitação também pode
O Código de Defesa do Consumidor difere do Código Civil por não se dar por manifestação de vontade que não seja declarada. Trata-se agora
admitir a revogação da oferta. Todas as ofertas feitas por fornecedores a con- da aceitação tácita ou comportamental. Fulano decide consertar seu carro.
sumidores devem ter prazo e sua eficácia vinculativa não pode ser afastada Executivo sem tempo, pede que um empregado seu o deixe na oficina. Sem
por declaração do proponente prévia ou posterior. Além disso, a publicidade nada responder, o mecânico simplesmente inicia os reparos. O contrato foi
suficientemente precisa é equiparada à oferta, e, como conseqüência, vincula concluído, mesmo sem que tenha havido declaração de aceitação. O compor-
o proponente ao seu cumprimento. Externada a declaração de aceitação pelo tamento concludente é bastante ao surgimento do vínculo contratual.
consumidor forma-se inexoravelmente o contrato. Caso o fornecedor se recuse Mais rara é a conclusão do contrato pelo silêncio. Por consistir na ausência
a cumpri-lo, o consumidor pode optar entre exigir o cumprimento forçado de manifestação, a conseqüência natural do silêncio é a manutenção das coisas
da obrigação, a substituição do produto ou serviço por outro equivalente ou, assim como estão. Como adiantado, o oblato tem o direito não apenas de aceitar
ou recusar a oferta, pois também pode ignorá-la. Excepcionalmente, contudo,
finalmente, a resolução do negócio e o pagamento de perdas e danos. Esse o
o silêncio conduzirá à conclusão do negócio. Para tanto, são mais uma vez
sentido conjunto dos arts. 30, 31, 35, I e 39, II, do CDC (Alcides Tomasetti
determinantes as circunstâncias do caso, compreendida a consideração dos
Jr. Oferta contratual em mensagem publicitária – Regime do direito comum usos correntes. Empresário rural sempre contrata Fulano para adestrar seus
e do Código de Proteção do Consumidor, p. 241 e ss.; Antonio Junqueira de cavalos. Nas diversas ocasiões precedentes, Fulano limitou-se a comunicar o
Azevedo. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumi- dia do adestramento e, depois de executá-lo, recebeu sua remuneração, sem
dor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito que tenha havido declaração de aceitação por parte do empresário. Fulano
comum, p. 30). envia a comunicação, mas não obtém a resposta. Dada a prática estabelecida
116 Direito dos Contratos FORMAÇÃO 117

entre as partes, formou-se o contrato, a despeito do silêncio do empresário há fundada dificuldade em se precisar o momento em que a aceitação foi
rural. Para evitar a conclusão da avença, o empresário deveria ter externado conhecida (Orlando Gomes. Contratos, p. 68).
sua recusa quando do recebimento da comunicação. Nem todos os negócios O sistema da agnição ou declaração, por sua vez, desdobra-se em três
são passíveis de conclusão pelo silêncio. Excetuam-se aqueles nos quais as ramos. O primeiro deles é o da declaração propriamente dita ou da simples
leis, o costume ou prévia declaração do proponente exijam a aceitação ex- aceitação, de acordo com o qual o contrato é considerado formado com a
pressa. Esse o sentido fundamental dos arts. 111 e 432 do CC. Como visto, a superveniência da aceitação, independentemente de sua expedição e, por
prestação de serviços admite conclusão informal. Não assim, a fiança locatícia, conseguinte, de seu efetivo conhecimento pelo proponente. Constata-se aqui
conforme dispõe o art. 819 do CC (Cristiano de Sousa Zanetti e Bruno Robert. o mesmo percalço presente na teoria da cognição, pois não há como superar
A conclusão do contrato pelo silêncio, p. 257 e ss.). os problemas atinentes à exata determinação do momento da formação do
Como regra, a expedição da aceitação conduz à conclusão do contrato. contrato (Orlando Gomes. Contratos, p. 68-69).
Pode ocorrer que o aceitante se arrependa e decida revogá-la. A revogação As duas outras variantes do sistema da agnição respondem melhor à
somente será eficaz se chegar ao conhecimento do proponente antes ou no necessidade de segurança jurídica. A primeira é a teoria da expedição, adotada
mesmo momento que a aceitação mesma, nos termos do art. 433 do CC. Caso pelo direito brasileiro e sobre a qual se discorrerá logo a seguir. A segunda é
contrário, restará concluído o contrato. a teoria da recepção, por força da qual se reputa aperfeiçoado o contrato no
momento em que a aceitação é recebida pelo proponente, sem exigir, entre-
4. TEMPO E LUGAR DA CONCLUSÃO DO CONTRATO tanto, que seu conteúdo contemporaneamente examinado (Orlando Gomes.
É importante definir com precisão o momento a partir do qual as partes Contratos, p. 69). Nada impedia que essa fosse a linha teórica adotada pelo
estarão obrigadas ao cumprimento das respectivas prestações, isto é, quan- Código Civil. Essa observação é importante, pois revela, desde logo, que as
do surge o contrato. Note-se, antes de tudo, que o modelo do Código Civil soluções oferecidas pelos Códigos não são as únicas possíveis. O direito evolui
refere-se apenas à formação dos contratos consensuais. Nos demais casos, graças ao debate. Por isso, interessa considerar respostas distintas daquelas
considera-se concluído o contrato com o cumprimento da formalidade que fornecidas pelo texto codificado.
qualifica a categoria a que pertencem, como, por exemplo, a entrega da coisa Convém figurar um exemplo para evidenciar os termos da disciplina
nos contratos reais e a observância da forma nos contratos solenes. legal. Pessoa jurídica recebe proposta escrita para contrato de empréstimo
com instituição bancária. O banco prevê o prazo de 30 dias e estabelece que
Nos contratos consensuais, por sua vez, a conclusão do contrato se dá
não mais estará vinculado ao cumprimento da proposta, caso as aceitações
no exato momento em que é atingido o acordo. Não há maior dificuldade
cheguem depois deste prazo. O negócio interessa e a aceitação é enviada logo
nos contratos concluídos entre presentes, nos quais o consenso é obtido no
no 5.o (quinto) dia de prazo. A resposta chega ao banco 3 dias mais tarde e
momento em que o aceitante externa sua aquiescência ao proponente.
somente é encaminhada ao setor competente 2 dias depois, ou seja, 5 dias após
Nos contratos entre ausentes, de outro lado, o direito brasileiro adota, seu envio. Surge o problema relativo à determinação dos encargos incidentes
como regra, o momento em que a aceitação é expedida, nos termos do art. 434, sobre o empréstimo, pois no 2.o (segundo) dia consecutivo à expedição da
caput, do CC. Dessa maneira, não importam, em princípio, as datas em que a aceitação, o Banco Central baixou norma que autorizou a instituição finan-
aceitação foi recebida ou efetivamente conhecida. Trata-se, porém, de regra ceira a majorar a cobrança para os contratos concluídos após sua edição. Há
dispositiva, pois o proponente pode condicionar a eficácia da expedição ao cláusula expressa, na proposta, no sentido de que o empréstimo está sujeito
seu recebimento em certa ocasião. Nessa hipótese, considera-se aperfeiçoado à regulamentação do Banco Central. O banco não pode aumentar os encargos
o contrato no momento da expedição, desde que, note-se bem, a aceitação cobrados, pois o contrato foi concluído no momento da expedição da aceita-
chegue às mãos do proponente no prazo por ele assinado. ção. Essa a solução do art. 434, caput e III, do CC.
A resposta teórica oferecida pelo Código Civil brasileiro não é a única Nada impedia, ainda, que o proponente condicionasse a conclusão do
possível. A doutrina costuma diferenciar dois sistemas no particular: o da contrato ao efetivo recebimento da aceitação, conforme permite o art. 434,
cognição e o da agnição. De acordo com o sistema da cognição ou informação, II. Nessa hipótese, para continuar com o exemplo anterior, o Banco poderia
considera-se formado o contrato entre ausentes quando o proponente toma cobrar os encargos adicionais, visto que o contrato teria sido concluído 3 dias
conhecimento da aceitação. Seu principal inconveniente é a imprecisão, pois depois de expedida a aceitação. Para tanto, contudo, exige-se previsão específica
118 Direito dos Contratos FORMAÇÃO 119

na proposta. Caso contrário, considera-se aperfeiçoado o contrato quando a responsabilidade fundada na violação às determinações decorrente da boa-fé
aceitação é expedida. Em todo caso, será sempre irrelevante o momento do objetiva. Quem age deslealmente deve responder pelos prejuízos causados
efetivo conhecimento da aceitação. A grande insegurança que seria gerada pela própria conduta. Todo direito deve ser exercido nos limites impostos pelo
com a adoção deste critério impede seu emprego no direito brasileiro. princípio da boa-fé objetiva, inclusive o de recusar a conclusão do contrato, sob
Deve-se considerar concluído o contrato no lugar em que foi obtido pena de se responder pelos danos causados a terceiros, nos termos dos arts.
o consenso. Mais uma vez, não há qualquer dificuldade para os contratos 187 e 927 do CC (Cristiano de Sousa Zanetti. Responsabilidade pela ruptura
entre presentes. Para os contratos entre ausentes, são duas as soluções pos- das negociações, p. 87 e ss.).
síveis. Poderia se considerar o lugar da proposta ou o da aceitação. O direito
brasileiro decidiu-se pelo primeiro. Reputa-se concluído o contrato no lugar 6. RESUMO ESQUEMÁTICO
da proposta, determina o art. 435 do CC. A norma é dispositiva. Aliás, nada 1. Sentido e limites da disciplina legal
impedia que a solução legal fosse outra. O fundamental é que seja preciso
• Todo contrato é precedido por um processo de formação
o critério, o que efetivamente ocorre no direito brasileiro. Se a proposta e a
• O CC disciplina a formação consensual do contrato
aceitação provierem de diferentes lugares, deve-se considerar concluído o
contrato no lugar da primeira, a menos que haja determinação consensual 2. Proposta
em sentido contrário. • Declaração unilateral de vontade destinada a oferecer a celebração do
contrato a outrem
5. A RUPTURA DAS NEGOCIAÇÕES • Como regra, a proposta vincula o proponente à conclusão do contrato
Há diferentes êxitos possíveis para o processo negocial. Pode-se chegar ofertado
à elaboração de uma oferta que, uma vez aceita, conduz à conclusão do con- • Há exceções, fundadas nos termos da declaração de vontade, na natureza
trato. Pode igualmente ocorrer que a oferta seja integralmente repudiada ou do negócio e nas circunstâncias
parcialmente aceita. Pode-se pretender a revogação da oferta ou da aceitação. • Proposta com prazo: a vinculação permanece pelo prazo assinado pelo
Tudo isso, em maior ou menor medida, é expressamente regulado pelo Código proponente
Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor. Porém, os diplomas legais não • Como regra, a aceitação é considerada tempestiva se for expedida no
tratam especificamente da hipótese de rompimento das negociações que não prazo assinado pelo proponente
se confunda com a revogação da oferta. • Proposta sem prazo feita a pessoa presente: a vinculação deixa de existir
Aqui, aproveita retomar o exemplo da aquisição do controle de dada se a aceitação não for imediata
sociedade. Suponha-se que o negócio esteja próximo a se concluir e que, • Proposta sem prazo feita a pessoa ausente: a vinculação permanece
por indicação dos alienantes, o adquirente tenha começado a tomar provi- pelo prazo necessário para que a resposta chegue ao conhecimento do
dências para assumir a administração da sociedade. Resta apenas precisar a proponente
extensão do parcelamento do preço, o que os alienantes asseguram não será • De acordo com o regramento do CC, o proponente pode retratar-se
um problema. Há, inclusive, correspondências trocadas entre os candidatos desde que a oferta não tenha sido aceita
a contratante, com estudos sobre os prazos, sem que jamais se tenha cogitado
• Revogada a oferta, o proponente responde pelos prejuízos causados a
de pagamento à vista. Semanas depois do ingresso dos novos empregados na
quem confiou na manutenção da declaração da vontade
sociedade, todos contratados pelo adquirente, os alienantes mudam de idéia
• O CDC não prevê possibilidade de retratação
e decidem exigir que todo o pagamento seja feito no ato da transferência do
controle. Isso conduz ao rompimento das negociações, pois o adquirente não 3. Aceitação
dispõe de numerário suficiente para efetuar a compra à vista. • Declaração unilateral de adesão aos termos da proposta
Embora não estejam obrigados a contratar, os candidatos a alienantes • A aceitação parcial ou fora do prazo é regida como se fosse uma nova
devem responder pelos prejuízos sofridos pelo pretendido adquirente com a proposta
contratação dos novos empregados, visto que os danos foram causados pela • A aceitação pode dar-se de forma expressa, tácita ou por meio do
quebra confiança suscitada por seu comportamento anterior. Cuida-se de silêncio
120 Direito dos Contratos

• Sua revogação somente será eficaz se chegar ao conhecimento do


proponente antes ou contemporaneamente à aceitação mesma
4. Tempo e lugar da conclusão do contrato
• Nos contratos entre presentes, a conclusão tem lugar quando é externada
a aceitação
• Nos contratos entre ausentes, considera-se concluído o contrato no
momento em que a aceitação é expedida
• Reputa-se formado o contrato no lugar em que foi obtido o consenso
• Caso proponente e aceitante estejam em lugares distintos, prevalece o
lugar da proposta
5. A ruptura das negociações
• O princípio da boa-fé impõe a responsabilidade de quem agiu de maneira
desleal e sem respeitar a confiança gerada pelo próprio comportamento
pelos prejuízos causados em virtude da ruptura das negociações
VIII
Relatividade
MARCOS JORGE CATALAN

Bibliografia
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jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Scientia Iuris: Revista do Curso de
Mestrado em Direito Negocial da UEL. Londrina: Ed. UEL, 2004; Descumprimento contratual:
modalidades, conseqüências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá,
122 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 123

2005; Considerações sobre o contrato preliminar: em busca da superação de seus aspectos Visando facilitar a intelecção do tema, parece importante resgatar algumas
polêmicos. In: Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves (coords.). Questões controvertidas: bases conceituais, dentre elas a exata noção do que sejam partes e terceiros
no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005. v. 4 – Maria Helena Diniz.
Curso de direito civil: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva,
em uma relação jurídica obrigacional.
2002. v. 3 – Mário Júlio de Almeida Costa. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 1994 Neste condão, as partes podem ser identificadas como centros de
– Mário Luiz Delgado. Da intransmissibilidade, causa mortis, das obrigações de prestação de interesses compostos pelos sujeitos que integram o vínculo contratual, en-
fato. In: Jones Figueiredo Alves (coord.). Questões controvertidas: no direito das obrigações e quanto os terceiros, como aquelas pessoas que apesar de estranhas à relação
dos contratos. São Paulo: Método, 2005. v. 4 – Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de direito
civil: obrigações em geral. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. v. 2 – Orlando Gomes. Contratos.
negocial, podem potencialmente ser atingidas, positiva ou negativamente,
Rio de Janeiro: Forense, 1995 – Paulo Nader. Curso de direito civil: contratos. Rio de Janeiro: por negócios alheios.
Forense, 2005 – Ricardo Luis Lorenzetti. Fundamentos do direito privado. Trad.Vera Maria Jacob Ressalte-se que estas noções são relembradas também em razão da freqüente
de Fradera. São Paulo: RT, 1998; Tratado de los contratos: parte general. Santa Fé: Rubinzal confusão no que pertine ao ingresso na relação jurídica de sucessores a título
Culzoni, 2004 – Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral
dos contratos. São Paulo: Atlas, 2002. v. 2 – Silvio Luís Ferreira da Rocha. Responsabilidade civil
causa mortis ou inter vivos, que ao assumirem a posição dos seus predecessores
do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: RT, 2000 – Silvio Rodrigues. tornam-se partes na relação negocial, mas não no negócio jurídico originário,
Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2002. v. ainda que isto se dê por força de lei (Lucas Abreu Barroso. Relatividade das
3 – Teresa Negreiros. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. convenções e efeitos perante terceiros: redimensionamento em face do princípio
da função social do contrato, p. 193-194), como por exemplo, ocorre quando
1. INTRODUÇÃO do falecimento do locador ou locatário de imóvel residencial.
A noção clássica do princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, nascido É importante destacar ainda que, mesmo que as obrigações dos sucessores
da máxima: res inter alios acta tercio neque nocet, neque potest, traduz-se na idéia derivem de disposição legal, há aparente mitigação do princípio em tela haja
de que a obrigação produz efeitos apenas entre aqueles que a pactuaram, não vista que, em algumas situações, não há vontade declarada e, ainda, por que
gerando direitos ou impondo obrigações àqueles que estiveram alheios à nego- existe a possibilidade de renúncia à sucessão hereditária, como se denota dos
ciação (Edgard Ferreyra. Principales efectos de la contratación civil, p. 107). exemplos trazidos logo à frente.
Deste modo, consoante se extrai da leitura tradicional do princípio da Ocorre que, por vezes, os efeitos oriundos de relações jurídicas obriga-
relatividade das convenções, os efeitos dos contratos só se manifestam entre cionais poderão estender-se a quem não manifestou sua vontade na gênese
as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros (Silvio Rodrigues. do negócio jurídico, como no caso de sucessão causa mortis, situação em
Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 17), que sucessores estarão obrigados a adimplir as obrigações assumidas pelo
salvo a existência de previsão legal (Silvio de Salvo Venosa, Direito civil: devedor falecido, e muito embora os limites materiais da herança devam
teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 377), premissa, ser respeitados, estes poderão ser responsabilizados por eventual incumpri-
aliás, expressamente prevista no art. 1.372 do Codice Civile que determina mento a eles imputável (Marcos Jorge Catalan. Descumprimento contratual:
“il contratto ha forza di legge tra le parti, non produce effetto rispetto ai terzi modalidades, conseqüências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar,
che nei casi previsti dalla legge”. p. 52) ou a restituir o que fora pago na hipótese de morte do devedor em
Apesar de possuir construção bastante sólida, constantemente repro- obrigação personalíssima, de modo a repor a situação fática ao stato quo ante
duzida ao longo dos séculos, a assertiva de que os negócios jurídicos obrigam (Mário Luiz Delgado. Da intransmissibilidade, causa mortis, das obrigações
exclusivamente às partes a ele vinculadas é um paradigma que merece ser de prestação de fato, p. 112).
desmistificado, haja vista que terceiros podem ser atingidos pelos efeitos da Neste condão, se é correto que os efeitos nascidos do princípio da força
relação negocial (Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de direito civil: obriga- obrigatória dos contratos poderão ser suportados pelos sucessores do devedor,
ções em geral, p. 415), sendo assim, merecedores de tutela do ordenamento, ainda que na hipótese de sucessão hereditária ou testamentária limite-se às
especialmente por conta da influência do princípio da função social do forças da herança, não menos perfeito será afirmar que os sucessores do credor
contrato, corolário que impõe que o sistema busque uma maior comunhão também estarão albergados pelas regras de transmissibilidade de direitos,
com a realidade vigente (Lucas Abreu Barroso. Relatividade das convenções e estando autorizados, dentre outros atos, a exigir o cumprimento da prestação
efeitos perante terceiros: redimensionamento em face do princípio da função ou postular a resolução do negócio jurídico, se presentes os pressupostos
social do contrato, p. 192). necessários aos caminhos indicados.
124 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 125

Além disso, a relativização do princípio em tela pode ser observada será oportunamente observado; o que acaba atribuindo à doutrina relevante
também nos negócios inter vivos, como na hipótese de cessão de crédito a missão na reconstrução do direito privado tupiniquim.
título gratuito a absolutamente incapaz, pois apesar de sua vontade ser irre- Enfim, como se afere, o princípio da relatividade dos efeitos dos contra-
levante para o sistema, ainda sim, terá direito de exigir o direito que lhe fora tos merece urgente releitura, haja vista que o paradigma de que a obrigação
transmitido, desde que promovida a necessária legitimação para o exercício apenas produz efeitos entre os contratantes merece ser analisado hodierna-
de sua pretensão. mente com reserva, especialmente por conta de outros princípios, dentre
Ademais, existem questões mais complexas, cujo destaque se faz ne- eles, a função social.
cessário na tentativa de demonstrar que a clássica distinção entre os direitos
reais (tidos como absolutos) e os direitos de crédito (em princípio, relativos) 2. DA ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO
não é tão gritante quanto possa parecer e que a pretensa relatividade, não é Segundo a lição de Álvaro Villaça Azevedo (Teoria geral dos contratos
tão estreita a ponto de: a) não gerar direitos a quem venha a ser lesado por típicos e atípicos, p. 105) a estipulação em favor de terceiro é o contrato
contrato em que não figure como parte, ou, b) impor a terceiro o dever de por meio do qual certa pessoa obriga-se perante outra a desempenhar uma
respeitar a manutenção de convenções alheias. prestação em benefício de um terceiro que não fez parte da relação negocial,
De fato, a noção clássica do aludido princípio tem sofrido críticas, po- enquanto Maria Helena Diniz (Curso de direito civil: teoria das obrigações
dendo ser citado como exemplo o dever do adquirente de imóvel locado de contratuais e extracontratuais, p. 107) assevera que o instituto conceitua-se
respeitar a cláusula de vigência pactuada entre o antigo proprietário e o loca- como o “contrato estabelecido entre duas pessoas, em que uma convencio-
tário, desde que a locação seja por prazo determinado e a minuta tenha sido na com outra certa vantagem patrimonial em proveito de terceiro, alheio à
averbada junto ao Registro Imobiliário, como quer, por exemplo, Arnoldo Wald formação do vínculo”.
(Obrigações e contratos, p. 243), mesmo se adquirido em hasta pública.
Os conceitos estariam perfeitos, não fosse a classificação do instituto
Também o instituto da gestão de negócios, enquadrado no Código como contrato, talvez por força de influência do direito português, onde
Civil dentre as declarações unilaterais de vontade é exemplo a ser pensado
o mesmo é conhecido como contrato a favor de terceiro, como se extrai do
enquanto hipótese apta a gerar efeitos a terceiros por ela beneficiados, pois,
Código Civil lusitano.
se de um lado, em regra, se exige ratificação pelo dono do negócio para que
a gestão gere efeitos em relação a este, por outro, mesmo contra sua vontade, Em verdade, parece ser perfeitamente possível que a estipulação em
restará obrigado, caso esta lhe tenha sido útil e proveitosa, nos termos dos arts. favor de terceiro seja instrumentalizada por meio de declaração unilateral de
869 a 872 da Lei 10.406/2002; situação na qual deverá suportar as despesas vontade, tanto por força de disposição testamentária, como por intermédio de
promovidas pelo gestor bem como reparar os prejuízos sofridos por este, no promessa de recompensa.
fiel desempenho de seus atos. De fato, parece ser perfeitamente possível que um legado seja deixado a
A matéria é comentada por Antunes Varela (Direito das obrigações: certa pessoa com a imposição de encargo ao beneficiário a ser desempenhado
conceito, estrutura e função da relação obrigacional, fontes das obrigações, em favor de terceiro, e ainda, que seja prometida unilateralmente a concessão
modalidades das obrigações, p. 179), ao afirmar que, mesmo que não ratifique de uma bolsa de estudos, dirigida à coletividade, para quem venha a angariar
a gestão, o dono do negócio deverá satisfazer as obrigações contraídas em a maior quantidade de alimentos, os quais serão doados, no futuro, a entidade
seu nome pelo gestor na exata medida do enriquecimento obtido quando a filantrópica.
gestão tenha sido exercida de modo regular, e mesmo que haja irregularidades, Superada a questão conceitual, saliente-se que, para a caracterização da
também possuirá idêntico dever, se esta tiver resultado positivo. estipulação em favor de terceiros, se faz necessária a presença de três sujeitos:
Destaque-se, deste modo, que a relatividade das convenções não tem um estipulante, que determina o que haverá de ser cumprido; o promitente,
caráter absoluto, comportando exceções, salientando-se, no caso do direito que se incumbe de executar a obrigação a título gratuito ou oneroso; e ainda
civil brasileiro, que nem todos os casos de extensão dos efeitos dos contratos um beneficiário, que é quem receberá a prestação estipulada, pessoa esta
a terceiros estão previstos de modo explícito no ordenamento (Lucas Abreu determinada ou, ao menos, determinável, a ser indicada pelo estipulante
Barroso. Relatividade das convenções e efeitos perante terceiros: redimensio- ou por força de lei, esta última situação, consubstanciada no seguro de vida
namento em face do princípio da função social do contrato, p. 193), como ajustado sem beneficiário, cuja indenização em razão do sinistro deverá ser
126 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 127

rateada entre o cônjuge sobrevivente e os herdeiros do segurado que deixara Algumas outras situações poderão surgir no desenvolvimento da relação
este mundo (José Fernando Simão. Direito civil: contratos, p. 44). negocial e por conta disso, merecem ser comentadas, dentre elas, a regrada
Deste modo, pode ser afirmado que, em regra, na inexistência de quaisquer pelo art. 436, parágrafo único, do CC, que garante ao terceiro, em favor de
das três pessoas descritas acima não se alcançará o suporte fático necessário a quem se tenha estipulado a obrigação, o direito de exigir seu desempenho,
preencher a figura sob análise, e por conseqüência, a estipulação em favor de logicamente, desde que se sujeite aos termos impostos e o estipulante não
terceiro deverá ser tratada como inexistente enquanto tal, outrossim, como venha a substituí-lo quando isto seja possível, como se verá logo abaixo.
antecipado, pode ocorrer que o terceiro não seja indicado no momento da É hialino que seria incoerente permitir a estipulação de prestação em
constituição do negócio, e neste caso, podem advir celeumas a serem solu- favor de terceiro e negar-lhe o direito de exigi-la, destacando-se que, em
cionadas, como a que pode se dar diante da morte do estipulante antes da algumas situações, o terceiro será o único com titularidade para receber a
indicação do beneficiário ou da eleição de terceiro que não tenha legitimidade prestação prometida, como na hipótese de seguro de vida pactuado com be-
para ser beneficiário. neficiário declarado na apólice, desde que, é claro, esta não seja revista antes
de disparado o fator de eficácia que obriga o segurador, pois aquele poderá
Paulo Nader (Curso de direito civil: contratos, p. 96) responde às questões
alterá-la a qualquer tempo.
suscitadas, afirmando que, no primeiro caso ter-se-á negócio inexistente, ante
a ausência de elemento essencial ao negócio buscado, eis que aparentemente a Por outro lado, também parece evidente que o terceiro não está obri-
escolha seria direito personalíssimo, enquanto, na segunda hipótese, a estipu- gado a aceitar a prestação, posto que o crédito a ele atribuído não ingressa
lação será nula, nos moldes do art. 104 do CC, não se negando a possibilidade automaticamente em seu patrimônio, já que, em verdade, em se tratando de
instituto de caráter negocial, em princípio, a ninguém será imposta obrigação
da inserção de cláusula determinando que no último caso, a indicação do
ou vantagem sem sua anuência, e deste modo, a eficácia do negócio em relação
beneficiário retorne ao estipulante.
ao terceiro subordina-se à sua manifestação de vontade.
Mister destacar que a estipulação em favor de terceiro se aperfeiçoa
Dúvida que pode surgir diz respeito aos efeitos da recusa do terceiro
enquanto negócio jurídico existente e válido com o ajuste realizado entre
aos termos impostos pelo estipulante. Neste caso, manter-se-ia o negócio,
estipulante e promitente ou em razão da declaração unilateral de vontade do obrigando-se o promitente a aguardar nova indicação? Ainda no tocante à
primeiro, gerando-se em favor do beneficiário, inicialmente, mera expectativa conduta do promitente, questiona-se se em razão da impossibilidade, deveria
de direito, posto que este não é parte do negócio jurídico. restituir o recebido, ou poderia, considerando-se ineficácia superveniente da
Formulados estes comentários iniciais, há de se destacar que o instituto é obrigação que assumiu, considerar-se liberto do vínculo obrigacional?
tratado neste momento, posto que, afirmam diversos autores que a estipulação Sustenta Paulo Nader (Curso de direito civil: contratos, p. 95) que na
em favor de terceiros constitui-se como exceção ao princípio da relatividade situação de recusa do terceiro à prestação prometida, o promitente estaria
dos efeitos dos contratos (Orlando Gomes. Contratos, p. 166), restrição esta, exonerado do vínculo obrigacional, parecendo ter razão o autor posto que,
em verdade, “mais aparente que real” (Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: nesta situação, o promitente não teria como desempenhar sua prestação por
teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 486). fatores externos e alheios à sua álea de responsabilidade, extinguindo-se
De fato, a assertiva merece ser lida com cautela, pois se o terceiro neces- assim sua obrigação.
sita anuir às condições do negócio jurídico para que este estenda seus efeitos Ao contrário, uma vez expressada a vontade do beneficiário, tem-se que
até ele, ou seja, se deve aquiescer aos termos impostos pelo estipulante ou os efeitos dela decorrentes retroagem ao momento da formação da estipulação
ajustados entre este e o promitente para que possa ser atingido pela eficácia (Orlando Gomes. Contratos, p. 166), logicamente, podendo ser imposto prazo
do contrato ou da declaração unilateral de vontade, parece hialino que não para que aquele se manifeste, sob pena de decadência, no caso, convencional,
há que se falar em exceção ao princípio da relatividade dos efeitos das con- eis que não há previsão legislativa acerca da hipótese ventilada.
venções, muito embora, como bem salienta Luciano de Camargo Penteado, É evidente que a declaração de vontade exigida do terceiro poderá ser
o terceiro não possa ser considerado parte no negócio jurídico, devendo ser manifestada no ato do pagamento, podendo ser expressa, tácita ou, até mesmo,
tratado sim como parte na relação negocial, posto que é incluído nesta quan- presumida em razão do silêncio, neste caso, desde que não lhe seja exigida
do a mesma já se encontra no degrau da eficácia (Efeitos contratuais perante contraprestação, tal qual ocorre na regra insculpida no art. 543 do CC, mas é
terceiros, p. 33-48). ululante que deverá estar presente, ainda que por força de presunção legal.
128 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 129

Aliás, já que fora feita referência a questão de eventual contraprestação a Parece ser evidente também que, na hipótese de renúncia do estipulante
ser exigida do terceiro, outro problema a ser dirimido sintetiza-se em saber se ao acerca da faculdade de substituir o terceiro, seja ela manifestada na formação
terceiro poderão ser impostos encargos para ter direito à prestação prometida, do negócio ou em momento ulterior, garante-se ao terceiro a permanência,
destacando-se. desde cedo. a posição de Orlando Gomes (Contratos, p. 166), ainda que sem sua manifestação, no estado de potencial beneficiário.
para quem a estipulação, em relação ao terceiro, deverá ser necessariamente Em todas estas situações não se consegue vislumbrar qualquer possibi-
gratuita, sob pena de tornar-se inválida. lidade de substituição do beneficiário, ainda que de forma indireta, mediante
Ao que parece, tal saída não pode prevalecer, não existindo óbices no a remissão do promitente pelo estipulante.
sistema quanto à imposição de encargo a ser desempenhado pelo beneficiário Problema que pode surgir encontra-se na possibilidade de substituição
(Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: contratos, declaração do beneficiário em estipulação feita a título gratuito, pois mesmo tendo este
unilateral de vontade, responsabilidade civil, p. 114), e assim, uma vez ob- aceitado receber a prestação, entende Silvio Rodrigues (Direito civil: dos contra-
servados os requisitos de validade inerentes aos negócios jurídicos em geral tos e das declarações unilaterais de vontade, p. 98) que o credor só não poderá
a estipulação de contraprestação em forma de encargo será lícita. De fato, se o promovê-la se concedeu ao beneficiário o direito de exigir a prestação.
negócio, para sua existência e validade, independe sequer da manifestação de
Ao que parece, tal posição é merecedora de crítica, pois, nestes casos,
vontade do beneficiário, não há como justificar a suscitada patologia diante
da onerosidade da prestação prometida em favor de terceiro. se é certo que não aceita a liberalidade, não haverá como se obrigar o benefi-
ciário a recebê-la, por outro lado, após a manifestação da aceitação por parte
Por outro lado, parece que a imposição de contraprestação ao terceiro
deste, não poderá o estipulante extrair sua vontade do negócio, sob pena de
desnaturaria o instituto, e neste caso não haverá propriamente estipulação
responder pelos prejuízos suportados (Edgard Ferreyra, Principales efectos
em favor de terceiro, mas sim contrato complexo, pois a aceitação não é ne-
de la contratación civil, p. 107-128) em razão da expectativa gerada em favor
cessária à caracterização da estipulação em favor de terceiro, servindo apenas
como fator de eficácia em relação a este (Cristiano de Sousa Zanetti. Breves do beneficiário, sem prejuízo da obtenção de tutela específica.
apontamentos sobre a estipulação em favor de terceiro no novo Código Civil). Destaque-se que outra não é a orientação contida no art. 1.411 do Código
Outro aspecto que merece análise sintetiza-se na possibilidade de o Civil italiano, ao ditar que a estipulação em favor de terceiro poderá ser revogada
estipulante substituir o beneficiário durante o desenvolvimento do processo ou modificada pelo estipulante até que o terceiro manifeste sua aceitação, sendo
obrigacional. Acredita-se que a imposição de cumprimento de encargo ao esta também a linha de pensamento sustentada por Arnoldo Wald (Obrigações
beneficiário, induz à impossibilidade de substituição do terceiro a partir do e contratos, p. 245).
momento em que o encargo venha a ser desempenhado pelo beneficiário. Deste modo, parece que, em linhas gerais, além das situações pontuais
De fato, se de um lado, em princípio, nos moldes do art. 438 do CC, ao destacadas, pode se sustentar que a substituição do beneficiário somente
estipulante é permitido substituir o destinatário da prestação sem a necessidade pode se dar enquanto não aceita a estipulação ou até o momento do start do
da anuência deste ou do promitente, por outro, a permuta do beneficiário que fator de eficácia que condiciona a vontade do estipulante, como nos casos
tenha cumprido o encargo imposto seria fonte de enriquecimento sem causa, de seguro de vida, de legados e de imposição de encargo a ser cumprido pelo
o que é vedado pelo sistema. beneficiário.
Tal conclusão pode ser alcançada mediante a leitura sistêmica do orde- É que nestas situações jurídicas, sujeitas à condição ou a termo incerto,
namento jurídico, buscando-se a resposta no contido no art. 564, II, do CC consoante dita o Código Civil português no art. 448, “salvo estipulação em
que dita que as doações oneradas com encargo já cumprido não poderão ser contrário, a promessa é revogável enquanto o terceiro não manifestar a sua
revogadas, situação que se assemelha, em muito, à hipótese imaginada. adesão, ou enquanto o promissário for vivo, quando se trate de promessa que
Ademais, também é certo afirmar, consoante se extrai do art. 437 do CC haja de ser cumprida depois da morte deste”.
que “se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de Enfim, no que pertine aos direitos do promitente, parece hialino que
reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor”. estará autorizado, além de exigir o cumprimento da obrigação assumida pelo
Destaque-se que esta regra aparentemente tem gênese na boa-fé objeti- estipulante, suscitar as exceções gerais e pessoais que tenha em relação ao
va, princípio que impõe às partes o dever de respeitar a legítima expectativa credor, enquanto matéria de defesa, tanto em desfavor do estipulante como
depositada pelo parceiro negocial no desempenho da prestação prometida. do beneficiário.
130 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 131

3. DA PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO De fato, a contratação da cláusula de não indenizar será lícita, haja vis-
ta não ofender norma de ordem pública e não esbarrar em outras cercanias
Cumpre indagar ainda, a partir do princípio da relatividade das conven-
impostas pelo sistema, como a de se caracterizar como elemento essencial do
ções, se seria possível o ajuste, entre as partes, de que a prestação prometida
negócio, logicamente não prevalecendo em razão de ato doloso do promiten-
por uma delas ao parceiro negocial seja desempenhada por terceiro que não
te ou se inserida em um contrato de consumo, neste último caso, diante da
participou da gênese do negócio jurídico?
necessidade de proteção do vulnerável.
A resposta é positiva, sendo dada pelo art. 439 do CC ao dispor que
Ademais, se é possível a pré-fixação dos danos por meio da contratação
“aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos,
de cláusula penal, enquanto instrumento de liquidação a forfait dos danos,
quando este o não executar”, redação idêntica a do art. 1.381 do Código Civil
também será lícito ajuste acerca da não imputação dos danos ao responsável
italiano.
pelo inadimplemento havido (Marcos Jorge Catalan. Descumprimento con-
Sem destoar da orientação legislativa, Silvio Rodrigues (Direito civil: tratual: modalidades, conseqüências e hipóteses de exclusão do dever de
dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 99) afirma que não indenizar, p. 208-211).
há ilicitude no negócio por meio do qual se promete que a prestação ajustada Neste caso, o promitente apenas responderá se não agiu de modo
será desempenhada no futuro por terceiro, pois inicialmente a obrigação à a contatar o terceiro visando convencê-lo a aceitar os termos do negócio
qual está vinculado o promitente impõe a ele conseguir que terceira pessoa convencionado, devendo esforçar-se para este fim, pois é exatamente esta a
desempenhe o prometido, sob pena de indenizar os prejuízos nascidos de seu essência de sua obrigação (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito
incumprimento, haja vista que a relação originária é ineficaz em relação ao civil: contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade civil, p.
terceiro (Eduardo Espínola. Systema do direito civil brasileiro: theoria geral 117), haja vista que no caso de promessa de fato de terceiro, tem-se efetiva-
das relações jurídicas de obrigação, p. 671). mente, devedores sucessivos, incumbindo ao primeiro, uma obrigação de
Completando a lição, Silvio de Salvo Venosa (Direito civil: teoria geral fazer e ao segundo, caso aceite, o dever de desempenhar a prestação que fora
das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 492) leciona que inicialmente o ajustada inicialmente.
terceiro é completamente estranho à relação negocial, sendo a conduta deste Há de ser destacada ainda, a regra contida no parágrafo único, do art.
o verdadeiro objeto da prestação, e neste contexto, o não desempenho da 439, do CC, que dita que, se o terceiro for o cônjuge do promitente e o ato a ser
obrigação por parte de terceiro que não aceita a prestação prometida origina- praticado depender de sua anuência, negada esta, na hipótese da indenização
riamente, identifica-se com o incumprimento do promitente, que, no caso, recair sobre os seus bens, o que pode ocorrer consoante o regime de casamento
necessariamente, há de converter-se em perdas e danos. vigente, não haverá dever de indenizar o credor, ou seja, não haverá qualquer
Como exemplo desta figura tem-se a hipótese da venda de show, sem pretensão reparatória em favor daquele que acreditou na promessa, excepcionada
a participação do artista a ser contatado posteriormente, negócio que se inicialmente a hipótese de dolo de quem prometeu fato de outrem.
tornará eficaz em relação a este a partir do momento no qual manifeste sua Nestas situações, pode-se pensar que conhecendo o promitente a
aquiescência aos termos do ajuste firmado, mas que se aperfeiçoa desde o renitente postura do cônjuge quanto à ausência do desejo de vender bem
início entre as partes originárias. comum, e ainda sim prometer a anuência deste, haverá violação do dever
Após o ingresso do terceiro na relação negocial mediante sua aquiescência lateral de cooperação, que se faz necessária em qualquer relação negocial, e
perante uma ou ambas as partes, não remanescerá nenhuma obrigação para em razão de tal ofensa, pode ser sustentado que nascerá o dever de indenizar
quem por ele se comprometeu e, a partir daí, o incumprimento da prestação (Marcos Jorge Catalan. Considerações sobre o contrato preliminar: em busca
por parte do terceiro, nos moldes previstos no art. 440 do CC, será somente a da superação de seus aspectos polêmicos, p. 338), limitado o valor, à meação
ele imputável, salvo se houver dolo do promitente como fonte daquela situa- do cônjuge promitente.
ção, quando parece que será solidariamente responsabilizado. Por fim, ímpar destacar a lição de José Fernando Simão (Direito civil:
Pode indagar-se, ainda, se seria lícita a estipulação de cláusula de não contratos, p. 46), ao lecionar que o pressuposto da regra de exclusão de res-
indenizar para o caso de não integração do terceiro ao negócio originário, ponsabilidade, nestes casos, fundamenta-se no direito do cônjuge de vetar
sendo que a resposta parece ser positiva, desde que aquela esteja contida em o aperfeiçoamento de dado negócio jurídico, não podendo ser sancionado,
negócio paritário. ainda que indiretamente, em razão do exercício regular de um direito, hipótese
132 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 133

que se configura especialmente nos contratos translativos de propriedade, este último estará obrigado à prestação contratada, a qual tem, normalmente,
nos quais há, em regra, a necessidade de consentimento do cônjuge (Luiz natureza de obrigação de dar, muito embora possa consistir em um fazer ou
Guilherme Loureiro. Contratos no novo Código Civil: teoria geral e contratos mesmo um não fazer.
em espécie, p. 191). Assevere-se que devem estar presentes nesta modalidade negocial três
pessoas: o estipulante, pessoa que se reserva ao direito de nomear outro para
4. DO CONTRATO COM PESSOA A DECLARAR tomar sua posição contratual; o eleito, consubstanciando-se naquele que pode
Em inúmeras situações ocorridas no mundo dos fatos, é possível que uma ser indicado a integrar o negócio caso aceite a nomeação; e o promitente, con-
das partes se reserve o direito de declarar, em determinado prazo e mediante tratante que aceita, desde logo, a substituição futura do parceiro originário.
ajuste expresso, o nome de outrem, a fim de ocupar sua posição contratual. Situação bastante freqüente de utilização da cláusula pro amico eligendo
Isto pode se dar por infinitas razões, como a incerteza de querer ou poder encontra-se no compromisso de compra e venda, no qual o comprador nor-
assumir os efeitos do contrato, por fatores de ordem financeira ou geográfica; malmente se reserva o direito de eleger terceiro para ingressar em seu lugar
por ter o estipulante, pactuado o negócio com escopo meramente lucrativo, ou no momento da lavratura da escritura pública de compra e venda visando à
ainda, pelo fato de a pessoa a ser eleita não desejar figurar como contratante transcrição da titularidade do domínio do imóvel perante o registro imobi-
originário (Paulo Nader. Curso de direito civil: contratos, p. 167). liário, entretanto, a modalidade negocial em questão não se restringe a esta
Nesta última situação, poderá ocorrer que o valor do contrato varie hipótese, sendo inútil, em princípio, apenas quando do ajuste de prestações
consoante quem venha a ser parte no negócio, e desta forma, pode interessar personalíssimas (Carlos Roberto Gonçalves. Direito civil brasileiro: contratos
ao terceiro permanecer estranho à relação até que o contrato se aperfeiçoe; e declarações unilaterais de vontade, p. 152).
muito embora, neste caso, haja uma grande proximidade do exemplo com o Pois bem, uma vez pactuado o contrato, a indicação do terceiro deverá
contrato de comissão. ser promovida no prazo decadencial de cinco dias se outro não for estabelecido
Note-se que nestes casos, não há dois contratos, um substituindo o pelas partes, consoante dita o art. 468 do CC, indicação esta que logicamente
outro, mas sim um único negócio que poderá sofrer um desvio na direção de deverá estar acompanhada da aceitação da pessoa indicada, a qual deve ser
seus efeitos jurídicos, pois é pactuado em nome próprio, pelo estipulante, instrumentalizada pela mesma forma utilizada no contrato, sob pena de
sob condição resolutiva, e em nome alheio, ainda que potencialmente inde- ineficácia, segundo dita o parágrafo único do aludido artigo, ou ao menos,
terminado, quando da contratação, sob condição suspensiva, terceiro a quem de instrumento procuratório outorgado pelo eleito do qual constem poderes
poderão se estender os efeitos negociais diante de sua indicação (Inocêncio especiais e específicos para o ato desejado.
Galvão Teles. Dos contratos em geral, p. 281-282), reflexão com a qual con- Destaque-se inicialmente que a exigüidade do prazo não encontra amparo
corda Guilherme Alves Moreira (Instituições do direito civil português: das plausível, pois como quer Paulo Nader (Curso de direito civil: contratos, p. 174),
obrigações, p. 658). se o objetivo do legislador foi impedir a execução de manobras por parte de
Visando regrar estas situações, a Lei 10.406/2002 supre carência do quem deseja fugir ao pagamento de impostos, como o de transmissão de bens
diploma legislativo revogado e positiva o contrato com pessoa a declarar, imóveis por ato inter vivos, a regra será inócua, despida de efeitos práticos, em
autorizando agora, expressamente, nos termos do art. 467 que “no momento razão da explícita possibilidade de fixação de prazo convencional.
da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de Ademais, ainda acerca da regra analisada, insta destacar, considerando-se
indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele que o legislador impôs a observância de forma para a instrumentalização da
decorrentes”, seguindo a orientação contida no art. 1.401 do Código Civil aceitação, o vício aqui estaria não no degrau da eficácia, mas sim no plano da
italiano, que ao versar sobre a “riserva di nomina del contraente” dispõe que validade, nos termos do art. 166, IV, do CC, sendo, portanto, nula a aceitação
“nel momento della conclusione del contratto una parte può riservarsi la feita sem o respeito ao aspecto cerimonial, com o que concorda José Fernando
facoltà di nominare successivamente la persona che deve acquistare i diritti Simão (Direito civil: contratos, p. 47).
e assumere gli obblighi nascenti dal contratto stesso”. Ato contínuo, saliente-se que uma vez aceita a eleição, desde que obser-
Saliente-se desde já que ao contrário do que ocorre na promessa de fato vados os requisitos formais, o eleito adquire os direitos e assume as obriga-
de terceiro, no caso do contrato com pessoa a declarar, na hipótese do eleito ções decorrentes do contrato a partir do momento em que este foi celebrado,
não se dispor a ingressar na relação negocial, tomando o lugar do estipulante, afastando-se o estipulante definitivamente da relação negocial.
134 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 135

Por outro lado, nos moldes previstos pelo art. 470 do CC, o contrato mediante fixação de preços por meio de lei, nos quais, qualquer majoração
produzirá efeitos apenas entre os contratantes originários nas hipóteses de da tarifa, afeta diretamente um sem número de indivíduos.
não indicação do eleito no prazo ou feita fora dele; se o nomeado se recusar a Imagine-se ainda a hipótese de locação de imóvel situado defronte
aceitá-la ou se este era insolvente e o estipulante desconhecia tal estado fáti- à sede dos Alcoólicos Anônimos visando a instalação de um comércio de
co no momento da indicação, ou ainda, se o eleito era incapaz no momento bebidas alcoólicas como um bar ou botequim, situação de flagrante ofensa a
da nomeação, sendo que, no último caso, o vício aparenta estar no plano da direitos sociais, que não pode ser ignorada em favor da autonomia privada
validade em razão da incapacidade do terceiro para ser parte. (Marcos Jorge Catalan. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios
Saliente-se apenas que a insolvência do eleito deve se dar no momento constitucionais, p. 386).
da indicação e ser desconhecida do promitente, posto que, se este souber do Pense-se ainda no caso de fusão ou incorporação de duas ou mais pessoas
estado de miserabilidade do indicado no ato da nomeação e o aceitou, ou jurídicas cujas conseqüências impliquem na eliminação de produtos do mercado
se apenas após a indicação, é que aquele veio a ocorrer, nada terá a postular e o conseqüente aumento de preços das marcas remanescentes (Marcos Jorge
junto ao estipulante. Catalan. Descumprimento contratual: modalidades, conseqüências e hipóteses
Sobre o assunto, leciona Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de de exclusão do dever de indenizar, p. 55), em prejuízo da coletividade.
direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade É certo que tais situações hão de produzir efeitos perante terceiros cuja
civil, p. 120) que a ciência do promitente acerca da insolvência do eleito é
vontade foi irrelevante na formação dos contratos, como também é escorreito
irrelevante, sendo que sempre a indicação será ineficaz para a substituição
afirmar que aqueles têm na codificação de direito privado e mesmo no texto
almejada, posição com a qual, como frisado acima, não se pode concordar,
constitucional mecanismos de proteção de seus direitos que ultrapassam os limites
haja vista que ciente o promitente da situação econômica negativa do terceiro,
outrora impostos pelo princípio da relatividade dos efeitos dos contratos.
assumirá os riscos de tal estado fático.
Diante de tais premissas, não pode persistir a idéia de que os direitos
Ocorre que neste caso, não havendo violação a quaisquer dos planos
de crédito não podem ter eficácia em face daqueles que não participaram
do negócio jurídico (existência, validade e eficácia) não há como impedir
diretamente da gênese da relação jurídica negocial, os quais, uma vez preju-
a manutenção dos efeitos desejados pelos contratantes, e para além disso,
o que acaba sendo ratificado pelo inciso II, do art. 470 e do art. 299 do CC, dicados por negócios alheios, por certo merecem a tutela estatal em razão da
este último, facultando ao terceiro assumir obrigação alheia desde que haja primazia do princípio da função social, diretriz de ordem pública que impõe
consentimento do credor e que somente não produzirá os efeitos desejados que os contratos e todas as situações jurídicas deles decorrentes devam ser
se o terceiro, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava. analisadas e interpretadas consoante o contexto da sociedade (Flávio Tartuce.
A função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao novo
5. O CONTRATO DEVE RESPEITAR TERCEIROS Código Civil, p. 200) em que se inserem.
Outra diretriz emanada do princípio abordado há de ser analisada, pois Não se pode mais negar que “a tendência social revela aos titulares
atualmente não é possível ignorar que o ordenamento impõe que os negócios dos direitos subjetivos, sensível horizonte diverso: [o do] exercício da soli-
jurídicos pactuados não venham a prejudicar a terceiros, e deste modo, con- dariedade social” (Luiz Edson Fachin, Teoria crítica do direito civil, p. 331),
soante ensina Ricardo Lorenzetti (Fundamentos do direito privado, p. 112), a fruto de um princípio (da função social) que emerge como daquelas matrizes
leitura do princípio da relatividade das convenções foi limitada, estendendo-se hábeis a limitar institutos de cunho individualista, atendendo aos reclames
aos terceiros a possibilidade de tutela de seu direito, de modo preventivo ou da coletividade (Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Direito civil, p.
curativo, se lesados por negócio alheio. 101), promovendo verdadeira justiça distributiva.
De fato, os negócios nascidos da vinculação da vontade das partes Há de se ter em mente que as restrições à autonomia privada não se
contratantes poderão em algumas situações gerar efeitos na esfera jurídico- dão apenas no momento da formação do contrato, pois, em sendo compos-
patrimonial de terceiros, podendo se pensar na hipótese dos contratos entre to por um feixe de obrigações complexas que se desenvolvem como um
o Poder Público e a iniciativa privada que têm por objeto a concessão da processo, pretensos direitos, nascidos de vicissitudes surgidas no curso
administração de rodovias, mediante a cobrança de pedágio; a prestação de da relação negocial, devem ser exercidos à luz dos princípios vigentes, já
serviços de transporte coletivo ou o fornecimento de água ou energia elétrica, que a relação jurídica deve ser lida também durante seu desenvolvimento,
136 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 137

homenageando-se o prisma funcional, e não apenas de modo estático, como no Código de Defesa do Consumidor, fato que por si só não obsta a adoção
olhos no plano meramente genético. desta figura em questões a serem dirimidas pelo direito civil, pois como ex-
Aliás, a função social não deve ser vista como um simples limite, mas em posto no tópico anterior, não se admite que uma relação negocial seja lesiva
verdade, como diretriz que orienta o exercício da autonomia privada, estando a terceiros.
locada no cerne desta e não em suas cercanias. A noção de consumidor by stander encontra-se prevista na seção que trata
Uma última questão surge neste momento e serve como convite à da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, mais especificamente
reflexão do leitor, oriunda de situação concreta havida em solo tupiniquim, no art. 17, ditando este que “para os efeitos desta seção, equiparam-se aos
sintetizando-se em publicidade de pacote turístico para o carnaval, realizada consumidores todas as vítimas do evento”.
por empresa de origem desconhecida e divulgada em sites no universo virtual A expressão é oriunda dos países da common law e que se refere àqueles
e em revista especializada no assunto, prometendo estadia e alimentação em que não participaram da relação negocial, mas que tenham sido lesados por
hotel inexistente, mediante depósito de certa quantia antecipadamente. esta (Silvio Luís Ferreira da Rocha. Responsabilidade civil do fornecedor pelo
Pois bem, o caso em tela é trazido à análise em razão dos contratos fato do produto no direito brasileiro, p. 70), e sua recepção pelo direito pátrio
publicitários pactuados, que logicamente tem uma função social a cumprir, acaba por tutelar os sujeitos que venham a ser lesados, mesmo sem qual-
indagando-se se não estariam obrigadas as empresas que divulgam a infor- quer relação com “adquirente, com o usuário ou com o próprio produto”
mação a checar a veracidade das mesmas, sob pena de responderem também (Adalberto Pasqualotto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de
pelos prejuízos causados? Defesa do Consumidor, p. 79).
A resposta aparentemente é positiva, pois a socialização dos riscos é Desta forma, como quer Claudia Lima Marques (Contratos no Código de
premissa que deriva da leitura constitucional que deve ser promovida defron- Defesa do Consumidor, p. 156) basta que alguém que não seja parte no negó-
te todo o desenvolvimento do processo obrigacional, albergados aqui, como cio seja vítima de um produto ou serviço que é fruto de relação de consumo
observado, também terceiros lesados por contratos alheios. “para ser privilegiado com a posição de consumidor legalmente protegido
pelas normas sobre responsabilidade objetiva previstas” em lei, ou seja, em
6. DA AMPLIAÇÃO DO ROL DOS RESPONSÁVEIS PELA REPARAÇÃO DO DANO E sendo lesado nestes casos, inserir-se-á no suporte fático positivado na Lei
DO CONSUMIDOR BY STANDER: A CONTRIBUIÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA 8.078/1990 e será merecedor da tutela ressarcitória.
DO CONSUMIDOR
Não se pode negar que é louvável o surgimento desta categoria de con-
sumidores por equiparação, justificada por conta da elevação da quantidade
Em frase forte, Ricardo Lorenzetti (Fundamentos do direito privado, p. e gravidade dos acidentes de consumo (Aline Arquette Leite Novais. A teoria
48), sintetiza a essência de todo este capítulo, afirmando que se o direito civil contratual e o Código de Defesa do Consumidor, p. 138) e pela aproximação,
instituiu o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, o direito do cada vez mais intensa, entre dois ramos outrora deveras distantes: o direito
consumidor o implodiu, recebendo apenas alguns dos seus escombros, pois, das obrigações e o direito das coisas.
impõe a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos suportados pelos Como exemplos práticos da utilização da figura do consumidor by stander
consumidores a várias pessoas, dentre elas: o fabricante, o distribuidor, o pode-se imaginar a hipótese de intoxicação alimentar sofrida por quem não
atacadista e o titular da marca, ainda que estes não tenham celebrado negócio tenha adquirido o produto ingerido, ou indo além, o atropelamento de um
algum com a parte lesada. pedestre que caminhava à margem de rodovia concedida à iniciativa privada,
De fato, a Lei 8.078/1990 positiva em seu art. 12 que fabricante, produtor, em acidente causado pela má conservação da pista de rolamento.
construtor e o importador responderão pela reparação dos danos causados
aos consumidores por defeitos decorrentes do produto, e dentre outras re- 7. DA TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO
gras inseridas no aludido diploma, faz com que a antiga parêmia desmorone, Também não pode passar desapercebida a idéia da tutela externa ou
obrigando, nos casos previstos, quem não é parte no contrato a reparar os delitual do crédito (Fernando Noronha. Direito das obrigações, p. 464) que
prejuízos suportados em razão das vantagens indiretamente auferidas. traz ao direito obrigacional a oponibilidade erga omnes inerente aos direitos
Além disso, observa-se a inserção da figura do consumidor by stander reais, na medida em que impõe aos terceiros o dever de não colaborar com a
no direito privado brasileiro, o que se deu em razão da positivação da matéria inexecução das obrigações pactuadas entre as partes.
138 Direito dos Contratos RELATIVIDADE 139

Ímpar salientar que a teoria em questão afasta-se da análise das situações Em solo tupiniquim, segundo Fernando Noronha (Direito das obrigações,
em que houve lesão direta à prestação devida, como pode ocorrer quando do p. 463), as situações em que se pode recorrer à teoria em questão sintetizam-se
perecimento da coisa prometida em razão de fato de terceiro ou na hipótese em dois grandes grupos: o primeiro, quando o terceiro instiga o devedor a deixar
em que a conduta do terceiro impossibilite o desempenho da prestação de de cumprir a obrigação assumida perante outrem e a segunda quando o terceiro
fato, pois nestes casos ter-se-ia, em princípio, o advento da excludente de pactua com uma das partes contrato incompatível com o anterior, motivando
responsabilidade denominada fato de terceiro. o incumprimento deste, sendo evidente que neste último caso, o terceiro deva
Desta feita, o cerne desta discussão está circunscrita às hipóteses de ter ciência da existência do contrato anteriormente ajustado por seu parceiro e
violação de crédito alheio por força da formação de outro contrato entre um do fato de que o novo ajuste impossibilitará o desempenho da prestação ante-
dos contratantes originários e terceiro (Teresa Negreiros. Teoria do contrato: riormente prometida, conhecimento implícito no primeiro caso.
novos paradigmas, p. 241). Consciente da quebra do paradigma, o direito brasileiro rendeu-se à
Caso paradigmático no que pertine à tutela externa do crédito é relatado teoria analisada, não sendo outra a posição do Código Civil ao dispor, no art.
por Antônio Junqueira de Azevedo ao versar acerca dos problemas surgidos 608 que “aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar
com os chamados “postos de bandeira branca”, sustentando o autor haver serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço,
dever de indenizar imposto à terceira empresa que se utilizou da rede de pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos”, regra nascida da
distribuição de outra com a qual não possuía qualquer relação negocial, ofen- manifesta vinculação entre a teoria da tutela externa do crédito e os impulsos
dendo cláusula implícita de exclusividade, especialmente ante o fato daquela éticos que devem motivar a constituição das obrigações em geral (Teresa
que teve seus direitos violados ter feito investimento vultoso em seus “pontos Negreiros. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 250).
de revenda” e a marca da última estar sendo utilizada indevidamente pela Ratificando a assertiva formulada, ímpar destacar o teor do Enunciado 21
primeira em razão da segurança e garantia de negócios que oferece (Estudos aprovado na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ditando
e pareces de direito privado, p. 137 e ss.). que “a função social do contrato prevista no art. 421 do novo CC constitui
Pode-se imaginar também como exemplo a seguinte situação: certa cláusula geral, que impõe a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do
cantora contratada por uma casa noturna comprometera-se a se apresentar no contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”.
futuro, espetáculo este divulgado publicamente, ocasião na qual, ciente deste Observa-se assim, evidente ampliação da tutela dos direitos creditícios,
contrato, outra casa, contrata a aludida cantora para uma turnê a se realizar na medida em que, afastando-se sua pretensa relatividade, impõe a terceiros
no mesmo período, impossibilitando o adimplemento da primeira obrigação o dever de respeitar negociações alheias, quando sua conduta possa causar
assumida, quando, tanto o parceiro inadimplente, como o terceiro, deverão transtornos ao fiel desempenho das obrigações assumidas.
ressarcir os prejuízos suportados pelo credor. 8. RESUMO ESQUEMÁTICO
Em Portugal, Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (Direito
• O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos traduz-se na idéia de
das obrigações, p. 263) ensina que muito embora, em princípio, a celebração
que a obrigação produz efeitos apenas entre aqueles que a pactuaram.
de um contrato incompatível com um anterior não constitua, por si só, a
• A força deste princípio resta mitigada na atualidade.
violação do dever geral de respeitar bens alheios, há de ser respeitado o de-
1. Da estipulação em favor de terceiro
ver específico de não frustrar crédito de outrem, mitigando-se a autonomia
privada e o princípio da relatividade das convenções, não é mais tão relativo • Tem origem negocial, mas não necessariamente contratual;
como outrora. • Impõe a presença de três sujeitos: estipulante, promitente e
Ainda em terras lusitanas, Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das beneficiário;
obrigações, p. 73), a respeito da doutrina do efeito externo, opondo-se à • Nem sempre o beneficiário poderá ser substituído;
orientação clássica que nega que o contrato possa produzir efeitos a qualquer • Pode ser exigida tanto pelo estipulante como pelo beneficiário.
sujeito senão às partes, ensina que, para além do efeito intrapartes, a relação 2. Da promessa de fato de terceiro
jurídica negocial produz também efeitos externos, impondo a terceiros o • Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e
dever de não impedir o adimplemento da prestação. danos, quando este o não executar;
140 Direito dos Contratos

• Após o ingresso do terceiro na relação negocial não remanescerá nenhuma


obrigação para o promitente;
• Se for prometido fato do cônjuge, em regra, não haverá dever de indenizar
se aquele não anuir.
3. Do contrato com pessoa a declarar
• Ocorre quando uma das partes se reserva ao direito de inserir outra em
seu lugar no contrato;
• Prazo: cinco dias ou o convencionado;
• O contrato produzirá efeitos entre os contratantes quando não houver
indicação do eleito; não for observada a forma usada no contrato; se
o nomeado se recusar a aceitá-la ou se este era insolvente e tal fato
era desconhecido, ou ainda, se o eleito era incapaz no momento da
nomeação.
4. Do respeito a terceiros
• A função social do contrato impõe que os negócios jurídicos pactuados
respeitem terceiros, tendo assim eficácia externa.
5. Da ampliação do rol dos responsáveis pela reparação do dano e do
consumidor by stander: a contribuição do Código de Defesa do
Consumidor
• A figura do by stander é tutelada no direito brasileiro.
6. Da tutela externa do crédito
• Terceiros têm o dever de respeitar contratos alheios.
IX
Vícios redibitórios
MARCOS JORGE CATALAN

Bibliografia
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142 Direito dos Contratos VÍCIOS REDIBITÓRIOS 143

Saraiva, 2007 – Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral olhos senão mediante exames ou testes, desvalorizando a coisa ou tornando-a
dos contratos. São Paulo: Atlas, 2002. v. 2 – Silvio Rodrigues. Direito civil: dos contratos e das imprestável ao uso pretendido.
declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3 –Vera Maria Jacob de Fradera.
O direito dos contratos no século XXI: a construção de uma noção metanacional de contrato Como se pode observar, os aludidos conceitos não fogem ao comando
decorrente da globalização, da integração regional e sob influência da doutrina comparatista. insculpido no art. 441 do CC, que para além de ressaltar o que sejam vícios
In:, Maria Helena Diniz (coord.). O direito civil no século XXI. São Paulo: Saraiva, 2003. redibitórios, autoriza ainda, na hipótese do accipiens receber a coisa em con-
trato comutativo, a redibição do contrato, enquanto forma de resolução do
1. NOTÍCIA HISTÓRICA, CONCEITUAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA negócio, ou consoante os termos do art. 442 do mesmo diploma, o abatimento
Os primeiros resquícios de que se tem notícias acerca dos vícios ocultos proporcional do preço em favor do adquirente.
remontam à antiga Grécia, local do surgimento de regra de cunho moral que A seu turno, a natureza jurídica desta figura é deveras controvertida em
inibia fraudes no mercado escravagista, atividade esta considerada essencial sede doutrinária, sustentando-se, dentre outras teses, que suas bases estariam
à manutenção das províncias controladas por aquele povo (José Fernando assentadas no risco, na medida em que, constatado o vício, o negócio seria re-
Simão. Vícios do produto no novo Código Civil e no Código de Defesa do Con- solvido e o alienante ficaria com a coisa ou sujeitar-se-ia a suportar o abatimento
sumidor, p. 44). do preço (Guilherme Alves Moreira. Instituições do direito civil português: das
Já em Roma, berço histórico do instituto, se fazia necessário quando obrigações, p. 608) ou no incumprimento contratual (Silvio de Salvo Venosa.
da conclusão do contrato que o alienante declarasse que a coisa estava isenta Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 542).
de vícios, pois somente assim poderia ser responsabilizado, regra esta que Existe ainda terceira corrente que entende que a natureza jurídica dos
após algum tempo tornou-se obrigatória no comércio de escravos e de certos vícios redibitórios tem fonte na garantia imposta ao alienante, eis que resta
animais dando gênese às ações redibitória e quanti minoris ou aestimatoria excluída do suporte fático hábil à caracterização daquele, a “intromissão de
(Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral fatores exógenos, de ordem psíquica ou moral” (Caio Mário da Silva Pereira.
dos contratos, p. 544). Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade, res-
Atravessando os séculos em rumo à modernidade, saliente-se que as Or- ponsabilidade civil, p. 123), acrescida ao fato de que se encontra prevista em
denações Filipinas também disciplinaram a matéria, dedicando a ela diversos lei que impõe ao alienante o dever de suportar os riscos da coisa (Orlando
artigos, especialmente no tocante à venda de gado e escravos e em suas linhas Gomes. Contratos, p. 94).
já podem ser notados os requisitos necessários à hodierna configuração do Nesse contexto, a assertiva de que o instituto encontra amparo na garantia
vício redibitório (Arnoldo Wald. Obrigações e contratos, p. 267). parece ser o mais adequado, porquanto dita a regra de experiência comum que
Desde cedo é importante destacar que redibir quer significar reaver, o comprador não pode normalmente examinar a coisa minuciosamente de
restaurar, retomar, recuperar o preço pago pela coisa, enquanto estimar quer modo a descobrir vícios que a mesma possua (Silvio Rodrigues. Direito civil:
dizer avaliar, aferir, calcular o prejuízo suportado pelo adquirente da coisa dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 101), bem como
com defeito oculto (Álvaro Villaça Azevedo. Teoria geral dos contratos típicos porque em algumas situações, se faz necessária a comunhão de elementos
e atípicos, p. 94); soluções preconizadas pelo sistema quando presentes os externos para que potenciais problemas sejam detectados, e deste modo, ainda
requisitos necessários à caracterização do vício redibitório. que pudesse analisar a coisa, o vício não se manifestaria.
Aliás, o vício redibitório, segundo Caio Mário da Silva Pereira (Instituições
de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade 2. O REGRAMENTO DA MATÉRIA NO CÓDIGO CIVIL
civil, p. 123) consiste no defeito oculto que afeta a coisa objeto de contrato Há de se destacar inicialmente que a teoria dos vícios redibitórios
comutativo, tornando-a imprópria ao uso a que se destina ou lhe prejudicando se desenvolve, em princípio, no campo dos contratos comutativos, não se
sensivelmente o valor, idéia que não se afasta do conceito dado por Arnaldo restringindo, entretanto, aos negócios translativos de propriedade, sendo
Rizzardo (Contratos, p. 195) ao lecionar que se configura no defeito oculto aplicável também aos negócios em que há apenas a transmissão de posse, e
que torna a coisa imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminui o valor. ainda, à doação onerosa.
A noção de vício oculto também é esposada por José Fernando Simão Deste modo, para além da compra e venda, o instituto em questão pode
(Vícios do produto no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, ser aplicado à locação, permuta, parceria e arrendamento rural, empreitada,
p. 62), ao frisar que ele consiste no defeito cuja existência não se revela aos leasing, hipóteses extraídas dentre outros contratos típicos, e ainda, como
144 Direito dos Contratos VÍCIOS REDIBITÓRIOS 145

exposto, nas doações oneradas com encargo, pois, em todos eles, a relação como se negar a aplicação do instituto; muito embora, na atualidade paire séria
entre a vantagem e o sacrifício inerentes às prestações impostas às partes é dúvida se este tipo contratual deve mesmo ser classificado como aleatório.
economicamente equivalente. Por outro lado, nos negócios gratuitos ou benéficos, ainda que o objeto
Acerca da álea de atuação dos vícios redibitórios, cumpre indagar sobre a contenha vício oculto, não se admite a resolução ou redução do preço, haja
possibilidade de extensão desta figura no regramento dos contratos aleatórios, vista que nestes casos, não há para o solvens qualquer vantagem patrimonial,
como no caso da compra e venda pactuada nas modalidades emptio spei e emptio salvo no caso de doação com encargo, eis que este implica em reciprocidade
rei speratae e ainda do contrato de seguro, sendo que, ao que parece, apesar de prestações.
da inexistência de expressa previsão legal, na medida em que está fundado no Além disso, cumpre informar que há outros requisitos a serem observados
dever imposto ao solvens de garantir ao accipiens a plena fruição da coisa, não para que o lesado possa recorrer aos preceitos legais sobre o tema, dentre eles,
existem óbices à invocação das regras previstas no Código Civil. a ululante necessidade do vício ser oculto, vez que se ostensivo, no regime
A posição adotada é ratificada pela lição extraída do art. 2.164 do Código imposto pelo Código Civil, presume-se aceito pelo accipiens ao receber a coisa,
Civil argentino ao dispor que: “son vicios redhibitorios los defectos ocultos de sendo que a análise deve se pautar pela atitude do homo medius, enquanto
la cosa, cuyo dominio, uso o goce se transmitió por título oneroso, existentes padrão de valoração de conduta.
al tiempo de la adquisición, que la hagan impropia para su destino, si de tal Desta forma, não se reputa oculto o defeito não notado em razão de
modo disminuyen el uso de ella que al haberlos conocido el adquirente, no negligência do credor, mas apenas aquele que não poderia ser averiguado no
la habría adquirido, o habría dado menos por ella”. momento do desempenho da prestação, como no caso da aquisição de um
De fato, muito embora se observe que os sistemas optaram por critérios veículo com problema no motor que só se manifesta após uma hora de uso
diversos, o brasileiro, focado nos negócios comutativos e o argentino, na contínuo ou ainda a compra ou locação pactuada em período de estiagem,
característica da onerosidade, em princípio, por conta do matiz principioló- de um imóvel que alaga na época das chuvas.
gico do equilíbrio material, eventual distorção surgida no curso do processo Mister frisar que nos moldes do art. 503 do CC, se houver a aquisição de
obrigacional em razão de vício oculto merece correção também nestes casos, várias coisas ao mesmo tempo, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição
o que se alcança também pelo processo extensivo de interpretação. de todas, mas apenas da viciada.
Esta reflexão é coroada pelas palavras de Rodrigo Toscano de Brito ao Saliente-se que a entrega de uma coisa por outra não é vício redibitório,
sustentar que “apesar de darem azo a um direito de garantia, na verdade, vê-se eis que como exposto, é da essência do instituto ser o defeito oculto e impedir
que a busca se volta para o equilíbrio e manutenção das legítimas expectati- a utilização da coisa ou diminuir o valor do bem, não servindo como exemplo
vas do comprador do bem que apresenta o vício” (Equivalência material dos a entrega de um veículo com ano inferior ao pretensamente adquirido, haven-
contratos: civis, empresariais e de consumo, p. 145). do neste caso erro, cumprimento inexato, configurando-se o primeiro se o
Há de se ter claro que esta posição não é pacífica, pois há autores que comprador não se apercebeu do detalhe no momento da aquisição e o segundo
entendem que nos contratos aleatórios, o risco da aquisição do objeto no estado quando houver desvio de qualidade por fato imputável ao devedor.
que se encontra faz parte do ajuste (Álvaro Villaça Azevedo. Teoria geral dos É evidente que se for observada dissonância gritante entre a prestação
contratos típicos e atípicos, p. 95), tese que não merece prevalecer a partir do desempenhada e a ajustada entre as partes estar-se-á diante de inadimple-
fato de que tais contratos não se dão apenas nos casos previstos no art. 460 do mento (Marcos Jorge Catalan. Descumprimento contratual: modalidades,
CC como leva a entender o autor, mas sim, em tantas outras hipóteses. conseqüências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar, p. 162), sendo
Imagine-se, como exemplo, a aquisição de uma safra futura de semen- que, a título de esclarecimento, merece ser lembrado que o traço distintivo
tes, pactuada enquanto contrato aleatório, as quais somente após entregues entre inadimplemento e cumprimento inexato está em que o último não con-
e plantadas consoante os padrões exigidos, permitem a aferição de sua este- siste em mero atraso ou em inexecução definitiva, mas sim, em deficiência
rilidade, hipótese em que parece ser ululante a existência de manifesto vício ou defeito na prestação desempenhada, normalmente, de ordem qualitativa
redibitório. (Paulo Nalin. Responsabilidade civil: descumprimento do contrato e dano
Pense-se ainda no contrato de seguro, em que o segurador se obriga a extrapatrimonial, p. 158).
entregar, em caso de sinistro, em vez de dinheiro, coisa da mesma qualidade Outro requisito à caracterização do vício redibitório ata-se ao aspecto
do objeto que veio a perecer, e desde que esta contenha vício oculto, não há temporal, pois o defeito deve ser pré-existente ao momento da alienação,
146 Direito dos Contratos VÍCIOS REDIBITÓRIOS 147

devendo ainda perdurar quando da reclamação, e nesse contexto, defeitos Nalin. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na
supervenientes que afetem a coisa já incorporada ao patrimônio do adquiren- perspectiva civil-constitucional, p. 226).
te, serão por ele suportados, e se cessarem, deixarão a demanda sem objeto Ademais, não se impondo ao alienante o dever de reparar os danos
(Maria Helena Diniz. Curso de direito civil: teoria das obrigações contratuais suportados pelo adquirente na hipótese do primeiro desconhecer o vício,
e extracontratuais, p. 120). automaticamente inverte-se toda a teoria que inspira do direito de danos,
Imagine-se aqui, como exemplo de vício redibitório, o ocorrido na aqui- pois ainda que desconheça o defeito, o fato é evidentemente imputável ao
sição de animal que traz encubado certo vírus, responsável por sua morte ou alienante, pois teve gênese enquanto o objeto estava em sua esfera de atuação,
incapacidade para o fim a que se destina, hipótese em que, se o animal morrer tanto que o mesmo será obrigado a receber o bem de volta ou até mesmo a
ou não prestar ao fim a que se destina, o vendedor responde pelo vício, en- suportar o prejuízo no caso de perecimento do mesmo.
tretanto, sobrevivendo o animal sem seqüelas, nada haverá a reclamar, senão O que não pode se aceitar é que os danos sejam suportados pelo adquirente
as despesas de tratamento se existirem, consoante se demonstrará dentro da coisa, que teve pouco tempo para aferir a presença de vícios, impondo-lhe o
em breve. Enfim, se a patologia for adquirida após a tradição, impõe-se ao dever de arcar com despesas as quais não deu causa, e deste modo, o comando
comprador os ônus financeiros oriundos do perecimento. do art. 443 do CC merece urgentemente ser reestruturado.
Destaque-se, ademais, que nos moldes previstos no art. 441, caput, do CC, À luz de tais considerações, não se olvida acerca da possibilidade de
não será qualquer defeito que autorizará a redibição do negócio ou a proposi- estipulação de cláusula penal, liquidando a forfait, isto é, antecipadamente,
tura de ação visando a redução do preço, mas apenas aqueles que efetivamente os prejuízos eventualmente suportados pelo accipiens.
prejudiquem a utilidade da coisa, tornando-a inapta às suas finalidades ou Ainda sobre o assunto, cumpre indagar se seria válida cláusula que afaste
reduzindo sua expressão econômica (Maria Helena Diniz. Curso de direito a responsabilidade do alienante atestando que desconhece os vícios pré-exis-
civil: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 120). tentes, situação possível no sistema recém sepultado e, felizmente, ignorada
Como se observa, o defeito deve ser grave, podendo ser lembrados como pela codificação vigente, consoante se extrai da lição de Jones Figueirêdo
exemplos o do touro obtido onerosamente visando a reprodução, mas que se Alves (Novo Código Civil comentado, p. 394) ao afirmar que o alienante não
mostra estéril; o de animais adquiridos com doença que causa sua morte ou pode mais se furtar a sua responsabilidade sob alegação de desconhecimento,
o veículo comprado com vício oculto no sistema de freios. ainda que haja cláusula expressa.
Frise-se ainda que estando a coisa em poder do adquirente, se esta vier a De fato, na medida em que se opta por um sistema aberto, em que função
perecer, o alienante não se exime do dever de repor a situação ao estado fático social e boa-fé objetiva hão de imperar como premissas essenciais à manuten-
em que se encontrava antes do negócio, pois se é certo que res perit domino ção do equilíbrio das relações jurídicas, resta hialino que o individualismo da
também é escorreito que se o perecimento resulta do vício oculto, responde regra revogada não possui lugar.
por ele o alienante, a quem seria a coisa devolvida se ainda existisse, aliás, regra Por outro lado, partindo-se da premissa de que o Código Civil se ocupa
esta positivada no art. 444 do CC, estando, neste caso, obrigado à repetição de relações normalmente paritárias, perfeitamente lícito será o ajuste de cláu-
do valor recebido devidamente corrigido. sula limitando a responsabilidade do alienante no que tange a indenização
Mas como solucionar as hipóteses em que a entrega da coisa viciada ou até mesmo afastando-a, haja vista que as regras inerentes à matéria são de
afeta o patrimônio do accipiens? O art. 443 do CC tenta resolver a questão natureza supletiva, portanto, não cogentes, podendo ser alteradas pela vontade
ao dispor que se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o das partes (José Fernando Simão. Vícios do produto no novo Código Civil e no
que recebeu com perdas e danos, mas que se não conhecia o mesmo, somente Código de Defesa do Consumidor, p. 125), sendo evidente que tal ajuste não há
devolverá o valor recebido acrescido das despesas do contrato. de prevalecer se o devedor sabia do vício e omitiu tal informação ao credor.
Indaga-se o acerto da regra à luz dos princípios que informam o direito Em idêntico sentido a lição de Louis Josserand (Derecho civil: teoría ge-
vigente, em especial diante das diretrizes impostas pela boa-fé objetiva, fonte neral de las obligaciones, p. 503), para quem “la estipulación de no garantía no
dos deveres laterais de conduta, dentre eles: o dever de cooperação, e pelo podría llegar hasta poner al acreedor a merced de su deudor, que de no ser así,
princípio da função social do contrato, que se analisada em seu prisma interno, no quedaría comprometido sino bajo una condición puramente potestativa,
implica na observância da cláusula constitucional da solidariedade (Paulo lo que equivale a decir que no quedaría comprometido en absoluto”.
148 Direito dos Contratos VÍCIOS REDIBITÓRIOS 149

Neste condão o art. 2.166 do Código Civil argentino merece ser lembrado, sua reestruturação é providência que urge, pois as partes possuem o dever de
ao ditar que “las partes pueden restringir, renunciar o ampliar su responsa- cooperar com a natural extinção do processo obrigacional.
bilidad por los vicios redhibitorios, del mismo modo que la responsabilidad De fato, o que é a redibição do contrato senão uma espécie de resolução
por la evicción, siempre que no haya dolo en el enajenante”. em razão de incumprimento, haja vista que o ordenamento impõe àquele que
Desse modo, eventual cláusula de não indenizar só será lícita se o entregou prestação que contenha vício oculto, o dever de suportar os prejuízos
adquirente for advertido do risco potencial e aceitar suportar suas conse- da coisa entregue com defeito, e afastada aqui a questão das perdas e danos já
qüências. delineada, as conseqüências de uma e outra situação são bastante semelhantes
É importante lembrar que ao contrário do que ocorria no revogado Código à luz do direito tupiniquim e de toda a dogmática acerca dos temas, pois em
Civil, o qual não admitia a figura dos vícios redibitórios quando o objeto fosse essência, buscar-se-á o retorno ao stato quo ante.
adquirido em hasta pública, em razão de penhora visando garantir crédito Conforme se verifica, enquanto exceção ao princípio da manutenção dos
alheio, sob a justificativa de que inexistia o elemento volitivo e que a prévia efeitos dos contratos, também conhecido como favor negotti, é evidente que
exposição dos bens permitiria minudente exame do objeto a ser comprado, o direito a redibição dos contratos não pode ser exercido de modo absoluto,
atualmente isto é possível. sendo ululante que em regra, como quer Flávio Tartuce (A função social dos
Assim, ainda que o bem seja obtido em leilão judicial, remanesce a ga- contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil, p. 105),
rantia legal no caso de conter a coisa vício oculto (Carlos Roberto Gonçalves. há necessidade de que sejam mantidos os negócios celebrados e aperfeiçoa-
Direito civil brasileiro: contratos e declarações unilaterais de vontade, p. 116), dos, em busca da consolidação de um sistema jurídico justo e coerente, idéia
eis que de outro modo o devedor espoliado de seu patrimônio obteria injusto ratificada pelo Enunciado 22 aprovado na I Jornada de Direito Civil do Con-
enriquecimento, ainda que indireto. selho da Justiça Federal, dispondo que “a função social do contrato, prevista
3. AS OPÇÕES DADAS AO LESADO no art. 421 do novo CC, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de
conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.
Uma vez constatado o vício, o solvens tem a seu favor as chamadas ações
Ademais, a manutenção dos efeitos dos contratos, escora-se ainda na
edilícias, expressão que homenageia os edis curules, responsáveis, na antiga
conservação da estabilidade econômica (Vera Maria Jacob de Fradera. O
Roma, por atuar junto aos mercados escravagistas para solucionar eventuais
problemas surgidos neste ramo de atividade (Carlos Roberto Gonçalves. Direito direito dos contratos no século XXI: a construção de uma noção meta-nacional
civil brasileiro: contratos e declarações unilaterais de vontade, p. 111). de contrato decorrente da globalização, da integração regional e sob influência
da doutrina comparatista, p. 551), posto que não se olvida que o contrato
Da leitura conjunta dos arts. 441 caput e 442 do CC, afere-se que o
é o principal instrumento destinado à circulação de mercadorias e ao con-
lesado poderá redibir o contrato, por meio da ação redibitória, ou postular a
redução proporcional do preço, mediante utilização da ação quanti minoris ou sumo de bens (Luiz Edson Fachin. Novo conceito de ato e negócio jurídico:
aestimatoria, e dessa forma, em se constatando a presença de vício redibitório, conseqüências práticas, p. 61) e que este não pode desmoronar em razão de
o accipiens deverá optar por devolver a coisa ao solvens e receber o valor pago, pequenos tremores surgidos no desenvolvimento do processo obrigacional,
devidamente corrigido ou a obter proporcional redução do preço. tremores estes que talvez abalem o negócio e imponham a troca de alguns
A doutrina clássica entende que tal escolha é uma alternativa que se vitrais, mas que não serão aptos a transformá-lo em escombros.
confere ao lesado, podendo exercitar quaisquer das pretensões autorizadas Portanto, incumbe àquele que pretende redibir o contrato, demonstrar
pelo Código Civil, devendo, entretanto, prosseguir na via eleita sem a facul- que o vício oculto é tamanho que torna inviável a manutenção do negócio ou
dade de revê-la (Silvio Rodrigues. Direito civil: dos contratos e das declarações que o objeto tal qual se encontra não se presta a satisfazer suas necessidades,
unilaterais de vontade, p. 109), posição esta que não se coaduna com as ho- prova a ser promovida à luz de critérios objetivos.
diernas diretrizes que regem o florescente direito civil brasileiro que exsurge É evidente que a fim de se evitar a violação dos princípios da economia
neste novo milênio. processual e da celeridade, ululante a necessidade de autorizar-se o lesado a
Em conseqüência, sustenta-se que apenas se o vício não puder ser sanado promover sucessivamente os pedidos de redibição e o de redução proporcional
e vier a trazer efetivo prejuízo ao solvens terá ele direito a redibição, e se esta do preço, especialmente até que haja segurança no que pertine ao que seja
não for a melhor leitura das regras contidas no Código Civil acerca do tema, vício substancial hábil a autorizar o caminho mais drástico.
150 Direito dos Contratos VÍCIOS REDIBITÓRIOS 151

Parece ainda que nada obsta ao lesado exigir que o objeto adquirido Código Civil (José Fernando Simão. Direito civil: contratos, p. 54), outros-
com vício oculto seja levado a conserto às custas do alienante, reflexão que sim, nestas situações, nos moldes do art. 446, o adquirente deverá notificar
se alcança a partir da manifesta possibilidade de diálogo entre as codificações o alienante acerca do defeito existente nos trinta dias seguintes ao seu desco-
vigentes, no caso, entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, brimento, sob pena de decadência, exigindo solução para o problema.
frisando-se, ademais, que esta posição respeita o princípio do favor negotti, Assevere-se que não se trata de prazo para o ajuizamento de ação, mas
no vernáculo, conservação do negócio jurídico. para simples comunicação do defeito ao alienante e não resolvida a questão,
Aliás, outro não é o caminho trilhado pelo direito francês, que susten- abrir-se-á ao adquirente a possibilidade de buscar o Poder Judiciário, por meio
ta estar proibida a redibição quando o juiz verificar que o vício é irrisório, do instrumento processual pertinente (Silvio de Salvo Venosa. Direito civil:
mantendo assim a estabilidade desejada das relações negociais (Caio Mário teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 552).
da Silva Pereira. Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral Deveras importante é a lição de José Fernando Simão (Impedimento e
de vontade, responsabilidade civil, p. 128). suspensão da prescrição e da decadência, p. 24-27), para quem o art. 446 do
Para além disso, o lesado deve estar atento aos prazos estipulados pelo CC traz consigo regra impeditiva do fluxo dos prazos legais para exercício
legislador, de natureza manifestamente decadencial, eis que visam a extinção das pretensões redibitória ou quanti minoris, apresentando-se como efetiva
ou modificação da relação originária (José Fernando Simão. Aspectos con- revolução em relação ao sistema anterior que não aceitava que os prazos
trovertidos da prescrição e decadência na teoria geral dos contratos e contratos decadenciais pudessem ser paralisados, acrescentando ainda, que o lapso
em espécie, p. 359), o que fora ratificado pelo Enunciado 28 aprovado na I temporal de trinta dias se presta apenas para o exercício do dever lateral de
Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários informação, cuja sanção, em caso de inobservância, se encontra na lei, na
do Conselho da Justiça Federal, ditando que “o disposto no art. 445, §§ 1.º
medida em que as partes têm o dever de cooperar com o esperado fim do
e 2.º, do CC reflete a consagração da doutrina e da jurisprudência quanto à
processo obrigacional.
natureza decadencial das ações edilícias”.
Aliás, pensar de outro modo implica, como quer Caio Mário da Silva
Ato contínuo, nos moldes do art. 445, caput, do CC, o prazo para ajuiza-
Pereira (Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade,
mento da ação é de trinta dias se a coisa for móvel e de um ano se for imóvel,
responsabilidade civil, p. 128) em manifesta fonte de injustiça, haja vista que,
começando a fluir com a entrega do bem e reduzindo-se pela metade se o bem
na hipótese de ajuste de garantia legal, em aparecendo o vício, pode ocorrer
já estava em poder do accipiens, regra esta aplicável quando o defeito é aferido
tão logo a coisa seja entregue a ele. que o lesado tenha prazo menor que o estabelecido em lei para exercitar seu
direito, nascendo daí verdadeiro contra-senso.
Ocorre que é manifesto que o defeito, em algumas situações, como no
caso de imóvel que sofre com alagamentos, pode demorar a surgir, e nestes Neste condão, imagine-se a compra de imóvel em cuja minuta se in-
casos, o prazo se inicia com a ciência do mesmo, até o prazo máximo de cento sere cláusula ditando que o vendedor se responsabiliza, para além do prazo
e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis, previsto em lei, pelo surgimento de vícios redibitórios por mais um ano; mas
sendo que tais prazos funcionam como garantia legal, consoante se extrai do que o defeito aparece sessenta dias após a imissão na posse do comprador,
§ 1.º, do art. 445, do CC; e surgindo o vício dentro deste lapso temporal, terá situação em que este terá apenas mais trinta dias para exercer seu direito,
o lesado os prazos do caput da referida regra, para propor a ação cabível, cujo em detrimento do prazo ordinário de um ano para ajuizamento de uma das
início se dá com o aparecimento daquele. ações cabíveis.
Imperioso destacar o teor do Enunciado 174, aprovado na III Jornada do Cumpre informar ainda que no caso de aquisição de animais que con-
Conselho da Justiça Federal, versando que “em se tratando de vício oculto, o tenham vícios redibitórios, os prazos de garantia serão os estabelecidos em
adquirente tem os prazos do caput do art. 445 para obter redibição ou abatimento lei especial e na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se os prazos gerais
de preço, desde que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no parágrafo supletivamente.
primeiro, fluindo, entretanto, a partir do conhecimento do defeito”. Tal regra encontra respaldo em razão das peculiaridades inerentes à
Oportuno lembrar que a garantia poderá ser ampliada a critério das partes, matéria, pois em se tratando de animais, situação em que é freqüente o uso
em razão da autonomia privada, impedindo assim, enquanto aquela perdurar, de expressões como “vaca parida”, “vaca para recria”, “boi mocho”, nada
a fruição do prazo decadencial para o exercício dos direitos assegurados pelo mais adequado que o reenvio às máximas de experiência, especialmente
152 Direito dos Contratos VÍCIOS REDIBITÓRIOS 153

porque poderá ocorrer de a doença estar incubada e só se manifestar algum possível invocar-se a teoria ora analisada, eis que se trata de norma de ordem
tempo depois. pública, por conseqüência, inderrogável pela vontade das partes, raciocínio
que ratifica a tese sustentada anteriormente de que os vícios redibitórios
4. VÍCIOS OCULTOS VERSUS VÍCIOS APARENTES: CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO podem se dar também em contratos aleatórios.
DOS TEMAS Tem-se também que os defeitos que afetam os bens de consumo, ao
Cumpre, por fim, analisados os requisitos necessários à caracterização contrário dos vícios redibitórios, não precisam ser ocultos, bastando que
dos vícios redibitórios, diferenciá-los de outra figura, trazida ao direito pátrio existam, outrossim, faculta-se ao fornecedor o direito de substituir o produto
por meio da teoria do vício do produto ou serviço, com o advento do Código viciado em até trinta dias, sob pena de abrir-se ao consumidor o direito de
de Defesa do Consumidor, instrumento de salvaguarda do vulnerável, pólo postular a substituição do produto, a restituição imediata da quantia paga ou
mais fraco nas relações jurídicas que não são paritárias, ou seja, não são dis- o abatimento proporcional do preço, homenageando-se assim a estabilidade
cutidas em pé de igualdade. das relações negociais.
Destaque-se que a Lei 8.078/1990 (CDC) nasce com o escopo de tutelar A diligência da parte, no momento da formação do contrato, no que
a grande massa populacional que compõe uma sociedade que a cada dia se pertine a aferição de vícios é indiferente à caracterização do suporte fático
depara com a oferta crescente de produtos e serviços, prática que traz consigo previsto na lei.
um número alarmante de abusos, antes enviado ao regramento do Código Ademais, é dispensada pelo Código de Defesa do Consumidor a gravidade
Civil há pouco sepultado e à sua feição manifestamente egoísta e protetiva do defeito (Odete Novais Carneiro Queiroz. Da responsabilidade por vício do
do patrimônio. produto e do serviço, p. 162), e uma vez criado um regime de responsabilidade
O diploma consumerista, em especial por conta de seus princípios, é de por vícios de qualidade, por impropriedade ou por inadequação, basta que tal
grande valia na busca do acesso à ordem jurídica justa mediante a concreção produto apresente quaisquer daquelas características para ser suscetível de ser
do direito enquanto instrumento de redução de desigualdades e aplicação de coberto pela garantia (Idem, p. 114), destacando-se ainda que não prevalecerá
justiça, haja vista que como quer Mauro Cappelleti (Problemas de reforma do cláusula que preveja isenção ou redução de responsabilidade do adquirente.
processo civil nas sociedades contemporâneas, p. 11) o direito em geral deve É evidente que tendo a lei especial o objetivo de tutelar o pólo mais fraco
ser examinado levando-se em conta a perspectiva dos usuários e não apenas da relação jurídica, em homenagem ao princípio da equivalência material,
a de seus produtores. eventual cláusula de irresponsabilidade não há de prevalecer, sendo caracte-
Por conta disto, no que pertine ao presente capítulo, observa-se uma rizada como nula nos termos do art. 51, I, da aludida norma.
espécie de aperfeiçoamento da teoria dos vícios redibitórios; a ser utilizada Por outro lado, há similaridade no que pertine à necessidade de que o
apenas nas relações de consumo e não as relações paritárias sob pena de ser defeito deva pré-existir à tradição do objeto ou ao menos, sua origem deve
fonte de desequilíbrio; que nasce a partir da construção de uma teoria da estar ligada a fato pretérito, pois se imputável ao consumidor ou a terceiro não
responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, consoante ditam os arts. ligado ao fornecedor, este último estará isento de responsabilidade.
18 a 25 da Lei Especial. Cumpre lembrar que o Código de Defesa do Consumidor possui prazos
Em apertada síntese, eis que o estudo da Lei Especial não é o principal próprios para que o consumidor exercite seus direitos em juízo, concedendo-se
foco deste trabalho, tem-se que os fornecedores de produtos respondem pelos a ele trinta dias no caso de bens não duráveis e noventa dias no caso de produtos
vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados duráveis, ampliáveis por convenção das partes; sendo ainda possível obter-se
ao consumo a que se destinam, lhes diminuam o valor, ou cujas informações interrupção do prazo decadencial quando for formulada reclamação perante
estejam em disparidade com a utilidade esperada, podendo o consumidor o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente,
exigir a substituição das partes viciadas, a troca do produto ou a resolução que deve ser transmitida de forma inequívoca ou quando instaurado inquérito
do negócio pactuado. civil, até o momento de seu encerramento.
Em uma análise comparativa, parte-se do fato de que os contratos re- Importante frisar que se o defeito for oculto, estes mesmos prazos se
gidos pelo Código de Defesa do Consumidor são necessariamente onerosos, abrem em favor do consumidor a partir do seu surgimento, não havendo na
muito embora não necessariamente comutativos, sendo que a quaisquer lei momento temporal limitativo da responsabilidade do fornecedor nestes
negócios pactuados dentro da álea de atuação da norma em questão será casos, havendo de se ter em conta a vida útil do produto (Luís Daniel Pereira
154 Direito dos Contratos VÍCIOS REDIBITÓRIOS 155

Cintra. Anotações sobre os vícios, a prescrição e a decadência no Código de Defesa Juiz de Direito Mário Roberto Fernandes Côrrea bem apreciou a
do Consumidor, p. 142) e invocando-se, nestes casos, o princípio da boa-fé espécie em razão do que se apresentou aos autos. É de se destacar,
enquanto critério hermenêutico integrativo. especialmente, o mérito do raciocínio prático adotado pelo ma-
Sobre o assunto é imperioso destacar que em recentíssima decisão pro- gistrado a quo, principalmente perante complexa prova pericial,
ferida pelo TJRS, fora ampliada a garantia legal para além dos prazos fixados contrapondo e detalhando com logicidade as teses propostas e
no Código de Defesa do Consumidor, fazendo isto em razão da necessidade eliminando as premissas inócuas e incontroversas, em um lúcido
de proteção da confiança depositada no cumprimento do contrato de modo e laborioso trabalho de silogismos, o que, finalmente, possibilitou
adequado, que no caso específico, não se encerra com a entrega do bem, a adequada solução da demanda. Por isso mesmo e para evitar
tautologias, adoto a decisão recorrida como razões de decidir,
mas sim, na certeza de que este será usufruído por prazo razoável, pois cada
transcrevendo-a na sua fundamentação. (...) O autor fala na inicial
produto carrega consigo uma expectativa de durabilidade, a ser aferida em
em ter sido surpreendido com um estrondo vindo da parte inferior
caso concreto.
do veículo, o que dá a dimensão de que houve simplesmente a
Eis os trechos mais importantes do voto condutor “(...) A ação foi ruptura do componente, sem a ocorrência das características men-
intentada sob a alegação de defeito no automóvel novo, fabricado cionadas. Se qualquer condutor minimamente atento identificaria
pela apelante, o qual teria proporcionado despesas financeiras. O esta situação, não foi isso o que ocorreu. E nenhum motivo há para
caso em exame expõe a cultura predominante no trato fabricante ser desacreditado o requerente que fora o adquirente do veículo
e consumidor: bens de consumo são projetados e fabricados para novo e fazia as revisões periódicas na concessionária autorizada,
durarem o necessário prazo de garantia. Aqui pequena digressão: em evidente demonstração da relevância que dava à manutenção,
determinados bens tinham prazo de garantia de um ano. Depois notadamente à assistência técnica especializada. (...) Tem-se, então,
de inúmeras decisões judiciais reconhecendo que o prazo do CDC que a ruptura originou-se da fadiga do material quando em esforço
seria somado a tal, passaram os fabricantes ao seguinte acréscimo: normal de funcionamento do componente, ou seja, dentro daque-
um ano de garantia aí já incluído o prazo legal. Reforço a teoria la solicitação que é compatível com o seu desempenho. Nesse
supra: fabricam esperando durabilidade restrita ao prazo de garantia. sentido, pode-se afirmar que a resistência para qual é planejado e
A obsolescência xx veja se não seria obsolescência xx geral pelo fabricado o componente mecânico, não superou a exigência que
avanço tecnológico mascara a realidade da durabilidade dos bens lhe era compatível realizar”. Superadas essas questões, também
de consumo: aparelhos eletrônicos, dentre outros, com garantia de restam superadas todas as argumentações da ré Peugeot. A sen-
um ano, são substituídos por modelos de maior avanço técnico em tença, com fulcro nas análises, laudos e pareceres colacionados
menor prazo; proprietários afoitos na busca de novidades (na maior aos autos (lembrando que fora realizada análise química da biela
parte das vezes desnecessária), compram sem a menor preocupação fraturada que demonstrou falhas estruturais do local da fratura),
de quanto tempo vai ele vai durar; isso não importa, pois certamente traz importante elucidação sobre as alegadas causas do problema
novos vão surgir em menor prazo. Oportuno o seguinte registro: denunciado no motor, evidenciando que fica incontroverso que a
duas montadoras nacionais estão convidando seus clientes para ruptura do material em discussão deu-se por fadiga em condições
testar seus veículos 2008. Acreditem, estamos em março de 2007 normais de uso, o que denota a falha na resistência e na confecção
e oferecem modelos 2008 para teste. Ora, dois pesos duas medi- da peça, fabricada fora dos padrões normais de qualidade. Isto,
das: se uma montadora de veículos financia por meio de banco por si só, denuncia defeito de fabricação. Não se pode olvidar
pertencente ao conglomerado, veículo em 60 meses, certamente que veículos de tal natureza não são projetados para que tenham
espera que tal bem dure os cinco anos, pois ele próprio é a garantia. vida útil passageira, são feitos para durar. No entanto, o defeito
Inadmissível na espécie que o veículo apresente defeitos dentro de apresentou-se antes do esperado, antes do tempo cogitado pelo
tal prazo, sendo admitidos apenas aqueles desgastes inerentes ao consumidor quando adquiriu o bem. Por conta disso, a legislação
próprio uso (pneus, amortecedores, velas etc.). Os bens de con- brasileira protege a confiança que o consumidor deposita no
sumo devem ter um prazo razoável de vida útil, nunca restrito ao vínculo contratual, mais precisamente na prestação, na sua ade-
prazo de garantia. Não obstante o descontentamento da empresa quação ao fim que razoavelmente se espera dela, assim como a
recorrente, tenho que a sentença prolatada pelo eminente Doutor confiança na segurança do produto colocado no mercado. Neste
156 Direito dos Contratos VÍCIOS REDIBITÓRIOS 157

caso, é irrelevante a noção de culpa como geradora da responsa- qual seja a vida útil do produto” (TJRS, 10.ª Câm. Cível, Ap. Cível
bilidade civil. Aqui o fundamento é a o dever de qualidade. E, no 70.014.964.498, rel Jorge Alberto Schreiner Pestana). Citado por
caso, estamos diante de um vício na qualidade desse produto, o Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consu-
qual tomou o bem impróprio para o uso. Observando, pois, que midor, p. 1.022-1.023.
este veio viciado de origem, por uma falha na sua adequação, a
responsabilidade do fabricante nasce da simples violação do dever 5. RESUMO ESQUEMÁTICO
legal, desimportando se tinha ou não conhecimento do vício. (...)
Então, queda incontroverso que no caso em debate configurou-se 1. Notícia histórica, conceituação e natureza jurídica
a presença de vício, sendo este oculto, somente apareceu com a 2. O regramento da matéria no código civil
utilização do bem no curso do tempo. Deste modo, observada a • Os vícios redibitórios se desenvolvem no campo dos contratos comuta-
expectativa de durabilidade um automóvel, como o aqui discuti- tivos, mas podem estar presentes em contratos aleatórios;
do, verifica-se que o autor viu-se frustrado na confiabilidade que • Não se restringem aos negócios translativos de propriedade;
depositou na adequação do produto ao adquiri-lo. Acrescento que • O defeito deve ser oculto e impedir a utilização da coisa ou diminuir o
a argumentação expendida tem conforto na doutrina: “Se o vício valor do bem;
é oculto, porque se manifesta somente com o uso, a experimen- • Deve ainda ser pré-existente ao momento da alienação, devendo perdurar
tação do produto ou porque se evidenciará muito tempo após a quando da reclamação;
tradição, o limite temporal da garantia legal está em aberto, seu
• O perecimento da coisa em poder do adquirente não exime a respon-
termo inicial; segundo o § 3.º do art. 26, é a descoberta do vício.
sabilidade do alienante;
Somente a partir da descoberta do vício (talvez meses ou anos após
• Ainda que o bem seja obtido em leilão judicial, remanesce a garantia
o contrato) é que passarão a correr os 30 ou 90 dias. Será, então,
legal no caso de conter a coisa vício oculto.
a nova garantia legal eterna? Não, os bens de consumo possuem
uma durabilidade determinada. É a chamada vida útil do produto. 3. As opções dadas ao lesado
Se se trata de videocassete, por exemplo, sua vida útil seria de oito • Ação redibitória e ação quanti minoris ou aestimatoria;
anos, aproximadamente; se o vício oculto se revela nos primeiros • Os prazos são decadenciais, de trinta dias se a coisa for móvel e de um
anos de uso há descumprimento do dever legal de qualidade, há ano se for imóvel, começando a fluir com a entrega do bem.
responsabilidade dos fornecedores para sanar o vício. Somente se 4. Vícios ocultos versus vícios aparentes: critérios para a delimitação dos
o fornecedor conseguir provar que não há vício, ou que sua causa temas
foi alheia à atividade de produção como um todo, pois o produto • Os vícios no CDC não precisam ser ocultos;
não tinha vício quando foi entregue (ocorreu mau uso desmesurado • No CDC se dispensa a gravidade do defeito;
ou caso fortuito posterior), verdadeira prova diabólica, conseguirá • Como ocorre no CC, no CDC o defeito deva pré-existir à tradição do
excepcionalmente se exonerar. Se o vício aparece no fim da vida objeto;
útil do produto a garantia ainda existe, mas começa a esmorecer,
• Os prazos no CDC são de trinta dias no caso de bens não duráveis e
porque se aproxima o fim natural da utilização deste, porque o
noventa dias no caso de produtos duráveis, ampliáveis por convenção
produto atingiu já durabilidade normal, porque o uso e o desgaste
das partes.
como que escondem a anterioridade ou não do vício, são causas
alheias à relação de consumo que como se confundem com a
agora revelada inadequação do produto para seu uso normal. É a
morte prevista dos bens de consumo. Em outras palavras, caberá
ao Judiciário verificar se o dever do fornecedor de qualidade (du-
rabilidade e adequação) foi cumprido. Se o fornecedor não violou
o seu dever ao ajudar a colocar no mercado aquele produto, não
haverá responsabilidade. Neste sentido, a garantia legal de ade-
quação dos produtos com vício oculto tem um limite temporal,
EVICÇÃO 159

1. NOÇÕES GERAIS
Segundo relata Orlando Gomes (Contratos, p. 96-97) a evicção consiste
X na garantia imposta por lei, que obriga àquele que figura como alienante em
contrato comutativo translativo de propriedade a responsabilizar-se pela
manutenção do direito transmitido, defendendo a posição assumida pelo
Evicção adquirente em relação a pretensões de terceiros quanto ao domínio recebido,
MARCOS JORGE CATALAN preenchendo-se seu suporte fático quando o comprador perde o bem adquirido,
Bibliografia por força de decisão judicial que reconhece direito alheio sobre a coisa.
Sem fugir a esta idéia, Eduardo Espínola (Dos contratos nominados no
Alexandre Freire Pimentel. Evicção e denunciação da lide no novo Código Civil. In: Mário direito civil brasileiro, p. 125) defende que não se olvida que prestar a evicção
Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves (coord.). Questões controvertidas no novo Código
consiste na obrigação imposta ao vendedor de excluir qualquer pretensão de
Civil. São Paulo: Método, 2003 – Álvaro Villaça Azevedo. Teoria geral dos contratos típicos e
outrem no que pertine ao direito transmitido.
atípicos. São Paulo: Atlas, 2002 – Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001
– Arnoldo Wald. Obrigações e contratos. São Paulo: RT, 2000 – Aroldo Plínio Gonçalves. Da A seu turno, Arnoldo Wald (Obrigações e contratos, p. 280) leciona
denunciação da lide. Rio de Janeiro: Forense, 1995 – Caio Mário da Silva Pereira. Instituições que a evicção se dá quando “o adquirente perde a posse ou a propriedade
de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade civil. Atualiz. de determinado objeto, em virtude de sentença judicial, que [a] atribui à
Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de terceiro, reconhecendo que o alienante não era titular legítimo do direito
direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 3 – Carlos Roberto Gonçalves. Direito que transferiu”.
civil brasileiro: contratos e declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2004. v. Da análise destas assertivas afere-se uma primeira celeuma a ser dirimida,
3 – Eduardo Espínola. Dos contratos nominados no direito civil brasileiro. Atualiz. Ricardo
cumprindo indagar se a evicção, enquanto “una prolongación de la expectativa
Rodrigues Gama. Campinas: Bookseller, 2002 – Flávio Luiz Yarshell. Evicção e denunciação
da lide no novo código civil. In: Fredie Didier Junior;, Rodrigo Mazzei (coord.). Reflexos do
de cumplimiento” (Ricardo Luis Lorenzetti. Tratado de los contratos: parte
novo Código Civil no direito processual. Salvador: Juspodivm. 2006 – Flávio Tartuce. A função general, p. 394), se dá apenas quando da perda da propriedade, transmitida
social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil. São Paulo: por meio de compra e venda ou dação em pagamento, ou se suas regras se
Método, 2005. Humberto Theodoro Junior. O novo Código Civil e as regras heterotópicas estendem ainda aos contratos que transmitem apenas a posse, como ocorre
de natureza processual. In: Fredie Didier Junior e Rodrigo Mazzei (coord.). Reflexos do novo na locação e no arrendamento rural?
Código Civil no direito processual. Salvador: Juspodivm. 2006 – José Eduardo da Costa. Ao que parece a melhor solução para o problema apresentado tende a
Evicção nos contratos onerosos. São Paulo: Saraiva, 2004 – José Fernando Simão. Direito resguardar também o direito do possuidor e não apenas do pretenso proprie-
civil: contratos. São Paulo: Atlas, 2005 – Luiz Guilherme Loureiro. Contratos no novo Código
tário, o que pode ser explicado em razão da legítima expectativa que aquele
Civil: teoria geral e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2005 – Marcos Jorge Catalan.
possui em utilizar o objeto do contrato pelo prazo estipulado entre as partes,
O procedimento do juizado especial cível. Leme: Mundo Jurídico, 2003; Descumprimento
contratual: modalidades, conseqüências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar.
ou até que se alcance o fim ajustado, como aliás, se extrai, por exemplo, da
Curitiba: Juruá, 2005 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil: teoria das obrigações análise do art. 566, II, do CC, ao dispor que o locador é obrigado a garantir ao
contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3 – Norberto Bobbio. Teoria do locatário, durante o tempo do contrato, o uso pacífico do objeto cedido.
ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: Ed. UnB, É importante salientar que outra não é a orientação extraída do art. 2.091
1999 – Orlando Gomes. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1995 – Paulo Nader. Curso de do Código argentino, ao dispor que “habrá evicción, en virtud de sentencia y
direito civil: contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Ricardo Luis Lorenzetti. Tratado de por causa anterior o contemporánea a la adquisición, si el adquiriente por título
los contratos: parte general. Santa Fé: Rubinzal Culzoni, 2004 – Rodrigo Toscano de Brito. oneroso fue privado en todo, o en parte del derecho que adquirió, o sufriese
Equivalência material dos contratos: civis, empresariais e de consumo. São Paulo: Saraiva,
una turbación de derecho en la propiedad, goce, o posesión de la cosa”.
2007 – Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos. São Paulo: Atlas, 2002. v. 2 – Silvio Rodrigues. Direito civil: dos contratos e das Ainda sobre o assunto, como bem lembra José Fernando Simão (Direito
declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3 – Washington de Barros civil: contratos, p. 59), deveras importante destacar que excepcionalmente,
Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. Atualiz. Carlos Alberto Dabus Maluf também o doador será responsável pela evicção, o que se dará quando o contrato
e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 5. tenha como condição o casamento com determinada pessoa, excepcionada,
160 Direito dos Contratos EVICÇÃO 161

neste caso, apenas se houver ajuste expresso em sentido contrário, e ainda Desta feita, adquirido o bem em hasta pública e não tendo o executado
nos demais casos em que este contrato perde o caráter de liberalidade. patrimônio hábil a suportar os danos causados ao evicto com a perda do bem,
Ato contínuo, buscando compreender de modo escorreito esta impor- não há como se negar que o exeqüente possa ser responsabilizado por ter
tante figura da teoria geral dos contratos, insta ressaltar a posição de Silvio levado à hasta pública bem de terceiro (Humberto Theodoro Junior. O novo
Rodrigues (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, Código Civil e as regras heterotópicas de natureza processual, p. 142).
p. 111) ao lecionar que se dará evicção quando o evicto se vê privado da posse Destaque-se, por fim, que a evicção poderá ser total ou apenas parcial,
ou propriedade do bem, por conta de sentença judicial que atribui os direitos dependendo da intensidade da perda do objeto, e as conseqüências em cada
transmitidos em contrato comutativo ao verdadeiro titular: o evictor. uma das situações antes destacadas, preencherá suporte fático próprio, como
A assertiva destacada, por mais clara que possa parecer, merece pequena será analisado dentro em breve.
lapidação. Ocorre que a evicção pode se dar também na hipótese de perda do 2. AMPLIAÇÃO, REDUÇÃO E EXCLUSÃO DAS GARANTIAS
bem por força de decisão na esfera administrativa, como na ocasião em que
se vislumbra que a autoridade policial reconhece que o bem transmitido fora Não se olvida que a garantia dada ao evicto pelo sistema independe de
furtado, e que após ordenar sua apreensão, determinado que o mesmo seja ajuste expresso das partes, sendo, aliás, inadmissível, cláusula tácita de não
entregue ao verdadeiro proprietário (Luiz Guilherme Loureiro. Contratos no garantia (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das
novo Código Civil: teoria geral e contratos em espécie, p. 147). obrigações, p. 56), e nestes termos, em princípio, nos moldes do art. 450 do
CC, para além da restituição do preço pago, o evicto poderá exigir indenização
Sobre este assunto outra não é a posição do Superior Tribunal de Justiça,
pelos frutos que tiver sido obrigado a restituir; a recobrar as despesas promo-
decidindo reiteradamente que “para o exercício do direito que da evicção
vidas com o contrato e outros prejuízos suportados, dentre elas, despesas com
resulta ao adquirente, não e exigível prévia sentença judicial, bastando que
escrituração e com benfeitorias realizadas; e ainda a ser ressarcido das custas
fique ele privado do bem por ato de autoridade administrativa” (4.ª T., REsp judiciais e os honorários advocatícios desembolsados em razão da ação que
51.771/PR, rel. Min. Barros Monteiro, j. 14.02.1995, v.u., DJ 27.03.1995). lhe privar do direito transferido onerosamente.
Consoante tais reflexões, evicção haverá quando o adquirente de um Como se observa, o valor devido pelo alienante, direto ou indireto, ao
direito o perde para o verdadeiro titular, por força de decisão estatal, como evicto, compõe-se do somatório de diversas verbas, sendo a primeira delas
na hipótese de aquisição de um imóvel, junto a quem acreditava ser dono por o preço pago e, desde já, surge a dúvida se este consiste na quantia efetiva-
conta de falsa matrícula no Registro Imobiliário (José Fernando Simão. Direito mente paga pela coisa, ou no valor desta mediante avaliação no momento
civil: contratos, p. 58) e considerando-se, nesse caso, a possibilidade de que o da evicção?
comprador possa vir a ser privado da coisa adquirida, por vício pré-existente A resposta para o problema apontado está contida no parágrafo único do
ao negócio entabulado, o sistema lhe garante o direito de ver ressarcido os art. 450, pois tenta solucioná-lo ao ditar que “o preço, seja a evicção total ou
valores despendidos no negócio (Arnaldo Rizzardo. Contratos, p. 203). parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional
Da análise promovida acerca do tema, extraem-se três requisitos para a ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial”, destacando-se estar contida
caracterização da evicção: que o bem tenha sido adquirido onerosamente; que a mesma idéia no § 1.º, do art. 1.478, do Código Civil espanhol, ao prever
a coisa seja perdida para seu verdadeiro dono, em razão de decisão judicial ou que o preço, neste caso, será o qual “tuviere la cosa vendida al tiempo de la
proferida na esfera administrativa; e que esta esteja amparada na existência de evicción, ya sea mayor o menor que el de la venta”.
vício anterior ao contrato; havendo autores que sustentam ainda, que existe um Não se pode deixar de frisar que uma leitura apressada demonstrará a
quarto elemento: que o alienante seja denunciado da lide (Silvio Rodrigues. existência de conflito entre o preceito contido no caput do art. 450 do CC
Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 112), e o teor de seu parágrafo único, pois preço pago, expressão extraída do
argumento que será retomado dentro em breve. caput, em princípio, quer dizer o valor gasto com a aquisição do bem, e
Cumpre afirmar que, mesmo que a aquisição se dê em hasta pública, o não sua avaliação em momento ulterior, como quer o único parágrafo do
alienante responde pelos riscos da evicção, tendo o legislador inovado ao não mesmo artigo.
permitir que o adquirente suporte os prejuízos derivados da evicção nessa Como solucionar a questão, na medida em que o sistema não admite
hipótese, o que ocorria no sistema criado pelo Código Civil sepultado. antinomias (Norberto Bobbio. Teoria do ordenamento jurídico, passim)? Em
162 Direito dos Contratos EVICÇÃO 163

verdade, o conflito suscitado é apenas aparente, ensinando Silvio Rodrigues que o reduzindo ou até mesmo excluindo as garantias legais, como na estipulação de
parágrafo único do art. 450 do CC busca resguardar os interesses do comprador, pagamento do preço despendido pelo evicto, em dobro ou pela metade.
pois se o sacrifício de uma das partes é inevitável, há de se ter em conta que este É ululante que tal cláusula não pode ser afastada do controle judicial em
último é a verdadeira vítima cuja confiança merece ampla tutela (Direito civil: razão dos princípios da boa-fé objetiva (Carlos Roberto Gonçalves. Direito
dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 118). civil brasileiro: contratos e declarações unilaterais de vontade, p. 120-121)
Portanto, neste caso responderá o alienante, pela “plus-valia adquirida e da função social, evitando-se assim, abusos freqüentemente praticados na
pela coisa” (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: contra- seara negocial (Flávio Tartuce. A função social dos contratos: do Código de
tos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade civil, p. 140); muito Defesa do Consumidor ao novo Código Civil, p. 302).
embora o vendedor possa estar de boa-fé, pois mesmo assim deverá suportar Diante deste contexto, sugere-se como teto a integralidade dos prejuízos,
o prejuízo, ainda que injusto (Silvio Rodrigues. Direito civil: dos contratos e parâmetro extraído analogicamente do teto autorizado pelo ordenamento
das declarações unilaterais de vontade, p. 118). quando trata do seguro de dano, consoante o art. 778 do CC, ou o montante
Consoante tal reflexão, afere-se que o legislador, enquanto regra geral, disposto no art. 412 do mesmo codex, ao tratar da cláusula penal (José Fer-
optou por tutelar os interesses do evicto em detrimento dos interesses do nando Simão. Direito civil: contratos, p. 60).
alienante, salientando-se, entretanto, que nestes casos, nada obsta que este De fato, o limite proposto se mostra coerente, especialmente quando
último busque ressarcir-se junto a quem lhe tenha transferido o bem. se vê a evicção enquanto garantia criada pelo sistema, tal qual um seguro im-
posto por lei, sendo que a cláusula que fixa valor prévio a ser pago na perda
Por outro lado, tem-se que o dispositivo legal analisado poderá privar o
do bem, traz a vantagem de dispensar dilação probatória visando a prova dos
evicto de parte do capital investido, como na situação em que o imóvel comprado
prejuízos suportados pelo lesado.
tenha sofrido desvalorização em razão da instalação de um aterro sanitário na
Ademais, como disserta Arnoldo Wald (Obrigações e contratos, p. 284),
proximidade da área, ou seja, por fato não imputável ao adquirente, e assim, na
as garantias em favor do evicto poderão ser reforçadas também em razão da
medida em que a confiança do evicto merece explícita proteção, será ressarcido
estipulação de fiança ou hipoteca, assegurando, assim, o pagamento de even-
com base no preço pago, acrescido de juros e correção monetária (Caio Mário
tual indenização, não se restringindo à fixação do valor devido; ampliando a
da Silva Pereira. Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral de
possibilidade de satisfação dos interesses do evicto.
vontade, responsabilidade civil, p. 140) ou no valor a ser arbitrado, tendo-se
Acerca do assunto, destaque-se que, mesmo que as partes excluam a
em conta, por exemplo, a média dos imóveis da região.
garantia legal, ocorrendo a evicção, terá direito o evicto, em princípio, a re-
Deverá prevalecer então o melhor preço para o evicto, devendo o alie- cobrar o preço que pagou pela coisa; somente não sendo merecedor de tutela
nante suportar o prejuízo, se agiu de má-fé, ou mesmo quando atuando de ressarcitória do ordenamento, se ciente dos riscos da aquisição do direito,
boa-fé, não consiga ressarcir-se junto a quem lhe tenha transmitido o direito expressamente os assumiu.
ulteriormente perdido em razão da evicção. Desta forma, sabendo do risco da evicção e assumindo o mesmo, nada
Aliás, outra não é a ilação extraída da proposta de alteração do parágrafo terá o evicto a reclamar, mas se não assumiu tais riscos, terá direito exclusiva-
único, do art. 450 do CC, constante do Projeto de Lei 6.960/2002, ao dispor que mente ao preço pago, haja vista que não poderá alegar boa-fé no que pertine,
“o preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em por exemplo, a eventuais benfeitorias erigidas, consoante se extrai da dicção
que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial, do art. 449 do CC.
salvo na hipótese de valor pago a maior ao tempo da alienação ou em valor Por outro lado, se o evicto desconhece a existência de vícios e os assu-
necessário que propicie ao evicto adquirir outro bem equivalente”, idéia que me, também terá direito somente ao preço, haja vista o acordo de vontades,
reflete melhor os ideais extraídos da leitura do princípio do equilíbrio material. salvo má-fé do alienante; mas se não os assume, terá direito a todas as verbas
Há de se ter em conta também que, nos moldes delimitados pelo Código previstas no art. 450 do CC.
Civil, as partes poderão, mediante manifestação volitiva, reforçar, diminuir Saliente-se ainda que a regra do art. 457 ao ditar que “não pode o adqui-
ou mesmo excluir a responsabilidade pela evicção, haja vista que a autonomia rente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa” deve
privada autoriza às partes, mediante a conjunção de vontades, fixar o valor a ser ser lida em sintonia com o preceito contido no art. 449 do CC; e o tão só fato
pago na hipótese do adquirente perder a coisa em razão da evicção, aumentando, de saber o adquirente do fato de o bem ser alheio ou litigioso não lhe retira o
164 Direito dos Contratos EVICÇÃO 165

direito à repetição do valor pago pelo mesmo, a não ser que o negócio tenha Saliente-se, além disso, que sendo o evictor obrigado a ressarcir ao evicto
sido ajustado de forma aleatória, por exemplo, quando reste hialino que o as benfeitorias feitas de boa-fé, enquanto não cumprir a obrigação que lhe foi
preço acordado pelas partes seja muito inferior ao de mercado, ou quando o imposta em sentença, terá o adquirente direito de retenção.
adquirente, como frisado, assuma os riscos do negócio (Silvio de Salvo Venosa. A seu turno, se erigidas benfeitorias pelo adquirente que sabia dos ris-
Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 568). cos da coisa, situação equiparada à má-fé, apenas as necessárias merecerão
Não prevalecerá disposição que prejudique o adquirente, é ululante, em caso indenização, assumindo o adquirente os riscos inerentes à perda potencial da
de ato doloso do alienante (Arnoldo Wald. Obrigações e contratos, p. 285). coisa, não podendo, neste caso, exercer direito de retenção nem levantar as
Em verdade, cada verba a ser indenizada tem fundamento sólido, sendo voluptuárias (Paulo Nader. Curso de direito civil: contratos, p. 138).
que, como ensina Maria Helena Diniz (Curso de direito civil: teoria das obrigações Por outro lado, tendo as benfeitorias sido construídas pelo alienante,
contratuais e extracontratuais, p. 133), a indenização dos frutos restituídos não terá que ressarci-las ao evicto, pois não houve, neste caso, decréscimo
ao evictor encontra suporte no direito de não ter frustrada a expectativa de do patrimônio do adquirente, podendo aquele, ainda, ressarcir-se junto ao
ganho do evicto; e as despesas do contrato, como os emolumentos visando verdadeiro proprietário, que é quem se aproveitará da coisa, já que o sistema
o registro, os gastos oriundos da lavratura da escritura pública e aqueles inibe o enriquecimento sem causa.
visando à obtenção de certidões, são conseqüência direta da perda do direito, Em síntese, como quer Washington de Barros Monteiro (Curso de direito
pois o evicto investiu acreditando na manutenção dos efeitos do negócio. civil: direito das obrigações, p. 60), o reivindicante, que venceu a ação, deve
A seu turno, o dever de ressarcir as custas processuais impõe-se ao pagar as benfeitorias: ao evicto, se este as erigiu, ou ao alienante, se for o res-
alienante por que é responsável, direta ou indiretamente (aqui, por compor ponsável pelas mesmas; e se indenizadas ao adquirente quando realizadas pelo
a linha de transmitentes), pela venda a non domino ou ainda, porque o bem alienante, seu valor será deduzido do montante devido por este àquele.
foi transmitido em fraude a credores ou à execução por exemplo. Sobre o Também não se pode deixar de frisar que a responsabilidade imposta
assunto, assevere-se que, segundo Álvaro Villaça Azevedo (Teoria geral dos ao alienante de ressarcir o evicto, persistirá ainda que a coisa alienada esteja
contratos típicos e atípicos, p. 104), a alusão à verba honorária é redundante, deteriorada, a não ser que tenha havido dolo do adquirente, hipótese em que
pois se trata de conseqüência imposta em razão da procedência da ação em suportará os prejuízos; e tendo auferido vantagens com as deteriorações, como,
favor do evictor, matéria prevista no diploma processual. por exemplo, com a venda da madeira extraída de barracão outrora existente
Há de se destacar, ainda, que nos moldes do art. 453 do CC, as ben- no imóvel, não tendo sido condenado a repará-las, sujeitar-se-á a redução da
feitorias necessárias ou úteis, não abonadas a quem sofreu a evicção, serão indenização, tendo em conta o valor obtido com seus atos.
pagas pelo alienante, o que quer dizer que, desde que o evictor não tenha sido Por fim, acerca das garantias, cumpre destacar ainda que, se a evicção
obrigado, na sentença, a indenizá-las ao evicto, serão suportadas por quem for parcial, mas considerável, o evicto pode optar entre a resolução do con-
transferiu o direito. trato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido,
Sustenta Paulo Nader (Curso de direito civil: contratos, p. 139) com tendo-se em conta sempre o princípio da conservação dos negócios jurídicos,
acerto que o legislador deveria ter previsto que o evicto que de boa-fé erigiu princípio este que, aliás, orienta a parte final do art. 455 do CC ao ditar que
benfeitorias voluptuárias tem direito ao ressarcimento das mesmas quando se não for considerável a evicção, o evicto somente tem direito de recobrar
não possam ser levantadas, posto ser ululante que o evictor irá beneficiar-se as perdas e danos.
das mesmas, sendo que aparentemente, na omissão flagrante, nada obsta
que seja invocada a regra contida no art. 1.219 do CC que impõe o dever de 3. DENUNCIAÇÃO À LIDE: IMPORTÂNCIA E OBRIGATORIEDADE?
indenizá-las àquele que se aproveite das mesmas. Dispõe o art. 456 do CC que, para que o evicto possa postular o recebi-
Nada obsta, entretanto, que, caso não se imponha ao evictor o dever de mento das verbas que lhe são devidas em razão da evicção, deverá notificar
indenizar as benfeitorias voluptuárias feitas de boa-fé, com amparo também o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, utilizando o legislador
no princípio que veda o enriquecimento sem causa, que estas sejam entendi- da técnica do reenvio para remeter a instrumentalização da pretensão do
das como despesas do contrato, impondo-se ao alienante o dever de carregar lesado ao procedimento previsto no CPC, o qual, nos termos de seu art. 70,
mais esta pesada cruz. I, institui a denunciação à lide, mediante a qual, o alienante poderá auxiliar
166 Direito dos Contratos EVICÇÃO 167

o adquirente na busca da improcedência da ação, pois, em princípio, detém Destaque-se que tal preceito legal somente terá utilidade se o magistrado,
mais informações e provas que este último. diante da omissão do alienante em responder aos termos da litisdenunciação
O procedimento, ao que parece, é de grande valia, pois por meio da li- e da possível postura do adquirente em optar por não se defender, tiver a sen-
tisdenunciação, aproveitam-se os atos processuais praticados uma única vez sibilidade de julgar as duas lides em curso, condenando o evicto a restituir a
para instruir duas relações processuais, em evidente economia de tempo. posse ou propriedade do bem ao evictor e ainda o alienante a reparar os pre-
Importante dar ênfase à possibilidade de denunciar qualquer dos juízos por ele suportados (Alexandre Freire Pimentel. Evicção e denunciação
alienantes anteriores, forma esta denominada denunciação per saltum, a da lide no novo Código Civil, p. 167).
qual possibilita sejam ultrapassados os efeitos do contrato pactuado entre as Explicitada a utilidade do procedimento, cabe indagar se o recurso ao
partes (José Fernando Simão. Direito civil: contratos, p. 64), claro exemplo de mesmo é providência obrigatória? Seguindo a orientação clássica, Silvio Ro-
mitigação do princípio da relatividade das convenções, situação que aparente- drigues (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p.
mente equipara todos os alienantes envolvidos na possível cadeia de negócios 114) entende que é imperiosa a presença do alienante no processo, para que o
sucessivos a devedores solidários. adquirente possa ser ressarcido das despesas suportadas por conta da evicção,
Esta regra é de extrema valia, aumentando de modo hialino as chances de salientando que, aquele é detentor dos melhores argumentos para a defesa da
o evicto ser indenizado, porque com mais pessoas em potência na situação de propriedade, e ainda por que é ele quem irá suportar, ao menos inicialmente,
responsáveis, maiores serão as possibilidades de aquele encontrar alguém com os prejuízos resultantes da procedência da ação reivindicatória.
patrimônio suficiente a ressarcir os danos suportados em razão da evicção. Na mesma esteira, Maria Helena Diniz (Curso de direito civil: teoria das
Também parece claro que a regra do parágrafo único do art. 456 do CC obrigações contratuais e extracontratuais, p. 130) afirma que se o adquirente
possui elevada utilidade, pois ao determinar que “não atendendo o alienante à não providenciar a denunciação à lide do alienante, “perderá os direitos de-
denunciação da lide e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adqui- correntes da evicção, não mais dispondo de ação direta para exercitá-los”.
rente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos”, permite, no caso de Questiona-se é se tal posição pode prevalecer no universo em que se
manifesta procedência da ação, evidente ganho de tempo em favor do evicto. encontra assentado o direito civil hodierno, que tende a afastar pretensões
De fato, na medida em que o art. 72 do CPC determina que diante da egoístas em favor da redução de desequilíbrios, especialmente porque não se
litisdenunciação o processo deva ser suspenso, poderá o adquirente apenas pode permitir que regras processuais prevaleçam em detrimento do direito
denunciar o alienante da lide e esperar sua conduta, e na omissão deste, o material das partes, pois o processo nada mais é que mero instrumento de
Código Civil acaba por homenagear o princípio da celeridade, bastando ao acesso à ordem jurídica justa.
evicto, no momento oportuno, promover a liquidação de sentença, ou mesmo Como argumento a favor da não obrigatoriedade da imediata comu-
apresentar as despesas que suportará diante da procedência da ação na mesma nicação do alienante, deve-se ter em conta que em algumas situações, será
manifestação que se presta a trazer o alienante aos autos. impossível a denunciação à lide, como na apreensão do bem por autoridade
Assim, uma vez denunciado o adquirente da lide, o processo ficará suspen- policial e sua restituição ao verdadeiro proprietário em razão da decisão de
so no que pertine aos atos a serem praticados nos autos entre evictor e evicto, natureza administrativa.
aguardando-se a citação do terceiro e o decurso do prazo para que este se ma- Também em caso de ação possessória ajuizada perante o Juizado Espe-
nifeste (Aroldo Plínio Gonçalves. Da denunciação da lide, p. 274), não havendo cial Cível, a denunciação à lide resta prejudicada, pois consoante expressa
prejuízos quanto ao não oferecimento da contestação simultaneamente com o orientação do art. 10 da Lei 9.099/1995, não será admitida qualquer forma
ato que dá ciência ao alienante do trâmite de ação em desfavor do adquirente. de intervenção de terceiros; situação que, diante da impossibilidade de ins-
Para a adequada leitura sistemática do tema, imperioso frisar que, como trumentalização da litisdenunciação, autoriza o prejudicado a propor ação
quer Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil, p. 446), autônoma, buscando ressarcir-se junto ao responsável (Marcos Jorge Catalan.
a defesa do réu não se restringe à contestação, à reconvenção e as exceções, O procedimento do juizado especial cível, p. 85).
sendo que as formas de intervenção de terceiros também devem ser assim A doutrina já se manifesta favoravelmente a esta tese, sendo que, dentre
classificadas, situação que uma vez mais justifica a posição do legislador, pois, outros, Silvio de Salvo Venosa (Direito civil: teoria geral das obrigações e teo-
se o alienante, potencialmente obrigado a reparar os prejuízos do adquirente, ria geral dos contratos, p. 567) sustenta que a ausência de comunicação do
não se defender, porque se obrigar o adquirente a fazê-lo? alienante não pode ser óbice ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo
168 Direito dos Contratos EVICÇÃO 169

evicto, posição seguida por Paulo Nader (Curso de direito civil: contratos, Sobre o tema, ainda pode pairar a dúvida de como se resolveria a ques-
p. 140), ao frisar que “a denunciação da lide não é requisito sine qua non para tão inerente à prescrição se o alienante não for trazido ao processo, situação
a postulação do ressarcimento em seguida da reivindicação, mas apresenta que não apresenta maiores problemas, diante do teor do art. 199 do CC que
um dado de muita significação para o exame do mérito dos pleitos do evicto determina, em seu inciso III, que não correrá a prescrição na pendência de
contra o alienante”. ação de evicção, estando suspenso o prazo para o exercício da pretensão
O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que a denunciação à lide não ressarcitória enquanto a sentença não transitar em julgado, prazo este, que
é essencial para que o evicto seja indenizado, asseverando que “por não se ter salvo melhor juízo, é de dez anos, pois se trata de reparação de dano oriundo
denunciado, quando reivindicada a coisa por terceiro, não impede se pleiteie de relação contratual.
a devolução do preço de coisa vendida, se não provado que o alienante sabia Encerrando o assunto, ímpar destacar o acerto da iniciativa do Depu-
do risco dessa evicção ou, em dele sabendo, que não o assumira” (3.ª T., REsp tado Ricardo Fiúza, que se atentou para o problema abordado e propôs por
132.258/RJ, rel. Min. Nilson Naves, j. 06.12.1999, v.u., DJ 17.04.2000, p. 56). meio do Projeto de Lei 6.960/2002, substituído pelo Projeto de Lei 276/2007,
de autoria do Deputado Léo Alcântara, que o art. 456 passe a ter a seguinte
Ímpar destacar o voto de lavra do Min. Aldir Passarinho Junior ao frisar
redação: “para o direito que da evicção lhe resulta, independe o evicto da de-
ser “desnecessária a denunciação à lide do antigo alienante do imóvel para
nunciação da lide ao alienante, podendo fazê-la, se lhe parecer conveniente,
que o evicto possa dele reivindicar indenização, em ação própria, quando
pelos princípios da economia e da rapidez processual”.
condenado a pagar àquele a quem vendeu o valor despendido pela perda
Tal proposta, em consonância com a posição externada pelo Superior
patrimonial sofrida, ante a invalidade do título de propriedade” (STJ, 4.ª T.,
Tribunal de Justiça, se aprovada, evitará que a inobservância de uma formali-
REsp 66.558/SP, j. 02.06.2005, v.u., DJ 01.07.2005, p. 537).
dade processual implique na perda do direito material em razão da preclusão
Mais importante é salientar a recentíssima decisão relatada pela Min. de prazo tão exíguo como é o previsto para a denunciação à lide e ainda o tra-
Nancy Andrighi narrando que “para que possa exercitar o direito de ser tamento processual diferenciado a situações de direito material idênticas, pois
indenizado, em ação própria, pelos efeitos decorrentes da evicção, não há em algumas situações a litisdenunciação não é permitida pelo sistema.
obrigatoriedade de o evicto promover a denunciação da lide em relação ao
antigo alienante do imóvel na ação em que terceiro reivindica a coisa” (STJ, 4. RESUMO ESQUEMÁTICO
3.ª T. REsp 880.698/DF, j. 10.04.2007, v.u., DJ 23.04.2007, p. 268.), decisão 1. Noções gerais
está proferida sob a égide do vigente Código Civil.
• A evicção se dá quando o adquirente perde a posse ou a propriedade de
Como se observa, em que pese a inegável utilidade da figura da de- um objeto que lhe foi transmitido onerosamente em virtude de sentença
nunciação à lide, enquanto instrumento adequado à célere reparação dos judicial ou administrativa;
prejuízos suportados pelo evicto e ainda como mecanismo hábil a promo- • A mesma também pode ocorrer, excepcionalmente, no caso de doação;
ver uma defesa mais completa da manutenção da titularidade dos direitos • São seus requisitos: que o bem tenha sido adquirido onerosamente; que a
transmitidos onerosamente, posto que, como frisado, aos argumentos do coisa seja perdida para seu verdadeiro dono, em razão de decisão estatal;
adquirente serão somados os do alienante, não se pode negar que o recurso e que esta esteja amparada na existência de vício anterior ao contrato;
à mesma não pode mais ser lido como providência obrigatória, como consta • Os direitos do evicto persistem ainda que o bem seja adquirido em
da Código de Processo Civil. hasta pública.
Assim, uma vez não elegendo a denunciação à lide como via a ser per- 2. Ampliação, redução e exclusão da garantia em razão da evicção
corrida em busca da reparação dos danos em potência e optando por aguar- • A garantia dada ao evicto pelo sistema independe de ajuste expresso
dar a sentença, para apenas posteriormente acionar o alienante, suportará das partes;
o adquirente os riscos de ser condenado a restituir o bem ao efetivo titular, • O preço devido, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa,
e ainda sim, não ver reconhecido o direito a ser indenizado na hipótese do na época em que se evenceu;
alienante possuir sólidos argumentos que venham a desconstituir a pretensão • Se houver valorização, responderá o alienante pela mais-valia adquirida
do evictor (Flávio Luiz Yarshell. Evicção e denunciação da lide no novo Código pela coisa, mas se houver desvalorização, deverá prevalecer o melhor pre-
Civil, p. 242). ço para o evicto, salvo se esta tiver origem em fato imputável a esse;
170 Direito dos Contratos

• Além do preço, o alienante responde pelos frutos, despesas de transfe-


rência e do processo;
• As partes podem por mútuo acordo reforçar, diminuir ou excluir as
garantias legais;
• Sabendo do risco da evicção e assumindo o mesmo, nada terá o evicto
a reclamar;
• Se a evicção for parcial, mas considerável, o evicto pode optar entre a
resolução do contrato e a restituição da parte do preço correspondente
ao desfalque sofrido, mas se não o for, somente tem direito de recobrar
as perdas e danos.
3. Denunciação à lide: importância e obrigatoriedade?
• A denunciação à lide é importante, mas não é obrigatória.
XI
Contratos aleatórios
MARCOS JORGE CATALAN

Bibliografia
Álvaro Villaça Azevedo. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. São Paulo: Atlas, 2002
– Antônio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo:
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em sua expressão mais simples. Belo Horizonte: Del Rey, 2005 – Luiz Guilherme Loureiro.
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Saraiva, 2001 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil: teoria das obrigações contratuais
e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3 – Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de
direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. v. 3 – Orlando Gomes. Contratos. Rio de
Janeiro: Forense, 1995 – Paulo Luiz Netto Lôbo. Comentários ao Código Civil: parte especial:
das várias espécies de contratos. In: Antônio Junqueira de Azevedo (coord.). São Paulo: Saraiva,
2003. v. 6 – Paulo Nader. Curso de direito civil: contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005
– Ricardo Luis Lorenzetti. Tratado de los contratos: parte general. Santa Fé: Rubinzal Culzoni,
2004 – Rodrigo Toscano de Brito. Estado de perigo e lesão: entre a previsão de nulidade e a
necessidade de equilíbrio das relações contratuais. In:, Mário Luiz Delgado e Jones Figuêiredo
Alves (coord). Questões controvertidas: no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo:
Método, 2005. v. 4 – Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria
geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2002. v. 2 – Silvio Rodrigues. Direito civil: dos contratos
e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3 – Washington de
Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. Atualizada por Carlos Alberto
Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 5.

1. DISCIPLINA LEGAL, DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. QUESTÕES CONTRO-


VERTIDAS
Como visto outrora, os contratos bilaterais dividem-se em contratos
aleatórios e comutativos, sendo que nestes, como antecipado, “a relação entre
vantagem e sacrifício é subjetivamente equivalente, havendo certeza quanto
172 Direito dos Contratos CONTRATOS ALEATÓRIOS 173

às prestações”, enquanto naqueles, “há incerteza para as duas partes sobre risco pelo comprador, cuja titularidade, ao final da ação, venha a ser negada
se a vantagem esperada será proporcional ao sacrifício” (Orlando Gomes. ao vendedor.
Contratos, p. 74). Ímpar afirmar que, nestes casos, o contrato torna-se perfeito com o
Focando apenas o tema que importa ao presente capítulo, eis que as ajuste das cláusulas discutidas pelas partes, não havendo que se cogitar
linhas gerais sobre a dicotomia em questão já foram traçadas anteriormente, acerca de mútua anuência sobre qualquer modalidade de condição, tenha
tem-se que aleatórios, na lição de Washington de Barros Monteiro (Curso de ela natureza suspensiva ou resolutiva; e uma vez produzida a safra, obtidos
direito civil: direito das obrigações, p. 65) são os contratos em que as prestações os peixes, nascida a ninhada ou ainda conferido o domínio do bem litigio-
assumidas, por uma ou ambas as partes, são incertas quanto à existência ou so ao alienante com o trânsito em julgado da sentença, a coisa deverá ser
quantidade, subordinando-se ao advento de fato ignorado que poderá re- entregue ao credor, salvo se de outro modo o cumprimento fora ajustado
dundar em ganho ou perda quando do momento do cumprimento, ou como entre os parceiros negociais.
quer Henrique Herkenhoff (Direito civil em sua expressão mais simples, p. 119) Por sua vez, na modalidade emptio rei speratae, o risco suportado pelo
são negócios que dependem da sorte ou do acaso, enquanto fatores externos adquirente cinge-se à quantidade da coisa adquirida, que poderá ser maior
determinantes da correlação entre as prestações reciprocamente assumidas ou menor, mas que sempre deverá ser alcançada em volume mínimo sob
pelos parceiros negociais, destacando-se que suas figuras mais usuais são a pena de o contrato resolver-se por força do advento da condição resolutiva
compra e venda de safra ou mercadoria futura, e ainda, a constituição de renda entabulada negocialmente (Paulo Luiz Netto Lobo. Comentários ao Código
e a previdência privada vitalícias. Civil: parte especial: das várias espécies de contratos, p. 33), como leva a crer
Como se observa, nos contratos aleatórios, também denominados con- o parágrafo único do art. 459 do CC, que impõe ao alienante, a obrigação de
tratos de risco, as partes não conseguem prever, antecipadamente, se terão restituição do preço.
vantagem ou perda com o negócio, sendo que, em algumas hipóteses, não Sobre o assunto em questão, aplicando adequadamente as regras inerentes
saberão sequer se receberão a prestação que lhes fora prometida ou, quanto ao tema, já se manifestou o Tribunal de Justiça do Paraná ao decidir que:
desta ser-lhes-á entregue, como ocorre nos casos regulados pelos arts. 458
e 459 do CC, os quais tratam, sucessivamente, da compra e venda nas mo- “Contrato de aquisição de cana de açúcar (…) Lavoura parcialmente
dalidades emptio spei (venda de esperança) e emptio rei speratae (venda de frustrada. Alegação de compra de quantia certa. Abatimento de
coisa esperada). preço pretendido na contestação julgada improcedente. Contrato
aleatório. Prova testemunhal e documental. A safra como objeto
Esmiuçando os assuntos trazidos à análise, enquanto exemplos de
da compra e venda. Risco assumido pelo adquirente: emptio rei
venda emptio spei, estariam as hipóteses da venda de uma safra de café ainda
speratae. (…) Na emptio rei speratae, o risco assumido pelo adqui-
em fase de floração, do resultado de uma pescaria a realizar-se ou de uma rente não mais diz respeito à existência futura de coisa comprada,
ninhada de cães cuja mãe esteja por ser inseminada ou que se encontre em mas a sua existência em maior ou menor quantidade. Assumindo o
fase de gestação, obrigando-se o vendedor a entregar todo o produto obtido adquirente a área, o vendedor tem direito a todo preço, ainda que a
ou os animais que venham a nascer. safra se concretize em ínfima quantidade. (…) Não sendo lícito falar
Nestes casos, nos moldes do art. 458 do CC, libertar-se-á o alienante em redução do preço, pois na emptio rei speratae o risco assumido
do vínculo obrigacional assumido, ainda que nada venha a ser produzido, alcança a possibilidade de a lavoura se frustra e produzir uma safra
mantendo, entretanto, como ensina Álvaro Villaça Azevedo (Teoria geral insignificante em relação à prevista (…)” (TJPR, 1.ª Câm. Cível, Ap.
dos contratos típicos e atípicos, p. 67) o direito de receber o preço ajustado, Civ. 000.561, rel. Oto Luiz Sponholz, j. 10.09.1986).
salvo se a inexistência ou diminuição da produção legitimamente esperada
for imputável à sua esfera de atuação. Por outro lado, não se olvida que as partes possam estipular também que
Sobre o tema Paulo Lôbo (Comentários ao Código Civil: parte especial: das se não for atingida produção mínima, o negócio retrairá seus efeitos (Silvio
várias espécies de contratos, p. 31) ensina que, nesta modalidade de contrato de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
aleatório, atribui-se mais importância à esperança que à coisa, posto que “o contratos, p. 405), mas na hipótese em questão, insere uma condição alheia
comprador dá o preço e o vendedor a spes”, destacando que exemplo clássico aos elementos inerentes à modalidade negocial estudada, como também
da hipótese é encontrado na aquisição de objeto litigioso, com assunção do ocorreria no caso em que se ajusta que o preço possa adequar-se à quantidade
174 Direito dos Contratos CONTRATOS ALEATÓRIOS 175

e à qualidade do que vier a existir (Paulo Luiz Netto Lobo. Comentários ao momento da formação do negócio jurídico, especialmente porque risco já
Código Civil: parte especial: das várias espécies de contratos, p. 32), situação consumado não é mais risco, mas fato.
que parece encaixar-se no suporte fático da venda futura, prevista no art. 483 De fato, mesmo que se trate de contrato cujo cumprimento coincida com
do CC, como ocorre nos contratos de compra de safra de mandioca pactua- a data de sua formação, salvo melhor juízo, este será nulo por impossibilidade
dos no Noroeste do Paraná, nos quais o preço é pago por tonelada colhida, física do objeto quando o bem alienado perecer ou deteriorar-se antes, reafir-
consoante a qualidade das raízes. me-se, ainda que pouco antes, do momento de formação do negócio jurídico,
Ocorre que nem sempre a distinção de uma e outra modalidade deste que se dá na conjunção das vontades dos contratantes.
negócio jurídico será de fácil aferição, sugerindo Orlando Gomes (Contratos, Nesse contexto, nada obsta que Ramsa venda à Samara um Rolls Royce que
p. 231) que, após a análise da intenção das partes, havendo dúvida, deve-se possua em Bagdá, e desde que esta última, sabendo dos riscos de perecimento
aferir o modo pelo qual o negócio se aperfeiçoou, e neste caso, tendo sido ou deterioração do automóvel antes da tradição, os tenha assumido, suportará
ajustado entre as partes o pagamento de preço global ou se o objeto referir- os mesmos se consumados sem que, em princípio, nada possa reclamar.
se à totalidade da coisa esperada, haverá venda emptio spei; reconhecendo, Importante destacar neste momento o teor do art. 2.051 do Código
entretanto, a prevalência de critério objetivo, que considera que as aliena- Civil argentino, pois ao versar que “los contratos serán aleatorios, cuando
ções emptio spei sujeitam-se ao acaso e as emptio rei speratae subordinam-se sus ventajas o pérdidas para ambas partes contratantes, o solamente para una
a eventos naturais. de ellas, dependan de un acontecimiento incierto” ratifica a idéia de que a
De fato, na medida em que ambas as hipóteses tratam de alienação de prestação, ainda que o contrato seja aleatório, deve ser possível no momento
objeto cuja existência se espera no futuro, muito se aproximam como se afere do ajuste negocial.
destas breves linhas, diferenciando-se apenas quanto ao fato de o contrato Assevere-se que a mesma idéia é extraída do teor da segunda parte do
manter seus efeitos ou não, na ausência de gênese da coisa pretendida. art. 1.104 do Códe Napoleon, ao ditar que “el contrato es aleatorio cuando la
Para além dos critérios sugeridos, parece que o recurso aos usos e cos- equivalencia consiste en la posibilidad de ganancia o pérdida para cada una de
tumes será de grande valia para a solução de eventuais dúvidas surgidas na las partes que depende de un acontecimiento incierto”, haja vista que, como
interpretação destes negócios, bem como, mantida a dúvida, uma possível adiantado, se a condição a que se subordina o negócio, sob a denominação de
solução será a utilização do princípio do favor debilis, que tutela o pólo mais acontecimiento incierto já se deu no mundo concreto, o evento não será mais
fraco da relação negocial; técnicas hermenêuticas que podem ser utilizadas incerto, embora possa ser desconhecido, hipótese que não se confunde com
na ausência de regramento formulado pelos parceiros negociais. a preconizada pela fattispecie transcrita.
Sobre o tema, sugere ainda Paulo Lôbo (Comentários ao Código Civil: parte Que fique claro, também, que a situação relatada não se confunde com
especial: das várias espécies de contratos, p. 31) que “na dúvida deve prevalecer obrigação que imponha a entrega de prestação genérica, pois resta hialino que
a emptio rei speratae, que melhor contempla a finalidade do contrato no sentido genus nunquam perit; nem como obrigação que verse sobre alienação de bem a
favorável ao comprador” eis que nesta modalidade negocial, na inexistência non domino, pois neste caso o objeto é possível de ser obtido e enquanto não
do objeto esperado, resolve-se o contrato como outrora observado. estiver na esfera de titularidade do devedor, o negócio é ineficaz em relação
Por sua vez, cumpre analisar o art. 460 do CC, cujo teor refere-se à ao titular do direito de propriedade, salvo assunção dos riscos pelo credor, o
venda de coisa existente no momento do negócio, mas que está sujeita a risco que remeteria a análise da questão ao art. 458 já comentado.
(Silvio Rodrigues. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais Importante destacar que o art. 461 do CC prevê que nestes casos, a pato-
de vontade, p. 124) de perecimento ou deterioração até o “dia do contrato”, logia que infesta o negócio jurídico autoriza sua desconstituição, frisando que
destacando a aludida regra que uma vez assumido o risco pelo adquirente, “a alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser anulada
caso ele venha a se consumar, este último suportará os prejuízos, salvo, uma como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava
vez mais, se o perecimento ou deterioração tenham se dado por fato imputável a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa”,
ao alienante. regramento este, ao que parece, manifestamente equivocado, pois em verdade,
Inicialmente parece essencial destacar que a expressão “dia do contra- nestes casos, o negócio há de ser tratado como nulo e não como anulável.
to” a que se refere o artigo analisado, somente pode ser lida como momento Apesar de a regra parecer inócua, desprovida de qualquer sustentação
temporal do cumprimento, presumindo-se, então, a existência do bem no teórica à luz da situação que se apresenta, assevere-se que o artigo criticado
176 Direito dos Contratos CONTRATOS ALEATÓRIOS 177

é recepcionado por boa parte da doutrina como hipótese de omissão dolosa processo de criação da norma jurídica, permitindo assim ao intérprete bus-
em razão do silêncio intencional do alienante (Luiz Guilherme Loureiro. car os melhores elementos que o ordenamento põe à sua disposição (Chaïm
Contratos no novo Código Civil: teoria geral e contratos em espécie, p. 156), Perelman. Lógica jurídica, p. 113).
o que conduziria, à luz do regramento e da interpretação que lhe é dada, à É imperioso ainda invocar as lições de Pontes de Miranda (Tratado de
possibilidade de anulação do contrato celebrado nestes termos, posição esta, direito privado: parte geral, p. 211), o qual, ao analisar o tema, destaca que a
como visto, incoerente com o sistema. impossibilidade do objeto poderá ser “cognoscitiva, lógica, moral, jurídica ou
Sobre o assunto em questão, em Paulo Nader (Curso de direito civil: con- física”, sendo que esta última, “não impede a entrada do elemento, que a ela
tratos, p. 153) se observa uma leitura no mínimo curiosa, destacando o autor corresponde, no mundo jurídico”, já que o negócio existe, mas por outro lado,
que, se a consumação do risco havida antes do negócio for conhecida pelo não lhe autoriza atingir a validade, tratando-o como nulo; pois, de fato, se o
alienante, o negócio será inexistente, mas, se ignorada, o negócio será válido, objeto prometido nunca venha a ser alcançado no mundo concreto, por não
reflexão que exprime contradição insuperável, pois, no plano da existência, mais existir e por não poder vir a existir em razão de sua exclusividade, não há
não há que se perquirir acerca do estado de consciência das partes. razões para se autorizar que este negócio seja lançado ao degrau da validade.
Em verdade, ao contrário do que sustenta o autor, o que se tem, na hi- A mesma esteira de raciocínio é seguida por Antônio Junqueira de Azevedo
pótese de perecimento do bem prometido, em momento anterior à formação (Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, p. 42-43) ao afirmar que para
do negócio, considerando que este já ultrapassou o plano da existência, pois que alcance o plano da validade, o objeto desejado pelas partes, por meio do
contém um objeto ideal quando da manifestação de vontade das partes, é o negócio jurídico pactuado, deverá ser lícito, determinável e ainda possível,
vício da nulidade por conta de impossibilidade física de cumprimento da sustentando que válido, em direito, quer dizer em conformidade com as regras
prestação assumida por meio do contrato e não sua anulabilidade como quer jurídicas posto que é neste degrau, como ensina Marcos Bernardes de Mello
o legislador de modo manifestamente equivocado. (Teoria do fato jurídico: plano da existência, p. 84), que o direito promoverá
Ademais, analisando o teor dos arts. 460 e 461 do CC, ao que parece, o a triagem do que é perfeito ou imperfeito.
que se comprou, foi um objeto sujeito a risco e não o próprio risco, sendo de Enfim, invoca-se ainda, para reforçar a argumentação a regra contida no
se asseverar ainda que, diante do dever lateral de informar imposto às partes, art. 773 do CC, que impõe sanção pecuniária ao segurador que expede apólice
nascido da cláusula geral da boa-fé insculpida no art. 422 do CC, crê-se que o para cobrir risco não mais existente, até porque este contrato também estaria
alienante tem o dever de verificar as condições concretas de existência física viciado pela impossibilidade de seu objeto, destacando-se que nesta hipótese,
da coisa que está a alienar quando do ajuste negocial, o que não será difícil a parte que supostamente estaria lucrando com risco não mais existente, será
em razão dos meios de comunicação colocados à disposição das partes que apenada independentemente da análise de sua conduta, impondo-se-lhe a
compõem a sociedade tecnológica neste início de terceiro milênio, que dentre devolução do valor recebido mais o equivalente.
outros mecanismos, pode recorrer à internet e seus e-mail, rádios com elevado Não se olvide a importância prática da leitura ora sugerida, que salta aos
alcance ou mesmo telefones celulares. olhos quando se pensa que será muito mais fácil ao adquirente do bem não exis-
De fato, regrasse o legislador pátrio a matéria como o fez o Código Civil tente na formação do contrato demonstrar tal fato, a provar o dolo do alienante,
português no art. 881, ditando que “quando se vendam bens de existência ou em razão da dificuldade peculiar desta modalidade probatória, que desce às raias
titularidade incerta e no contrato se faça menção dessa incerteza, é devido o da subjetividade por ocasião da perquirição de estados de consciência.
preço, ainda que os bens não existam ou não pertençam ao vendedor”, não Sobre o assunto, destaque-se por fim, apenas, que a ciência ou não do
se olvida que a solução legal dada em solo tupiniquim estaria correta, entre- alienante acerca do perecimento ou deterioração do objeto produzirá efeitos
tanto, ratifique-se, a idéia extraída no direito brasileiro é a de coisa sujeita a em sede de direito de danos, por conta da violação do já citado dever lateral
risco, o que, salvo melhor juízo, desloca a questão do plano da vontade para de informação, diretriz emanada do princípio da boa-fé objetiva.
o da impossibilidade do desempenho da obrigação em razão da inexistência Ademais, se não for esta a análise mais escorreita dos artigos analisados,
concreta do objeto da prestação. ao menos, por ser muito mais equânime em seus resultados, deveria ser, pois
Nesse condão, acredita-se que a solução do problema há de ser buscada para além de respeitar o princípio da eticidade que sustenta o vigente Código
na teoria geral do negócio jurídico e que, o contido na regra estudada, não tem Civil, não destoa da diretriz constitucional que preconiza que o direito deve
força para prevalecer diante da leitura sistemática que se impõe quando do atuar de modo a promover a redução de desigualdades.
178 Direito dos Contratos CONTRATOS ALEATÓRIOS 179

Além disso, duas outras questões merecem ser analisadas, visando • Na modalidade emptio rei speratae, o risco suportado pelo adquirente
espancar as dúvidas mais comuns que possam pairar quando da análise dos cinge-se à quantidade da coisa adquirida, que sempre deverá ser alcançada
contratos aleatórios, a primeira, versando sobre o campo de atuação das regras em volume mínimo sob pena de resolução do contrato;
insculpidas acerca do tema e a outra, sobre a possibilidade desta espécie de • Se houver dúvida, para além da vontade das partes, o princípio do favor
contrato ser contaminado pelo vício da lesão. debilis induz a analisar o negócio enquanto emptio rei speratae;
Neste condão, analisando a possibilidade de extensão da aplicação das • Coisa sujeita à risco também pode ser alienada, invertendo-se, por ajuste
regras a outras modalidades negociais, para além da compra e venda, encontra-se expresso, a regra do res perit domino;
resposta aparentemente positiva, lecionando Silvio Venosa (Direito civil: teoria • O vício da lesão pode ser aferido em contratos aleatórios.
geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 407) que é perfeitamente
admissível que se pactue um mútuo ou um arrendamento de forma aleatória,
como no caso de cessão onerosa de um imóvel rural com a assunção dos riscos
pelo arrendatário de que o bem esteja ocupado por posseiros.
A segunda questão é proveniente da clássica afirmação doutrinária de
que uma das principais distinções entre os contratos comutativos e os alea-
tórios estaria na possibilidade de o negócio ser ou não infectado pelo vício
da lesão, sendo que Orlando Gomes (Contratos, p. 75), Maria Helena Diniz
(Curso de direito civil: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais,
p. 86), Paulo Nader (Curso de direito civil: contratos, p. 146) e Caio Mário da
Silva Pereira (Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral de
vontade, responsabilidade civil, p. 69), por exemplo, entendem que apenas
nos primeiros esta patologia poderia estar presente, sendo que tal posição,
talvez, se justifique por conta da influência do Código Civil italiano, que
no art. 1.448 dispõe que “non possono essere rescissi per causa di lesione i
contratti aleatori”.
Em rota oposta e, ao que parece com razão, Arnaldo Rizzardo (Contra-
tos, p. 59) antevê a possibilidade de aplicação da teoria da lesão também aos
contratos aleatórios, ainda que destaque que esta não seja a regra, posição
seguida também por Rodrigo Toscano de Brito (Estado de perigo e lesão: entre
a previsão de nulidade e a necessidade de equilíbrio das relações contra-
tuais, p. 67), este último, afirmando que não se quer dizer com isso, que nos
contratos aleatórios não exista um risco natural de ganho ou perda, sendo
tal situação inerente à própria classificação destes contratos, entretanto, “o
que não se pode permitir é que a prestação e a contraprestação demonstrem
desequilíbrio intrínseco”.

2. RESUMO ESQUEMÁTICO
• Aleatório é o contrato em que as prestações assumidas são incertas
quanto à existência ou quantidade;
• No caso de venda emptio spei libertar-se-á o alienante do vínculo
obrigacional assumido, ainda que nada venha a ser produzido, mantido
seu direito a receber o preço;
CONTRATO PRELIMINAR 181

Junior e Luciano de Camargo Penteado. Doação pura, preliminar de doação e contratos


de gestão. Revista de Direito Privado, São Paulo, n. 25, jan.-mar. 2006 – Orlando Gomes.
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Adrian Sotero De Witt Batista e Douglas Dias Ferreira. Campinas: Servanda, 2001 – Roberto
Contrato preliminar de Ruggiero. Instituições de direito civil: direito das obrigações, direitos hereditários. Trad.
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Figueiredo Alves (coord.). Questões controvertidas no novo Código Civil. São Paulo: Método,
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Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986. v. 1 – Antunes Varela. Direito
das obrigações: conceito, estrutura e função da relação obrigacional, fontes das obrigações, Não foi sem tempo que o legislador pátrio se atentou para a necessi-
modalidades das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v. 1 – Arnaldo Rizzardo. Contratos.
Rio de Janeiro: Forense, 2001 – Arnoldo Wald. Obrigações e contratos. São Paulo: RT, 2000
dade de regramento do contrato preliminar, denominado ainda compromisso
– Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral de preliminar, pré-contrato, contrato promessa, contrato preparatório etc., matéria
vontade, responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Carlos Alberto da Mota desconhecida pelo Código Civil recém sepultado e que se encontra positivada
Pinto. Teoria geral do direito civil. Coimbra: Coimbra, 1992 – Carlos Roberto Gonçalves. agora entre os arts. 462 e 466 do atual diploma de direito privado.
Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3 – Claudia
Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1998 – Claudio
A título de intróito, destaque-se, ademais, que a importância desta
Marcelo Kiper. La buena fe y el sistema registral inmobiliario. In:, Lidia María Rosa Garrido modalidade negocial é inquestionável eis, que nem sempre as partes podem
Cordobera e, Viviana Kluger (coord.). Tratado de la buena fe en el derecho. Buenos Aires: concluir imediatamente o contrato definitivo, seja porque a forma não po-
La Ley, 2004. v. 1 – Eduardo Espínola. Dos contratos nominados no direito civil brasileiro. derá ser observada naquele momento; em razão da necessidade de estudos
Atualiz. Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Bookseller, 2002 – Emílio Betti. Teoria geral do preparatórios; ou ainda, porque uma ou ambas as partes não possuam o valor
negócio jurídico. Campinas: LZN, 2003. t. 2 – Enéas Costa Garcia. Responsabilidade pré e
pós-contratual à luz da boa-fé. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003 – Eugene Gaudemet. Teoría
necessário à contraprestação ou até mesmo o próprio objeto da prestação a
general de las obligaciones. Trad. Pablo Macedo. México: Editorial Porúa, 1974 – Fernando ser desempenhada por uma delas.
Noronha. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004. Francesco Messineo. Doctrina
general del contrato. Trad. R. O. Fontanarrosa; S. Sentis Melendo; M. Volterra. Buenos Aires: 1. BREVE RELATO HISTÓRICO E CONCEITUAÇÃO
Ediciones Jurídicas Europa América, 1948. t. 1 – Luis Diez-Picazo. Fundamentos del derecho
Observa-se que o Código Civil recém revogado dispunha em seu art. 1.088
civil patrimonial: introducción, teoria del contrato. Madrid: Civitas, 1996. v. 1 – Luiz Guilherme
Loureiro. Teoria geral dos contratos no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2002 – Manuel que “quando o instrumento público for exigido como prova do contrato, qualquer
Antônio Domingues de Andrade. Teoria geral da relação jurídica: sujeito e objeto. Coimbra: das partes pode arrepender-se, antes de assiná-lo, ressarcindo à outra as perdas
Almedina, 1992. v. 1 – Marcos Jorge Catalan. Considerações sobre o contrato preliminar: em e danos resultantes do arrependimento (...)”, permitindo então, a qualquer das
busca da superação de seus aspectos polêmicos. In: Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo partes que tivesse prometido futuro negócio solene, enquanto não assinada
Alves (coord.). Questões controvertidas: no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo:
a escritura pública, o direito de arrepender-se, limitando o direito da outra a
Método, 2005. v. 4; A hermenêutica contratual no Código de Defesa do Consumidor. Revista
de Direito do Consumidor, v. 62, 2007 – Marcos Jorge Catalan e Thays Cristina Carvalho indenização do interesse negativo surgido da não conclusão do contrato.
Canezin. Reflexões acerca do compromisso de compra e venda. Arte Jurídica: Biblioteca A aludida regra, como se pode aferir, era fonte de manifesta injustiça,
Científica de Direito Civil e Processo Civil, Curitiba, v. 3, 2006 – Maria Helena Diniz. Curso de pois, por exemplo, com a intenção de revender os lotes a terceiros (Carlos
direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, Roberto Gonçalves. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 141)
2002. v. 3 – Mário Júlio de Almeida Costa. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 1994
– Mário Luiz Delgado. Da intransmissibilidade, causa mortis, das obrigações de prestação por melhores preços, sob a chancela do ordenamento jurídico, inúmeros
de fato. In: Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves (coords.). Questões controvertidas: loteadores optavam pela não conclusão do negócio definitivo, limitando-se
no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005. v. 4 – Nelson Nery a devolver o preço recebido.
182 Direito dos Contratos CONTRATO PRELIMINAR 183

À época, o citado dispositivo normativo encontrava amparo no argu- negocial com a qual seja compatível, devendo, necessariamente ser interpretado
mento de que, se a manifestação de vontade consiste em um ato estritamente no contexto hodierno, iluminado pelas diretrizes da eticidade, sociabilidade
pessoal, não poderá ser obtida coativamente, convertendo-se então, toda e operabilidade e ainda pelos princípios da boa-fé objetiva, equivalência das
promessa de contratar não cumprida espontaneamente, em perdas e danos prestações e função social do contrato (Marcos Jorge Catalan. Considerações
(Roberto de Ruggiero. Instituições de direito civil: direito das obrigações, di- sobre o contrato preliminar: em busca da superação de seus aspectos polêmi-
reitos hereditários, p. 339). cos, p. 322).
No Brasil, os primeiros passos acerca do tema foram dados no início do Ato contínuo é imperioso conceituar o que seja contrato preliminar,
séc. XX, notando-se tímida preocupação do legislador com as conseqüências destacando-se que em França, Eugene Gaudemet (Teoría general de las obli-
da proliferação da venda e compra de imóveis (Caio Mário da Silva Pereira. gaciones, p. 285), ensina que la promesa de contrato consiste em “convenios
Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade, respon- que tienem por objeto la conclusión ulterior de un contrato”, enquanto na
sabilidade civil, p. 86), fruto do êxodo rural e da explosão demográfica havida Itália, Francesco Messineo (Doctrina general del contrato, p. 354) sustenta
naquele momento histórico, cumprindo destacar que a construção da figura que “el preliminar es un contrato dirigido a la conclusión de outro (futuro)
em tela confunde-se com a história do compromisso de compra e venda. contrato entre las mismas partes”.
Neste contexto, como se antecipou, atento a tal situação, o Estado Por sua vez, em planícies lusitanas, Mário Júlio de Almeida Costa (Direito
intervém em 1937, por meio do Dec.-lei 58, cujo art. 15 autorizava a tutela das obrigações, p. 316-317), por exemplo, leciona que, como quer o Código
específica, desde que fosse promovida a averbação do negócio preliminar Civil português, o pré-contrato ou contrato preliminar consiste na “convenção
junto ao registro imobiliário, entretanto, ainda se admitia a inserção, no pré- pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”.
contrato, de cláusula de arrependimento. As lições colhidas no direito alienígena não fogem à sustentada por boa
Três décadas depois, no ano de 1964, o Supremo Tribunal Federal, parte dos autores tupiniquins, dentre os quais Arnoldo Wald (Obrigações e
competente até então para apreciar a matéria, pacifica o assunto nos moldes contratos, p. 232), ao discorrer que o contrato preliminar caracteriza-se como
da Súmula 413, diretriz que versa que “o compromisso de compra e venda de um pacto de contrahendo, por meio do qual, a parte “assume a obrigação de
imóveis, ainda que não loteados, dá direito à execução compulsória, quando contratar em certo momento e em determinadas condições” (op. cit., p. 232)
reunidos os requisitos legais”, ratificando o contido no Decreto de 1937. e Carlos Roberto Gonçalves (Direito civil brasileiro: contratos e atos unilate-
Quinze anos após a edição da Súmula citada, a Lei 6.766/1979 derroga rais, p. 88), defendendo que este consiste no negócio que “tem por objeto a
o Dec.-lei 58, detalhando o procedimento para a formação e alienação de celebração de um contrato definitivo”.
loteamentos em solo urbano, garantindo aos adquirentes a outorga da escri- Há de se dar ênfase, ainda, à lição de Paulo Nader (Curso de direito civil:
tura pública e a adjudicação compulsória, desde que promovida a averbação, contratos, p. 157) que, ao trabalhar o tema, ensina que o “contrato prelimi-
inovando ao dispor que são irretratáveis os compromissos de venda e compra nar consiste na promessa não formal, efetuada por uma ou mais partes, de
sob sua égide, em evidente demonstração de preocupação com a função social celebrar determinada modalidade contratual, no futuro e geralmente com
dos contratos. definição de prazo ou condição, com expressa indicação das regras a serem
Enquanto sinal de evolução, ímpar frisar que posteriormente fora afas- observadas”, não sendo outra a idéia defendida por Rodolfo Pamplona Filho
tada por construção jurisprudencial, a necessidade de averbação do contrato (A disciplina do contrato preliminar no novo Código Civil brasileiro, p. 359) ao
para a obtenção de tutela específica, determinando a Súmula 239 do STJ lecionar que este se caracteriza como “uma avença por meio do qual as partes
que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do criam em favor de uma ou mais delas a faculdade de exigir o cumprimento de
compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”, haja vista que tal um contrato apenas projetado”.
formalidade é manifestamente dispensável para que o negócio produza efeitos Como se afere, o contrato preliminar não pode ser confundido com o
entre as partes, sendo útil apenas para dar à obrigação eficácia real, ou seja, contrato principal, posto que seu objeto consiste, exatamente, na conclusão
estendendo os efeitos do contrato a terceiros. deste; muito menos com as negociações preliminares, fase que antecede, de
Como adiantado, a matéria foi positivada no vigente Código Civil, sa- modo mais ou menos intenso, tanto um quanto a outro (Rodolfo Pamplona
lientando-se que para além da compra e venda, talvez, seu principal campo de Filho. A disciplina do contrato preliminar no novo Código Civil brasileiro, p.
atuação, o contrato preliminar poderá ser utilizado em qualquer modalidade 359), e que não gera responsabilidade negocial, posto que serve para que
184 Direito dos Contratos CONTRATO PRELIMINAR 185

as partes possam aferir a real coincidência entre o que acreditam lhes ser Mas e se não houver prazo entabulado pelas partes para o adimplemento
ofertado e o que realmente lhes está sendo proposto (Caio Mário da Silva das obrigações assumidas por meio do contrato preliminar?
Pereira. Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade, Ao que parece, a solução se encontra no art. 331 do CC, sendo necessária
responsabilidade civil, p. 81). a notificação do devedor para que a obrigação se torne eficaz, destacando,
ainda, que seus efeitos só se produzirão após o transcurso de prazo razoável
2. DA POSITIVAÇÃO DA MATÉRIA NO CÓDIGO CIVIL para que a prestação possa ser desempenhada, reflexão nascida no dever la-
O contrato preliminar, como visto, fora recepcionado pela codificação teral de cooperação imposto a ambos os contratantes, ressalvada, outrossim,
vigente, a qual se preocupou em dar o devido tratamento à matéria em cinco em princípio, a existência de cláusula de arrependimento (Antunes Varela.
artigos, cuja importância impõe detalhada análise das regras insculpidas no Direito das obrigações: conceito, estrutura e função da relação obrigacional,
Código Civil vigente. fontes das obrigações, modalidades das obrigações, p. 129) expressamente
Inicialmente, destaque-se que o contrato preliminar não poderá ignorar pactuada.
os elementos essenciais à formação do negócio jurídico almejado, ressalvada É evidente que, uma vez mais em homenagem ao princípio da boa-fé
a forma, que poderá ser livre, nos exatos termos do art. 462 do CC, e deste objetiva, muito embora se permita a inserção de cláusula de arrependimento,
modo, há de respeitar os pressupostos de existência e os elementos de validade esta não poderá estar acompanhada de cláusula de decaimento, posto que
inerentes ao contrato definitivo, com exceção do destacado. ofensiva ao senso ético que deve balizar a conduta dos contratantes, e deste
Ressalte-se, desde já, que há mérito em tal opção, ao contrário do que modo, nestes casos, há de ser considerado nulo qualquer ajuste que implique
ocorre, por exemplo, no Codice Civile, ao dispor em seu art. 1.351 que “o na perda total do valor pago; salientando-se, ademais, que em princípio, aquela
contrato é nulo se não observar a forma prescrita para o contrato definitivo”, só será admitida em negócios paritários.
situação que salvo melhor juízo, em muitas hipóteses, acaba por inviabilizar Ainda sobre o assunto, não se pode ignorar que, se o contrato preliminar
a operabilidade da figura sob análise. versar sobre aquisição de imóvel em loteamento urbano, a cláusula de arre-
Não se pode ignorar, entretanto, que a aludida liberdade de forma não pendimento não prevalecerá, consoante o art. 25 da Lei 6.799/1979, norma
possa ser sustentada de modo absoluto, haja vista que quando o negócio possua de ordem pública e inderrogável pela autonomia privada, reputando-se tal
valor superior a dez salários mínimos, há de se respeitar o disposto no art. cláusula como não escrita.
227 do CC, regra repetida no art. 401 do Diploma Processual, e o contrato, Mas neste caso, dúvida pode surgir se o imóvel urbano não estiver sendo
nesses casos, deve ser celebrado por escrito (Silvio Rodrigues. Direito civil: dos alienado por empresa loteadora. Imagine-se a hipótese em que um particular
contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 128), respeitando assim resolve, por meio de pré-contrato, pactuar a alienação futura do imóvel em
os artigos destacados, preceitos úteis ao menos para a solução de problemas que reside por conta de provável necessidade de mudar seu domicílio em
inerentes à seara probatória. virtude da relação de trabalho que possui sem, entretanto, inserir tal condição
Superada esta questão, na medida em que o objeto do contrato preliminar no negócio.
consiste na manifestação de vontade hábil a formar o contrato definitivo, a Ao que parece, por tratar-se de contrato paritário, será lícito o ajuste de
partir do momento em que é externada, observados os elementos essenciais cláusula de arrependimento, posto que na hipótese pensada, seria um contra-
e naturais, e desde que se torne eficaz, com o advento do termo ou da condi- senso obrigar o promitente vendedor a desfazer-se do imóvel em que reside
ção ajustada, deve ser cumprido, pois, como ensina Ricardo Luis Lorenzetti se a mudança esperada não vier a se concretizar, respeitando-se, neste caso,
(Tratado de los contratos: parte general, p. 307), “en el contrato preliminar, hay a vontade livremente externada.
una obligación de contratar, es decir, se afeta la libertad de celebración”. Poderá ocorrer, ainda, que o devedor, depois de transcorrido o prazo
Tal assertiva é ratificada pelo o art. 463 do CC, ao dispor que “concluído para o cumprimento da obrigação, mantenha-se inerte, sendo que a solução
o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e para o caso é encontrada no art. 464 do CC ao dispor que “esgotado o prazo,
desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadim-
terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra plente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se
para que o efetive”. opuser a natureza da obrigação”; e deste modo, com exceção das obrigações
186 Direito dos Contratos CONTRATO PRELIMINAR 187

personalíssimas, está o Poder Judiciário autorizado a intervir diretamente na Ainda sobre o assunto, ensina Orlando Gomes (Contratos, p. 138) que
esfera volitiva do devedor inadimplente. “na promessa unilateral, a faculdade de exigir o cumprimento reserva-se
Deste modo, quando o objeto devido no contrato definitivo seja a en- exclusivamente a uma das partes [enquanto] a outra contrai obrigação cujo
trega de coisa certa, ou mesmo apenas determinável, e considerando-se que adimplemento fica subordinado à vontade que pode exigi-lo”, não sendo outra
manifestação de vontade fora suprida pelo juiz, mediante requerimento do a posição do legislador italiano, ao regrar no art. 1.331 do Codice Civile que
credor, aquele deve autorizá-lo a se apoderar do bem. “quando as partes convencionem que uma delas permanecerá vinculada à
Neste contexto, hodiernamente, não basta que o devedor se ofereça própria declaração e a outra tenha a faculdade de aceitá-la ou não, a declaração
ao pagamento das perdas e danos que resultem do incumprimento de sua da primeira se considera como irrevogável”.
obrigação (Robert Joseph Pothier. Tratado das obrigações, p. 138), não sendo Neste condão, é perfeitamente aceitável que uma das partes atraia para
outra a solução dada pelo direito italiano, consoante se extrai do art. 2.932 ao si o direito de adquirir ou alienar determinado bem ou se reserve ao direito
dispor que “se colui che è obbligato a concludere un contratto non adempie de exigir o desempenho de obrigação de fazer ou não fazer à qual se obrigou
l’obbligazione, l’altra parte, qualora sia possibile e non sia escluso dal titolo, può o parceiro negocial por meio do contrato preliminar.
ottenere una sentenza che produca gli effetti del contratto non concluso”. Há de se chamar a atenção para o fato de que tais negócios se formam
Por conta disto, está autorizado o juiz, desde que provocado, no caso de com a vontade de ambos os contratantes, ao contrário do que aparentemente
acontece no direito português, cujo art. 410º dispõe que “(...) a promessa
contrato preliminar que vise à alienação de imóvel, intimar o oficial do Registro
respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer
de Imóveis para que promova a alteração na matrícula do bem, e na hipótese
autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte
de entrega de bem móvel, cominar astreintes no próprio mandado citatório,
que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral
facultando ao devedor o adimplemento da obrigação, mediante a entrega do
ou bilateral”, questão ratificada por Antônio Manuel da Rocha e Menezes
objeto ou o depósito da coisa, caso pretenda opor embargos; ou ainda, emitir
Cordeiro (Direito das obrigações, p. 462), que entende que, quando o negócio
mandado de busca e apreensão se o devedor mantiver-se inerte.
for monovinculante, bastará a assinatura daquele que assume o dever jurídico
Por outro lado, em se tratando de obrigação de fazer, sendo esta perso- de sujeitar-se à vontade do beneficiário da promessa.
nalíssima, caberá ao credor requerer a cominação de astreintes, na expectativa Por fim, eventual dúvida acerca do prazo para aquiescência do credor
de que o devedor cumpra o ajustado, uma vez que medidas físicas seriam no tocante ao interesse na promessa externada unilateralmente pelo parceiro
ofensivas à dignidade da pessoa humana, restando ao credor direito à pretensão negocial, quando este não tenha sido ajustado entre as partes, encontra solução
reparatória, a ser exercida alternativa ou cumulativamente. na parte final do art. 466 do CC, que impõe a concessão de prazo razoável para
Como se observa, tal qual ocorre nos contratos definitivos, caberá ao a aceitação ou não da proposta, sendo que tal direito é instrumentalizado por
credor a faculdade de optar pela resolução do negócio cumulada com con- meio da obrigação imposta ao devedor de notificar o credor para que exercite
denação em eventuais perdas e danos (Enéas Costa Garcia. Responsabilidade seu direito potestativo, sob pena de decadência, com prazo ajustado no acordo
pré e pós-contratual à luz da boa-fé, p. 59), como se extrai do art. 465 do CC; de vontades ou na notificação, visando aquela a supressão dos efeitos nascidos
regra que se extrai, aliás, também do contido no art. 475 do mesmo Diploma, da promessa unilateral até então eficaz.
impondo-se-lhe, outrossim, que demonstre a inutilidade da tutela específica,
eis que o exercício de um direito há de ser justificado em razão de sua função, 3. ASPECTOS POLÊMICOS
em especial as vertentes econômica e social, sendo vedado à parte exercitar Embora o tema em comento tenha sido positivado no hodierno diploma
posições jurídicas sem a observância de tais valores. de direito privado, dúvidas permanecem, dentre elas, inicialmente, a que pertine
Frise-se ainda, que o compromisso preliminar poderá ser unilateral, sem à possibilidade de obtenção de tutela específica na promessa de doação.
que o negócio perca a característica de contrato, nos exatos termos do art. 466 Acerca do assunto, defende Luis Diez-Picazo (Fundamentos del derecho
do CC e nesta situação, promitente e promissário manifestam sua aquiescência civil patrimonial: introducción, teoria del contrato, p. 337-338) que dada a
aos termos do negócio preliminar, mas, apenas um deles expressa o intuito de especial estrutura e a causa dos negócios gratuitos, a promessa unilateral
comprar ou vender, ato irretratável salvo ajuste em contrário (Paulo Nader. do doador não gera para este nenhuma obrigação e seu cumprimento não
Curso de direito civil: contratos, p. 157). poderá ser exigido; enquanto a promesa bilateral, aceita pelo donatário ou é
188 Direito dos Contratos CONTRATO PRELIMINAR 189

em si mesma uma doação perfeita ou tão pouco pode determinar no futuro a Não se pode, assim, afastar a validade da promessa de doação, uma vez
obrigação de realizar a doação. que, para além do que fora antes delineado, a nova ordem negocial impõe às
No Brasil, em idêntico sentido, Caio Mário da Silva Pereira (Instituições partes a observância ao princípio da boa-fé objetiva em todas as fases da relação
de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade negocial, e por conseqüência, o respeito à legítima expectativa (Claudia Lima
civil, p. 257), sustenta que muito embora no campo formal, seja perfeitamente Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 106) depositada na
possível aceitar sua formação, pois o contrato preliminar tem como escopo conduta do parceiro negocial, respeitando-se a confiança entre elas nascida.
uma futura e pré-delimitada manifestação de vontade apta a formar o negócio Outra polêmica que merece ser superada sintetiza-se no fato de que,
definitivo, ontologicamente a solução não satisfaz, posto que na recusa do em razão de injustificável tradição histórica (Luis Diez-Picazo. Fundamentos
promitente doador em manifestar sua aquiescência, ratificando a intenção de del derecho civil patrimonial: introducción, teoria del contrato, p. 139), sus-
doar, a conseqüência seria uma doação coativa ou uma liberalidade ao arrepio tenta-se que os contratos classificados como reais (aqueles que só se tornam
do animus donandi, o que não pode ser aceito. perfeitos mediante a entrega da coisa), não poderiam se objeto de contrato
O caminho indicado é trilhado pelo STF, ao frisar que “a nota promis- preliminar.
sória objeto da demanda não é cambiariamente ou executivamente exigível, Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (Direito das obrigações,
porque representava uma promessa de doação, e promessa de doação não se p. 421), sobre o assunto, sustentando a posição clássica, discorre que “(...)
executa, não se exige coercitivamente” (2.ª T., RE 122.054/RS, rel. Min. Carlos segundo a opinião tradicional e, ainda hoje, dominante, a tradição seria
Velloso, j. 15.06.1993, v.u., DJ 06.08.1993, p. 14.905); excepcionando, ou- um elemento constitutivo do próprio contrato real em si; enquanto ela não
trossim, as hipóteses em que a mesma é feita em razão de transação realizada ocorresse, seria impossível, sequer, falar de contrato [e] a ela se opõe a tese
pelos cônjuges na separação e em benefício dos filhos, como se vê no voto segundo a qual a tradição apenas representaria condição de actuação de um
do Min. Otávio Gallotti, ao sustentar que a “promessa de doação aos filhos contrato, já formado pelo simples consenso das partes”.
do casal, inserida em acordo de separação judicial, já ratificado, não pode ser Neste contexto, se o aludido ato material é essencial à existência do
unilateralmente retratada por um dos cônjuges” (1.ª T., RE 109.097/RS, j. contrato, também não será possível aceitar que o negócio seja entabulado na
09.09.1986, v.u. DJ 10.10.1986, p. 18.930). forma de contrato preliminar, ante a manifesta ausência de um dos pressu-
Em que pese tais argumentos, extremamente conservadores, insta des- postos para sua entrada no mundo jurídico.
tacar que, se a promessa de doação impuser encargo ao donatário, a mesma, Tal postura não pode ser aceita consoante se afere em Carlos Alberto da
na medida em que se aproxima dos negócios bilaterais, deve estar sujeita às Mota Pinto (Teoria geral do direito civil, p. 398), que ensina que os contratos
mesmas regras que direcionam a interpretação de tais contratos, vedando-se reais não são nada mais que resquício do formalismo romanista não tendo
o incumprimento. hoje qualquer função útil, sustentando que mesmo o negócio classificado
Além disso, ainda que o contrato preliminar verse acerca de futura doa- como real seja interpretado como nulo ante a falta de entrega da prestação, o
ção pura, como ensina Eduardo Espínola (Dos contratos nominados no direito pacto há de ser convertido em um contrato preliminar.
civil brasileiro, p. 250), há manifesta possibilidade do ajuste de doação em Em verdade, parece que sequer tal solução se faz necessária.
forma de pré-contrato, lição complementada pelas palavras de Paulo Nader Primeiro porque, muito embora reste evidente que o contrato preliminar
(Curso de direito civil: contratos, p. 289), ao lecionar que a espontaneidade deva conter, com exceção da forma, todos os elementos do negócio definitivo,
deverá estar presente no ajuste preliminar, posto que é neste momento que nos contratos reais, a exigência de entrega do bem implica na caracterização
as partes exercem a autonomia privada, sendo o contrato definitivo mera deste último requisito como elemento nuclear do negócio desejado pelas partes
conseqüência daquela. e sem o qual o negócio inexistiria, como ocorre também nas doações de bens
Idêntico raciocínio se observa nas idéias de Arnaldo Rizzardo (Contratos, móveis de pequeno valor (Nelson Nery Jr. e Luciano de Camargo Penteado.
passim), que defende que aqueles que sustentam que a execução que busque Doação pura, preliminar de doação e contratos de gestão, p. 16), e já que a
impor a quem prometeu doar desnaturaria a intenção de praticar a libe- forma eleita para o contrato definitivo é dispensada nos pré-contratos, nada
ralidade estariam equivocados, posto que a intenção de doar se depreende obsta que os contratos reais sejam objeto de contrato preparatório.
da manifestação de vontade no contrato preliminar e neste momento é que Assim, se a entrega do bem, enquanto pressuposto de existência dos
a generosidade do doador se manifesta. negócios classificados como reais, nada mais é que a alusão a seu elemento
190 Direito dos Contratos CONTRATO PRELIMINAR 191

formal, na medida em que a forma é dispensada para a construção do pré- Cabe ainda analisar os efeitos do contrato preliminar em relação a ter-
contrato enquanto estrutura a recebida pelo ordenamento, será lícita sua ceiros, matéria positivada no parágrafo único do art. 463 do CC, posto que,
pactuação sob a veste de contrato preliminar. se em regra a eficácia de um negócio jurídico está limitada às partes, pode
Para além disso, reforçando a argumentação, pense-se numa promessa de estender-se e atingir terceiros estranhos ao negócio, normalmente mediante
mútuo (Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: contratos em espécie, p. 242) feita a observância à publicidade do ato (Emílio Betti. Teoria geral do negócio ju-
por instituição financeira, pré-aprovada, e aceita pelo oblato, situação que à rídico, p. 77).
luz da corrente clássica, imporia ao pretenso mutuante, na negativa de entrega A propósito, merece lembrança o Enunciado 30 da I Jornada realizada
do crédito, direito apenas a eventual reparação nascida da responsabilidade pelo Conselho da Justiça Federal, versando que “a disposição do parágrafo
pré-negocial, sendo-lhe negada a tutela específica, pois à luz da dogmática único do art. 463 do novo CC deve ser interpretada como fator de eficácia
clássica, sem a entrega do bem, os negócios reais não podem sequer existir, e perante terceiros”, idéia que traz ao direito obrigacional a possibilidade de
deste modo, não há como se pensar nem mesmo na possibilidade de conversão oponibilidade erga omnes inerente aos direitos reais, impondo-se a terceiros o
do negócio, hodiernamente positivada no art. 170 do CC. dever jurídico de não colaborar com a inexecução das obrigações pactuadas
Parece claro que a primeira solução deve perdurar, pois para além do entre as partes (Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. Direito das
argumento já deduzido, é evidente que a expectativa depositada pelo credor obrigações, p. 263).
no efetivo cumprimento da obrigação assumida preliminarmente pelo de- Ocorre que, se de um lado os terceiros estão obrigados a respeitar as
vedor, que se obrigou a ajustar ulteriormente o negócio definitivo, é digna relações negociais entabuladas pelas partes, por outro, se impõe que, para
de tutela. tanto, os mesmos devam ter ciência da existência das mesmas, estado que
Sobre o tema, observe-se ainda o contido no direito italiano, segundo o se prova por meio da inscrição da minuta do contrato preliminar perante o
qual, o empréstimo típico, real, é regrado nos arts. 1.813 a 1.821 do CC; sendo Cartório de Títulos e Documentos; sendo que a obrigação com eficácia real
que o art. 1.822 integra tal disciplina, preceito aplicável à hipótese em que as sobre o bem será adquirida com a averbação do pré-contrato junto à matrícula
partes acordam a promessa de consignar; concluindo assim o contrato no seu do imóvel no Registro de Imóveis, como prevê o Código Civil.
complexo estrutural como se fosse um contrato consensual qualquer (Valerio Assim, em princípio, na hipótese dos contratantes deixarem de pro-
di Gravio. Teoria del contratto reale e promessa di mutuo, p. 252). mover a averbação da minuta que instrumentaliza o pré-contrato junto à
A favor da tese defendida, em planícies argentinas, onde também perdura Escrivania competente, ato que consiste em faculdade e não em dever como
a postura ora combatida, Ricardo Luis Lorenzetti (Tratado de los contratos: a leitura superficial da aludida regra induz a pensar (Silvio de Salvo Venosa.
parte general, p. 226) sustenta que a tendência legislativa se inclina a eliminar Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 423),
a categoria dos contratos reais ou ao menos reconhecer a validade do contrato haverá apenas ineficácia relativa, não sendo produzidos efeitos em relação a
preliminar com tal objeto, conferindo ao credor ação de cumprimento. terceiros, como ocorre também nas hipóteses da não notificação do cedido na
Não se olvida, após tais reflexões, que ante a previsão constitucional de cessão de crédito ou na venda a non domino (Antônio Junqueira de Azevedo.
acesso à ordem jurídica justa, e em especial, também por força da teoria da Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, p. 60).
confiança, é plenamente possível que se pactue em forma de pré-contrato os Indaga-se, neste contexto, finalmente se bastaria ao terceiro aferir apenas
negócios classificados como reais. junto às citadas escrivanias extrajudiciais a existência de negócios penden-
Aliás, outra não é a tese sustentada por Luis Diez-Picazo (Fundamentos tes acerca do domínio do bem que pretende adquirir ou deveria ele praticar
del derecho civil patrimonial: introducción, teoria del contrato, p. 140) para outros atos, pergunta que pode ser formulada também ao se questionar se
quem “los contratos consensuales de mutuo, depósito, comodato y prenda será admitida, por outros meios, a prova de que o terceiro tinha ciência do
son, pues, válidos y su naturaleza no varia por su consensualidad”. negócio pactuado pelas partes?
Como se denota, é perfeitamente aceitável a gênese de contratos hoje Ao responder à indagação Claudio Marcelo Kiper (La buena fe y el sistema
classificados como reais sem a entrega da coisa, na forma de contrato prelimi- registral inmobiliario, p. 601) sustenta que a tal conduta “debe unirse, para
nar ou mesmo enquanto negócio principal de natureza consensual, devendo confirmar la ignorancia de lo sucedido fuera del registro, una actitud diligente,
ser afastada a tradição histórica que lê na necessidade de entrega do bem, cuidadosa, que demuestre que el tercero adquirente hizo todo lo que estaba
pressuposto de sua existência. a su alcance para averiguar la bondad de la situación”.
192 Direito dos Contratos CONTRATO PRELIMINAR 193

Tal postura parece bastante acertada, especialmente no atual contexto qualquer pretensão reparatória em favor do que acreditou na promessa rea-
social em que o trânsito de informações tornou-se mais acessível, impondo-se liza sem a outorga uxória, posto que o parágrafo único do art. 439 do CC é
a quem se alega terceiro de boa-fé o dever de prová-lo mediante a demonstra- explícito ao frisar que, neste caso, não caberia indenização, excepcionada a
ção de uma conduta diligente e proba, impondo-se, por exemplo, ao pretenso hipótese de dolo de quem prometeu fato de outrem, outrossim, conhecendo
adquirente de um imóvel, o dever de visitá-lo para aferir se está cercado ou se o contratante a renitente postura do cônjuge quanto à ausência do desejo de
há alguém exercendo sua posse (Marcos Jorge Catalan. Considerações sobre alienar imóvel, e ainda sim prometendo a anuência do mesmo, haveria violação
o contrato preliminar: em busca da superação de seus aspectos polêmicos, do deveres laterais de informação e de cooperação, corolários do princípio da
p. 336). boa-fé objetiva, e em razão de tal ofensa, haverá dever de indenizar consoante
Insta ressaltar também, enquanto polêmica que pode eventualmente o art. 187 do CC.
surgir, que parece evidente que não sendo a obrigação assumida por meio
do contrato preliminar classificada como intuito personae, impõe-se aos
4. RESUMO ESQUEMÁTICO
sucessores do devedor a responsabilidade pelo cumprimento do ajustado e 1. Breve relato histórico e conceituação
morrendo o credor, seus sucessores receberão a prestação prometida. • O contrato preliminar tem por objeto a celebração de um contrato
Há um outro aspecto que pode ser fruto de controvérsias quando se definitivo;
versa acerca do contrato preliminar e cuja análise se faz imperiosa: haverá • Cuidado para não confundir com o contrato principal ou com as
necessidade de vênia conjugal quando um dos contratantes for casado e o negociações preliminares
negócio versar sobre futura alienação de bem imóvel ou esta se faz necessária 2. Da positivação da matéria no Código Civil
apenas por ocasião do acordo definitivo? • Não ignorar os elementos essenciais à formação do negócio jurídico
A questão é respondida mediante leitura conjunta do disposto nos arts. almejado, ressalvada a forma, que poderá ser livre;
1.647, I, 462 e 166, VII, todos do CC e parece que não haveria argumentos • É irrevogável salvo ajuste em sentido contrário e autoriza em regra a
sustentáveis a autorizar interpretação diversa da que impõe a necessidade da tutela específica;
concordância do cônjuge (Luiz Guilherme Loureiro. Teoria geral dos contratos • Não admite cláusula de decaimento, embora aceite cláusula de
no novo Código Civil, p. 194). arrependimento se discutido de modo paritário;
De fato, considerando-se que o art. 462 do CC determina que para além • O compromisso preliminar poderá ser unilateralmente assumido, embora
da forma, todos os demais elementos de validade do negócio jurídico deverão mantenha-se bilateral na formação.
ser observados e o art. 1.647 antes referenciado proíbe a transmissão de bens 3. Aspectos polêmicos
imóveis sem autorização do cônjuge, salvo no regime da separação absoluta, • Apesar de argumentos em sentido contrário, a promessa de doação e
não pode ser outra a conseqüência da inobservância da outorga conjugal o contrato preliminar prometendo o ajuste futuro de contrato real são
senão a nulidade do contrato preliminar. perfeitamente admissíveis;
Em verdade, o foco do problema reside na necessária legitimação para • A ausência de averbação do contrato preliminar junto ao RI gera mera
a prática desta espécie de negócios, situação observada nesta modalidade de ineficácia em relação a terceiros;
negócios jurídicos (Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: teoria • Se tiver por objeto a futura alienação de imóvel e o proprietário for
das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 379), por expressa disposição casado, haverá necessidade de vênia conjugal, salvo se casado no regime
legal, que no caso específico, tutela a entidade familiar, sustentando Vicente da separação voluntária.
Ráo (Ato jurídico: noção, pressupostos, elementos essenciais e acidentais,
p. 104) que legitimação “indica a exigência legal, imposta a certas pessoas
capazes, de preenchimento de especiais habilitações subjetivas ou objetivas
para a celebração de determinados atos”.
Neste contexto, na ausência da autorização do cônjuge, a conseqüência
é a não recepção pelo sistema dos efeitos pretendidos pelas partes (Francesco
Messineo. Doctrina general del contrato, p. 89) e em princípio não haverá
EXTINÇÃO 195

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Civil de 2002 sobre a Lei 8.245/1991 – Lei de Locação. In:, Frederico A. Paschoal e José Aguiar Junior. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide,
Fernando Simão (orgs.). Contribuições ao estudo do novo direito civil. Campinas: Millennium, 1991; A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 14,
196 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 197

abr.-jun. 1995. Teresa Negreiros. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: ajustadas, e em razão do exercício do direito à resilição; enquanto, a seu turno,
Renovar, 2002 – Vera Maria Jacob de Fradera. O direito dos contratos no século XXI: a o contrato seria dissolvido nas situações de detecção de vícios que afetem a
construção de uma noção metanacional de contrato decorrente da globalização, da integração
regional e sob influência da doutrina comparatista. In: Maria Helena Diniz e , Roberto Senise
formação do negócio; em virtude da resolução do contrato com origem no
Lisboa (coords.). O direito civil no século XXI. São Paulo: Saraiva, 2003 – Washington de incumprimento ou no preenchimento do suporte fático da teoria da onero-
Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. Atualiz. Carlos Alberto Dabus sidade excessiva; de revogação do negócio jurídico; ou ainda, por conta de
Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 5. elementos externos que impeçam o cumprimento do contrato, como no caso
de desaparecimento do objeto da prestação.
1. DA DISSOLUÇÃO DO CONTRATO E DA EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA: Portanto, não se pode confundir o término das obrigações nascidas do
PRECISÕES TERMINOLÓGICAS ajuste negocial com a desconstituição do próprio acordo de vontades, ou seja,
A questão pertinente às formas de extinção do contrato e da relação com a extinção do contrato, e desta forma, como se observa o foco da clas-
obrigacional é ainda hoje daquelas que não encontraram unívoca leitura, sificação proposta encontra-se na manutenção ou não dos efeitos desejados
existindo, ao contrário, profunda confusão terminológica no que pertine aos pelos negociantes quando da formação do acordo de vontades.
modos como o negócio jurídico pode alcançar seu fim, tumulto este causado, No primeiro grupo de casos, estariam inseridos o pagamento e a resilição
entre outros fatores, pela péssima redação do parágrafo único, do art. 1.092 do negócio jurídico, hipóteses em que o contrato se mantém enquanto lem-
do CC revogado; e neste condão, a proposta adiante formulada, reflete apenas brança projetada no tempo e que a história tende a preservar, pois o negócio
uma singela tentativa de sistematização do assunto. observou fielmente o papel que possui, mantendo-se, assim, as obrigações
cumpridas enquanto efeitos outrora oriundos daquele.
Inicialmente, propõe-se a dicotomia do tema em dois grandes grupos: o
De fato, considerando-se que o contrato é celebrado com a expectativa
primeiro, ocorrendo quando o contrato encontrar seu fim com a manutenção
de que as obrigações ajustadas entre as partes devam ser cumpridas (José
dos efeitos produzidos até então, situação que, em verdade, implica na extinção
Fernando Simão. Direito civil: contratos, p. 73), na medida em que estas são
dos deveres oriundos da relação obrigacional até então eficaz (Rodrigo Xavier desempenhadas por qualquer uma das formas previstas em lei, haverá paga-
Leonardo. Extinção, distrato, resolução, resilição e rescisão: um estudo de teoria mento, clímax buscado no processo obrigacional, implicando na liberação
geral dos contratos a partir da representação comercial, p. 160); e o segundo, dos vínculos antes assumidos por uma ou ambas as partes.
albergando os casos que impliquem na cessação dos efeitos pretendidos por uma Neste contexto, tenha o adimplemento sido atingido frontalmente pela
ou ambas as partes quando da conjunção de vontades, mediante a reposição dos fiel observância aos termos ajustados, ou por qualquer outra via que implique
parceiros contratuais ao estado em que se encontravam antes do exercício da au- no rompimento das amarras que atavam as partes, dentre elas: a consignação,
tonomia privada, aqui sim, efetivamente, operando-se a extinção do contrato. a sub-rogação, a imputação do pagamento, a datio in solutum, a novação, a
A proposta formulada parte da premissa de que o contrato, enquanto compensação, a confusão, a remissão, estará extinta a obrigação, ou ainda,
negócio jurídico caracteriza-se como manjedoura da relação jurídica obrigacio- ocorrendo a prescrição, aquela perderá sua eficácia em razão da supressão da
pretensão, transformando-a em obrigação natural.
nal, dando gênese a esta; hipóteses que se encontram dispostas em relação de
Ademais, tendo em conta que o sistema não admite contratos que impo-
causa e efeito (Rodrigo Xavier Leonardo. Extinção, distrato, resolução, resilição
nham obrigações perpétuas, por meio do direito à resilição, faculta-se inicialmente
e rescisão: um estudo de teoria geral dos contratos a partir da representação
aos sujeitos o direito de dissolverem, de comum acordo, o que fora ajustado.
comercial, p. 158) e neste contexto, suprimido o primeiro, necessariamente
Assevere-se que, nas hipóteses previstas em lei, autoriza-se a apenas uma
suas conseqüências deixarão de existir, outrossim, a extinção dos efeitos da delas impor sua vontade sobre a do parceiro negocial para se libertar do dever
obrigação assumida por meio do contrato, não implica na implosão de sua jurídico assumido, como adiantado, sem abalar a estrutura do contrato e das
fonte, que se mantém perfeita em sua arquitetura, mas agora, apenas em ima- prestações até então desempenhadas, uma vez mais, atingindo-se a extinção
gem projetada no passado, eis que os efeitos dela nascidos, foram fielmente da relação jurídica, mas não do contrato, como nas hipóteses de renúncia ao
observados pelos parceiros negociais. mandato e de denúncia no contrato de locação.
Assim, a relação jurídica obrigacional encontrará fim quando das hipó- Por outro lado, enquanto segundo grupo de casos, confraria que conteria
teses em que houver adimplemento, mediante o desempenho das prestações as hipóteses de extinção do contrato e não apenas das obrigações assumidas,
198 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 199

e cujo principal efeito consiste na reposição dos contratantes ao estado em Tal distinção, ao que parece, é imperiosa, pois para além de conseqüências
que se encontravam antes do ajuste negocial, merecem análise os institutos distintas, impondo-se, no primeiro caso o dever de reparar eventuais perdas
da rescisão, da resolução por fato imputável ou não ao parceiro negocial, e e danos, o que não ocorre na segunda situação, os fundamentos em ambos os
por fim, da revogação da doação. eventos são diversos, pois a resolução impõe a caracterização de seu suporte
Ato contínuo, saliente-se que a rescisão caracteriza-se no mecanismo fático à imputabilidade do evento ao agente; pressuposto este dispensado na
que autoriza a desconstituição do negócio viciado em sua formação, por fato segunda hipótese que derivará de fato externo à álea de atuação do devedor.
pretérito (Rodrigo Xavier Leonardo. Extinção, distrato, resolução, resilição e Retomando o tema, fato é que em ambos os casos o contrato desaparecerá,
rescisão: um estudo de teoria geral dos contratos a partir da representação e as partes serão realocadas ao estado em que se encontravam no momento
comercial, p. 177) ou concomitante (Araken de Assis. Resolução do contrato anterior ao ajuste, muitas vezes, sendo necessário no incumprimento imputável,
por inadimplemento, p. 71) à manifestação de vontade das partes, como ocorre que o responsável seja condenado a reparar eventuais danos e interesses.
nos casos de incapacidade dos sujeitos de direito, de vício na manifestação Por fim, cumpre trazer a lume a revogação do contrato de doação, que
volitiva ou ainda de inobservância à forma eleita por lei, sendo causa da ex- por conta de seu modo de atuação, também se encaixa como evento que leva à
tinção do contrato, pois se, de um lado, para a análise do plano da validade, extinção do contrato. A revogação enquanto figura peculiar consiste na retirada
deve-se pressupor que este exista (Mello, p. 84), por outro, a invalidade do da vontade que ensejou o ato de liberalidade do doador, desconstituindo os
ajuste implica na desconstituição dos efeitos até então produzidos, no caso efeitos do negócio pactuado quando do preenchimento de situações que, em
do negócio ser anulável, ou na declaração de sua nulidade, a qual, em regra, linhas gerais, demonstrem ingratidão da parte que teve seu patrimônio am-
carrega consigo o reconhecimento da não produção dos efeitos desejados. pliado sem que fosse obrigado a assumir quaisquer ônus quando em confronto
Tal posição, como antes frisado, não é pacífica, sendo que, por exemplo, com o sacrifício patrimonial assumido pelo parceiro negocial; balizando-se
Álvaro Villaça Azevedo (Teoria geral dos contratos típicos e atípicos, p. 111) pelo senso ético que deve reger as relações sociais.
sustenta que a rescisão se dará quando se estiver diante de uma situação Nestas hipóteses, parece lógico que eventuais frutos colhidos antes da
de incumprimento imputável a uma ou ambas as partes, hipótese que à luz citação não deverão ser restituídos, tendo ainda o donatário direito a levantar
da classificação proposta neste trabalho seria de resolução (Marcos Jorge ou ser indenizado nas benfeitorias realizadas, o que se sustenta a partir dos
Catalan. Descumprimento contratual: modalidades, conseqüências e hipóteses princípios e regras que orientam as questões possessórias, fato este que não
de exclusão do dever de indenizar, passim). impede que a prestação principal seja restituída ao doador.
Caminhando sempre à frente, diante da proposta de sistematização Em linhas gerais, encerra-se este tópico por meio de representação
sugerida, a resolução consiste na porta que se abre à parte que, em negócio metafórica, imaginando-se um dirigível, que pode ser levado ao museu após
jurídico bilateral, deseja desvincular-se do contrato cujo cumprimento se cumprir as missões para as quais foi construído (pagamento) ou por entender
torna impossível em razão de fato superveniente, seja ele imputável ou não ao o dono ou os passageiros que as mesmas não mais lhes interessam (resilição),
parceiro negocial, pois, em princípio, como quer Araken de Assis (Resolução nestes casos, continuando a existir, muito embora não mais possua utilidade
do contrato por inadimplemento, p. 46) “os eventos inimputáveis ao devedor prática; sendo que o mesmo pode explodir em razão de defeito de projeto
elidem apenas a pretensão a perdas e danos”; sendo evidente que, quando (rescisão), porque fora mal conduzido pelo piloto, vindo a chocar-se com uma
se tratar de contrato de execução diferida, as prestações desempenhadas no colina (resolução), por sabotagem promovida por um passageiro (revogação)
passado serão mantidas em homenagem à sinalagma funcional até então ou porque atingido por um raio (extinção).
respeitada, evitando-se assim injusto enriquecimento.
Em que pese a posição estampada anteriormente, talvez seja melhor tra- 2. DA RESILIÇÃO E SUAS MODALIDADES
tar-se como resolução a situação que encerra o contrato por fato imputável ao Como observado, em linhas gerais, pode ser afirmado que a resilição
devedor, e como extinção a hipótese de perecimento ou deterioração do objeto consiste no direito atribuído às partes, em razão da natureza do negócio cele-
prometido por fato não imputável ao mesmo, expressão que alcança ainda o brado, de pôr fim a relação jurídica (Washington de Barros Monteiro. Curso de
caso de morte do devedor que assumiu obrigação de fazer, fenômeno conhecido direito civil: direito das obrigações, p. 76) ou na figura que leva à “dissolução
por cessação do contrato (Orlando Gomes. Contratos, p. 182-189). do vínculo contratual, mediante atuação da vontade que o criara” (Caio Mário
200 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 201

da Silva Pereira. Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral autoriza unilateralmente a constituir, modificar ou extinguir uma situação
de vontade, responsabilidade civil, p. 151). subjetiva, produzindo efeitos que provocarão interferência na esfera jurídica
Há de se destacar preambularmente que a resilição, poderá ser exercida de outrem.
de modo bilateral ou unilateral, situações que merecem tratamento diverso. Como se observa, ter-se-á o direito potestativo quando o poder conferido
Na primeira hipótese, impõe a comunhão de vontades, declarações ou a seu titular lhe permite a produção de efeitos jurídicos como decorrência
interesses, e será admitida em todas as modalidades contratuais (José Fernando exclusiva de sua declaração de vontade, impondo ao parceiro negocial o de-
Simão. Direito civil: contratos, p. 74) desde que a vontade seja manifestada ver de suportá-los sem que possa se opor, cominando-lhe estado de sujeição
de modo livre. (Manuel Antônio Domingues Andrade. Teoria geral da relação jurídica, p.
Por outro lado, no segundo caso, ao que parece, pode ser exercido 12-13) ou como quer Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria geral do direito
por meio de declaração unilateral de vontade, entretanto, resta limitada aos civil, p. 174), consiste no poder jurídico, exercido por meio de manifestação
contratos de trato sucessivo, pactuados sem prazo determinado, haja vista unilateral de vontade, que produz efeitos jurídicos que se impõe ao parceiro
que ninguém pode ser obrigado a permanecer eternamente atado ao parceiro na relação obrigacional.
negocial; admitida ainda, excepcionalmente, quando da compra e venda re- O direito potestativo consiste assim, no poder atribuído ao agente de
alizada fora do estabelecimento comercial, consoante expressa autorização influir na esfera jurídica de outrem, criando, alterando ou mesmo extinguin-
do art. 49 da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), ou ainda, do uma situação jurídica sem que a este seja autorizado fazer alguma coisa,
por exemplo, de restituição justificada do imóvel locado, conforme previsto para além de sujeitar-se à vontade daquele que é titular do direito em questão
no parágrafo único do art. 4.° da Lei 8.245/1991. (Francisco Amaral. Direito civil: introdução, p. 558).
No Código Civil o art. 472 tratou de cuidar das situações em que a Após tais reflexões, não há como se negar que a resilição unilateral deva
resilição é exercida mediante a conjunção de vontades das partes, ocasião na ser tratada como direito potestativo, haja vista que como dispõe o art. 473 do
qual haverá o distrato, dispondo que este “faz-se pela mesma forma exigida CC, “a resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamen-
para o contrato”, negócio o qual, em síntese, consiste em um contrato que te o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”, bastando
libera as partes dos vínculos assumidos anteriormente, ou como quer Orlando assim, desde que autorizado por lei, à parte a quem seja atribuído o aludido
Gomes (Contratos, p. 184), na pactuação de um contrato que tem por escopo poder jurídico, cientificar o parceiro negocial do seu desejo de pôr fim às
extinguir outro. obrigações assumidas, como nos casos de resilição dos contratos de agência
Advirta-se que para sua validade, haverá de ser observada não a forma e distribuição, locação ou comodato, pactuados por prazo indeterminado,
eleita pelas partes para o negócio que alcançou a concreção, mas sim, a prevista observando-se, evidentemente, as peculiaridades de cada tipo contratual e
em lei para a validade do contrato (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições respeitando-se, é ululante, os princípios que iluminam o novo direito civil,
de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade dentre eles o equilíbrio material e a boa-fé.
civil, p. 152), não prevalecendo aqui o princípio da atração das formas, e deste Neste condão, encerrando o tema, deveras importante a análise do pa-
modo, a fiança pactuada por escritura pública, admite distrato por instrumento rágrafo único do aludido artigo, haja vista que ao dispor que “se, porém, dada
particular, e a locação celebrada por escrito, como quer José Fernando Simão a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos considerá-
(Direito civil: contratos, p. 74), poderá ser desfeita verbalmente. veis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de
Ocorre que a resilição poderá também ser promovida por meio de decla- transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”,
ração unilateral de vontade, enquanto direito potestativo conferido às partes impõe limites ao exercício deste direito, em homenagem à função econômica
de, em algumas hipóteses, pôr termo final às obrigações assumidas entre elas, e social do contrato.
pois, como antecipado, o direito não autoriza a assunção de obrigações com Neste caso a matéria poderá ser invocada em sede de contestação (Luiz
caráter de servidão. Guilherme Loureiro. Contratos no novo Código Civil: teoria geral e contratos
A título de esclarecimento, cumpre recordar que a noção de direito em espécie, p. 115), de modo a atuar como exceção de natureza dilatória, até
potestativo, segundo Pietro Perlingieri (Perfis do direito civil: introdução ao porque, não se pode negar, como bem lembra Fernanda Tartuce, que com a
direito civil constitucional, p. 123), denominado também direito discricioná- adoção de conceitos jurídicos indeterminados, positivados muitas vezes por
rio ou poder formativo, implicando em uma situação subjetiva cujo exercício meio de cláusulas gerais e com força de normas de ordem pública, ampliou-se
202 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 203

o elenco de matérias que podem ser invocadas como objeção (Aumento dos Brandão Proença. A resolução do contrato no direito civil: do enquadramento
poderes decisórios no código dos juízes e sua repercussão no processo civil, e do regime, p. 63-64).
p. 419). Ao se promover a leitura da relação jurídica obrigacional como proces-
Fato é que antes mesmo da vigência do Código Civil, sobre o tema já so (Clóvis Veríssimo do Couto e Silva. A obrigação como processo, passim)
havia manifestado, dentre outros, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina ao a resolução haverá de ser vista como uma de suas fases, em verdade, fase de
decidir, de modo escorreito que “Levando em consideração haver contrato implosão do negócio ajustado, haja vista que por meio dela a parte lesada
de exclusividade entre a empresa distribuidora e a fornecedora, investindo busca ser reposicionada no estado em que se encontrava antes do contratar,
aquela nos produtos desta, e existindo risco de supressão total e permanente fazendo jus, ainda, aos danos sofridos quando fiel ao programa contratual
das atividades da primeira, com a conseqüente despedida dos trabalhadores, (Ruy Rosado de Aguiar Junior. Extinção dos contratos por incumprimento do
estão caracterizados o fumus boni juris e o periculum in mora, devendo ser devedor, p. 46).
concedida a liminar ordenando a continuidade do fornecimento dos produtos, De fato, quando o desarranjo nascido do incumprimento venha a assumir
até que seja dirimido o litígio” (TJSC, AC 2001.001.000-9. rel. Des. Carlos proporções inaceitáveis, com influência no tráfego negocial, o mecanismo
Prudêncio, j. 30.10.2001). resolutório, será autorizado ao lesado visando emendar o “vício” denunciado,
Enfim, vale lembrar que o direito à resilição do contrato é limitado impondo a repristinação dos contratantes ao estado anterior à formação do con-
quando este for classificado como cativo de longa duração, o que se dá em trato (Araken de Assis. Resolução do contrato por inadimplemento, p. 69).
razão da confiança depositada pelo aderente na manutenção dos efeitos do A matéria encontra-se insculpida nos arts. 474 e 475 do CC em vigor,
negócio, mesmo contra a vontade do fornecedor, quando não haja explícitas dispondo o primeiro que “a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direi-
e justificadas razões para sua resilição. to; a tácita depende de interpelação judicial” e o segundo que “a parte lesada
pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
Acerca do tema, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização
“Plano de saúde. Negativa de renovação do contrato por parte da seguradora. É por perdas e danos”.
vedado à seguradora a negativa de renovação do contrato de assistência médica
Acerca do art. 474, frise-se que o Código Civil uruguaio possui regra
pela simples justificativa de ausência de interesse na sua renovação. Faz-se
bastante semelhante à existente no Brasil, ao dispor. em síntese, no art. 1.431,
necessário seja demonstrada a modificação da natureza dos riscos assumidos
que a condição resolutória se entende implicitamente compreendida em
ou da composição do grupo segurado, ônus do qual não se desincumbiu a segu-
todos os contratos bilaterais para o caso de uma das partes não cumprir sua
radora. Não é nula a cláusula que prevê o cancelamento unilateral do contrato obrigação, hipótese na qual o contrato não se resolve ipso iure como ocorre
nas hipóteses nele arroladas. Preservação do equilíbrio contratual. Sentença quando se tenha ajustado a condição resolutória, salientando também, que
que julgou procedente a ação” (TJRS, 6.ª Câm. Cível, Ap. 70.004.859.146, trata o tema como cláusula, ainda que implícita, pois consiste em elemento
rel. Cacildo de Andrade Xavier, j. 19.05.2004). natural do contrato.
Como se observa, uma vez mais o voluntarismo que inspirou as codi- Neste condão, insta destacar o acerto do legislador quanto ao tratamento
ficações do passado é afastado quando se põe em conflito com a proteção de do direito à resolução, ajustado ou não pelas partes, como cláusula, em vez
valores imateriais como é o caso da saúde dos usuários dos planos de saúde. de condição, como quer Carlos Alberto Dabus Maluf (As condições no direito
civil, p. 106), eis que perante o direito, condição quer significar evento futuro
3. DA RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO e incerto, não sendo esta a natureza do instituto, que implica em acordo de
O instituto da resolução é uma porta que se abre ao credor lesado pelo vontades quando expressa, portanto, cláusula contratual, ou na pressuposição
incumprimento, mecanismo o qual possui lógica própria e definível, visando deste, quando silentes as partes a seu respeito.
corrigir desequilíbrios que, por infinitas razões, possam atacar o curso do Assim, reafirme-se que a cláusula resolutória é figura inerente aos con-
itinerário negocial (Araken de Assis. Resolução do contrato por inadimplemen- tratos bilaterais e mesmo que não seja ajustada entre as partes, poderá ser
to, p. 69), encontrando amparo no fato de que o escopo econômico-social invocada por aquela que venha a ser lesada pelo inadimplemento, outrossim,
das prestações devidas entre os sujeitos que reciprocamente se obrigam se pactuada, em princípio, produzirá efeitos desde que quem esteja obrigado
poderá restar desestabilizado diante do inadimplemento (José Carlos a desempenhar sua prestação não o faça, enquanto na hipótese de não ter sido
204 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 205

ajustada, necessitará de decisão judicial para disparar suas conseqüências, que não irá cumprir a obrigação” (Ruy Rosado de Aguiar Junior. Extinção dos
que no caso terá efeito desconstitutivo. contratos por incumprimento do devedor, p. 126).
Ainda sobre o assunto, é importante salientar que mesmo que o contrato Estando demonstrado que a resolução pode ser buscada pela parte lesada
seja pactuado visando cumprimento futuro, com a inserção de cláusula de pelo incumprimento, deve-se agora encontrar uma solução para a hipótese
irretratabilidade, o mesmo poderá sofrer os efeitos da resolução, pois o alu- de impossibilidade das partes retornarem ao stato quo ante, pois se é evidente
dido ajuste impede apenas a resilição do pacto, não albergando as situações que a parte que opte pela via resolutória, terá o direito de receber ampla in-
de incumprimento que desestabilizem a economia negocial. denização no caso de incumprimento imputável a outra.
Uma outra questão que pode surgir consiste em saber se o mecanismo Em uma frase, resume-se a indagação: será possível a resolução do
resolutório poderá ser disparado apenas na hipótese de inadimplemento ou se negócio jurídico quando, por exemplo, diante do cumprimento inexato, o
seria autorizado também nas demais modalidades de incumprimento, dentre objeto entregue com vício qualitativo seja alienado a terceiro.
elas a mora, o cumprimento inexato e a quebra antecipada do contrato. O direito brasileiro não soluciona o problema, ao contrário, por exem-
Aparentemente a última solução é mais coerente e, neste condão, acre- plo, do disposto no art. 432 do Código Civil lusitano que determina que “a
dita-se que a expressão inadimplemento, contida na redação do art. 475 do parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente,
CC brasileiro, há de ser lida em seu sentido amplo, pois em princípio parece não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito
de resolver o contrato”.
evidente a possibilidade que se abre ao lesado, em razão da mora do parceiro
negocial, de resolver o contrato, apenas ocorre se demonstrar a perda do Neste contexto, será possível então, talvez, pensar na impossibilidade
interesse na prestação, haja vista que como quer Araken de Assis (Resolução da escolha deste remédio, na medida em que parece carecer de fundamento a
do contrato por inadimplemento, passim), a mora possui caráter transformista, idéia de que bastaria devolver o equivalente em dinheiro para se buscar perdas
e danos, pois o ato de disposição do bem implicou na eleição do cumprimento
tema que será em breve retomado.
em detrimento da resolução do negócio (Ruy Rosado de Aguiar Junior. Extinção
Idêntica solução se apresenta quando da incidência de cumprimento dos contratos por incumprimento do devedor, p. 175), o que não inviabiliza o
inexato, sendo lícito à parte que tenha recebido prestação com qualidade ou exercício de potencial pretensão indenizatória em favor do lesado.
quantidade diversa da ajustada, optar pela via resolutória, procedimento,
Cabe lembrar por fim, acerca do assunto, que nos contratos de execução
aliás, previsto no art. 18 da Lei 8.078/1990, e ratificado pelo Enunciado 24, sucessiva, a resolução não terá efeitos retroativos, pois cada obrigação desem-
aprovado na I Jornada do Conselho da Justiça Federal ao dispor que “em penhada certamente foi merecedora de contraprestação; como também não
virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo CC, a violação terá efeitos pretéritos se não for pactuada expressamente entre as partes sua
dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente possibilidade em forma de cláusula resolutiva, pois afora esses casos, carece
de culpa”; vedado, outrossim, em uma como em outra hipótese, o abuso no de reconhecimento judicial com natureza desconstitutiva.
exercício deste direito.
Consoante o entendimento ora sustentado, também não se encontra 4. RECONSTRUINDO LIMITES AO DIREITO DE RESOLVER O NEGÓCIO JURÍDICO
razão para impedir a resolução do contrato quando este se coloque diante À luz de todo o exposto até aqui, não se pode negar que o direito à re-
da quebra antecipada do negócio (María Luisa Vives Montero. Traducción de solução do negócio jurídico se apresenta como direito potestativo atribuído
la reforma 2002 del BGB, p. 1.262), sendo aliás, o mecanismo que resta ao à parte prejudicada pelo incumprimento, posto que o art. 475 do CC faculta
credor, quando vem a ter ciência inequívoca, antes mesmo do vencimento da ao credor lesado o direito de optar pela resolução do negócio jurídico, caso
obrigação, de que o devedor não adimplirá sua obrigação. não prefira buscar a tutela específica.
A quebra antecipada do contrato ocorrerá, assim, sempre que o devedor, Deste modo, diante da situação de incumprimento imputável ao par-
antes do vencimento do prazo concedido em seu benefício, pratique atos que ceiro negocial, o ordenamento permite, em princípio, ao titular do direito
tornem inviável o prometido adimplemento, sendo que este poderá resultar de subjetivo, eleger a via que melhor se lhe apresente, sem que ao devedor seja
“conduta contrária do devedor por ação (venda de estoque, sem perspectiva dado o direito de opor-se ao caminho eleito.
de reposição) ou omissão (deixar de tomar as medidas prévias indispensáveis Neste contexto, uma leitura apressada do art. 475 do CC faz crer que a
para a prestação) ou ainda de declaração do devedor expressa no sentido de resolução, desde que presentes seus pressupostos, pode ser eleita sem que haja
206 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 207

restrições, o que não é verdade, em razão de vários argumentos, dentre eles De fato, enquanto exceção ao princípio da manutenção dos efeitos dos
a possibilidade concedida ao devedor de purgar a mora, corolário do princí- contratos é evidente que o direito à resolução não pode ser exercido de modo
pio do favor negotti, diretriz que determina, quando possível, a manutenção absoluto, pois, como quer Flávio Tartuce (A função social dos contratos: do
dos efeitos dos negócios jurídicos (Marcos Jorge Catalan. Descumprimento Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil, p. 105), é necessário
contratual: modalidades, conseqüências e hipóteses de exclusão do dever de que os negócios sejam mantidos em busca da consolidação de um sistema
indenizar, p. 230). justo e coerente.
Cumpre destacar, para a adequada compreensão do assunto, que no direito Sem fugir à tese sustentada, merece lembrança o teor do Enunciado 22,
brasileiro a possibilidade de purgação da mora fora expressamente prevista elaborado na I Jornada do Conselho da Justiça Federal, que dita que “a função
apenas em alguns contratos típicos, merecendo destaque a locação (art. 62 social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláu-
da Lei 8.245/1991) e a incorporação imobiliária (art. 63 da Lei 4.591/1964), sula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando
sendo de grande valia a extensão de tal regra aos demais negócios jurídicos trocas úteis e justas”, encontrando-se aqui mais um argumento que impede
com a qual seja compatível. a implosão do contrato.
Pensando em tais problemas, recente alteração promovida no Código Também não se pode ignorar que a manutenção dos contratos ainda
Civil alemão (BGB) tenta dar solução para o caso ao positivar a figura da mora tem amparo na conservação da estabilidade econômica (Véra Maria Jacob
retardada, dispondo no § 323 que: “§ 323. Resolución por no cumplimiento de Fradera. O direito dos contratos no século XXI: a construção de uma noção
metanacional de contrato decorrente da globalização, da integração regional e
de la prestación o por no ser ajustada al contrato: (1) Si el deudor en un con-
sob influência da doutrina comparatista, p. 551), posto que não se olvida que
trato bilateral no cumple una prestación debida o no se ajusta a lo estipulado,
o contrato é o principal instrumento destinado à circulação de mercadorias
podrá el acreedor, cuando le hay otorgado sin éxito un plazo razonable para
e ao consumo de bens (Luiz Edson Fachin. Novo conceito de ato e negócio
la prestación o su cumplimiento posterior, resolver el contrato. (2) Se puede
jurídico: conseqüências práticas, p. 61).
prescindir de fijar un plazo cuando: 1. el deudor deniegue la prestación seria
Neste contexto, pode afirmar-se então que em regra, e sempre que
y definitivamente; 2. el deudor no efectúe la prestación en el momento fijado
possível, os negócios existentes e válidos devem ser mantidos, ainda que em
en el contrato o dentro de un plazo determinado y el acreedor hubiesse ligado
alguns casos seja necessária sua revisão em busca do equilíbrio da relação,
el cumplimiento a su tiempo e la prestación con su interés en mantener el
como nas hipóteses de ter sido formado com o vício da lesão (art. 157 do
contrato, o 3. se den circunstancias especiales que justifiquen la inmediata
CC), da onerosidade excessiva (art. 6.º, V, do CDC) do ajuste de cláusulas
resolución del contrato, equilibrando los intereses de ambas as partes” (MARÍA
abusivas (art. 51 do CDC), ou ainda quando vier infestado pela onerosidade
LUISA VIVES MONTERO, Traducción de la reforma 2002 del BGB, p. 1.262). superveniente (art. 317 do CC), e quanto ao tema em questão, não será qual-
Como se pode observar, aferida a mora debitoris, em princípio deverá o quer situação de incumprimento que poderá servir como plataforma hábil a
credor conceder prazo razoável ao devedor para que cumpra sua obrigação autorizar a resolução (Mário Júlio de Almeida Costa. Direito das obrigações,
antes de optar pela via resolutória, dilação temporal que restará dispensada p. 924-925).
apenas quando seja manifesto que o devedor não adimplirá a prestação, o que Mas como saber então, diante de tais premissas, quando será possível
pode ser detectado em razão de sua conduta; quando o credor perca o interesse eleger a via resolutória? A solução há de ser encontrada mediante recurso ao
em seu desempenho após o advento do vencimento da prestação, como, por paradigma judicativo decisório, analisando um a um os fatos ocorridos no
exemplo, nas obrigações com termo essencial e ainda quando circunstâncias plano concreto e cuja leitura deverá ser promovida sob as luzes emanadas
especiais justifiquem a resolução do negócio. dos princípios sociais e das garantias constitucionais, que hão de iluminar
Além disso, há outros limites que cercaniam o direito à resolução, ensi- o caminho a ser percorrido pelo hermeneuta, o impedido de tropeçar nas
nando Araken de Assis (Resolução do contrato por inadimplemento, p. 77) que sombras da injustiça social.
o direito potestativo de resolver o negócio jurídico em busca do status quo, De fato, o princípio em questão, além de atuar como cânone hermenêuti-
configura-se como “direito formativo extintivo e, porque dissolve o contrato, co-integrativo e ser fonte dos chamados deveres laterais de conduta (Ruy Rosado
constitui exceção notória ao princípio da estabilidade do vínculo em virtude de Aguiar Junior. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, p. 25),
de fato adventício ao seu aperfeiçoamento”. serve de cercania ao exercício de posições jurídicas inadmissíveis, impedindo
208 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 209

a prática de abusos que possam desnaturar o equilíbrio entre as prestações, contratos, p. 308-309), serve também como fonte dos denominados deveres
impondo, sempre que possível, a manutenção do negócio jurídico. laterais de conduta, normas de comportamento impostas indistintamente a
Diante do contexto que se apresenta, o princípio da boa-fé objetiva pode ambos os parceiros negociais (Mário Luiz Delgado. Da intransmissibilidade,
ser visto como um baluarte norteador da tutela da relação jurídica negocial, causa mortis, das obrigações de prestação de fato, p. 101), muitas vezes sem
limitando ou impedindo a gênese dos efeitos nascidos da utilização desmedida que tenham sido ajustadas expressamente, dentre eles merecendo destaque,
de direitos por parte de seu titular (Judith Martins-Costa. Mercado e solidarie- os deveres de cooperação e colaboração (José Fernando Simão. A influência
dade social entre cosmos e táxis: a boa-fé nas relações de consumo, p. 634). do Código Civil de 2002 sobre a Lei 8.245/1991 – Lei de Locação, p. 126).
Deste modo, autoriza-se a resolução apenas se realmente necessária e útil De fato, como frisa Pietro Perlingieri (Perfis do direito civil: introdução
ao credor, posição extraída da interpretação do contido no art. 187 (Humberto ao direito civil constitucional, p. 212) ao lecionar sobre o tema, “a obrigação
Theodoro Junior. Comentários ao novo Código Civil: dos defeitos do negócio não se identifica no direito ou nos direitos do credor; ela configura-se cada
jurídico ao final do livro, p. 128) do Código Civil pátrio, que recepcionou a vez mais como uma relação de cooperação” na qual credor e devedor não
teoria do abuso de direito, afastando, conseqüentemente, o exercício inadmis- mais ocupam posições antagônicas, mas sim simbióticas (Clóvis Veríssimo
sível de posições jurídicas (Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. do Couto e Silva. A obrigação como processo, p. 08-10).
Da boa fé no direito civil, p. 661). Partindo, então, da premissa de que as partes que compõem a relação
Ato contínuo, as portas da resolução se abrirão ao credor, para além de jurídica obrigacional devem ser vistas não mais como adversários, mas sim
seus meros interesses particulares, apenas quando o exercício deste direito como parceiros, é evidente que se impõe a elas o dever de cooperação recí-
se mostre como um ato socialmente útil (Judith Martins-Costa. Mercado e proca, e neste contexto, devem contribuir para o fim natural das obrigações
solidariedade social entre cosmos e táxis: a boa-fé nas relações de consumo, p. assumidas, situação à qual se liga, pela negativa, ao dever imposto ao credor
652), sendo que, uma vez indevidamente eleita tal via, o princípio da boa-fé de não dificultar o pagamento (Judith Martins-Costa. A boa-fé no direito
será chamado a cumprir sua “función correctiva” (Ricardo Luis Lorenzetti. privado, p. 439).
Tratado de los contratos: parte general, p. 150) ou “função corrigendi” (Antônio Consoante tais reflexões, na medida em que se impõe também ao credor
Junqueira de Azevedo Estudos e pareceres de direito privado, p. 154), de modo o dever de cooperar com a extinção natural da obrigação, em sendo possível o
reajustar o curso indevidamente tomado no desenvolvimento do processo cumprimento por parte do devedor e tendo aquele interesse no desempenho
obrigacional, trazendo-o de volta à rota segura. da prestação, interesse este a ser aferido objetivamente, não poderá buscar a
Vale lembrar que como quer Fernando Noronha (Direito das obrigações, resolução do negócio quando o exercício de tal direito não se mostre social-
p. 18-19), resta claro que as obrigações não têm por finalidade satisfazer mente justo.
unicamente uma finalidade individual e egoísta do credor, pois, possuindo Neste sentido se apresenta o Enunciado 162, aprovado na III Jornada de
também finalidade social, eis que toda norma jurídica, aqui incluídas as Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ao dispor que “a inutilidade da
particulares, deve atender a “fins sociais” e as “exigências do bem comum”, prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser
a análise do desenvolvimento do processo obrigacional deve dirigir olhares aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do
também para o devedor. sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor.”
À luz de tais premissas, pode afirmar-se, então, que o credor não pode Ocorre que os argumentos não se estancam por aqui, sendo que outro
desrespeitar a legítima expectativa depositada pelo parceiro negocial na extinção limite que impede a resolução dos contratos pode ser visualizado na teoria
natural do negócio entabulado, a qual será alcançada com o desempenho da do adimplemento substancial. Assim, em essência, em se constatando no
prestação ajustada, sob pena de restar caracterizado o abuso de direito, e deste plano fático, que a prestação tenha sido desempenhada de tal modo que
modo, se não for demonstrada a inutilidade da prestação ainda pendente, a se aproxime do resultado final esperado, a resolução restará inviabilizada,
resolução é medida que se mostra inadmissível. permitindo-se ao credor, outrossim, receber o percentual não adimplido e
Os argumentos não se esgotam por aqui, havendo de se ter em conta que eventuais perdas e danos.
na medida em que a boa-fé se apresenta ao ordenamento de modo proteiforme Analisando o assunto, Jones Figueirêdo Alves (A teoria do adimplemento
(Nelson Rosenvald, Dignidade humana e boa-fé no Código Civil, p. 82), ou seja, substancial (“substancial performance”) do negócio jurídico como elemento
com múltiplas facetas (José Maria Gastaldi, La buena fe en el derecho de los impediente ao direito de resolução do contrato, p. 406) aduz que as bases fáticas
210 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 211

que orientam a teoria em questão, enquanto fator impeditivo do exercício do Ao que parece, após argumentos de tamanha relevância, não pairam
direito à resolução do negócio jurídico, liga-se ao inadimplemento insignifi- dúvidas de que a teoria em questão, desde que presentes seus pressupostos,
cante, aquele que atendeu quase que integralmente à prestação prometida. atua como limite ao exercício do direito formativo extintivo de resolver o
Sobre o tema abordado, Anelise Becker (A doutrina do adimplemento negócio jurídico.
substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, p. 60), ensina O Superior Tribunal de Justiça não desconhece a importância da teoria
que o adimplemento substancial se configura, quando se tem um cumprimento analisada: “Alienação Fiduciária. Busca e apreensão. Falta da última prestação.
tão próximo ao resultado esperado, que, considerando-se a conduta das partes, Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento,
a resolução não será permitida, autorizando-se apenas a complementação do com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão
crédito cumulada com eventuais perdas e danos. da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O
Sem fugir desta linha de raciocínio, Araken de Assis (Resolução do contrato adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor
por inadimplemento, p. 121) leciona que a expressão adimplemento substan- a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a
cial deve ser lida como descumprimento de parte mínima ou adimplemento perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie,
insatisfatório, situação em que existe discrepância irrelevante na equação de ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à
equilíbrio econômico-contratual, impondo-se ao juiz o dever de analisar se exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e
há ou não utilidade na prestação desempenhada de modo quase integral. promove a busca e a apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse.
Não destoando desta linha de reflexão, Teresa Negreiros (Teoria do Recurso não conhecido” (STJ, REsp 272.739/MG, rel. Min. Ruy Rosado de
contrato: novos paradigmas, p. 145) afirma que, de acordo com a teoria da Aguiar, j. 1.03.2001).
substancial performance, ainda que o negócio entabulado pelas partes preveja Aspecto de relevante importância acerca do tema abordado encontra-
expressamente a possibilidade de resolução, o fato de a prestação ter sido se ainda, dentre outras hipóteses, nos efeitos que nasceriam da mora parcial
substancialmente cumprida inibe o exercício de tal pretensão por parte do no pagamento do prêmio no contrato de seguro, buscando-se respostas na
credor, eis que a pequena amplitude do incumprimento ocorrido no plano doutrina da substancial performance, pois sob tais luzes, o art. 763 do CC,
fático não é hábil a abalar o equilíbrio econômico do contrato. somente poderia ser aplicado na hipótese do retardo verificar-se sobre parte
Colhe-se ainda, uma vez mais, a lição de Judith Martins-Costa (La bue- considerável do prêmio, enquanto, havendo descumprimento de parte ínfima,
na fe objetiva y el cumplimiento de las obligaciones, p. 115) para quem, tendo insignificante, será devido o pagamento da indenização, descontado o valor
sido desempenhada parte essencial da prestação e encontrando-se substan- do prêmio em atraso e seus consectários legais.
cialmente satisfeito o interesse do credor, postulando este a resolução, não Infelizmente, em que pese a importância do tema e a recente reforma
exerce interesse digno de tutela, cabendo-lhe apenas o direito de receber a legislativa, o direito positivo pátrio não versou sobre a matéria, ao contrário
parte não adimplida nos moldes pactuados (Judith Martins-Costa. A boa-fé do que consta, por exemplo, do Código Civil italiano (art. 1,455), do BGB
no direito privado, p. 459). alemão (§ 323.5), do Código Civil português (art. 802) e da Convenção de
Na pesquisa realizada por Rodrigo Xavier Leonardo (A função social dos Viena de 1980 (art. 25), o que não impede que a teoria do adimplemento subs-
contratos: ponderações após o primeiro biênio de vigência do Código Civil, tancial não possa ser incorporada ao direito brasileiro, seja em homenagem
p. 154) junto a diversos tribunais brasileiros, aferiu-se que quando o credor ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, seja por conta da diretriz
busca a resolução do contrato desprezando o adimplemento substancial do da boa-fé objetiva e da função social dos contratos.
valor do negócio jurídico pactuado entre os contratantes haverá violação da Ademais, não se pode esquecer nunca que o estudo dos contratos deve
função social do contrato, conduta esta a ser impedida, justamente, por conta ser promovido tendo-se em consideração, para além da questão estrutural,
da regra que recepciona o abuso de direito no ordenamento jurídico pátrio. seus aspectos substancial, funcional (Francesco Messineo. Doctrina general del
Concordando com a solução, mas não com o fundamento, Eduardo contrato, p. 33-34), social e econômico, posto que é o principal instrumento
Bussatta (Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial) afirma hábil a promover a circulação de riquezas, e porque não, o desenvolvimento
que a doutrina do adimplemento substancial assenta suas bases no princípio da própria sociedade como um todo.
da boa-fé objetiva: corolário da confiança recíproca e do dever lateral de Novo argumento em defesa da tese sustentada de que existem limites
cooperação imposto aos parceiros negociais. a serem respeitados quando da eleição da via resolutória é encontrado nas
212 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 213

idéias de Teresa Negreiros (Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 473), ao Neste contexto a autonomia privada certamente naufragará no oceano
sugerir que a resolução do negócio jurídico seja delimitada pelo que deno- do estado democrático de direito, já que quase que inexiste, por exemplo, no
mina de paradigma da essencialidade, método de compreensão do mundo âmbito dos contratos por adesão e dos contratos denominados obrigatórios,
contratual iluminado pela diretriz que impõe que os negócios que têm como como é o caso do seguro DPVAT, ambos frutos da massificação negocial.
objeto a satisfação de necessidades existenciais devam ser diferenciados da- Em razão de todo o exposto, na eventual colisão operada entre os princí-
queles contratos que visam a utilização ou aquisição de bens não essenciais pios constitucionais e os que regram a ordem negocial, não se pode visualizar
à pessoa humana. outra saída que não a que impõe o afastamento das regras individuais em
Não há como negar-se a importância da tese, e de fato, indiscutivel- favor do social, não sendo outra, aliás, a inspiração do legislador do Código
mente, contratos como os que têm por escopo a prestação de serviços ditos de Defesa do Consumidor e do hodierno Código Civil, que se preocupou em
essenciais são questão de saúde pública e bem-estar social, cujo fornecimento, positivar normas de caráter principiológico a serem preenchidas axilogica-
em muitos casos, é vital para a existência humana, com um mínimo de digni- mente quando necessária a reconstrução do sistema por ocasião da análise
dade, e neste condão, tais serviços não podem ser valorados exclusivamente do caso concreto.
sob o prisma econômico em razão de sua finalidade; merecendo tratamento Ademais, é no princípio da solidariedade que há de ser encontrada a
diferenciado. inspiração para a vocação social do direito, respeitando-se a idéia de “fun-
De fato, como antes salientado, imperiosa a mudança de postura dos cionalização” no exercício de posições jurídicas para que se possa alcançar a
operadores do direito, nascida e repetida em uma economia aética, em um “parificação e pacificação social” preconizadas pela doutrina brasileira (Rosa
Maria de Andrade Nery. Apontamentos sobre o princípio da solidariedade no
mundo despreocupado com o social e em um Estado que ignorou, por longa
sistema do direito privado, p. 70), que exsurge diante do descortinar de um
data, as necessidade vitais do ser humano (José Augusto Delgado. A ética e a
novo direito civil.
boa-fé no novo Código Civil, p. 170).
Neste contexto, quando o negócio tenha por objeto prestação de serviço
Não se esqueça que “o homem de carne e osso constitui o centro da
ou aquisição de produto considerado essencial à manutenção das condições
preocupação do direito civil”, bem como de todo o ordenamento jurídico, e mínimas do ser humano, a resolução do contrato ou mesmo a suspensão da
o desenvolvimento de todas as suas potencialidades é função precípua a ser prestação assumida pelo pólo mais forte da relação negocial diante da mora
adotada (Rafael Garcia Rodrigues. A pessoa e o ser humano no novo Código do devedor merece ser repensada, não se admitindo a continuidade do com-
Civil, p. 30) por toda a sociedade na eterna luta contra as desigualdades, e portamento hodiernamente assumido pelas empresas que desenvolvem tais
deste modo, a dignidade do ser humano e os interesses da coletividade são atividades.
transformados em bastiões do sistema, e a isonomia se manifesta no tratamento É evidente que esta mudança de foco não será tranqüila, pois é explí-
diferenciado dado aos menos favorecidos. cito que essa projeção do que se descortina não é, nem pode ser pacífica,
Há de se lembrar que na atualidade, torna-se impossível estudar o envolvendo, certamente, rompimento e superação, haja vista que “futuro,
direito, e em especial o direito privado, sem a análise da sociedade e de suas ruptura e transformação seguem, lado a lado, na tentativa de construção desse
necessidades elementares, sendo que a via ora eleita certamente não implicará caminho, novo ou renovado, nascido do choque inevitável entre a realidade
na erosão do sistema, mas, paradoxalmente, tende a revivificá-lo, na medida e as categorias jurídicas ultrapassadas; entre o novo que surge e o velho que
em que passa a ter novas premissas, levando o estudioso do direito negocial declina” (Luiz Edson Fachin. Teoria crítica do direito civil, p. 329).
a repensar o sujeito em sua relação com o objeto (Luiz Edson Fachin. Teoria
crítica do direito civil, p. 278). 5. DA FRUSTRAÇÃO DO FIM CONTRATUAL
A este respeito, ímpar destacar que, como quer Paulo Nalin (Do contrato: Cumpre destacar, por fim, quando se pensa em extinção do contrato, a
conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil- figura da frustração do fim contratual, buscando aferir ao final, se o instituto
constitucional, p. 91), o novo método de interpretação civil-constitucional encontra guarida em solo tupiniquim.
busca um amplo favorecimento do ser humano nas relações jurídicas, e no Para compreender adequadamente este instituto que chega agora ao
que pertine aos negócios jurídicos, mitiga o peso da vontade em prol de outros direito brasileiro, imagine-se um contrato de locação de determinada sacada,
valores tutelados pela Lei Maior. pactuado entre o morador do imóvel e turistas que se encontram na cidade,
214 Direito dos Contratos EXTINÇÃO 215

tendo como causa desfile carnavalesco a realizar-se e que por alguma razão assertiva é ratificada pelo Enunciado 166 aprovado na III Jornada do Conse-
alheia à vontade de quaisquer das partes, vem a ser cancelado, ou ainda, a lho da Justiça Federal dispondo que “a frustração do fim do contrato, como
contratação de um cruzeiro ou de um passeio de barco, para apreciação de hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com
uma procissão naval, que é suspensa por conta da contaminação do rio, muito a excessiva onerosidade, tem guarida no direito brasileiro pela aplicação do
embora este ainda continue navegável. art. 421 do CC”.
Em ambas as hipóteses o contrato pode ser cumprido, mas haveria efe- De fato, se nova ordem negocial carrega em seu ventre valores como a
tivamente interesse das partes, ou ao menos dos que concluíram as negocia- justiça comutativa, utilidade da prestação, causa fim, solidarismo e a boa-fé
ções apenas em razão dos eventos que pretendiam apreciar? Evidentemente (Mário César Gianfelici. La frustración del fin del contrato, p. 87), é evidente
não! a atuação da figura da frustração do negócio jurídico como elemento apto a
Ora, na medida em que a parte, por fatos alheios a sua esfera de atuação, autorizar a extinção do pacto ajustado.
teve sua pretensão fática frustrada, não se pode sustentar que a mesma seja Enfim, acerca do tema abordado, se de um lado não há previsão expres-
obrigada a fielmente observar a pacta sunt servanda. sa acerca do assunto no diploma civil, de outro, restando impossibilitada a
Analisando tais situações, ensina José Domingo Ray (Frustración del parte de alcançar o objeto desejado, ou seja, impedido o curso do processo
contrato, p. 83-91), que as mesmas soluções encontradas pelo direito posi- de satisfação do interesse na relação obrigacional, por certo é que a mesma
tivo para as hipóteses das excludentes caso fortuito e força maior, poderão
poderá ser revista nos moldes antes delineados, homenageando-se o negócio
ser ampliadas pelo instituto da frustração do fim contratual, que nascido no
jurídico em seu plano funcional enquanto instrumento que deve assegurar
direito inglês, ampara-se na teoria da “causa fin” para justificar a licitude no
às partes trocas úteis e justas.
incumprimento, atuando como hipótese de extinção do contrato que impõe
que as partes devam ser repostas ao estado em que se encontravam antes do 6. RESUMO ESQUEMÁTICO
ajuste.
1. Da dissolução do contrato e da extinção da relação jurídica: precisões
O mesmo autor salienta apenas que eventuais despesas suportadas
terminológicas
pela parte que não receberá a prestação ajustada deverão ser reparadas pelo
contratante frustrado (José Domingo Ray. Frustración del contrato, p. 83- 2. Da resilição e suas modalidades
91), posto que aquele também não deu causa ao desaparecimento da • A resilição pode ser exercida de modo bilateral ou unilateral;
expectativa surgida outrora, e por conta disto, não pode ser obrigado a • Na bilateral há o distrato;
suportar, sozinho, os prejuízos que resultem de eventual investimento • A unilateral é exercida por meio de declaração unilateral de vontade, nos
promovido com o escopo de cumprir o dever jurídico nascido na conclusão contratos de trato sucessivo pactuados sem prazo determinado;
do negócio pactuado.
• Neste caso, a manifestação unilateral poderá ter seus efeitos suspensos, se
Idêntico raciocínio é tecido por Rubén Stiglitz (Objeto, causa y frustra- uma das partes houver feito investimento vultoso, e não ter transcorrido
ción del contrato, p. 25-29), afirmando o doutrinador argentino que diante da prazo hábil para recuperação daquele;
frustração do contrato, que se opera mediante a ofensa ao suporte fundante
• A resilição deve ser vista com cautela nos contratos cativos de longa
da obrigação, por fatores alheios à esfera de atuação das partes, de tal modo
duração.
que torna impossível o desempenho útil da prestação, a extinção do negócio
é fenômeno que se impõe e que terá como conseqüência a possibilidade 3. Da resolução do negócio jurídico
dada àquele que não teve seu interesse frustrado o direito de cobrar ou reter • A cláusula resolutória se encontra implícita em todos os contratos
as despesas realizadas e o dever de repetir o excesso antecipado; o que aliás, bilaterais;
no Brasil, encontra-se previsto no art. 885 do CC quando versa sobre o enri- • A resolução visa por fim ao contrato diante do incumprimento de uma
quecimento sem causa. das partes;
Por certo que a novidade do tema não poderá servir como argumento • Pode ser utilizada nas hipóteses de inadimplemento, de mora ante seu
ao seu desprezo pelos brasileiros, eis que plenamente recebido pelo sistema caráter transformista, de cumprimento inexato e de quebra antecipada
ante sua logicidade e importância para a solução de inúmeros casos. Aliás, a do contrato.
216 Direito dos Contratos

4. Reconstruindo limites ao direito de resolver o negócio jurídico


• A resolução encontra limites no princípio do favor negotti, quando for
possível a purgação da mora; e ainda nos princípios da boa-fé objetiva
e da função social do contrato;
• A perda de interesse no desempenho da prestação a de ser aferido
objetivamente quando o credor pretender a transformação da mora
em inadimplemento;
• A teoria do adimplemento substancial inviabiliza a resolução do
contrato;
• A resolução do contrato deve ser balizada pelo paradigma da
essencialidade;
5. Da frustração do fim contratual
• Quando parte, por fatos alheios a sua esfera de atuação, teve sua pretensão
fática frustrada, embora a prestação ainda possa ser desempenhada, o
contrato deve ser extinto.
XIV
Resolução e revisão por onerosidade
excessiva
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI

Bibliografia
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boa-fé objetiva; teoria da imprevisão e, em especial, onerosidade excessiva (laesio enormis).
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Rio de Janeiro: Forense, 2000 – Judith Martins-Costa. Comentários ao novo Código Civil
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Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1999. v. 21,
n. 20 – Rodrigo Toscano de Brito. Onerosidade excessiva e a dispensável demonstração de
fato imprevisível para a revisão ou resolução dos contratos. In: Lucas Abreu Barroso (orgs.).
Introdução crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006 – Vincenzo Roppo. Il
contratto. Milano: Giuffrè, 2001.

1. ONEROSIDADE EXCESSIVA
Os contratos de execução instantânea costumam ser os mais freqüentes na
vida do cidadão. Desde a compra de um simples refrigerante até a aquisição de
um custoso veículo automotor, os negócios tendem a ser atuados de imediato.
À prestação segue a contraprestação, sem que haja maior intervalo temporal
que o necessário para que a execução se dê com tranqüilidade. Celeridade é a
palavra de ordem e as sociedades empresariais se empenham para que o contrato
seja concluído o mais rapidamente possível. Com isso diminuem os custos de
contratação e, como conseqüência, a possibilidade de apropriar maior margem
de lucro, caso a economia não seja compartilhada com o adquirente.
218 Direito dos Contratos RESOLUÇÃO E REVISÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA 219

Não raro, entretanto, a execução dos contratos se protrai no tempo. O Contratar implica assumir riscos. Como regra, sua verificação não interessa
cidadão comum vivencia a experiência no contrato de locação de imóveis. ao direito. É o caso do contrato de desenvolvimento de software acima ventilado.
Embora o imóvel seja entregue em um único ato, o pagamento do aluguel Pouco importa que o risco tenha se objetivado em modo favorável ou desfavo-
repete-se mensalmente. Do ponto de vista do locatário, a execução do contrato rável à prestadora de serviços. Em princípio, não se examinam os motivos que
não é imediata, mas sim continuada. Nos contratos entre empresas, o exemplo conduziram à contratação, conforme se depreende da regra prevista no art. 140
característico é o contrato de fornecimento, no qual se renovam periodicamente do CC. Basta que o risco tenha sido assumido de modo voluntário.
as prestações de ambas as partes. Para conferir maior concretude, pode-se Pode ocorrer, entretanto, que as circunstâncias supervenientes dese-
pensar no fornecimento de gasolina aos postos. Prevê-se que o combustível quilibrem o contrato de maneira muito mais incisiva do que as partes pode-
seja entregue a cada quinze dias, contra o respectivo pagamento. A execução riam ou deveriam ter previsto. O recurso a um exemplo novamente facilita a
do contrato é continuada sob o ponto de vista de ambos os contratantes. compreensão. Determinada sociedade comercial fornece regularmente ervas
O prolongamento do contrato no tempo pode ocorrer mesmo que a naturais, oriundas da Região Norte, a farmácias de manipulação situadas na
prestação comporte execução em um único momento. Basta que isso não se Grande São Paulo. O prazo do contrato é de 10 anos. Não há dúvida de que a
dê imediatamente após a conclusão do negócio, ou seja, que o cumprimento referida sociedade assumiu o risco de conseguir o número de ervas necessário
de uma ou de ambas as prestações seja diferido para o futuro. Isso ocorre, por ao cumprimento do contrato, o que afeta diretamente sua margem de lucro na
exemplo, em um contrato de compra e venda, no qual se preveja que a entrega execução do pactuado. Pode haver abundância de erva e, por conseqüência,
da coisa ocorrerá 60 dias após o pagamento do preço. O mesmo pode suceder que a margem de lucro cresça se o repasse for a preço fixo. As ervas podem
em uma doação, em que se programe a entrega do bem para data posterior à igualmente escassear, hipótese em que a margem de lucro decresce. São riscos
celebração escrita do contrato. assumidos e sua verificação não permite a alteração judicial do pactuado.
Os contratos de execução continuada ou diferida propõem o proble- Tem-se aqui uma regra central do direito dos contratos: a superveniência de
ma do valor da prestação ao longo do tempo. Pode ser que o valor relativo fatos compreendidos nos riscos assumidos pelas partes não permite alterar
se mantenha, mas pode igualmente ocorrer que se altere. O negócio que se os termos do pactuado, conforme explicitado pelo Enunciado 366, aprovado
protrai no tempo implica maior risco, pois não se sabe com precisão como se na IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários
comportará a relação econômica entre prestação e contraprestação inicial- do Conselho da Justiça Federal em outubro de 2006.
mente estabelecida pelas partes. Nem sempre, todavia, os eventos posteriores correspondem à fisiologia
Aproveita figurar um exemplo para facilitar a compreensão. Duas socie- do contrato. Suponha-se que seja determinada a construção de uma hidrelé-
dades empresariais contratam o desenvolvimento de um software específico, trica. Suponha-se ainda que o lago da hidrelétrica venha a cobrir uma parte
para o trato de informações bancárias. A execução das prestações de ambas substancial dos locais onde tais ervas poderiam ser extraídas e, mais, que a
não é imediata, pois tanto a prestação do serviço como o pagamento são feitos alteração climática decorrente de sua implantação crie dificuldades ao respec-
periodicamente. No curso do contrato, aumentam os custos necessários à tivo florescimento. Imagine-se que esta circunstância imprevisível implique
confecção do software, uma vez que os técnicos especializados com os quais variação de custo para a fornecedora da ordem de 100%. Não se trata mais do
se pretendia contar foram contratados em massa por sociedades chinesas. risco normal do contrato, assumido pelas partes, mas sim de um acontecimento
Com isso a prestação tornou-se mais onerosa para a pessoa jurídica prestadora fora do ordinário, suficiente a romper o equilíbrio negocial.
responsável pela execução dos serviços, visto que seus custos cresceram sem Isso também ocorre quando conseqüências de determinado fato ex-
que tenha havido modificação do montante que lhe é devido em razão do trapolam os riscos assumidos pelas partes, como, por exemplo, a subida da
cumprimento do contrato. O risco materializou-se em seu desfavor. inflação em níveis muito superiores aos habituais (Araken de Assis et al.
Pode ocorrer o contrário, todavia. Suponha-se agora que, em virtude de Comentários ao Código Civil brasileiro, v. 5, p. 718). Cogita-se aqui de fatos
problemas com a economia asiática, diversos técnicos regressem ao Brasil e o previsíveis de conseqüências imprevisíveis, nos termos dos Enunciados 17 e
custo caia de maneira importante. Nessa segunda situação hipotética, cresce 175 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, apro-
a margem de lucro da prestadora de serviços. Agora o risco verificou-se em vados, respectivamente, na I e na IV Jornada de Direito Civil, realizadas em
seu favor, pois, embora os custos tenham diminuído, o valor da prestação setembro de 2002 e outubro de 2006. Nesses casos, mediante a iniciativa da
não foi alterado. parte, o direito pode intervir.
220 Direito dos Contratos RESOLUÇÃO E REVISÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA 221

Discute-se também se haveria possibilidade de interferência no conteúdo Esta passaria a suportar custos sensivelmente mais elevados e, ao mesmo
contratual em razão do agravamento da posição das partes mesmo sem que tempo, gerar proveito para as farmácias, que poderiam adquirir as ervas por
sobreviessem eventos extraordinários e imprevisíveis. Embora esta não seja preços inferiores aos vigentes após a inundação e a alteração climática. Nesse
a resposta diretamente fornecida pelo Código Civil, como se demonstrará caso, o art. 478 do CC autoriza a sociedade fornecedora a dar por resolvido
logo em seguida, alguns autores respondem de forma afirmativa, fundados, o contrato, em virtude de sua excessiva onerosidade.
respectivamente, no princípio da função social do contrato e na idéia de que
se deve preservar a igualdade material das partes (Rodrigo Toscano de Brito. 2.1. Onerosidade direta e indireta
Onerosidade excessiva e a dispensável demonstração de fato imprevisível para No caso do fornecimento das ervas, tornou-se excessivamente onerosa
a revisão ou resolução dos contratos, p. 150-151; Flávio Tartuce. A revisão a prestação do fornecedor que, por isso, pretende a resolução do negócio
do contrato pelo novo Código Civil, p. 141-147). jurídico. Trata-se da chamada onerosidade direta, na qual as circunstâncias
São idéias interessantes, cuja discussão, porém, extrapola os limites supervenientes gravam a prestação da parte.
próprios a um livro introdutório como vem a ser o presente. Para o estudioso Pode-se alterar o exemplo para prosseguir o raciocínio. Suponha-se
que se confronta pela primeira vez com o tema, mostra-se mais proveitoso que a modificação climática tenha provocado superabundância das ervas
conhecer o regramento legal como posto pelo legislador para que, futuramente, naturais, até então consideradas raras. Suponha-se ainda que essa supera-
possa decidir se deve acolher as teses que põem em discussão sua coerência bundância implique queda no preço do produto da ordem 100%. O evento
com os princípios que entendem presentes no sistema jurídico. extraordinário e imprevisível favorece agora ao fornecedor. Do ponto de vista
do adquirente, contudo, constata-se um grave aviltamento da contraprestação.
2. CONTRATOS BILATERAIS De fato, embora o valor de sua prestação permaneça inalterado, visto que se
A excessiva onerosidade superveniente interessa particularmente aos trata simplesmente de dinheiro, passou a haver importante desproporção
contratos bilaterais, embora este não seja o seu campo exclusivo de aplica- entre o numerário contratualmente estabelecido e o efetivo valor das ervas.
ção. A disciplina fundamental é dada pelo art. 478 do CC. Caso a execução A desproporção superveniente não decorreu da verificação dos riscos contra-
da prestação tenha se tornado excessivamente onerosa para a parte graças a tualmente assumidos, mas sim da construção da hidrelétrica no local, evento
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis e, note-se bem, desde que extraordinário e imprevisível.
isso acarrete extrema vantagem para a outra, pode ter lugar a resolução do Nessa segunda hipótese, pode igualmente ter lugar a resolução do con-
vínculo, a pedido do prejudicado. Não basta, portanto, que as tais circunstân- trato por onerosidade excessiva. Por força do aviltamento da contraprestação,
cias extraordinárias e imprevisíveis gravem em modo importante a prestação. tornou-se demasiadamente gravosa sua execução. Há, como exige o art. 478 do
Exige-se, mais, que isso repercuta de maneira positiva para a outra parte. CC, excessiva onerosidade para uma parte e extremo proveito para a outra. A
Não há necessidade, todavia, que haja perfeita proporcionalidade diferença é conceitual, embora sejam idênticas as conseqüências legais. Trata-
entre o agravamento da prestação e o proveito gerado pela parte contrária. se, agora, da chamada onerosidade indireta, pois os eventos extraordinários e
De acordo com o Enunciado 365 do Centro de Estudos Judiciários do Con- imprevisíveis alteram o valor da contraprestação e, apenas mediatamente, o
selho da Justiça Federal, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, a prova da da prestação, cuja execução passou a ser excessivamente onerosa (Vincenzo
vantagem gerada à parte pode ser circunstancial, o que por certo diminui a Roppo. Il contratto, p. 1.021-1.022).
importância do requisito para que se interfira no negócio no qual uma das
prestações passou a ser excessivamente onerosa. Deve-se salientar, ainda, 2.2. Redução à eqüidade
que o evento extraordinário e imprevisível não pode ser imputável ao lesado Citado em processo cujo pedido seja o de resolução do contrato por
(Judith Martins-Costa. Comentários ao Código Civil, v. 5, t. I, p. 255). Trata- onerosidade excessiva, o réu, em princípio, deveria escolher entre duas alter-
se de corolário do princípio da boa-fé objetiva, por força a ninguém aproveita nativas fundamentais: recusar a incidência do art. 478 ao caso ou reconhecer a
a própria negligência. procedência do pedido. O regramento do Código Civil, contudo, oferece-lhe
Na hipótese do fornecimento de ervas naturais há pouco mencionada, a a oportunidade de evitar a resolução do contrato sempre que tenha interesse
extraordinária e imprevisível construção da hidrelétrica romperia o equilíbrio na manutenção do negócio. Para tanto, deverá oferecer modificação eqüitativa
contratual, ao tornar excessivamente onerosa a prestação da fornecedora. que restabeleça o equilíbrio do contrato, de modo a preservar sua álea normal.
222 Direito dos Contratos RESOLUÇÃO E REVISÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA 223

Caso haja discordância da parte que ajuizou a ação, cabe ao magistrado definir manejo restrito do princípio da boa-fé objetiva durante a vigência do Código
se a modificação oferecida permite a manutenção do contrato. Nesse sentido, Civil de 1916, que dele cuidava de maneira extremamente pontual.
deverá considerar as circunstâncias do caso, especialmente a finalidade do A análise comparativa mais minudente revela duas outras distinções entre
negócio. Para continuar com o exemplo do fornecimento de ervas naturais, os textos dos arts. 317 e 478 a respeito das quais vale deter-se. Em primeiro lugar,
seria conforme a eqüidade a alteração do preço para o valor de mercado que o art. 317 condiciona sua aplicação apenas à ocorrência de acontecimentos “im-
tais bens passaram a ter após a construção da hidrelétrica. previsíveis” que agravem em maneira desproporcional a execução da prestação,
ao passo que a incidência do art. 478 exige que esses mesmos acontecimentos
2.3. Revisão do contrato sejam ainda “extraordinários”. A repercussão conceitual é secundária, pois,
A disciplina da excessiva onerosidade não se encontra apenas na parte do como regra, o “imprevisível” será igualmente “extraordinário”.
Código que cuida especificamente dos contratos, como se poderia esperar. Há Em segundo lugar, o art. 317 contenta-se com o agravamento da pres-
regra da maior importância no título referente ao pagamento, ainda na parte tação, sem que exija, ao mesmo tempo, que isso gere extrema vantagem
geral das obrigações. Trata-se do art. 317 (Judith Martins-Costa. Comentários para a outra, como ocorre com o art. 478. Não segue daí, entretanto, que a
ao Código Civil, v. 5, t. I, p. 245-246). De acordo com o referido dispositivo, vantagem percebida pela parte seja irrelevante. Muito ao contrário. Sempre
sempre que, por motivos imprevisíveis, houver manifesta desproporção en- que possível, a revisão do contrato deverá ser levada a efeito de modo a cor-
tre o valor da prestação quando da celebração do contrato e quando de sua rigir o desequilíbrio decorrente da superveniência de eventos imprevistos,
execução, fica conferido à parte o direito de rever judicialmente o negócio, isto é, para propiciar a redução da prestação agravada na exata medida do
de modo a restabelecer o equilíbrio. A falta de precisão sistemática deve-se às proveito excessivo gerado pela outra parte. Subjaz o princípio da vedação
alterações promovidas no art. 317 durante o trâmite legislativo. O dispositivo do enriquecimento sem causa, previsto nos arts. 884 e ss. do CC. Deve-se
projetado versava apenas sobre a necessidade de atualização monetária quando eliminar a vantagem extremada de que uma parte passou a dispor em razão
do adimplemento, o que justificava sua colocação original (Judith Martins- do agravamento da prestação da outra, o que, ocorreria, por exemplo, com a
Costa. Comentários ao Código Civil, v. 5, t. I, p. 232-234). recondução do preço das ervas naturais ao valor de mercado, para continuar a
Em que pese a diferença de linguagem, o âmbito aplicativo do art. 317 trabalhar com o exemplo antes mencionado. Caso esta vantagem não exista, o
é praticamente o mesmo do art. 478. Ambas as hipóteses legais cogitam de que tende a ser raro, deve-se buscar solução eqüitativa que implique partilha
eventos imprevisíveis que conduzam à ruptura do equilíbrio contratual coerente dos custos agregados.
inicialmente imaginado. A diferença fundamental consiste no fato de que o Convém formular novo exemplo para esclarecer o ponto. Determinada
art. 478 apenas confere à parte o direito de pedir a resolução do vínculo, ao sociedade contrata o transporte de cargas da Região Norte para a Região Sul
passo que o art. 317 lhe permite requerer a revisão judicial do pactuado, a fim do País. Como regra, o trajeto observado implica atravessar as Regiões Cen-
de que seja restabelecido o equilíbrio do negócio. Isso significa que a parte tro-Oeste e Sudeste até chegar ao destino. Durante a execução do pactuado,
prejudicada com o agravamento da prestação, em virtude de circunstâncias ocorrem iterativas manifestações de movimentos sociais que bloqueiam as
imprevisíveis, pode não apenas pleitear a resolução do negócio, como lhe vias de acesso, de modo a impedir a observância do roteiro de costume. A
faculta o art. 478 do CC, como também requerer a sua revisão, nos termos do única maneira para entregar a mercadoria consiste em retornar ao ponto de
art. 317. São duas, portanto, as alternativas a sua disposição. partida e, em seguida, atravessar primeiro a Região Nordeste, o que encarece
Para ilustrar, o fornecedor de ervas naturais poderia, desde logo, pleitear sensivelmente o custo do transporte. A prestação da transportadora tornou-se
a adequação a valores de mercado, ao invés buscar a resolução do negócio, excessivamente onerosa. Suponha-se, todavia, que isso não propicie qualquer
como se mencionou anteriormente. A rigor, o art. 317 sequer seria necessário, vantagem para a adquirente das mercadorias, visto que o valor médio do
pois a conjugação do art. 478 com o princípio da conservação do negócio transporte continua a ser o mesmo. Nesse caso, a eqüidade impõe a partilha
jurídico leva ao mesmo resultado, conforme reconhecido pelos Enunciados dos riscos imprevisíveis materializados.
176 e 367 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal,
respectivamente aprovados na I e na IV Jornada de Direito Civil. Mesmo assim 3.CONTRATOS UNILATERAIS
o dispositivo é oportuno, pois não há dúvida de que a existência de regra A onerosidade excessiva também pode ocorrer nos contratos em que
explícita facilita sua aplicação pelos operadores do direito. Prova disso é o apenas uma das partes está obrigada a prestar, chamados de unilaterais. De
224 Direito dos Contratos RESOLUÇÃO E REVISÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA 225

fato, nada impede que sobrevenha evento extraordinário e imprevisível que a respeito a cláusula acessória. Seria o caso de contrato de franquia, no qual
agrave excessivamente a execução da prestação. Determinada sociedade a onerosidade pesasse apenas sobre o fornecimento de bonecos que servem
compromete-se junto ao Poder Público a doar material escolar para o ensino a identificar a marca do franqueador, sem ligação direta com a prestação
básico de todo o Município pelo prazo de 20 anos. No décimo ano, o Governo principal, consistente na venda de sanduíches produzidos e comercializados
passa a tributar de maneira muito mais incisiva a exploração da madeira, com segundo dado padrão.
o objetivo de estimular a reciclagem. Em particular, a alíquota do Imposto A onerosidade parcial decorrente de circunstâncias imprevistas autoriza
sobre Circulação de Bens e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Produtos In- a revisão do contrato ou sua resolução na parte afetada. A resolução total so-
dustrializados (IPI) é incrementada de modo expressivo. Como conseqüência, mente terá lugar se a execução da cláusula tornada excessivamente onerosa
o custo de todo o material de papelaria cresce em 100%. Nessa hipótese, há for essencial. Caso contrário, impõe-se a preservação do negócio jurídico,
um agravamento na prestação da sociedade, em virtude de acontecimento tanto por força do princípio da boa-fé, como pela interpretação extensiva das
extraordinário e imprevisto. regras constantes nos arts. 170 e 184 do CC. O atento exame das circunstân-
Fosse um contrato bilateral, a solução seria, em princípio, a resolução, cias do caso indicará se a excessiva onerosidade será suficientemente grave a
dada a quebra do sinalagma. A relação inicial entre prestação e contraprestação permitir a resolução de todo o vínculo contratual.
teria se perdido e, como conseqüência, não mais poderia ter lugar a manuten-
ção do contrato nos termos pactuados. Semelhante raciocínio não pode ser 5. ONEROSIDADE EXCESSIVA E INADIMPLEMENTO
transposto para os contratos unilaterais, nos quais somente uma das partes A onerosidade excessiva gera à parte prejudicada, o direito de rever
presta. Nestes contratos, são outras as razões que asseguram a exigibilidade ou resolver o contrato. Não lhe confere, entretanto, o direito de descumprir
do vínculo, pois a execução da prestação não traz proveito econômico direto o pactuado. Caso a verificação dos pressupostos caracterizadores da figura
para a parte obrigada. Nos termos do art. 538 do CC, é o espírito de liberali- não seja tempestivamente demonstrada, a parte se submete a todas as con-
dade que justifica a tutela jurídica da doação, por exemplo. O agravamento seqüências decorrentes de sua mora ou inadimplemento absoluto. Note-se,
da prestação não o elimina. Não tem lugar, portanto, a resolução do contrato, ademais, que a excessiva onerosidade deve ser verificada por ocasião do litígio,
mas sim sua adaptação, a fim de que não seja exigido do contratante sacrifício visto que o desequilíbrio pode ter desaparecido entre a ocorrência do evento
superior ao risco assumido inicialmente. extraordinário e imprevisto e o ajuizamento da ação.
O art. 480 do CC é expresso ao conferir à parte que sofreu o agravamento
o poder de pleitear a redução de sua prestação ou do modo de execução a 6. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
fim de eliminar a excessiva onerosidade superveniente. Com isso, preserva- Nas relações de consumo, o regime é ligeiramente diverso. Antes de
se o negócio jurídico sem agravar a posição da parte obrigada fora da álea tudo, porque a solução legal é a revisão e não a resolução do contrato, nos
inicialmente assumida. No exemplo do fornecimento de material escolar, o termos do art. 6.º, V, do CDC. Incide de modo mais determinante o princípio da
contrato poderia ser revisto para que diminuíssem os itens de papelaria a serem conservação do negócio jurídico, embora não seja descartada a possibilidade
entregues, a fim de que fosse mantida a intensidade do sacrifício patrimonial de o consumidor sustentar a nulidade da execução da cláusula, com base nos
a que se propôs a sociedade em prol do Município. arts. 39, V, e 51, IV, § 1.º, III, do CDC.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor não exige que o even-
4. ONEROSIDADE PARCIAL to que conduziu ao relevante agravamento da posição do consumidor seja
Não há necessidade que a onerosidade atinja toda a prestação, nem que extraordinário e imprevisto. Desse modo, mesmo que a prestação do consu-
se trate da prestação principal, para que tenha lugar a revisão ou resolução midor tenha se tornado excessivamente onerosa por força de acontecimentos
do contrato. Admite-se igualmente a onerosidade parcial, que pode referir- ordinários e previsíveis, ele pode pleitear a revisão do pactuado. Preserva-se a
se a apenas parte da prestação devida como a algumas cláusulas do contrato base do negócio, fundamentalmente (Judith Martins-Costa. Comentários ao
(Vincenzo Roppo. Il contratto, p. 1.023). Exemplo de onerosidade parcial é Código Civil, v. 5, t. I, p. 256). A diferença de regramento justifica-se em razão
o do contrato de fornecimento de material escolar acima citado, no qual o da falta de poder contratual do consumidor que, ao contrário do que ocorre
agravamento refere-se apenas aos itens de papelaria, ou seja, a parte da pres- nos contratos paritários, praticamente não tem margem de negociação para
tação principal. Pode também ocorrer que a onerosidade superveniente diga disciplinar a repartição dos riscos inerentes ao contrato concluído.
226 Direito dos Contratos RESOLUÇÃO E REVISÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA 227

O recurso a exemplo é mais uma vez elucidativo: o consumidor con- • Caso, porém, sobrevenham à pactuação eventos extraordinários e
trata com a assinatura anual de antivírus para proteger seu computador. imprevisíveis que rompam o equílibrio convencionalmente estabelecido,
O valor de sua prestação é vinculado à variação da cotação dos dólares norte- o direito, mediante a iniciativa da parte, pode intervir
americanos, visto que parte da tecnologia é fornecida por sociedade estrangeira. 2. Contratos bilaterais
No curso do contrato, sobrevém relevante alteração da taxa de cambial, razão • Se a execução da prestação de uma das partes tenha se tornado
pela qual a execução da prestação do consumidor passa a ser excessivamente excessivament onerosa em virtude de acontecimentos extraordinários
onerosa. Surge para o consumidor o direito de pleitear a revisão do contrato, e imprevisíveis, com extrema vantagem para a outra, pode ter lugar a
sem que haja utilidade em se discutir se a alteração da taxa cambial foi extraor- resolução do vínculo contratual, a pedido do prejudicado
dinária ou imprevista. Basta que o efeito de sua ocorrência seja o de agravar 2.1 Onerosidade direta e indireta
de maneira importante a execução dos pagamentos em dinheiro. • Onerosidade direta: agravamento da prestação.
São as circunstâncias do caso que indicarão em que termos deverá ser • Onerosidade indireta: aviltamento da contraprestação
revisto o contrato. Não há solução possível que permita desconsiderá-las. O
2.2 Redução à eqüidade
direito de modificar a avença em razão da ocorrência de excessiva onerosi-
dade não serve para que o consumidor se enriqueça à custa do fornecedor. • A parte economicamente beneficiada com a excessiva onerosidade pode
evitar a resolução do contrato se oferecer modificação eqüitativa que
Embora esteja prevista apenas no Código Civil, a vedação ao enriquecimento
restabeleça o equilíbrio inicialmente pactuado
sem causa é princípio geral do direito e, como tal, inteiramente aplicável ao
Código de Defesa do Consumidor. Para ilustrar, nos casos de leasing de ve- 2.3 Revisão do contrato
ículos, o Superior Tribunal de Justiça decidiu em reiteradas oportunidades • A parte prejudicada com o agravamento da prestação pode preferir a
que o acréscimo de preço decorrente da variação da taxa cambial deveria ser revisão à resolução do contrato
suportado em igual medida pelas partes contratantes (cf. 2.ª S., REsp 473.140- 3. Contratos unilaterais
SP, rel. p/ acórdão Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 12.02.2003, colhido no sítio • Nos contratos unilaterais, não tem lugar a resolução do vínculo, mas
<http://www.stj.gov.br>). sim à redução ou alteração do modo de execução da prestação, com o
O art. 6.º, V, do CDC, também qualifica como direito básico de seus propósito de eliminar a excessiva onerosidade superveniente
destinatários a modificação das cláusulas que estabeleçam prestações des- 4. Onerosidade parcial
proporcionais. Embora o texto de lei seja comum, não se trata de regra sobre • A onerosidade pode atingir apenas parte da prestação principal ou mesmo
a onerosidade excessiva, mas sim sobre a lesão, figura melhor estudada na prestações acessórias.
parte geral do direito privado. Há uma diferença de perspectiva entre ambas • A onerosidade parcial autoriza a revisão do contrato ou a resolução na
que não pode ser negligenciada. A lesão se ocupa da igualdade substancial parte afetada. A resolução total somente será possível se a execução
entre as prestações no momento da formação do contrato. A disciplina da da cláusula que passou a ser excessivamente onerosa for essencial ao
onerosidade excessiva, por sua vez, visa preservar a relação entre prestação cumprimento do pactuado
e contraprestação estabelecida pelas partes, posta em xeque no curso do 5. Onerosidade excessiva e inadimplemento
tempo em razão da superveniência de fatos extraordinários e imprevisíveis • A excessiva onerosidade superveniente gera à parte o direito de rever
(Humberto Theodoro Júnior. Direitos do consumidor, p. 26-27). ou resolver o contrato
7. RESUMO ESQUEMÁTICO • Não lhe confere, todavia, o direito de descumprir o pactuado, caso a
verificação dos pressupostos caracterizadores da figura não tiver sido
1. Onerosidade excessiva tempestivamente demonstrada
• Os contratos de execução continuada ou diferida propõem o problema 6. Código de Defesa do Consumidor
do valor da prestação ao longo do tempo • A revisão favorável ao consumidor pode ter lugar mesmo que o agravamento
• Como regra, a superveniência dos riscos assumidos pelas partes não da prestação decorra de evento ordinário e previsível
permite alterar o pactuado • A diferença de regramento justifica-se para proteger o consumidor
CONTRATO NÃO CUMPRIDO 229

iniciar o cumprimento se o contrato for omisso nesse particular. No caso da


compra e venda, dispõe o art. 491 do CC que o comprador deve pagar para
que, depois, possa exigir a transferência da propriedade. Por outras palavras,
XV o cumprimento do contrato tem início com a execução da prestação do com-
prador que, nos termos convencionados, pode ser exigida pelo vendedor. A
Contrato não cumprido transferência da propriedade, por sua vez, somente poderá ser exigida após
o pagamento do preço, ou seja, depois que a obrigação do comprador tiver
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI sido cumprida. Nos termos do mesmo dispositivo, a disciplina se inverte nas
vendas a crédito, nas quais deve cumprir primeiro o vendedor e, depois, o
comprador. No contrato de prestação de serviços, o art. 597 do CC determina
Bibliografia que, primeiro, deve ser executado o serviço para que, depois, seja efetuado o
Anelise Becker. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva pagamento. O artigo toma ainda o cuidado de precisar que se trata de regra
comparativista. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do supletiva, ou seja, que opera somente quando não haja previsão contratual
Sul. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 1993, v. 9 – Caio Mário da Silva Pereira. Instituições a propósito. Refere-se, ainda, à possibilidade de o costume indicar solução
de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 3 – Clóvis Bevilaqua. Código Civil dos diversa, o que, bem entendido, consiste em aplicação do art. 113 do CC. A
Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1938. v. IV – Darcy Bessone. Do
contrato – Teoria geral. São Paulo: Saraiva, 1997 – Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.
regra costumeira integra o regramento contratual, a menos que a interpretação
Tratado de direito privado. São Paulo: RT, 1984. t. XXVI – Gustavo Tepedino et. al. Código dos termos da avença conduza à conclusão contrária.
civil interpretado – Conforme a Constituição da República. São Paulo: Renovar, 2006. v. 2 – J. Segue-se daí que os termos do contrato, a legislação e o costume podem
M. Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, indicar qual das partes deve cumprir primeiro sua prestação. Pode-se cogitar
1964. v. XV – Judith Martins-Costa. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 2000 – Maria
de contratos com prestações sucessivas, ou seja, a serem executadas em dife-
Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3 – Maria Helena
Diniz. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1 – Miguel Maria rentes momentos no tempo. Nem sempre, porém, será possível precisar qual
de Serpa Lopes. Curso de direito civil. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1991. v. 3 – Orlando das partes deve adimplir em primeiro lugar. Isso ocorre não só quando inexiste
Gomes. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000 – Silvio de Salvo Venosa. Direito civil – Teoria previsão convencional, legal ou costumeira a respeito, como também quando
geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2. os contratantes estabelecem que devam adimplir suas prestações ao mesmo
tempo. Situação análoga verifica-se quando as prestações, originariamente
1. EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS sucessivas, passam a ser simultaneamente exigíveis em virtude do decurso
Nos contratos bilaterais, costuma-se convencionar uma ordem para que do prazo pactuado.
sejam cumpridas as prestações. Pode-se pensar, por exemplo, em um contrato Nesses casos, a solução do Código é a de manter o substancial equilí-
de compra e venda, no qual se estabeleça que o pagamento deva preceder à brio entre as partes e, como conseqüência, vedar que qualquer delas exija o
transferência da propriedade do bem. Nessa hipótese, não há dúvida a respeito cumprimento da prestação alheia antes que tenha executado a sua. Por outras
da ordem em que os contratantes devem adimplir as respectivas promessas. palavras, à parte é imposto o ônus de cumprir sua prestação para que possa
Deve cumprir primeiro o comprador e, depois, o vendedor. Caso as partes exigir a da outra. Antes disso, não há que se cogitar de mora de qualquer dos
permaneçam inertes, o vendedor pode exigir que seja iniciada a execução. O contratantes. Desse modo, o início do cumprimento do contrato fica condi-
comprador, por sua vez, deve cumprir sua obrigação no tempo, lugar e modo cionado à execução da prestação por uma das partes, sem o que o negócio
estabelecidos, sob pena de incorrer em mora. Não há dificuldade, portanto, projetado permanece em potência.
para que a relação contratual seja posta em movimento. Trata-se de tema Duas sociedades comerciais decidem estabelecer uma cooperação indus-
relevante, pois tão importante quanto concluir um contrato é assegurar que trial para desenvolver peças para um novo veículo automotor. O interesse em
as obrigações dele decorrentes sejam satisfeitas. contratar nasceu das relações anteriores entre ambas, nas quais restou compro-
Nem sempre, todavia, as partes disciplinarão a ordem das prestações. vada a expertise da primeira como empresa de engenharia elétrica e da segunda
Nessa situação, propõe-se a pergunta a respeito da parte que deve cumprir como de engenharia mecânica. O contrato prevê estudos em ambos os campos e
primeiro. Por vezes, a legislação fornece uma solução, pois indica a quem toca toma mesmo o cuidado de disciplinar, de modo minudente, os experimentos a
230 Direito dos Contratos CONTRATO NÃO CUMPRIDO 231

serem realizados e o modo de compartilhamento das informações. Não trata, a prestação quando os estudos tiverem sido concluídos e entregues na forma
porém, da ordem de execução das prestações. Sob o ponto de vista técnico, é prevista no contrato. Não basta, portanto, executá-los pura e simplesmente.
indiferente qual dos estudos seja levado a efeito em primeiro lugar. Nesse caso Enquanto seus resultados não forem efetivamente compartilhados, não é
hipotético, o prosseguimento da relação contratual permanece em potência dada à sociedade que os realizou exigir que a outra execute a contraprestação.
até que uma das sociedades realize os estudos a que se obrigou. Somente então Nesse caso, cogita-se da exceptio non rite adimpleti contractus. O advérbio rite
poderá exigir que a outra faça os seus. está por “convenientemente”, “no modo devido”. No vernáculo, portanto,
No regramento do Código Civil, o tema é tratado do ponto de vista da- exceptio non rite adimpleti contractus significa exceção do contrato não cum-
quele cujo adimplemento é solicitado. Sempre que se trate de prestações cuja prido corretamente.
execução pode ser exigida ao mesmo tempo, dispõe o art. 476 que a parte não A expressão foi cunhada para diferenciar a hipótese do cumprimento
está obrigada a cumprir aquilo a que se obrigou antes que a outra parte tenha defeituoso daquela em que o adimplemento sequer foi iniciado. Serve a pre-
adimplido a respectiva promessa. cisar os termos do art. 476, pois indica que o cumprimento deve ser total, ou
Na nomenclatura herdada da tradição, a parte pode opor a chamada seja, em conformidade com o pactuado. A execução parcial, portanto, não
exceção do contrato não cumprido, ou seja, recusar a executar sua prestação é suficiente para que a contraprestação seja exigível. De modo mais preciso,
antes que a outra parte satisfaça o respectivo débito. O termo consiste na pode-se dizer que somente o cumprimento satisfatório confere à parte o direito
tradução da expressão latina exceptio non adimpleti contractus, cunhada pelos de exigir o adimplemento da contraprestação (Pontes de Miranda. Tratado de
estudiosos europeus antigos para generalizar o regramento esparso presente direito privado, t. XXVI, p. 100).
nas fontes romanas. Excepcionalmente, porém, o cumprimento parcial pode ser tão próxi-
No direito romano, a exceptio somente podia ser usada no processo mo ao total que seria exagerado conferir à parte a possibilidade de recusar a
como meio de defesa e, por isso, contrapunha-se à actio, manejada pela parte execução de sua prestação com arrimo na exceção do contrato não cumprido
para que a outra fosse obrigada a cumprir o pactuado. No direito moderno, satisfatoriamente. Para ficar no exemplo da cooperação comercial, pode-se
costuma-se qualificá-la como exceção dilatória, visto que seu efeito é o de imaginar que os resultados dos estudos tenham sido enviados por fax e não por
impedir momentaneamente a satisfação da pretensão do credor e não a de carta com aviso de recebimento como determinava o contrato. Seria desleal e,
extingui-la, tal qual ocorre nas chamadas exceções peremptórias, como a portanto, contrário ao princípio da boa-fé objetiva, recusar o adimplemento
compensação (Orlando Gomes. Contratos, p. 93). da contraprestação por conta de uma inobservância do texto contratual de
A oposição da exceção do contrato não cumprido, portanto, tem lugar tão pouca importância. A parte pode, claro, exigir, sempre, que a prestação
sempre que se trate de obrigações de execução simultânea (Pontes de Miranda. seja executada em estrita conformidade com o pactuado. Não lhe é dado,
Tratado de direito privado, t. XXVI, p. 92). Nenhuma das partes pode exigir o porém, aproveitar-se de um incumprimento irrelevante para deixar de exe-
cumprimento da prestação alheia antes de ter executado a sua, ou, sob outro cutar aquilo a que se obrigou. Tem-se aqui o que se costuma qualificar como
ponto de vista, deve primeiro cumprir aquilo a que se obrigou para que, depois, adimplemento substancial que, inclusive, impossibilita a resolução do vínculo
possa exigir a execução da obrigação alheia. Cumprida a primeira prestação, contratual (Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, p. 457 e, para
cabe à outra parte executar a sua, para que não incorra em mora. aprofundamento, Anelise Becker, A doutrina do adimplemento substancial
no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, p. 60-77).
2. EXCEPTIO NON RITE ADIMPLETI CONTRACTUS São casos extraordinários, todavia. Como regra, pois, o cumprimento
Ao credor é devido o cumprimento da obrigação exatamente como con- parcial não é suficiente para que possa ser exigida a contraprestação. Para
vencionado. Nem mais, nem menos. Assim como não lhe é facultado exigir continuar no mesmo exemplo, seria a hipótese em que os estudos tivessem
prestação diversa, não é dado ao devedor liberar-se caso não tenha observado sido encaminhados a endereço incorreto, na qual seria certamente cabível o
o tempo, lugar e o modo previstos no contrato ou estabelecidos pela lei ou manejo da exceptio non rite adimpleti contractus.
costume. Essa é a regra do art. 313 do CC.
O art. 476 do CC emprega o termo cumprimento em um sentido bastante 3. EXCEÇÃO DE INSEGURIDADE
preciso. Deve corresponder exatamente ao quanto estabelecido no contrato. No Decidir a respeito da ordem de execução das prestações implica distri-
exemplo da cooperação tecnológica feito acima, há que se considerar cumprida buir riscos. Maior risco assume quem deve executar em primeiro lugar, visto
232 Direito dos Contratos CONTRATO NÃO CUMPRIDO 233

que deverá ter satisfeito integralmente o interesse alheio antes que possa que pusessem em dúvida a idoneidade financeira da sociedade artística, a
exigir o cumprimento da prestação que lhe aproveita. Enquanto aguarda o menos que fossem corroboradas por outro tipo de evidência. Não bastaria
cumprimento da contraprestação, o contratante pode zelar pela conservação igualmente a superveniência de execuções de empréstimos se não afetasse de
do bem a que terá direito, como se depreende da leitura alargada do art. 130 modo importante o patrimônio da sociedade. A exceção de inseguridade serve
do CC, mas isso é certamente bem menos que ter a certeza do adimplemento a proteger a parte somente das flutuações patrimoniais excepcionais.
antes de ser obrigado a executar sua prestação. Não por acaso o regime das Importa acrescentar que o manejo da exceção de inseguridade pres-
garantias é tão desenvolvido. De pouco vale a excelência de um texto contra- supõe uma relevante diminuição do patrimônio da parte após a conclusão
tual se não é adimplido. do contrato (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, t. XXVI, p. 111).
Certo risco é inerente a todo e qualquer contrato. Não é dado nem dese- Isso significa que não se pode empregá-la para exigir garantia ou inverter a
jável que a legislação o elimine. Caso contrário, sequer haveria interesse em ordem das prestações, caso o patrimônio seja insuficiente ou coloque em
contratar, ou seja, em planejar, em dispor para o futuro. Corrigir os excessos, risco a execução da prestação desde antes da celebração do negócio. Cabe ao
sim, é tarefa do direito. Nada obsta, portanto, que as prestações sejam sucessivas contratante acautelar-se a respeito da situação patrimonial de seu parceiro.
e não simultâneas. Antes, trata-se mesmo da regra no mundo dos negócios, A exceção de inseguridade serve a evitar o acréscimo extraordinário de risco
pois é mais fácil assegurar a boa execução do pactuado quando se tem claro, e não para subtrair o contratante do risco voluntariamente assumido. Res-
desde logo, quem deverá principiar a executá-lo ou, por outro ângulo, quem salva-se, evidentemente, a possibilidade de anulação do contrato por erro ou
poderá exigir em primeiro lugar o cumprimento da prestação. dolo, no caso de terem sido fornecidas informações equivocadas a respeito
Pode ocorrer, entretanto, que a situação patrimonial da parte que deve do status patrimonial.
prestar depois comprometa ou torne duvidosa a execução do contrato. Nessa
A oposição da exceção de inseguridade tem lugar apenas nos contratos
hipótese, a parte que deve cumprir em primeiro lugar pode recusar-se a exe-
de prestações sucessivas. O fundamento é lógico. Dela não se cogita, nos
cutar sua prestação até que a outra satisfaça sua obrigação ou, pelo menos,
contratos de prestações simultâneas, nos quais a parte pode sempre recusar
forneça garantia suficiente. Trata-se da chamada exceção de inseguridade,
a cumprir sua obrigação antes que a outra o faça, independentemente da
cujo objetivo é evitar que riscos extraordinários sejam impostos à parte.
evolução do patrimônio desta.
Aproveita invocar um exemplo. Duas sociedades contratam a realização
de um espetáculo teatral. Convenciona-se que o pagamento seja efetuado 4. RESUMO ESQUEMÁTICO
antecipadamente. Mais tarde, sobrevém a notícia de que a sociedade artística
1. Exceptio non adimpleti contractus
encontra-se em difícil situação financeira, o que é comprovado pela cobran-
ça judicial de vultosos empréstimos bancários e pelo protesto de títulos no • Aplicável aos contratos bilaterais de prestações simultâneas
Cartório de Notas. O pagamento pode ser suspenso com arrimo no art. 477, • Veda que a parte exija o cumprimento da prestação alheia se ainda não
até que o espetáculo seja realizado ou, pelo menos, seja fornecida garantia tiver executado a própria. De acordo com a nomenclatura herdada da
suficiente de que o será. O manejo da exceção de inseguridade, portanto, tradição, a parte pode defender-se invocando a exceção do contrato
serve a manter o contrato dentro da alea pactuada. não cumprido.
Note-se que não há rigor formal para que a exceção seja oposta. Basta 2. Exceptio non rite adimpleti contractus
notificar o contratante cuja mudança de situação patrimonial pôs em risco • Aplicável aos contratos bilaterais de prestações simultâneas
a execução da prestação pactuada, o que pode ser feito tanto judicial como • Não basta cumprir formalmente a prestação. Caso não tenham sido ob-
extrajudicialmente. servados o lugar e o modo previstos em contrato para o cumprimento,
É oportuno ressaltar que a diminuição do patrimônio deve ser suficiente a o credor pode rejeitar a prestação e, com isso, evitar que a própria passe
ponto de pôr em risco a execução da prestação prometida (Pontes de Miranda. a ser exigível.
Tratado de direito privado, t. XXVI, p. 110). Não basta a mera oscilação negativa • Trata-se da chamada exceção do contrato não cumprido de modo
que, aliás, é freqüente no patrimônio de toda e qualquer pessoa jurídica que satisfatório, criada para evidenciar que não se pode exigir a prestação
opera no mercado. Exige-se, ademais, que a diminuição seja demonstrada. Na alheia antes que se tenha cumprido a própria em estrita confomidade
hipótese ventilada, seria insuficiente a apresentação de notícias jornalísticas com o pactuado.
234 Direito dos Contratos

• Em caráter excepcional, porém, o cumprimento parcial se aproxima tanto


ao total que o princípio da boa-fé impede o recurso à exceptio non rite
adimpleti contractus. Tem-se aqui o chamado adimplemento substancial,
que veda, inclusive, a resolução do vínculo contratual.
3. Exceção de inseguridade
• Aplicável aos contratos bilaterais de prestações sucessivas
• Confere à parte a possibilidade de suspender a execução da própria
prestação, caso tenha havido variação no patrimônio da outra parte que
ponha em dúvida o cumprimento daquilo a que se obrigou.
• Seu objetivo é evitar que a parte seja submetida a riscos extraordinários.
• A suspensão tem lugar até que a prestação alheia seja cumprida ou até
que seja fornecida garantia suficiente de que isso ocorrerá.
XVI
Unificação do direito
dos contratos
CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI

Bibliografia
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Universidad Panamericana. Mexico D.F., 1994, v. 12 – Sandro Schipani. La codificazione del
diritto romano comune. Torino: Giappichelli, 1999.

1. INTRODUÇÃO
A aproximação comercial definitiva entre os países, ocorrida ao longo do
séc. XX, produziu movimentos internacionais de unificação em diversos níveis
do direito privado. Para fomentar o fluxo de produtos e serviços, procurou-se
restringir as regras jurídicas aplicáveis aos negócios internacionais àquelas
que seriam aceitas mais facilmente por todos os agentes e que propiciariam a
maior estabilidade possível aos atos. Diferentes dificuldades e necessidades
fizeram com que distintos projetos de unificação de regras de direito privado
caminhassem paralelamente, em planos idênticos ou sobrepostos.
Não se trata, porém, do primeiro esforço destinado a promover a unifor-
mização das regras aplicáveis aos contratos celebrados entre pessoas residentes
236 Direito dos Contratos UNIFICAÇÃO DO DIREITO DOS CONTRATOS 237

em localidades sujeitas a diferentes regimes jurídicos. Sem negligenciar o Terms – Incoterms foram criados pela International Chamber of Commerce – ICC
papel unificador desempenhado pelo direito romano na Antigüidade, para em 1936. Sua função é precisar o sentido atribuído a determinadas cláusulas
uma obra introdutória, aproveita chamar a atenção para o fenômeno ocorrido comumente empregadas nos contratos internacionais e, com isso, evitar pro-
na Idade Média, depois do renascimento urbano. blemas relativos à interpretação do pactuado relacionados com os diferentes
Nessa época, os comerciantes advertiram a necessidade de contar com usos e costumes dos países de proveniência dos contratantes (Guilherme
um corpo de princípios e regras que conferisse suficiente estabilidade aos Bergmann Borges Vieira, Regulamentação no comércio internacional, p. 12).
contratos que intermediavam e concluíam. Os mercadores de então transita-
Como requer a dinâmica própria às relações comerciais, os Incoterms
vam com grande freqüência entre os centros comerciais italianos, franceses,
espanhóis, entre outros, e viam com preocupação o fato de que seus negócios foram revistos em diversas oportunidades, a saber: 1953, 1967, 1976, 1980
fossem submetidos às particularidades normativas e jurisdicionais das cidades e 1990 e, por último, em 2000. As partes são livres para adotar a versão que
em que operavam. lhes parecer mais adequada, embora a tendência óbvia seja a de se empregar
Por essa razão, foram criados tribunais próprios para os comerciantes a de 2000. Os Incoterms são designados de forma abreviada nos contratos
no interior das corporações a que pertenciam. Tais cortes eram responsá- internacionais, por se entender que as definições da ICC são suficientemente
veis pela aplicação das leis próprias aos mercadores, mais tarde conhecida claras para disciplinar a relação jurídica entre as partes.
como lex mercatoria. A lex mercatoria fundava-se em larga medida nos usos Alguns exemplos são elucidativos. A cláusula FAS (free alongside ship)
e costumes observados pelos comerciantes nas praças em que operavam indica que o vendedor tem a obrigação de entregar a mercadoria no porto de carga,
e era caracterizada pela importância atribuída aos princípios da liberdade liberada para a exportação e pronta para ser embarcada no navio. A cláusula
contratual e da boa-fé. FOB (free on board), por sua vez, impõe ao vendedor a obrigação de embarcar
No início do séc. XIX, a afirmação dos Estados-Nação europeus e o processo a mercadoria no navio, no porto designado no contrato. Por força da cláusula
de codificação do direito privado conspiraram para o arrefecimento do direito CIF (cost, insurance and freight), o vendedor assume a obrigação de efetuar o
comum dos comerciantes. Embora diversos de seus preceitos tenham sido incor-
pagamento dos custos relacionados ao embarque, frete, descarga e ao paga-
porados pelos Códigos, a lex mercatoria perdeu seu caráter transacional e, com
mento do prêmio do seguro principal.
isso, pereceu a função harmonizadora que justificou sua criação. Os tribunais
especiais dos comerciantes foram duramente combatidos pelos governantes de Ao todo, são 13 os Incoterms. Sua constante utilização pelas pessoas que
então, o que igualmente militou contra a possibilidade de recorrer a um direito atuam no comércio internacional revela a importância de se estabelecer regras
internacional do comércio para resolver as questões contratuais. uniformes para tais contratos, a exemplo do que se registrava desde a Idade
Não deixou de existir, porém, o intercâmbio comercial entre pessoas Média, quando recorriam aos tribunais especiais do comércio, responsáveis
sujeitas a diferentes jurisdições, nem, como conseqüência, a necessidade de pela aplicação da lex mercatoria.
precisar os princípios e regras aplicáveis a tais relações jurídicas. Justamente Muito recentemente sobrevieram projetos mais ambiciosos, com o
por isso, no séc. XX, deu-se a retomada da delimitação da lex mercatoria a partir objetivo de disciplinar as regras gerais aplicáveis aos contratos comerciais
do levantamento dos costumes comerciais então observados. Convenções, internacionais. Seu dúplice objetivo foi integrar o conteúdo dos negócios
tratados e leis uniformes foram elaborados e oferecidos aos Estados soberanos,
quando querido pelas partes e, igualmente importante, servir de modelo para
para regular matérias específicas. São todos acordos celebrados entre Estados
futura unificação a ser promovida pelos Estados Nacionais. Todos os projetos
ou Organizações Internacionais com o objetivo de disciplinar determinadas
relações jurídicas. Para o direito dos contratos, interessam, sobretudo, à são fruto do esforço dos estudiosos e como tais, não contam com chancela
Convenção Internacional sobre Compra e Venda Internacional, celebrada em oficial. Seu crescente emprego nas relações internacionais, porém, indica
Viena, em 1980, e a Convenção Interamericana sobre o Direito Aplicável aos que não se deve negligenciar a força persuasiva das regras neles contidas,
Contratos Internacionais, firmada na Cidade do México, em 1994. aplicáveis porque escolhidas e não porque impostas. Os principais projetos
Para exigências pontuais, foram estatuídos modelos de arbitragem de unificação de regras e princípios contratuais são os Princípios Unidroit
internacional e definidos os Incoterms, de freqüente utilização no comércio para os contratos de comércio internacional, o Código Europeu dos Contratos
internacional em todo o mundo. Os International Chamber of Commerce Trade e os Princípios de Direito Europeu dos Contratos, apresentados a seguir.
238 Direito dos Contratos UNIFICAÇÃO DO DIREITO DOS CONTRATOS 239

2. PRINCÍPIOS UNIDROIT PARA OS CONTRATOS DE COMÉRCIO INTERNACIONAL fundantes do direito contratual europeu. Nessa mesma ocasião, sustentou a
oportunidade de adotar o livro IV do Código Civil italiano como modelo para
Em 1971, o Conselho de Direção do Instituto para a Unificação do Direi-
a futura elaboração de um Código Europeu dos Contratos.
to Privado – UNIDROIT decidiu incluir na pauta de trabalhos do instituto o
projeto de compilação dos princípios dos contratos de comércio internacional. No ano seguinte, Gandolfi organizou um convênio com juristas de todos
As reflexões iniciais sobre o projeto couberam aos Professores René David, os países pertencentes à, então, Comunidade Européia, bem como da Suíça
Clive M. Schmitthoff e Tudor Popescu, que representavam, respectivamente, e da Áustria, para aprofundar a discussão a respeito do tema. Não houve di-
os sistemas de civil law, common law e dos países socialistas. Em 1980, for- ficuldade em chegar a um consenso a respeito da utilidade e possibilidade de
mou-se o grupo de trabalho responsável pela redação dos artigos, composto se elaborar um Código Europeu dos Contratos. Reconheceu-se por maioria
por juristas dos principais países do mundo e por alguns representantes da a conveniência de adotar o Livro IV do Código Civil italiano como base e se
administração pública, que trabalharam a título pessoal. decidiu igualmente empregar como fonte de inspiração o projeto de Código
Para cada capítulo da obra, foi nomeado um relator específico, que sub- dos Contratos elaborado por Harvey McGregor, para unificar os direitos inglês,
metia o projeto a seu cargo à discussão do grupo e de diversos correspondentes pertencente ao common law, e o escocês, filiado à tradição romanística.
do instituto, ao redor do mundo. O próprio Conselho de Direção intervia, O grupo de trabalho adquiriu forma institucional em 9 de novembro
se fosse o caso, e um Comitê de Redação cuidou do trabalho editorial final. de 1992, com a criação da Académie des Privatistes Européens. Seus membros
Coordenou a integralidade dos trabalhos o Professor Michael Joachim Bonell, fundadores foram Antonio Brancaccio, Presidente da Corte de Cassação
da Università degli Studi di Roma – La Sapienza. italiana, José Luis de los Mozos, Professor da Universidade de Valladolid e
Com a elaboração dos Princípios, o Instituto pretendeu oferecer à Juiz da Corte Constitucional espanhola, Giuseppe Gandolfi, Professor da
comunidade jurídica internacional um corpo de regras que fosse aplicável Universidade de Pávia, Peter Stein, Professor da Universidade de Cambridge,
em todo o mundo, independentemente da tradição jurídica ou da condição Alberto Trabucchi, Professor Emérito da Universidade de Pávia, André Tunc,
econômica de determinado país. Buscou-se conferir ao texto do projeto as Professor Emérito da Universidade de Paris I, e Franz Wieacker, Professor
características positivas da clareza, precisão e flexibilidade, para que, posto Emérito da Universidade de Göttingen.
que não vinculante, fosse atrativo por suas virtudes. Consolidada a opção pela codificação, procurou-se precisar o sentido e
A primeira edição dos Princípios Unidroit para os contratos de comércio os limites das regras a serem inseridas. A primeira decisão foi a de elaborar um
internacional foi publicada em 1994. Três anos depois, tiveram início os código de regras e não de princípios. Sustentou-se que a unificação somente
trabalhos para a elaboração da segunda edição dos Princípios. Juntaram-se a poderia ser atingida com recurso à definição de soluções concretas, visto que
alguns elementos do grupo de trabalho original outros juristas, de diferentes a uniformização dos procedimentos lógicos e mecanismos conceituais seria
países, e representantes de organismos internacionais interessados, bem muito mais difícil, senão impossível. Na seqüência, enfrentou-se o problema
como de centros e associações arbitrais. A segunda edição dos Princípios foi de o Livro IV do Código Civil italiano lidar não apenas com os contratos, mas
publicada em 2004. Seu texto serviu para aperfeiçoar as regras constantes também com as obrigações, categoria conceitual estranha ao common law.
da edição original e, principalmente, para complementá-la com a inserção O tema foi debatido em outubro de 1994 e chegou-se a conclusão de que se
de novos dispositivos. atribuiria ao termo obrigação apenas o sentido que costuma apresentar nas
A segunda edição conta com 185 artigos, distribuídos entre um preâm- fontes inglesas, qual seja, o de efeito do contrato. O texto do anteprojeto do
bulo e dez capítulos, com os seguintes títulos: disposições gerais; formação Código Europeu dos Contratos não contempla, portanto, títulos referentes às
e representação; validade; interpretação; conteúdo e contrato em favor de obrigações em geral, nem sobre seus principais tipos, mas sim sobre os efeitos
terceiro; adimplemento em geral e hardship; inadimplemento em geral, direito e a execução do contrato. Seguiu-se ainda a orientação de Franz Wieacker
ao adimplemento, resolução e ressarcimento do dano; compensação; cessão para não se incluir uma parte geral semelhante à constante do BGB, pois se
de créditos, transferência das obrigações e cessão do contrato; prescrição. considerou suficiente a inserção das regras fundamentais dos contratos.
Discutiu-se longamente sobre o estilo de linguagem do Código. Para
3. ANTEPROJETO DO CÓDIGO EUROPEU DOS CONTRATOS além da busca pela precisão, encorajou-se a adoção da técnica definitória e do
No mês de junho de 1989, Giuseppe Gandolfi, professor da Universi- recurso a exemplos. O objetivo principal foi o de minimizar o número de regras
dade italiana de Pávia, apresentou em conferência estudo sobre os princípios implícitas, cuja diversa interpretação tenderia a desfavorecer a harmonização
240 Direito dos Contratos UNIFICAÇÃO DO DIREITO DOS CONTRATOS 241

em uma área extensa como a da União Européia. Adotou-se como língua de chael Joachim Bonell, da Università degli Studi di Roma – La Sapienza, Brigitte
trabalho o francês, considerado mais adequado que o inglês para promover a Berlioz-Houin, da Universidade de Paris IX, Denis Tallon, da Universidade
codificação. A redação foi centralizada no coordenador, Giuseppe Gandolfi, de Paris II, e William A. Wilson, da Universidade de Edimburgo.
a quem foi conferida a tarefa de considerar as muitas contribuições enviadas A primeira redação dos artigos, comentários e notas era atribuída a um
pelos membros da Académie des Privatistes Européens nas áreas de sua expertise. relator. Cada relator, então, apresentava seu trabalho aos demais que, reunidos
As primeiras propostas, que já vinham sendo elaboradas pelo menos desde em um grupo de redação, preparavam o texto a ser submetido à Comissão.
1990, foram formalmente tomadas em consideração em 1995 e, a partir de Em suas sessões, a Comissão aprovava os textos, modificava ou reenviava o
então, houve reuniões para discuti-las em Paris, Zaragoza, Munique, Pávia e texto aos relatores e ao grupo de redação, para aperfeiçoamento. A responsa-
Cambridge. As conclusões coletivas, acrescidas de numerosas contribuições bilidade de definir a terminologia e a apresentação foi conferida a um grupo
individuais, foram enviadas para Gandolfi, que ficou encarregado de apreciá- de controle final. Em 1990, a primeira Comissão aprovou definitivamente os
las à luz das decisões judiciais de maior relevo em matéria contratual. artigos da Parte I dos Princípios; em 1996, a segunda Comissão apresentou a
A primeira versão do texto, concluída em 1999, contém não apenas os versão final da Parte II e, em 2002, o texto da Parte III foi finalizado.
artigos como também as indicações das razões fundamentais que conduziram O projeto, que utilizou como fonte diversos ordenamentos, comunitá-
à adoção do regramento. Sua discussão deu-se na Universidade de Pávia. As rios ou extracomunitários, buscou apresentar um código do contrato e das
observações foram consideradas como futuras propostas, a serem apreciadas obrigações que fosse pacificamente aplicável a qualquer parte contratante,
pelo coordenador. Em 2001, decidiu-se publicar o primeiro texto, como não importando seu país de origem. Seus objetivos expressos são a facilitação
apresentado pelo coordenador, para que a discussão fosse ampliada tanto do tráfico comercial entre os países da Europa; o reforço do mercado único
quanto possível. O volume publicado contém o Livro I, referente ao contrato europeu; a criação de uma estrutura normativa para o direito comunitário dos
em geral. São 173 artigos, divididos em 11 títulos, relativos às disposições contratos; a definição de balizas para a jurisprudência e legislações nacionais;
preliminares; à formação do contrato; ao conteúdo; à forma; à interpretação; e, finalmente, a construção de uma ponte entre o civil law e o common law.
aos efeitos; à execução; à inexecução; à cessão; à extinção; e, finalmente, às O trabalho compreende 201 artigos, divididos em 17 capítulos, relacio-
chamadas patologias contratuais e seus remédios. Encontra-se em preparação nados às disposições gerais; formação do contrato; representação e mandato;
o livro II, referente aos contratos em espécie. invalidade; interpretação; conteúdo e efeito; adimplemento; inadimplemen-
to e tutela geral; tutelas especiais para o inadimplemento; obrigações com
4. PRINCÍPIOS DE DIREITO EUROPEU DOS CONTRATOS pluralidade de sujeitos; cessão de crédito; substituição do devedor e cessão
O movimento que resultou na elaboração dos Princípios de Direito do contrato; compensação; prescrição; contrariedade a normas imperativas;
Europeu dos Contratos remonta aos anos de 1974 e 1976, interregno em que condição; e, por fim, capitalização de juros.
se debatia a propósito do Projeto de convenção da Comunidade Econômica
Européia sobre a lei aplicável às obrigações contratuais e extracontratuais, 5. AMÉRICA LATINA
bem como a respeito da possibilidade de se elaborar um código uniforme Da mesma forma que na Europa, busca-se também levar a efeito a uni-
para as relações comerciais. ficação da disciplina dos contratos na América Latina. Nesse sentido, avulta
Pouco mais tarde, em dezembro de 1980 e novembro de 1981, reuniu-se a importância dos pioneiros esforços dos grupos de trabalho que se reuniram
em Bruxelas o grupo de juristas europeus responsável pela preparação dos na Università degli studi di Roma – Tor Vergata desde 1997, sempre sob a coor-
trabalhos que se iniciariam. Logo se formalizou a primeira Comissão Européia denação do Professor Sandro Schipani. A última rodada de trabalhos teve
de Direito dos Contratos e, na terceira reunião, realizada em Hamburgo, no mês lugar no período compreendido entre 2004 e 2006 e contou com professores
de novembro de 1982, foram inauguradas as discussões sobre os Princípios. e estudiosos pertencentes às seguintes universidades: Universidad de Buenos
Sucessivas reuniões e duas novas Comissões, que agregavam juristas de cada Aires (Argentina); Universidad Mayor de San Simón (Bolívia); Universidade
novo país membro da Comunidade Européia, conduziram as atividades até de São Paulo (Brasil); Universidad Católica de Valparaíso (Chile); Universidad
a finalização do texto. Presidiu o projeto o Professor Ole Lando, da Univer- Externado de Colombia (Colômbia); Instituto de Investigaciones Jurídicas de la
sidade de Copenhague, e fizeram parte da primeira Comissão Européia de Universidad Nacional Autónoma de México (México); Pontificia Universidad
Direito dos Contratos, entre outros, os Professores Massimo Bianca e Mi- Católica del Perú (Perú); Universität Bonn (Alemanha); Universidad de Valla-
242 Direito dos Contratos UNIFICAÇÃO DO DIREITO DOS CONTRATOS 243

dolid (Espanha); Universidad Autónoma de Barcelona (Espanha), Università apresentação do primeiro esboço de código pelos herdeiros da tradição inau-
degli Studi di Roma – La Sapienza (Itália); Università di Roma Tre (Itália); gurada por Bello, Freitas e Vélez Sarsfield. Confiar no trabalho dos juristas é
Università di Pisa (Itália); Università di Brescia (Itália); Università degli Studi requisito indispensável para que a unificação extrapole a mera reprodução
di Siena (Itália); e, finalmente, da Università degli Studi di Roma – Tor Vergata das soluções correntes em busca da excelência.
(Itália), responsável pela coordenação.
Os trabalhos objetivam promover a unificação do direito dos contratos
6. RESUMO ESQUEMÁTICO
na América Latina a partir das bases romanísticas comuns a todos os países do 1. Introdução
subcontinente. Deve-se, em síntese, precisar os princípios comuns herdados da • Histórico: lex mercatoria, convenções, tratados, leis uniformes, inconterms,
tradição para, em seguida, harmonizá-los com as novas tendências do direito projeto de unificação das regras aplicáveis aos contratos internacionais
das obrigações e com as necessidades particulares à América Latina. Nesse • Objetivo dos projetos de unificação: integrar o conteúdo dos negócios
processo, importa considerar as obras dos principais juristas latino-americanos e servir de modelo para a futura harmonização a ser promovida pelos
do séc. XIX, verdadeiros fundadores deste ramo da família romanística. São Estados Nacionais
eles Andrés Bello, Augusto Teixeira de Freitas e Dalmacio Vélez Sarsfield. • Todos os projetos são fruto do esforço dos estudiosos e, portanto, des-
Bello redigiu o Código Civil do Chile de 1855, cujo texto depois foi providos de chancela oficial
adotado no Equador em 1860, na Colômbia em 1873, na Venezuela em 2. Princípios Unidroit para os contratos de comércio internacional
1862, na Nicarágua em 1871, em Honduras, primeiro entre 1880 e 1898 e, • Histórico de elaboração: grupo e método de trabalho
depois, a partir de 1906 e, ainda, influenciou o Código do Uruguai de 1868 • Objetivo: oferecer à comunidade jurídica um corpo de regra passível de
e, em menor medida, o argentino do ano seguinte. O Esboço de Teixeira de aplicação em todo o mundo
Freitas, publicado entre 1860 e 1865, teve importância decisiva não apenas • Há duas edições: 1994 e 2004
para legislação brasileira como para a argentina. Sua força sistemática ainda é 3. Anteprojeto do Código Europeu dos Contratos
sentida no direito brasileiro, tendo em vista, por exemplo, que o Código Civil
• Histórico de elaboração: grupo e método de trabalho
de 2002 mantém a Parte Geral em moldes muito semelhantes àquela criada
• Objetivo: unificar o direito europeu dos contratos
por Freitas. O Código Civil argentino de 1869, por sua vez, aproveitou-se
• Principais fontes de inspiração: Livro IV do Código Civil italiano e projeto
em grande medida do trabalho de Freitas, como não deixou de reconhecer
de Código dos Contratos para unificar os direitos inglês e escocês
seu autor, Vélez Sarsfield. Mais tarde, o Código Civil argentino foi adotado
4. Princípios de Direito Europeu dos Contratos
pelo Paraguai em 1876. Além disso, influenciou o Código do Uruguai do
ano anterior, o da Nicarágua de 1904 e, de modo menos significativo, o do • Histórico de elaboração: grupo e método de trabalho
Panamá de 1916. • Objetivo: unificar o direito europeu dos contratos
O exame da formação e evolução do direito latino-americano é essencial • Divisão em três partes: Parte I (aprovada em 1990); Parte II (aprovada em
para que seja promovida a unificação do direito dos contratos em conformi- 1996) e Parte III (aprovada em 2002)
dade às particularidades regionais. Impõe-se, claro, a consideração do direito 5. América Latina
europeu, anglo-americano e, principalmente, dos projetos elaborados com o • Histórico de elaboração: grupo e método de trabalho
mesmo propósito na Europa e no âmbito do Instituto Unidroit. Não se pode, • Objetivo: unificar o direito latino-americano dos contratos
porém, acatá-los com espírito servil, sob pena de renunciar à identidade • Recurso aos subsídios históricos, sobretudo às bases romanísticas, es-
latino-americana. forço de harmonização da disciplina atual e comparação com o direito
A unificação do direito é um trabalho em curso por definição. Pode-se europeu e anglo-americano, bem como com os projetos de unificação
mesmo remontar à elaboração do Digesto, obra que procurou reunir o que de do direito dos contratos.
melhor havia no Direito Romano e que, felizmente, permitiu que os resultados
obtidos pelos juristas de então fossem apropriados pelas gerações futuras. Na
América Latina, foram dados os primeiros passos para identificar os princípios
e regras comuns ao direito dos contratos do subcontinente. Espera-se agora a
SEGUNDA PARTE
CONTRATOS EM ESPÉCIE

AMANDA ZOE MORRIS (COORDENADORA)


CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA
FÁBIO PODESTÁ
MARIA CLARA FALAVIGNA
I
Contratos em espécie:
introdução
AMANDA ZOE MORRIS

1. INTRÓITO
Abordada a teoria geral dos contratos, em seqüência analisaremos os
contratos em espécie, com as particularidades das diversas formas contratuais
previstas no Código Civil e em leis esparsas.
Trataremos, inicialmente, de todos os contratos típicos constantes do
Título VI do Código Civil de 2002, entre os arts. 481 a 853, quais sejam:
1) compra e venda; 2) troca ou permuta; 3) contrato estimatório; 4)
doação; 5) locação de coisas; 6) empréstimo (mútuo e comodato); 7) pres-
tação de serviço; 8) empreitada; 9) depósito; 10) mandato; 11) comissão;
12) agência de distribuição; 13) corretagem; 14) transporte (de pessoas e de
coisas); 15) seguro; 16) constituição de renda; 17) jogo e aposta; 18) fiança;
19) transação; 20) compromisso.
Os contratos em espécie do código civil, contudo, não exaurem o tema.
Daí a necessidade de abordarmos os contratos mencionados nos capítulos que
versam sobre: 1) factoring; 2) franquia; 3) sociedade; 4) contratos eletrônicos;
5) contratos bancários; 6) contratos de cartões de crédito; 7) incorporação imo-
biliária; 8) leasing; 9) joint venture que seguem, e que têm inegável relevância
ao estudo dos contratos de direito civil. Tratam-se de algumas modalidades
tipificadas em legislação extravagante, e contratos atípicos consagrados pelo
uso freqüente, criados na prática em conformidade com as normas expostas
na primeira parte da presente obra, reservada à teoria do contrato.
COMPRA E VENDA 249

Diversamente, noutras legislações, como o Código Civil alemão (BGB,


art. 433) e o Código Civil brasileiro (art. 481 do CC), o contrato de compra
e venda tem caráter obrigacional (jus ad rem), isto é, o contrato de compra e
II venda gera uma obrigação de dar ou de fazer, exigindo a tradição para as coisas
móveis (art. 1.267 do CC) e a transcrição no Registro de Imóveis competente,
Compra e venda para os bens imóveis (art. 1.245 do CC).
O contrato de compra e venda, assim como o contrato de troca e de
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA doação, é contrato translativo de propriedade. Contudo, não se deve dei-
xar enganar por tal denominação, pois tais contratos geram tão somente a
obrigação de transferir a propriedade. Tanto é assim, que o comprador pode
Bibliografia acionar o vendedor judicialmente para que lhe transfira a propriedade do
Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira.
objeto da compra e venda, que só se converte em indenização por perdas e
Contratos. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia danos se houver impossibilidade superveniente com culpa do devedor (art.
Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 234 do CC).
– Clóvis Beviláqua. Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de Para a melhor compreensão destes dois sistemas jurídicos acerca do
Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. contrato de compra e venda, é necessário um breve relato do que ocorria
7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 3 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: no direito romano, fazendo-se a distinção entre titulus adquirendi e modus
Forense, 1999.
acquisitionis.
1. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO Então vejamos: o contractus, no direito romano, traduzia tão somente
o vínculo jurídico entre as partes contratantes, não constituindo direito real.
Contrato de compra e venda é o contrato celebrado pelas partes visando Em outras palavras, o contractus era o titulus adquirendi. Todavia, o direito
a aquisição e a transferência da propriedade. O adquirente (comprador) paga romano exigia, para constituir um direito real oponível erga omnes, um ato
o preço estipulado em dinheiro ou valor fiduciário equivalente, com o fim de solene. Este ato era o modus acquisitionis, e só a partir deste momento trans-
adquirir, futuramente, a propriedade do objeto da compra e venda; por outro mitia-se a propriedade.
lado, o alienante (vendedor) obriga-se a transferir a propriedade deste bem ao A compra e venda pura está regulada no art. 482 do CC, ou seja, desde
adquirente (art. 481 do CC). que o contrato de compra e venda não venha acompanhado de nenhuma
Segundo definição elaborada por Clóvis Beviláqua, “compra e venda é o condição, seja suspensiva seja resolutiva, torna-se perfeito e obrigatório
contrato pelo qual uma pessoa se obriga a transferir a outra o domínio de uma mediante o consenso das partes sobre o objeto e o preço. Por isso, não há
nenhuma contradição entre este dispositivo e as modalidades especiais de
coisa determinada, por certo preço em dinheiro ou em valor fiduciário equiva-
compra e venda. Trata-se, na verdade, de hipóteses distintas.
lente. (...) A palavra coisa não é tomada em sua acepção genérica, abrangendo
Quanto à classificação do contrato de compra e venda, tem-se que ele
as coisas materiais e imateriais. Domínio é a propriedade das coisas corpóreas.
é um contrato:
A alienação dos outros direitos denomina-se, antes, cessão”.
a) Bilateral ou sinalagmático – no contrato de compra e venda, o sinalagma
É preciso distinguir entre o caráter obrigacional ou real do contrato. Em é perfeito. Por isso não há dúvida de que este contrato seja bilateral ou sinalag-
determinadas legislações, como por exemplo, o Código Civil francês (art. mático, pois a partir dele surgem obrigações tanto para o adquirente quanto
1.582) atribui ao contrato de compra e venda caráter real, ou seja, o próprio para o alienante; aquele deve pagar o preço avençado, e o alienante, transferir
contrato de compra e venda já transmite a propriedade. Em outras palavras, a propriedade do objeto da compra e venda, entregando-a ao adquirente.
no sistema contratual francês, o simples consenso entre o comprador e o ven- b) Consensual – para a formação o contrato de compra e venda, basta
dedor é meio hábil para que aquele seja considerado o proprietário do bem a o consentimento das partes, por isso é classificado, também, como um con-
partir do momento em que manifestam suas vontades em celebrar o contrato trato consensual (forma-se o vínculo obrigacional solo consensus – art. 482
em questão, pouco importando se houve ou não a tradição do bem. do CC).
250 Direito dos Contratos COMPRA E VENDA 251

Em regra, o contrato de compra e venda é de forma livre, pois a lei 2.1 Pressupostos subjetivos
não requer que tal contrato seja celebrado mediante uma forma específica.
Para que o contrato de compra e venda exista e seja válido, requer-se
Ressalta-se, entretanto, a hipótese em que o objeto do contrato de compra e
a capacidade genérica, como em qualquer negócio jurídico (art. 104, I, do
venda seja um bem imóvel cujo valor supere 30 vezes o salário mínimo, em
CC). Em outras palavras, tanto o comprador, quanto o vendedor devem ser
que a lei requer que o contrato de compra e venda seja celebrado mediante
escritura pública (arts. 108, 109 e 215 do CC). capazes, ou seja, não podem estar atingidos por nenhuma das incapacidades
genéricas dos arts. 3.º e 4.º do CC.
c) Oneroso – a onerosidade é da essência do contrato de compra e ven-
da, já que o preço é um dos elementos essenciais desta figura contratual e o Todavia, além desta análise, deve-se avaliar se existem ou não hipóte-
distingue da doação, em que o doador obriga-se a transferir a propriedade do ses de restrições específicas para celebrar o contrato de compra e venda em
bem doado gratuitamente. determinadas situações. Para que o contrato de compra e venda exista e seja
d) Comutativo ou Aleatório – dentro da modalidade negocial onerosa, válido, o alienante deve ter legitimidade ou capacidade específica para vender
o contrato de compra e venda pode ser comutativo, quando o pagamento do determinado bem a certo adquirente.
preço representar o proveito do recebimento da coisa, havendo, portanto, um Assim, conclui-se que, enquanto a capacidade genérica é verificada in
equilíbrio entre o sacrifício de pagar o preço e o proveito em receber a coisa. abstrato, a capacidade específica ou legitimação das partes contratantes é
Equilíbrio este que deve ser analisado pelo juiz diante do caso concreto, mes- auferida mediante a análise das circunstâncias da situação in concreto.
mo que guarde um certo grau de subjetividade para tal análise, o legislador A legitimação das partes contratantes é analisada da seguinte maneira:
de 2002 estipulou expressamente a possibilidade de rescisão do contrato a) venda de ascendentes a descendentes: é anulável a venda de ascendentes
por onerosidade excessiva (arts. 478-480 do CC), bem como a invalidade a descendentes sem o consentimento dos outros descendentes e do cônjuge
do contrato se verificar o defeito da lesão (art. 157 do CC) ou do estado de do alienante (art. 496 do CC).
perigo (art. 156 do CC).
O consentimento do cônjuge do alienante é inovação do CC, e é dis-
Nada impede, entretanto, que o contrato de compra e venda seja aleató- pensável se o regime dos bens for o da separação obrigatória. O regime da
rio. Será aleatório quando uma das prestações puder falhar (art. 483 do CC), separação obrigatória é o imposto por lei no art. 1.641 do CC (cônjuges que
assumindo uma das partes o risco do negócio (chance de ganho ou perda). não observaram as causas suspensivas da celebração do casamento; os maiores
Por exemplo, o contrato de compra e venda de coisa futura, “A” paga de 60 anos; e os que casaram mediante suprimento judicial).
o preço pela pesca de “B”, não se sabe quantos peixes “B” irá pescar, nem ao
Esta exigência do consentimento dos demais descendentes justifica-se
menos se ele conseguirá pescar algum. Neste caso, não havendo culpa de “B”
pelo princípio da igualdade das legítimas dos descendentes, pois as partes pode-
(devedor), se ele não pescar nenhum peixe ainda tem direito de receber o
riam utilizar o contrato de compra e venda para dissimular uma doação que
preço avençado e, se já recebeu o preço, não deve restituí-lo à “A”.
beneficiaria apenas um dos descendentes em prejuízo dos demais.
e) De execução instantânea ou diferida – quanto ao modo de execução do
contrato de compra e venda, ele poderá ser ora de execução instantânea ou ime- Nesta matéria vigora o já mencionado princípio da disponibilidade do in-
diata, quando a execução é feita de forma única e simultânea; ora de execução teresse privado, sendo assim, o contrato de compra e venda é anulável, isto é, a
diferida, quando as partes estipulem o parcelamento do valor da prestação ou nulidade deve ser argüida pelo interessado, por isso, o CC tornou esta compra
adiem para momento futuro a execução do contrato de compra e venda. e venda anulável, ao contrário do CC/1916 (art. 1.132) que a declarava nula.
Sendo anulável, o contrato de compra e venda assim realizado pode ser con-
2. PRESSUPOSTOS E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS validado a posteriori com a anuência dos outros descendentes e cônjuge.
Os elementos essenciais (essentialia negotii) do contrato de compra e Quanto ao prazo para a ação anulatória (constitutiva negativa), o art.
venda são três: a) coisa (res); b) preço (pretium); e c) consenso (consensus). 496 do CC não mencionou o prazo, então, deve-se recorrer à regra subsidiária
Importante ressaltar que quando o objeto do contrato de compra e venda contida no art. 179 do CC, ou seja, a ação anulatória do art. 496 está sujeita
for um imóvel de valor superior a 30 vezes o salário mínimo vigente, a escritura ao prazo decadencial de dois anos.
pública passa a ser forma ad substantiam (art. 108 do CC), portanto requisito b) venda por pessoa encarregada de zelar pelo interesse do vendedor: a lei
de validade do negócio jurídico nos termos do art. 104, III, do CC. veda a compra por pessoa encarregada de zelar pelo interesse do vendedor
252 Direito dos Contratos COMPRA E VENDA 253

(art. 497 do CC) para assegurar a moral nas relações jurídicas, garantindo a Desta forma, se um condômino vender a sua parte sem consultar os
isenção que é necessária para o melhor desempenho do ofício ou profissão. demais co-proprietários, dando-lhes o direito de preferência ou prelação,
Desta forma, é nula a compra de um bem por quem incumbia zelar pelos estes podem requerer para si a parte alienada depositando o preço. Mas isto
interesses do alienante do mesmo. O art. 497 elenca um rol que expressa esta deve ser feito em até 180 dias (ou seis meses) após a realização da venda a um
proibição, a saber: estranho. Este prazo é decadencial.
– Os tutores, curadores, testamenteiros e administradores não podem Havendo pluralidade de condôminos interessados na compra da parte
comprar bens confiados à sua guarda ou administração; do outro, há uma espécie de licitação entre eles. Assim, os parâmetros para
esta escolha são:
– Os servidores públicos não podem comprar bens ou direitos da pessoa
jurídica a que servirem ou os bens que estejam sob sua administração direta 1.º) quem tiver as mais valiosas benfeitorias;
ou indireta; 2.º) os de quinhão maior; e
– Os juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros ser- 3.º) se os quinhões forem iguais, haverão a parte vendida os co-proprie-
ventuários ou auxiliares da justiça não podem comprar os bens ou direitos tários, que a quiserem, depositando o preço.
sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho; esta proibição não engloba 2.2 Elementos constitutivos
os casos de compra e venda ou cessão entre co-herdeiros (art. 498 do CC).
– Os leiloeiros e seus prepostos não podem comprar bens de cuja venda 2.2.1 Bem
estejam encarregados. O objeto do contrato de compra e venda é, em regra, um bem corpóreo.
Em regra, é vedada a compra e venda entre marido e mulher, desde Porque sendo bem incorpóreo, trata-se de cessão de direitos, e por isso, não
que o objeto desta compra e venda seja um bem que integre a comunhão. tem a finalidade de transferência do domínio que só se exerce sobre bens
Isto porque seria um negócio dissimulado, já que não há compra e venda corpóreos. Entretanto, aplicam-se à cessão de direitos diversos princípios
sem alteração patrimonial do alienante e do adquirente, o que não ocorreria da compra e venda.
nesta hipótese. Além disto, o objeto do contrato de compra e venda pode ser coisa já
Entretanto, houve uma inovação neste ponto, sendo que a lei permite existente ao tempo da celebração do contrato ou coisa futura (art. 483 do CC).
(art. 499 do CC) a compra e venda entre marido e mulher de bens excluídos Sendo o objeto coisa futura, se esta não vier a existir, o contrato fica sem efeito
retornando as partes ao status quo ante, salvo se as partes visavam à celebração
da comunhão.
de contrato aleatório. Para verificar se o contrato era ou não aleatório, deve-se
c) o cônjuge alienante sem autorização do outro: faltará legitimidade do analisar a intenção das partes, utilizando as regras de interpretação do negócio
cônjuge, alienante de um bem imóvel, que não tenha obtido a autorização jurídico (arts. 112-114 do CC).
do outro para aliená-lo (art. 1.647, I, do CC). Esta autorização, contudo, é Assim, se o comprador adquire coisa futura de maneira que se ela não
dispensada se o regime de bens for o da separação obrigatória de bens. vier a existir, o contrato se resolve (emptio rei speratae), nada mais é que um
Esta autorização é designada genericamente pelo termo técnico vênia contrato sob condição que será tido como perfeito desde a data da celebração
conjugal. Em específico, se o alienante for o marido que necessita do consen- com o implemento da condição (art. 458 do CC).
timento de sua esposa, diz-se outorga uxória. Caso a esposa seja a alienante e, Todavia, se o comprador adquire coisa futura dispondo ser o negócio
portanto, necessite do consentimento de seu marido, diz-se vênia marital. válido ainda que nada venha a existir, compra-se, em verdade, uma expec-
No caso de recusa em anuir, o dissidente deverá fundamentar sua dis- tativa (spes), por isso, esta modalidade contratual é denominada de emptio
cordância de forma expressa. E, mais, a lei requer que o motivo da recusa seja spei (art. 459 do CC).
justo, pois se a recusa for injusta, o juiz poderá supri-la a pedido do interessado, Além de atual ou futura, a coisa deve ser determinada ou, ao menos,
é o que se chama por suprimento judicial (art. 1.648 do CC). determinável sob pena de invalidar o negócio jurídico (art. 104, II, do CC).
d) venda por condômino: não pode um condômino vender sua parte da Requer-se, ainda, que o objeto do contrato de compra e venda seja
coisa indivisível, enquanto pende o estado de indivisão, sem respeitar o direito disponível, ou seja, bem que esteja no comércio sob pena de ineficácia do
de preferência ou prelação dos demais co-proprietários (art. 504 do CC). contrato.
254 Direito dos Contratos COMPRA E VENDA 255

Por meio do contrato de compra e venda, o vendedor se obriga a transferir Por fim, não pode ser objeto de compra e venda herança de pessoa viva
a propriedade do bem para o adquirente. A questão que surge é sobre a pos- (art. 426 do CC). Esta proibição acaba uma vez aberta a sucessão, tanto é
sibilidade ou não do objeto da compra e venda ser alheio devido ao princípio assim que, hoje, está regulamentada a cessão de direitos hereditários (arts.
de que ninguém pode transferir mais direitos do que tem. 1.793-1.795 do CC).
Neste ponto, são importantes os dois sistemas jurídicos analisados supra
2.2.2 Preço
para poder entender a posição da doutrina, que não é pacífica. Nos sistemas que
atribuem à compra e venda efeitos reais, como o sistema francês, a venda de O preço está na própria definição do contrato de compra e venda vista
coisa alheia é nula (art. 1.599), porque o contrato implica na transferência da acima, isto é, “por certo preço em dinheiro ou em valor fiduciário equivalente”.
propriedade, vigorando a regra de que ninguém pode transmitir mais direitos Desde os romanos, o preço era elemento essencial à compra e venda (“sine
do que tem (nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet). pretio nula venditio” – Ulpiano).
Por outro lado, os sistemas que atribuem à compra e venda efeitos mera- O preço deve ser fixado, principalmente, em dinheiro (moeda corrente
mente obrigacionais, como o sistema alemão e o italiano, aquele que vendeu do País – princípio do curso forçado da moeda e princípio do nominalismo
um bem de que não seja dono, fica obrigado a adquirir o bem para o comprador – art. 315 do CC), sendo isto o que distingue a compra e venda da troca ou
sob pena de indenizá-lo em perdas e danos (art. 1.478 do CC italiano). permuta. Ou seja, pode-se até fixar uma quantia em dinheiro e outro bem, mas
o valor em dinheiro deve ser superior. Admite-se que o preço corresponda a
Os doutrinadores brasileiros se dividem, Clóvis Beviláqua e Maria
um valor fiduciário equivalente, como a nota promissória, o cheque, a letra
Helena Diniz não admitem venda a non domino. Enquanto Orlando Gomes e
de câmbio ou a duplicata de seu aceite.
Caio Mário da Silva Pereira a consideram anulável, ou seja, seria em princípio
O preço deve ser sério (verum), é vedada a estipulação de preço simu-
válida se o alienante de boa-fé vier a adquirir posteriormente a propriedade
lado, irrisório ou vil.
da coisa (art. 1.268, § 1.º, do CC).
A tão discutida questão acerca da justiça do preço pelos juristas medievais,
Seguindo a sistemática do nosso ordenamento jurídico, em que o
deve ser encarada, atualmente, com ressalvas. Esta qualidade é avaliada de
contrato de compra e venda tem efeitos meramente obrigacionais, a venda a forma objetiva, podendo, às vezes, superar o valor real do bem ou ser inferior
non domino é perfeita e válida. Assim, se o alienante não conseguir adquirir a a este. Ressalte-se que nos defeitos do negócio jurídico da lesão (art. 157 do
propriedade do bem, a obrigação que adveio do contrato de compra e venda CC) e do estado de perigo (art. 156 do CC), não se avalia se o preço foi justo
torna-se impossível com culpa do comprador, que assumiu o risco. Desta ou não, mas há outros requisitos como a inexperiência da outra parte ou
forma, estando o adquirente de boa-fé, deve-se resolver a obrigação seguindo quando a outra parte esteja em iminente risco de morte.
a regra geral (art. 234 do CC), isto é, em indenização por perdas e danos além O preço deve ser certo (certum), ou seja, devem constar no contrato
da restituição de algum valor, se pago. critérios para a sua fixação. No caso de se estipular que o preço seja fixado
Ressalta-se, entretanto, que se o adquirente estiver de má-fé ao adquirir por terceiro (art. 485 do CC), o preço não deixa de ser certo, pois as partes
um bem que, sabidamente, não pertencia ao vendedor, ele não fará jus à in- convencionaram o critério de fixação do preço, se o terceiro não aceitar a
denização por perdas e danos, pois seria incompatível com os deveres anexos incumbência ou não puder desempenhá-la, o contrato é tido como ineficaz.
da boa-fé objetiva (art. 422 do CC). Já há, inclusive, decisões neste sentido: Todavia, se as partes, de comum acordo, indicarem uma outra pessoa para
“Aquele que realiza contrato de compra e venda de imóvel cujo vendedor não fixar o preço, o contrato será eficaz. O que não se permite é que o juiz fixe o
é o proprietário, assume o risco de somente vir a obter o domínio do bem se preço ou que o juiz nomeie uma pessoa para fazê-lo.
e quando o vendedor o obtiver. A compra e venda a non domino é aquisição O que não pode ocorrer é que o preço seja arbitrado livremente por uma
de direito real sujeita a uma condição de natureza eventual, sendo, portanto, das partes, sob pena de nulidade do contrato (art. 489 do CC). Não se deve
contrato aleatório com risco assumido pelo adquirente” (TJDF, 2.ª T., Ap. Civ. entender como fixação unilateral do preço, quando haja, no produto, indicação
47.244/97, j. 12.08.1998). do preço. Isto deve ser entendido como elemento integrante da proposta.
O bem pode ser litigioso conforme o art. 42 do CPC. Neste caso, o ad- No leilão, o mesmo ocorre, ou seja, não se trata de preço fixado unila-
quirente, sabedor de que o objeto da compra e venda está sob judice, perde a teralmente pelo comprador que dá o lanço. Tanto é assim, que há um valor
garantia contra a evicção, pois assumiu o risco (art. 457 do CC). mínimo estipulado, e só vence o leilão aquele que der o maior lanço.
256 Direito dos Contratos COMPRA E VENDA 257

Também não deixa de ser certo, o preço fixado à taxa de mercado ou de que falar em revogação do dispositivo da Lei de Registros Públicos. A solu-
bolsa (art. 486 do CC). Nesta hipótese, as partes devem indicar o dia e lugar. ção está na superação do conflito de normas pelo “diálogo entre as fontes”
Ocorrendo variação da taxa no mesmo dia e local, aplica-se o termo médio (Claudia Lima Marques), havendo no caso um diálogo de complementaridade
(aplicação analógica do parágrafo único do art. 488 do CC). e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais. Em outras palavras, os
Da mesma forma, é possível que as partes queiram que o preço seja fixa- dispositivos se completam na medida em que a natureza da norma do Código
do em função de índices ou parâmetros suscetíveis de objetiva determinação Civil é supletiva, valerá no silêncio das partes, nada impede que mesmo no
(art. 487 do CC). Esta regra dá maior flexibilidade às partes contratantes silêncio do contrato quanto às despesas com o registro do bem, o vendedor
(princípio da disponibilidade). queira promover o registro, e neste caso, arcará com as respectivas despesas,
No silêncio das partes quanto ao preço ou critérios para a determinação já que o comprador pode retardar por muitos anos o registro. Desta forma,
deste, o preço será o que normalmente ocorre nas vendas habituais do vende- caberia ao vendedor, interessado em promover o registro, fazê-lo, sendo re-
dor, se não houver tabelamento oficial (art. 488 do CC). Havendo diversidade embolsado desta quantia pelo comprador, se as partes não estipularam outra
do preço nas vendas habituais do vendedor e não entrando, as partes, em coisa no contrato. Neste caso, ocorrerá uma sub-rogação legal do art. 346, II,
acordo, o preço será fixado tendo em vista o termo médio (parágrafo único in fine, do CC: “(...) bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não
do art. 488 do CC). Ressalte-se que esta possibilidade de interpretação do ser privado de direito sobre imóvel”;
contrato de compra e venda só é cabível nas hipóteses em que o vendedor A escritura é a forma pública do contrato, exigida por lei em hipóteses
exerça habitualmente o comércio de determinado bem. Fora destas hipóte- excepcionais, como a compra e venda de bem imóvel cujo valor supere 30
ses, sem preço, o contrato de compra e venda é inexistente, pois lhe falta um vezes o maior salário mínimo (art. 108 do CC). Portanto ressalte-se que as
elemento essencial. despesas de escritura e registro serão mais comuns nos contratos de compra
e venda de bens imóveis.
2.2.3 Consentimento O registro por sua vez é o modo de aquisição da propriedade dos bens
Já mencionamos que o contrato de compra e venda é consensual, pois imóveis (art. 1.245 do CC). Porque a propriedade dos bens móveis é adquirida
se aperfeiçoa no momento em que convergem as declarações de vontade das com a tradição real (art. 1.267 do CC).
partes contratantes em celebrar tal contrato. As despesas com a tradição incluem: as de contagem, pesagem, medi-
Diferentemente de outros contratos, ditos contratos reais, como é o caso ção, a operação de assinalar, de embalar, certidões negativas, custas judiciais
do contrato de depósito, em que a entrega da coisa a ser depositada aperfeiçoa acaso despendidas com a obtenção de algum alvará judicial, corretagem do
tal contrato, não bastando a declaração de vontade das partes para tanto. intermediário (art. 7.º da Lei estadual 4.116/1962 – Regulamento das Tran-
Como visto, requer-se que o consentimento seja dado por pessoas ge- sações Imobiliárias do Sindicato dos Corretores de São Paulo), bem como as
nericamente capazes e com legitimidade para tanto. despesas com transporte.
No caso de existir uma despesa que seja, ao mesmo tempo, de tradição
3. RESPONSABILIDADE PELOS RISCOS E COM AS DESPESAS e de escritura, como a cláusula constituti, deve ser dividida igualmente entre
As despesas de escritura, incluindo as despesas com o registro, que são as comprador e vendedor, pois havendo lacuna na lei, utiliza-se a eqüidade (art.
despesas com a tradição solene, ficam a cargo do comprador. Em se tratando de 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil).
despesas com a tradição física ficam a cargo do vendedor (art. 490 do CC). O vendedor suporta os riscos da coisa até o momento da tradição (art.
Esta norma tem caráter supletivo ou dispositivo, isto é, vale a regra 492 do CC), isto porque até este momento, o domínio do bem é seu e vigora
do art. 490 no silêncio das partes, que podem estipular de forma diferente. a regra res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono.
Neste particular, ressalte-se a regra do art. 217 da Lei de Registros Públicos O comprador suporta os riscos da coisa após a tradição, que nada mais
(Lei 6.015/1975), pela qual o registro pode ser provocado por qualquer uma é senão a aplicação da mencionada regra – res perit domino, estando a coisa
das partes interessadas, e aquele que promove o registro arca com as despesas sob domínio do comprador, nada mais lógico que este suporte os prejuízos
deste. por eventual perecimento ou deterioração da coisa.
A aparente contradição entre o art. 217 da Lei 6.015/1975 e o art. 490 Além disso, o comprador suporta os riscos da coisa após o momento em
do CC que possa ser levantada, a nosso ver não existe, e, portanto, não há que esta é colocada à sua disposição ou se estiver em mora (mora accipiendi)
258 Direito dos Contratos COMPRA E VENDA 259

de receber a coisa no modo, tempo e lugar determinados (§ 2.º do art. 492 Não basta a mera transferência do bem, requer-se, ainda, que o vendedor
do CC). assegure a utilidade do bem. Disto decorre a obrigação do vendedor de garantir
Em regra, a tradição da coisa é feita no lugar onde esta se encontrava ao os vícios ocultos (art. 441 do CC) e os riscos da evicção (art. 447 do CC).
tempo da venda (art. 493 do CC). Entretanto, se o comprador estipular que Além da obrigação principal, há outros deveres ditos anexos ou colate-
a tradição deva ser feita em lugar diverso, devendo ela ser entregue em lugar rais, decorrentes da cláusula da boa-fé objetiva estampada no art. 422 do CC,
e por pessoa a ser declarado pelo comprador, este é quem suporta os riscos da como o dever de informação, de cooperação etc.
coisa. Todavia, se o vendedor não seguir as instruções do comprador sobre o Por fim, salvo convenção em contrário, o vendedor responde pelos
transporte do bem, ele atua como mandatário infiel, e, portanto, o vendedor débitos que gravem o bem até o momento da tradição (art. 502 do CC).
passa a suportar os riscos durante o transporte.
4.2 Obrigações do comprador
3.1 Hipótese de defeito oculto nas coisas conjuntas A principal obrigação do comprador é a de pagar o preço ajustado pre-
Um dos efeitos do contrato de compra e venda é a garantia pelos vícios viamente. Se o comprador se negar a cumprir esta obrigação, o vendedor pode
redibitórios (arts. 441-446 do CC) e pela evicção (art. 447-457 do CC). Sen- ingressar com a actio venditi, para exigir o pagamento do preço.
do assim, o contrato de compra e venda segue a regra geral estipulada para E, mais, o vendedor pode postergar a entrega do bem até que o compra-
os vícios redibitórios, podendo o adquirente enjeitar a coisa verificando a dor lhe ofereça caução, se, antes da tradição, o adquirente cair em insolvência
existência de algum vício ou defeito oculto que a tornou imprópria ao uso (art. 495 do CC).
a que se destina ou que lhe diminuiu o valor. Além da obrigação principal, surgem para o comprador, também, de-
No contrato de compra e venda de coisas conjuntas, vigora uma regra veres anexos ou colaterais decorrentes da já mencionada cláusula da boa-fé
especial: o defeito de uma delas não autoriza a rejeição de todas (art. 503 do objetiva.
CC), ou seja, o vendedor fica responsável pela existência do conjunto de coisas,
mas não se responsabiliza individualmente pelas coisas que o compõem. 5. MODALIDADES ESPECIAIS DE COMPRA E VENDA
Os pactos adjetos à compra e venda nada mais são que cláusulas inseridas
4. OBRIGAÇÕES DO VENDEDOR E DO COMPRADOR no contrato de compra e venda dando-lhe nova roupagem, isto é, subordinam
Sendo a compra e venda pura, o contrato torna-se perfeito desde logo, e, o negócio jurídico à determinada condição.
portanto, obrigatório. Disto decorre que os efeitos obrigacionais do contrato Neste aspecto, é importante frisar que o pacto de melhor comprador, arts.
de compra e venda devem ser executados. O principal dever é, de um lado, 1.158-1.162 do CC/1916, não foi repetido pelo atual Código Civil, por estar
o vendedor deve transferir a propriedade do bem; e, do outro, o comprador em desuso. Esta cláusula subordina o contrato de compra e venda de um bem
deve pagar o preço. imóvel a uma condição resolutiva (podendo, as partes, estipularem o seu
Assim, o vendedor não tem que cumprir a obrigação de transferir a pro- efeito suspensivo) em que desfaz o contrato de compra e venda, se dentro do
priedade do bem antes de receber o preço. Da mesma maneira, o comprador prazo estipulado aparecer quem ofereça um preço maior. Todavia, as partes
não estará obrigado a pagar o preço ajustado, se o vendedor não estiver em podem celebrar contratos atípicos (art. 425 do CC), pois estão na esfera da
condições de entregar o bem (art. 491 do CC). Neste caso, invoca-se o prin- autonomia privada.
cípio da interligação funcional para determinar o modo de execução (Caio O atual Código Civil também não repetiu o pacto comissório, pelo qual
Mário da Silva Pereira). as partes estabelecem que o preço deve ser pago até certo dia, advindo o
termo (resolutivo), se o preço não foi pago, esta cláusula reserva ao vende-
4.1 Obrigações do vendedor dor o direito de desfazer o contrato, ou, se preferir, exigir o pagamento do
A obrigação principal do vendedor, que decorre diretamente do contrato de preço (art. 1.163). A regulamentação do pacto comissório é desnecessária,
compra e venda, é a obrigação de transferir a propriedade do bem. Se o vendedor pois está subentendido em todos os contratos bilaterais (cláusula resolutiva
se negar, o comprador pode pleitear a imissão na posse. tácita).
260 Direito dos Contratos COMPRA E VENDA 261

5.1 Retrovenda Entretanto, dispondo as partes que se trata de condição resolutiva, o


comprador adquire desde logo a propriedade do bem.
É a cláusula inserida no contrato de compra e venda de bem imóvel
conferindo ao vendedor o direito de recobrar, em três anos, o imóvel vendido, O objeto deste contrato pode ser tanto bens móveis quanto imóveis,
restituindo ao adquirente o preço e as despesas realizadas para tanto, deno- sendo mais comum a venda a contento ou sujeita à prova quando o objeto for
minado resgate ou retrato (art. 505 do CC). de gênero comumente experimentado antes da compra efetiva.
Na verdade, a retrovenda subordina a compra e venda a uma condição A declaração feita pelo comprador pode ser expressa, tácita ou presu-
resolutiva meramente potestativa, pois uma vez manifestada a vontade do mida. Será tácita, quando o comportamento do comprador for incompatível
vendedor em reaver o imóvel, o adquirente fica subordinado à efetivação com a recusa do bem. Presume-se a declaração do comprador, quando não
deste direito, podendo, inclusive, depositar o valor do resgate judicialmente se manifestar dentro do prazo estipulado.
(art. 506 do CC). Não havendo prazo determinado pelas partes, o vendedor pode inti-
Em outras palavras, o comprador adquire uma propriedade resolúvel, mar, judicial ou extrajudicialmente, o comprador para que se manifeste com
daí os inconvenientes desta cláusula acessória. A venda a retro não faz surgir relação ao produto num prazo improrrogável sob pena de tornar o contrato
direito real. irrevogável (art. 512 do CC).
O prazo de três anos é decadencial. Dentro deste prazo, que é impror-
5.3 Preempção ou preferência
rogável, o imóvel pode ser resgatado através de ação própria movida pelo
vendedor (ou cessionário) ou seus herdeiros e legatários. O CC deixa expressa O direito de preempção ou preferência é inserido no contrato de compra
a possibilidade de transmissão do direito de retrato tanto inter vivos, pela e venda através de uma cláusula que obriga o comprador, quando for vender ou
cessão, quanto mortis causa (art. 507 do CC). dar em pagamento o bem móvel ou imóvel, oferecer, primeiramente, a quem
Note que não se trata de novo contrato de compra e venda, portanto não lhe vendeu para que, se quiser, exerça o direito de prelação na aquisição do
é devido o imposto de transmissão. bem em igualdade de condições (art. 513, caput, do CC).
Havendo duas ou mais pessoas com direito a retrato sobre o mesmo O alienante originário pode exercer este direito no prazo decadencial
imóvel, o comprador deve intimar as demais para que manifestem sua con- de 180 dias (ou seis meses), se a coisa for móvel; ou em dois anos, se imóvel,
cordância, quando somente uma delas exercer o direito de resgate. Terá pre- contados da data do contrato de compra e venda (art. 513, parágrafo único,
ferência no exercício deste direito aquele que tiver depositado integralmente do CC).
o valor (art. 508 do CC). O direito de preferência tem certas características próprias:
5.2 Venda a contento e venda sujeita à prova – É personalíssimo, não se transmite por ato inter vivos nem mortis causa
(art. 520 do CC);
O pactum disciplicentiae é a cláusula inserida de forma expressa no con-
trato de compra e venda subordinando o mesmo, na falta de estipulação, a uma – Somente pode ser exercido quando o adquirente for alienar ou dar em
condição suspensiva, ou seja, o contrato de compra e venda só se aperfeiçoará pagamento o bem (art. 513, caput, do CC);
após manifestação do adquirente de seu agrado (art. 509 do CC). – Pode ser estipulado quer para bens móveis quer para bens imóveis.
A venda sujeita a prova é um pouco mais específica (art. 510 do CC), Nesta hipótese, aquele que adquiriu o bem deve intimar quem lhe ven-
é também uma cláusula que subordina o contrato de compra e venda a uma dera, da venda ou dação em pagamento, para que se possa exercer o direito
condição suspensiva, se não houver estipulação diversa, porém a condição
de prelação, sob pena de responder por perdas e danos (art. 518 do CC). O
suspensiva, neste caso, diz respeito às qualidades asseguradas pelo vendedor,
o critério é mais objetivo. terceiro adquirente será solidariamente responsável pelo pagamento das
perdas e danos se agiu de má-fé.
Em ambos os casos, entendida como condição suspensiva (meramente
potestativa), o comprador não adquire a propriedade do bem. Assim, ele deve Mas, o vendedor, tendo notícia da alienação ou dação em pagamento do
se comportar como comodatário, zelando pela sua conservação e obrigando bem, pode intimar a pessoa para quem ele vendera o imóvel que quer exercer
a restituir o bem caso o contrato não se aperfeiçoe (art. 511 do CC). seu direito de preferência (art. 514 do CC).
262 Direito dos Contratos COMPRA E VENDA 263

Depois de notificado o vendedor originário, não havendo prazo estipulado Após ter constituído em mora o comprador, abrem-se ao vendedor duas
para a deliberação, ele deverá manifestar-se sobre o seu direito de prelação em alternativas: 1) ele pode ingressar com uma ação de cobrança das quantias
três dias, se o bem for móvel; ou em 60 dias, se imóvel (art. 516 do CC). vencidas e as vincendas; ou 2) ele pode, como proprietário, recuperar a posse
Estipulado o direito de preferência em favor de duas ou mais pessoas em do bem (art. 526 do CC).
comum, a prelação deve ser exercida como um todo, pois não se permite que Se escolher a recuperação da posse do bem, o vendedor pode reter a
seja fragmentada. Assim, se uma das pessoas não quiser exercer o direito, as quantia do valor pago até então para cobrir as despesas, a desvalorização do
demais poderá exercê-lo em sua totalidade (art. 517 do CC). bem, perdas e danos etc. O restante é devolvido ao comprador. Mas pode
Há hipótese de prelação legal, art. 518 do CC, nos casos de desapropriação ocorrer, que feito o referido desconto, o vendedor continue como credor do
de um bem para fins de necessidade ou utilidade pública ou interesse social, comprador, crédito que será cobrado de acordo com as regras da execução
se o Poder Público não der a prevista destinação ao bem desapropriado, deve de título judicial em havendo sentença (art. 527 do CC).
restituí-lo ao seu dono. Esta hipótese é denominada de retrocessão, pois não Como vimos, a cláusula de reserva de domínio é interessante ao vendedor
há um novo contrato de compra e venda, mas a simples cessação dos efeitos que tem maior garantia de receber o seu crédito. Tendo em vista este atrativo,
da desapropriação. A diferença da prelação legal e da prelação convencional, é muito comum que haja intervenção de uma financeira que paga o preço
é que naquela pode-se pleitear o bem especificamente; enquanto, na prelação integralmente e à vista ao vendedor. Neste caso, a financeira sub-roga-se
convencional, permite-se apenas o pagamento das perdas e danos. nos direitos do vendedor, tendo os mesmos direitos contra o comprador que
descumprir o financiamento (art. 528 do CC).
5.4 Venda com reserva de domínio
O pactum reservati dominii é a cláusula do contrato de compra e venda 5.5 Venda sobre documentos
de bem móvel infungível, em prestações, através da qual o vendedor continua Na hipótese de venda sobre (ou contra) documentos, a tradição do bem
sendo proprietário da res vendita até que o comprador pague integralmente é substituída pela entrega de documentos que comprovem a existência da
o preço (art. 521 do CC). mercadoria. Assim, o vendedor cumpre com sua obrigação principal quando
Neste caso, o contrato de compra e venda fica subordinado a uma condi- entrega ao comprador os documentos (art. 529, caput, do CC). Estando em
ção suspensiva (meramente potestativa), em que o comprador apenas adquire ordem, os documentos, o comprador não pode negar o pagamento (art. 529,
a propriedade do bem após o implemento da condição, que é o pagamento parágrafo único, do CC).
integral do preço. Esta modalidade é muito usual nos contratos internacionais (de expor-
A cláusula de reserva de domínio deve ser estipulada expressamente no tação e de importação), pois facilita em muito o comércio à distância.
contrato, que passa a ter forma especial, por escrito. O objeto pode ser vendido O pagamento, no caso, deve ser feito no lugar e no momento da entrega
a terceiros, mas, para valer contra terceiros, requer-se, ainda, o registro de dos documentos (art. 530 do CC). Todavia, esta é uma norma supletiva ou
títulos e documentos do domicílio do comprador (art. 522 do CC). dispositiva, podendo convencionar de forma diferente.
Restringe-se a cláusula de reserva de domínio para a compra e venda É notória a preocupação com a possibilidade de perecimento ou dete-
de bem móvel infungível, ou seja, que possa ser individualizado (art. 523 rioração do bem entre a data da entrega dos documentos e a data da tradição
do CC). real. Por isso, é bem comum que as partes contratem um seguro para a mer-
O efeito principal da cláusula de reserva de domínio é deixar em suspenso cadoria, neste caso, os riscos pela perda total ou parcial do bem correm por
a aquisição da propriedade até que o comprador integralize o preço ajustado. conta do comprador. Claro que estes riscos foram transportados para uma
No entanto, o comprador, que desde logo fica na posse do bem, responde pelos seguradora, geralmente contratada pelo vendedor, mas quem pagará o prêmio
riscos, ainda que não seja o dono (art. 524 do CC). é o comprador, que deverá promover seu ressarcimento perante a seguradora
Deixando de pagar o preço, o vendedor somente poderá exercer o direito (art. 531 do CC).
de proprietário decorrente da cláusula de reserva de domínio, após consti- Todavia, se o vendedor tivesse conhecimento da perda quando realizou
tuir em mora o comprador seja através de protesto do título, seja através de a venda sobre documentos, agiu de má-fé, e, portanto, os riscos transferem-se
interpelação judicial (art. 525 do CC). ao vendedor.
264 Direito dos Contratos COMPRA E VENDA 265

É muito comum que esta operação se faça por intermédio de uma insti- hipóteses, quanti minoris ou ação redibitória, a ação é condenatória, portanto,
tuição financeira, neste caso, a documentação é encaminhada ao banco, que, deve-se entender o prazo a que se refere o art. 501 do CC como prescrição e
depois de examinar as circunstâncias, libera ou não o pagamento (art. 532, não decadência.
caput, do CC). Na hipótese de o banco se recusar a pagar os documentos,
então o vendedor pode acionar diretamente o comprador (art. 532, parágrafo 5.7 Venda à vista de amostras, protótipos ou modelos
único, do CC). Por meio de uma cláusula, o vendedor se obriga a prestar ao comprador o
bem que tenha as mesmas qualidades que tinha a amostra, protótipo ou modelo,
5.6 Venda ad corpus e venda ad mensuram sob pena de resolução do contrato (art. 484 do CC).
Nas vendas imobiliárias, pode ocorrer divergência entre a medida do Entende-se por amostra, uma pequena quantidade ou unidade da coisa
bem que consta do contrato e aquela que realmente existe. Para resolver este a ser vendida. Protótipo é, segundo dicionários da língua portuguesa, o pri-
conflito, deve-se recorrer à intenção das partes, ou seja, se elas quiseram meiro exemplar do que irá ser vendido. E, por fim, modelo é a representação
celebrar um contrato cujo objeto seja um corpo certo e determinado (ad por imagem do objeto a ser vendido.
corpus) ou se o contrato foi celebrado diretamente em função da metragem Havendo contradição entre a amostra, protótipo ou modelo e a descrição
(ad mensuram). contida no contrato, prevalecem as qualidades da amostra, do protótipo ou
Desta forma, a venda ad corpus é a venda de um imóvel em que as partes do modelo (art. 484, parágrafo único CC).
não se vincularam à medida exata do bem; neste caso o imóvel é transferido
como coisa certa e discriminada, levando-se em consideração a aparência do 6. RESUMO ESQUEMÁTICO
mesmo. A conseqüência é que o comprador não pode pedir o abatimento do • Classificação
preço, se verificar que a área era menor do que fora informado. Da mesma  Bilateral ou sinalagmático
forma, o vendedor não poderá pleitear a complementação do preço verificando  Consensual
que a área do imóvel é maior (art. 500, § 3.º, do CC).  Oneroso
Por outro lado, ainda nas vendas imobiliárias, podem, as partes, es-  Comutativo ou aleatório
tipular o preço por medida de extensão ou determinando-se que a área do  De execução instantânea ou diferida
imóvel implica diretamente no valor do mesmo (venda ad mensuram). Nesta • Pressupostos subjetivos
hipótese, o comprador pode exigir a exatidão da quantidade declarada na
 Capacidade
escritura através da actio ex empto. Na impossibilidade da complementação da
 Legitimição das partes:
área, cabe, à escolha do comprador, resolver o contrato obtendo a restituição
do preço pago; ou pedir o abatimento proporcional do preço pago (art. 500, ➢ venda de ascendentes a descendentes → necessário o consentimento
dos demais herdeiros
caput, do CC).
➢ venda por pessoa encarregada de zelar pelo interesse do vendedor
Se a diferença entre as dimensões reais e as dimensões mencionadas não
(art. 497, CC)
exceder a um vigésimo do total da área, deve-se entender que a referência às
➢ outorga conjugal (art. 1.647, I, CC)
dimensões do imóvel é meramente enunciativa (art. 500, § 1.º, do CC).
➢ venda por condômino (art. 504,CC)
Se houver excesso, o vendedor somente poderá pleitear a complementação
• Elementos constitutivos
do preço provando que havia motivos justos para que ele ignorasse a medida
real. Nesta hipótese, o comprador pode escolher entre duas alternativas: 1) 1. Coisa
devolver o excesso da área, quando possível; ou 2) complementar o preço 2. Preço
(art. 500, § 2.º, do CC). 3. consentimento
O art. 501 do CC refere-se aos prazos das ações do art. 500, estabele- • Responsabilidade pelos riscos e com as despesas → comprador
cendo o prazo de um ano, a contar do registro do título. Embora o texto legal • vícios redibitórios (arts. 441 a 446 do CC)
tenha utilizado a expressão decai, deve-se analisar a natureza da ação para • evicção (art. 447 a 457 do CC).
poder concluir se trata de prazo prescricional ou decadencial. Em todas as • Obrigações das partes
266 Direito dos Contratos

 Obrigação principal do vendedor → transferir a propriedade do bem.


 Obrigação principal do comprador → pagar o preço.
• Modalidades especiais de compra e venda
 Retrovenda

 Venda a contento e venda sujeita à prova

 Preempção ou preferência

 Venda com reserva de domínio

 Venda sobre documentos

 Venda ad corpus e venda ad mensuram

 Venda à vista de amostras, protótipos ou modelos


III
Da troca ou permuta
FÁBIO PODESTÁ

Bibliografia
Antonio Chaves. Tratado de direito civil. São Paulo: 1984. t. I – Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio
de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil.
11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia Lima Marques. Contratos no Código de
Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 – Clóvis Beviláqua. Comentários ao Código
Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4 – Maria
Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 3 – Orlando
Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999 – M. I. Carvalho de Mendonça.
Contratos no direito civil brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957. t. I – Miguel Maria
de Serpa Lopes. Curso de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991. v. 3.

1. BREVE HISTÓRICO. CONCEITO. DISTINÇÃO ENTRE TROCA E COMPRA E


VENDA

Pode-se afirmar que a troca (também chamada de permuta, escambo


ou barganha) é o mais antigo dos contratos por representar na história dos
povos a possibilidade de acesso a outros bens ou utilidades sem exigência da
força física ou luta corporal.
Registra-se que em sociedades mais primitivas, a moeda não desempe-
nhava a mesma função moderna com medida de valor concreta para justificar
o pagamento como instrumento das transações. Daí porque, a única forma
de promover-se a circulação de bens era a troca, justificando útil instrumento
econômico para fomento das necessidades humanas para a época.
De fato, no pressuposto de que a pessoa carecia de um determinado bem
e só poderia obtê-lo caso se despojasse do seu, fica compreendida a lógica
da troca pela disposição de “entendimento recíproco” (Pereira. Instituições
de direito civil, p. 199), ou seja, a troca é um contrato pelo qual cada uma das
partes (chamadas permutantes) se obriga a dar uma coisa para obter outra.
Pode-se então afirmar que se trata de contrato em razão do qual um dos
sujeitos se obriga a transferir a outrem a propriedade de uma coisa, recebendo
não uma quantia em dinheiro, mas uma outra coisa, cuja propriedade este
outro promete, por sua vez, transferir-lhe.
268 Direito dos Contratos DA TROCA OU PERMUTA 269

É comum a doutrina identificar traços de semelhança ou identidade entre 3. REGIME JURÍDICO


a troca e compra e venda, na essência porque se no primeiro contrato o objeto Em termos comparativos, o atual Código Civil simplesmente repetiu
das prestações envolve a transferência de uma coisa pela outra, no segundo as disposições do Código revogado, exceção feita ao art. 533, II, que além
uma das prestações consiste, essencialmente, em dinheiro por outra coisa. de modificar o regime sancionatório da troca de valores desiguais, entre
Em última análise, a troca não é senão uma dupla venda, na qual as ascendentes e descendentes, para anulabilidade, condicionou a validade ao
coisas representam reciprocamente as funções de objeto e preço, ou seja, as consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.
partes são compradores e vendedores recíprocos (Carvalho de Mendonça. Mas segundo bem aponta a doutrina, o então Projeto do atual Código Civil
Contratos no direito civil brasileiro, p. 8). perdeu a oportunidade para indicar quando se aperfeiçoa a permuta, além de não
Em termos de diferenças, registra-se que na compra e venda há obrigações estabelecer ressalvas para a aplicação das regras relativas à compra e venda e nada
distintas (pagamento do preço e entrega da coisa), enquanto que na permuta disciplinar a respeito da evicção (Chaves. Tratado de direito civil, p. 681).
os permutantes têm a mesma e idêntica obrigação, isto é, a de entrega da coisa Nessa linha então, o Código Civil destinou somente um artigo ao tra-
e transferir reciprocamente sua propriedade. tamento legal da troca justamente em razão da aproximação que o instituto
possui com a compra e venda, o que fica evidente pela redação do art. 533
2. CLASSIFICAÇÃO E OBJETO ao estipular: “Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda,
O contrato de troca é consensual (a transferência recíproca da coisa se com as seguintes modificações: (...)”.
dá por mútuo consenso entre as partes) bilateral e oneroso (os permutantes Com efeito, em razão de envolver livre disposição do interesses submetidos
ocupam, simultaneamente, a dupla posição de credor e devedor e pelo vínculo à contratação (princípio da autonomia privada), a lei presume, à falta de dis-
estabelecido há vantagens para ambos os contraentes por sofrerem um sacrifício posição em contrário, que as despesas referentes ao instrumento de troca serão
patrimonial correspondente a um proveito almejado), comutativo (as relações rateadas pelos permutantes, diversamente do que ocorre em relação à compra
entre vantagens e sacrifícios são subjetivamente equivalentes, com certeza e venda em que as despesas da escritura se presumem de responsabilidade do
às prestações) e translatício do domínio (a causa da transferência associa a comprador e as da tradição a cargo do vendedor (art. 490 do CC).
tradição – bem móvel – 1.267 do CC – ou registro do título aquisitivo – bem Conforme já adiantado, o Código Civil considera anulável o negócio
imóvel – art.1.245 do CC). jurídico da troca caso as partes sejam ascendentes e descendentes sem o con-
Com relação ao objeto, todas as coisas que estejam no comércio e, sentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.
portanto, representando coisas disponíveis, podem ser permutadas, isto é, A hipótese, diversamente tratada para o caso do contrato de compra e
móvel por imóvel, móvel por móvel, bem incorpóreo por bem incorpóreo, venda (art. 496 do CC), justifica-se pelo fato de que não havendo uma pre-
bem corpóreo por incorpóreo. sumível equivalência de valores iguais envolvidos na troca, a transferência
representará alteração quantitativa nos patrimônios envolvidos, configu-
Em resumo e na dicção de norma legal revogada, tudo que pode ser
rando-se, portanto, prejuízo às legítimas dos descendentes e do cônjuge não
vendido por ser permutado (art. 221 do CCom).
casado sob o regime da separação obrigatória (Pereira. Instituições de direito
O exemplo mais prático do contrato de troca são aqueles em que o objeto civil, p. 201).
é dinheiro, quando as partes permutam certa quantidade de papel moeda por A rigor, o dispositivo legal em comento dispensa o consentimento dos
outra (reais por dólar). demais descendentes não só se o bem entregue pelos descendentes for menos
Assim, por evidente, não se pode dizer que a entrega de um cheque em valioso que o dele recebido, como também se os bens envolvidos forem de
pagamento represente troca, mas na essência genuína compra. No entanto, se valores iguais.
“(...) forem recebidos valores imobiliários, como apólices, ou mesmo letra de Somente se verificada a troca entre valores desiguais, o que deverá ser
câmbio, já teremos uma permuta, porque não representam dinheiro, por fácil objeto de prova pelo interessado, é que se admite a anulação do negócio
que seja a sua conversibilidade” (Chaves. Tratado de direito civil, p. 675). jurídico, justificando, assim, a natureza da sanção cominada pelo legislador
Admite-se que a permuta tenha por objeto direitos reais – um usufruto em razão da possibilidade de disposição dos interesses patrimoniais em jogo
por outro usufruto ou uma servidão por um móvel. (direitos disponíveis).
270 Direito dos Contratos

Registre-se então que a proibição legal refere-se a troca de valores desi-


guais, ou seja, “A presunção, por conseguinte, é da perfectibilidade da permuta.
O contrato permanece válido, enquanto não se fizer a prova da desigualdade
de valores (...)” (Serpa Lopes. Curso de direito civil, p. 338).
Discute-se em doutrina a natureza e as conseqüências decorrentes
quando há troca de valores desiguais com a complementação da diferença
em dinheiro, a chamada “torna” ou “troca em que se volta”.
Embora registre-se dissenso na doutrina (Chaves. Tratado de direito civil,
p. 677), entende-se que a disciplina fica compreendida pela intenção das
partes, a qual, se não for possível identificar ou interpretar, soluciona-se a
questão pela prevalência do valor em dinheiro (contrato de compra e venda)
ou do valor da coisa permutada (contrato de troca).
Por fim, inviável a celebração de permuta com relação a bens pertencentes
a incapazes sob tutela ou curatela por não se conferir poderes ao curador ou
tutor de realizar referido negócio jurídico.

4. RESUMO ESQUEMÁTICO
1. A identificação e a caracterização do contrato de troca. Distinção com o
contrato de compra e venda
2. Classificação e objeto
3. Regime jurídico
IV
Do contrato estimatório
FÁBIO PODESTÁ

Bibliografia
Antonio Chaves. Tratado de direito civil. São Paulo: 1984. t. I – Arnaldo Rizzardo. Contratos.
Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito
civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia Lima Marques. Contratos no Código
de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 – Clóvis Beviláqua. Comentários ao
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4
– Fábio Henrique Podestá. Direito das obrigações. Teoria geral e responsabilidade civil. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2005 – Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2005.
v. 3 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v.
3 – Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de direito civil. 4. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1991. v. 3 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999 – Paulo de
Tarso Vieira Sanseverino. Contratos nominados II, São Paulo: RT, 2006 – Pontes de Miranda.
Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. t. III – Waldirio Bulgarelli. Contratos
mercantis. São Paulo: Atlas, 2000.

1. GENERALIDADES. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA


O Código Civil de 1916 não tipificou o contrato estimatório também
conhecido por “vendas em consignação” ou “contrato de consignação” de
larga utilização no comércio (ou meios empresariais), tendo sua origem como
contrato atípico (porque não disciplinado em lei), muito embora registre-se
a sua existência desde o direito romano.
Sobressai a grande utilidade e versatilidade desse tipo negocial con-
siderando a positiva fusão entre os interesses daquele que é proprietário da
coisa que pretende ver alienada (produtor ou revendedor ao atacado), com
o do comerciante que expõe a venda em seu estabelecimento comercial e do
consumidor que adquire o produto como destinatário final.
O Código Civil atual acabou por tipificar o contrato estimatório cuja
fonte legislativa mais próxima é o Código Civil italiano que disciplina-o nos
arts. 1.556 a 1.558, nos quais, aliás, a doutrina nacional busca subsídios.
Segundo a caracterização legal (art. 534 do CC), que pode ser adotada como
razão de compreensão, o contrato estimatório é aquele em que o consignante
(tradens ou outorgante) entrega bens móveis ao consignatário (accipiens ou ou-
torgado) que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo
272 Direito dos Contratos DO CONTRATO ESTIMATÓRIO 273

se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada (cf. Coelho. poderes ao consignatário para o acordo de transmissão em face do registro
Curso de direito civil, p. 164; Sanseverino. Contratos nominados II, p. 24). imobiliário (Miranda. Tratado de direito privado, § 4.347, p. 06).
A denominação legal dos dois sujeitos contratuais (consignatário e O contrato se configura com a entrega da coisa (real ou simbólica),
consignante) não deixa de ser curiosa considerando o nome atribuído pelo daí a sua natureza real, mas com efeitos obrigacionais, diversamente do que
legislador ao tipo negocial (estimatório), parecendo que seria melhor a adoção ocorre com a compra e venda que é consensual. Para outros, o requisito
do vocábulo contrato de “consignação”. “entrega” é associado como consignação, mas nada obstante a divergência
A utilização desse tipo contratual é bastante corriqueira em mercados sobre o emprego do vocábulo, inequívoco que o objetivo é voltado para que
de automóveis quando o proprietário entrega seu veículo ao comerciante o consignatário possa livremente dispor da coisa (Sanseverino. Contratos
(vendedor, empresário ou comerciante) para que este em prazo determinado nominados II, p. 32).
(não necessariamente) promova a venda do bem, assegurando-lhe o direito Não há exigência de qualquer formalidade para a celebração do contrato,
a uma remuneração. o que permite concluir que se trata de negócio jurídico não solene, exceção
Muito embora haja semelhanças com outros contratos (p. ex: mandato, feita para o caso de bem imóvel (art. 108 do CC). O contrato pode ser pro-
comissão mercantil, sociedade, depósito), o contrato estimatório tem aproxi- vado por qualquer meio (testemunhas ou documentos).
mação mais profícua com o contrato de compra e venda, sem, contudo com ele Com referência ao preço, a estimação (daí a denominação “estima-
se confundir, o que ficará evidente com a análise de sua natureza jurídica. tório”) deve ocorrer por mútuo consenso entre as partes, diversamente do
Registra-se nesse ponto considerável controvérsia, pois parte da doutrina que ocorre em relação ao contrato de compra e venda que não impede que a
sustenta que o contrato estimatório representaria mera modalidade especial fixação ocorra por terceiro, com utilização dos usos e costumes.
da compra e venda (com características de contrato preliminar ou mera opção A regra visa conferir segurança para partes, em especial para que o con-
de venda). Mas há autores que direcionam o assunto aproximando a figura signante saiba previamente quanto vai receber pela coisa vendida (caso seja
do mandato, ou seja, confere-se a uma das partes poderes para vender a coisa ultimada) e o consignatário o valor devido pelo chamado sobrepreço (lucro
consignada, pois “A operação de venda é sempre em vantagem do mandante e pela operação realizada).
só eventualmente na do mandatário. Daquele o é sempre porque, pela venda, No mais, não se pode dizer que o ajuste do prazo seja requisito essencial
ele recebe necessariamente o preço que estabeleceu, ou a restituição da coisa” ao contrato.
(Chaves. Tratado de direito civil, p. 668). Com efeito, não há impedimento legal para que o prazo seja indeter-
Ao que parece a controvérsia perdeu razão de ser, notadamente porque minado, isto porque o poder de disponibilidade conferido ao consignatário
servindo o Código Civil italiano como modelo para o nosso Código Civil, os não o impede de exercer a faculdade de devolver a coisa caso assim o queira,
requisitos do contrato estimatório são conferidos pela sua estrutura específica ou pela hipótese de não lograr êxito na venda.
conferida pelo legislador, podendo-se concluir por sua natureza autônoma e Assim, trata-se de requisito acidental que, na sua ausência, não desnatura
independente (na mesma linha Bulgarelli. Contratos mercantis, p. 263). a figura contratual.
2. REQUISITOS CONTRATUAIS 3. OBRIGAÇÃO DO CONSIGNATÁRIO: ALTERNATIVA OU FACULTATIVA
Segundo identificação legal, pode-se afirmar que o contrato estimatório Conforme já observamos em outro lugar (Podestá. Direito das obrigações.
possui três requisitos essenciais, quais sejam: a) a coisa móvel; b) a entrega Teoria geral e responsabilidade civil, p. 121, passim), a obrigação alternativa
e c) o preço. envolve um poder de escolha entre os objetos previamente estipulados entre
No caso do primeiro requisito, qualquer coisa móvel ou imóvel (arts. as partes, enquanto a obrigação facultativa confere-se a possibilidade do
82 a 84 do CC), fungível ou infungível (arts. 5.o e 86) pode ser objeto do devedor (normalmente) exonerar-se da obrigação prestando outro objeto
contrato estimatório, ai incluindo, por exemplo, livros, jóias, automóveis, que não o estabelecido de forma determinada, sendo seu objetivo facilitar o
navios, aviões etc. Ainda que se registre controvérsia a respeito do contrato pagamento pelo solvens.
ter por objeto bem imóvel, não há qualquer impedimento legal, não sendo a Assim, verificado o fim do prazo contratual, discute-se em doutrina se
tradição elemento impeditivo diante da possibilidade das partes ajustarem a obrigação do consignatário seria alternativa (pagar ou preço ou devolver a
274 Direito dos Contratos DO CONTRATO ESTIMATÓRIO 275

coisa) ou facultativa (simplesmente devolver a coisa), considerando também Não diz a lei, mas é intuitivo, com base na doutrina, que “Se a resti-
para a hipótese o caso de não obter sucesso na venda da coisa disponibilizada tuição da coisa se tornou impossível por fato imputável exclusivamente ao
pelo consignante (contrato por prazo indeterminado). consignante (por exemplo, se fez o contrato estimatório a respeito de bem
Parece que a opção pela obrigação facultativa é mais adequada, isto que estava com vício ou defeito que causou a deterioração da coisa), o preço
porque não se pode falar que o consignatário tenha duas obrigações que se não é devido” (Lôbo, p. 265).
sujeita a sua escolha. A rigor, a sua obrigação é de pagar o preço estimado com
a opção de restituição da coisa, implicando inequivocamente na dissolução 4.2 Impenhorabilidade legal ou impossibilidade de seqüestro da coisa
do contrato, o qual, em verdade, passa a não mais ter existência no mundo consignada
jurídico por ausência de eficácia. Diante da natureza peculiar do contrato estimatório, estipula o Código
Pondere-se que na hipótese do consignante recusar-se a aceitar a coisa, Civil a impenhorabilidade ou impossibilidade de seqüestro da coisa consignada
tem o consignatário poder de obrigá-lo por decisão judicial a recebê-la (art. pelos credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço.
335, II, do CC). De fato, sendo a penhora e seqüestro medidas processuais visando
4. REGIME JURÍDICO COMPLEMENTAR garantir o pagamento de quantia líquida, certa e exigível, no primeiro caso
em processo de execução (art. 659 e ss. do CPC), e no segundo por meio de
Além dos dispositivos legais já referidos, o legislador tratou de efeitos processo cautelar (arts. 822 a 825 do CPC), cogita-se da possibilidade dos
secundários ou complementares visando conferir tratamento de hipóteses que credores do consignatário promoverem os referidos atos constritivos com
reforçam o caráter autônomo do contrato estimatório, na essência envolvendo afetação de bem que, apesar do consignatário dispor de um dos poderes ine-
a transferência pelo consignante ao consignatário do chamado jus abutendi rentes ao domínio, não poderá responder por dívidas, exceção feita para a
(um dos poderes inerentes à propriedade – art. 1.228 do CC), vale dizer, o hipótese de pagamento integral do preço, caso em que a propriedade da coisa
tradens continua sendo proprietário da coisa nada obstante a perda em favor
ser-lhe-á transferida definitivamente.
do accipiens do direito de dela dispor.
E nem pode ser diferente porque sendo o consignatário devedor de
4.1 Impossibilidade de restituição da coisa obrigação que nenhuma relação tem com o contrato estimatório, somente
os bens de sua propriedade é que poderão responder por dívidas (art. 391
Estabelece o art. 535 do CC que “O consignatário não se exonera da
do CC c.c. art. 591 do CPC), o que não se verifica caso não tenha pagado o
obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se
tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável”. preço ao consignante.
Com efeito, pelas regras comuns da obrigação de restituir (art. 238 a 242, Nessa hipótese, havendo penhora ou seqüestro da coisa, poderá o con-
parágrafo único, do CC), a impossibilidade de cumprimento da obrigação signante utilizar-se dos embargos de terceiro (art. 1.046 e ss. do CPC), par
por ausência de culpa do devedor impõe ao credor sofrer a perda, normas excluir a constrição judicial.
que consagram a chamada teoria dos riscos (res perit domino – a coisa perece
4.3 Indisponibilidade da coisa pelo consignante
para o dono da coisa).
Na dinâmica do contrato estimatório, o legislador excepcionou a regra Prevê o art. 537 do CC a impossibilidade do consignante dispor da coisa
impondo ao consignatário a responsabilidade de pagar o preço ajustado mes- antes de lhe ser restituída ou de lhe ser comunicada a restituição.
mo que ocorra a impossibilidade de restituição da coisa, em sua integridade, Dada as considerações do item anterior, quando se identificou a natureza
por fato a ele não imputável, assim considerado aquele que não tenha ele peculiar do contrato estimatório, compreende-se a norma sob comento pelo
próprio dado causa. fato do consignante, ao aperfeiçoar o contrato, perder temporariamente a
A norma sob comento não admite convenção contrária diante dos seus disponibilidade sobre a coisa.
termos incisivos, e mesmo que a perda da coisa decorra de fato imputável ao Desse modo, sendo o consignante proprietário e possuidor indireto da
consignatário, somente impõe-se a obrigação de pagar o preço, sem cogitação coisa, e estando vigente o contrato, impede a lei que aliene a coisa a terceiro
de indenização por perdas e danos. a qualquer título.
276 Direito dos Contratos

“A regra é importante para o perfeito funcionamento do contrato. Se


assim não fosse, poderia o consignatário acertar a venda com terceiro, ficando
impedido de completá-la, se o consignante já o tivesse feito a outrem, ou se
exigisse a recuperação da posse” (Capanema de Souza, 2004; p. 81).
Portanto, somente após a restituição (devolução da posse direta) ou a
sua comunicação (sem formalidade essencial), poderá o consignante dispor
da coisa.
Tratando-se de norma indisponível, o negócio jurídico concluído
pelo consignante em violação ao dispositivo legal acarretará a sua nulidade
(art.166, VI, do CC), não se cogitando na hipótese de venda a non domino
porque não realizada por quem não é proprietário, mas com objetivo de
fraudar lei imperativa.

5. RESUMO ESQUEMÁTICO
1. A identificação e a caracterização do contrato estimatório
2. Natureza da obrigação do consignatário em face do consignante
3. Disciplina legal aplicável
4. Regime jurídico complementar
4.1 Impossibilidade de restituição da coisa
4.2 Impenhorabilidade legal ou impossibilidade de seqüestro da coisa
consignada
4.3 Indisponibilidade da coisa pelo consignante
V
Doação
AMANDA ZOE MORRIS

Bibliografia
Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. v. 3 – Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. v. 3 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. v. 3 – Silvio de Salvo Venosa. Contratos em espécie. Direito civil. 7. ed. 2.
reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

1. CONCEITO. OBJETO. CARACTERES


A doação (arts. 538 a 564 do CC) consiste na transferência, inter vivos, de
bens ou vantagens do patrimônio de uma pessoa para o patrimônio de outra
por liberalidade do doador. Desta maneira, há um aumento patrimonial para
o donatário, e correspectivo empobrecimento do doador.
Pelo caráter de liberalidade do contrato, o doador está isento da obrigação
de pagar juros moratórios, ainda que atrase na entrega do bem, e tampouco
estará sujeito às conseqüências da evicção e do vício redibitório.
Observe-se que a doação tem natureza contratual, e como tal, transfere
tão somente direitos e obrigações. Não opera a transferência da propriedade,
que deverá ser efetuada pelos meios legais, como a escritura pública para
bens imóveis.
Qualquer bem em comércio pode ser doado, quer seja móvel ou imóvel,
corpóreo ou incorpóreo. Também poderão ser doados tanto bens singulares,
quanto universalidades de bens.
Bens pertencentes a terceiros não poderão, a rigor, ser doados. Contudo, se
o doador posteriormente adquirir referido bem, poderá ratificar a doação.
Questão controvertida diz respeito à possibilidade de promessa de doação:
por se tratar de liberalidade do doador, este poderia ser forçado a cumprir o
prometido? Grande parte da doutrina não julga ser possível forçar alguém
a praticar uma liberalidade (Caio Mario da Silva Pereira e Miguel Maria de
Serpa Lopes, apud Silvio de Salvo Venosa), mas em favor da possibilidade de
promessa de doação, temos não menos que Pontes de Miranda (apud Silvio
de Salvo Venosa).
278 Direito dos Contratos DOAÇÃO 279

De fato, não há sentido em obrigar-se quem quer que seja a efetuar doação 3. ACEITAÇÃO DO DONATÁRIO
pura e simples. Contudo, quando se trata de promessa assumida em troca de algu-
Fundamental, também, para a constituição do contrato de doação, é
ma vantagem (por exemplo, promessa de doação aos filhos é comum em acordos
a aceitação do donatário. Afinal, o contrato é negócio jurídico bilateral por
de separação judicial), seu cumprimento poderá e deverá ser exigido.
excelência, e como tal, só se aperfeiçoa com a manifestação de vontade de
Trata-se de um contrato com as seguintes características: ambas as partes.
• Formal, visto que a lei exige forma própria para seu aperfeiçoamento, O legislador deixou bastante claro que o donatário tem todo o direito de
qual seja, escritura pública ou instrumento particular (art. 541 do rejeitar a doação. Isto porque, por mais que se trate de liberalidade, por mais
CC); que seja gratuito o contrato, receber coisa de outrem cria uma obrigação moral
entre as partes. Pois bem, pode muito bem ser que o donatário não queira se
• Gratuito, por ser uma liberalidade do doador, não se podendo falar em
sentir em débito moral perante o doador.
contraprestação do donatário mesmo quando há encargo ou trata-se
de doação remuneratória; Assim sendo, é requisito para formar o contrato de doação a aceitação.
• Unilateral, já que cria obrigações para apenas uma das partes; A aceitação pode ser expressa, tácita, presumida ou ficta. Será expres-
sa, naturalmente, quando o donatário manifestar sua vontade de aceitar, no
Mencione-se, a guisa de esclarecimento, que, em regra, presentes efetuados mesmo documento da doação.
em datas especiais como casamento e batizados não configuram, juridicamente Será tácita a doação quando o donatário agir de forma tal que leve a crer
doação. Isto porque, embora envolvam uma clara liberalidade, e podem mesmo ter aceitado a doação, como por exemplo, utilizar o bem doado.
ter valor econômico alto, não chegam a ter relevância jurídica. São simples gestos Prevê o art. 539 do CC a aceitação presumida, quando o doador fixar
sociais. Pode-se até mesmo dizer que sejam obrigações morais, que dificilmente prazo para o donatário declarar se aceita ou não a doação. Caso não se ma-
serão consideradas e produzirão efeitos como contrato de doação. O mesmo nifeste, poderá se entender que aceitou, a menos que se trate de doação com
pode-se de dizer de esmolas e gorjetas, que tampouco serão considerados fatos encargo, que exige aceitação expressa.
jurídicos. A aceitação será ficta quando o donatário é incapaz; neste caso, dispensa-
se qualquer manifestação (art. 543 do CC), contanto que se trate de doação
2. ANIMUS DONANDI pura, sem qualquer encargo ou ônus. Desta forma, impossível haver prejuízo
O ânimo ou vontade de doar (animus donandi) é requisito essencial ao incapaz, apenas benefícios; contudo, apesar de ficta, produz o mesmo efeito
para a formação do contrato de doação. Não se tratará, pois, de doação, se o como se tivesse ocorrido (Caio Mário da Silva Pereira, p. 251).
bem estiver sendo dado em troca de algum serviço ou bem. É preciso que o
doador tenha a intenção de praticar uma liberalidade e beneficiar o donatário, 4. CAPACIDADE DAS PARTES. RESTRIÇÕES À DOAÇÃO
mediante uma diminuição do próprio patrimônio. O contrato de doação segue as regras gerais quanto à necessidade de
Não se pode confundir, contudo, vontade de doar, que é o animus donan- capacidade das partes para a formação do negócio jurídico. Contudo, traz
di, com motivo desinteressado. Isto não interessa particularmente ao direito algumas peculiaridades e restrições que cabe analisar mais detidamente.
como requisito do contrato de doação. Assim, é proibida a doação universal (art. 548 do CC); qual seja, não
O doador pode estar sendo movido por diversos motivos, desde volú- poderá o doador oferecer todos os seus bens. Isto porque o ordenamento jurídico
pia até, por exemplo, interesse político, que é o caso de uma doação de um busca protege-lo. Sendo a doação sempre por ato inter vivos, há que se supor
candidato. Tratar-se-á de doação, já que a intenção de praticar a liberalidade que o doador necessitará de pelo menos parte de seus bens para garantir o seu
esta lá, não importando os motivos. sustento, e só poderá doar seus bens reservando para si o suficiente para sua
Contudo, não haverá doação quando, a despeito de enriquecimento da sobrevivência, sob pena de nulidade absoluta de todo o contrato.
outra parte, não houve intenção de doar pelo sujeito ativo. Por exemplo, na Quando o doador tiver herdeiros necessários (art. 1.845 do CC), tampou-
renúncia à herança, pode até haver intenção de beneficiar, mas não se pode co terá o poder de dispor livremente da totalidade de seus bens. É necessário
dizer que haja doação do renunciante para os demais herdeiros (Maria Helena que preserve a legítima de seus herdeiros, ou seja, só poderá doar até a metade
Diniz, p. 230-231). de seu patrimônio à época da doação.
280 Direito dos Contratos DOAÇÃO 281

A lei, no mesmo sentido em que proíbe disposição testamentária que D OAÇÃO A DESCENDENTES E Doação a herdeiros neces- Válida, porém implica em
afete a legítima, também protege os interesses dos herdeiros durante a vida do CÔNJUGE sários antecipação da legítima dos
doador, evitando que este possa eiva-los de seus direitos hereditários. herdeiros
Denomina-se doação inoficiosa a que ultrapassar a parte que poderia ser DOAÇÃO DO CÔNJUGE ADÚLTERO Burla direito à meação do Nulidade pode ser reque-
doada ou disposta em testamento, qual seja, a metade dos bens do doador, e AO CÚMPLICE (AMANTE) cônjuge inocente, e mesmo rida tanto pelo cônjuge
será nula na parte excedente, mantendo-se hígida quanto ao resto, que é de o direito dos herdeiros quanto pelos herdeiros, até
livre disposição do proprietário. dois anos após dissolvida a
sociedade conjugal
Nota-se que a nulidade decorrente de doação inoficiosa se verifica no mo-
mento da doação, e não da abertura do inventário, de forma a evitar insegurança DOAÇÃO AO COMPANHEIRO, EM Permitida Possível, quanto aos bens
jurídica para o donatário. Assim, mesmo que tenha empobrecido posteriormente, UNIÃO ESTÁVEL particulares
se o doador, à época da doação, concedeu menos da metade do seu patrimônio, DOAÇÃO AO CÔNJUGE Pode ser incompatível com Comunhão universal: im-
o contrato será considerado válido e eficaz (art. 2007, § 1.º, do CC). o regime de casamento es- possível
É permitida a doação de ascendente para descendente ou para cônjuge, colhido Comunhão parcial e regime
da participação final nos
que são herdeiros necessários. Contudo, será considerada antecipação de aqüestos: apenas dos bens
legítima, ou seja, adiantamento do patrimônio a que o donatário teria direito individuais
após o falecimento do doador. (art. 544 do CC). Separação de bens: per-
Já a doação do cônjuge adúltero ao cúmplice não é admitida, visto que mitida
prejudica não só a meação do cônjuge inocente, como também o direito dos DOAÇÃO PELO DEVEDOR ATÉ SUA Poderá lesar o direito dos Anulável por ação paulia-
herdeiros, tudo por motivo torpe, o que o direito não permite. Poderá, portanto, INSOLVÊNCIA, BEM COMO POR credores na
ser anulada tanto pelo cônjuge inocente como por seus herdeiros necessários AQUELE QUE JÁ ESTIVER FALIDO
no prazo de dois anos após o termino da sociedade conjugal. OU INSOLVENTE

Não se confunda a vedação do art. 550 com a possibilidade de doação no


âmbito da união estável! Neste caso, é permitida a doação de bens particulares No que tange à capacidade passiva, têm todos os que podem praticar os
de cada um dos conviventes ao outro. atos da vida civil. Também pode ser beneficiado o nascituro – condicionalmente
Já os cônjuges só podem doar conforme o regime de bens adotado, ao seu nascimento com vida – mediante seu representante legal, e mesmo os
sendo proibida no regime da comunhão universal, permitida na separação absolutamente incapazes, a quem se dispensa a obrigatoriedade da aceitação.
total, e, no que tange à comunhão parcial, só se permitirá a doação dos bens Tanto pessoas físicas quanto jurídicas podem ser beneficiadas pela
particulares de cada qual. doação.
Tampouco permite-se que o falido ou insolvente doem, de forma a não
prejudicar seus credores, sendo anulável por ação pauliana (art. 158 do CC), 5. ESPÉCIES
também não se permitindo que alguém doe bens até chegar à insolvência, de Estas são as espécies de doação existentes:
forma a prejudicar seus credores. Senão vejamos: • Doação pura e simples, que não se subordina a qualquer condição ou
encargo e caracteriza-se pela plena liberalidade;
DOAÇÃO UNIVERSAL Sobre todo o patrimônio, Nula • Doação modal ou com encargo, na qual a liberalidade não é pura, pois
sem reserva para o sustento impõe um dever ao donatário, perante o doador ou perante terceiros.
do doador Isto não modifica a natureza gratuita do contrato de doação, visto
DOAÇÃO INOFICIOSA Ultrapassa, no momento Nula só no que exceder ao que o valor do encargo é consideravelmente menor que o da coisa
da doação, mais da metade que poderia ser legalmente doada, e assim sendo, não se trata de contraprestação. A liberalidade,
do patrimônio do doador, doado portanto, existe no que exceder o valor do encargo. Considerando
afetando a legítima dos a necessidade de aceitação para que o contrato de doação torne-se
herdeiros
válido, há que se supor que o donatário aceitou os termos impostos,
282 Direito dos Contratos DOAÇÃO 283

incluindo-se a obrigação a cumprir; desta forma, será responsabili- • Morte do donatário quando houver cláusula de reversão, nos termos
zado em caso de inadimplemento. Inclusive, caso tratar-se de doação do art. 547 do CC;
visando o interesse geral, o Ministério Público terá legitimidade para • Descumprimento do encargo: conforme o art. 562, a doação modal
exigir a sua execução, após a morte do doador, caso este não o tenha poderá ser revogada em decorrência do inadimplemento do donatário.
feito (art. 553, parágrafo único, do CC). O encargo torna-se parte Caso não haja prazo fixado para o cumprimento da obrigação, deverá
essencial do contrato. Em caso de inadimplemento, poderá o doador o doador notificar judicialmente o donatário, concedendo-lhe prazo
exigir o cumprimento da obrigação assumida, sob pena de revogação razoável para que o faça;
da doação (art. 562 do CC); • Caducidade da doação para entidade futura, se no período de dois
• Doação remuneratória tem por motivo retribuição a serviço prestado. anos, esta não estiver regularmente constituída (art. 554 do CC);
Ressalva importante: não existe obrigação jurídica de remunerar, nesta • Ineficácia da doação feita em contemplação de casamento com
modalidade. Trata-se da vontade do doador de agradecer a alguém que determinada pessoa, nos termos do art. 546. Trata-se, neste caso,
lhe ajudou. Não se pode, igualmente à doação com encargo, falar em de doação condicional, sob cláusula suspensiva, e será ineficaz se o
onerosidade do contrato; permanece a liberalidade no que exceder evento futuro e incerto (casamento) não se verificar;
ao valor da remuneração;
• Revogação por ingratidão, nos termos dos arts. 555 a 561 do CC. A
• Doação condicional que depende de acontecimento futuro e incerto.
princípio, havendo aceitação, a doação não pode ser revogada unila-
Pode ser suspensiva, quando a condição suspender o início do con-
teralmente, a não ser em caso de descumprimento do encargo (vide
trato, ou resolutiva, quando lhe puser fim. A doação prevista no art.
acima) e por ingratidão, o que justifica a retirada da liberalidade,
546 do CC, em contemplação de casamento futuro, é bom exemplo de
quando o donatário se mostrar indigno de receber a doação, por ter
doação condicional suspensiva, já que só será válido caso as núpcias
cometido os seguintes atos previstos nos incisos do art. 556, contra
ocorram. Exemplo de doação sob condição resolutiva é a prevista
o doador ou contra seu cônjuge, ascendente, descendente (mesmo
no art. 547 do CC, na qual há cláusula de reversão em benefício do
que adotivo), ou irmão:
doador, em caso de falecimento do donatário (ressaltando-se que a
lei proíbe a reversão em favor de terceiros); – Atentado à vida;
• Doação a termo que depende de acontecimento futuro e certo, podendo – Homicídio doloso;
o termo ser inicial ou final; – Ofensa física;
• Doação conjuntiva que é feita em comum a mais de uma pessoa. Salvo – Injúria grave ou calunia;
especificação do doador no contrato, presume-se que esta doação seja – Recusa em prestar alimentos, quando podia tê-lo feito.
feita em partes iguais para todos os donatário. Há direito de acrescer
se os donatários forem casados: na hipótese de falecimento de um, o A revogação por ingratidão só é admissível quando se tratar de doação
sobrevivente terá direito à totalidade da doação (art. 552 do CC); pura e simples, conforme o art. 564 – afinal, só neste caso não há qualquer
• Doação mista que contém elementos de onerosidade, como em uma retribuição, ainda que pequena, do donatário, a justificar a doação. Quando se
compra e venda, na qual, porém, os valores são irrisórios, muito menores trata de doação simples, contudo, a gratidão é elemento essencial, justificando
do que efetivamente valeria o bem doado. Existe controvérsia quanto sua revogação nas hipóteses supra elencadas.
ao seu verdadeiro caráter, pois que a onerosidade desvirtua a doação. Importante ressaltar, ainda, que a revogação por ingratidão não poderá
Em verdade, pode considerar-se que só há doação no excedente. prejudicar os direitos adquiridos por terceiros, e tampouco afeta quaisquer be-
nefícios auferidos pelo donatário antes da citação válida (art. 563 do CC).
6. EXTINÇÃO DA DOAÇÃO A ação revogatória é personalíssima, devendo ser proposta pelo próprio
A doação poderá extinguir-se das formas comuns aos contratos em doador, a não ser na hipótese de homicídio doloso (arts. 560 e 561 do CC), no
geral, pelas causas de nulidade supra mencionadas, e também das seguintes prazo decadencial de um ano (art. 559 do CC), a partir de quando o doador
maneiras: tomar conhecimento da ofensa cometida pelo donatário.
284 Direito dos Contratos

7. RESUMO ESQUEMÁTICO
• Doação → transferência de bens ou vantagens
• Características:
• Formal (art. 541 do CC);
• Gratuita;
• Unilateral.
• Requisitos essenciais
 Animus donandi

 Aceitação do donatário → expressa, tácita, presumida ou ficta

• Restrições
 Doação universal (art. 548 do CC)

 Doação inoficiosa

 Doação de cônjuge adúltero ao cúmplice

 Doação pelo devedor até sua insolvência, bem como por aquele que
já estiver falido ou insolvente
 Doação ao cônjuge em casamento com comunhão total de bens

• Obs. → permite-se doação ao cônjuge nos regimes de separação total de


bens, no regime de comunhão parcial de bens e na união estável, quanto
aos bens particulares.
• Espécies
 Doação pura e simples

 Doação modal ou com encargo

 Doação remuneratória

 Doação condicional

 Doação a termo

 Doação conjuntiva

 Doação mista

• Extinção da doação
 Morte do donatário quando houver cláusula de reversão (art. 547 do
CC)
 Descumprimento do encargo

 Caducidade da doação para entidade futura, se no período de dois


anos, esta não estiver regularmente constituída (art. 554 do CC)
 Ineficácia da doação feita em contemplação de casamento com
determinada pessoa (art. 546)
 Revogação por ingratidão (arts. 555 a 561 do CC)
VI
Locação
MARIA CLARA FALAVIGNA

Bibliografia

Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995
– José da Silva Pacheco. Tratado das locações, ações de despejo e outras. 8. ed. São Paulo:
RT, 1993 – Orlando Gomes. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

1. DA LOCAÇÃO DE COISAS
O Código Civil regula o contrato de locação de coisas, a partir do art.
565, porém, determina em seu art. 2.036, que a locação de prédio urbano
continua a ser regida por lei especial que estiver em vigor, atualmente a Lei
8.245, de 18 de outubro de 1991.
Denomina-se o contrato como locação de coisas para que se diferencie
do contrato de prestação de serviços, ou do contrato de trabalho, sendo que a
locação de coisas regida pelo Código Civil também abrange a locação de imóveis,
desde que fora da zona urbana, ou seja, rural, além daqueles excepcionados
no art. 1.º, parágrafo único, da Lei 8.245/1991: imóveis de propriedade da
União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas;
vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos;
espaços de publicidade; unidades de apart-hotéis, hotéis ou equiparados; e o
arrendamento mercantil.
O contrato está definido em lei e nasce quando alguém cede a outra
pessoa o uso e gozo de uma coisa infungível, por tempo determinado ou não,
mediante uma retribuição (art. 565 do CC), que poderá ser estipulada para
pagamento em prazos ajustados pelas partes, ou não havendo esta estipulação,
consoante o costume do lugar (art. 569, II, do CC).
Portanto, é bilateral, porque uma das partes se obriga para com a outra.
Desta forma, as obrigações são interligadas, ou seja, em razão da execução
do contrato, o locador entrega a coisa e a garante a manutenção da locação,
do mesmo modo, o locatário paga o valor combinado como aluguel, desde
que já tenha recebido.
286 Direito dos Contratos LOCAÇÃO 287

Consensual, por resultar da vontade das partes; oneroso, porque cria que os tenha a todos. Pelo menos um há de faltar às outras coisas do mesmo
um ônus para ambas as partes, com objetivo patrimonial, extraindo-se dele gênero. Se a coisa que se há de prestar foi indicada com características que em
proveitos e vantagens. sua totalidade outras coisas tem, é uma dentro do gênero; não é coisa certa”
Sua execução não ocorre de uma só vez, assim é de execução sucessiva. (Tratado de direito privado, t. XXII, p. 116).

2. ELEMENTOS DO CONTRATO 2.2 O preço


São elementos de qualquer contrato de locação: a coisa, o preço, o consen- O preço há de ser estipulado em dinheiro em valor que não seja vil, para
timento, o prazo e a forma (Caio Mário. Instituições de direito civil, p.173). que não se descaracterize o contrato de locação e se transforme em comodato,
podendo caracterizar-se uma simulação. Não se trata de discutir se o preço é
2.1 O objeto justo, mas que irrisório em proporção à coisa. Para Caio Mário (Instituições
A coisa há de ser infungível, isto é, aquele que não pode ser substituído de direito civil, p. 175), o aluguel pode não ser pecuniário, mas estipulado em
por outro, mesmo que seja da mesma espécie, qualidade ou quantidade. Pode frutos da coisa, ou em construções ou benfeitorias realizadas pelo locatário.
ser móvel ou imóvel, podendo ser alugada no todo ou em partes, desde que Com efeito, tem sido comum este tipo de estipulação, mas o adequado é que
seu uso assim o permita. seja feita uma conversão em valores pecuniários, para se adequar a que não
Por imposição legal, consideram-se bens imóveis os direitos reais sobre se caracterize como comodato, uma vez que, em se tratando da locação de
imóveis e as ações que os asseguram (art. 80, I, do CC) e o direito à sucessão prédio urbano, a extinção de um contrato de locação e de um comodato em
aberta (art. 80, II, do CC), deixando de ser tido como bem imóvel, por falta muito difere, trazendo vantagens e desvantagens para as partes.
de disciplina legal, as apólices da dívida pública oneradas com a cláusula de Outrossim, pode ser previsto o reajuste do aluguel, no entanto o valor
inalienabilidade, o que era previsto no inciso II, do art. 44 do CC/1916. pode ser revisto judicialmente se houver uma desproporção por motivos
Os móveis são caracterizados pelos arts. 82 e 83 do CC, de maneira imprevisíveis, nos termos do art. 317 do CC.
diversa ao Código revogado. Assim, pelo art. 82, os bens móveis são aqueles Será devido o preço enquanto o locatário estiver com a posse da coisa,
que têm movimento próprio ou podem ser removidos, contudo, a nova reda- que no caso de bens imóveis, se dará até a entrega das chaves, e dos bens
ção acrescentou que eles, para serem considerados bens móveis, não podem móveis, com a devolução da coisa.
sofrer alteração da substância ou sua destinação econômica.
Não há disposição que determine qual será a periodicidade do pagamen-
Para efeitos legais, o art. 83 considera bem móvel, as energias de valor
to do aluguel, o que fica ao arbítrio das partes, o comum é que se estipule o
econômico (inciso I); os direitos reais sobre móveis e ação correspondentes
pagamento mensal, mas outro tipo de período poderá ser estipulado, como
(inciso II); e os direitos pessoais patrimoniais e sua ações, alterando a anterior
o pagamento semestral, por exemplo, assim como o pagamento poderá ser
disposição legal, contida no art. 48 do CC/1916, que também previa o contido
adiantado, ou após o período vencido.
no inciso II, acima relatado, e os direitos de autor, mas determinava os direitos
de obrigações e as ações respectivas. O pagamento do aluguel se dará pela regra geral, ou seja, no domicílio do
A energia já era considerada um bem móvel em razão do art. 155, § 3.º, locador (art. 327 do CC), exceto se outro local for estabelecido no contrato.
do CP e a abrangência, quanto aos direitos patrimoniais de personalidade, 2.3 O consentimento
ampliam-se para se compreender não só o direito de autor, como o direito à
imagem e à voz, contudo, os direitos de personalidade não podem ser objeto O consentimento é essencial ao contato de locação e está ligado à capacidade
do contrato, já que, por sua natureza, são intransmissíveis e irrenunciáveis, das partes. Primeiramente, os sujeitos devem ter capacidade para contratar, isto
podendo seu titular apenas licenciá-los (art. 11 do CC). é, devem estar no gozo pleno de seus direitos, que se dará pela maioridade (art.
A coisa deve estar individuada, para gerar uma obrigação de dar, entre- 5.º do CC), ou pelas condições em que cesse a menoridade (art. 5.º, parágrafo
tanto, não necessita que todos os seus elementos caracterizadores estejam único, do CC) e não terem sido declarados incapazes (art. 1.767 do CC).
presentes na avença. Na exata lição de Pontes de Miranda, “coisa certa é coisa Também devem ter capacidade para dispor, ou seja, no caso do con-
individuada. As características apontadas só as tem a coisa que se há de prestar. trato em exame, ter a posse da coisa, o que pode ocorrer ao usufrutuário, ao
Noutros termos: os sinais distintivos basta para a identificação. Não há outra enfiteuta, entre outros, e até mesmo ao locatário, se tiver autorização para
288 Direito dos Contratos LOCAÇÃO 289

sublocar o bem, sendo certo que a capacidade é auferida no momento da 2.5 A forma
formação do contrato. O contrato poderá ser firmado por escrito ou verbalmente, uma vez que
Com a morte do locador ou do locatário, o contrato se transfere aos her- não há exigência legal para uma forma especial. Poderá também ser realizado
deiros, apenas se a locação for ajustada por tempo determinado, por outro lado, por instrumento particular ou público, entretanto, para a validade frente a
se por prazo indeterminado deverá ser devolvida a coisa – art. 577 do CC. terceiros, faz-se necessária sua inscrição no Registro Público.
2.4 O prazo 3. DAS OBRIGAÇÕES DO LOCADOR
A locação poderá ser ajustada com prazo certo ou com prazo indetermi- Para ser locador não é necessário que este seja o proprietário da coisa,
nado, nos termos do art. 565 do CC, mas é certo que se trata de um contrato mas deve ter poder de sua disposição, haja vista que deve garantir sua entrega,
temporário, não havendo previsão legal por quanto tempo poderá ser pactuado, com seus acessórios, a fim de que se preste ao uso da locação, além de garantir
apenas que não seja perpétuo, pois contraria sua natureza. a manutenção da execução do contrato, a não ser que o contrato estabeleça
Tratando-se de locação de prédio urbano, ajustada a locação para prazo situação diversa (art. 566, I, do CC).
igual ou superior a dez anos, faz-se necessária a vênia conjugal – art. 3.º da O uso pacífico da coisa alugada deve ser garantido pelo locador pelo
Lei 8.245/1991. período que durar a locação – art. 566, II, do CC, caso contrário será respon-
No caso de locação comum, não relativa a imóvel urbano, o locador sável pelos prejuízos suportados pelo locatário.
poderá reaver a coisa alugada, desde que notificado o locatário para devolvê- Outrossim, deverá o locador emitir recibo de quitação do pagamento
la, conforme a exegese do art. 575 do CC, sob pena de pagar aluguel que o do aluguel (art. 319-320 do CC).
locador arbitrar, além de responder pelas perdas e danos, mesmo que decor-
rente de caso fortuito, uma vez que com a notificação é constituído em mora. 4. DAS OBRIGAÇÕES DO LOCATÁRIO
Se o aluguel requerido for excessivo, poderá ser reduzido judicialmente, As obrigações do locatário são lógicas pela natureza do contrato, deve
porém desde que observado sua natureza de pena imposta ao locatário por pagar o aluguel, na data estipulada; conservar a coisa e restituí-la ao final do
não devolver a coisa (art. 575, parágrafo único, do CC). prazo avençado ou nas situações em que ensejarem o direito de retomada
Com a estipulação de prazo certo para a duração do contrato, o locador do locador.
não poderá requerer a devolução da coisa alugada, exceto se ressarcir o locatário
por perdas e danos; do mesmo modo, não poderá o locatário devolvê-la antes 5. DO DIREITO DE RETENÇÃO
de findo o prazo, salvo se pagar a multa estipulada no contrato, proporcional- A ação cabível para a retomada da locação de coisas é a de reintegração
mente pelo tempo que restava para o fim do prazo contratado – art. 571 do de posse, nos termos da lei processual vigente, tendo o locatário direito à
CC. Não sendo ressarcido pelos prejuízos sofridos, o locatário poderá reter a retenção da coisa até receber o pagamento de eventual indenização a que
coisa alugada até seu pagamento – art. 571, parágrafo único, do CC. tenha direito.
Vencido o prazo, se o locatário continuar sem devolver a coisa alugada Além do direito de retenção para ser indenizado por eventuais perdas, no
e o locador não a reclamar, presumir-se-á que a locação foi prorrogada pelo caso de ter que devolver a coisa antes de findo o prazo estipulado no contrato
mesmo valor de aluguel, contudo, sem qualquer prazo determinado – art. (art. 571 do CC), o locatário também tem este direito se tiver realizado benfei-
574 do CC. torias necessárias na coisa alugada, ou pelas benfeitorias úteis realizadas com
Saliente-se que se a coisa locada for alienada a terceiro não integrante o consentimento do locador – art. 578 do CC, contudo, não terá este direito,
do contrato, este não terá que respeitar o contrato, exceto se houver cláusula se a realização da benfeitoria traduzir o pagamento do aluguel, estipulado de
de sua vigência no caso de alienação e que esta esteja registrada em órgão forma diversa da pecuniária, como acima visto.
próprio, ou seja, Títulos e Documentos do domicílio do locador para a coisa
móvel e Registro de Imóveis para coisa imóvel – art. 576 do CC, entretanto, 6. DA LOCAÇÃO DE PRÉDIO URBANO
se a coisa for imóvel, deverá o novo adquirente notificar o locatário para sua Como leciona Orlando Gomes (Contratos, p. 273), a locação de prédio
devolução no prazo de noventa dias – § 2.º, art. 576, do CC. urbano, o “contrato de locação tem sido influenciado, na sua disciplina, pela
290 Direito dos Contratos LOCAÇÃO 291

política de proteção legislativa aos fracos. Em razão da angustiosa crise de O contrato pode ser verbal ou por escrito, não exigindo a norma qualquer
habitação, medidas legais têm sido ditadas para amparar locatários, especial- forma expressa, sendo que, em sendo escrito, poderá ter prazo certo ou não,
mente os urbanos”. ou, então, vencido o prazo certo, este se prorroga por prazo indeterminado.
De fato, o Código Civil de 1916, quando promulgado, regulou todas as Durante a vigência da locação não poderá o locador retomar o imóvel
formas de locação, entretanto, logo no início de sua vigência foi constatado (art. 4.º, 1.ª parte), exceto se o locatário cometer alguma infração contratual,
sua ineficácia para regular adequadamente a locação de prédios urbanos, haja como, por exemplo, não pagar os alugueres (art. 9.º, III). Do mesmo modo,
vista as constantes crises do setor imobiliário, principalmente após a Primei- não poderá o locatário devolvê-lo, exceto se pagar a multa estipulada em
ra Guerra Mundial. Em um período era necessário incentivar a construção contrato (art. 4.º, 2.ª parte), que deverá ser proporcional ao tempo que resta
civil, em dado outro momento era necessário proteger os inquilinos contra a para terminá-lo (art. 413 do CC).
voracidade dos proprietários e assim foram editadas várias leis no decorrer do
séc. XX, conforme as necessidades econômicas para oferecer moradia ou para 6.1 Sub-rogação de direitos e obrigações
assegurar a habitação contínua do inquilino sem o temor de ter de desocupar Se o locador morrer durante a locação, esta transmite-se a seus herdei-
o imóvel a qualquer momento. ros (art. 10), igualmente se morrer o locatário, o direitos e obrigações serão
Com o fim de resumir a situação legislativa, convém observar a Lei sub-rogados ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, ou aos herdeiros
6.649/1979, que oferecia inúmeras vantagens ao inquilino, já que dificulta- necessários ou às pessoas que viviam sob sua dependência econômica, mas
va, em muito, a denúncia do contrato, com o intuito de assegurar proteção a desde que residissem no imóvel ao tempo da morte do locatário, em se tra-
quem se achava em situação mais fraca. Entretanto, ao longo das crises eco- tando de locação residencial (art. 11, I). No caso de locação não residencial,
nômicas vivenciadas no País, em que os índices de inflação eram altíssimos e sub-rogar-se-á nos direitos o espólio do locatário falecido, ou, se for o caso, o
o valor locatício não acompanhava uma adequada correção, os proprietários seu sucessor no negócio que deu ensejo à locação (art. 11, II).
de imóveis preferiam mantê-los vazios, já que não mais interessava locá-los Se for o caso de dissolução do vínculo conjugal, seja por separação de fato,
ante as dificuldades, acarretando em um desestimulo ao setor da construção judicial ou divórcio, ou com a fim da união estável, haverá a sub-rogação na
civil, desta forma, a Lei 8.245/1991 foi editada com maior proteção, agora, pessoa do ex-cônjuge ou ex-companheiro que permanecer no imóvel (art. 12),
ao proprietário, já que facilitava a denúncia do contrato. com a comunicação por escrito do locador no prazo de trinta dias, que poderá
Como se vê, cada período exige uma legislação adequada para a regu- exigir a substituição da garantia anteriormente prestada (par. único).
lamentação do setor, o que não é propício para manutenção deste contrato Sublocações do imóvel somente poderão valer com autorização expressa
de locação em uma legislação codificada. Assim a Lei 8.245/1991 continua do locador, assim como o seu empréstimo a terceiros estranhos ao contrato de
em vigor e regula todas as locações prediais urbanas, sejam residenciais ou locação, mesmo que parcial (art. 13), não se presumindo o consentimento do
para fins comerciais. locador (§ 1.º), devendo o locador sempre responder formalmente (§ 2.º).
Convém observar o art. 1.º da Lei 8.245/1991 que enquadra quais os
tipos de locações que são abrangidas pela lei, mas de forma inversa, ou seja, 6.2 Retomada
quais os casos em que não se aplica a lei especial: as locações de imóveis de Para a retomada do imóvel pelo locador, a única ação cabível é a de des-
propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de duas autarquias e pejo (art. 5.º), com a única exceção se o fim da locação se der em decorrência
fundações públicas; as de vagas autônomas de garagem ou de espaços em es- de desapropriação do imóvel, situação em que o desapropriante será emitido
tacionamento de veículos; espaços de publicidade; os imóveis em apart-hotéis, na posse do imóvel (art. 5.º parágrafo único), mas aqui, não será o locador
hotéis-residência ou equiparados; e o arrendamento mercantil. Excluindo- que estará reavendo o imóvel.
se o último, que possui legislação própria, os demais continuam, portanto, Resolvida a locação, põe-se fim à sublocação, se houver, garantindo-se
regidos pelo Código Civil. eventuais direitos do sublocatário em relação ao sublocador (art. 15).
A locação urbana pode ser ajustada por qualquer prazo, somente depen- São várias as hipóteses que podem dar ensejo à ação de despejo e todas
dendo de vênia conjugal se o prazo estipulado for igual ou superior a dez anos elas são encontradas no texto da lei. Em primeiro lugar a retomada pode ser
(art. 3.º), caso contrário, o cônjuge que não anuiu não necessitará respeitar imotivada, o que se costuma denominar “denúncia vazia” e ocorre sem que
o prazo excedente (parágrafo único). o locatário tenha dado motivo para a rescisão do contrato.
292 Direito dos Contratos LOCAÇÃO 293

Em se tratando de contrato por prazo indeterminado, o locador poderá Ajustada a locação sem este prazo, vencido o prazo, a locação ficará
retomar o imóvel, sem expressar qualquer motivo que o fundamente, notificando do mesmo modo prorrogada por prazo indeterminado, somente podendo
o locatário, por escrito, para que, no prazo de trinta dias, desocupe o imóvel ser retomado o imóvel nos casos previstos no art. 9.º (art. 47, I), ou seja, por
(art. 6.º), com a não desocupação, caberá o referido despejo. mútuo acordo (I); em decorrência de prática de alguma infração (II); pela
Do mesmo modo se o imóvel for alienado durante a locação, o novo falta de pagamento (III); e para a realização de reparos urgentes (IV). Ainda,
adquirente poderá denunciar a locação, no prazo de noventa dias a contar do se a locação era contratada em razão do emprego do locatário e tiver sido
registro do contrato ou compromisso de alienação (art. 8.º, § 2.º), notificando extinto seu contrato de trabalho (art. 47, II); se o imóvel for pedido para uso
o locatário para desocupar o imóvel em noventa dias, mesmo que a locação próprio do locador, de seu cônjuge, companheiro, ou para uso de ascendente
ainda esteja no prazo estipulado, exceto se houver cláusula de vigência em ou descendente, que não possua imóvel residencial próprio nem seu cônjuge
caso de alienação e o contrato estiver averbado no Cartório de Registro de ou companheiro (art. 47, III); se a retomada for necessária para demolição e
Imóveis (art. 8.º). edificação de obra autorizada pela Administração Pública, desde que aumente
Com efeito, qualquer infração contratual do locatário, mesmo durante em no mínimo 20% da área original do imóvel (art. 47, IV); e, por fim, se a
o prazo locatício, poderá ser motivo para a retomada do imóvel e é o que locação já tiver a vigência ininterrupta de cinco anos (art. 47, V).
denomina “denúncia cheia” (art. 9.º, II e III) ou, ainda, pela necessidade de As locações não residenciais são todas aquelas que não tiverem o destino
reparos urgentes no imóvel locado, desde que determinadas pela autoridade residencial, de natureza permanente, ao contrário da locação para temporada,
pública competente e que não possam ser realizadas com a permanência do além daquelas em que o locatário for pessoa jurídica e tiver como uso seus
locatário e de sua família no local, ou, mesmo que este possa continuar no titulares, diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados (art. 55).
imóvel, não permita a realização das obras (art. 9.º, IV). 6.2.2 Direito a renovar
O procedimento da ação de despejo é regulada pela lei especial, consoante
o título II, assim como as ações de consignação em pagamento de aluguel e Para as locações não residenciais destinadas ao comércio, o locatário
acessório de locação, revisionais e renovatórias de locação. terá o direito de renová-la pelo mesmo prazo do contrato a ser renovado,
desde que presentes os requisitos do art. 51 e art. 71, ou seja, existência de
Se o locatário tiver realizado benfeitorias necessárias, estas serão indeni-
contrato de locação, ainda em vigor, na forma escrita e com prazo determi-
zadas, mesmo que não tenham sido autorizadas pelo locador, assim como as
nado; que a locação tenha prazo mínimo ininterrupto de cinco anos (ainda
úteis, estas desde que autorizadas, exceto se houver disposição em contrário que se somando vários contratos escritos); que o mesmo ramo de comércio
no contrato, podendo o locatário valer-se do direito de retenção até o efetivo venha sendo explorado no local há pelo menos três anos; que indique fiador
pagamento – art. 35. e que comprove o correto cumprimento do contrato até então, inclusive com
As benfeitorias voluptuárias não são passíveis de indenização e tampouco a quitação dos aluguéis e de todos os encargos decorrentes da locação; e a
permitem o direito de retenção, por conseqüência lógica – art. 36. indicação das condições da locação, o que inclui o valor do novo aluguel. A
ação deverá ser proposta no prazo de um ano a seis meses antes do vencimento
6.2.1 Condições especiais para a retomada
do contrato, sob pena de decadência do direito (art. 51, § 5.º).
A locação predial urbana pode ser residencial, não residencial ou para O locador, nestes casos, poderá exercer a retomada exercendo seu direito
temporada. na própria contestação, o que se denomina processualmente como ações de
Para a locação residencial haverá uma condição especial se ajustada por caráter dúplice, mas desde que demonstre que há determinação do Poder
prazo igual ou superior a trinta meses, o que só pode acontecer se o contrato se Público para realizar obras no imóvel locado que o transformem radicalmente
der na modalidade escrita. Neste caso, como o imóvel não pode ser retomado ou que aumentem o valor do negócio ou da propriedade (art. 52, I); ou que o
durante sua vigência, com o fim do prazo o locatário deve restituí-lo, porém, imóvel será usado por ele próprio ou para transferência de fundo de comér-
passado mais de trinta dias sem que isto aconteça e não houver oposição do cio existente há mais de um ano em que ele é detentor da maioria do capital,
locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado – art. seu cônjuge, ascendente ou descendente, sendo que por analogia poderá ser
46, § 1.º), porém, a qualquer tempo poderá o locador requerer sua devolução, aceito o caso do companheiro (art. 52, II), porém, não poderá utilizar o imó-
desde que notifique o locatário para devolvê-lo no prazo de trinta dias. vel para o mesmo ramo de comércio de seu locatário. Ainda, poderá haver a
294 Direito dos Contratos LOCAÇÃO 295

retomada se a proposta do novo valor de aluguel oferecido pelo locatário não que, como já dito, sem vincular-se à variação cambial e ao salário mínimo,
corresponder com o valor real ou e o locatário não preencher os requisitos por força da Lei 9.069/1995 (Plano Real).
para a renovação; igualmente se o locador tiver proposta de terceiro melhor Claro que o reajuste não é livre, mas é possível estabelecer um novo
que a do atual locatário (art. 72). aluguel, como feito para o inicial, assim como para o índice de reajuste, mas
Com a retomada fundamentada em melhor proposta de terceiro ou desde que haja acordo entre as partes (art. 18), contudo, se não houver acor-
o locador no prazo de três meses não der ao imóvel o destino declarado, o do e o valor se tornar por qualquer motivo defasado em relação ao mercado
locatário poderá ser indenizado pelas despesas em decorrência da mudança, locatício, é possível sua revisão judicial, desde que tenha passado três anos
além de eventuais prejuízos, como lucros cessantes e desvalorização do fun- de sua estipulação, seja o inicial ou do acordo realizado (art. 19).
do de comércio – art. 52, § 3.º, que é devida pelo locador e pelo proponente, Como garantia do pagamento dos aluguéis, o contrato poderá prever
solidariamente – art. 72, § 5.º. uma das seguintes: caução, fiança se seguro fiança locatícia – art. 38.
Se a locação não residencial for destinada a hospitais, unidades sanitárias
oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados, além de 6.4 Deveres do locador
entidades religiosas registradas, a retomada somente pode ocorrer nas mencio- As obrigações do locador estão elencadas no art. 22 da Lei 8.245/1991,
nadas hipóteses do art. 9.º, ou se houver denúncia de novo proprietário para e mesmo que não estivessem, são óbvias em razão da natureza do contrato.
demolição e edificação, devidamente autorizada pela Administração Pública Portanto, o locador deve entregar o imóvel em condições de uso para o fim
e desde que aumente no mínimo 50% de sua área útil – art. 53. que se destina (I); garantir este uso (II); manter a destinação do imóvel (III);
No caso das locações para temporada, ou seja, destinada a residência responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação (IV); se for solicitado
temporária do locador, seja para qual motivo for, o que pode incluir tratamento pelo locatário, descrição minuciosa do estado do imóvel (V); fornecer reci-
médico, por exemplo, ou para lazer (art. 48), se o locatário não desocupar o bo de pagamento (VI); pagar taxas de administração imobiliária, se houver
imóvel com o fim do prazo estipulado, sem oposição do locador, considera-se (VII); pagar impostos e taxas relativos ao imóvel locado, a não ser que esta
prorrogada por tempo indeterminado, até prova em contrário (art. 50), e terá obrigação tenha sido expressamente transferida ao locatário (VIII); exibir,
o mesmo tratamento da locação residencial. quando solicitado, os comprovantes de pagamento (IX); e pagar as despesas
extraordinárias de condomínio (X).
6.3 Aluguel As despesas extraordinárias de condomínio estão descriminadas no pará-
O aluguel, para as locações urbanas, é o preço que se paga pelo uso grafo único do art. 22, mas em resumo são todas aquelas que não são relativas
do imóvel, que somente pode ser cobrado após trinta dias deste uso, exceto ao uso direto do imóvel, mas que impõe valorização e conservação do imóvel,
(art. 20) se se tratar de locação de temporada, em que é lícito a exigência como, por exemplo, pintura externa, reformas, fundo de reserva etc.
de pagamento antecipado, assim como se a locação não estiver garantida,
situação em que o locador poderá exigir o pagamento até o sexto dia útil do 6.5 Deveres do locatário
mês vincendo (art. 42). Os deveres do locatários estão na disposição do art. 23 da Lei do Inquili-
A estipulação do aluguel é livre, exceto sua estipulação em moeda nato, quais sejam os principais: pagar pontualmente o aluguel e seus encargos;
estrangeira, ou sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo (art. usar o imóvel locado para o que foi determinado em contrato, ou conforme
17), as partes podem ajustá-lo da maneira que lhe convierem, assim como sua natureza; restituí-lo quando terminada a locação; conservá-lo; pagar as
o seu reajuste, como nos casos, por exemplo, do aluguel em shopping center despesas ordinárias de condomínio, que são aquelas necessárias à adminis-
em que o valor do aluguel toma como base para a sua composição, entre ou- tração do condomínio em rol exemplificativo no § 1.º do art. 23.
tros elementos, o faturamento do lojista. Todavia, em se tratando de locação
residencial seu reajuste levará será considerado de acordo com legislação 7. RESUMO ESQUEMÁTICO
específica. • Locação de coisas → art. 565 a 578 do CC
No presente momento, em razão da intervenção estatal nestes reajustes, • Locação de Prédio Urbano → Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991
somente é possível a livre estipulação em relação ao aluguel inicial, realizando- • Características
se os reajustes a cada 12 meses, pelos índices escolhidos no contrato, desde  Bilateral
296 Direito dos Contratos

 Consensual
 De execução sucessiva
• Elementos do contrato
 Coisa → bem infungível, móvel ou imóvel

 Preço

 Consentimento

 Prazo

 Forma

• Obrigações do locador e do locatário


• Direito de retenção
• Locação de prédio urbano
• Sub-rogação de direitos e obrigações
• Retomada
 Condições especiais para a retomada

 Direito a renovar

• Aluguel
• Deveres do locador e do locatário
VII
Contrato de empréstimo
AMANDA ZOE MORRIS

Bibliografia
Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. v. 3 – Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. v. 3 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. v. 3 – Silvio de Salvo Venosa. Contratos em espécie. Direito civil. 7. ed. 2. reimpr. São
Paulo: Atlas, 2007.

1. INTRODUÇÃO
O contrato de empréstimo existe em duas modalides, cujos efeitos e
características são bastante distintos, merecendo análise individual: mútuo
e comodato.

Diferenças essenciais entre mútuo e comodato


COMODATO MÚTUO
Bens infungíveis Bens fungíveis
Transfere somente a posse do bem Transfere a propriedade do bem
Gratuíto Pode haver cobrança de juros

2. COMODATO
2.1 Conceito e classificação
O comodato (arts. 579 a 585 do CC) é um contrato de empréstimo, que
não exige forma solene, através do qual se transfere temporariamente a posse
direta de bens infungíveis, móveis ou imóveis. Possui os seguintes caracteres:

• Real: o contrato aperfeiçoa-se com a entrega do bem;


• Temporário: ao término do período estabelecido, o bem deverá ser
devolvido ao seu proprietário;
• Unilateral: só estabelece obrigações ao comodatário;
298 Direito dos Contratos CONTRATO DE EMPRÉSTIMO 299

• Gratuito: não pode haver pagamento. Caso houvesse, vislumbrar-se- • Não demandar a restituição do bem antes do escoamento do prazo
ia outra figura contratual, a locação. Observe-se que o comodatário contratual ou, à falta deste, antes de possibilitar o uso da coisa;
poderá estabelecer modo ou encargo. Contudo, não terão natureza • Indenizar o comodatário por benfeitorias úteis e necessárias (art.
de contraprestação, por terem valor bem menor do que o objeto do 1.219 do CC);
contrato; • Receber o bem ao final do prazo do contrato, sob pena de constituição
• Intuitu personae, por ser inerente a esta forma contratual a confiança em mora;
e o desejo de beneficiar uma pessoa específica, o comodato não se • Assumir o prejuízo caso o bem se perca, sem culpa do comodatário
transfere a terceiros. (art. 238 do CC)

2.2 Partes Já o comodatário tem diversas obrigações contratuais, quais sejam:


São partes do comodato: o comodante, que empresta o bem, e o como- • Conservar e cuidar do bem com desvelo, como se lhe pertencesse
datário, que o recebe. (art. 582 do CC)
O comodante nem sempre é proprietário do bem em questão. Poderá ser • Usar a coisa da forma correta, qual seja, de acordo com o contrato
tão somente alguém que possa transferir a posse e tenha sobre o bem direito ou com a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos
real ou pessoal de uso e gozo, como o usufrutuário, ou mesmo o locatário (art. 582 do CC);
que tiver permissão do locador. • Indenizar pela perda do bem, quer na hipótese de culpa, quer quan-
Ressalte-se que por disposição expressa do Código Civil em seu art. 580, do o comodatário, ocorrendo caso fortuito ou força maior, escolher
os tutores, curadores e administradores de bens alheios necessitam de autori- proteger seus próprios bem, em detrimento do bem recebido em
zação especial – que pode ser por decisão judicial ou permissão do proprietário comodato (art. 583 do CC);
capaz –, para dar em comodato os bens que estiverem sob sua guarda. • Arcar com a totalidade das despesas advindas do uso e gozo do bem
(art. 584 do CC);
2.3 Objeto • Restituir o bem na data convencionada ou, à falta de prazo, quando
O comodato tem por objeto a transferência temporária da posse de bens a coisa for reclamada, caso já tenha passado o tempo necessário para
infungíveis, móveis ou imóveis. Os bens infungíveis são individualizados e o uso concedido.
insubstituíveis; devem, portanto, ser devolvidos em idêntico estado ao co- • Caso haja simultaneamente mais de um comodatário, estes respon-
modante ao final do contrato. derão solidariamente perante o comodante (art. 585 do CC).
Existe uma exceção à esta regra, que são os bens fungíveis cedidos em 2.5 Prazo
comodato de forma ad pompam vel ostentationis causam – ou seja, em virtude
de sua destinação, estes bens não são tratados como consumíveis, e podem O comodato pode ser fixado por tempo determinado ou indeterminado.
ser objeto de comodato, como por exemplo um arranjo de flores especial, que Caso não haja prazo específico, presume-se por lei que será o necessário para
o uso concedido (art. 581).
será utilizado em uma exibição e devolvido posteriormente.
O contrato também pode se extinguir antes de escoado o prazo ou ter sido
2.4 Obrigações das partes a coisa adequadamente utilizada, em caso de necessidade urgente e imprevista
do comodante, ou na hipótese de uso indevido pelo comodatário.
O comodante, pela natureza gratuíta do comodato, a nada se obriga em
decorrência do contrato. Lembre-se que a entrega do bem é que forma este 3. MÚTUO
vínculo contratual, não podendo ser considerada uma obrigação.
As obrigações do comodante, portanto, estão restritas a determinações
3.1 Conceito e classificação
legais específicas e decorrentes de fatos supervenientes ao curso do negócio, O mútuo (arts. 586 a 592 do CC) é um contrato de empréstimo através
quais sejam: do qual se transfere a propriedade de bens fungíveis a outro, que se obriga a
300 Direito dos Contratos CONTRATO DE EMPRÉSTIMO 301

devolver coisa do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Possui os seguintes 3.4 Obrigações das partes
caracteres: A despeito da possibilidade de cobrança de juros, o que torna o contrato
de mútuo oneroso, ainda assim trata-se de um contrato unilateral, ou seja,
• Não solene: a lei não demanda qualquer forma especial para o contrato
estabelece obrigações tão somente ao mutuário, que recebe a coisa.
de mútuo, que poderá até mesmo ser oral;
Cabem, pois, ao mutuário, as seguintes obrigações:
• Real: o contrato aperfeiçoa-se mediante a entrega da coisa;
• Temporário: aquele que recebe o bem deve, forçosamente, devolver • Restituir ao mutuante bem da mesma espécie, quantidade e quali-
coisa de igual gênero, quantidade e qualidade; dade;
• Gratuíto: quando não há exigência de qualquer contraprestação ao • Arcar com juros, caso trate-se de mútuo feneratício.
mutuante ou oneroso quando houver a cobrança de juros.
3.5 Juros
• Unilateral: apenas o mutuário tem obrigações a cumprir;
O mútuo pode ser gratuito, quando nada se pede em troca do emprésti-
3.2 Partes – Capacidade do mutuário mo, ou oneroso, quando há cobrança de juros remuneratórios, no chamado
São partes deste contrato o mutuante, que empresta o bem fungível, e mútuo feneratício. Não havendo qualquer disposição em contrário, há que
o mutuário, que o recebe. se presumir que haverá cobrança de juros, que têm por objeto remunerar o
mutuante pelo empréstimo.
Como em qualquer outro negócio jurídico, a capacidade dos agentes
é requisito de validade para o mútuo. Assim sendo, contratos firmados por Permite-se, nos termos do art. 591 do CC, a capitalização anual – ou
menores serão considerados nulos ou anuláveis, conforme norma ínsita nos seja, a incorporação do valor dos juros devidos ao principal, incidindo então
arts. 166, I e 171, I, do CC. juros sobre os próprios juros.
Além da norma geral, há também previsão expressa quando se trata de Os juros remuneratórios podem ser legais (quando decorrentes de lei,
contrato de mútuo efetuado por menores. A princípio, segundo o art. 588 do cf. art. 591 do CC) ou convencionais, quando fixados pelas partes.
CC, o mútuo feito a pessoa menor que não tenha autorização do responsável É de se notar que o limite legal de juros determinado pelo art. 192, §
não pode ser reavido pelo mutuante, nem mesmo dos fiadores. 3.º, da CF foi revogado pela EC n. 40/2003. Remete então o art. 591 do CC ao
Todavia, em alguns casos, previstos no art. 589 e incisos, permite-se o art. 406 do CC, que determina que os juros “serão fixados segundo a taxa que
contrato de mútuo efetuado a menor mutuário, quais sejam: havendo rati- estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda
ficação posterior do responsável; se, na ausência deste, o menor contraiu o Nacional”.
contrato com o objetivo de garantir para si alimentos; se o menor possuir bens Pois bem, a interpretação do supra referido art. 406 do CC vem gerando
adquiridos por seu próprio trabalho; caso o empréstimo tenha revertido em polêmica, que ainda não recebeu posição definitiva em julgados do STJ.
benefício do menor, e por fim, será considerado válido o contrato caso o menor Alguns defendem a adoção da taxa SELIC (taxa referencial do Sistema
mutuário tenha agido de má-fé. de Liquidação e de Custódia), que é utilizada pela Fazenda Nacional, ou seja,
Depreende-se disto que, a despeito da nulidade, o ordenamento tampouco obedecendo à letra da lei inscrita no art. 406 do CC e em conformidade com
permitirá o enriquecimento ilícito do menor através do contrato de mútuo. o art. 13 da Lei 9.065/1995.
Por outro lado, há quem defenda a aplicação dos juros previstos no
3.3 Objeto art. 161, § 1.º, do Código Tributário Nacional (CTN). Neste sentido, há o
O contrato de mútuo tem por objeto o empréstimo de bens fungíveis, Enunciado 20 do CEJ/CJF (I Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos
ou seja, pode ser substituido por outro da mesma natureza. Assim, ao término Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em setembro de 2002):
do contrato, obviamente, o mutuário já deverá ter utilizado a coisa original- “A taxa de juros morátorios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1.º, do
mente emprestada, e deverá devolver outra, da mesma espécie, quantidade Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês”.
e qualidade. Portanto, não faz sentido a simples transferência da posse. No Isto porquê, em síntese, SELIC inclui em seu cálculo não apenas juros,
mútuo, transfere-se então a propriedade do bem fungível. mas também correção monetária; é acumulada mensalmente, o que iria de
302 Direito dos Contratos CONTRATO DE EMPRÉSTIMO 303

encontro à permissão de capitalização apenas anualmente; a Lei 9.065/1995 • temporário


não poderia ter revogado o CTN, que é lei complementar. • gratuíto ou oneroso
Atualmente, embora não haja unanimidade, o STJ tem se decidido pela • unilateral
aplicação da Taxa Selic para calcular juros. 2.2 Partes
• Mutuantes
4. RESUMO ESQUEMÁTICO • Mutuário
• Duas modalidades de contrato de empréstimo 2.3 Capacidade → art. 588 do CC
1. comodato → bens infungíveis 2.4 Objeto → empréstimo de bens fungíveis
2. mútuo → bens fungíveis 2.5 Obrigações das partes
1. Comodato • o mutuante não tem obrigações decorrentes do contrato, devido à
1.1 Classificação sua natureza unilateral (mesmo quando há cobrança de juros)
• real • obrigações do mutuante:
• temporário  restituir ao mutuante bem da mesma espécie, quantidade e

• unilateral qualidade
 arcar com juros → mútuo feneratício
• gratuito
• intuitu personae 2.6 Juros → art. 591 do CC
1.2 Partes
• comodante
• comodatário
1.3 Objeto → transferência temporária da posse de bens infungíveis
1.4 Obrigações das partes
• p comodante não tem obrigações decorrentes do contrato, devido à
sua natureza unilateral. Suas obrigações estão restritas a determinações
legais específicas e decorrentes de fatos supervenientes ao curso do
negócio.
• já o comodatário tem diversas obrigações contratuais → arts. 582, 583,
584, 585 do CC.
1.5 Prazo
• tempo determinado
• tempo indeterminado → caso não haja prazo específico será o necessário
para o uso concedido (art. 581)
• Extinção antes do prazo fixado
 se o bem tiver sido adequadamente utilizado

 necessidade urgente e imprevista do comodante

 uso indevido pelo comodatário

2. Mútuo
• 2.1 classificação
• não solene
• real
DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS 305

Surgiu então o direito do trabalho que só veio a considerar-se com


disciplina autônoma com o desdobramento do direito civil, cuja disciplina
inicial sobre o assunto decorreu do Código Civil de 1916 e, posteriormente,
VIII com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho.
A rigor, portanto, com a edição deste último diploma, os dispositivos
Da prestação de serviços legais que tratam sobre a prestação de serviço de natureza civil (atual Código
Civil) só tem aplicação quando a hipótese não possuir as características de
FÁBIO PODESTÁ subordinação hierárquica atrativas das normas trabalhistas consolidadas.
É nesse ponto que se compreende a dicção legal do art. 593 do CC ao
estabelecer que “a prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis traba-
Bibliografia lhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”, ou seja,
Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira. as normas do Código Civil a respeito do contrato de prestação de serviço
Contratos. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia possuem caráter residual e só terão incidência se a relação jurídica entre as
Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 partes não se submeter à Consolidação das Leis do Trabalho ou outras leis
– Clóvis Beviláqua. Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de especiais (p. ex: art. 3.º, § 2.º, do CDC).
Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4 – Fábio Henrique Podestá. Direito das obrigações. Teoria
geral e responsabilidade civil. 5. ed, São Paulo: Atlas, 2005 – Jorge Lajes Salomo. Contratos 2. CONCEITO. CARACTERÍSTICAS. ESPÉCIES. CLASSIFICAÇÃO. FORMA E
de prestação de serviços. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005 – Maria Helena Diniz. Curso
de direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 3 – M. I. Carvalho de Mendonça. PROVA
Contratos no direito civil brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957. t. I – Orlando Gomes. Conforme já observamos em outra oportunidade, “(...) adotando-se
Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999 – Tereza Ancona Lopez. Comentários ao
Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 7.
um critério essencialmente voltado para a natureza da prestação de cada
uma destas contratações, pode-se dizer que no contrato de serviços há ínsita
1. BREVE HISTÓRICO E GENERALIDADES a idéia de uma obrigação de fazer cuja essência envolve a prestação de um
fato qualquer (seja de natureza fungível, ou não) submetido a uma atividade
A origem histórica da prestação de serviços vem desde o direito romano humana (...)” (Podestá. Direito das obrigações, p. 120).
sob a denominação de locação de serviços, a qual era adotada pelo Código Atendo-se então a disciplina residual do Código Civil, o art. 594 con-
Civil de 1916. Não era possível cogitar-se de um contrato como nos moldes fere os elementos necessários para justificar a compreensão do contrato de
atuais diante das condições de existência daquela sociedade em que “Todo prestação de serviço, não se desconhecendo que apesar de se tratar de um
serviço era ali feito por escravos e impossível era conceber relações de liber- contrato típico, o seu objeto possui extrema generalidade associada à noção
dade entre eles e o dominus que regulassem deveres recíprocos” (Carvalho de do vocábulo “serviço”, justificando um alcance formal de constante aplicabi-
Mendonça. Contratos no direito civil brasileiro, p. 83). lidade a uma série infinita de contratos e uniformidade na fixação de idêntica
Desde aquele período até a regulamentação atual, integrando-se as disciplina contratual, quer seja o contrato típico ou atípico.
legislações que trataram sobre a disciplina do trabalho humano, somente Prova disso é o aumento sempre contínuo da lista de serviços para fins
com a dissolução do catolicismo, durante o surto das comunas medievais, foi de incidência do ISS (Imposto Sobre Serviços) cujo rol atualizado encontra-se
que as corporações de ofícios tornaram possíveis os livres contratos entre o na LC 116/2003, contando com mais de mil e cinqüenta formas de serviços
trabalhador e aqueles que precisavam de utilidade de seus serviços. diferentes.
Para essa fase histórica, muito embora as corporações de ofício fossem o Pode-se então conceituá-lo como todo contrato por meio do qual uma
único meio de se obter o trabalho humano, a passagem pela Revolução Fran- pessoa denominada tomador adquire a faculdade de exigir de outra, considerada
cesa e principalmente, a Revolução Industrial, registrou formas acentuadas prestador (pessoa física), uma atividade ou utilidade de conteúdo patrimonial
de exploração que só foram diminuídas com a inauguração das legislações mediante retribuição em forma de honorários (e não salário cuja denominação
protetivas, francamente direcionadas a atribuir direitos sociais à classe tra- é aplicável a relação submetida à CLT). Esta atividade poderá sempre ser ma-
balhadora considerada hipossuficiente. terial ou imaterial, vale dizer, física ou intelectual e certamente aplicam-se as
306 Direito dos Contratos DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS 307

normas das obrigações de fazer ou não fazer (arts. 247 a 251, parágrafo único, Razões de ordem humanitária, voltada a impedir a servidão por tempo
do CC), no que não colidir com a disciplina própria e específica. indefinido da pessoa do prestador do serviço (pessoa física), justificam o
Destoam as seguintes características: a) a realização de uma atividade limite temporal, nada impedindo, entretanto, que o contrato tenha seu prazo
lícita de serviço especializado; b) a liberdade técnica por parte de quem prorrogado.
executa o serviço; c) a ausência de subordinação entre o prestador e contra- Pelo art. 599, parágrafo único, do CC, caso o contrato não tenha prazo
tante (tomador); e, d) o pagamento de certa retribuição (Salomo. Contratos fixado, confere-se direito potestativo a qualquer das partes de resolvê-lo
de prestação de serviços, p. 7). mediante prévio aviso que será considerado efetivado: a) com antecedência
Visando delimitar as espécies que os serviços podem assumir, compreen- de 8 (oito) dias, se o salário (rectius – remuneração) se houver fixado de 1
dem-se eles envolvendo uma função pública (telefonia, eletricidade, segurança, (um) mês, ou mais; b) com antecipação de 4 (quatro) dias, se o salário (idem)
educação, justiça), outros envolvendo infra-estrutura (assistência, gestão se tiver ajustado por semana, ou quinzena; c) de véspera, quando se tenha
financeira, assessoria, consultoria, hotelaria, transporte, informática) e ainda contratado por menos de 7 (sete) dias.
serviços profissionais (médicos, advogados, dentistas, artistas, arquitetos). Para o caso do prestador de serviço não cumprir sua parte do contrato
O contrato de prestação de serviço classifica-se como: a) consensual (a por culpa, não haverá contagem do prazo (art. 600).
formação ocorre pelo simples acordo de vontades); b) bilateral (impõe obri-
gações para ambas as partes, pois o tomador obriga-se a remunerar o serviço e 4. OBJETO E EXTINÇÃO DO CONTRATO
o prestador a executá-lo); c) oneroso (origina prestações e contraprestações Cogita a lei sobre a possibilidade do prestador de serviço não ser con-
para ambas as partes). Pela própria essência do contrato, não se admite a tratado para certo e determinado trabalho, caso em que o objeto do contrato
ausência de remuneração (natureza gratuita), caso em que o contrato será
alcançará todo e qualquer serviço compatível com as forças e condições do
classificado como atípico ou para outros de doação.
trabalhador, isto é, vincula-se a prestação do serviço a especialidade ou ex-
A respeito, o art. 596 do CC, estipula que a ausência de remuneração (por periência do devedor (art. 601).
estipulação ou sem acordo entre as partes), impõe seja feita por arbitramento
Sendo a contratação vinculada a tempo certo ou ao resultado do serviço
segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade.
prometido, o prestador do serviço não poderá se ausentar, ou despedir, sem
Em se tratando do momento do pagamento da remuneração, ocorrerá
justa causa, antes de preenchido o tempo, ou concluída a obra (art. 602). Para
posteriormente à prestação do serviço, se, por convenção, ou costume, não
a hipótese de despedir-se sem justa causa, terá direito à retribuição vencida,
houver de ser adiantada, ou paga em prestações (art. 597).
mas responderá por perdas e danos, ocorrendo o mesmo se despedido por
O negócio jurídico em tela pode ser provado por qualquer meio lícito e
justa causa (art. 602, parágrafo único).
não admite forma especial, ou seja, a ausência de contrato escrito não exime
o tomador de remunerar o prestador. Vale registrar que os vocábulos: “despedido sem justa causa”, “aviso
prévio”, como também “salário” destoam do regime jurídico civil por estarem
Prevê a lei (art. 595), atendendo um sentido social na possibilidade do
associada à legislação trabalhista (basicamente CLT). Em boa hora, os Projetos
prestador ser analfabeto, que o instrumento seja assinado a rogo e subscrito
de Lei 6.960/2002 e 7.312/2002 pretendem substituir as referidas expressões
por duas testemunhas, o que não deixa de representar um elemento de segu-
rança no recebimento da remuneração devida. respectivamente por “denúncia imotivada” e “retribuição”.
Para a hipótese de o prestador ser despedido sem justa causa, a outra
3. PRAZO E EXTINÇÃO DO CONTRATO parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade
O contrato de prestação de serviço não pode ter prazo indeterminado. a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato (art. 603).
É a dicção do art. 598 que prevê o período máximo de 4 (quatro) anos, em- Por sua vez, preceitua o art. 608 do CC que todo aquele que aliciar
bora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou (atrair, seduzir) pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a
se destine à execução de certa ou determinada obra. Nesta última hipótese, outrem, pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste
mesmo que não concluída obra no prazo mencionado, a lei encarrega-se de desfeito (vale dizer, pela rescisão do contrato), houvesse de caber durante 2
considerar-se findo o vinculo contratual. (dois) anos.
308 Direito dos Contratos DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS 309

Na espécie, a lei comina a quem faz o aliciamento a pena civil de pagar Quando a proibição da prestação de serviço resultar de ordem pública
ao solicitante prejudicado a importância correspondente a dois anos do ajuste (p. ex. médicos, engenheiros, advogados), a segunda parte do artigo não terá
desfeito, sem prejuízo das conseqüências penais (art. 207 do CP). aplicação (art. 606, parágrafo único).
Consoante art. 605 do CC, proíbe-se a substituição ou transferência Na hipótese a lei atende a relevância do serviço prestado impedindo a
dos serviços contratados, cogitando a hipótese de nítido contrato com cará- remuneração em qualquer caso, conferindo sentido preventivo para evitar que
ter pessoal. Mas nada impede que por convenção entre as partes, os direitos o tomador tenha sua saúde ou patrimônio exposto a risco pelo prestador.
ou deveres assumidos sejam objeto de cessão ou assunção, respectivamente 6. RESUMO ESQUEMÁTICO
(sub-empreitada).
1. A identificação e a caracterização do contrato de prestação de serviços
Visando formalizar e conferir segurança às partes sobre o cumprimento
das obrigações, o prestador de serviço tem direito de exigir da outra parte 2. Prestação de serviços e sua referência com o contrato de trabalho e leis
especiais
declaração de que o contrato está findo. Da mesma forma se for despedido sem
justa causa, ou se tiver havido justo motivo para deixar o serviço (art. 604). 3. Objeto do contrato e a obrigação de fazer
O contrato de prestação de serviço extingue-se: a) pela rescisão me- 4. A prestação do serviço em face da habilitação do profissional (prestador)
diante denúncia (i)motivada; b) com a morte de qualquer das partes; c) pelo
escoamento do prazo; d) pela conclusão da obra; e) por inadimplemento de
qualquer das partes; ou f) pela impossibilidade da continuação do contrato,
em razão de força maior (art. 607).
Especificamente, a hipótese de alienação de prédio agrícola, onde ocorre a
prestação de serviços, não implicará em rescisão do contrato, conferindo-se no
caso direito potestativo ao prestador do serviço em continuar o contrato com
o adquirente da propriedade ou com o primitivo contratante (art. 609).

5. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO E TITULO DE HABILITAÇÃO


Tratando-se de serviços cujo cumprimento pressuponha habilitação
técnica, isto é, profissionais liberais que tenham o domínio de conhecimen-
tos tecnológicos e científicos por formação de nível superior, a falta daquele
requisito (habilitação) impossibilita a remuneração ao prestador de serviço,
ou na dicção legal, “(...) não poderá quem os prestou cobrar a retribuição
normalmente correspondente ao trabalho executado” (art. 606).
São duas as hipóteses proibitivas: que o profissional não possua o titulo
de habilitação (não bastando o mero diploma, mas encontrar-se escrito na
ordem de classe, p.ex. OAB) ou que não preencha os requisitos estabelecidos
em lei (conforme o estatuto de classe).
Ressalva a segunda parte do mesmo artigo a possibilidade de remuneração
razoável a ser fixada pelo juiz, caso houver algum benefício ao tomador e o
prestador tiver agido de boa-fé (subjetiva), ou seja, conduziu-se no cumpri-
mento do contrato ignorando a exigência da habilitação. Não diz a lei, mas
parece intuitivo, que a prova das duas hipóteses deve ser feita pelo prestador
quando ajuizar o pedido de cobrança (art. 333, I, do CPC).
EMPREITADA 311

do contrato, até porque o empreiteiro não revende os materiais empregados


na obra” (Serpa Lopes. Curso de direito civil, p. 191).

IX Cuidando-se de contrato cuja prestação envolve um determinado re-


sultado (utilidade concreta), o objeto fica bem identificado pela dicção legal
(art. 610) ao prescrever que “o empreiteiro de uma obra pode contribuir para
Empreitada ela ou só com o seu trabalho, ou com ele e os materiais”.
FÁBIO PODESTÁ Mas observe-se que o empreiteiro pode contratar um projetista para
a elaboração do projeto, o que não implica na obrigação de executá-lo ou
de fiscalizar-lhe a execução, conferindo nítida separação de tarefas e funções
Bibliografia
que se refletirá nas responsabilidades das partes nos termos do art. 622 do
CC (Lopez. Comentários ao Código Civil, p. 260-261).
Antonio Chaves. Tratado de direito civil. São Paulo: RT, 1984. v. 2 – Arnaldo Rizzardo. Contratos.
Além do empreiteiro (o que executa ou faz executar a obra), a outra parte
Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito
civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia Lima Marques. Contratos no Código é o dono da obra, também chamado comitente (aquele que emite ordens de
de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 – Clóvis Beviláqua. Comentários ao execução e paga o preço).
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4 São seus requisitos essenciais: a) obra (o objetivo da contratação); b)
– Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 3
preço (o valor do contrato incluindo a remuneração em favor do empreiteiro
– Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1991. v. 3 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999 – Rubens e, conforme o caso, a quantia devida pelos materiais); c) acordo entre as partes
Limongi França. Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1999 – Tereza Ancona Lopez. (manifestação de vontade vinculativa).
Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 7.
2. CLASSIFICAÇÃO.ESPÉCIES. FORMA E PROVA
1. GENERALIDADES. CONCEITO. OBJETO. PARTES. REQUISITOS Classifica-se como contrato consensual (a formação ocorre pelo simples
Tendo por origem a chamada locatio operarum do direito romano, tanto acordo de vontades), bilateral (impõe obrigações para ambas as partes, pois
o Código Civil revogado como o atual destacou o contrato de empreitada o dono da obra obriga-se a remunerar o serviço e o empreiteiro a prestá-lo),
(também denominado contrato de obra ou encomenda de obra) do contrato oneroso (origina prestações e contraprestações aos sujeitos contratuais) e, em
de locação para conferir-lhe autonomia e disciplina própria. geral, de natureza pessoal (intuitu personae) e indivisível (por envolver uma
De larga utilização nos meios de construção, a empreitada tem por obrigação de resultado, a exeqüibilidade não pode ser fracionada).
objeto a execução de um trabalho ou obra mediante pagamento conforme sua Apesar do contrato de empreitada assumir diversas espécies, na sistemática
dimensão ou grandeza. Nessa linha, afirma a doutrina: “Por ele (o contrato) do nosso ordenamento é possível distinguir pelos menos quatro tipos fundamen-
uma pessoa, o empreiteiro, assume o compromisso, mediante retribuição em tais: a) empreitada de lavor (o empreiteiro concorre apenas com seu trabalho);
dinheiro, de realizar determinada obra ou serviço de construção, economica- b) empreitada com fornecimento de materiais (além do trabalho, o empreiteiro
mente apreciável” (Chaves. Tratado de direito civil, p. 832). contribui com a matéria-prima, sendo que a obrigação de fornecer os materiais
Muito embora parte da doutrina identifique elementos de aproximação não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes – 610, § 1.º, do CC);
do contrato de empreitada com o contrato de compra e venda, notadamente c) empreitada ad partes (a execução da obra é passível de divisão e consta de
quando o empreiteiro contribua para a obra com materiais, o objeto destes porções distintas); e d) empreitada ad mensuram (a execução da obra se dá por
tipos contratuais não se confundem, mesmo quando se questione pela sua determinada medida) (Limongi França. Instituições de direito civil, p. 716).
suposta natureza mista, ou seja, na compra e venda o elemento primordial é a Ausente qualquer disposição sobre a forma do contrato de empreitada,
alienação da coisa, enquanto na empreitada “(...) o que dá vida ao contrato, a pode-se concluir pela natureza livre, sendo que a sua prova pode ser realizada
sua finalidade, é a necessitas faciendi, quer dizer, a obrigação de fazer uma obra por qualquer dos meios indicados em lei, com as observações do art. 227,
de um modo especial, imposta e aceita, sem que o material influa na natureza parágrafo único, do CC.
312 Direito dos Contratos EMPREITADA 313

3. EFEITOS (§ 1.º). Para o caso de verificação por medida, caso não forem denunciados
em 30 dias os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver
Celebrado o contrato e preenchidos os pressupostos do art. 104 do CC, nas-
incumbindo da sua fiscalização, igualmente presume-se de forma relativa
cem para as partes direitos e obrigações os quais podem ser assim separados:
como verificado (§ 2.º).
1.º) o empreiteiro tem direito: a) à remuneração ajustada; b) à verificação
Sendo a empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis
em caso de obra por medida (art. 614); c) de exigir do comitente a aceitação ou
(estradas, túneis, viadutos), o empreiteiro com fornecimento de materiais
recebimento da obra (art. 615, 1.ª parte); d) de ceder o contrato (sub-empreitada)
responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança
desde que haja consentimento do dono da obra, existindo cláusula a respeito;
do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo (art. 618).
e) direito de retenção (apesar de ausência de texto expresso, é irrelevante que
o empreiteiro não seja possuidor, pois o direito em tela não pressupõe posse A hipótese trata do chamado “prazo de garantia” que não é nem de pres-
jurídica, bastando “(...) a contigüidade do credor com a coisa a cuja restituição crição nem de decadência, e, sendo de ordem pública, não admite convenção
esteja vinculado” (Serpa Lopes. Curso de direito civil, p. 215). em contrário, especialmente para diminuição. Não é por outro motivo que o
legislador inseriu o vocábulo “irredutível” que não constava na redação do
Em tema de obrigações, deverá o empreiteiro: a) executar a obra e en-
art. 1.245 do CC/1916.
tregá-la dentro do que foi estabelecido no contrato; b) pagar os materiais que
Nessa linha, o prazo qüinqüenal previsto no art. 618 do CC refere-se à
recebeu, se por imperícia ou negligência os inutilizar (art. 617).
garantia de solidez da obra e à responsabilidade do empreiteiro pelo trabalho
2.º) o dono da obra, tem direito: a) exigir a entrega da obra nas condições que tenha executado, não se reportando ao exercício da ação que essa garantia
ajustadas; b) rejeitar a obra se o empreiteiro se afastou das suas instruções e venha a se fundamentar. Este, a seu turno, é estabelecido pelo prazo pres-
dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza (art. cricional comum de três anos nos termos do art. 206, § 3.º, V, do CC. Assim,
615, 2.ª parte); c) abatimento do preço ajustado para o caso de não exercer o pensamos que o verbete Súmula 194 do STJ (“Prescreve em 20 (vinte) anos
direito de rejeição, nas condições do item anterior (art. 616). a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra”), merece
Com relação às obrigações, o comitente deverá pagar o preço ajustado atualização em face do atual Código Civil.
e aceitar a obra concluída. Vale esclarecer, que em caso de problemas do solo, atualmente é comum
Em relação aos riscos, o legislador fixou regras específicas. a transferência da responsabilidade para empresas especializadas de estaque-
Entende-se por riscos os danos verificados na coisa resultante de caso amento, caso em que o empreiteiro fica isento de responsabilidade se provar
fortuito ou força maior, e sua compreensão para o caso do contrato de em- que a seu respeito preveniu o dono da obra.
preitada deve levar em conta a fixação legal das responsabilidades em função O Código Civil estipulou prazo de decadência de 180 dias se o dono da
da espécie ajustada entre as partes. obra não propuser a ação contra o empreiteiro, contados do aparecimento do
Assim, cuidando-se de empreitada com fornecimento de materiais, vício ou defeito (art. 618, parágrafo único).
a responsabilidade pelos riscos ocorre: a) até a entrega da obra; devem ser A rigor, a ação (de rescisão contratual por não cumprimento das obri-
suportados pelo empreiteiro, a contento de quem a encomendou, se este não gações) cogitada neste parágrafo único deve ser compreendida como aquela
estiver em mora de receber; b) depois dela, ao dono da obra (art. 611). competente para o dono da obra reclamar do empreiteiro os vícios decorrentes
Caso a empreitada for de lavor, os riscos correm por conta do dono da da solidez e segurança do trabalho, não sendo por outro motivo a remissão
obra, se o empreiteiro não teve culpa (art. 612). ao caput.
Nesta mesma hipótese, se a coisa perecer antes de entregue, sem mora Em conexão, sendo a execução da obra confiada a terceiros, a responsa-
do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá também a retribuição, se não bilidade do autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou
provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara fiscalização daquela, será limitada aos danos resultantes de defeitos previstos
contra a sua quantidade ou qualidade (art. 613). no art. 618 e seu parágrafo único (art. 622).
Para a hipótese de empreitada ad partes ou ad mensuram, é direito do
empreiteiro, e igualmente do dono da obra, a verificação do estado de cada 4. EFEITOS EM RELAÇÃO AO PREÇO. POSSÍVEIS ALTERAÇÕES DA OBRA
parte do que foi executado, bem assim de cada medida (art. 614), cogitando Sendo o preço requisito essencial do contrato de empreitada, e sempre
a lei de presunção relativa de que o que foi pago presume-se como verificado cogitando-se da espécie contratada, podem surgir questões referentes a sua
314 Direito dos Contratos EMPREITADA 315

manutenção ou variação com necessidade, neste último caso, de revisão di- proteção ambiental. Certamente, não se atendo o projetista (autor da obra)
recionada ao equilíbrio da base econômica das obrigações ajustadas. a este fato, possibilita a lei que o dono da obra exija a modificação do projeto
Certamente que o legislador não pode prever todas as implicações visando adequá-lo às normas aplicáveis.
possíveis, mas cogita-se das mais comuns. Também permite a lei alterações de pouca monta no projeto original,
Nessa linha, sendo a empreitada por preço fixo e ausente previsão ressalvada a unidade estética da obra projetada (art. 621, parágrafo único).
contratual, estando o empreiteiro obrigado a executar obra conforme plano
aceito por quem a encomendou, por ficar essencialmente vinculado ao ajuste, 5. TÉRMINO DO CONTRATO
não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas Conforme se colhe da teoria geral dos contratos, não é dado a nenhum
modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas dos contratantes rescindi-lo por ato unilateral e de forma desmotivada. Pela
do dono da obra (art. 619). sua natureza, o contrato é um vínculo que não pode ser desfeito a não ser por
A ratio do dispositivo legal visa coibir abusos de empreiteiros que a outro acordo de vontades que modifique ou cesse o anterior ou pelas causas
pretexto de alterar o plano original da obra, realizam acréscimos pedindo, fixadas em lei (p. ex. art. 478 do CC).
posteriormente, aumento de preço. Mas em se tratando do contrato de empreitada, consagra-se regras es-
Mas o parágrafo único do referido artigo abre exceção, possibilitando pecíficas envolvendo o término da relação contratual.
os aumentos e os acréscimos realizados, segundo o que for arbitrado (porque Além do modo normal de extinção do contrato de empreitada (cum-
ausente ajuste), para o caso de o dono da obra sempre se fizer presente à obra, primento da obrigação da forma ajustada), o Código Civil utilizando-se de
por continuadas visitas, não podendo ignorar o que se estava passando, e vocábulo pouco técnico (suspensão) trata do encerramento do vínculo diante
nunca ter protestado. de causas imotivadas ou não.
“Realmente, se o comitente acompanhou a obra por meio de visitas Assim, o art. 623 do CC permite que o dono da obra ‘suspenda’ a cons-
constantes, viu o trabalho sendo executado, percebeu que ocorreram aumentos trução desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos
e acréscimos e nada disse, deverá remunerar o empreiteiro pelas obras que serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele
excederem às contratadas” (Lopez. Comentários ao Código Civil, p. 303). teria ganhado se estivesse concluída a obra.
Para o caso de empreitada de fornecimento de materiais ou de lavor, A hipótese trata de um verdadeiro direito à resilição unilateral do contrato
como regra de mitigação do princípio da pacta sunt servanda, cogita o legis- se para tanto o dono da obra efetuar o pagamento pelo serviço parcialmente
lador a possibilidade de revisão do contrato de empreitada, a pedido do dono realizado pelo empreiteiro mais indenização específica, não se cogitando os
da obra, se verificada a redução do preço por conta da redução dos materiais motivos para a iniciativa.
ou da mão de obra superior a um décimo do preço global convencionado. A Diversamente, o art. 624 do CC impõe ao empreiteiro o pagamento
diferença apurada é assegurada ao dono da obra que tem um direito potesta- de perdas e danos (cujo valor é acentuadamente maior se comparado com
tivo de pedi-la, devendo, logicamente, provar que a redução superou os 10% o artigo anterior) se a execução da empreitada for ‘suspensa’ (resilir) sem
do preço global do contrato. justa causa, conceito indeterminado a ser apurado em cada caso pelo juiz na
Pelo art. 621 do CC consagra-se conjuntamente com normas gerais hipótese de litígio.
(art. 5.º, XXVII, da CF) e leis especiais (Lei 9.610/1998) a inalterabilidade Confere-se ao empreiteiro o direito de suspender a obra (entenda-se
do projeto aprovado pelo proprietário da obra, ainda que terceiros venham resolver o contrato de forma motivada) nos seguintes casos exemplificativos
a executá-lo. (art. 625 e incisos):
Essa regra é afastada em dois casos: a) por culpa do dono, ou por motivo de força maior;
a) motivos supervenientes; ou b) razões de ordem técnica. b) quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades
Em qualquer deles, impõe-se ao dono da obra provar a inconveniência imprevisíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou
ou a excessiva onerosidade da execução do projeto em sua forma original. outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa,
Como exemplo, imagine-se a elaboração e aprovação de projeto cuja e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele
execução tenha possibilidade de provocar danos a uma determinada área de elaborado, observados os preços;
316 Direito dos Contratos

c) se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natu-


reza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono da obra
disponha a arcar com o acréscimo de preço.
Conforme disposição contratual que prever a hipótese, o contrato de
empreitada poderá ser extinto pela morte do empreiteiro, desde suas obri-
gações sejam de natureza intuitu personae, isto é, a contratação visou suas
qualidades pessoais sem possibilidade de substituição. Do contrário, não
haverá extinção (art. 626), sendo que a morte do dono da obra provoca a
substituição em favor dos herdeiros.
Cogita-se ainda das seguintes formas extintivas: distrato, resilição bila-
teral, resolução por inexecução contratual e impossibilidade de cumprimento
da obrigação por caso fortuito ou força maior.

6. RESUMO ESQUEMÁTICO
1. A identificação e a caracterização do contrato de empreitada
2. Efeitos da relação contratual
3. Disciplina legal aplicável
X
Contrato de depósito
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA

Bibliografia
Antônio Junqueira de Azevedo. Depósito de ouro e pedras preciosas feito em 1978. Forma
e prova do contrato de depósito. Depósito mercantil e depósito bancário. Mora do credor.
Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004 – Arnaldo Rizzardo. Contratos.
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de
direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1999.

1. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Depósito é um contrato em que a cláusula geral da boa-fé objetiva deve
ser mais acentuada. Etimologicamente, o vocábulo vem do latim, a junção
do verbo ponere (colocar) e do prefixo de (ressaltando a fé cega e confiança
plena de que o depositário agirá de maneira honesta e proba).
Conceitua-se como o contrato por meio do qual uma pessoa entrega a
outrem um objeto móvel, fungível ou infungível, para que este guarde até que
seja reclamado (art. 627 do CC). Chama-se depositante aquele que entrega
o bem; depositário, por sua vez, aquele que recebe; e, depósito designa ora a
relação jurídica contratual, ora o próprio objeto do contrato.
A doutrina aponta algumas características do contrato de depósito,
a saber:
• Real, o contrato de depósito torna-se perfeito com a efetiva entrega
do bem. Esta entrega é dispensada quando o objeto do contrato já
estiver na posse do depositário.

A nosso entender, não há óbice para que se constitua um contrato preli-


minar de depósito, para tanto basta que as partes contratem todos os detalhes
do referido contrato definitivo, a ser celebrado em momento posterior com
a entrega efetiva do depósito. Em outras palavras, não havendo a tradição do
bem, valerá como uma promessa de depósito, isto é, um contrato preliminar
(arts. 462-466 do CC).
• Temporário, é da essência do contrato de depósito que seja uma relação
temporária, ou seja, sempre surgirá a obrigação de restituir o depósito
318 Direito dos Contratos CONTRATO DE DEPÓSITO 319

pelo depositário sob pena de se transmudar em outra modalidade 2.1 Pressupostos subjetivos
contratual. Esta característica não impede que as partes estabeleçam
Basta a capacidade genérica, ou seja, a condição genericamente avaliada
um prazo determinado ou indeterminado, este último não contraria
de ser parte, seja o depositante como o depositário, capaz de praticar por si os
a obrigação de restituir o bem, apenas não se determinou a data.
atos da vida civil, ou se está devidamente assistido ou representado quando
• Unilateral, em regra, na medida em que surge obrigação apenas para
for o caso (arts. 3.º e 4.° do CC).
o depositário que consiste na restituição do bem (Orlando Gomes).
Entretanto, é possível que surja a obrigação para o depositante de Entretanto, a incapacidade superveniente do depositário implica na
ressarcir o depositário por eventuais prejuízos sofridos em decorrên- resolução do contrato. Para tanto, o administrador dos bens daquele que se
cia da guarda do bem, por este motivo, parte da doutrina (Arnaldo tornou incapaz deve restituir imediatamente o depósito, ficando responsável
Rizzardo) classifica-o como bilateral imperfeito. pela integridade do mesmo até a efetiva restituição do bem ao depositante.
Havendo recusa justa ou injusta do depositante em receber, o administrador
Concordamos com a posição que classifica o contrato de depósito dos bens do incapaz deverá promover o depósito público ou a nomeação de
como unilateral, pois não é de sua essência a obrigação de ressarcimento outro depositário (art. 641 do CC). Contudo, o administrador dos bens do
por eventuais gastos com a conservação do depósito, sendo algo eventual e incapaz não poderá ser penalizado com a pena de prisão pelo desvio do bem,
extraordinário. ou pela negativa de restituição (Arnaldo Rizzardo).
A menos que seja estipulada uma remuneração em favor do depositário, Não é necessário ser dono do bem para que possa depositá-lo, isto porque
surgindo, também, para o depositante a obrigação de pagar a remuneração, o depósito não implica em transferência do domínio, sendo mesmo de sua
hipótese em que o contrato de depósito passa a ser bilateral. Tal obrigação essência a restituição do bem (art. 638 do CC). Todavia, a inovação trazida
está diretamente ligada à obrigação do depositário de guardar e conservar o pelo art. 632 do CC estabelece que sendo a coisa depositada no interesse de
bem, configurando-se, portanto, o sinalagma. terceiro, o depositário não se exonerará restituindo o bem ao depositante sem
• Quanto à gratuidade, não é da essência do depósito (Orlando Gomes), a anuência do terceiro, desde que o depositário tenha sido notificado pelo
muito embora alguns doutrinadores classificarem o depósito como depositante de que o depósito é feito no interesse de terceiro.
contrato gratuito (Caio Mário da Silva Pereira e Arnaldo Rizzardo).
Esta divergência doutrinária decorre da origem da figura contratual, 2.2 Elementos constitutivos
que, no direito romano, a gratuidade era da essência do depósito, Como todo negócio jurídico, devem-se analisar os elementos constitu-
sob pena de se desqualificar para o contrato de locação. Entretanto, tivos do contrato de depósito, como a forma e o objeto do mesmo.
no ordenamento jurídico atual, as partes podem estipular uma re-
muneração em favor do depositário (art. 628 do CC), hipótese que 2.2.1 Forma e prova do contrato de depósito
configurará o depósito oneroso.
A lei não exige nenhuma forma para a substância do contrato de de-
• Outra polêmica diz respeito ao caráter intuito personae do contrato
pósito. Portanto, a forma não é critério para a validade do negócio jurídico
de depósito. Para Orlando Gomes, o depósito é intuito personae em
de depósito. O que a lei requer, no art. 646 do CC, é a forma escrita para que
relação ao depositário. Todavia, Caio Mário da Silva Pereira atenta
para o fato de que, hodiernamente, o depósito perdeu o seu caráter se prove o depósito voluntário (ad probationem tantum).
intuito personae, pois é normal confiar algo para um depositário que Assim, a única finalidade da norma supra mencionada é restringir a
nem se conhece. prova testemunhal nos depósitos voluntários, pois segundo o art. 400 do
CPC, “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo
2. PRESSUPOSTOS E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS diverso. (...)”.
Assim como todo negócio jurídico, o contrato de depósito deve observar Cabe a ressalva de que a forma ad probationem tantum é aquela estipulada
as regras de validade do art. 104 do CC. Desta forma, passaremos a apontar para a prova de certo negócio jurídico. Já a forma ad substantiam (ou ad solem-
traços particulares do depósito no que diz respeito aos seus elementos sub- nitatem) é requisito de validade do negócio jurídico nos termos do inciso III do
jetivos e objetivos. art. 104 do CC. Entretanto, atualmente é questionável tal distinção, Antônio
320 Direito dos Contratos CONTRATO DE DEPÓSITO 321

Junqueira de Azevedo adverte que quando a lei exige um meio de prova para aplicáveis serão as específicas, e as regras sobre o depósito voluntário são
o negócio jurídico, deve-se entender que ela é da substância do negócio. aplicadas subsidiariamente (caput do art. 648 do CC).
Já o depósito necessário, prova-se por todos os meios admitidos em O rol do inciso II do art. 647 é meramente exemplificativo (numerus
direito. apertus), há outras situações em que pode ocorrer o depósito miserável, pois
O depósito judicial, por sua vez, prova-se mediante o termo assinado o termo “calamidade” é um conceito jurídico indeterminado podendo advir
pelo depositário. de uma guerra, de um terremoto, ou de um tissunami etc.
Ao contrário do depósito voluntário, o depósito necessário presume-se
2.2.2 Objeto do contrato de depósito oneroso (art. 651 do CC).
A doutrina francesa enfatizou que o depósito somente poderia recair
3.2 Depósito gratuito e depósito oneroso
sobre bens móveis. Esta posição influenciou o nosso revogado Código Civil
de 1916, bem como o atual Código Civil que ignorou a tendência de aceitar Em regra, o depósito é gratuito, ou seja, o depósito voluntário presume-se
o depósito de bens imóveis, em que a tradição é simbólica, pois mencionou gratuito, pois é celebrado em favor do depositante (un office d’ami). Todavia,
apenas bens móveis no art. 627 do CC. as partes podem estabelecer uma quantia a título de remuneração em favor
O depósito de bens imóveis é aceito na possibilidade do seqüestro (arts. do depositário, tal estipulação deve ser feita de forma expressa. Quando for
gratuito, o depósito é unilateral, surgindo apenas a obrigação de restituir o bem
822-825 do CPC), hipótese em que o bem móvel, imóvel ou semovente, é
pelo depositário a qualquer momento em que a reclamar, o depositante.
litigioso, ou seja, discute-se a propriedade do mesmo. Até que se obtenha
a decisão judicial determinando a quem o bem deve ser entregue, fica em Por outro lado, o depósito necessário presume-se oneroso ou salariado,
poder de terceiro. bem como os depósitos que envolvem bagagens de viajantes e hóspedes, em
que se entende inclusa, no valor da hospedagem, a remuneração pelo depósito
Além desta observação, o depósito pode consistir em coisas corpóreas,
das bagagens (art. 651 do CC).
bem como as que se corporificam em títulos, como as ações de sociedades
No entanto, quando o depositário exerça esta atividade como sua profissão
anônimas, os títulos de crédito, etc.
ou quando ele explora o depósito como atividade negocial, a lei entende que
3. CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE DEPÓSITO tal depósito seja oneroso (art. 628, in fine do CC). Exemplo de depositários
profissionais são os armazéns-gerais, cuja função é o estoque de mercadorias
Diante da complexidade da vida moderna, o contrato de depósito se e que é cobrada remuneração proporcional à quantidade; os mantenedores
desenvolveu em diversas espécies. E sobre estas espécies é que passaremos de estacionamentos (garagens de veículos); e as instituições financeiras, cujo
a expor neste item. depósito (seja de valores em conta poupança ou corrente, seja de bens em
cofres) é a sua principal atividade negocial.
3.1 Depósito voluntário e depósito necessário
Não havendo estipulação do valor da remuneração pelas partes, aplicar-
Diz-se voluntário o depósito que decorre da manifestação livre e consciente se-á as regras dos usos e costumes do local em que se efetuou o depósito. Não
de vontade das partes, está regulamentado nos arts. 627 a 646 do CC. havendo acordo entre as partes, o valor é fixado por arbitramento seja em
Por outro lado, diz-se necessário ou obrigatório o depósito realizado procedimento arbitral ou judicial (parágrafo único do art. 628 do CC).
independentemente da manifestação de vontade das partes. Consoante o art.
647 do CC, há duas possibilidades de depósito necessário: 3.3 Depósito regular e depósito irregular
• Depósito legal: decorrente de imposição legal; e O depósito regular, também chamado de “ordinário”, tem por objeto
• Depósito miserável: aquele realizado em meio a uma calamidade, como um bem infungível e não consumível, sendo que o depositário obriga-se a
a pessoa que retira os móveis de uma residência que está sendo inundada restituir o mesmo objeto, que é por essência algo individualizado e insubs-
ou incendiada para guardá-los em lugar seguro. tituível, v.g. depósito de uma obra de arte única feita por um pintor famoso,
que não vive mais.
O depósito legal está previsto em diversos diplomas legais, como por Nada impede, entretanto, que o objeto do depósito seja um bem fun-
exemplo, o resultante da penhora (art. 666 do CPC). Sendo assim, as regras gível e consumível, em que se estabeleceu que o depositário deverá restituir
322 Direito dos Contratos CONTRATO DE DEPÓSITO 323

objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, v. g. depósito bancário. 3.4 Depósito mercantil e depósito civil
Diz-se, neste caso, depósito irregular, portanto, aplicar-se-ão as normas do
Com a pretendida unificação do direito obrigacional, e, a conseqüente
contrato de mútuo (art. 645 do CC). Quanto à natureza jurídica do depósito revogação expressa (art. 2.045 do CC) da primeira parte do Código Comercial
irregular, fala-se em contrato atípico ou sui generis. (Lei 556/1850), que englobava os arts. 1.º a 456, o depósito mercantil passa
Entretanto, discute-se a possibilidade ou não da ação de depósito com a ser regulado pelo atual Código Civil.
pedido de prisão do devedor infiel. A favor da ação de depósito sob pena de Na vigência integral do Código Comercial, o depósito mercantil estava
prisão, tratando-se de bens fungíveis: STJ, 4.ª T., HC 13.283/MS, rel. Min. regulado pelos arts. 280 a 286, hoje, revogados. Então a distinção entre de-
Aldir Passarinho Júnior, j. 26.11.2002. pósito mercantil e depósito civil permanece?
Todavia, pode-se considerar que a própria disposição legal (art. 645 do A nosso ver sim, por questões didáticas, permanece a dicotomia entre
CC) diz serem aplicáveis, no caso, as normas do contrato de mútuo. Sendo direito civil e direito comercial. Assim, podemos dizer que os depósitos de
assim, tem se considerado que o depósito de bens fungíveis não é propria- cunho profissional ou feito em atividade negocial são presumidos como de-
mente um depósito, e, portanto, inviável a prisão civil, que já é questionável pósitos mercantis ou empresariais, pois é realizado por um depositário que
mesmo na hipótese de depósito regular: extinto 2.° TACSP, 10.ª Câm., HC exerce esta atividade com profissionalidade. Sendo assim, a conseqüência
615.260-0/7, rel. Des. Marcos Martins, v.u., j. 22.11.2000; STJ, 3.ª T., HC é que são onerosos por natureza (art. 628 do CC). Já os depósitos civis são
24.903/BA, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.03.2003. presumidos gratuitos.
Muito embora a semelhança entre o depósito irregular e o mútuo, são O maior exemplo de depósito mercantil são os armazéns-gerais, regulado
figuras contratuais autônomas e distintas. A primeira diferença é que o depósito pelo Dec. 1.102, de 21.11.1903, que regulamenta os conhecimentos de depósito
irregular é feito no interesse do depositante; enquanto, o mútuo é celebrado e warrants, permanecendo em vigor por ser lei especial. A responsabilidade dos
no interesse do mutuário. empresários, gerentes, superintendentes ou administradores dos armazéns-
Outra distinção é que no depósito irregular, o depositário deve restituir gerais está regulada no art. 11 do Dec. 1.102/1903, que traz expressamente a
o bem assim que ele seja reclamado, a qualquer momento (ad nutum), pelo possibilidade de prisão civil destes se não efetuarem a entrega das mercadorias
depositante; o mesmo não ocorre no mútuo, que na omissão de um termo dentro de 24 horas depois que judicialmente forem requeridas.
determinado, a lei traz algumas regras (art. 592 do CC). A responsabilidade destes empresários cessa nos casos de avarias ou
A distinção entre o contrato de depósito irregular e o contrato de mútuo vícios provenientes de força maior ou caso fortuito (segunda parte da alínea
traz algumas divergências na jurisprudência, há julgados afirmando que a ação 1.ª do art. 11 do Dec. 1.102/1903).
de depósito é cabível mesmo quando se trata de bens fungíveis, todavia, na Neste depósito, o depositário obriga-se a restituir emitindo o certificado
hipótese de penhor mercantil dado em garantia a um contrato de mútuo não de depósito sob a forma de título de crédito, conhecido como conhecimento
é cabida a ação de depósito: “Diversamente, tratando-se de penhor mercantil de depósito e warrant (art. 15 do Dec. 1.102/1903). Como títulos de crédito,
incidente sobre bens fungíveis e consumíveis, avençado como garantia de o conhecimento de depósito e o warrant podem ser transferidos por endosso
contrato de mútuo, mediante tradição simbólica, incabível a ação de depósi- (art. 18 do Dec. 1.102/1903): STJ, 3.ª T., REsp 9.115/SP, rel. Min. Cláudio
to, (...) (STJ, 4.ª T., REsp 68.024/PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Santos, j. 09.03.1992.
j. 23.11.2000; no mesmo sentido: STJ, 4.ª T., REsp 210.674, rel. Min. Cesar Desta forma, a empresa (depositária) deve entregar as mercadorias re-
Asfor Rocha, DJ 27.03.2000. presentadas pelos referidos títulos de crédito para quem apresentá-los: STJ,
Por fim, não basta que o bem seja fungível para caracterizar o depósito 3.ª T., REsp 73.700/RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 09.10.1995.
irregular, requer-se cláusula expressa que poderá o depositário devolver outro
objeto desde que seja do mesmo gênero, na mesma quantidade e contenha 3.5 Depósito resultante de contrato de hospedagem
as mesmas qualidades (RT 502/91). Pois mesmo sendo fungível, deixando Os hospedeiros são considerados como depositários por disposição legal
expresso que o depositário deve restituir o mesmo bem depositado, o depó- (art. 649, caput do CC), tratando-se, portanto, de um depósito necessário
sito é regular. (depósito legal).
324 Direito dos Contratos CONTRATO DE DEPÓSITO 325

Este depósito decorre de uma relação contratual prévia que revela o cláusula abusiva, e, portanto, nula de pleno direito, nos termos do inciso I
contrato de hospedagem. Para a sua prova, a lei dispensa qualquer requisito, do art. 51 do CDC.
provando por todos os meios em direito admitidos (parágrafo único do art.
648 do CC). 3.6 Depósito judicial
Trata-se, outrossim, de depósito oneroso. A lei (art. 651, in fine do CC) O depósito judicial decorre de imposição do juiz, o que é bem comum
e a jurisprudência entendem que os valores estão inclusos no que é cobrado nas cautelares de arresto, seqüestro e nas penhoras.
pelo contrato de hospedagem: STJ, 3.ª T., REsp 249.825/RJ, rel. Min. Eduardo Há outras hipóteses previstas entre os dispositivos que regulam
Ribeiro, DJ 03.04.2000. o contrato de depósito. Um depósito voluntário pode acabar quando o
Para evitar abusos, a doutrina define o que está amparado e o que é depositário tenha motivos justificáveis para não querer mais o vínculo de
excluído pelo contrato de depósito decorrente de contrato de hospedagem: guardar algo, e, notificado o depositante disto, este se recusa a receber o bem
“estende-se por interpretação racional a todas as espécies de pousadas, como de volta. Neste caso, diante da recusa do depositante, o depositário poderá
colégios sob regime de internato, pensões familiares; mas não se aplica aos requisitar o depósito judicial da coisa (art. 635 do CC).
aluguéis de quarto ou apartamento (mesmo a mensalistas), nem aos restau- Além desta hipótese, o representante do depositário pode requerer de-
rantes, cafés, bares, balneários, teatros, cassinos (salvo o depósito regular pósito judicial quando o depositário se tornar incapaz (art. 641 do CC).
de peças de vestuário nos guarda-roupas e guarda-chapéus), por faltarem os E é obrigado a requerer o depósito judicial quando houver suspeita de
pressupostos do depósito necessário” (Caio Mário da Silva Pereira). que o bem é objeto de furto ou roubo, por exemplo, ou seja, obtido dolosa-
Também se incluem nesta categoria os contratos pelos quais se guardam mente (art. 634 do CC).
veículos em estacionamentos e garagens. O depositário é nomeado pelo juiz que expede mandado para ser cum-
Os hoteleiros devem garantir o bem-estar e a segurança dos seus hóspe- prido pelo oficial de justiça. O depositário, que aceita o encargo, assina um
des, bem como das bagagens destes. Assim, a responsabilidade dos hoteleiros termo de compromisso.
abrange até os danos decorrentes de furtos e roubos realizados por funcio- Está pacificada a possibilidade da prisão civil do depositário infiel quando
nários dos hoteleiros ou pelas pessoas que ingressaram no estabelecimento aceitou o encargo de depositário judicial (Súmula 304 do STJ): “Recurso ordiná-
(parágrafo único do art. 649 do CC). rio em habeas corpus. Depósito judicial. Bens fungíveis. Prisão civil. Cabimento.
Tratando-se de depósito judicial, é legítima a prisão civil do depositário infiel,
A exclusão desta responsabilidade legal só é permitida se o hotelei-
sendo irrelevante o fato dos bens depositados serem fungíveis. Precedentes do
ro provar que o evento danoso não poderia ser evitado (art. 650 do CC). STJ. Recurso não provido” (STJ, 4.ª T., RHC 18453/PI, rel. Min. Cesar Asfor
Caracterizando-se em uma relação de consumo, aplicam-se, também, as Rocha, j. 11.04.2006). No mesmo sentido: STJ, 3.ª T., AgrHC 17.528/SP, rel.
excludentes do § 3.º, I e II do art. 14 do CDC, ou seja, provando que o dano Min. Fátima Nancy Andrighi, DJ 08.10.2001; STJ, 3.ª T., RHC 11.342/SP, rel.
inexiste e/ou provando que houve culpa exclusiva do consumidor, v.g. que Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 29.05.2001.
deixou a porta aberta.
Consideram-se bagagens apenas os bens que, normalmente, os viajan- 4. RISCOS
tes levam consigo, como roupas, sapatos, e outros objetos de uso pessoal. O contrato de depósito regular não opera a transferência da propriedade,
Discutível o pleito de furto de jóias preciosas deixadas no quarto do hotel, sendo assim, o depositante continua sendo o proprietário do bem depositado,
pois não pode ser considerada como algo que, habitualmente, os viajantes portanto, responde por eventuais perdas ou deteriorações do bem (regra res
levam consigo. De qualquer maneira, deve-se analisar caso a caso. Há viagens perit domino). Por isso, o depositário não indeniza os danos quando o pere-
luxuosas, como cruzeiros, em que os viajantes geralmente levam jóias para cimento ou a deterioração ocorreu por força maior ou caso fortuito (art. 642
serem utilizadas nos diversos eventos durante a viagem, podendo, neste caso, do CC), salvo se estiver em mora (art. 399 do CC).
aceitar como bens que estes viajantes normalmente levam consigo. Apesar de este entendimento estar consolidado na jurisprudência (RT
Não tem efeito a disposição unilateral do hoteleiro que estabelece a 630/106), deve-se ter em mente a regra da responsabilidade objetiva do CDC
exclusão de sua responsabilidade pelos objetos deixados no hotel. É uma (art. 14). De forma que se o depósito decorrer de exercício profissional do
326 Direito dos Contratos CONTRATO DE DEPÓSITO 327

depositário ou de atividade negocial, deve-se aplicar o CDC, pois, em tese, 5.2 Obrigações e direitos do depositário
configura uma relação de consumo. A obrigação principal do depositário é a guarda e a conservação do bem
Todavia, a impossibilidade por força maior ou caso fortuito exclui a com o cuidado e diligência que emprega com os seus bens (primeira parte do
possibilidade de prisão civil (STJ, 3.ª T., REsp 247.671/SP, rel. Min. Carlos art. 629 do CC). Esta obrigação traduz a finalidade do contrato de depósito,
Alberto Menezes Direito, j. 15.05.2001). podendo ser dita obrigação típica desta figura contratual.
Outra regra importante é a do art. 636 do CC, que impõe ao depositário O depositário também se obriga a entregar o depósito, com todos os
o dever de entregar ao depositante o valor recebido a título de indenização frutos e acrescidos, a qualquer momento em que o depositante o reclame
pelo perecimento do bem, v. g. como o prêmio do seguro do depósito que – regra da restituição ad nutum do depositante (art. 629, in fine do CC). A
pereceu. Da mesma forma, o depositário deve ceder ao depositante eventuais restituição do bem deve ocorrer no lugar em que tiver de ser guardada, mas
ações que possa ter contra o terceiro responsável. as partes podem estipular de forma diversa (art. 631 do CC).
Estas obrigações se transmitem aos herdeiros do depositário. Se eles,
5. OBRIGAÇÕES E DIREITOS DECORRENTES DO DEPÓSITO de boa-fé, venderem o bem objeto do depósito, surge a obrigação de assistir o
Há diversas obrigações e direitos específicos ao contrato de depósito, depositante na reivindicação e a de restituir ao comprador o preço recebido. Se
muitos dos quais decorrem do fato de o contrato de depósito ser realizado no estiverem de má-fé, além destas obrigações, devem reparar eventuais perdas
interesse do depositante. e danos, podendo ser presos por infidelidade (Arnaldo Rizzardo).
Havendo mais de um depositante, a solução pode variar (art. 639 do
5.1 Obrigações e direitos do depositante CC):
As obrigações do depositante vão depender de algumas circunstâncias • sendo o objeto do depósito divisível, o depositário entrega para
fáticas ou contratuais. Assim, se, no contrato de depósito, foi estipulado uma cada um dos depositantes a parte que lhe cabe, desde que não haja a
quantia a título de remuneração, caberá ao depositante pagar o valor devido. solidariedade entre eles (art. 257 do CC);
Para tanto, o depositário pode reter o bem até que receba a retribuição devida, • sendo o objeto do depósito indivisível, o depositário deve entregar a
se líquidas (art. 644 do CC). coisa conjuntamente a todos os depositantes (obtendo quitação de
todos) ou entregar apenas a um deles obtendo caução de ratificação
O depositante se obriga a pagar as despesas com a guarda do depósito, dos demais (art. 260 do CC).
bem como os prejuízos que eventualmente o depositário sofreu (art. 643 do
• havendo solidariedade entre os depositantes, o depositário pode
CC). Neste caso, pode, também, o depositário exercer o direito de retenção
entregar a qualquer um deles, sendo o objeto do depósito divisível
até que receba os valores devidos, quando líquidos; se ilíquidos, o depositário ou indivisível (art. 269 do CC).
pode exigir caução, e na falta desta, a remoção da coisa ao depósito público
(art. 644 do CC). Outrossim, sendo, o depósito fechado, colado, selado ou lacrado, o de-
Entendem-se despesas com a guarda aquelas necessárias para a con- positário deve manter neste estado o bem, sob pena de indenizar por eventuais
servação da coisa, as despesas feitas para a melhoria ou aformoseamento do danos (art. 630 do CC).
bem (úteis ou voluptuárias) só obrigam o depositante se foram previamente O depositário deve entregar ao depositante a quantia que tenha recebido
autorizadas. pela perda total do bem, e ceder-lhe as ações contra o terceiro que deu causa
ao perecimento (art. 636 do CC).
O depositante também está obrigado a custear as despesas com a resti-
Há obrigações negativas, como o dever de abster-se de usar o bem de-
tuição do bem (art. 631, in fine do CC).
positado, sob pena de responder por perdas e danos (art. 640 do CC). Pode
Quanto aos prejuízos, a doutrina majoritária entende que se o bem haver estipulação contratual que autorize o depositário a usar o bem, neste
depositado contivesse vícios aparentes e de fácil constatação, que ocasiona- caso o contrato de depósito dá lugar ao contrato de locação (quando onero-
ram o prejuízo ao depositário, não obriga o depositante a ressarci-los, pois se so) ou ao contrato de comodato (se gratuito), e, neste caso, não cabe ação de
entende que o depositário assumiu o risco. depósito (RT 271/301).
328 Direito dos Contratos CONTRATO DE DEPÓSITO 329

Outra obrigação negativa é a de não divulgar o conteúdo do depósito, da CF a prisão civil do depositário infiel e do devedor de pensão alimentícia
pois este lhe foi entregue por confiança (Caio Mário da Silva Pereira). (as duas únicas possibilidades de prisão civil).
O principal direito do depositário é o jus retentionis (direito de retenção O Supremo Tribunal Federal analisando alguns casos in concreto julgou
do depósito) – arts. 633 e 644 do CC: pela constitucionalidade da prisão civil, tendo em vista a exceção contida na
• para obter o reembolso das despesas com a manutenção do bem; própria Constituição, mesmo nas hipóteses de alienação fiduciária: “(...) 1) A
• até ser ressarcido dos prejuízos sofridos com o depósito do bem (por Constituição proíbe a prisão civil por dívida, mas não a do depositário infiel
vícios ocultos); que se furta à entrega do bem sobre o qual tem a posse imediata, seja o depósito
voluntário ou legal (art. 5.º, LXVII). (...) 3) A prisão de quem foi declarado, por
• quando o objeto do depósito estiver judicialmente embargado;
decisão judicial, depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito
• quando pender execução sobre o objeto do depósito; regulamentado no Código Civil como no caso de alienação protegida com a
• quando houver suspeita de que o objeto do depósito foi obtido do- cláusula fiduciária. (...)” (STF, 2.ª T., HC 73.044-2/SP, rel. Min. Maurício Corrêa,
losamente. j. 19.03.1996). No mesmo sentido: STF, Tribunal Pleno, HC 72.131-1/RJ, rel.
Min. Marco Aurélio, j. 23.11.1995.
6. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE DEPÓSITO
Entretanto, para que seja decretada a prisão requer o procedimento
Extingue-se o contrato de depósito: regulamentado nos arts. 901-906 do CPC. Só após a sentença condenando
• pelo advento do termo (se determinado) do prazo; o depositário à entrega do bem em 24 horas ou o equivalente em dinheiro,
• pela resilição unilateral do depositante ad nutum, seja o contrato e caracterizando o descumprimento da sentença é que será decretada a sua
subordinado a prazo determinado ou indeterminado; prisão (art. 904 do CPC). Prisão limitada ao prazo máximo de um ano pelo
• pela resilição unilateral do depositário, nas hipóteses supra mencio- art. 652 do CC.
nadas, isto é, presentes as circunstâncias permitidas em lei; 8. RESUMO ESQUEMÁTICO
• na hipótese de perecimento do objeto do depósito por força maior
• Características:
ou caso fortuito;
 Real
• sobrevindo a incapacidade do depositário;
 Temporário
• pela morte do depositário, quando o contrato tiver sido celebrado
 Unilateral
intuito personae.
 Gratuito ou oneroso

7. PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL  Intuitu personae

• Pressupostos subjetivos
O art. 652 do CC traz a possibilidade de prisão civil do depositário, que
intimado a entregar a coisa depositada, não cumpre esta obrigação. • Elementos constitutivos
• Forma escrita → prova de depósito voluntário
Muito se discutiu sobre o tema, pois o Brasil subscreveu o tratado inter-
• Objeto do contrato de depósito
nacional conhecido como Pacto de San José da Costa Rica, que veda a prisão
por dívida (art. 7.º) e que vigora como lei ordinária desde 09.11.1992. A • Classificação
Constituição Federal ressalva que o rol do art. 5.º da CF não exclui os direitos a. Depósito voluntário
fundamentais decorrentes de tratados internacionais dos quais o Brasil seja b. depósito necessário
parte (§ 2.º do art. 5.º da Magna Carta). Atualmente, a Emenda n. 45/2003 • Depósito legal
acrescentou o § 3.º ao citado art. 5.º, dizendo que os tratados internacionais • Depósito miserável
sobre direitos humanos, que forem aprovados em cada Casa do Congresso Na-  gratuito

cional por três quintos em dois turnos, equivalem à emenda constitucional.  oneroso

Desta forma, alegavam, alguns, que a prisão civil do depositário infiel a. regular
seria inconstitucional, mesmo estando previsto no inciso LXVII do art. 5.º b. irregular
330 Direito dos Contratos

c. mercantil
d. civil
• Depósito resultante de contrato de hospedagem
• Depósito judicial
• Riscos
• Obrigações e direitos do depositante
• Obrigações e direitos do depositário → havendo mais de um depositante,
a solução pode variar (art. 639 do CC):
 objeto divisível (art. 257 do CC)

 objeto indivisível (art. 260 do CC)

 solidariedade entre os depositantes (art. 269 do CC)

• Extinção do contrato de depósito


• Prisão do depositário infiel
XI
Mandato
AMANDA ZOE MORRIS

Bibliografia
Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007 – Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
v. 3 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
v. 3 – Silvio de Salvo Venosa. Contratos em espécie. Direito civil. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo:
Atlas, 2007.

1. CONCEITO E CARACTERES
O mandato é uma forma de representação, através da qual uma pessoa
(mandatário) recebe poderes de outra (mandante) para praticar, em seu
nome, atos jurídicos ou administrar interesses (Caio Mário da Silva Pereira.
Instituições de direito civil, p. 397).
A possibilidade de atuar em nome alheio encontra-se consubstanciada
nos arts. 115 a 120 do CC, podendo ser legal, como por exemplo os pais re-
presentam os filhos menores impúberes; judicial, como são os representantes
nomeados por juiz de direito, como é o caso do inventariante, ou conven-
cional, decorrente da vontade das partes. E é através do mandato que se faz a
representação convencional (arts. 653 a 692 do CC).
Cria-se, pois, através desta forma contratual, uma obrigação de fazer do
mandatário, que deverá agir em nome de terceiro, o mandante. Quase todos os
atos podem ser praticados através de procurador, a não ser quando a lei, contrato
ou norma estatutária expressamente vedar, ou for incompatível com a represen-
tação convencional (Fabio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil, p. 312)
O mandato será exercido através de poderes concedidos pela procuração,
da qual deverá constar: indicação do local onde foi passado, qualificação do
outorgante e do outorgado, data e o objetivo da outorga com a designação e
a extensão dos poderes conferidos (art. 654 do CC)
Contudo, há que se observar, conforme Silvio Salvo Venosa (Direito
civil, p. 250) que procuração e mandato não se confundem, pois que a
procuração não é o contrato de mandato, mas simplesmente “o instrumento
que materializa o contrato”. Falta o requisito essencial à formação contratual
332 Direito dos Contratos MANDATO 333

à procuração, qual seja, a aceitação do mandatário, tornando o instrumento Explica-se: o ordenamento jurídico objetiva proteger os interesses do
mera promessa de contratar. menor. Assim sendo, impede que uma criança conceda poderes a terceiro,
Assim poderá ser classificado o mandato: que pode ser prejudicial aos seus interesses, mas permite que aja em nome
• Bilateral, pois o contrato de mandato gera obrigações para ambas alheio, resguardando-se a sua proteção para eventual ação futura. Trata-se
as partes; de disposição polêmica; a princípio, afinal, alguém que sequer poderia gerir
seus próprios interesses dificilmente pode representar a contento interesse
• Gratuito ou oneroso, a natureza essencial do contrato de mandato é
alheio. Contudo, é direito do mandante escolher mandatário em quem confie,
gratuita, em razão da confiança investida no mandatário. Contudo,
a despeito da incapacidade relativa.
nosso ordenamento jurídico permite que seja fixada remuneração
ao mandatário. Podem também ser mandatários o pródigo e o falido; afinal, as restrições
que se lhe aplicam referem-se exclusivamente ao seu próprio patrimônio,
Esta remuneração deverá ser fixada entre as partes. Caso não seja fixada, não o alheio.
presume-se que será oneroso se o objeto do mandato for a atividade profissio- No mais, é permitida a pluralidade subjetiva tanto no pólo ativo, quanto
nal do mandatário, como por exemplo para o advogado, e gratuito se não for passivo, ou seja, mais de uma pessoa poderá ser mandatário e/ou mandante
– presunções que podem ser elididas por menção contratual expressa quanto em um mesmo instrumento.
à existência de pagamento (art. 658 do CC). Na falta de um valor em caso de Fundamental para a formação do contrato, negócio jurídico bilateral que,
mandato oneroso, poderá o juiz arbitrar o seu valor, levando em consideração portanto, requer manifestação de vontade de ambas as partes, é a aceitação
os serviços prestados, sua dificuldade, valor de mercado etc. (Caio Mário da do mandatário. Não basta, pois, que o mandante outorgue procuração; sem
Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. 399); a aceitação, não se forma o mandato.
• Intuitu personae, pela própria natureza do mandato, trata-se de um A aceitação pelo mandatário pode ser expressa ou tácita. Presume-se
contrato no qual a confiança é elemento essencial. Daí porque é aceita a outorga de mandato quando o mandatário inicia a execução dos atos
contrato personalíssimo, e o mandatário é insubstituível; contratados (art. 659 do CC)
• Preparatório, o mandato é elaborado para que se atinja uma outra O mandante também poderá ser considerado destinatário final dos
finalidade específica, preparando então o mandatário para praticar serviços prestados pelo mandatário, e como tal, a relação jurídica estará
atos subseqüentes; protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, na hipótese de mandato
• Revogável, por tratar-se de contrato de confiança, pode ser revogado oneroso (Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, p. 253)
a qualquer momento pelo mandante; existem exceções, que serão Por fim, há que se mencionar o mandato em “causa própria”, previsto
analisadas adiante; no art. 685 do CC. Trata-se de contrato preliminar para transferir direitos,
• Consensual, visto que basta o acordo de vontades para se perfazer, normalmente imobiliários, autorizando-se o mandatário a adquirir para si
podendo tomar forma verbal ou escrita, por instrumento público coisa pertencente ao mandante (Venosa. Direito civil, p. 271).
ou particular. O mandato em causa própria é irrevogável, mantendo-se até mesmo
após a morte de uma das partes.
2. PARTES. CAPACIDADE. ACEITAÇÃO
O mandato pode ser outorgado por todas as pessoas capazes (art. 654
3. OBJETO
do CC). Inversamente, contudo, a lei permite que sejam mandatários o maior Podem ser objeto de mandato todos os atos que o mandatário pode
de dezesseis e o menor de dezoito anos, embora neste caso o mandante não praticar por si mesmo, de natureza patrimonial ou não, desde que não sejam
tenha contra este ação, a não ser em conformidade com as regras gerais, no personalíssimos.
que tange às obrigações contraídas por menores (art. 666 do CC) – ou seja, Assim, aceita-se o casamento por procuração (art. 1.535 do CC) e até
o menor não responderá por perdas e danos, somente por enriquecimento mesmo reconhecimento de filho. Mas não é permitido o mandatário praticar
ilícito (Serpa Lopes, apud Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito atos personalíssimos como testamento, exercer pátrio poder, votar, prestar
civil, p.400) depoimento pessoal (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil,
334 Direito dos Contratos MANDATO 335

p. 401), ou atos que só o mandante poderia fazer, em caso de pintor famoso O mandato escrito será efetuado através de procuração. Normalmente,
comissionado para pintar um quadro. basta que seja por escrito e particular, mas algumas situações demandam ins-
O mandato pode ser geral, tendo por objeto tão somente os poderes de trumento público, como é o caso dos relativamente incapazes, devidamente
administração ordinária, ou especial, concedendo poderes para alienar e/ou assistidos, do cego, do analfabeto (Maria Helena Diniz. Curso de direito civil
dispor dos bens do mandante. (art. 661 e parágrafos, CC). brasileiro, p. 377).
No que tange à natureza dos atos praticados, poderá o mandato ser civil,
5. OBRIGAÇÕES DAS PARTES
em cujo caso é normalmente gratuito se não for estipulada remuneração ou
não versar sobre a atividade profissional do mandatário ou empresarial, se As obrigações do mandatário encontram-se nos arts. 667 a 674, CC:
o objeto do mandato for a prática de “atividades econômicas organizadas • Agir com diligência habitual ao executar o mandato e dentro dos
dirigidas à produção e circulação de bens e serviços, mesmo que o mandante limites dos poderes que lhe foram conferidos;
ou o mandatário não sejam empresários”, que costuma a ser oneroso (Maria • Indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a
Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, p. 381). quem substabelecer sem autorização;
Ainda, pode o mandato ser classificado no que tange à extensão de • Prestar contas de seus atos ao mandante, transferindo quaisquer
seu escopo, em ad negotia, caso a atividade do mandatário seja extrajudi- benefícios decorrentes do mandato, auferidos a qualquer título que
cial, ou ad juditia, sendo mandatário advogado e obrigando-o a representar seja;
o mandante em juízo. • Devolver os bens que recebeu em virtude do mandato, quando este
Observa-se que a procuração é essencial para a representação processual se findar;
do mandante; poderá contudo o advogado deixar de apresentar procuração • Caso utilize em proveito próprio vantagens obtidas no contrato,
na hipótese de urgência, tendo o prazo de 15 dias, prorrogáveis por mais 15, deverá juros ao mandante, a partir da data em que deveria ter-lhe
para regularizar a representação (art. 37 do CPC) entregue o valor;
Pela sua natureza, o mandato ad juditia será oneroso e segue regras • Exibir o instrumento de mandato a terceiros, comprovando a repre-
especiais da legislação processual, conforme o art. 692 do CC. sentação;
• Responder pelas obrigações decorrentes de suas ações em nome
4. FORMA próprio, que extrapolem o conteúdo do mandato;
O mandato é contrato que se aperfeiçoa pelo consenso de vontades das • Deverá o mandatário concluir negócio já começado, a despeito de
partes, não havendo requisito formal específico para sua formação. Pode, estar ciente da morte, interdição ou mudança de estado do mandante,
portanto, este contrato ser tácito ou expresso, e em sendo expresso, pode ser caso haja perigo na demora;
verbal ou escrito (art. 656 do CC). • Caso trate-se de mandato que confere poderes conjuntos a mais de
Ressalva a lei civil, no art. 657 que a forma do mandato depende da forma um mandatário, não terá eficácia o ato praticado sem a anuência dos
do ato a ser praticado; assim sendo, não se admite mandato verbal quando o demais, a menos que haja ratificação do mandante.
ato deva ser celebrado por escrito.
O mandato tácito é o mais simples, aquele que decorre, por exemplo, As obrigações do mandante encontram-se nos arts. 675 a 681 do CC:
de ordem de um empregador para pequenas compras, como por exemplo a • Satisfazer as obrigações contraídas pelo mandatário no exercício de sua
empregada doméstica que tem dinheiro para efetuar compra de material de função, e adiantar as despesas necessárias quando lhe for pedido;
limpeza conforme a necessidade. Não há instrução específica, mas subentende- • Pagar a remuneração fixada entre as partes, quando oneroso o man-
se claramente o ato que o mandatário deverá fazer em nome do mandante. dato, e arcar com as despesas decorrentes, ainda que a atuação do
O mandato verbal só é válido para assuntos de pouco valor, ou seja, nos mandatário não surta o efeito esperado, sem culpa deste;
termos do art. 401 do CPC, aqueles menores que 10 vezes o salário mínimo • Pagar com juros qualquer soma desembolsada pelo mandatário
vigente no País à época. para o cumprimento das atribuições que lhe foram outorgadas. O
336 Direito dos Contratos MANDATO 337

mandatário terá direito de retenção do bem até reembolsar-se das poderes específicos para vender um bem, mas ao invés disso faz uma doação,
despesas efetuadas; ou age após o término do prazo contratual.
• Ressarcir o mandatário de quaisquer perdas ocorridas na execução Ressalte-se que agir dentro dos limites do mandato, porém de forma
do contrato, se não for culpa deste; diversa da vontade do mandante não constitui excesso de mandato, embora
• Obrigar-se pelos atos do mandatário que não ultrapassarem os limites garante ao outorgante direito de indenização em face ao outorgado.
do mandato. Se por acaso a atuação do procurador diferir da vontade O ato praticado neste caso de mandato é anulável, no que diz respeito ao
do mandante ainda assim, caberá ação de regresso; excesso, e o mandante não terá qualquer responsabilidade perante terceiros.
• Caso haja mais de um mandante, a obrigação perante o mandatário Deverá o mandatário responder pelos danos causados a terceiros de boa fé
é solidária nesta hipótese, mesmo que o ato tenha sido em benefício do mandante.
Poderá o mandante, contudo, ratificar o ato (art. 662 do CC). Os efeitos
6. SUBSTABELECIMENTO
da ratificação são ex tunc, ou seja, retroagem à data em que o ato foi praticado,
Através do substabelecimento, o mandatário, unilateralmente, transfere tornando-o permitido pelo mandante.
ao terceiro substabelecido os poderes recebidos pelo mandante. A ratificação poderá ser tácita, decorrente de ato do mandante que dê a
Trata-se de um sub-contrato, da mesma maneira que é a sublocação. entender a corroboração do ato, ou expressa.
Poderá haver transferência de todos os poderes ou só alguns, e poderá ser Ademais, observa-se que o mandatário não se exime de responsabilidade
com reserva de poderes – em cujo caso o mandatário original continua a ter perante terceiros pelos atos praticados após revogação que só foi comunicada
poderes – ou sem reservas, hipótese na qual o mandatário deixa de ser repre- ao mandatário. Resta-lhe, contudo, direito ao regresso contra o mandatário
sentante do mandante. (art. 686 do CC).
Mesmo que a procuração tenha sido elaborada por instrumento público,
o substabelecimento poderá ser efetuado por instrumento particular (art. 655 8. EXTINÇÃO
do CC). Ressalve-se, contudo, que o Projeto 6.960/2002 prevê um parágrafo
O mandato extingue-se pelas hipóteses mencionadas nos arts. 682 a
a mais no retro referido artigo, dispondo que o substabelecimento deverá ser
691 do CC.
público se a procuração o for.
Primeiramente, pode o mandato cessar pela resilição unilateral, que é
A outorga de substabelecimento só será vedada quando expressamente
direito do mandante. Como a natureza deste contrato implica em total con-
disposto no mandato; se o mandatário ainda assim substabelecer, assumirá
fiança, se esta cessar por qualquer motivo, poderá o outorgante retirar os
o risco pela escolha, mesmo o dano houver sido causado por caso fortuito, a
poderes concedidos pelo mandato a qualquer tempo, unilateralmente e sem
menos que comprove que o prejuízo teria ocorrido de qualquer forma (art.
667, § 1.º, do CC). Os atos praticados pelo substabelecido nessa hipótese só justificativa. Basta somente que sua decisão tenha chegado ao conhecimento
obrigarão o mandante caso este ratificar os atos praticados expressamente do mandatário, e a terceiros.
(art. 667, § 2.º, do CC). Importante observar que, caso terceiros não sejam avisados do término
Caso houver permissão expressão, só será imputado ao mandatário os do mandato, o mandante responderá por prejuízos eventuais.
danos causados pelo substabelecido caso este tenha agido com culpa na escolha Esta revogação poderá ser total, atingindo todos os poderes do mandatário,
ou nas instruções que tiver repassado (art. 667, § 2.º, do CC). ou parcial, expressa ou tácita, sendo tácita quando o mandatário, exemplifi-
Por fim, a lei determina que o mandante será responsável pelos atos cativamente, voltar a praticar os atos constantes do mandato pessoalmente,
culposos do substabelecido se a procuração silenciar acerca da possibilidade sem representação).
de substabelecer (art. 667, § 4.º, do CC). Os efeitos da revogação serão sempre ex nunc, ou seja, não atingem os
atos já praticados.
7. EXCESSO DE MANDATO. RATIFICAÇÃO Ressalte-se que até mesmo quando constar cláusula de irrevogabilida-
Ocorre excesso de mandato quando o mandatário age além dos limites de, poderá o mandatário revogar o mandato, arcando com as perdas e danos
autorizados pelo mandante no contrato. Por exemplo, se o mandatário tinha causados.
338 Direito dos Contratos MANDATO 339

O mandato só será irrevogável em algumas hipóteses (Fabio Ulhoa a) geral


Coelho. Curso de direito civil, p. 326): b) especial (art. 661 e parágrafos, do CC)
• a cláusula de irrevogabilidade for condição do negócio jurídico
bilateral; a) Civil
• a cláusula de irrevogabilidade for estipulada em exclusivo interesse b) Empresarial
do mandatário;
a) Ad negotia
• tratar-se de mandato em causa própria; b) Ad juditia
• o mandato estiver vinculado a um negócio que já tenha sido concluí-
do, e os poderes do mandatário forem para confirmar tal negócio, a) Tácito
ou cumprir obrigações daí decorrentes, em defesa do interesse de b) Expresso
terceiros.  Verbal

 Escrito
Também poderá o mandato cessar pela renúncia do mandatário, também
• Forma → depende da forma do ato a ser praticado (art. 657 do CC)
ato unilateral, que só tem efeitos quando devidamente informado o mandante.
• Obrigações do Mandatário → arts. 667 a 674 do CC
Deverá sempre ser expressa.
• Obrigações do Mandante → arts. 675 a 681 do CC
Caso a renúncia seja de procuração ad juditia, deverá o advogado conti-
• Substabelecimento → transferência de poderes concedidos pelo
nuar representando seu cliente por pelo menos dez dias após a comunicação
mandante
de sua renúncia, a menos que seja substituído antes deste prazo (art. 5.º, §
• Excesso de mandato → pode ser ratificado pelo mandante (art. 662 do
3.ª, da Lei 8.906/1994).
CC)
Também extingue-se o mandato pela morte de qualquer uma das par- • Extinção → arts. 682 a 691 do CC
tes, devido à natureza pessoal do contrato; pelo casamento, visto que alguns
poderes só poderão ser concedidos com outorga conjugal; pela interdição;
término do prazo do contrato; conclusão do negócio.

9. RESUMO ESQUEMÁTICO
• Mandato → forma de representação
• Características:
 bilateral

 gratuito ou oneroso

 intuitu personae

 preparatório

 revogável

 consensual

• Requisito essencial → aceitação do mandatário (expressa ou tácita)


• Mandatário maior de 16 anos e menor de 18 anos → art. 666 do CC
• Mandato em causa própria → art. 685 do CC
• Objeto → todos os atos que o mandatário pode praticar por si mesmo,
de natureza patrimonial ou não, desde que não sejam personalíssimos.
• Espécies
COMISSÃO 341

O corretor é um mediador por excelência (art. 723 do CC), já o comissário


é um mandante, o que é muito mais que um intermediador, pois atua em
nome próprio em razão dos poderes que lhe são conferidos pelo comitente,
XII respondendo em nome próprio, ao contrário do corretor, que apenas responde
pelas informações incorretas que prestar (art. 723 do CC).
Comissão O comissário tem mais liberdade para a realização do negócio (Gomes.
Contratos, p. 357), representando os interesses do comitente, porém agindo em
MARIA CLARA FALAVIGNA nome próprio e por sua conta e risco, muito embora Caio Mário da Silva Pereira
o conceba como uma intermediação com prestação de serviços (Instituições
de direito civil, p. 248), porém, há uma relação jurídica entre o comissário e
Bibliografia o comitente e outra entre o comissário e o contratante, sem que haja relação
Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995 entre este e o comitente. Orlando Gomes, ainda, o entende como um mandato
– Orlando Gomes. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. sem representação, em razão da semelhança nos efeitos com o contrato de
mandato, porém, com execução diferenciada (Contratos, p. 358).
1. CONCEITO E NATUREZA Desta forma, o comissário fará a compra ou a venda de algo por conta do
O contrato de comissão já era previsto no Código Comercial na parte que comitente a um terceiro, recebendo como pagamento uma quantia relativa ao
foi revogada pelo Código Civil de 2002 e era denominado como “comissão preço da venda, em geral, uma porcentagem previamente ajustada, ou de acordo
mercantil”, definindo-o, a legislação comercial, pelo revogado art. 165, como com os costumes do negócio (Caio Mário. Instituições de direito civil, p. 248).
“o contrato de mandato relativo a negócios mercantis, quando, pelo menos, A remuneração do comissário também é nomeada como comissão, não
o comissário é comerciante, sem que nesta gestão seja necessário declarar ou havendo regra específica para determinar esse pagamento, todavia, extraído
mencionar o nome do comitente”. Por essa razão, o contrato era denominado por do conteúdo legal, verifica-se que essa é devida pelo comitente.
Orlando Gomes (Contratos, p. 357), como “mandato sem representante”, e esta O contrato de comissão é intuite personae, em que o comissário adquire
denominação pode permanecer atualmente, visto que o art. 709 do CC determina ou vende bens em nome de outra pessoa, o comitente.
a aplicação subsidiária das regras do mandato ao contrato de comissão.
O contrato então previsto pelo Código Comercial era destinado apenas 2. DAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS DO COMISSÁRIO
ao comissário comerciante, mas não foi o que aconteceu com o Código Civil, O comissário é responsável direto pelo prejuízo que causar a terceiros (art.
uma vez que o art. 693 determina que o “contrato de comissão tem por obje- 694 do CC) e ao comitente, devendo agir com cuidado e diligência para realizar
to a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à o negócio no melhor momento possível, inclusive com o fim de assegurar os
conta do comitente”, deixando de ser, assim, um contrato exclusivamente lucros a este devidos (art. 696 do CC), desta forma, deve o comissário agir de
mercantil, no entanto é um contrato de essência oneroso, haja vista que se acordo com as instruções passadas pelo comitente, a não ser que se demonstre
trata de intermediação de uma compra e venda e uma prestação de serviços. que se agindo sem a forma previamente combinada houve vantagem para o
Diferente da corretagem, em que há uma aproximação de pessoas que comitente (art. 695 do CC). Outrossim, se não recebeu instruções prévias,
desejem contratar (Caio Mário. Instituições de direito civil, p. 357), o comissário deverá atuar consoante os usos de casos semelhantes e sempre assegurando
atua em nome próprio e se obriga com as pessoas com quem contratar, ou seja, os lucros do comitente.
não há responsabilidade do comitente, exceto se o comissário transferir seus Responderá, ainda o comissário, se por agir por culpa no caso de in-
direitos a qualquer uma das partes envolvidas (art. 694 do CC). A corretagem solvência das pessoas com quem contratar, e na inexistência deste elemento
está prevista no art. 722 do CC e está caracterizada quando “uma pessoa, subjetivo não terá qualquer responsabilidade (art. 697 do CC), ou se no
não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por contrato constar cláusula del credere (art. 698 do CC), isto é, um pacto ad-
qualquer relação de dependência, obriga-se a manter com a segunda um ou jeto, “pelo qual o comissário assume a responsabilidade de pagar o preço da
mais negócios, conforme instruções recebidas”. Esta relação de dependência mercadoria que vendeu, garantindo desse modo a execução do contrato”
significa as obrigações decorrentes do trabalho remunerado, regido pela CLT. (Gomes. Contratos, p. 363).
342 Direito dos Contratos COMISSÃO 343

A cláusula del credere somente pode ser estabelecida por escrito, o que comissário, além do reembolso de despesas feitas, no entanto, não é possível
já era o entendimento de Orlando Gomes (Contratos, p. 363), mesmo quando para o ressarcimento de perdas e danos.
estava em vigor o art. 179 do CCom, que previa a possibilidade de ser verbal, Se a comissão devida ao comissário não for paga pelo comitente, este
até em razão das responsabilidades assumidas pelo comissário. Assim, com tem direito de retenção dos bens e valores que estiverem em seu poder e que
o ajuste desta cláusula, o comissário assume responsabilidade solidária com pertençam ao comitente – art. 708 do CC.
quem contratar para garantir ao comitente receber o valor a que teria direito,
em troca de taxa de comissão superior ao usual, a não ser que se convencione 4. OBRIGAÇÕES DO COMITENTE
outro tipo de remuneração. O comitente deve pagar ao comissário a comissão, acrescida de juros, se
Em relação à insolvência do terceiro, prevista no art. 698 do CC, convém houver o comissário adiantado os custos para o cumprimento de sua ordem
esclarecer que o revogado art. 175 do CCom determinava que o comissário (art. 706 do CC). Esta comissão será previamente estabelecida, ou será ar-
responderia somente se a insolvência ocorresse no momento da execução do bitrada consoante dos costumes do lugar da contratação (art. 701 do CC) e
contrato, isto é, na conclusão do negócio, situação não prevista pelo Código devida ainda que faleça o comissário ou se por força maior este não puder
Civil, assim, há que se crer que é possível responsabilizar o comissário se a concluir o negócio, em valor proporcional ao trabalho que já tiver realizado
insolvência do terceiro ocorrer em momento posterior e acarretar prejuízo (art. 702 do CC).
ao comitente. Por óbvio, o comitente deve entregar o bem vendido pelo comissário a
As demais obrigações do comissário são retiradas da regulamentação quem o comprou, a não ser que o bem tenha sido entregue diretamente àque-
do contrato de mandato, assim, na síntese apresentada por Orlando Gomes le, situação que o torna depositário do bem, o que se denomina consignação
(Gomes. Contratos, 362).
(Contratos, p. 361), é de sua responsabilidade: “a) pelo prejuízo a que der causa:
1) se concluir negócio após ter sido revogada a autorização do comitente; 2) 5. RESUMO ESQUEMÁTICO
se agir contrariamente às instruções do comitente; b) se cometer excesso no
• Comissão → não é mais um contrato unicamente mercantil (arts. 693 a
exercício da representação; c) se não prestar contas; d) se não segurar as mer-
709 do CC)
cadorias; e) se não conservar os bens confiados à sua guarda; f) pelas avarias
• Comissão ≠ mandato → contudo, no que for aplicável à comissão, valem
que atingirem mercadorias consignadas, se não comunicá-las de pronto ao
as regras do mandato
comitente; g) se não diligenciar a imediata apuração da causa do perecimento
• Comissário adquire bens em nome de outra pessoa, o comitente
ou deterioração dos bens que estiverem em seu poder”.
• Contrato intuitu personae
Ainda, deverá o comissário pagar juros de mora pela demora na entrega
• Obrigações e direitos do comissário → arts. 694, 695, 696, 697, 698, 699
dos fundos devidos ao comitente. do CC
Terá direito o comissário de receber o pagamento pelo negócio realizado, • Cláusula del credere → pacto adjeto → só pode ser estabelecida por
denominado comissão, que será devido mesmo que não tenha concluído o escrito
negócio, ou em razão de sua morte, ou por força maior, ou se houver dispensa • Direito de retenção → art. 708 do CC
da conclusão pelo comitente, sempre em valor correspondente ao serviço que • Obrigações do comitente → arts. 701, 702, 706 do CC
já tiver sido prestado, além de ser ressarcido pelos prejuízos sofridos por sua
dispensa (art. 703 do CC).
Já que realizado o negócio em nome próprio, tem o comissário direito
de conceder dilação do prazo para o pagamento da venda realizada a terceiro,
salvo se houver instrução contrária pelo comitente (art. 699 do CC).

3. DIREITO DE RETENÇÃO
O direito de retenção é previsto para o contrato de comissão e consiste
em uma forma de garantir o recebimento do pagamento que é devido ao
CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 345

contratados pelo fornecedor para atuarem em determinadas zonas, até então,


não alcançadas pelo fabricante.
Desta forma, o atual Código Civil regulamenta o contrato de agência
XIII e distribuição (Capítulo XII – arts. 710 a 721), ao lado das demais espécies
de contratos delineadas sob o Título VI, que por sua vez insere-se no Livro I
Contrato de agência (Direito das obrigações).
Antes de mais nada é preciso eliminar qualquer tipo de equívoco em
e distribuição torno desta figura contratual. Como se verá neste capítulo, o art. 710 do
novel Código Civil traz duas espécies de contrato de agência, a já conhecida
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA representação comercial, estabelecida pela Lei 4.886/1965, alterada pela Lei
8.420/1992 e o contrato de agência e distribuição.
A primeira espécie de contrato delineada no referido dispositivo é o
Bibliografia contrato de agência puro (ou de agência simples), em que o representante
Antônio Junqueira de Azevedo. Contrato de distribuição: causa final dos contratos de negocia as vendas em nome e por conta do representado, fazendo jus à re-
trato sucessivo; resilição unilateral e seu momento de eficácia; interpretação contratual; muneração. E, a segunda espécie, contrato de agência e distribuição (ou de
negócio per relationem e preço determinável; conceito de compra de contrato e abuso agência-distribuição ou de agência qualificada), em que a única diferença
de direito (parecer). RT v. 93, n. 826/119-136, ago. 2004 – Caio Mário da Silva Pereira. do anterior é que o representante fica com a posse do objeto da venda para
Contratos, declaração unilateral de vontade e responsabilidade civil. Instituições de direito
posterior tradição ao eventual adquirente, isto é, além de negociar tendo em
civil. 12. ed. rev. e atual. por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2006 – Carlos Alberto
Bittar. Contratos comerciais. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994 vista o melhor interesse do representado, o representante (distribuidor) fica
– Humberto Theodoro Júnior e Adriana Mandim Theodoro de Mello. O Regime do contrato com a posse física dos produtos que são vendidos e distribuídos aos even-
(típico) de agência e distribuição (representação comercial) no novo Código Civil em cotejo tuais adquirentes. Portanto, esta sub-espécie do contrato de agência não se
com a situação jurídica do contrato (atípico) de concessão comercial. Indenizações cabíveis confunde com o tradicional contrato de concessão comercial (denominado
na extinção da relação contratual. RT v. 93, n. 825/35-74, jul. 2004 – José Augusto Delgado. também por contrato de distribuição), que permanece um contrato atípico e
Do contrato de agência e distribuição no Código Civil de 2002. In: Domingos Franciulli
Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho (coords). O novo Código
misto como se destacará adiante.
Civil: homenagem ao Professor Miguel Reale. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003 – Orlando Gomes. A utilização do nomen iuris “distribuição” pelo Legislador de 2002
Contratos. 25. ed. notas e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, não foi uma boa opção, inclusive contraria um dos próprios princípios do
2001 – Paula A. Forgioni Contrato de distribuição. São Paulo: RT, 2005 – Waldírio Bulgarelli. atual Código Civil, o princípio da operabilidade, pois tal terminologia gera
Contratos mercantis. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2001. confusão com a já consolidada figura (embora atípica juridicamente; porém
“socialmente típica”) do contrato de distribuição ou concessão comercial,
1. INTRODUÇÃO também conhecido por revenda comercial.
O comércio de um produto engloba diversas etapas, cuja a finalizadora Feita esta ressalva preliminar prossegue-se com a análise do contrato
diz respeito ao escoamento da produção. Tendo em vista as atuais técnicas de agência (ou representação comercial), e suas duas sub-espécies: i) con-
de marketing, características de uma sociedade massificada e globalizada, a trato de agência puro ou simples; e ii) contrato de agência e distribuição ou
disponibilização de um produto (marca) da forma mais ampla possível, ou agência qualificada.
seja, sem entraves de ordem geográfica, tornou-se um objetivo marcante de
todo o fornecedor. 2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE AGÊNCIA E DO CONTRATO
Neste contexto, o contrato de agência e distribuição (também conhecido DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO
por agenciamento ou representação comercial) passou a ocupar uma posição O próprio Código Civil nos fornece uma definição do contrato de agên-
relevante nas relações contratuais, com o fim de otimizar os resultados cia em seu art. 710, ressaltando a outra sub-espécie, o contrato de agência e
(custo/benefício) do fabricante. Isto porque sob tal análise financeira, o distribuição. Este dispositivo legal reza que “[p]elo contrato de agência, uma
fabricante percebeu a necessidade de investir em outras formas de venda direta pessoa assume [agente], em caráter não eventual e sem vínculos de depen-
de seus produtos, i.e., vendas intermediadas e agenciadas por profissionais dência, a obrigação de promover, à conta de outra [principal ou preponente],
346 Direito dos Contratos CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 347

mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada 3. PRESSUPOSTOS E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CONTRATO DE AGÊNCIA
(...)” (comentários nosso). E DISTRIBUIÇÃO
Desta forma, pode-se conceituar doutrinariamente o contrato de agência
O contrato de agência e distribuição, como um negócio jurídico, deve
puro (ou simples) como a modalidade contratual celebrada entre o fabricante,
denominado na relação contratual como principal ou preponente, e a pessoa observar os requisitos de validade do art. 104 do CC, ou seja, as partes devem
física ou pessoa jurídica que se responsabiliza pela gestão do interesse do prin- ser capazes, o objeto lícito, possível e determinado ou determinável no mo-
cipal, denominada como agente, este atua com autonomia e independência, mento da execução e forma prescrita em lei quando for o caso.
representando-o economicamente e mediante remuneração. As regras específicas do Código Civil não estabelece nenhuma forma
Esta mesma figura contratual já estava prevista no art. 1.º da Lei 4.886/1965 especial para a conclusão do contrato de agência e distribuição, neste caso,
(Lei do Representante Comercial), que preconiza “(...) exerce a representação aplica-se o princípio da liberdade de forma.
comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de em- Quanto à capacidade das partes, o Código Civil não faz nenhuma refe-
prego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais rência às qualidades pessoais e profissionais do agente ou distribuidor. No
pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando entanto, o art. 721 do CC diz serem aplicadas as regras constantes de lei especial.
propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou E, no caso, a Lei do Representante Comercial (Lei 4.886/1965), estabelece
não atos relacionados com a execução dos negócios”. alguns requisitos para que o representante efetive o seu registro, e a condição
Das definições legais (Código Civil e Lei do Representante Comercial) e do registro é indispensável para que o agente ou distribuidor atue como tal.
das definições doutrinárias, extrai-se que a peculiaridade deste contrato é que Inclusive, a obrigação do pagamento da remuneração está subordinada ao
o agente atua com profissionalidade e de forma autônoma. Em outras palavras, prévio registro do agente como tal (art. 5º da referida Lei especial).
ele não tem vínculo empregatício com o principal (pois não há subordinação, Assim, pela leitura do art. 3.º da Lei do Representante Comercial, o
requisito necessário para configurar o vínculo empregatício). No entanto, candidato a registro deve apresentar: “[...] a) prova de identidade; b) prova
ele atua como um profissional liberal, e assim é anotado em sua carteira de de quitação com o serviço militar, quando a ele obrigado; c) prova de estar
trabalho, devendo promover seu registro no órgão competente. em dia com as exigências da legislação eleitoral; d) folha-corrida de antece-
Outrossim, o contrato de agência puro ou simples é classificado como: dentes, expedida pelos cartórios criminais das comarcas em que o registrado
bilateral (ou sinalagmático), oneroso, comutativo, personalíssimo (intuito houver sido domiciliado nos últimos 10 (dez) anos; e) quitação com o Im-
personae), consensual, não solene e de trato sucessivo. Os traços caracte- posto Sindical”.
rísticos desta relação contratual são, portanto: 1) habitualidade do serviço
O estrangeiro pode ser constituído como representante comercial,
prestado pelo agente; 2) delimitação da zona de sua atuação; 3) autonomia;
estando outrossim subordinado ao mesmo registro. Todavia, o estrangeiro
4) profissionalidade. A exclusividade não é da essência desta figura contra-
candidato a registro como representante comercial é dispensado de apresentar
tual, as partes devem fazer constar expressamente do contrato a cláusula de
a prova de quitação como o serviço militar (b) e a prova de estar em dia com
exclusividade se assim o desejarem (autonomia da vontade).
as exigências da legislação eleitoral (c), por razões óbvias.
Por fim, o contrato de agência e distribuição (ou de agência qualificada),
conforme o art. 710 do CC, apenas distingue-se do contrato de agência puro Como requisito negativo, isto é, não pode ser representante comercial,
porque o chamado distribuidor, neste caso, além de agenciar os interesses segundo o art. 4.º da Lei do Representante Comercial: “(...) a) o que não pode
do principal, ele mantém a posse do objeto a ser negociado com o eventual ser comerciante; b) o falido não reabilitado; c) o que tenha sido condenado
adquirente (“[...] caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua por infração penal de natureza infamante, tais como falsidade, estelionato,
disposição a coisa a ser negociada”). apropriação indébita, contrabando, roubo, furto, lenocínio ou crimes também
Sendo assim, o contrato de agência e distribuição classifica-se da mesma punidos com a perda de cargo público; d) o que estiver com o seu registro
maneira: bilateral (ou sinalagmático), oneroso, comutativo, personalíssimo comercial cancelado como penalidade”.
(intuito personae), consensual, não solene e de trato sucessivo. Por ser este Assim, conclui-se que o representado, ao eleger um indivíduo para
uma espécie do contrato de agência puro, neste trabalho, o termo agência ser seu representante em determinada zona, deve pedir e conferir o registro
e distribuição engloba o contrato de agência em suas duas sub-espécies, a deste indivíduo como representante comercial no Conselho Regional, pois
menos quando seja necessário distingui-las. tal registro é obrigatório nos termos do art. 2.º da Lei 4.886/1965.
348 Direito dos Contratos CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 349

3.1 Conteúdo do contrato de agência e distribuição 4.1 Obrigações e direitos do agente ou distribuidor (representante)
Quanto ao conteúdo do contrato de agência e distribuição, as partes O agente é a parte contratante que assume a obrigação nuclear, decor-
devem atentar, ainda, ao que reza o art. 27 da Lei do Representante Comercial, rente do sinalagma, de promover os negócios do principal tendo em vista
pois o Legislador elenca os elementos que, obrigatoriamente, devem constar o melhor interesse deste. Contudo, há outras obrigações secundárias, que
do contrato, a saber: “(...) a) condições e requisitos gerais da representação; decorrem da obrigação principal, e daí, fala-se em obrigações ou deveres do
b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da repre- agente ou distribuidor:
sentação; c) prazo certo ou indeterminado da representação; d) indicação • Dever de diligência: expressamente mencionado no art. 712 do CC,
da zona ou zonas em que será exercida a representação; e) garantia ou não, ou seja, o agente deve promover os negócios do preponente com a
parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de máxima diligência;
zona; f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação, • Dever de seguir fielmente as instruções dadas pelo principal: art. 712,
dependente da efetiva realização dos negócios, e recebimento, ou não, pelo in fine, do CC, bem como art. 29 da Lei do Representante Comercial,
representado, dos valores respectivos; g) os casos em que se justifique a restri- segundo o qual, o agente não pode alterar a maneira pela qual foi
ção de zona concedida com exclusividade; h) obrigações e responsabilidades instruído pelo principal sobre como desenvolver suas atividades,
das partes contratantes; i) exercício exclusivo ou não da representação a favor sem a prévia autorização do mesmo;
do representado; j) indenização devida ao representante pela rescisão do • Dever de informação: especificamente previsto no art. 28 da Lei do
contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não será inferior Representante Comercial, sendo, inclusive, uma falta descrita na
a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em lei, a recusa de prestação de contas (art. 19, e); este dever decorre
que exerceu a representação”. também da cláusula geral da boa-fé (genericamente prevista no art.
Quanto ao prazo, o contrato pode ser firmado por prazo determinado 422 do CC);
ou por prazo indeterminado (§§ 1.º e 2.º do art. 27 da Lei do Representante • Dever de custear as despesas decorrentes da agência e distribuição: nos
Comercial). Ressaltando-se que a lei considera o contrato por prazo indetermi- termos do art. 713 do CC; no entanto, esta é uma norma dispositi-
nado “(...) todo o contrato que suceder, dentro de seis meses, a outro contrato, va, i.e., terá aplicação na omissão das partes, que podem dispor de
com ou sem determinação de prazo” (§ 3.º da Lei 4.886/1965). maneira diversa.
A legislação específica traz uma limitação à autonomia privada, ou seja, Outrossim, a Lei 4.886/1965 estabelece, no art. 19, algumas faltas que
veda-se a cláusula del credere (art. 43 da Lei do Representante Comercial), ou cometidas pelo agente ou distribuidor no exercício de sua profissão acarretará
seja, o agente ou distribuidor não pode se responsabilizar pela eventual ina- em penalidades a serem aplicadas pelo Conselho Federal dos Representantes
dimplência do adquirente. Em outras palavras, o agente ou distribuidor deve Comerciais (art. 20 da mesma legislação especial). As faltas descritas na lei
agir com diligência como se verá a seguir, no sentido que ele deve observar as são: “(...) a) prejudicar, por dolo ou culpa, os interesses confiados aos seus
condições de pagamento e o crédito do adquirente. No entanto, se este não cuidados; b) auxiliar ou facilitar, por qualquer meio, o exercício da profissão
cumprir sua obrigação no contrato não pagando o preço ajustado ao principal ou aos que estiverem proibidos, impedidos ou não habilitados a exercê-la; c)
preponente, o agente ou distribuidor não pode sofrer nenhuma conseqüência, promover ou facilitar negócios ilícitos, bem como quaisquer transações que
e a remuneração ainda lhe é devida. Qualquer cláusula que contrarie esta regra prejudiquem interesse da Fazenda Pública; d) violar o sigilo profissional;
é nula, pois, expressamente, vedada pela Lei do Representante Comercial. e) negar ao representado as competentes prestações de contas, recibos de
quantias ou documentos que lhe tiverem sido entregues, para qualquer fim;
4. OBRIGAÇÕES E DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO DE AGÊNCIA E DIS- f) recusar a apresentação da carteira profissional, quando solicitada por quem
TRIBUIÇÃO de direito”.
Pelo contrato de agência e distribuição, as partes assumem diversas Há ainda obirgações negativas, dentre as quais, descataca-se:
obrigações recíprocas, bem como direitos. Devido às especificidades desta • Obrigação de não assumir encargo do mesmo gênero na zona delimitada
modalidade contratual, é relevante que se trate em destaque este tema. para a sua atuação no contrato: art. 711, 2.ª parte, do CC é uma via
350 Direito dos Contratos CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 351

de mão dupla, ou seja, da mesma forma que o principal não pode respectivamente, na memsa praça, em outra do mesmo Estado, em
constituir um outro agente para promover seus interesses dentro da outro Estado ou no estrangeiro”;
mesma área delimitada, não pode o agente ou distribuidor promover • Dever de observar o aviso prévio: este é um dever e direito recíproco
os negócios de outrem, à conta de outros representados, dentro da entre as partes contratantes nos termos do art. 720 do CC e art. 34
zona determinada pelo contrato. da Lei do Representante Comercial, a hipótese de resilição unilateral
do contrato será tratada com maiores detalhes ao analisar a extinção
Com relação aos direitos do agente ou distribuidor, destacam-se: do contrato de agência e distribuição.
• Direito à remuneração: é direito do agente ou distribuidor receber o
valor estipulado no contrato como remuneração, que deve ser paga Quanto à obrigação negativa prevista no art. 711, 1.ª parte, do CC, o prin-
sempre que se concluir negócios na zona determinada pelo contrato, cipal ou fabricante não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente,
ainda que tais negócios sejam concluídos sem a interferência do agente na mesma zona, com idêntica atribuição. Todavia, tal regra é dispositiva, ou
ou distribuidor (art. 714 do CC e art. 31 da Lei 4.886/1965); seja, esta regra vigora desde que as partes não estabeleçam o contrário.
• Direito à indenização: o agente ou distribuidor faz jus à indenização Por outro lado, há certos direitos que a lei confere ao principal ou fa-
na hipótese de dispensa sem justa causa por parte do representado, ou bricante, dos quais se destaca o direito de retenção dos valores das comissões,
mesmo, se o principal cessar o atendimento das propostas realizadas previsto no art. 37 da Lei do Representante Comercial: “Somente ocorrendo
pelo agente ou distribuidor ou reduzir tal atendimento a tal ponto motivo justo para a rescisão do contrato, poderá o representado reter comissões
que a continuação do contrato se torne economicamente inviável devidas ao representante, com o fim de ressarcir-se de danos por este causados
(art. 715 do CC); e, bem assim, nas hipóteses previstas no art. 35, a título de compensação”.
• Direito a receber as comissões: as comissões são estabelecidas propor-
5. DA REMUNERAÇÃO DO AGENTE OU DISTRIBUIDOR
cionalmente aos negócios concluídos pelo agente ou distribuidor,
portanto, é direito dele receber as comissões ainda que haja dispensa A remuneração é da essência do contrato de agência e distribuição,
por justa causa (art. 717 do CC e art. 32 da Lei do Representante por ser um contrato essencialmente oneroso. E, além disso, a estipulação de
Comercial); determinada remuneração distingue esta modalidade contratual de outras,
• Direito ao aviso prévio: quando o contrato de agência e distribuição for como, por exemplo, do contrato de concessão comercial ou distribuição co-
por prazo indeterminado, qualquer uma das partes podem resolvê-lo, mercial, em que não há previsão de remuneração, sendo que o lucro advém
mediante aviso prévio de 90 (noventa) dias, e desde que haja transcor- do valor praticado na revenda.
rido um prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento Este elemento é tão essencial que mesmo em caso de extinção do contrato
exigido do agente (art. 720 do CC e art. 34 da Lei 4.886/1965). com ou sem justa causa, ou mesmo se o negócio não venha a ser concluído
4.2 Obrigações e direitos do principal ou fabricante (representado) por fato imputável ao principal, o agente ou distribuidor ainda fará juz ao
recebimento do valor da remuneração (art. 716 do CC). A remuneração so-
Sendo um contrato sinalagmático, há obrigações assumidas pelo prin-
mente não será devida na ausência do registro do agente.
cipal ou fabricante:
Na hipótese de dispensa sem justa causa, o agente ou distribuidor faz
• Dever de pagar a remuneração: esta é a obrigação nuclear do contrato
de agência e distribuição, sendo um direito do agente ou distribuidor jus ao valor da remuneração devida até então, tendo em vista os negócios
como se demonstrou supra; concluídos, bem como os negócios pendentes (art. 718 do CC).
• Dever de pagar as comissões: de acordo com o art. 33 da Lei do Repre- Ainda que o agente ou distribuidor não possa continuar o trabalho por
sentante Comercial, o representado fica obrigado a creditar ao agente motivo de força maior, ele tem o direito de receber a remuneração devida
ou distribuidor o valor das comissões, se “(...) não manifestar a recusa, (art. 719 do CC). Até porque, a regra geral é que a força maior é causa exclu-
por escrito, nos prazos de 15 (quinze), 30 (trinta), 60 (sessenta), ou dente da responsabilidade. O valor da remuneração é crédito do agente ou
120 (cento e vinte) dias, conforme se trate de comprador domiciliado, distribuidor, portanto, em caso de morte do agente ou distribuidor, o valor
352 Direito dos Contratos CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 353

da remuneração deve ser pago aos seus herdeiros (art. 719, in fine do CC). de negócios” (art. 41 da Lei do Representante Comercial) e art. 711, 2.ª parte,
Com a ressalva que se trata de verba de caráter alimentar, e, que, portanto, do CC.
deve ser paga aos dependentes do representante. Feita esta breve análise, cumpre ressaltar a conseqüência prática da
No entanto, a remuneração somente é devida ao representante co- estipulação da cláusula de exclusividade, qual seja, mesmo que o agente ou
mercial devidamente registrado como tal (art. 5.° da Lei do Representante distribuidor não interfira no negócio realizado na zona delimitada no contrato
para a sua atuação, ele fará jus à comissão (art. 714 do CC).
Comercial).
Além disso, a quebra do dever decorrente da cláusula de exclusividade
Além da remuneração estabelecida pelas partes em um valor fixo, o
gera responsabilidade civil decorrente do inadimplemento contratual.
agente ou distribuidor faz jus ao recebimento do valor das comissões, que
A conseqüência prática da determinação da cláusula de exclusividade
salvo estipulação em contrário, devem ser pagas mensalmente mediante a
é o direito do agente ou distribuidor de receber a remuneração por todos os
entrega das cópias das faturas (art. 33, § 2.º, da Lei 4.886/1965).
negócios concluídos na zona determinada, mesmo que ele não tenha inter-
6. AGÊNCIA COM OU SEM REPRESENTAÇÃO vindo (arts. 714 e 716 do CC).
O contrato de agência e distribuição pode ser celebrado com ou sem 8. DA DISPENSA DO AGENTE OU DISTRIBUIDOR
representação. Tal distinção não é meramente acadêmica, pois se o contrato
for celebrado com representação, além dos dispositivos previstos especifica-
8.1 Da dispensa com justa causa
mente para o contrato de agência e distribuição, aplicam-se os arts. 115 a 120 Quando o contrato de agência e distribuição for estipulado por prazo
do CC sobre a representação. indeterminado, o principal ou fabricante pode, a qualquer tempo, desconsti-
A principal distinção é que o quando há representação, o contrato é tuir o agente ou distribuidor como seu representante comercial. Na hipótese
firmado com a participação de três pessoas: o representante, o representado de tal dispensa se der por justa causa, o agente ou distribuidor tem direito
e o adquirente (no caso do contrato de agência e distribuição). Quando apenas de receber a remuneração pelos serviços úteis prestados (art. 717 do
não há representação, o contrato é firmado entre duas pessoas, o agente e o CC). Cabendo ao principal (preponente ou fabricante), em ação autônoma,
pleitear perdas e danos quando for o caso.
principal.
A Lei do Representante Comercial estabelece no art. 35 alguns exem-
Na representação, o negócio efetiva-se em nome do representado. En-
plos do que se consideram motivos justos para a rescisão do contrato pelo
quanto que sem representação, o negócio efetiva-se à custa (por conta) do
representado, a saber: “(...) a) a desídia do representante no cumprimento
representado.
das obrigações decorrentes do contrato; b) a prática de atos que importem em
Para que haja representação, o representado deve conferir poderes descrédito comercial do representado; c) a falta de cumprimento de quaisquer
específicos ao agente ou distribuidor para que o represente na conclusão dos obrigações inerentes ao contrato de representação comercial; d) a condenação
contratos (parágrafo único do art. 710 do CC e parágrafo único do art. 1.° da definitiva por crime considerado infamante; e) força maior”.
Lei 4.886/1965). Da mesma forma, no artigo seguinte (art. 36) estão elencados os motivos
7. DA CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE justos para a rescisão do contrato pelo representante, quais sejam: “(...) a)
redução de esfera de atividade do representante em desacordo com as cláusulas
A cláusula de exclusividade não é da essência do contrato de agência do contrato; b) a quebra, direta ou indireta, da exclusividade, se prevista no
e distribuição, fato que o Legislador do Código Civil de 2002 fez questão de contrato; c) a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante,
destacar no art. 711 e art. 31 da Lei do Representante Comercial. Outrossim, com o exclusivo escopo de impossibilitar-lhe ação regular; d) o não-pagamento
a cláusula de exclusividade não se presume, mas ela deve estar expressa no de sua retribuição na época devida; e) força maior”.
contrato (parágrafo único do art. 31 da mesma Lei especial).
A cláusula de exclusividade é uma via de mão dupla, ou seja, se prevista 8.2 Da dispensa sem justa causa
pelas partes, o agente ou distribuidor também “(...) não poderá exercer sua Por outro lado, quando a dispensa se der sem justa causa, além da obrigação
atividade para mais de uma empresa e empregá-la em outro mister ou ramos de pagar a remuneração e comissão devidas pelos negócios concluídos, são
354 Direito dos Contratos CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 355

devidas, também, a retribuição e as comissões pelos negócios pendentes (art. No primeiro grupo:
718 do CC). Além disso, o principal (preponente ou fabricante) é responsável • Pelo decurso do prazo, quando o contrato de agência e distribuição for
pela indenização por perdas e danos causados ao agente ou distribuidor nos celebrado por prazo determinado, ele se extingue automaticamente,
termos do art. 715 do CC. a menos que haja prorrogação expressa ou tácita, fato que converte
O vencimento da eventual retribuição pendente ocorrerá na data da o contrato, originariamente celebrado por prazo determinado, em
rescisão do contrato (§ 5,º do art. 32 da Lei do Representante Comercial). contrato por prazo indeterminado (art. 27, § 2.º, da Lei do Repre-
sentante Comercial);
9. DA APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE OUTRAS REGRAS JURÍDICAS
• Pela morte do agente ou distribuidor, a morte do agente ou distribuidor
O Código Civil é expresso, no art. 721, no sentido de aplicar, subsi- é causa de extinção do contrato de agência e distribuição, devido ao
diariamente, as regras concernentes ao contrato de mandato e à comissão, caráter intuito personae desta modalidade contratual;
bem como as regras constantes da legislação especial, que, no caso, é a Lei do
• Pela falência ou extinção da empresa (representado), pelo mesmo motivo,
Representante Comercial (Lei 4.886/1965).
se o representado, empresário ou pessoa jurídica, falir, o contrato de
9.1 Direito intertemporal: Código Civil de 2002 e a Lei 4.886/1965 agência será extinto, e as quantias devidas ao representante consti-
tui-se em crédito da mesma natureza dos créditos trabalhistas (art.
No entanto, é imperioso ressaltar que em caso de conflito de regras
44 da Lei 4.886/1965).
constantes no Código Civil e na Lei do Representante Comercial, prevalecerá o
Código Civil de 2002, por ser lei posterior e que regulamenta especificamente No segundo grupo, ou seja, as causas voluntárias de extinção do con-
a matéria (lex posterior derogat priori). trato são:
Cite-se o conflito entre o art. 34 da Lei 4.886/1965 e o art. 720 do Código
• Distrato, se ambas as partes contratantes optarem pela extinção do
Civil, a ser pacificado de acordo com a regra de hermenêutica supra mencionada.
contrato, ocorre o distrato nos termos do art. 472 do CC;
Nos termos da legislação especial, o contrato de representação celebrado por
prazo indeterminado, pode ser resolvido pelas partes a qualquer tempo. No en- • Resilição unilateral, nos termos do art. 473 do CC, ela se opera me-
tanto, o aviso prévio somente seria devido quando o contrato tivesse vigorando diante denúncia notificada à outra parte.
há mais de seis meses. Sendo que o aviso prévio constituia-se na antecedência
Quanto à resilição unilateral, é forçoso ressaltar o prazo de vigência
mínima de 30 dias, ou no pagamento do valor igual a um terço das comissões
auferidas pelo representante nos três meses anteriores à dispensa. estabelecido no contrato. Sendo por prazo determinado, não se pode resilir
o contrato, sob pena de pagar a indenização por perdas e danos à parte pre-
Atualmente, a regra que deve prevalecer é a disposta no Código Civil de
judicada.
2002, que obriga ao aviso prévio independentemente do tempo pelo o qual o
contrato esteja em vigor, apenas condiciona ao prazo compatível com a natu- Entretanto, vigendo o contrato por prazo indeterminado, qualquer uma
reza e o investimento exigido do agente. Além disso, o aviso prévio aumentou das partes, a qualquer tempo pode resilir o contrato. Contudo, as conseqüên-
para que se dê antecedência mínima de 90 (noventa) dias. cias irão depender se houve ou não justa causa para tanto. Desnecessário
Quanto ao prazo, havendo divergência entre as partes, o parágrafo analisar estas hipóteses neste item, pois já foram objeto de análise do item 8
único do art. 720 do CC, estabelece o critério da razoabilidade do prazo e do (Da dispensa do agente ou distribuidor), ao qual se remete o leitor.
valor devido, que será o parâmetro do julgamento pelo juiz. Assim, o valor
11. DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO E OUTRAS
da indenização deverá ser estabelecido pelo intérprete, pois o Código Civil
FIGURAS CONTRATUAIS
não trouxe um valor pré-fixado como o fazia a Lei 4.886/1965.

10. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 11.1 Contrato de mandato


As causas de extinção do contrato de agência e distribuição pode ser di- O contrato de agência e distribuição distingue-se do contrato de mandato
vididas, basicamente, em dois grupos: 1) independente da vontade das partes; (arts. 653 a 692 do CC) devido à natureza da atividade exercida pelo agente,
e 2) pela manifestação volitiva de qualquer uma das partes contratantes. bem como à responsabilidade e à colaboração do mesmo, traço marcante
356 Direito dos Contratos CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 357

do contrato de agência e distribuição; enquanto, ocasional no contrato de so, atípico e misto, de longa duração, pelo qual as partes realizam um acordo
mandato. vertical, mediante o qual o fabricante ou fornecedor (também denominado
Assim, no contrato de mandato mercantil, o mandatário atua de acordo por agente econômico) assume a obrigação de abastecer outro agente econômico
com os poderes específicos ao mandato mercantil, e atua em seu nome, porém (denominado por distribuidor) com seus produtos ou serviços, para que este
por conta do mandante. No contrato de agência e distribuição, o agente ou último os revenda sendo o seu lucro a diferença entre o preço de compra e o
distribuidor atua em nome e por conta de outrem (do principal, preponente de revenda.
ou fabricante). De maneira, que a revenda é da essência do contrato de concessão ou
Todavia, é possível que se insira no contrato de agência e distribuição, distribuição comercial, enquanto que no contrato de agência e distribuição
poderes de representação, os mesmos poderes atinentes ao contrato de mandato não há tal elemento, sendo que o fabricante obriga-se ao pagamento da remu-
mercantil, neste caso, a Lei do Representante Comercial é clara (parágrafo neração e comissão estipuladas no contrato ao agente ou distribuidor.
único do art. 1.º), aplicam-se, outrossim, as regras da legislação comercial a Assim, no contrato de agência e distribuição, o agente ou distribuidor
respeito do mandato mercantil. Neste sentido, ressalte-se o art. 721 do CC, não adquire a mercadoria para revendê-la, mas tão somente, tem as merca-
que também diz serem aplicáveis as regras do contrato de mandato quando dorias a sua disposição (quando for o caso, contrato de agência qualificado
cabível, ou seja, no caso de se ter estabelecido poderes atinentes ao mandato. pela distribuição) para distribuí-la, fazendo, desta forma, com que cheguem
Mas ainda assim, quando a representação envolver o poder de decisão, no às mãos dos adquirentes.
contrato de agência e distribuição, o poder de decisão permanece sempre com
o preponente, enquanto no mandato com o mandante. 11.4 Contrato de trabalho
Ressalte-se, ainda, que, para agir em juízo, o representante precisa ter A diferença fundamental entre o contrato de agência e distribuição e o
poderes específicos segundo o art. 30 da Lei do Representante Comercial. contrato de trabalho está no fato de que naquele não há o elemento subordi-
nação, essencial para caracterizar o vínculo empregatício. Em outras palavras,
11.2 Contrato de comissão no contrato de agência e distribuição, o agente atua com autonomia, ou seja, o
Através do contrato de comissão (arts. 693 a 709 do CC), uma pessoa agente não está subordinado ao poder de comando que tem o empregador.
(comissionário) adquire ou vende bens em seu próprio nome, mas por conta Exemplo de algumas figuras que possam ser confundidas como a fi-
de outrem (comitente). De forma que, o contrato de comissão distingue-se do gura do agente, mas, na verdade, trata-se de empregados são os viajantes e
contrato de agência e distribuição, pois neste em regra o agente ou distribuidor pracistas, respectivamente o preposto encarregado de vender os produtos do
atua em nome e por conta de outrem, devendo comprovar ao adquirente os empregador em diversas praças e aquele encarregado de vendê-las em uma
seus poderes sempre que solicitado. A menos que o principal ou fabricante única praça. Desta forma, os viajantes e pracistas subordinam-se ao poder
confira poderes de representação ao agente ou distribuidor, como se demonstrou de comando do empregador, não se confundindo com a figura autônoma do
supra, caso em que o contrato de agência e distribuição com representação agente ou distribuidor.
será muito semelhante ao contrato de comissão, tanto é assim que o art. 721 Todavia, não se pode deixar de mencionar que esta autonomia significa
do CC diz serem aplicadas as regras desta última figura contratual ao contrato que o agente possa desenvolver suas atividades da maneira que lhe aprouver.
de agência e distribuição de maneira subsidiária. Pelo contrário, o Legislador é claro ao obrigar o agente a seguir fielmente as
No entanto, é prudente enfatizar que o contrato de concessão admite instruções dadas pelo preponente ou principal (art. 712 do CC).
a cláusula del credere (art. 697 do CC), caso em que o comissário responde
solidariamente com os adquirentes dos produtos do comitente; enquanto que 11.5 Contrato de prestação de serviço
tal cláusula é vedada no contrato de agência e distribuição (art. 43 da Lei do Ao se afirmar a autonomia do agente, também não se pode confundir o
Representante Comercial). contrato de agência e distribuição com o contrato de prestação de serviço (arts.
593 a 609 do CC), que é para a realização de certa atividade, e, portanto, sem
11.3 Contrato de concessão ou distribuição comercial que haja habitualidade. Já no contrato de agência, o agente ou distribuidor
O contrato de concessão ou distribuição comercial ainda permanece exerce sua atividade com autonomia, porém com habitualidade, sendo tal
atípico e misto, ele pode ser definido como o contrato sinalagmático, onero- contrato essencialmente de execução periódica (de longa duração).
358 Direito dos Contratos CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 359

11.6 Contrato de corretagem • cláusula de exclusividade


• dispensa do agente ou distribuidor
O contrato de corretagem (arts. 722 a 729 do CC) caracteriza-se pela
• dispensa com justa causa
imparcialidade do corretor, e pelo fato de ser eventual, ou seja, a remuneração • dispensa sem justa causa
somente será devida ao corretor se e quando este intermediar alguma venda. Já • aplicação subsidiária de outras regras jurídicas
o contrato de agência e distribuição caracteriza-se pela habitualidade, isto é, a • Direito intertemporal: Código Civil de 2002 e a Lei 4.886/1965
remuneração é devida sempre e corresponde a certo período de tempo (a regra • Extinção do contrato de agência e distribuição
é ser paga mensalmente). Além disso, o agente é parcial, devendo atuar com • Distinção entre contrato de agência e distribuição e outras figuras con-
extrema diligência ao promover os negócios do principal ou preponente. tratuais
 Contrato de mandato
12. RESUMO ESQUEMÁTICO  Contrato de comissão
• Duas espécies de contrato de agência ou representação comercial  Contrato de concessão ou distribuição comercial

 Contrato de Agência Puro ou Simples  Contrato de trabalho

 Contrato de Agência e Distribuição  Contrato de prestação de serviço

• Pressupostos e elementos constitutivos do contrato de agência e dis-  Contrato de corretagem

tribuição
 Não existe forma prescrita em lei
 Requisitos para o representante → Lei 4.886/1965 (Lei do Representante
Comercial)
• Conteúdo do contrato de agência e distribuição → art. 27, Lei 4.886/1965
(Lei do Representante Comercial)
• Obrigações e direitos decorrentes do contrato de agência e distribuição
 Obrigações e direitos do agente ou distribuidor (representante)
• Dever de diligência
• Seguir fielmente as instruções dadas pelo principal
• Prestar informações
• Custeamento das despesas decorrentes da agência e distribuição
 Obrigações e direitos do principal ou fabricante (representado)

• pagar a remuneração
• pagar as comissões
• observar o aviso prévio
• remuneração do agente ou distribuidor → da essência do contrato de
agência e distribuição, por ser um contrato essencialmente oneroso.
• Representação → o contrato de agência e distribuição pode ser celebrado
com ou sem representação
 Com representação → três partes → representante, representado e
adquirente (no caso do contrato de agência e distribuição)
 Sem representação → duas partes → agente e principal
CORRETAGEM 361

Também prestigiosa doutrina ensina que é o “(...) contrato por via do


qual comerciantes, e também particulares, ajustam com corretores a compra
e venda de mercadorias ou título e efeitos de comércio. Advém o qualificado
XIV da qualidade funcional de um dos contratantes – o corretor” (Ferreira. Insti-
tuições de direito comercial, p. 405).
Corretagem Nessa linha, o vocábulo “corretagem” apresenta-se associado a três
compreensões, ou seja, designa o contrato como relação jurídica em que
FÁBIO PODESTÁ uma pessoa empenha-se em função de determinado resultado para a apro-
ximação de sujeitos interessados em realizar negócios; como profissão afeta
aos corretores; ou o próprio salário (ou remuneração) devido pela obtenção
Bibliografia do referido resultado, direção esta adotada por Carvalho Neto (Contrato de
Antônio Carlos Mathias Coltro. Contrato de corretagem imobiliária. São Paulo: Atlas, 2001 mediação, p. 107).
– Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira. Com objetivo de delimitar o campo de apreciação, em consideração à
Contratos. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia amplitude do tema, o trato cingir-se-á ao contrato de corretagem para fins de
Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 disciplina civil (corretores livres), sem cogitar-se dos corretores oficiais sub-
– Clóvis Beviláqua. Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de metidos a leis especiais por conta da natureza da operação e os bens/serviços
Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4 – Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil. São Paulo:
envolvidos (Cases. Código Civil comentado, p. 104, passim), não sendo por
Saraiva, 2005. v. 3 – Inácio de Carvalho Neto. Contrato de mediação. 3. ed. São Paulo: Jalovi,
1991 – José Maria Trepat Cases. Código Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2003. v. 8 – Maria outro motivo que “os preceitos sobre corretagem constantes deste Código não
Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 3 – Orlando excluem a aplicação de outras normas da legislação especial” (art. 729).
Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999 – Waldemar Ferreira. Instituições De largo uso nos meios imobiliários (Coltro. Contrato de corretagem
de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1954. v. 2. imobiliária), na essência o contrato de corretagem visa promover a aproxima-
ção por parte daquele que pretenda vender e aquele que tenha por objetivo
1. GENERALIDADES. CONCEITO E DISTINÇÃO. CARACTERÍSTICAS. FORMA comprar alguma coisa, alcançando-se um resultado útil pelo serviço prestado,
E PROVA daí a conclusão de que se trata de contrato cuja obrigação não é simplesmente
O contrato de corretagem não era tipificado pelo Código Civil de 1916 de meio, mas de resultado.
muito embora o Código Comercial (em grande parte revogado), tenha dele Observe-se, no entanto, que qualquer setor ou atividade humana pode
cuidado nos arts. 36 a 67. ser objeto de corretagem, submetendo-se a contratação aos limites da ordem
pública, bons costume e função social.
O Código Civil de 2002 conferiu contornos específicos ao contrato de
corretagem ao considerá-lo com aquele em que “(...) uma pessoa, não ligada Poderíamos, como exemplo, identificar vínculos contratuais bem defi-
a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou qualquer relação nidos como pós-modernos, exemplificando com os chamados contratos de
corretagem matrimonial em que agências se oferecem para a aproximação de
de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, con-
casais levando em conta o perfil do interessado, sem que a concretização do
forme as instruções recebidas” (art. 722).
casamento seja colocada como resultado exigível, destoando da regra geral
Sobressai da redação que o corretor, diversamente do mandatário para situar-se em obrigação de meio.
(mandato) ou empregado (prestação de serviços), tem autonomia perante o O contrato de corretagem não se confunde com o de comissão, isto porque
dono do negócio, vinculando-se somente as instruções transmitidas que lhe neste último o prestador do serviço é contratado por duas partes interessadas
foram transmitidas. em chegar a um acordo, com o objetivo de facilitar os entendimentos entre
Por tal contrato, uma pessoa chamada corretor é contratada por outra elas (Coelho. Curso de direito civil, p. 298. Cases. Código Civil comentado, p.
denominada comitente (ou dono do negócio) para realizar determinada ati- 98). Naquele, a prestação do serviço é contratada por somente um sujeito
vidade voltada à localização e aproximação de interessados a celebrar certo e deve sempre defender seus interesses, denotando-se o caráter parcial da
contrato, proporcionando um resultado economicamente útil. conduta do corretor.
362 Direito dos Contratos CORRETAGEM 363

São suas características: consensual (aperfeiçoa-se com a manifestação resultado, conduzindo-se igualmente de forma sigilosa), prestando todas as
das partes, sem maiores formalidades), normalmente bilateral e oneroso (o informações necessárias ao fiel cumprimento do mister confiado.
corretor obriga-se a executar a atividade de aproximação com interessados A rigor, tendo o corretor experiência sobre o negócio que o comitente
no negócio; o comitente a remunerá-lo pela concretização da atividade – art. pretende realizar, a prestação de todas as informações é essencial pela impor-
724) e aleatório (envolve uma certa álea por subordinar-se a um aconteci- tância que o seu conhecimento, pela contraparte, seja suscetível de fazê-la
mento casual: aproximação, ou não, das partes negociantes com resultado modificar o seu comportamento.
proveitoso ao comitente). Também deverá o corretor ater-se fielmente às instruções transmitidas
Em que pese opiniões em contrário, não é contrato acessório como a pelo dono do negócio sem que a hipótese represente subordinação pessoal
fiança, penhor ou hipoteca, especialmente porque concretizada a atividade daquele.
principal do corretor (aproximação das partes interessadas com resultado Por outro lado, e uma vez cumprido o objeto contratual com a apro-
útil), irrelevante se o negócio foi finalizado nas bases originais, ou não, con-
ximação das partes negociantes e concretização do negócio, nasce para o
ferindo-se de qualquer forma o direito à remuneração.
corretor o direito à remuneração ajustada (que pode ser fixa, variável ou mista
Nessa linha a jurisprudência: “Civil. Contrato de corretagem. Venda de – Cases. Código Civil comentado, p. 113), sendo que a ausência de previsão
imóvel. Intermediação. Preço pago de forma diversa da originariamente pactuada. contratual ou legal impõe seja arbitrada segundo a natureza do negócio e os
Desinfluência. Resultado útil configurado. Comissão devida. I. Aperfeiçoa-se o usos locais (art. 724).
contrato de corretagem se a aquisição imobiliária resultante da seleção de lotes
Nessa linha, estipula o art. 725 do CC que a remuneração é devida ao
se concretiza em face da aproximação realizada pela empresa intermediária,
corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de
ainda que a forma de pagamento tenha sido diversa daquela originariamente
mediação (a própria utilidade em favor do comitente), ou ainda que este não
prevista. II. Recurso especial não conhecido” (REsp 476.472/SC, rel. Min.
Aldir Passarinho Jr.). se efetive em virtude de arrependimento das partes, ou seja, para esta hipótese,
o serviço prestado não fica desfigurado pelo posterior arrependimento das
No mais, o contrato prova-se pelas formas admitidas em direito, inde-
partes conforme já decidiu o STJ (LEXSTJ 53/200).
pendentemente do que estipula o art. 401 do CPC que não pode ser óbice á
remunerar um serviço licitamente prestado, pena de enriquecimento ilícito Assim, como adverte a doutrina, “(...) qualquer pessoa que se valha dos
do comitente (RTJ 111/877). serviços de um corretor deve, nas negociações com os potenciais interessados,
discutir a hipótese de arrependimento e precaver-se de suas conseqüências re-
Nesse ponto, a melhor forma de provar o contrato de corretagem é a
existência de instrumento de opção (equiparado à procuração em relação lativamente à comissão do corretor” (Coelho. Curso de direito civil, p. 310).
ao mandato), conferindo-se ao corretor exercer sua atividade em busca de Em regra a remuneração deve ser paga por aquele que se vinculou ao
interessados na celebração do negócio com o comitente. corretor, normalmente o vendedor, nada impedindo que ambos os contratantes
sejam responsáveis, ficando na dependência de convenção específica.
2. EFEITOS. DISCIPLINA LEGAL. CAUSAS DE EXTINÇÃO DO CONTRATO A importância e qualidade do trabalho desenvolvido pelo corretor são
Estipula o art. 723 do CC que o corretor é obrigado a executar a media- confirmadas pelo art.725 do CC ao afastar o direito à remuneração se o negócio
ção com a diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente, jurídico foi iniciado e concluído diretamente entre as partes, ou em outros
espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos negócios; termos, não tendo o corretor conseguido acertar a vontade do comprador à
deve ainda, sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente do vendedor, não levando a bom termo a mediação e realizando-se depois a
todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança venda sem a sua interferência, não há dúvidas que não lhe assiste razão alguma
ou risco do negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos para reclamar qualquer remuneração.
resultados da incumbência. Independentemente da existência de prazo fixado no contrato de
A natureza do contrato de corretagem associa-se inequivocamente ao corretagem ou vencida a opção, manda a lei que se pague a remuneração ao
princípio da boa-fé objetiva que, de resto, preside toda contratação (art. 422). corretor se o dono do negócio dispensá-lo, provando-se posteriormente que
Ocorre que o dispositivo elege como deveres principais do corretor a execução o negócio se realizou em razão dos serviços ou trabalhos por aquele prestados
da mediação com diligência e prudência (empenhar-se para a obtenção do (art. 727).
364 Direito dos Contratos

Porém, a importância do prazo fixado no contrato pode justificar a


recusa do pagamento da comissão, pois não se admite que o corretor, sem
concordância do comitente, arregimente pretendentes quando já expirado o
lapso temporal (RSTJ 51/191).
Cuidando-se de serviço prestado por mais de um corretor e obtendo-
se o resultado útil, a remuneração será paga a todos em partes iguais, salvo
ajuste em contrário, sendo intuitivo que a hipótese de partilha do valor está
condicionada ao grau de participação de cada profissional (Cases. Código
Civil comentado, p. 122-123).
O contrato de corretagem extingue-se pelo término da opção (prazo),
distrato, denúncia ou resilição unilateral (opção sem prazo), morte ou inca-
pacidade superveniente de uma das partes, impossibilidade do objeto, caso
fortuito ou força maior.

3. RESUMO ESQUEMÁTICO
1. A identificação e a caracterização do contrato de corretagem
2. As relações jurídicas decorrentes
3. Efeitos e disciplina legal aplicável
XV
Contrato de transporte
MARIA CLARA FALAVIGNA

Bibliografia

Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1995. v. 3 – Orlando Gomes. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

1. BREVE COMENTÁRIO
O homem sempre teve necessidade de se locomover de um lugar a outro
e este deslocamento, a princípio, dava-se a pé, para depois ocorrer por meio
de instrumentos que o facilitassem, como o uso de animais, e de embarcações.
Com o desenvolvimento do comércio, e do próprio grupo social, a atividade
de transporte ganhou a natureza mercantil.
Somente no século XX a atividade ganhou seu desenvolvimento máximo,
pelo menos até agora, e o céu já não era um limite instransponível, tornando
a atividade mais corriqueira, mas também mais perigosa, razão pela qual
não é possível ficar à margem da legislação e sem que venha a merecer uma
regulação específica.
Este é um contrato que nasceu de um fenômeno natural, a necessidade
de locomoção do ser humano e de seus pertences e que está ligado diretamente
aos acontecimentos comerciais, diante da inevitabilidade de se buscar mer-
cadorias essenciais que se encontravam distantes e que desde logo foi sendo
incorporada como bem indispensável à determinada sociedade.
O Código Civil de 1916 não tratava do contrato de transporte, ficando a
cargo de legislações especiais a regulação do transporte, como, por exemplo, o
Dec. legislativo 2.681/1912, que regulou a responsabilidade civil das estradas
de ferro, mas o legislador civilista de 2002 não deixou passar em branco a
atividade e esta foi amparada dos arts. 730 a 756, dividida entre o transporte
de pessoas e de coisas.

2. NATUREZA JURÍDICA
Para Caio Mário da Silva Pereira, o contrato de transporte é aquele “pelo
qual alguém se obriga a receber pessoas ou coisas (animadas ou inanimadas) e
366 Direito dos Contratos CONTRATO DE TRANSPORTE 367

levá-las até o lugar do destino, com segurança, presteza e conforto” (Instituições plenamente justificáveis – art. 739 do CC. Não há indicação no Código Civil
de direito civil). Saliente-se, portanto, que é inerente ao transporte estes três se neste caso o transportador deve restituir o valor da passagem, mas parece
elementos: segurança, presteza e conforto, o que, aliás, pode ser extraído da claro que deva fazê-lo, sob pena de locupletamento indevido, ainda que pro-
interpretação das normas que o regulam. porcional ao que restava da viagem, se esta já havia iniciado, podendo, por
O transporte poderá ocorrer de maneira gratuita ou onerosa, sendo que analogia aplicar a multa compensatória estabelecida no § 3.º do art. 740. Por
o Código Civil apenas regula o contrato de transporte oneroso, ao atribuir no outro lado, o passageiro, pode desistir da viagem antes de seu início, tendo
art. 730, que a obrigação só nasce mediante retribuição, o que também será
direito a receber o valor, desde que tenha comunicado o transportador em
considerado se o transportador receber vantagens indiretas pelo transporte
tempo de ser renegociada – art. 740 do CC. Qual a interpretação a ser dada
(art. 736, parágrafo único, do CC), como, por exemplo, uma loja que oferece o
transporte de seus clientes de um determinado local, para estimular o consumo para calcular esse tempo? Entendo que dependerá do tipo de transporte e não
de suas mercadorias. Todavia, por força do art. 731, além das disposições ora bastará o transportador não ter comercializado a referida passagem, mas que
codificadas, o contrato de transporte continua a ser regulado pelas normas teve tempo para esse fim, no entanto, se transportou outra pessoa, o valor
especiais a cada modalidade. da passagem deve ser integralmente reembolsado – § 2.º, sem que não tenha
No transporte gratuito, por amizade ou cortesia, a responsabilidade do nada a ser demonstrado.
transportador somente é auferida por dolo ou culpa grave (RSTJ 80/340). Se a desistência do passageiro se der quando já iniciada a viagem, resti-
Portanto, o transporte será um contrato bilateral, oneroso, consensual, tuir-se-lhe-á o valor correspondente ao trecho da viagem não utilizado, desde
para o transporte de pessoas e real para o transporte de coisas. que outra pessoa tenha sido transportada em seu lugar – § 1.º, art. 740, do
CC. Em todos os casos, entretanto, o transportador poderá reter 5% do valor
3. TRANSPORTE DE PESSOAS
a ser restituído como multa compensatória – § 3.º.
Para o transporte de pessoas, o transportador deve levar de um lugar
Em razão da obrigação assumida pelo transportador, qualquer que
a outro o passageiro, além de suas bagagens, obedecendo ao horário e itine-
rário determinado (art. 737 do CC), geralmente representado pelo bilhete, seja o motivo que ocasione a interrupção da viagem, mesmo que por fato de
ou conhecimento, de passagem; igualmente, o passageiro deverá respeitar terceiro, deve o transportador providenciar a chegada do passageiro ao seu
as regulamentações do transportador, indicadas no bilhete, em quadro de destino, com as mesmas condições de segurança e conforto anteriormente
avisos no interior do veículo ou por informações prestadas pelos prepostos contratadas, nada devendo o passageiro pelo novo transporte, ficando a cargo
do transportador (Caio Mário. Instituições de direito civil, p. 210) – art. 738 do transportador todas as despesas, inclusive de hospedagem ou alimentação
do CC. O contrato poderá ser, então, escrito ou verbal. que se fizerem necessários para o cumprimento integral do contrato – art.
Sendo a segurança do passageiro elemento essencial do contrato, não se 741 do CC.
admite cláusula excludente de responsabilidade – art. 734 do CC, contudo, Vê-se que a responsabilidade do transportador, no caso de transporte
em relação às bagagens, o transportador pode exigir a declaração de seu valor, de pessoas, é objetiva, todavia, há controvérsia em caracterizá-la quando o
para limitar o valor de sua indenização – parágrafo único.
passageiro deixou de pagar a passagem ou mudou de classe no decorrer da
Mesmo que um acidente seja causado por terceiro, este fato não é ex-
viagem sem integralizar o valor correspondente, mas a doutrina majoritária
cludente de responsabilidade, ou seja, o transportador responde pelos danos
entende que, mesmo nesses casos, o transportador é responsável (Orlando
causados ao passageiro, em qualquer circunstância, cabendo-lhe apenas o
regresso em relação ao causador do acidente – art. 736 do CC. Gomes. Contratos, p. 312).
O transportador somente pode recusar passageiro que apresentar con- Se o passageiro não tiver feito o pagamento da passagem, tem o trans-
dições contrárias aos regulamentos impostos ao tipo de transporte, como, portador direito de retenção sobre sua bagagem ou outros objetos pessoais
por exemplo, alguém que ofereça risco à segurança dos demais passageiros, que estejam que estejam depositados, desde que executado o transporte
ou por questões de saúde ou ainda de higiene, mas sempre em situações – art. 742 do CC.
368 Direito dos Contratos CONTRATO DE TRANSPORTE 369

4. TRANSPORTE DE COISAS O remetente pode desistir de dar continuidade ao contrato e pedir a


restituição da coisa até antes dela ser entregue ao destinatário, do mesmo
Para o transporte de coisas é necessário o contrato escrito, representado
modo, poderá alterar o destino, todavia, deverá arcar com as despesas que
pelo conhecimento (art. 744 do CC), que conterá todas as obrigações assumidas
se acrescerem por essa decisão, além de perdas e danos se houver – art. 748
pelas partes e a caracterização da coisa transportada, por sua natureza, valor, peso
do CC.
e quantidade – art. 743 do CC, além de qualquer outro elemento indispensável
para sua individualização, assim como a indicação do destinatário. Determina o art. 754 do CC, que o destinatário terá prazo decadencial
para reclamar ao transportador algum prejuízo, com o parágrafo único in-
A obrigação do transportador é entregar a coisa a seu destino, consoante
dicando o prazo de dez dias, a contar do recebimento da coisa, desde que a
for convencionado, zelando por sua integridade física e a do remetente pagar perda seja parcial ou a avaria não for perceptível desde logo. Muito embora
o frete. O destinatário poderá ser um terceiro na avença, com a obrigação de o Código Civil tentou identificar a diferença entre prescrição e decadência
recebê-la, exceto se estiver avariada ou não esteja na quantidade correta (Or- por critério espacial, há um equívoco ao tratar este prazo como decadência,
lando Gomes. Contratos, p. 309). Conforme o tipo de ajuste, o destinatário quando na realidade seria um prazo prescricional.
poderá ser o responsável pelo pagamento do frete.
O caput do artigo fala em decadência de direitos, sem mencionar qualquer
O transportador poderá recusar a executar o contrato se a coisa a ser prazo, enquanto seu parágrafo único, que somente trata de perda parcial ou
transportada não estiver devidamente embalada para o tipo de transporte e avaria, indica um prazo de dez dias. Ora, estamos diante de um prazo pres-
de acordo com sua natureza, ou que coloque em risco a saúde das pessoas ou cricional, em razão de se tratar do instituto de responsabilidade civil e, não
do veículo e outros bens – art. 746 do CC. Do mesmo modo se a mercadoria mencionando o caput qualquer prazo para uma perda total, será o geral de
for ilícita, ou desacompanhada dos documentos necessários – art. 747 do três anos, contido no inciso V, § 3.º, art. 206 do CC. Temos aqui um direito
CC. Saliente-se que, para este último caso, é uma obrigação do transportador tipicamente patrimonial e de interesse privado, não se justificando a aplicação
recusar o transporte e não uma faculdade. do conceito de decadência, até porque é claro que o prazo para o instituto da
A doutrina tem se posicionado que a responsabilidade do transportador responsabilidade civil é de prescrição. Como se vê, não é possível apenas um
de coisas é contratual (Caio Mário. Instituições de direito civil, p. 209), com critério espacial para indicar quando é uma e quando é outra.
exceção dos contratos oriundos da relação de consumo, já que por força do O nome que se dá, prescrição ou decadência, não tem tanta relevância,
art. 14 do CDC (Lei 8.078/1990). mas a distinção é importante para aplicar-lhes o sistema que caracteriza cada
A responsabilidade do transportador limita-se ao valor declarado no uma, o sistema de operação.
conhecimento e tem início com o recebimento da coisa, até sua entrega ao Com efeito, é bem salientar, portanto, que não há prazo para o caso de
destinatário – art. 749 do CC, contudo, não o sendo encontrado, ou se hou- perda total, assim, é de concluir-se que não se trata de decadência, mas de
ver dúvida para quem entregá-la deverá depositá-la em juízo, salvo se a coisa prazo prescricional comum, com as regras que lhe são inerentes. Assim, para
for perecível. Neste caso deve vendê-la e depositar o valor auferido em juízo a perda total, o prazo de três anos, consoante o inciso V, § 3.º, art. 206, do CC,
– art. 755 do CC. Redundante, porém, o art. 749 do CC, que determina que porém, não é razoável o prazo de dez dias para o dano oculto, devendo-se
a coisa deva ser transportada e entregue em bom estado e no prazo ajustado. interpretar pelo prazo maior, além de ser possível exigir-se que o prazo tenha
Na realidade a coisa tem que ser entregue no estado em que se encontrava inicio com o recebimento da coisa, mas sim do conhecimento do dano. Porém,
quando foi recebida pelo transportador. Não há previsão legal que impeça tratando-se de contrato de transporte regido pelo Código do Consumidor, o
cláusula de exclusão ou limitação de responsabilidade, exceto se se tratar de prazo será de cinco anos – art. 27 do CDC.
relação de consumo, o que está vedado em razão do art. 25 do CDC. Põe o Código Civil fim à dúvida se o destinatário tinha ação direta
Se o transportador guardar a coisa em armazém sob sua responsabilida- contra o transportador, em razão de seu poder de dispor sobre a mercadoria,
de, as disposições relativas ao contrato de depósito serão as condicionantes transferido pelo remetente (Orlando Gomes. Contratos, p. 309).
a regular a situação – art. 751 do CC, podendo exigir uma remuneração pela O legislador não previu uma situação que autorize o direito de reten-
guarda da coisa – art. 753, § 4.º, do CC. ção das mercadorias transportadas, mas é bom lembrar que Orlando Gomes
370 Direito dos Contratos

(Contratos, p. 309) entendia que mesmo sem previsão legal seria possível esta
retenção desde que o frete não fosse pago.

5. RESUMO ESQUEMÁTICO
• Elementos
 segurança

 presteza

 conforto

• Características
 bilateral

 oneroso

 consensual para pessoas e real para o transporte de coisas

 oneroso → Código Civil

• Transporte de pessoas
• Transporte de Coisas
XVI
Contrato de seguro
MARIA CLARA FALAVIGNA

Bibliografia
Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1995 – Pedro Alvim. O contrato de seguro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986
– Orlando Gomes. Contratos. 15. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.

1. ORIGEM DO CONTRATO DE SEGURO


Com o desenvolvimento das atividades comerciais, o homem sempre
procurou mecanismos que o protegessem dos infortúnios, e com a atenta
observação dos fatos da vida, não demorou em descobrir que um grupo de
pessoas unidas sairia fortalecido dos acontecimentos inesperados da natu-
reza, ou, na lição de Pedro Alvim (O contrato de seguro, p. 2), “percebeu-se
que era mais fácil suportar coletivamente os efeitos dos riscos que atingiam
isoladamente as pessoas. O auxílio de muitos para suprir as necessidades de
poucos amenizava as conseqüências danosas e fortalecia o grupo”.
Ao longo da história, por representar riscos com conseqüências mais
temíveis, a atividade mercantil marítima fez surgir meios para garantir seus
prejuízos, pois os riscos eram inerentes a todos os navegantes, sem distinção,
criando-se, por força dos costumes um sentimento de eqüidade entre eles
(Alvim. O contrato de seguro, p. 9). Os riscos deveriam ser partilhados, já que
era de bom senso que o sacrifício fosse comum.
Diz-se que a primeira legislação sobre o compartilhamento dos danos
surgiu em Rodes, denominando-se Jus Navale Rhodirum, absorvida pelos
romanos, onde figura no Digesto como – De Lege Rhodia de Iactu, constando
no primeiro fragmento (Alvim. O contrato de seguro, p. 10): “Pela Lei de Rodes
se dispõe que, se para aliviar um navio se faz o alijamento de mercadorias,
reparar-se-á pela contribuição de todos o dano que em benefício de todos se
causou”. Assim, como era de costume, na iminência de se perder a embar-
cação, a carga ou outros objetos poderiam ser jogados ao mar, para evitar a
perda maior, além da vida dos navegantes, distribuindo-se a perda com os
mercadores a quem pertenciam os objetos alijados.
372 Direito dos Contratos CONTRATO DE SEGURO 373

Não foi difícil perceber que as pessoas expostas aos mesmos riscos en- A noção de risco não se confunde com a de dano. Entenda-se risco
contraram um valoroso meio de amenizar o sacrifício individual, o que fez como a possibilidade de vir ocorrer um dano, que não depende da vontade
surgir, ao longo da história, outros mecanismos semelhantes de solidariedade, das partes e que pode não acontecer. Daí, porque, não ocorrido o risco, o
criando-se confrarias religiosas e associações de comerciantes durante a Idade prêmio também não será devolvido, não eximindo o segurado de pagar o
Média, mas que tinham objetivo de prestação de ajuda a seus membros, para prêmio, salvo disposição especial (art. 764 do CC). Como exemplo citemos
os infortúnios da vida como ruína ou doença. o fato de se contratar um seguro de responsabilidade civil por ser o segurado
Com fundamento mercantil ou religioso, a modalidade evoluiu ao longo um cirurgião, entretanto, durante o ano de vigência do contrato este não
do progresso da humanidade e as complexidades de suas operações, notada- realizou nenhuma cirurgia, ou seja, não houve assunção de risco, mesmo
mente comerciais, firmando-se o instituto do seguro, muito embora digam assim, deverá pagar o prêmio.
os doutrinadores que o contrato de seguro é de reconhecimento moderno Outrossim, o risco deve ser relativo a um acontecimento possível, do
(Alvim. O contrato de seguro, p. 19), no sentido de como hoje o reconhecemos, contrário não será risco e conhecendo o segurador que o risco já havia pas-
de mútuo ou de prêmio. sado, deverá pagar ao segurado o valor em dobro estipulado para o prêmio
(art. 773 do CC).
2. O CONTRATO DE SEGURO Quanto à apólice, conterá dados sobre o risco assumido, o prazo de
O contrato de seguro vem regulado pelo Código Civil de 2002 entre os sua vigência, limite de garantia, o prêmio devido, e se houver necessidade, o
arts. 757 e 802, tendo natureza aleatória, pois o dano é incerto; bilateral, uma nome do segurado ou do beneficiário. Deve ter indicação clara das cláusulas
vez que as partes que o celebram possuem prestações recíprocas, uma deverá que excluam ou limitem direito do segurado, haja vista constituir modali-
pagar o prêmio, a outra indenizará o dano, se este vier a ocorrer. Também é dade de contrato de adesão, mas desde que não descaracterize sua natureza
um contrato oneroso e consensual, podendo haver modalidades de seguro jurídica (art. 424 do CC). A apólice poderá ser nominativa, à ordem ou ao
obrigatório. portador (art. 760, caput, do CC), porém, o seguro de pessoa não poderá ser
ao portador (parágrafo único), sendo certo que as apólices à ordem podem
Saliente-se que houve quem entendesse que o contrato era formal, como
ser transferidas por endosso em preto, nos termos do art. 785, § 2.º, do CC.
era o caso de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, p. 303),
já que o art. 1.433 do CC/1916 determinava que o contrato somente obrigava 3. O PRÊMIO
quando reduzido a escrito, no entanto, tal determinação não foi repetida no
A vantagem recebida pela seguradora é denominada prêmio, que é o
CC de 2002, ao contrário, fica clara sua natureza consensual, uma vez que
preço pelo risco assumido – pretium periculi. O prêmio constituirá um fundo
seu art. 758, esclarece que o contrato poderá ser provado com a exibição da
comum do qual sairá o dinheiro para pagar as indenizações futuras, cujos riscos
apólice ou bilhete de seguro, ou por qualquer documento que comprove o foram segurados. É elemento essencial do contrato de seguro e é calculado
pagamento do prêmio, na falta dos referidos instrumentos escritos. de acordo com o risco a ser assumido. Dependerá, assim, da previsibilidade
O segurador é uma empresa criada sob a forma de sociedade anônima de sua ocorrência, sendo maior se a ocorrência do dano é mais passível de
e tem fins lucrativos (art. 757, parágrafo único, do CC). vir a ocorrer.
O ressarcimento do dano é dividido entre todos os segurados, que ao Vale-se o segurador dos pagamentos dos prêmios feitos por todos os
contratarem um seguro, pagam um prêmio à empresa seguradora e, ocorrendo segurados para custear o pagamento das indenizações, e integra seu cálculo
um dano com algum dos segurados, a indenização é realizada por esta e não as informações prestadas pelo segurado, que devem corresponder à verdade,
pelo segurado responsável direto. A seguradora, ou agente segurador, paga a sob pena de perder o direito a uma futura indenização, salvo se a inexatidão ou
indenização, valendo-se de toda a arrecadação com o pagamento dos prêmios. omissão das declarações não ocorrerem por sua má-fé (arts. 765, 766, do CC),
É a repartição social do prejuízo. além de cálculos atuariais, fundamentado nas causas de probabilidade.
Os riscos são predeterminados (art. 757 do CC), isto é, serão relativos a O Código Civil vigente não repetiu o art. 1.449 do CC/1916, que esta-
um acontecimento danoso futuro e incerto, mas podem não acontecer, con- belecia norma de que, o prêmio deveria ser pago na época em que o segurado
tudo, o contrato determinará quais poderão ser indenizados. Não ocorrendo recebesse a apólice, exceto se fosse combinado de outra maneira, assim,
o dano, o prêmio não será devolvido. pelas regras vigentes, o prêmio será devido na forma em que for contratado,
374 Direito dos Contratos CONTRATO DE SEGURO 375

estando em vigor o Dec.-lei 73/1966 (que regulamenta o Sistema Nacional art. 397 do CC, sendo perfeitamente possível admitir-se que para o segurado
de Seguros privados), que determina seu pagamento a partir do dia previsto ser constituído em mora deverá ser interpelado.
na apólice ou bilhete de seguro, sob pena de não haver cobertura do risco Aliás, é a mesma interpretação que se aproveita do art. 763 do CC, que
(art. 763 do CC). permite a purgação da mora, não havendo o cancelamento do contrato auto-
Poderá ser pago por inteiro ou em parcelas, sendo que a mora, além maticamente como querem alguns.
de suspender a cobertura, poderá levar à rescisão do contrato, ou na sua Assim, as regras contratuais comuns valem para o contrato de seguro,
cobrança. sem que se deixe de considerar o art. 765 do CC, guardando as partes a boa-fé
Afirma Pedro Alvim (O contrato de seguro, p. 293), que o Dec. 61.589/1967 durante a conclusão e execução do contrato, reconhecendo-se, em cada casa
tornou obrigatória cláusula de cancelamento do contrato, independente de concreto, se as partes utilizaram-se de algum meio fraudulento para receber
qualquer notificação ou interpelação, se não houver o pagamento do prêmio, vantagem indevida.
já que para os contratos de seguro não se aplicariam os princípios contratuais No tocante ao pagamento de prêmio de seguro obrigatório, a mora do
de direito comum, para resolver a mora do segurado, no entanto, não é o que estipulante levará ao pagamento de multa, imposta pela SUSEP, no valor
tem entendido o STJ em seus julgamentos, pois considera que a mora somente igual ao dobro do valor dos prêmios, sem prejuízo de ação penal que couber
se caracteriza se houver interpelação do segurado, sem que qualquer simples – art. 10 da Lei 5.628. Se houver sinistro, as sociedades seguradoras deverão
atraso no pagamento cause os efeitos da mora (3.a T., REsp 318.408/SP, rel. indenizar a vítima, procedendo às medidas cabíveis para receberem o valor
Min. Humberto Gomes de Barros, j. 06.09.2005; REsp 737.061/RS, rel. Min. do prêmio de quem é devido. Outrossim, como nova disposição do Código
Castro Filho, j. 02.06.2005). Civil, em matéria processual, se o segurador for demandado diretamente pela
Saliente-se que o art. 763 do CC determina que não haverá direito a receber vítima, não poderá opor exceção de contrato não cumprido, em relação ao
a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, desde segurado, sem que o denuncie à lide – parágrafo único, art. 788 do CC (art.
que o sinistro tenha ocorrido antes de sua purgação, outrossim, havendo data 70 do CPC).
estabelecida para o pagamento da obrigação, seu inadimplemento constitui de O prêmio é indivisível, ou seja, ele é estipulado para um período a ser
pleno direito em mora o devedor –art. 397, caput, do CC, havendo necessidade coberto pelo contrato, sendo devido pelo segurado por inteiro (art. 766, pa-
de interpelação apenas para as obrigações sem termo – parágrafo único. Mas rágrafo único, do CC). Se o contrato é cancelado por vontade do segurador
está se falando em mora no sentido de ser possível exigir-se o crédito, e não da e com a concordância do segurado, o prêmio do período restante à vigência
seguradora eximir-se de sua obrigação em indenizar, haja vista que o próprio do contrato, deverá ser devolvido, do mesmo modo se é o segurando quem
art. 763 admite o pagamento do prêmio após o vencimento. Outrossim, o art. deseja o cancelamento, com anuência do segurador, consoante as condições
12 do Dec.-lei 73/1966 determina que ficará suspensa a cobertura durante gerais das apólices de seguro padrão aprovadas pela SUSEP.
a inadimplência, e a indenização somente será paga se o pagamento ocorrer Para o seguro de pessoa, na modalidade vida, o prêmio pode ser esti-
antes do sinistro (parágrafo único). pulado por prazo limitado, ou por toda a vida do segurado (art. 796 do CC),
Parece haver um conflito entre as normas gerais, que regulam as obriga- contudo, o não pagamento do prêmio em seu vencimento não gera direito ao
ções, e o que vem sendo decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que tem segurador de cobrá-lo, o que pode ocorrer, conforme a modalidade de seguro
pautado suas decisões na necessidade prévia de interpelação para a consti- contratada, que se resolva o contrato, com a restituição da reserva ao segura-
tuição em mora do segurado, principalmente no que tange ao prêmio pago do, ou a redução do capital que garante o pagamento, proporcionalmente ao
em prestações. Saliente-se que a Circular 67de 25.11.1998 da SUSEP orienta, prêmio que já foi pago (parágrafo único).
para os casos de prêmio fracionado, a utilização de uma tabela de referência,
para pagamento da indenização na ocorrência de sinistro com o pagamento 4. IMPORTÂNCIA SEGURADA
parcial do prêmio, mas ocorrido durante a inadimplência de algumas ou de Os seguros privados são classificados como de danos e de pessoas. Os
uma das parcelas. Outrossim, a mesma Circular determina a interpelação do seguros de dano são os de coisas, crédito, habitacionais, responsabilidade
segurado inadimplente para o cancelamento da apólice. Desta maneira, rea- civil e riscos de garantias de obrigações contratuais. Nos seguros de pessoas
lizadas as contratações nestes parâmetros, há uma derrogação dos efeitos do há o de vida, acidentes pessoais e danos pessoais.
376 Direito dos Contratos CONTRATO DE SEGURO 377

Para o seguro de dano a importância a ser segurada depende do valor do 5. OBRIGAÇÕES DO SEGURADO
bem material a ser coberto, para não se tornar fonte de enriquecimento sem
O segurado tem a obrigação de pagar em dia ao segurador o prêmio
causa, como disposto no art. 778 do CC, isto é, seu limite é o valor do bem,
estipulado (art. 757 do CC) e de não agravar o risco durante a execução do
mas nada impede que seja inferior.
contrato, de forma intencional, sob pena de perder a garantia (art. 768 do CC).
No que diz respeito ao seguro de responsabilidade civil, espécie de se-
Da mesma maneira se o risco decorre de um ato doloso seu, ou do beneficiário,
guro de dano, a importância segurada é relativa a uma coisa ou atividade que
ou de seus representantes (art. 762 do CC).
possa criar um prejuízo a terceiro, assim, a importância a ser segurada deve
ser indicada como um máximo a que o segurador está obrigado a indenizar As declarações prestadas pelo segurado, por ocasião da contratação,
– art. 787 do CC. devem ser verdadeiras, no tocante às informações sobre o objeto e suas
circunstâncias, já que influenciam no cálculo do prêmio e na aceitação da
Com efeito, o seguro de responsabilidade civil é contratado na modali-
proposta, sob pena de perder a garantia (arts. 765 e 766, do CC). Contudo,
dade de seguro de primeiro risco, em que as partes ajustam o recebimento da
indenização, até o máximo segurado, independente do valor do prejuízo, o se as declarações inexatas não decorrem de má-fé do segurado, mas de seu
que derroga a situação comum que é a cláusula de rateio. desconhecimento, o segurador terá direito a resolver o contrato ou cobrar
uma diferença do prêmio, mesmo que já tenha acontecido um sinistro (art.
Sobre o seguro a primeiro risco, devemos esclarecer que há o absoluto
766, parágrafo único, do CC). Entretanto, somente pode ser considerada
e o relativo: no absoluto, o segurador responde pelo prejuízo até o limite da
esta pena se o segurado agiu por dolo, ou seja, conhecia a verdade (STJ,
importância segurada; o relativo, são indenizados os prejuízos até o valor da
importância segurada, desde que o valor não ultrapasse o fixado na apólice. 3.ª T., REsp 191.241, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, v.u., j.
Se o valor do prejuízo for maior, o segurado participará dos prejuízos como 19.10.1999).
se o seguro fosse proporcional. Havendo situação suscetível de agravar consideravelmente o risco
O seguro a segundo risco é aquele em que há complementação de co- o segurado deve comunicá-lo ao segurador (art. 769 do CC). Igualmente,
bertura a primeiro risco absoluto, sempre que o segurado quiser se prevenir logo que tomar conhecimento do sinistro deve comunicá-lo ao segurador,
contra a possibilidade da ocorrência de sinistro de montante superior à tomando as necessárias providências para diminuir os danos (art. 771 do CC),
importância segurada. salientando-se que esta comunicação suspende o prazo de prescrição, que
Entenda-se como cláusula de rateio aquela em que o segurado indica recomeça a contar do dia em que a seguradora informa a recusa no pagamento
como importância segurada uma porcentagem do valor da coisa objeto do da indenização (STJ, 4.ª T., REsp 80.844/PE, rel. Min. Fontes de Alencar, v.u.,
contrato, por exemplo, 70%, havendo o sinistro, o segurador indenizará j. 05.03.1996).
70% do prejuízo, já que há um rateio do prejuízo com o segurado. No segu-
6. OBRIGAÇÕES DO SEGURADOR
ro a primeiro risco, comum nos casos em que não é possível prever o valor
exato do risco, caso típico de um seguro para amenizar prejuízos relativos A principal obrigação do segurador é garantir o risco (art. 757 do CC).
a incêndio, estipula-se como importância segurada um determinado valor Da mesma maneira que o segurado, o segurador deve estar de boa-fé na exe-
e qualquer que seja o prejuízo, o segurador está obrigado a indenizar até o cução e conclusão do contrato (art. 765 do CC), como, v.g. no prazo para
valor estipulado. pagamento da indenização, a não aceitação do risco sem motivo determinado.
Com o pagamento do sinistro, a seguradora tem direito de regresso em Outrossim, em razão de boa-fé, se o segurador, sabendo ter passado o risco ao
face de quem praticou o evento danoso, já que se sub-roga nos direitos do tempo do contrato, e mesmo assim emite a apólice, deverá pagar em dobro o
segurado – art. 786, caput, do CC, muito embora, ao que parece, o contrato prêmio estipulado (art. 733 do CC).
de seguro perde sua natureza aleatória, haja vista que a seguradora não estaria O segurador deverá emitir a apólice (arts. 758 e 759, do CC) e a pagar
assumindo um risco incerto, além de ocorrer um enriquecimento injusto, pois em dinheiro o prejuízo resultante do risco, na data avençada entre as partes,
recebeu o prêmio para o pagamento destes eventuais prejuízos. sob pena de incidir em mora e haver acréscimo de correção monetária e juros
Não haverá a sub-rogação se o dano foi causado pelo cônjuge, descen- moratórios (art. 772 do CC), a não ser que tenha sido convencionada a re-
dentes ou ascendentes do segurado, consangüíneos ou afins – art. 786, § 1.º, posição da coisa, comum em seguro relativo a automóveis, em que o sinistro
do CC. ocorra em determinado prazo (art. 776 do CC).
378 Direito dos Contratos CONTRATO DE SEGURO 379

Comunicando o segurado uma situação que faça agravar consideravel- segurado for cônjuge, ascendente ou descendente (parágrafo único). Por
mente o risco, o segurador tem 15 dias para resolver o contrato e comunicar lamentável a não inclusão do companheiro no rol dessas presunções, mas é
esta decisão ao segurado (art. 769, § 1.º, do CC), restituindo a diferença do claro que se deve interpretar como incluído, já que seu interesse é legítimo.
prêmio pago (§ 2.º). Importante o fato de que do rol foi excluído irmão, que constava do parágrafo
único do art. 1.472 do CC/1916, agora revogado.
7. PRESCRIÇÃO Poderá ocorrer a substituição do beneficiário durante a vigência do
Prescreve em um ano a pretensão do segurado contra o segurador, ou contrato, inclusive por ato de última vontade, com a ciência do segurador,
do segurador em relação ao segurado (art. 206, § 1.º, I, do CC), contados, sob pena deste pagar o antigo beneficiário (art. 791 do CC). Não havendo
em caso de sinistro decorrente de responsabilidade civil, para o segurado, da indicação de beneficiário, em caso de seguro de vida e falecendo o segurado,
data em que é citação para a ação de reparação de danos proposta pela vítima, ou se o declarado não puder receber, o valor segurado será pago metade para o
ou data em que indeniza a vítima com anuência do segurador (a); da data da cônjuge não separado judicialmente e o restante aos herdeiros, instituídos na
ciência do sinistro, para os demais tipos de seguro (b). ordem de vocação hereditária (art. 792 do CC). Aqui não se cogita a sucessão
Como já exposto, o pedido de indenização do segurado ao segurador como estabelecida em capítulo próprio do Código Civil, mas uma modalidade
suspende o prazo prescricional, passando a correr da data em que o segurador particular para o recebimento do valor estipulado, até porque não se está fa-
o comunicar da recusa no pagamento, nos termos da Súmula 229 do STJ: lando em patrimônio do de cujus, mas de pagamento de um valor previamente
“O pedido de pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de contratado (art. 794 do CC). Mais uma vez não se cogitou do companheiro,
prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão”. o que parece nos remeter ao parágrafo único, que determina: “Na falta das
pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a
8. CLASSIFICAÇÃO DOS SEGUROS E SUA CONSEQÜÊNCIA morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência”.
O Código Civil classifica os seguros como de dano e de pessoa (arts. Com efeito, tanto foi desprezado o companheiro como presumidamente
778 e 789 do CC). beneficiário do valor a ser recebido e que o art. 793 do CC afirma ser válida a
O seguro de dano tem escopo indenizatório, já que relativo a reparar instituição de companheiro como beneficiário, porém, desde que o segurado
um dano sofrido, como é o caso dos seguros de incêndio, transportes, res- esteja separado ao tempo do contrato, mesmo que de fato.
ponsabilidade civil, automóveis, imóveis, móveis e todos os que garantam Interessante é a inclusão do art. 795 do CC, sem qualquer correspondência
prejuízos da mesma natureza. no Código revogado, determinando ser nula transação para pagamento reduzido
No seguro de dano é possível a transferência do contrato de seguro a do valor segurado, mesmo porque, contraria a vontade do contratante.
um terceiro, se houver alienação do objeto segurado ou cessão do interesse O seguro de vida pode prever um prazo de carência, para o qual, se
segurado (art. 785 do CC), porém, se a apólice for nominativa, a transferência houver sinistro, não haja pagamento (art. 797 do CC), que pode ser rela-
somente produzirá efeito se o cedente e o cessionário comunicarem por escrito tivo à período corrido, certa idade do segurado etc., contudo, o segurador
o segurador (§ 1.º), no entanto, esta não era uma orientação pacífica dos tri- deverá devolver ao beneficiário a reserva técnica já formada (par. único), do
bunais, que consideravam a necessidade do segurador aceitar a sub-rogação, contrário, seria verdadeiro locupletamento indevido por parte do segurador.
levando em conta as condições pessoais do novo segurado (RT 805/250). À Saliente-se que o prazo de carência é apenas para o seguro de vida e não para
apólice à ordem somente se transfere por endosso em preto (§ 2.º). outra modalidade de seguro de pessoa. Como reserva técnica entenda-se a
O seguro de pessoa, engloba o seguro de vida, acidentes pessoais e capitalização feita pelo segurador para garantir o pagamento da indenização,
danos pessoais. O Capital segurado é de estipulação livre, e o segurado pode o que é obrigatório para as entidades de previdência complementar, portanto,
contratar o mesmo risco com vários seguradores (art. 789 do CC), haja vista somente na modalidade de sobrevivência, já que no seguro de invalidez ou
a impossibilidade de mensurar a vida humana (Alvim. O contrato de seguro, morte, não há uma capitalização, mas uma repartição do prejuízo entre todos
p. 80). Também se diz que o seguro de vida se divide em sobrevivência (pre- os segurados, mediante a utilização da arrecadação do prêmio.
vidência complementar), invalidez e morte. Grande inovação foi trazida pelo Código Civil vigente, com o art. 798,
É lícito a contratação para garantir a vida de terceiro, desde que o con- que garante o pagamento do valor contratado ao beneficiário do segurado
tratante justifique o interesse (art. 790 do CC), o que se presume no caso de que pratica suicídio, situação que sempre foi rechaçada por desconstituir a
380 Direito dos Contratos CONTRATO DE SEGURO 381

natureza aleatória do contrato de seguro, no entanto, só haverá o pagamento  Consensual


se o segurado manter o contrato por pelo menos dois anos de vigência, uma  Em alguns casos, pode ser obrigatório.
forma de demonstrar que o suicídio não foi uma causa para a contratação do • Segurador → empresa com permissão legal (art. 757, parágrafo único,
seguro e que o STF, na Súmula 105, já mitigava a exclusão, desde que houvesse do CC)
essa demonstração, do mesmo modo com o STJ na Súmula 61. Com o mesmo • Segurados → pagam prêmio à seguradora e dividem o ressarcimento
escopo, se o sinistro ocorreu em virtude do segurado ter se utilizado de meio do dano entre si.
de transporte mais arriscado, da prestação de serviço militar, da prática de • Riscos são predeterminados (art. 757 do CC)
esportes, ou no salvamento de pessoas (art. 799 do CC). • Risco ≠ dano
• Apólice
9. RESSEGURO  conteúdo
O resseguro tem a finalidade de garantir a estabilidade financeira das • Risco assumido
companhias seguradora, além da viabilidade da indenização do sinistro, sempre • Prazo de vigência
que o valor do risco seja tão alto, que seu pagamento, em caso de sinistro, • Limite de garantia
comprometa as reservas econômicas do segurador. • Prêmio devido
Não se confunde com co-seguro, que é uma subdivisão do risco entre se- • Se for necessário: nome do segurado ou do beneficiário
guradores diferentes, que indenizarão proporcionalmente (art. 761 do CC). • o Modalidades (art. 760 do CC)
O resseguro é obrigação do segurador toda vez que o valor do risco ul- • Nominativa
trapasse o limite técnico operacional de determinada carteira. É um contrato • À ordem
firmado entre o segurador e o IRB – Instituto de Resseguros do Brasil. Algumas • Ao portador
vezes, se o valor for por demais vultoso, o próprio IRB faz um resseguro com • Prêmio → vantagem recebida pela seguradora
resseguradoras estrangeiras. • Importância segurada
10. VIGÊNCIA DO CONTRATO • Obrigações do segurado
• Obrigações do segurador
A vigência do contrato varia conforme cada tipo de seguro, sendo que
• Prescrição
a maior parte tem vigência anual, contudo, sua renovação automática, com
• Classificação dos seguros e sua conseqüência (arts. 778 e 789 do CC)
o mesmo prazo, somente pode acontecer uma única vez (art. 774 do CC). O
 Seguro de dano → indenizatório
prazo estipulado pode ser de acordo com a natureza do risco, por exemplo,
 Seguro de pessoa → seguro de vida, acidentes pessoais e danos pes-
enquanto durar uma obra.
soais
Em relação ao seguro de vida, dá-se a impressão que não poderia haver
• Resseguro
a renovação automática por toda a vida do segurado, contudo, o art. 796 do
• Vigência do contrato
CC, determina que o prêmio pode ser estipulado por prazo limitado ou por
toda a vida, desta maneira, não se aplica ao seguro de vida o estipulado no
art. 774.

11. RESUMO ESQUEMÁTICO


• Contrato de seguro → arts. 757 e 802 do CC
• Características
 Aleatório

 Bilateral

 Oneroso
CONSTITUIÇÃO DE RENDA 383

Ademais, esta figura contratual caiu em desuso. A fixação de renda de-


terminada só faz sentido caso se estabeleça tratar-se de dívida de valor; caso
contrário, a natural depreciação da moeda com o tempo tornaria a renda inútil
XVII para os fins propostos. Naturalmente, é possível fixar índices de correção
para a renda estabelecida. Contudo, atualmente, o contrato de seguro é mais
Constituição de renda utilizado para alcançar objetivo semelhante.
AMANDA ZOE MORRIS A constituição de renda é um contrato que apresenta diversos aspectos,
o que se espelha em sua multifacetada classificação:

• Formal, devendo ser efetuado através de escritura pública (art. 807


Bibliografia
do CC)
Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: • Real¸ pois o contrato se constitui com a entrega ao devedor do bem
Forense, 2007. v. 3 – Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
imóvel ou dinheiro, que irá gerar a renda em questão;
2007. v. 3 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. v. 3 – Silvio de Salvo Venosa. Contratos em espécie. Direito civil. 7. ed. 2. reimpr. São • Oneroso¸ caso haja contraprestação e benefícios para ambas as partes;
Paulo: Atlas, 2007. v. 3. nesta hipótese, cabe inclusive a exigência de garantia real ou fidejus-
sória, ou gratuito, quando a renda se formar por mera liberalidade
1. CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E CONSIDERAÇÕES do instituidor;
Trata-se de um contrato, gratuito ou oneroso, através do qual uma pes- • Bilateral se oneroso, ou unilateral¸ caso seja gratuito;
soa obriga-se perante outra a uma prestação periódica, mediante a entrega • Comutativo, se fixado um número específico de prestações por um
um capital, que pode ser em dinheiro, bens móveis ou imóveis (arts. 803 a tempo pré-determinado, ou aleatório se o contrato for oneroso e sua
813 do CC). duração estiver conectada à vida do beneficiário ou a do credor, cujo
A constituição da renda poderá ser instituída com bens fornecidos ao termo é naturalmente incerto;
devedor tanto pelo credor em seu próprio benefício, como por instituidor, • Temporário, seja por prazo determinado, seja por vida, em cujo caso
em favor de uma terceira pessoa. poderá ultrapassar a vida do devedor, alcançando os herdeiros, até o
Senão vejamos: limite de sua herança, mas não a do credor (art. 806 do CC).

INSTITUIDOR, QUE ENTREGA O DEVEDOR, QUE SE OBRIGA À BENEFICIÁRIO DA RENDA CONS-


Com a constituição de renda, a propriedade dos bens fornecidos pelo
CAPITAL PARA A CONSTITUIÇÃO PRESTAÇÃO PERIÓDICA TITUÍDA instituidor passarão à propriedade do devedor, que assumirá os riscos da
DA RENDA coisa, e deverá pagar as prestações mesmo na hipótese de perda do bem. Já o
1 A B A instituidor responde, nos termos do art. 447, pela evicção.
2 C B A A renda pode ser constituída em benefício de mais de uma pessoa, estabele-
cendo-se os quinhões de cada qual; na falta desta disposição, presume-se que todos
Poderá ser instituída a renda através de ato inter vivos (contrato oneroso os beneficiários têm direito a partes iguais, sem direito de acrescer (art. 812).
ou gratuito), causa mortis (testamento) ou mesmo em virtude de sentença Quando tratar-se de constituição de renda gratuita, nota-se que poderá o
judicial (art. 602 do CPC e 948, II e 950, do CC). instituidor estabelecer a impenhorabilidade da renda, que também existirá, de
Nota-se que a constituição de renda sofreu recente modificação em sua pleno direito, em favor de montepios e pensões alimentícias (art. 813 do CC).
forma: no CC/1916, a renda constituída sobre imóvel estava entre os direitos Outrossim, a lei estabelece, no art. 810 do CC, que, em caso de inadimple-
reais, e no CC/2002, passou a ser considerado contrato, gerando tão somente mento, poderá o credor acionar o credor não só pelo atraso nas prestações, mas
direitos pessoais. também para exigir garantia das futuras, sob pena de rescisão contratual.
384 Direito dos Contratos

2. EXTINÇÃO
Extingue-se o contrato de constituição de renda das seguintes maneiras,
além das causas que atingem os contratos em geral:

• escoamento do prazo estipulado;


• falecimento do beneficiário, ressaltando-se que a constituição de
renda será considerada nulo caso venha este a falecer nos 30 dias
subseqüentes à celebração do contrato de doença preexistente;
• falecimento do instituidor ou do devedor, em caso de disposição
contratual expressa;
• rescisão nos termos do art. 810 do CC;
• pela inoficiosidade, ou seja, quando o valor dos bens concedidos pelo
instituidor ultrapassar a legítima a que têm direito seus herdeiros
(art. 549 do CC).

3. RESUMO ESQUEMÁTICO
• Constituição de renda → arts. 803 a 813 do CC
• Instituição → ato inter vivos, ato causa mortis ou sentença judicial
• Classificação:
 Formal (art. 807 do CC)

 Real

 Oneroso ou gratuito

 Bilateral, se oneroso, ou unilateral, se gratuito

 Comutativo ou aleatório

 Temporário (art. 806 do CC)

• Quando beneficiar a mais de uma pessoa → partes iguais para todos →


a menos que o instituidor determinar de outra forma
• Direito de acrescer → só se o instituidor determinar
• impenhorabilidade da renda → constituição de renda gratuita (art. 813
do CC)
• Extinção
 escoamento do prazo

 falecimento do beneficiário

 falecimento do instituidor ou do devedor, em caso de disposição


contratual expressa
 rescisão → art. 810 do CC

 inoficiosidade → art. 549 do CC


XVIII
Contratos de jogo e aposta
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA

Bibliografia
Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. v. 3 – Clóvis Beviláqua. Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 2 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1999 – Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA


Jogo (alearum lusus) é o contrato pelo qual uma parte promete a outra,
reciprocamente, a pagar certo valor pecuniário ou a entregar determinado
bem, para quem obter um resultado favorável em um acontecimento futuro
e incerto.
Aposta (sponsio) é o contrato pelo qual uma parte promete a outra,
reciprocamente, a pagar certo valor pecuniário ou a entregar determinado
bem, para quem cuja opinião sobre determinado acontecimento futuro e
incerto prevalecer.
Percebe-se que a semelhança entre estas duas figuras contratuais esta
justamente na alea ou o azar por fazer depender o resultado de um aconteci-
mento futuro e incerto.
Para alguns doutrinadores, o elemento diferencial estaria na participação
ou no motivo. Assim, o jogo é caracterizado pela participação dos contratan-
tes, sendo esta que determinará o resultado de ganho ou de perda. Por outro
lado, na aposta, não há participação dos contratantes, que não interferem no
resultado do acontecimento futuro e incerto.
Para outros, a diferença estaria no animus ou motivo das partes. No jogo,
as partes querem ora se divertir, ora se arriscar para lograr algum benefício
traduzido em valor pecuniário ou em um bem. Na aposta, as partes querem
fortaceler suas opiniões.
Entretanto, na prática, esta distinção é de difícil caracterização por ser
extremamente casuística. Portanto, tal distinção é irrelevante, pois os princí-
pios que regem o jogo e a aposta são os mesmos, tanto é assim, que o próprio
Legislador regulamentou-os em conjunto nos arts. 814-817 do CC.
386 Direito dos Contratos CONTRATOS DE JOGO E APOSTA 387

São contratos onerosos, há um valor a ser pago de acordo com o acon- Outra categoria diz respeito aos jogos permitidos. Estes se subdividem
tecimento futuro e incerto. Dentre a categoria dos contratos onerosos, que em:
se subdividem em comutativo e aleatórios, o jogo e a aposta são contratos
aleatórios, caracterizando-se pela alea, que é elemento essencial demonstrado • Jogos tolerados, aqueles em que o ganho ou a perda não depende exclu-
pela dependência de um acontecimento futuro e incerto, seja uma atividade a sivamente do fator sorte como nos jogos de azar; nos jogos tolerados,
ser desempenhada pelos próprios contratantes ou por terceiros, seja um fato a habilidade dos jogadores interfere no resultado, e, portanto, embora
existente ou que virá a existir. não tenham regulamentação legal, a ordem jurídica os tolera (v.g. o
bridge, a canastra, o truco, dominó, o jogo de bilhar e o snooker);
2. PRESSUPOSTOS E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS • Jogos autorizados, aqueles regulamentados por lei tendo em vista uma
Sendo um negócio jurídico como outro contrato qualquer, deve-se frisar utilidade social, como as competições esportivas (para estimular a
que se aplica o art. 104 do CC. Exige-se, portanto, agente capaz, objeto lícito, prática de esportes, fundamental para uma boa saúde), as corridas
determinado ou determinável e forma não defesa ou prescrita em lei. automobilísticas, as loterias e os bingos (através do qual o Estado
Quanto à capacidade do agente, a parte final do art. 814 do CC traz a aufere recursos para empregar em obras sociais relevantes), o turfe
regra excepcional para beneficiar o menor ou interdito que perdeu no jogo e o trote (modalidades de corrida de cavalos, para que se invista na
ou na aposta. Assim, em regra, as dívidas de jogo ou de aposta que forem criação de cavalos de raça).
pagas voluntariamente não podem ser repetidas, exceto se quem perdeu foi A loteria estabelece um prêmio em dinheiro. Quando o prêmio for
um menor ou um interdito. Nesta hipótese, o representante ou assistente do estabelecido em determinado bem, denomina-se rifa. A loteria deve ser
menor ou do interdito pode pleitear a devolução da quantia paga para quitar previamente autorizada pelo diretor das Rendas Internas do Ministério da
as dívidas de jogo ou de aposta. Fazenda. São obrigatórios certos requisitos, como: emissão de bilhetes ao
Quanto à licitude do objeto, veremos a seguir que, o objeto será ilícito portador, extração do sorteio em data previamente determinada que não
quando o jogo for proibido. Neste caso, tem-se o contrato como nulo (art. poderá ser alterada.
166, II, do CC). Quando o objeto do jogo ou das apostas forem competições esportivas,
Quanto à forma, veremos a seguir que, os jogos autorizados por lei devem surgirão todos os efeitos jurídicos que um contrato válido possa produzir
obedecer ao que esta dispõe sobre a forma de sorteio etc. (art. 814, § 3.º, do CC). Todavia, consideram-se válidas as apostas necessárias
para o regular desenvolvimento da competição, como ocorre nas corridas de
3. ESPÉCIES DE JOGOS cavalos. Todavia, as apostas sobre competições esportivas, não essenciais para
Há três espécies de jogos: os proibidos, os tolerados e os autorizados o desenvolvimento da atividade, são contravenções penais (art. 50, § 3.º, c,
por lei. da Lei das Contravenções Penais).
Jogos proibidos são jogos de azar, isto é, jogos em que o fator sorte é ab- Os valores recebidos pelos atletas ou pelas associações esportivas não
soluto, sendo que a habilidade dos contratantes que jogam não tem a menor são considerados dívidas de jogo, mesmo que para tanto dependa de um
relevância para o resultado (RT 239/370). Os exemplos trazidos pela dou- resultado favorável.
trina e pela jurisprudência são: a roleta, o bacará, a campista, o bicho, o sete
e meio e o pif-paf. Além destes, são considerados jogos proibidos a extração 4. REGIME JURÍDICO
de loteria sem autorização, bem como a aposta em corrida de cavalos fora de Em regra, as dívidas de jogo ou de aposta não são juridicamente exigíveis
hipódromos. (art. 814 do CC), são apenas dívidas de honra. Entretanto, se o devedor de
Todos estes jogos (proibidos) constituem contravenções penais regula- dívida de jogo ou aposta pagar voluntariamente, não se permite àquele que
dos nos arts. 51-58 da Lei das Contravenções Penais (Dec.-lei 3.688/1941). pagou pleitear a restituição.
Portanto, estes contratos teriam objetos ilícitos, sendo nulos de pleno direito. Há duas exceções a esta regra (parte final do art. 814 do CC): a) havendo
Desta forma, não podem gerar efeitos jurídicos no campo civil, nem mesmo má-fé do ganhador que empregou meio desonesto para atingir o resultado
podem-se considerar fonte da chamada obrigação natural. (dolo); e b) se quem perdeu foi menor ou interdito. Nestas duas hipóteses, a
388 Direito dos Contratos CONTRATOS DE JOGO E APOSTA 389

lei autoriza o solvens a pleitear a restituição do que voluntariamente se pagou Nesta hipótese, não poderá o mutuante pleitear juridicamente o valor
a título de dívida de jogo ou aposta. que emprestou para determinada pessoa realizar sua aposta ou jogar.
Contudo, se a quantia foi entregue a terceiro que deverá repassar ao Entretanto, tal proibição não alcança o empréstimo realizado para quitar
ganhador não pode ser considerado pagamento. Portanto, admite-se, neste as dívidas decorrentes de jogo ou de aposta. Isto porque, nesta hipótese, já
caso, o pedido de restituição do valor entregue a terceiro. se realizou o jogo ou aposta, ou seja, não há mais utilidade na lei para coibir
A origem ilícita atinge dos jogos proibidos, também, todos os negócios tal prática.
ou atos jurídicos que decorram da dívida de jogo ou aposta, como a confissão
de dívida, a novação, a compensação, o título de crédito, a fiança, qualquer 6. CONTRATOS DIFERENCIAIS
ônus real, cláusula penal, etc. Conseqüentemente, estes negócios são juridi- Contratos diferenciais são aqueles em que as partes pretendem somente
camente inexigíveis (art. 814, § 1.º, do CC). receber o valor da diferença entre o preço estipulado e o da cotação do bem
Todavia, a nulidade da dívida de jogo ou de aposta não pode ser oponível vendido na data do vencimento. Em outras palavras, são contratos sobre tí-
a terceiro, entendido como aquele que não tenha nenhum conhecimento do tulos de bolsa, mercadoria ou valores em que as partes estipulam a liquidação
jogo e da aposta, v.g. o Banco que desconta um título de crédito apresentado somente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação deles no vencimento
pelo ganhador do jogo ou da aposta. (art. 816 do CC). Portanto, não se quer a aquisição do bem, pois a venda é
Em suma, os jogos proibidos são nulos de pleno direito, e, portanto, fictícia; o objetivo, aqui, é exclusivamente especulativo.
não geram obrigações no sentido técnico-jurídico, nem mesmo a obrigação
Por esta razão, o CC/1916 (art. 1.479) estabelecia o mesmo tratamento
natural. Sendo assim, aquele que pagou voluntariamente tem direito à resti-
aos contratos diferenciais dado aos jogos e às apostas.
tuição fundamentando-se no princípio que veda o enriquecimento sem causa
(Orlando Gomes). Em que pese este argumento, há autores que negam tal Neste particular, houve substancial mudança pelo atual Código Civil
possibilidade (Caio Mário da Silva Pereira), com base na causa torpe para que excluiu a aplicação das regras do jogo e da aposta aos contratos diferenciais.
ambas as partes o que impossibilita a restituição (in paris causa turpitudinis, Hoje eles são normalmente exigíveis. Provavelmente, esta alteração deve-se
cessat repetitio). à crescente utilização das transações especulativas.
Por outro lado, os jogos tolerados originam o que se denominam obri-
gações naturais, ou seja, o credor não pode exigir o pagamento juridicamente;
7. SORTEIO
todavia, se o devedor pagar voluntariamente, ele não tem direito à restituição. Não se consideram jogos, os sorteios cuja finalidade é dirimir questões
No caso, se o devedor pleitear a restituição, o credor alegará em seu benefício ou para dividir coisa comum, antes, será considerado sistema de partilha ou
que conservará o que foi pago para solver dívida (soluti retentio). processo de transação conforme o caso (art. 817 do CC).
Por fim, os jogos autorizados são juridicamente exigíveis, pois a dívida Se o sorteio for empregado para se obter a solução de uma controvérsia,
decorrente de jogos autorizados pelo Poder Público obriga a pagamento (art. é considerado um processo de transação, pois se trata de mecanismo utilizado
814, § 2.º, do CC). para a prevenção ou para a extinção de litígio. Quando o sorteio for empregado
para dividir algo é sistema de partilha.
5. MÚTUO PARA PAGAMENTO DE DÍVIDAS DE JOGO
Tendo em vista que os jogos não têm utilidade social, o ordenamento 8. RESUMO ESQUEMÁTICO
jurídico coíbe sua prática de todas as maneiras. Em outras palavras, o orde- • Jogo e aposta → contratos onerosos e aleatórios
namento jurídico faz tudo o que for necessário para dificultar a prática de
• Pressupostos e elementos constitutivos
jogos, inclusive declarando inexigíveis os empréstimos realizados para que
se possa jogar. • Espécies de jogos
Ressalte-se que o propósito do Legislador é dificultar a prática de jogos  Jogos proibidos
e de apostas. Portanto, o empréstimo de que trata o art. 815 do CC é aquele  Jogos tolerados
realizado para que se possa jogar ou apostar (“no ato de apostar ou jogar”).  Jogos autorizados
390 Direito dos Contratos

• Regime jurídico
 Dívidas de honra → Em regra, não são juridicamente exigíveis (art. 814
do CC).
 Não se permite a restituição por pagamento voluntário

• Mútuo para pagamento de dívidas de jogo


• Contratos diferenciais → as partes pretendem somente receber o valor
da diferença entre o preço estipulado e o da cotação do bem vendido
na data do vencimento.
• Sorteio → Não se consideram jogos os sorteios cuja finalidade é dirimir
questões ou para dividir coisa comum (art. 817 do CC)
XIX
Fiança
AMANDA ZOE MORRIS

Bibliografia

Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. v. 3 – Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. v. 3 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. v. 3 – Silvio de Salvo Venosa. Contratos em espécie. Direito civil. 7. ed. 2.
reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. v. 3.

1. CONCEITO E CARACTERES
O contrato de fiança, conforme o art. 818 do CC, é aquele no qual “uma
pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor,
caso este não a cumpra”.
Pois bem, as garantias dadas para o cumprimento de um negócio jurí-
dico podem ser reais (recaem sobre bens e deverão ser estudadas a fundo em
direitos reais) ou fidejussórias, cujo caráter é pessoal e obrigacional, como
a fiança e o aval.
Importante distinguir fiança – que pode garantir qualquer tipo de
obrigação, seja decorrente de contrato, lei ou decisão judicial – de aval, que
está adstrita ao direito cambiário, gerando responsabilidade solidária, o que
já não ocorre sempre com a fiança.
A garantia da fiança não se restringe tão somente à obrigação principal;
a menos que seja limitada (art. 822 do CC), englobará também os acessórios
da dívida principal, incluindo juros de capital, despesas judiciais desde a
citação do fiador etc.
A princípio, as partes deste contrato são o fiador e o credor; sequer há
necessidade da anuência do devedor (art. 820 do CC). Contudo, a partici-
pação deste último está longe de ser irrelevante, visto que normalmente será
o próprio devedor que irá trazer o fiador ao contrato. Afinal, dificilmente o
fiador se obrigaria por um total estranho.
392 Direito dos Contratos FIANÇA 393

PÓLO ATIVO PÓLO PASSIVO Contudo, poderá o juiz, em caso de recusa injustificada do cônjuge, suprir
sua autorização (art. 1.648 do CC).
Contrato principal – que credor devedor
gera a obrigação a ser ga- Ademais, algumas pessoas estão vedadas, por lei, de prestar fiança,
rantida como é o caso do leiloeiro (art. 30 do Dec. 21.981/1932); tutores e curadores
Contrato acessório de garan- credor fiador sobre os bens dos tutelados ou curatelados; autarquias (a menos que sejam
tia fidejussória – Fiança instituições de previdência social, na locação de casa ocupada por seus
associados); administradores e gerentes de sociedade proibidos de assumir
Apresenta os seguintes caracteres: encargos estranhos aos interesses e atividade da sociedade; menores ainda que
• Acessório, já que a fiança existe para garantir o contrato principal. emancipados, ressalvando-se que o credor não poderá recobrar o empréstimo
Tratam-se de dois contratos distintos, mas em regra, ambos são ela- (art. 588 do CC).
borados através do mesmo instrumento. Seu valor pode ser inferior Caso o fiador venha tornar-se insolvente ou falir, o credor poderá exigir
ao da obrigação principal, mas não superior (art. 823 do CC). sua substituição, visto que a garantia fidejussória se tornará insuficiente para
Lembre-se que “o acessório segue o principal”, o que implica dizer o débito (art. 826 do CC).
o seguinte: caso seja nulo o contrato principal, nula será a fiança. A obrigação do fiador não acaba com seu falecimento, transmitindo-se
Inversamente, em sendo nula a fiança, permanece válido o principal, aos seus herdeiros, limitado pelas forças da herança (art. 836 do CC).
só que sem garantia;
2.2 Objetivos
• Subsidiário, que decorre de sua natureza acessória. O fiador, a prin-
cipio, só se obriga em caso de descumprimento do devedor, a menos A fiança pode ser dada em qualquer espécie de obrigação: dar, fazer ou
que se tenha fixado solidariedade entre ambos; não fazer, e de qualquer origem, legal ou convencional; poderá incidir sobre
a totalidade da dívida, ou só parte.
• Unilateral, visto que gera obrigações apenas para o fiador;
A obrigação garantida por fiança pode ser atual, o que é o mais comum,
• Gratuito, pois o fiador não recebe, usualmente, qualquer tipo de
ou futura, em cujo caso a fiança só será exigível no momento em que a obri-
remuneração, e aceita o contrato única e exclusivamente para ajudar
gação for certa e líquida (art. 821 do CC).
o devedor.
Considerando-se que a fiança tem caráter acessório, dependerá da validade
• Formal, visto que o art. 819 do CC demanda que a fiança sempre seja
e exigibilidade da obrigação principal; em caso de nulidade desta, a fiança será
por escrito, quer seja por instrumento público ou particular, normal-
nula também, a menos que a nulidade seja decorrência de incapacidade do
mente no mesmo instrumento do contrato principal. Observe-se que
devedor. O art. 824, em seu parágrafo único, ressalva que a exceção quanto
a Sumula 214 do STJ estabelece que “o fiador na locação não responde
à incapacidade do menor não abrange o mútuo a este efetuado; afinal, em
por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”. Isto
conformidade com o art. 588, o mútuo feto a menor não poderá ser reavido
porque o contrato de fiança deve sempre ser interpretado restritiva-
nem do mutuário, nem dos fiadores.
mente, devido a sua natureza gratuita, em benefício de outrem.
Caso não haja limitação contratual, a fiança garantirá não apenas a dívida
2. REQUISITOS principal, mas também todos os acessórios, dos juros às despesas judiciais
(art. 822 do CC). Para além disto, a interpretação deverá ser sempre restritiva:
2.1 Subjetivos os limites da obrigação do fiador sempre serão tão somente aquelas expressas
Como sempre, exige-se para o contrato de fiança as regras gerais a no contrato. Nada mais, nada menos.
todos os contratos: as partes devem ser capazes de praticar todos os atos da
vida civil. 3. MODALIDADES
Caso o fiador seja casado, exceto no regime de separação absoluta de Quanto ao objeto, a fiança pode ser civil ou mercantil, dependendo da
bens, não terá legitimidade para agir a não ser que tenha outorga conjugal natureza do objeto do contrato principal. Esclareça-se, contudo, que a legis-
(autorização), nos termos do art. 1.647 do CC, sob pena de nulidade relativa. lação civil de 2002 não distingue mais os contratos civis dos comerciais.
394 Direito dos Contratos FIANÇA 395

Poderá, quanto à forma, a fiança ser: hipótese, então, poderá o credor demandar tanto o fiador quanto o devedor,
a seu critério.
• Convencional, ou seja, decorrente de contrato entre as partes, do qual Também não haverá benefício de ordem, ainda de acordo com o art. 828
será acessório;
do CC, caso o fiador obrigue-se como principal pagador ou devedor solidário,
• Legal, decorrente de lei, que pode exigir a fiança para determinadas
ou se o devedor for insolente ou falido.
atividades (p. ex: arts. 260, II; 495; 1.280; 1.305, parágrafo único;
1.745, parágrafo único, do CC); 4.2. Demais direitos
• Judicial, tanto através de pedido das partes, como mesmo de ofício
pelo juiz, quando necessário. Pode ocorrer tanto no âmbito cível Caso seja compelido a pagar integralmente a obrigação principal, o
quanto criminal. fiador se sub-rogará nos direitos do credor, podendo então propor ação de
regresso e reaver os valores pagos.
Quanto à pluralidade de fiadores, poderá ser: Relembre-se que a sub-rogação, neste caso decorrente de lei, transfere
todos os direitos e garantias do credor ao fiador, inclusive no que tange aos
• Singular, quando houver apenas um fiador; juros de mora.
• Conjunta, quando houver mais de um co-fiador. Nesta hipótese, há Além disto, poderá também o fiador exigir do devedor reparação por perdas
solidariedade passiva dos fiadores, podendo o credor cobrar a inte-
e danos sofridos em decorrência do contrato de fiança (art. 832 do CC).
gralidade da dívida de qualquer um deles, restando a este direito de
regresso em relação aos demais. O fiador também poderá promover o andamento da execução que tiver
sido iniciada contra o devedor, caso esteja injustificadamente paralisada,
Contudo, pode-se estabelecer o benefício da divisão. Assim, não visto que tem o direito de buscar minorar seu risco e possível prejuízo (art.
haverá solidariedade entre os fiadores, e cada qual responderá unicamente 834 do CC).
pela parte proporcional que lhe couber (art. 829, parágrafo único, do CC), No mais, considerando que o fiador age de forma gratuita, com intenção
ou por parte especificada no contrato, limitando assim sua responsabilidade de auxiliar terceiro e assume diversos riscos, não é aceitável que permaneça
(art. 830 do CC). em suspenso por tempo indeterminado. Desta maneira, caso o contrato for
4. DIREITOS DO FIADOR por tempo indeterminado, poderá o fiador exonerar-se da fiança (art. 835 do
CC), através de notificação judicial, permanecendo então obrigado nos 60
4.1. Benefício de ordem sessenta dias posteriores à denúncia do contrato.
O fiador, como devedor da obrigação subsidiária, tem o benefício de Contudo, surge um dilema quando se trata de contrato de locação. Isto
ordem, que é o direito de exigir que os bens do devedor da obrigação prin- porque a Lei 8.245/1991, em seu art. 39, dispõe que as garantias da locação
cipal respondam primeiro pelo pagamento do débito, responsabilizando-se se estenderão até a efetiva devolução do imóvel.
tão somente se o valor não puder ser integralmente quitado por aquele (art.
827 do CC). Caso o contrato de locação tenha prazo indeterminado, pois, verifica-se
uma contradição entre as normas supra referidas; acredita-se, contudo, que em
Neste caso, deverá o fiador, na contestação ou embargos, invocar o bene-
fício de ordem, e nomear bens do devedor que estejam no mesmo município, virtude da função social do contrato e da interpretação restrita do contrato de
livres e desimpedidos, que sejam o suficiente para pagar a dívida (art. 827, fiança, deverá prevalecer o disposto no Código Civil, quanto à possibilidade
parágrafo único). de exoneração do fiador quando o contrato for por prazo indeterminado.
Afinal, decorre logicamente da própria natureza subsidiária da obrigação Ressalte-se, porém, que não há unanimidade doutrinária e muito menos
do fiador que, a princípio, este apenas se veja obrigado a quitar o débito caso jurisprudencial neste tema.
o devedor não possa fazê-lo. Também poderá o fiador, por fim, como defesa, opor ao credor as exce-
Contudo, o mais comum, na prática, é que o devedor renuncie ex- ções que lhe forem pessoais e as extintivas da obrigação principal (art. 837
pressamente ao benefício, conforme permitido no art. 828, II, do CC. Nesta do CC), como por exemplo, a sua prescrição.
396 Direito dos Contratos FIANÇA 397

5. BEM DE FAMÍLIA 7. RESUMO ESQUEMÁTICO


Questão complexa advém do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990, que • Fiança → garantia fidejussória (arts. 818 a 839 do CC)
determina que o bem de família do fiador em contrato de locação não será • Fiança ≠ aval
impenhorável. • Características
Em resultado, o fiador assume uma obrigação subsidiária, em um con-  Acessório

trato cuja essência é gratuita. Ao praticar este ato de boa vontade e ajudar o  Subsidiário

devedor, pode por em risco sua própria moradia.  Unilateral

Por um lado, é de se considerar que a exigência de capacidade plena  Gratuito

como elemento constitutivo do contrato implica em dizer que aquele que  Formal
assume obrigações tem que saber com o que está se comprometendo, e quais • Requisitos
os resultados de suas ações, o que é da essência do direito contratual.  Subjetivos

No mais, se há garantia fixada, é de se supor que lhe seja garantida sua efe- • Outorga conjugal → art. 1.647 do CC
tividade e eficácia para proteger o cumprimento da obrigação contratual. • Não podem prestar fiança
Tudo isto é claro, mas o ordenamento jurídico também traz outros valores, a. leiloeiro (art. 30 do Dec. 21.981/1932)
igualmente – senão mais – importantes. Afinal, é notória a importância do bem b. tutores e curadores sobre os bens dos tutelados ou curatelados
de família, que abriga não só o devedor, mas também seus filhos e cônjuge. c. autarquias (a menos que sejam instituições de previdência
Aliás, a EC n. 26/2000 alterou o art. 6.º da CF, incluindo nos direitos sociais social, na locação de casa ocupada por seus associados)
a moradia, o que, para alguns doutrinadores, tornaria inconstitucional o art. d. administradores e gerentes de sociedade proibidos de assumir
3.º, VII da Lei 8.009/1990. encargos estranhos aos interesses e atividade da sociedade
Então, por um lado, temos o princípio contratual da obrigatoriedade da e. menores ainda que emancipados → art. 588 do CC
convenção, e a lei que especifica e claramente determina a possibilidade de • Substituição do fiador → art. 826 do CC
penhora do bem de família do fiador; por outro, também há de se considerar • Obrigação do fiador transmite-se aos seus herdeiros → art. 836
a função social do contrato, em sua análise e aplicação. do CC
Atualmente, o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) é pela  Objetivos

constitucionalidade da norma, sendo pois possível a penhora do único móvel • Para qualquer espécie de obrigação
residencial do fiador, tendo em vista que a liberdade de contratar traz em si o • Pode incidir na totalidade da dívida, ou só em parte
peso de assumir as obrigações daí decorrentes, e também por entender que, • Pode garantir dívida atual ou futura → art. 821 do CC
afinal, a moradia não existe só em imóvel próprio (RE 407.688). • Validade depende da obrigação principal
• Engloba obrigação principal, acessórios, juros de capital, despe-
6. EXTINÇÃO sas judiciais desde a citação do fiador etc. → exceto em caso de
A fiança se extingue nas seguintes situações, além das comuns às obri- limitação contratual
gações em geral: • Modalidades
 Quanto ao objeto
• Pelas causas previstas nos arts. 837 a 839 do CC; a. Civil
• Extinção da obrigação principal, quer pelo pagamento ou por qualquer b. Mercantil
outro motivo (por exemplo, prescrição). A fiança é contrato acessório,  Quanto à forma
e extingue-se quando o contrato principal também se extinguir; a. convencional
• Término do prazo de vigência contratado; b. legal
• Exoneração do fiador quando o contrato tiver prazo indeterminado. c. judicial
398 Direito dos Contratos

 Pluralidade de fiadores
a. singular
b. conjunta
• Direitos do fiador
 Benefício de ordem

 Sub-rogação nos direitos do credor

 Reparação por perdas e danos → art. 832 do CC

 Promover o andamento da execução que estiver paralisada sem justa


causa → art. 832 do CC
 Exoneração da fiança em contrato por tempo indeterminado → art. 835
do CC → ressalva: contrato de locação
 Opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as extintivas da
obrigação principal → art. 837 do CC
• Bem de Família → Lei 8.009/1990
• Extinção
 arts. 837 a 839 do CC

 Extinção da obrigação principal, quer pelo pagamento ou por qualquer


outro motivo
 Término do prazo de vigência contratado

 Exoneração do fiador quando o contrato tiver prazo indeterminado


XX
Da transação
FÁBIO PODESTÁ

Bibliografia
Alcides de Mendonça Lima. Dicionário do Código de Processo Civil brasileiro. São Paulo: RT,
1986 – Antonio Chaves. Tratado de direito civil. São Paulo: RT, 1984. v. 2 – Arnaldo Rizzardo.
Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições
de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Carlos Alberto Dabus Maluf. A
transação no direito civil. São Paulo: Saraiva, 1985 – Claudia Lima Marques. Contratos no
Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 – Clóvis Beviláqua. Comentários
ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1924. v.
4 – Fábio Henrique Podestá. Direito das obrigações. Teoria geral e responsabilidade civil. 5.
ed. São Paulo: Atlas, 2005 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 1992. v. 3 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999
– Lúcia Valle Figueiredo. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994 – Pontes
de Miranda. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959. t. III.

1. GENERALIDADES. CONCEITO. NATUREZA JURÍDICA E ELEMENTOS CONSTI-


TUTIVOS
1. Há situações em que determinada relação jurídica encontra-se eivada
de considerável litigiosidade, dúvida ou apresente-se contestada nos direitos
respectivos. A transação é assim o meio adequado para que a tais situações
seja colocado um fim ou então previna-se no futuro eventual processo ju-
dicial. Por meio dela, os sujeitos de direito realizam concessões recíprocas
visando justamente extinguir o estado de incerteza reinante em suas relações
intersubjetivas.
Sobre a utilidade do instituto bem afirma Orozimbo Nonato, pois “tende
a consagrar uma fórmula de paz nos litígios forenses resolvidas pela autoridade
do juiz, através de processos longos e disceptações acirradas, deixando, quase
sempre, uma esteira de magos e ressentimentos” (1971, p. 296).
A busca pela pacificação dos conflitos sempre foi preocupação do le-
gislador como se pode comprovar do art. 125, IV e art. 331 do CPC, além do
art. 2.º da Lei 9.099/1995.
O legislador do atual Código Civil resolveu alterar a natureza jurídica
da transação na medida em que lhe conferiu caráter contratual (arts. 840 a
400 Direito dos Contratos DA TRANSAÇÃO 401

850), diversamente do que ocorria em relação à Codificação revogada onde A forma da transação judicial realizar-se-á por escritura pública nas
era inserido como efeito das obrigações e modalidade de pagamento indireto obrigações em que a lei o exige (art. 108 e 215 do CC), ou por instrumento
(arts. 1.025 a 1.036). particular, nas em que ela o admite (art.107 do CC); se recair sobre direitos
Assim, pode-se conceituar a transação como o negócio jurídico pelo contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos au-
qual as partes, fazendo-se concessões recíprocas (ou mútuas), previnem ou tos, assinados pelos transigentes e homologado pelo juiz com conseqüente
extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas. sentença para valer como título executivo (art. 584, III, do CPC).
Em outros termos, “é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem Esclareça-se que pela necessidade de maior pacificação dos conflitos,
o litígio mediante concessões mútuas” (art. 840). atribuiu a lei poder de referendo ao Ministério Público, à Defensoria Pública
e aos advogados em seu cuidando de transação realizada pelas partes para
Apontam-se como elementos constitutivos da transação a dúvida (en-
valer como título extrajudicial (art. 585, II, do CPC).
tenda-se também litigiosidade) sobre a relação jurídica (res dubia), concessões
mútuas e capacidade das partes. 3. OBJETO E INTERPRETAÇÃO
Pelo primeiro elemento, esclarece Antonio Chaves que a dúvida “surge Nem todo direito em que esteja presente a dúvida, ou seja, litigioso,
do desacordo das partes, da sua divergência sobre a extensão dos respectivos pode ser objeto de transação.
direitos, e, conseqüentemente, a possibilidade de uma demanda, que a tran-
O art. 841 do CC estipula: “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter
sação destina-se justamente a prevenir” (Tratado de direito civil, p. 300).
privado se permite a transação”. A disposição exclui, portanto, as relações
No caso de concessões mútuas, pressupõe-se a reciprocidade de inte- decorrentes de direito de família, versando sobre estado de pessoas ou outros
resses. Em conseqüência, exige-se o acordo de vontades dos transatores para direitos disponíveis diante do interesse público que deve ser tutelado.
colocar fim a controvérsia. Assim, não pode ser objeto de transação o estado de filiação discutido
Considerando que para a validade de todo negócio jurídico exige-se em ação de investigação de paternidade ou aqueles direitos de caráter público
o requisito da capacidade civil, somente aquelas pessoas maiores e capazes conforme já se decidiu (RT 692/131). Na mesma linha, apesar de possível a
podem transigir. Desta forma, tanto aquelas hipóteses em que o sujeito é transação acerca do valor dos alimentos, o direito correlato é irrenunciável
incapaz em razão da idade ou em razão de outra circunstância relativa a sua (RT 449/107).
condição, impedirá a produção de efeitos decorrente da desejada transação. A rigor, além dos requisitos já mencionados, a transação só é admissível
Salvo, é evidente, se o sujeito esteja devidamente representado ou assistido quando o proprietário do bem possa dele dispor, aspecto que diz respeito tanto
porque quem de direito. a bens públicos como a bens particulares.
Não se pode confundir capacidade para transigir com poder de transigir, Nesse sentido, esclarece Pontes de Miranda que a transação pode ser
pois no primeiro caso a questão está submetida à aptidão para efetuar uma realizada em qualquer setor do ordenamento jurídico, desde que as partes
transação, por si mesma ou por mandatário, enquanto na segunda a referên- tenham disponibilidade do direito subjetivo envolvido na relação jurídica
cia é com a representação legal no que tange aos poderes para realização do material controvertida” (Tratado de direito privado, p. 141).
negócio que não é praticado pelo próprio interessado. Sobre a transação de bens públicos, a doutrina esclarece que por princípio
os bens do Estado são inalienáveis, mas tal aspecto assume caráter absoluto
2. ESPÉCIES E FORMA somente em relação aos bens de uso comum do povo, não quanto àqueles
Cuidando-se de direitos contestados em juízo, afirma-se que a transação bens que tenham uso especial ou de natureza dominical (Figueiredo. Curso
é judicial (art. 842, 2.ª parte) e extrajudicial quando ainda não há litígio, vale de direito administrativo, p. 350).
dizer, opera-se de tal forma a evitá-lo. A transação judicial pode ocorrer por Considera-se também que a transação obtida no juízo cível, versando
meio da conciliação entendida como o ato pelo qual, provocado e persuadido sobre ato ilícito, não impede que o Ministério Público proponha a ação penal
pelo juiz, as partes põem fim à demanda, transigindo, fazendo-se, geralmente de natureza pública incondicionada (art. 846).
concessões mútuas em torno da pretensão de cada uma (Lima. Dicionário do Mas a regra merece temperamentos e poderia ser mais bem redigida
Código de Processo Civil brasileiro, p. 169). considerando a existência de diplomas legais em que ela não terá aplicação.
402 Direito dos Contratos DA TRANSAÇÃO 403

Refere-se à Lei 9.099/1995, já mencionada, que permite a conciliação Mas a regra comporta-se exceções: a) se for concluída entre o credor e o
em audiência preliminar, presidida por juiz togado, entre o autor do fato (ou devedor principal, desobrigará o fiador pela clara razão de que a extinção da
responsável civil) e a vítima, desde que acompanhados por seus advogados obrigação principal acarreta a da acessória; b) se entre um dos credores solidários
e presente o Ministério Público (art. 72). Por tal aspecto, uma vez obtida a e o devedor, extingue-se a obrigação deste para com os outros credores (art.
composição dos danos civis, somente tendo por pressuposto aquelas ações 272 do CC); c) se entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue-se
penais de iniciativa privada ou de natureza pública condicionada a represen- a dívida em relação aos co-devedores (arts. 283 e 346, III, do CC).
tação do ofendido, “o acordo homologado acarreta a renúncia do direito de Por outro lado, se ocorrer a evicção da coisa renunciada por um dos
queixa ou representação” (art. 74, parágrafo único, da citada Lei). transigentes, ou por ele transferida à outra parte, não revive a obrigação ex-
Parece então não ser despropositado que a norma em comento (art. tinta pela transação; mas ao evicto cabe o direito de reclamar perdas e danos
846) mereceria melhor redação ou que diante da Lei dos Juizados Especiais (art. 845).
encontra-se revogada parcialmente, pois a ação penal pública deve-se tam- Pressuposto do artigo é o princípio segundo o qual ninguém pode
bém considerar aquela condicionada a representação (Podestá. Direito das transferir mais direitos do que tem. O evicto que perde a coisa recebida pela
obrigações. Teoria geral e responsabilidade civil, p. 93). transação em razão de sentença judicial que a atribui a terceiro proprietário
No que se refere a pena convencional, estipulação contratual acessória da coisa, poderá reclamar perdas e danos do outro transigente porque, de fato,
visando assegurar o cumprimento da obrigação principal (seja para o caso de a extinção da obrigação deixou de ser recíproca.
mora, inexecução da obrigação ou em razão de cláusula especial) e possibilitar Pode, no entanto, um dos transigentes adquirir, depois da transação,
o seu reforço, admite-se que seja objeto de transação (art. 847). novo direito sobre a coisa renunciada ou transferida, fato que não impedirá de
Ainda no que tange ao objeto, estipula o art. 843 do CC regra de inter- exercê-lo. Assim, a transação realizada não pode afetar atos distintos realizados
pretação restritiva sobre os direitos envolvidos, isto é, a interpretação restrita no futuro. De certo, ela retroagirá para declarar ou reconhecer direitos pré-
impõe a perquirição tão-somente do que foi a verdadeira intenção das partes existentes, mas não para anular novos atos praticados por um, ou por ambos
(art. 112 do CC). Por isso, continua o dispositivo legal, pela transação não se os transigentes, depois de sua efetivação, dada a ausência de vinculação.
transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos.
Segundo ensina a melhor doutrina, o artigo mereceria outra redação 5. CAUSAS DE NULIDADE E ANULABILIDADE
para excluir a segunda parte, considerando o reconhecimento pelo legislador Remontando o conceito de nulidade e anulabilidade, o art. 848 do CC
da natureza contratual da transação em que as partes, mediante concessões consagra a característica da indivisibilidade da transação, pois sendo nula
recíprocas têm o poder de criar, modificar ou extinguir relações iguais ou qualquer das cláusulas da transação, nula será esta, vale dizer, a transação
diversas da que tiver dado origem à pretensão ou contestação (Maluf. A tran- deve formar um todo, versar sobre um assunto único, envolvendo o negócio
sação no direito civil, p. 772). jurídico, ao qual faz referência, com os elementos que a compõem, na sua
De fato, apesar da redação do art. 843, com ênfase na expressão “apenas se totalidade.
declaram ou reconhecem direitos”, “(...) a verdade é que o exame doutrinário Mas ressalva o parágrafo único: quando a transação versar sobre diver-
permitiu concluir pela possibilidade de efeitos não somente declarativos, mas sos direitos contestados, independentes entre si, o fato de não prevalecer em
também constitutivos, no acordo judicial” (Chaves. Tratado de direito civil, p. relação a um não prejudicará os demais, ou seja, se a transação refere-se a
304 e Pereira. Instituições de direito civil, p. 510). vários direitos, a indivisibilidade só atinge a cada um deles, de maneira que a
transação pode deixar de produzir efeitos em relação a um, sendo, entretanto,
4. EFEITOS de todo o ponto subsistente a respeito de outro ou outros.
O efeito principal e peculiar da transação é colocar fim a obrigação Por se tratar de negócio jurídico, a transação pode ser anulada por qual-
duvidosa ou litigiosa e, a rigor, não aproveita, nem prejudica senão aos que quer defeito do consentimento, e não só por dolo, coação, ou erro essencial
nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível (art. 844), isto quanto à pessoa ou coisa controversa como erroneamente afirma o art. 849
é, por exemplo se realizada com um herdeiro não obriga aos demais, ainda do CC. Logo, qualquer causa de anulação pode ser alegada para demandar-se
que verse sobre a coisa indivisível, porque não poderia ele, por efeito de sua a pretensão (ex: lesão ou estado de perigo) e sendo a transação judicial, não
vontade, tolher aos outros as ações que lhes competem. se falará propriamente em anulação, mas rescisão (art. 486 do CPC).
404 Direito dos Contratos

Pelo parágrafo único, exclui-se expressamente a anulação por erro de


direito, como “(...) técnica adotada para evitar a eternização das questões”
(Pereira. Instituições de direito civil, p. 513).
Por fim, o legislador comina de nulidade a transação a respeito de lití-
gio decidido por sentença passada em julgado, se uma das partes ignorava a
existência da sentença (‘se dela não tinha ciência algum dos transatores’), ou
quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles
tinha direito sobre o objeto da transação, ou seja, só ocorrerá a nulidade da
transação quando o título posteriormente descoberto esclarecer que nenhum
dos transatores tinha direito sobre o objeto da transação.

6. RESUMO ESQUEMÁTICO
1. A identificação e a caracterização do contrato de transação
2. A questão da interpretação da transação
3. Disciplina legal aplicável
4. Efeitos e vícios do contrato de transação
XXI
Do compromisso
FÁBIO PODESTÁ

Bibliografia
Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira.
Contratos. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia
Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002
– Clóvis Beviláqua. Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4 – Fábio Henrique Podestá. Direito das obrigações. Teoria
geral e responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005 – Maria Helena Diniz. Curso de
direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 3 – Orlando Gomes. Contratos. 18.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

1. GENERALIDADES.CONCEITO. ESPÉCIES E OBJETO


O legislador do Código Civil resolveu inserir como contrato típico a
figura do compromisso, do qual pode-se identificar certa aproximação com
a transação, mas diversidade quanto aos objetivos.
Se na transação a pretensão dos transigentes é colocar fim ou prevenir
um litígio, no compromisso as partes tem em mira afastar a apreciação do
caso litigioso pela justiça estatal, ou seja, celebrado o contrato, qualquer
controvérsia referente ao objeto da relação jurídica na qual ele se insere,
haverá necessidade de nomeação de um árbitro (que não seja juiz togado)
para solucioná-lo.
Independentemente da natureza jurídica do instituto (se de direito
material ou direito processual), o fato é que a existência de lei especial que
trata amplamente da matéria (Lei 9.307/1996) permite concluir que não havia
necessidade de inseri-la no Código Civil, que conta com reduzida quantidade
de disposições legais (apenas três artigos).
Não é por outro motivo que o próprio legislador, reconhecendo a espe-
cificidade do tema, manifestou-se de forma óbvia ao prescrever: “Admite-se
nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências, mediante
juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial” (art. 853) (grifo nosso).
Superados os equivocados posicionamentos sobre a inconstituciona-
lidade da Lei de Arbitragem (Podestá. Direito das obrigações. Teoria geral e
406 Direito dos Contratos

responsabilidade civil, p. 113), pode-se dizer que o compromisso nada mais é


do que o conteúdo da arbitragem, e pelo art. 9.º da Lei 9.307/1996, tem-se bem
identificada a sua noção que pode representar o conceito a ser adotado.
Logo, “o compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes
submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser
judicial ou extrajudicial”.
Em outros termos: “É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial,
para resolver litígios entre pessoas que podem contratar”.
A primeira espécie, isto é, o compromisso judicial, se dá por termo nos
autos, perante um juiz togado onde esteja o litígio pendente (art. 267, VII,
do CPC), enquanto a outra ocorre por escrito particular assinado por duas
testemunhas ou por instrumento público conforme exigir, ou não, a substância
do ato (art. 9.º e parágrafos da Lei de Arbitragem).
Os sujeitos são as partes interessadas, exigindo-se delas capacidade para
contratar, sendo que quanto ao árbitro estipula o art. 13 da Lei de Arbitragem
a exigência de confiança das partes e que não seja incapaz.
Conforme já adiantado, a arbitragem está intimamente ligada ao modelo
jurídico da transação, daí porque somente os direitos patrimoniais disponíveis
é que podem ser apreciados e decididos por esta forma alternativa de compo-
sição de conflitos (art. 852 do CC c.c. art. 1.º da Lei de Arbitragem).
Por fim, sendo admitida a inserção nos contrato da cláusula compro-
missória, sua compreensão é dada pela Lei de Arbitragem que em seu art.
4.º estabelece: “A cláusula compromissória é a convenção através da qual as
partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios
que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”.

2. RESUMO ESQUEMÁTICO
1. A identificação e a caracterização do contrato de compromisso
2. Desnecessidade de sua previsão no Código Civil em face da existência de
lei especial
3. Disciplina legal aplicável
XXII
Do contrato de faturização
(factoring)
FÁBIO PODESTÁ

Bibliografia
Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira.
Contratos. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia
Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002
– Clóvis Beviláqua. Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4 – Luiz Lemos Leite. Factoring no Brasil. 10. ed. São Paulo:
Atlas, 2005 – Maria Helena Diniz. Tratado teórico e prático dos contratos. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1994. v. 4 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

1. NOÇÃO. CONCEITO. CARACTERÍSTICAS


Apesar de o Código Civil ter unificado as obrigações, extinguindo antiga
dicotomia “obrigações civis/comerciais”, pode-se dizer que o contrato de
faturização é operação basicamente restrita ao mundo empresarial.
Trata-se de contrato que se assemelha ao desconto bancário no qual um
comerciante, pequeno ou médio, necessitando de reposição do capital de giro
recorre a uma empresa chamada ‘fomento mercantil’ e negocia os seus ativos
financeiros por meio da cessão (arts. 286 a 298 do CC), ficando esta com o
ônus de cobrá-los do devedor. Por se tratar de técnica financeira e de gestão
comercial, a empresa de factoring adiantará o valor dos créditos cedidos,
cobrando as comissões e ágios devidos e ajustados.
Não se confundem as operações de factoring com as das instituições fi-
nanceiras, razão pela qual submetem a um regime jurídico próprio basicamente
associado a edição de portarias e circulares (atos administrativos) editadas pelo
Banco Central (Leite. Factoring no Brasil).
Assim, não se confunde a operação em análise com o empréstimo,
desconto de duplicatas ou de cheques, adiantamento de recursos ou compra
de duplicatas ou de faturamento, mas atividade comercial mista atípica com-
preendendo serviços mais a compra do crédito resultantes de vendas mercantis,
vale dizer, “é a prestação continua de serviços de alavancagem mercadológica,
de avaliação de fornecedores, clientes e sacados, de acompanhamento de
408 Direito dos Contratos DO CONTRATO DE FATURIZAÇÃO (FACTORING) 409

contas a receber e de outros serviços, conjugada com a aquisição de créditos assumir o risco pelo não pagamento dessas faturas e informar o cedente dos
de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, títulos referentes aos devedores.
realizadas a prazo” (Leite. Factoring no Brasil, p. 4). No que tange ao faturizado, terá o direito de receber o pagamento das
Pode-se então dizer que o contrato de faturização “(...) é aquele em que faturas e transmitir ao faturizador as faturas não aprovadas, para que proceda
um industrial ou comerciante (faturizado) cede a outro (faturizador – factor), a cobrança na qualidade de mandatário. No campo dos deveres, impõe-se o
no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a ter- pagamento das comissões devidas pela operação, bem como apresentar as
ceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto relações das contas dos clientes, remetê-las ao faturizador e prestar as infor-
sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos. É mações necessárias sobre os clientes e o recebimento das quantias.
um contrato que se liga à emissão e transferência de faturas” (Diniz. Tratado Aplicando-se as normas referentes aos mencionados contratos típicos,
teórico e prático dos contratos, p. 65). enfatiza-se que o faturizador assume o risco da operação, tanto que sua re-
São suas características: a) bilateral, comutativo e oneroso (gera direito muneração decorre da prestação dos serviços de cobrança, calculado sobre
e obrigações para ambas às partes); b) consensual (aperfeiçoa-se com a ma- o percentual dos resultados obtidos. Assim, o faturizado só será responsa-
nifestação de vontade); c) execução continuada (as obrigações se protraem bilizado pela existência do crédito ao tempo em que o cedeu ao faturizador
(art. 295 do CC).
no tempo); d) empresarial; e) intuitu personae (a aceitação da operação pelo
faturizador associa-se as condições pessoais do faturizado); e f) atípico. 3. EXTINÇÃO
2. ESPÉCIES. DIREITO E OBRIGAÇÕES (FATURIZADOR E FATURIZADO) O contrato de faturização extingue-se pelo decurso do prazo ajustado;
distrato; alteração do estado econômico-financeiro de uma das partes; resi-
Basicamente pode-se identificar quatro espécies de faturização levando-se
lição unilateral mediante aviso prévio; descumprimento obrigacional (com
em conta o mecanismo da operação: a) faturização tradicional (conventional ressalva de que as obrigações pendentes devem ser liquidadas); e morte de
factoring) – compra de ativos financeiros, representativos de vendas mercantis comerciante individual.
à prazo, mediante a cessão pro soluto notificada pelo vendedor (endossante)
ao comprador (sacado-vendedor), assumindo o faturizador o risco da ope- 4. RESUMO ESQUEMÁTICO
ração; b) faturização no vencimento (maturity factoring) – o faturizador se 1. A identificação e a caracterização do contrato de faturização. A prática
compromete a pagar as faturas por vendas somente e na medida em que os empresarial
devedores do faturizado cumpram suas obrigações nos prazos ajustados; c)
2. Relações jurídicas entre faturizador e faturizado
trustee – o faturizador administra todas as contas a receber do faturizado “(...)
3. Efeitos quanto à extinção do contrato de faturização
que passa a trabalhar com o caixa zero, otimizando sua capacidade financeira”
(Leite. Factoring no Brasil, p. 21); d) compra de matéria-prima – o faturizador
realiza a intermediação do negócio, em favor do faturizado, diretamente com
o fornecedor, visando obter melhor preço da compra.
Estruturalmente o contrato de factoring é misto por englobar elementos
típicos de dois ou mais contratos nominados, ou seja, nele identificam-se
relações jurídicas caracterizadas como cessão de crédito, mandato e locação
de serviços.
Por isso, destoam obrigações e direitos identificados com cada uma
dessas figuras.
Resumidamente pode-se dizer que o faturizador terá direito de selecionar
os ativos financeiros que lhe interessar e analisar os documentos necessários
para o aperfeiçoamento da operação e cobrar as faturas pagas. Por outro lado
tem o dever de pagar os valores referentes às faturas que o faturizado apresentar,
DO CONTRATO DE FRANQUIA (FRANCHISING) 411

Nessa linha, o contrato em estudo não representou, como esclarece a


doutrina, mera elaboração doutrinária, idealizada por juristas, nem tampouco
inovação legislativa visando o desenvolvimento e à regulamentação econô-
XXIII mica de determinado setor da atividade empresarial privada, mas fruto das
necessidades do próprio mercado que pleiteava um instrumento jurídico
Do contrato de franquia que correspondesse à viabilização de um tipo de operação comercial descen-
tralizada, dinâmica e dirigida à satisfação do consumidor final, razão última
(franchising) do incremento da atividade empresarial (Barroso. Contrato de franchising,
RF 340/183).
FÁBIO PODESTÁ
O contrato de franquia teve sua origem nos Estados Unidos após a Guerra
da Secessão quando os industriais do norte, visando o comércio com o sul
e oeste do país, para expandir seus negócios, celebraram acordos diversos
Bibliografia
com comerciantes destas regiões a fim de que estes passassem a distribuir,
Adalberto Simão Filho. Franchising. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000 – Arnaldo Rizzardo. Contratos. por meio da venda, produtos de marcas que possuíam, seguindo-se uma fase
Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito de concessões de comercialização e intensificação a partir do ano de 1955
civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3 – Claudia Lima Marques. Contratos no Código
de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 – Clóvis Beviláqua. Comentários ao (Simão Filho. Franchising, p. 17).
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1924. v. 4 O exemplo talvez mais clássico do que pode representar a adoção do
– Fábio Henrique Podestá. Direito das obrigações. Teoria geral e responsabilidade civil. São sistema de franquia é a difusão da cadeia de lanchonetes “Mac´donalds” por
Paulo: Atlas, 2005 – Jacques Labrunie. A proteção ao segredo do negócio. Adalberto Simão
todo o planeta.
Filho e Newton de Lucca (coords.). Direito empresarial contemporâneo. São Paulo: 2000
– Luiz Felizardo Barroso. Contrato de franchising. Revista Forense, v. 304/183 – Maria Helena Assim, o regime de parceria inerente ao contrato de franquia representa a
Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 3 – Paulo C. Mauro. mola mestra de todo o funcionamento e resultado do sistema, a ponto mesmo
Guia do franqueador. São Paulo: Nobel, 1994 – Nelson Abrão. Da franquia comercial. São de afirmar-se que os possíveis litígios advindos quase sempre são solucionados
Paulo: RT, 1984 – Newton Silveira. O contrato de franchising. Carlos Alberto Bittar Filho
pela via mais rápida (mas não menos custosa) da arbitragem ou mediação,
(coord.). Novos contratos empresariais. São Paulo: 1990 – Orlando Gomes. Contratos. 18.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999 – Rubens Requião. Contrato de franquia comercial ou de sendo reduzida a incidência de casos submetidos à justiça estatal.
concessão de vendas. RT, v. 513/413.
2. O CONTRATO DE FRANQUIA COMO ESPÉCIE DE CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO;
1. INTRODUÇÃO E ORIGEM CONCEITO E OBJETO; NATUREZA JURÍDICA; CARACTERÍSTICAS E ESPÉCIES; A

Superado o modelo artesanal do século XIX, voltado à fabricação de POSSIBILIDADE DE UMA RELAÇÃO DE CONSUMO
produtos singulares com características específicas, feitos por encomenda ou O contrato de franquia – como o de concessão comercial, comissão
para um mercado restrito, a crescente competição, o aumento da distribuição mercantil, distribuição, representação comercial, agência – é espécie do que
dos produtos visando cada vez mais o dimensionamento de uma eficiente e se conhece como gênero o sistema de distribuição do qual identificam-se
segura rede de distribuição, contribuíram para o surgimento do contrato de relações complexas de mandato em um interesse comum, constituindo téc-
franquia no atual modelo econômico. nicas de agrupação de empresas, integrando processos de controle, direção
Atente-se que apesar da aceitação do termo estrangeiro, preferível a uti- e assistência, com graus diversos de participação, ainda que apareçam como
lização da acepção pelo vernáculo (franquia), não só porque a Lei 8.955/1994 situações combinadas, complexas e mistas, que implicam contratos de inte-
assim o faz, como também para o âmbito nacional, melhor afigura-se a pre- gração muito refinados.
valência técnica voltada ao mecanismo contratual e não recurso aos léxicos Desses contratos de distribuição, o que mais se aproxima da franquia
que visam um sentido mais comum e popular. é a concessão comercial a ponto de expressiva doutrina já ter manifestado
Cuida-se de técnica contratual voltada à ampliação das operações de certa confusão entre ambos (Requião. Contrato de franquia comercial ou de
um determinado empresário detentor de uma marca ou patente. concessão de vendas, p. 413).
412 Direito dos Contratos DO CONTRATO DE FRANQUIA (FRANCHISING) 413

Seja como for, pode-se afirmar que pelo contrato de franquia uma pessoa partes principais, envolvendo outros sujeitos indiretamente vinculados em
denominada franqueador concede a outra chamada franqueado o direito razão da verdadeira organização comercial que pressupõe o funcionamento
de participar do seu aviamento (“Elemento essencial do estabelecimento de toda cadeia.
comercial; o conjunto de aparelhamento, freguesia, crédito, reputação” No que tange as vantagens, o franqueador se beneficiará com a penetra-
– “Aurélio”, s.d.; p. 166), seja internamente, ensinando-o como organizar ção e difusão de sua marca no mercado por esforço do franqueado, além de
e exercer a atividade bem sucedida, seja externamente, autorizando a usar obter a ampliação das formas de saídas do produto ou serviço, sem arriscar
seus sinais distintivos, registrados, de forma que a clientela possa reconhecê- capital próprio. Também evita investir em comercialização, o que permite,
lo como se fizesse parte uma mesma cadeia ou rede (Silveira. O contrato de por sua vez, expandir seus próprios negócios sem risco e aproveita gastos de
franchising, p. 158. Cf. art. 2.º da Lei 8.955/1994). publicidade.
Sobressai então o objeto, ou seja, o franqueador transfere o aviamento, Para o franqueado, terá a oportunidade de desenvolver seu próprio
consistente na idéia organizadora do empresário e seus reflexos exteriores, negócio, de forma relativamente segura, aproveitando-se de um método já
sinais identificadores e posição de mercado. testado e de uma marca conhecida com aceitação no mercado. Em conseqüên-
Cuida-se de contrato com natureza jurídica complexa porque de sua cele- cia, aproveita a clientela já consolidada e fiel, bem como uma publicidade
bração nascem relações jurídicas que não podem ser resumidas em uma única massiva patrocinada por todos os integrantes da rede.
tipologia contratual, identificando-se a unidade de causa que encerra todos Quanto às desvantagens, o franqueador pode ter de enfrentar a in-
esses liames voltados ao incremento e domínio da marca do franqueador. disciplina do franqueado em razão do descumprimento das obrigações
Compreende-se que o referido contrato é formado por três tipos de re- assumidas, problemas de inadequação em função da inaptidão empresarial
lações jurídicas: licença para uso da marca do franqueador pelo franqueado; e rentabilidade baixa.
assistência técnica a ser prestada pelo franqueador ao franqueado; a promessa O franqueado, por sua vez, deverá suportar a perda da autonomia
e as condições de fornecimento dos bens que serão comercializados, assim empresarial em razão do controle externo exercido pelo franqueador, distri-
como se feitas pelo franqueador ou por terceiros indicados ou credenciados buição calculada dos produtos e desamparo na insolvabilidade (Simão Filho.
por este. Franchising, p. 66).
São suas características: a) bilateral e oneroso (gera direitos e obrigações
para ambas as partes); b) típico e formal (art. 1.º e 6.º da Lei 8.955/1994); 3.1 Obrigações do franqueador e franqueado
c) consensual (aperfeiçoa-se com a manifestação de vontade); d) execução Básica e normalmente, sendo o franqueador titular da marca ou da
diferida no tempo; e) intuitu personae (a aceitação do franqueado submete- designação, sua principal obrigação é o licenciamento, partindo daí o dever
se a análise prévia do franqueador – art. 3.º e 4.º); e f) adesão (o franqueado de prover, assistir e treinar o franqueado de modo permanente, inclusive
não possui poder de discussão e alteração das cláusulas pré-dispostas pelo conferindo os meios disponíveis para a implementação de toda estrutura do
franqueador). estabelecimento comercial por meio de técnicas de engineering, management
O contrato de franquia apresenta as seguintes espécies: serviços, produ- e marketing. Trata-se de conferir conhecimentos técnicos bem específicos em
ção, distribuição e/ou de indústria (Simão Filho. Franchising, p. 45). favor do franqueado, ou seja, o chamado know-how compreendido como “(...)
Em regra, referido tipo contratual não se submete aos princípios do todo conhecimento técnico, científico, administrativo, comercial, etc., aplicá-
Código de Defesa do Consumidor, mas nada impede que em situações especí- veis a uma empresa” (Labrunie. A proteção ao segredo do negócio, p. 87).
ficas e excepcionais, uma vez caracterizada a hipossuficiência do franqueado Com relação ao franqueado, os arts. 3.º e 4.º da Lei 8.955/1994 cuidam
(art. 4.º, I, da Lei 8.078/1990), seja possível a aplicação daquela lei protetiva, de atribuir obrigações que poderiam ser chamadas de pré-contratuais e que
notadamente visando o controle de cláusulas abusivas. fundamentalmente direcionam para a necessária segurança na formação do
vinculo. Essas informações são submetidas à apreciação do franqueador por
3. RELAÇÕES QUE NASCEM DO CONTRATO DE FRANQUIA EMPRESARIAL. VAN- meio de um documento denominado pela própria lei de circular de oferta.
TAGENS E DESVANTAGENS DO SISTEMA
Formado o vínculo entre as partes, impõe-se que o franqueado pague
De acordo com as características já mencionadas, o contrato de franquia uma soma a título de ingresso no sistema e outra fixa (mensal) sobre as vendas
gera vantagens e desvantagens, e não somente relações bilaterais entre as efetuadas e estabelecidas conforme o contrato, além de seguir estritamente
414 Direito dos Contratos DO CONTRATO DE FRANQUIA (FRANCHISING) 415

as instruções do franqueador acerca da produção, comercialização e admi- publicidade enganosa ou abusiva, respondendo o fornecedor (no mais das
nistração do produto e/ou do serviço. vezes o franqueador) pela oferta veiculada (art. 30).
Tem o franqueado, ainda, obrigação de sigilo sobre os conhecimentos
4. MODOS DE EXTINÇÃO DO CONTRATO
técnicos que foram transferidos para a perfeição do contrato e não exer-
cer idêntico comércio (seja na vigência do contrato ou após) em região Já se disse no item 2 que o contrato de franquia envolve obrigações de
pré-fixada. trato sucessivo e duradouras. Daí porque a extinção pode ocorrer pelo ad-
vento do termo (prazo é determinado) ou por aviso prévio/denúncia (prazo
3.2 As relações com terceiros, com especial atenção para o consumidor indeterminado).
Limitando-se a Lei 8.955/1994 a disciplinar as relações entre franqueador Cogita-se também da resolução voluntária (caso em que impõe-se as
e franqueado, notadamente para conferir transparência, olvidou de qualquer perdas e danos em favor da parte inocente) ou involuntária (o contrato resol-
apreciação sobre a responsabilidade pelos danos que eventualmente causarem ve-se) e também da resilição bilateral (distrato) ou unilateral.
ao consumidor. 5. RESUMO ESQUEMÁTICO
A problemática sobre o assunto não representa tanto a possibilidade 1. A identificação e a caracterização do contrato de franquia
da responsabilidade envolvendo o fornecedor direto do produto ou serviço
2. As relações jurídicas à que estão submetidas o franqueador, o franqueado
(franqueado), mas a amplitude dessa responsabilidade em função dela atin- e os terceiros
gir a esfera jurídica do franqueador por atos exclusivamente praticados por
3. Efeitos quanto a extinção do contrato de franquia
aquele.
Em razão da disciplina conferida pelo Código do Consumidor, a respon-
sabilidade do fornecedor abrange a qualidade dos produtos e serviços vistos
sob a ótica da responsabilidade pelo fato e vício, como também a prevenção e
reparação dos danos no campo extracontratual (praticas abusivas), inclusive
por publicidade abusiva e enganosa (Podestá. Direito das obrigações. Teoria
geral e responsabilidade civil, p. 307).
A menção ao princípio da responsabilidade civil subjetiva, a inexistência
de uma relação pessoal entre franqueador e o franqueado, bem como a confi-
guração entre ambos de autonomia financeira poderia justificar entendimento
equivocado com base em norma legal (art. 896 do CC/1916, atual art. 265) de
que seria “(...) difícil responsabilizar o franqueador pelos atos do franqueado.
A partir daí pode-se concluir que a responsabilidade do franqueador será
limitada nos termos do contrato celebrado entre as partes” (Mauro. Guia do
franqueador, p. 115).
A rigor, tratando-se de relação de consumo, qualquer intenção dire-
cionada a limitar a responsabilidade de todos aqueles que de alguma forma
ingressam na cadeia respectiva é indevida e ilegal, pouco importando, aliás,
o ajuste feito entre o franqueador e franqueado que para o consumidor e
ineficaz e mesmo res inter alios.
Lembre-se que para fins de danos causados ao consumidor, o próprio
Código do Consumidor estabelece a solidariedade entre todos os fornecedores
(art. 7.º, parágrafo único), sendo que a mesma conclusão se tira no caso de
CONTRATO DE SOCIEDADE 417

CC/1916, sem adentrar na polêmica, mas afirmando a natureza contratual


da sociedade.
A sociedade, assim, é caracterizada como um contrato simplesmente
XXIV consensual, já que basta o consentimento das partes, plurilateral, pois os só-
cios adquirem direitos uns contra os outros para a formação do capital social
Contrato de sociedade e direito à participar dos resultados, e oneroso, uma vez que, muito embora
a colaboração para um fim comum, cada um pretende obter uma vantagem
MARIA CLARA FALAVIGNA pessoal (Gomes. Contratos, p. 393).

1.1 Sociedade
Bibliografia Na definição singela e precisa de Caio Mário (Instituições de direito civil,
Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: p. 282), o contrato de sociedade é aquele “por via do qual duas ou mais pessoas
Forense, 1995 – Orlando Gomes. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. se obrigam a combinar seus esforços ou recursos e conjugar suas aptidões, com
finalidade de lograr fins comuns”. Nestes fins, entenda-se o escopo econômico,
1. NOÇÕES GERAIS sempre presente no contrato de sociedade, porém, o que mais o identifica é a
Em vista do conteúdo deste volume, que tem a pretensão de abordar affectio societatis, aquele fator psíquico necessário para distingui-lo de outros
senão todas as espécies de contrato, sua maioria, no sentido de serem os mais negócios, que significa a intenção dos sócios de participar de seu resultado,
seja positivo ou negativo.
utilizados na vida cotidiana, entende-se necessário proporcionar as noções
gerais de um contrato de sociedade, visto ter natureza jurídica contratual, Para constituição da sociedade são necessários requisitos subjetivos e
muito embora com finalidade de constituir uma atividade econômica, mas objetivos.
não muito diferente do escopo lucrativo que alguns determinados. 1.2 Requisitos subjetivos
Desta forma, uma vez que o Código Civil atual, por opção legislativa e
O primeiro requisito subjetivo diz respeito àquele que pode contratar.
seguindo parte da orientação da doutrina, preferiu reunir o agora chamado
Em primeiro lugar, quem tem capacidade civil pode constituir uma sociedade,
direito empresarial e o direito puramente privado em uma única codificação
contudo, há algumas restrições legais que impedem a formação de sociedade,
os contratos de constituição de sociedade encontram-se positivados em título senão com qualquer um, pelo menos em relação a determinadas pessoas.
próprio, exceto a constituição e regulação de sociedades anônimas, que por
Assim, os absolutamente incapazes (art. 3.º do CC) não podem constituir
suas peculiaridades são reguladas em lei especial.
sociedade.
Com efeito, muito se tem debatido na doutrina se o contrato que cons- Quanto aos relativamente incapazes, por questão de idade (art. 3.º, I, CC),
titui uma sociedade tem a natureza jurídica contratual, haja vista que duas cessará sua incapacidade, entre outros motivos, se fazer parte de uma sociedade
ou mais pessoas se reúnem não com manifestações de vontade opostas, mas e desde que tenha economia própria – art. 5.º, V, CC.
com a intenção de um mesmo fim comum, o que se denomina “negócios plu-
Somente quem tem capacidade para ser empresário pode contratar neste
rilaterais” e assim não seria um contrato na acepção estrita de sua concepção, sentido e isto se dá, conforme o art. 972 do CC, para aqueles que estiverem em
porém, no dizer de Orlando Gomes (Contratos, p. 392), isto não basta para pleno gozo da capacidade civil e não estiverem impedidos. Como impedimento,
negar a natureza contratual, “desde que se admita que seu traço característico o primeiro que lembramos os que foram interditados, nos termos do art. 1.767
se manifesta na composição de interesses privados formalmente divergentes”, do CC. Se o sócio se tornar incapaz depois de constituída a sociedade, poderá
isto porque, este fim comum é a criação de uma personalidade jurídica (art. 44, continuar na sociedade por meio de seus representantes legais ou, se for relati-
II, do CC), que nos termos do art. 985 do CC, só se adquire com a inscrição vamente incapaz, será assistido – art. 974 do CC, todavia, se este representante
no registro competente (art. 46 do CC). ou assistente não puder exercer esta atividade por imposição legal, nomeará
Para Caio Mário (Instituições de direito civil, p. 282) a situação se resolve um gerente com autorização judicial – art. 975 do CC, haja vista que os atos de
com o direito positivo, no Código vigente, pelo art. 981, ou o art. 1.363 do disposição de bens de incapazes são sempre fiscalizados pelo Poder Judiciário.
418 Direito dos Contratos CONTRATO DE SOCIEDADE 419

Igualmente, não terão capacidade para constituir sociedade os cônjuges 1.4 Espécies de sociedade
entre si, conforme o regime matrimonial, mas esta é uma incapacidade limitada
As sociedades costumam ser divididas em civis e comerciais, porém,
em relação a quem poderá associar-se, ou seja, os cônjuges podem ser sócios
com o atual Código Civil, com a unificação dos direitos civis e empresariais
apenas se casados sob o regime de comunhão parcial de bens, a contrário senso,
parece que esta divisão deve ser reavaliada. Desta forma, a sociedade se divide
os casados pelo regime de comunhão universal de bens ou de separação obriga-
em personificada e em não personificada.
tória não poderão ser sócios entre si – art. 977 do CC.
Porém, mantendo-se a distinção clássica, mas atendendo ao disposto na
Este sempre foi um ponto de discussão na doutrina, isto é, se os cônjuges
lei, as sociedades ainda podem ser classificadas como civis ou mercantis. A
poderiam contratar sociedade entre si, já que se considerava que isto seria uma
diferença básica entre elas é que as mercantis sempre almejam lucro, enquanto
forma de burlar o regime de bens escolhido por ocasião do casamento. Caio Mário
as civis podem ser constituídas sem este objetivo, ou nas palavras de Orlando
(Instituições de direito civil, p. 283) entendia que no regime de comunhão de bens
Gomes (Contratos, p. 395), a distinção repousa na índole das operações a que
ou de aqüestos a sociedade era impraticável, visto que a comunhão decorre da
se dedicam, “diferem, em síntese, pelo fim a que visam”.
vontade legal e proibida para os casados no regime de separação obrigatória de
bens, por contrariar a determinação legal que impedia, para aqueles determinados Sociedades não personificadas podem ser classificadas em duas: a co-
casos, a escolha livre do regime de bens pelo casal. No mesmo sentido entendia mum, aquela em que seus atos constitutivos não foram inscritos no cartório
Orlando Gomes (Contratos, p. 394). Como se vê, o novo legislador colocou uma de registro competente – art. 986, e subsidiariamente utiliza-se das normas
pá de cal sobre o assunto atendendo o reclamo da doutrina. da sociedade simples, e a sociedade em conta de participação, aquela em que
a atividade empresarial contratada somente é exercida pelo sócio ostensivo,
Portanto, poderão constituir sociedade entre si os cônjuges casados pelo
em seu nome individual e sob sua única responsabilidade – art. 991 do CC,
regime de comunhão parcial de bens e o separação voluntária de bens, contudo,
os demais apenas participam dos resultados da sociedade.
a norma deixou de considerar o novo regime de participação final nos aqüestos
estabelecido no art. 1.672 do CC. Novamente poderá surgir a polêmica, contudo, As sociedades personificadas são: sociedade simples, sociedade em
parece claro que na escolha deste regime não será possível constituir a sociedade nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, socie-
entre os cônjuges. dade anônima (regida em lei própria), sociedade em comandita por ações,
sociedade cooperativa e as sociedades coligadas.
Nos termos do art. 980 do CC, a separação judicial ou reconciliação de
sócio de empresa mercantil somente valerá em relação a terceiros se a sentença for Cada uma dessas sociedades, personificadas ou não, serão abordadas
arquivada no Registro Público de Empresas Mercantis. Muito embora o referido e analisadas minuciosamente em livro próprio desta coleção destinado ao
dispositivo só fale em separação judicial, claro está que se for o caso de divórcio estudo do direito de empresa.
direto será o mesmo, ou melhor dizendo, qualquer sentença que determine a
1.5 Direito e deveres dos sócios
partilha de bens, o que pode incluir ainda, por analogia, a dissolução de união
estável. Os sócios têm o direito de participar da administração da sociedade (Caio
Mário. Instituições de direito civil, p. 289), o que é determinado pelo contrato que
1.3 Requisitos objetivos institui a sociedade inclusive se se tratar de sociedade em conta de participação,
Como requisitos objetivos Caio Mário (Instituições de direito civil, p. em que apenas um dos sócios será determinado o gerente e a participação dos
284) demonstra o fim comum entre os sócios, nos termos da parte final do demais se dá apenas na divisão dos resultados. Por conseqüência, os sócios
art. 981, caput, do CC, e este é alcançado pela colaboração dos sócios e, como têm o direito de participar dos lucros e perdas da sociedade.
diz Orlando Gomes (Contratos, p. 394), a sociedade somente terá existência Entre os direitos, Orlando Gomes (Contratos, p. 397) inclui o de transferir
com a consecução dos seguintes elementos: “a) fim comum, a ser alcançado sua cota a terceiro, assim como associar estranho ao quinhão social.
pela cooperação dos sócios; contribuição dos sócios em esforços ou recursos; Quanto aos deveres, têm os sócios que cooperar para os fins comuns,
affectios societatis”. assim como têm o dever de fidelidade, praticando atos de interesse da socie-
Como “fim comum” há de se entender sempre uma finalidade patrimo- dade e se abstendo de atos que lhe são lesivos.
nial, do contrário não será sociedade, pois é elemento existencial da sociedade Entre o dever de cooperar deve ser entendido a contribuição na formação
empresarial o interesse econômico. do capital social.
420 Direito dos Contratos CONTRATO DE SOCIEDADE 421

1.6 Dissolução da sociedade  finalidade patrimonial comum entre os sócios


 contribuição dos sócios em esforços ou recursos
O Código Civil enumera as razões que podem por fim ao contrato de
 affectio societatis
sociedade em seu art. 1.033, porém, outros motivos podem ser incluídos no
contrato social como escolha dos contratantes – art. 1.035. • Espécies
a. Personificada
A sociedade terá seu fim se as partes em comum acordo o desejarem e
a.1. sociedade simples
para tanto é necessário realizar um distrato, isto é, uma dissolução voluntária,
do mesmo modo que outro negócio jurídico contratual, sendo que este deve a.2. sociedade em nome coletivo
obedecer a mesma forma que o contrato que lhe deu origem. a.3. sociedade em comandita simples
Se houver apenas a vontade de um dos sócios em sua retirada da socie- a.4. sociedade limitada
dade, sem que seja possível a sua substituição com a transferência de suas a.5. sociedade anônima (regida em lei própria)
cotas, inviabilizará a continuidade da mesma, acarretando o seu fim. a.6. sociedade em comandita por ações
Igualmente, a sociedade terá seu fim se o objetivo para o qual foi cons- a.7. sociedade cooperativa
tituída tiver se verificado ou for inexeqüível, assim como se vencer o prazo a a.8. sociedades coligadas.
que foi determinada. Tanto uma quanto outra pode operar automaticamente b. Não personificada
se esta condição estiver contida no contrato como maneira de subordinar a b. 1. comum
durabilidade do contrato (Caio Mário. Instituições de direito civil, p. 290). b.2. em conta de participação
Também terá seu fim a sociedade que tiver seu capital social extinto ou a. civis
se houve considerável redução a ponto de impossibilitar a continuidade de b. mercantis
suas atividades. • Direitos e deveres dos sócios
A morte de um dos sócios também é causa de extinção da sociedade, • Dissolução da sociedade
exceto se o contrato social contiver cláusula que permita a continuidade da
sociedade como os herdeiros do sócio morto, do mesmo modo em relação a
incapacidade de um dos sócios.
Se se tratar de sociedade que depende de licença especial para sua ativi-
dade e esta for cassada, também porá fim às atividades societárias.
As sociedades mercantis podem ainda ter seu fim pela declaração de
falência – art. 1.044, última parte, do CC.

2. RESUMO ESQUEMÁTICO
• Contrato de sociedade → as partes têm a mesma vontade → negócio
plurilateral
• Tem natureza contratual
• Características
 consensual

 plurilateral

 oneroso

• Requisitos subjetivos
 capacidade civil → art. 972 a 980 do CC

• Requisitos objetivos
CONTRATOS ELETRÔNICOS 423

o empresário disponibiliza sua oferta ao público; 2) por correio eletrônico


(e-mails), este método é muito semelhante à comunicação epistolar, ressal-
vadas as suas peculiaridades como o fato de que as mensagens transmitidas
XXV eletronicamente são entregues quase que imediatamente ao destinatário; e,
3) sistemas de intercâmbio de informação imediato (relay chat), que permite
Contratos eletrônicos a comunicação em tempo real semelhantemente ao telefone.
Através deste sistema de comunicação é possível contratar sem limites
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA geográficos, e isto vem inquietando a comunidade jurídica que se mobiliza
para adaptar os princípios e as regras tradicionais a este fato social. Esta outra
característica, diagnosticada pela doutrina como o fenômeno da desterrito-
Bibliografia rialização, é responsável pelas controvérsias em torno do conflito de leis e
Ana Paula Gambogi Carvalho. Contratos via internet. Belo Horizonte: Del Rey, 2001 – Claudia de jurisdição. Isto porque este meio de comunicação permite a contratação
Lima Marques. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo entre partes que se encontram em países distintos, com leis específicas e com
dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: RT, 2004 – Iscandor sistemas jurídicos diferentes (e.g. países de civil law vs. países de common
Emir AMAD. Contratos de Software, “Shrinkwrap Licenses” e “Clickwrap Licenses”. Rio de
law). Sendo assim, outro desafio para o direito é alcançar uma uniformidade
Janeiro: Renovar, 2002 – Michael Geist. Internet law in Canada. 3. ed. Ontario (Canada):
Captus Press, 2002 – Semy Glanz. Internet e contrato eletrônico. RT v. 757, ano 87, nov. no que diz respeito às legislações evitando surpresas indesejáveis tanto para
1998 – Newton De Lucca. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São os empresários, que não podem calcular os riscos de sua atividade; quanto
Paulo: Saraiva, 2003 – Ricardo Luís Lorenzetti. Comércio eletrônico. Trad. Fabiano Menke. aos consumidores, que não se sentem seguros ao contratarem com uma
São Paulo: RT, 2004. empresa estrangeira.
Outro desafio diz respeito ao fenômeno da atemporalidade, tendo em
1. INTRODUÇÃO vista que a comunicação eletrônica está evoluindo cada vez mais rápido
Diante dos novos meios de comunicação, é de extrema importância permitindo de forma instantânea a troca de informações. Outrossim, a des-
que se trate, ainda que em poucas palavras, a respeito da influência das no- regulamentação traz conseqüências maléficas tanto para o fornecedor, que
vas tecnologias no direito contratual. Esta nova realidade diz respeito a um encontrará um entrave ao desenvolvimento do comércio eletrônico devido
mundo desmaterializado, caracterizado pela bidimensionalidade, em que as à insegurança jurídica; quanto aos consumidores, que ficarão à total mercê
informações são traduzidas em bites. Esta característica traz inúmeros pro- dos fornecedores, fato que determinará, muitas vezes, a sua escolha em não
blemas com relação ao plano da existência, ou seja, em diversas situações, o contratar eletronicamente.
Direito terá que recorrer às ficções jurídicas para proporcionar pacificação Para evitar tais conseqüências, a comunidade internacional já estabe-
dos conflitos. leceu regulamentação acerca da contratação eletrônica. A Lei Modelo sobre
A internet, maior expoente da revolução tecnológica permite a comu- Comércio Eletrônico UNCITRAL, elaborada por uma comissão das Nações
nicação sem fronteiras geográficas, portanto, é, também, denominada pelo Unidas, em Nova York (1996), traz alguns conceitos relevantes para a infor-
termo técnico World Wide Web (WEB ou WWW ou W3), que literalmente mática jurídica, bem como regras de contratação. Esta lei já foi adotada por
significa uma teia (rede) de alcance mundial. diversas legislações internas de vários países.
A Portaria 148, 31.05.1995 do Ministério do Estado das Comunica- A Organização Mundial do Comércio (World Trade Organization – WTO),
ções aprovou a Norma 004/1995, que define, na alínea a do item 3, internet: também preocupada com o bom desenvolvimento do comércio eletrônico,
“Nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão estabeleceu algumas diretrizes (Guidelines), que podem orientar a construção
e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comuni- legislativa de diversos países nesta área.
cação entre computadores, bem como o software e os dados contidos nestes Quanto à legislação comunitária da União Européia, têm maior rele-
computadores”. vância e aplicabilidade à contratação eletrônica, as diretivas: i) Diretiva
A comunicação via internet pode ser feita, basicamente, de três formas: 1997/7/CE, a respeito da proteção dos consumidores na contratação à distância;
1) através de disposição em páginas na internet (webpage ou site), na qual ii) Diretiva 1999/93/CE, sobre assinatura eletrônica; iii) Diretiva 2000/31/CE,
424 Direito dos Contratos CONTRATOS ELETRÔNICOS 425

sobre o comércio eletrônico. Tais diretivas já foram incorporadas pelas legis- • A aquisição de uma empresa de aquisição de parte do sistema e a execução
lações internas da grande maioria dos países membros. dos programas por empresa diversa daquela que os produz;
Nos Estados Unidos, em nível federal, podem-se citar: i) Millenium • A aquisição de serviços computadorizados por uma empresa espe-
Digital Commerce Act (1999, Senate Bill 761), sobre assinatura eletrônica; ii) cializada;
Uniform Electronic Transactions Act (1999, UETA); iii) Uniform Computer Infor- • A aquisição de bens e serviços através da transmissão eletrônica de
mation Transactions Act (2002, UCITA). Além disso, ressalte-se os constantes dados, como por meio da internet.
esforços da Comissão de Uniformização da Lei (Uniform Law Commissioners
– National Conference of Commissioners on Uniform State Laws) que se reúne Percebe-se que tais contratos são contratos mistos, em sua maioria, que
anualmente para avaliar os diagnósticos e as demandas sociais em torno do agregam, por exemplo, elementos do contrato de compra e venda com outros,
comércio eletrônico. por exemplo, do contrato de prestação de serviços, além de licenças de uso
No Canadá, em nível federal, podem-se citar: i) Uniform Electronic de software, considerado como um direito autoral.
Commerce Act (1999, UECA); e ii) Personal Information Protection and Electronic A criação de um sistema operacional e softwares (programas de compu-
Documents Act (2000, PIPEDA). Ambos os diplomas foram incorporados por tador) é tida como criação do homem, e, portanto, tutelada pelas normas de
quase todas as treze províncias. direito autoral. Este entendimento está expresso no art. 2.º da Lei 7.646/1987,
No Brasil, o Projeto de Lei 4.906/2001 dispõe sobre o comércio eletrô- Lei da Informática. Seguindo esta corrente, a Lei 9.279/1996, Lei de Propriedade
nico, seguindo o padrão da Lei Modelo da UNCITRAL. Já o Projeto de Lei Industrial, excluiu a criação de programas de computador como invenção ou
1.589/1999, apresentado pela Ordem dos Advogados, preferiu não adotar modelo (art. 10, V), portanto, não podem ser patenteados e não se sujeitam às
definições no seu texto de lei. Entretanto, não há norma específica sobre a normas relativas à propriedade industrial. Finalmente, a Lei 9.609/1998, Lei
contratação pela internet, o que tem gerado insegurança social. dos Direitos Autorais, estabeleceu (art. 2.º) que os programas de computador
Devido às peculiaridades do comércio eletrônico, uma legislação espe- devem ser tutelados sob o mesmo regime das obras literárias, artísticas ou
cífica faz-se necessária, ao menos para enfatizar a validade dos documentos científicas.
eletrônicos, bem como seus requisitos. Por exemplo, o art. 225 do CC (“As
reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em 3. CONTRATOS DE ADESÃO NA ERA DA INFORMÁTICA (WRAP CONTRACTS)
geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de Os contratos de adesão são utilizados comumente pelos fornecedores
coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não de produtos e serviços. Eles não são novidade, na verdade, há vasta doutrina
lhes impugnar a exatidão”) pode gerar a equivocada interpretação de que a e jurisprudência a respeito. A razão pela qual tais contratos são preferidos à
mera alegação de inexatidão do documento reproduzido eletronicamente contratação paritária é o fato de serem mais rápidos e baratos. Em outras pa-
afasta a validade de tal como meio de prova. Melhor seria se uma lei específica, lavras, o fornecedor, previamente munido de um contrato padrão, não perde
como se vê na grande maioria dos países, dispusesse acerca dos requisitos de tempo redigindo um contrato especialmente para determinado consumidor,
validade de uma reprodução eletrônica como meio de prova, condicionando- e, portanto, o fornecedor não precisa recorrer aos serviços de advogados e
a a assinatura eletrônica com sistema de chaves assimétricas (ou públicas), outros para tanto.
bem como outros requisitos. Todavia, na era de informática, tais contratos de adesão se apresentam com
maior ênfase, até porque a sociedade de informação impõe relações cada vez
2. DISTINÇÃO ENTRE OS CONTRATOS DA ERA DA INFORMÁTICA mais velozes e baratas. Assim, é muito comum verificarmos que o fornecedor
Há diversos tipos contratuais informáticos ou “da informática”, a saber: oferece seu produto ou/e serviço on-line através de um contrato de adesão,
em que o consumidor deverá apenas preencher as lacunas com os seus dados
• A locação de todo o sistema; pessoais e indicar a forma de pagamento. Conseqüentemente, o consumidor
• A compra do hardware e dos programas (software); ficará vinculado a todas as cláusulas contratuais previamente estabelecidas
• A aquisição parcial a que se acopla a locação com um só produtor; pelo fornecedor de maneira genérica e abstrata, e em seu melhor interesse.
• O mesmo contrato misto, mas a locação se realizando com vários Para melhor visualizar estes contratos, explica-se seu funcionamento:
produtores; o consumidor ao preencher o formulário (contrato) com seus dados pessoais
426 Direito dos Contratos CONTRATOS ELETRÔNICOS 427

e indicando a forma de pagamento, ele automaticamente se obriga às cláusulas foro não era válida tendo em vista a ausência da concordância do consumidor.
contratuais, estabelecidas em bloco. A analogia que é feita é que tais cláu- Neste caso, a Ticketmaster não proprocionava ao consumidor a oportunidade
sulas são como um pacote embrulhado, daí a terminologia inglesa wrap. de clicar no ícone na caixa de diálogos “Eu concordo” (“I agree”).
Estes contratos estão na pauta do dia em diversos países pelos efeitos Entretanto, em um outro caso bem recente, Lawrence Feldman vs. Goo-
adversos e prejudiciais aos consumidores. A doutrina subdivide-os, basica- gle, Inc. (Civil Action no. 06-2540, Pennsylvania). O tribunal considerou
mente, em três espécies: i) shrink-wrap licences; ii) click-wrap contracts; iii) a cláusula de eleição de foro válida porque houve prévia concordância por
browse-wrap contracts. parte do consumidor, que clicou no ícone “Eu concordo” (“I agree”) na caixa
Shrink-wrap licences são os contratos de licença que contém os termos de diálogo, sendo esta manifestação uma parte integrante das várias fases da
contratuais acerca do uso de um programa de computador (software). referida contratação dos seviços de publicidade do “Google” – pesquisa.
Click-wrap agreements (ou point and click agreements) são os contratos de Transportando esta discussão para o direito brasileiro, a cláusula de
adesão reservados à compra e venda realizada totalmente em ambiente digital, eleição de foro será desconsiderada pelo juiz ou tribunal quando ela crie um
cujo objeto pode ser qualquer bem desde que não seja um programa de com- óbice ao direito do consumidor de acesso á justiça (art. 5.º, XXXV, da CF;
putador (software) abrangido pela nomenclatura anteriormente referida. art. 6.º, VI-VIII, do CDC; art. 101, I, do CDC; e pararágrafo único do art. 112
Ressalte-se, no entanto, que a distinção entre estes contratos não é pací- do CPC).
fica na literatura estrangeira, notadamente pelo fato de alguns doutrinadores Em outras palavras, a cláusula de eleição de foro pode ser inconstitucional
utilizarem a expressão “click-wrap licence” para designar os mesmos contratos se violar, no caso concreto, o direito ao acesso à justiça do consumidor. Além
de licenças de uso de um programa de computador, porém quando a tratativa disso, a recente alteração no art. 112, parágrafo único, do CPC premite que o
é operacionalizada e concluída totalmente em meio eletrônico (on-line). tribunal desconsidere a cláusula de eleição de foro quando verificar que ela
Finalmente, a terceira categoria, browse-wrap contracts, são os contratos tenha sido imposta por uma das partes (contratos de adesão).
encontrados no rodapé de toda página de internet, e que contêm os termos e Não se pode deixar de mencionar outra cláusula que pode ser encontrada
condições de uso que obrigam todos os usuários que naveguem na referida nestes contratos: a cláusula determinando a arbitragem compulsória. Segundo
página. o art. 51, VII, do CDC, esta cláusula é nula de pleno direito por estar no rol
das cláusulas abusivas, cuja conseqüência é a nulidade absoluta.
3.1 Cláusula de eleição de foro
O grande dilema que os tribunais estrangeiros enfrentam diz respeito à 4. CONFLITOS DE LEIS E JURISDIÇÃO NA INTERNET
validade e à obrigatoriedade da cláusula de eleição de foro presente em todas Visto este enorme problema a ser enfrentado pelo direito, conseqüen-
as três modalidades de contratos de adesão referidas supra. temente, deve-se enfrentar os inevitáveis conflitos de leis e de jurisdição na
Isto porque, estes contratos estabelecem em uma de suas cláusulas a internet, que é fortemente marcada pela globalização.
lei que deverá reger a relação jurídica entre as partes, bem como o foro com- Neste particular é importante notar que há mecanismos tecnológicos
petente para julgar os conflitos dela decorrentes. É muito comum, e.g., que que permitem ao fornecedor bloquear a contratação com os consumidores
haja, nestes contratos, uma cláusula determinando que a lei aplicável é a lei de determinada localidade (e.g. Infosplit, NetGeo, EdgeScape, Digital Envoy,
do Estado da Califórnia (EUA), e o foro competente é o estabelecido neste Quova).
Estado, isto porque as grandes empresas do ramo da informática estão sediadas Desta maneira, ao fornecedor é possível minimizar o risco de se ver
neste Estado norte americano, represetando uma incontestável vantagem aos processado em outra localidade das seguintes maneiras: i) através dos con-
fornecedores destes produtos e serviços. tratos, incluindo uma cláusula indicando a lei que regerá o contrato e o juízo
Tendo em vista a inexistência de jurisprudência brasileira, mostra-se competente, quando a lei o permitir; ii) através destas novas tecnologias acima
relevante o estudo de alguns casos decididos pelos tribunais estrangeiros para mencionadas; e, iii) através do público alvo do fornecedor.
situarmos melhor a matéria. Por outro lado, o consumidor, verificando alguns destes mecanismos,
No caso Ticketmaster v. Tickets.com (No. CV 99-7654 HLH, 2000 WL ficará atento, pois ele terá dificuldades em implementar os seus direitos em
525390, C.D. Cal. Mar. 27, 2000), o tribunal decidiu que a cláusula de eleição de outra jurisdição diversa daquela estabelecida no contrato.
428 Direito dos Contratos

Para evitar tais litígios, a sociedade civil através de suas inúmeras


organizações, bem como o Ministério Público (art. 1.º, II e art. 5.º, § 1.º,
da Lei 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública), assumem um papel relevante
no controle das cláusulas destes contratos, proporcionando a mais ampla
divulgação aos consumidores.

5. RESUMO ESQUEMÁTICO
• Há diversos tipos contratuais informáticos ou “da informática”, a saber
 locação de todo o sistema

 compra do hardware e dos programas (software)

 aquisição parcial a que se acopla a locação com um só produtor

 contrato misto, mas a locação se realizando com vários produtores

 aquisição de uma empresa de aquisição de parte do sistema e a execução


dos programas por empresa diversa daquela que os produz
 aquisição de serviços computadorizados por uma empresa especia-
lizada;
 aquisição de bens e serviços através da transmissão eletrônica de
dados, como por meio da internet
• Contratos de adesão na era da informática (wrap contracts)
 shrink-wrap licences

 click-wrap contracts

 browse-wrap contracts

• Cláusula de eleição de foro


• Conflitos de leis e jurisdição na internet
XXVI
Contratos bancários
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA

Bibliografia
Arnaldo Rizzardo. Contratos de crédito bancário. 5. ed. São Paulo: RT, 2000 – Caio Mário da
Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v.
3 – Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo:
RT, 2002 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999 – Sérgio Carlos
Covello. Contratos bancários. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Universitária de Direito, 2001.

1. INTRODUÇÃO
Os contratos bancários merecem consideração à parte devido às carac-
terísticas especiais das atividades bancárias:

• A pecuniariedade, vez que o objeto das operações bancárias é o di-


nheiro e o crédito;
• A homogeneidade, que reflete a contratação em massa para maior
obtenção de lucros;
• A complexidade, devido à constante evolução técnica e comercial;
• A profissionalidade, que é a intermediação do crédito; e
• A comercialidade, pois o próprio Código Comercial (arts. 119 e 120),
nesta parte revogado pelo atual Código Civil, considerava as ativida-
des bancárias como atos de comércio, hoje pode ser perfeitamente
enquadrado no conceito de empresário do art. 966 do CC;

Os produtos bancários podem ser resumidos na expressão “crédito”


entendido como a operação mediante a qual uma parte cede a outra um bem
tendo em vista uma contraprestação futura.
Desta forma, conclui-se que os contratos bancários são múltiplos,
pois oferecem diversos serviços, além de concessão de crédito mercantil, os
bancos administram, remuneram o capital e garantem o rendimento. Daí a
subdivisão das operações bancárias em principais ou típicas, v.g. depósitos,
contas correntes, redescontos, conta corrente, empréstimos, financiamentos,
abertura de crédito, descontos, créditos documentários, antecipações etc.;
430 Direito dos Contratos CONTRATOS BANCÁRIOS 431

e, acessórias ou atípicas, entendidas como prestações de serviços do banco a • Pagamento da remuneração avençada;
seus clientes com o fito de atrair maior clientela, v.g. custódia de valor, caixa • Usar cofre de acordo com as normas internas do banco;
de segurança, cobrança de títulos etc. • Apresentar o cartão de identificação ao utilizar o cofre;
Uma característica bem presente dos contratos bancários é a contratação • Devolver as chaves ao fim do contrato.
em massa, através de contratos do tipo formulários com cláusulas uniformes
para todos (contratos de adesão). Denominados pela doutrina moderna como A responsabilidade dos bancos é objetiva consoante arts. 12 do CDC,
“contratos cativos de longa duração” (Claudia Lima Marques). uma vez já estando pacificado o entendimento em ser esta uma relação de
consumo. Todavia a responsabilidade dos bancos restringe-se à integridade
2. CONTRATO DE CUSTÓDIA OU GUARDA DE VALORES dos objetos guardados e inviolabilidade do cofre, devendo permanecer sigi-
Também conhecido como contrato de cofres-fortes, cofres de aluguel ou loso até para o banco. Este não é responsabilizado pelo conteúdo do cofre,
caixas-fortes. Pode ser definido como o contrato por meio do qual o banco mesmo porque não pode fiscalizá-lo (TJRJ, 5.ª Câm. Cível, rel. Des. Marlan
oferece a seu cliente determinado compartimento vazio no caixa-forte do banco de Moraes Marinho, Repertório IOB de Jurisprudência, n. 7/66, 1.ª quinzena,
para que o cliente possa guardar seus pertences de valor (geralmente valor em abril 1996).
moeda estrangeira, objetos e títulos e documentos), mediante remuneração
pecuniária avençada no contrato.
3. CONTRATO DE CONTA CORRENTE
É uma operação acessória dos bancos, pois esta não é sua principal O contrato de conta corrente, também denominado de, conta corrente
função econômica. imprópria, conta de gestão ou conta corrente de correspondência, é operação
A confiança neste sistema deve-se ao fato de que tais cofres serem típica dos bancos.
munidos de mecanismos de proteção de alta tecnologia. São construídos em É definido como o contrato por meio do qual o correntista vincula o
blocos metálicos ou de cimento armado, não sendo possível realizar arrom- banco ao recebimento de valores remetidos pelo próprio correntista ou por
bamentos, e, até mesmo, são imunes a incêndios ou inundações. Ademais, terceiros, bem como ao cumprimento das ordens de pagamento do corren-
há um rigoroso sistema de vigilância. tista até o limite de dinheiro depositado na conta ou até o limite do crédito
convencionado. Neste contrato, há constantes alterações entre o débito e o
A natureza jurídica destes contratos não é pacifica, predomina o enten-
crédito do cliente mediante compensação de débitos contrapostos.
dimento de ser um contrato misto ou atípico, pois coexistem elementos dos
contratos de locação, de prestação de serviços e de depósito. Em outras palavras, trata-se de uma operação típica dos bancos, que ora
será passiva (quando o saldo do cliente for positivo), ora será ativa (quando
Suas características são:
este saldo for negativo).
• Bilateral, o cliente deve pagar a retribuição e respeitar as normas in- Neste contrato, o banco assume a posição de devedor, ou seja, é obrigado
ternas dos bancos referentes a este serviço, e os bancos devem cuidar a realizar diversos serviços por conta do cliente, dentre os quais: pagamento
pela integridade da coisa guardada; dos cheques emitidos, bem como outros pagamentos (água, luz, telefone, e
• Oneroso, há pagamento de retribuição previamente avençada. outras faturas). Portanto através do contrato de conta corrente, o banco presta
serviços de caixa. E, também, administra os ingressos (na sua maioria, depósi-
Sendo assim, as principais obrigações assumidas pelos bancos são: tos) e egressos (saques, pagamentos de contas) da conta de seu correntista.
Por outro lado, os bancos também auferem vantagens destes contratos:
• Permitir o uso do cofre em perfeita condição mediante a entrega da grande parte de seu lucro origina-se dos valores que estão disponíveis nas
chave ao cliente; contas correntes (spread bancário). Mas, além disso, os bancos cobram taxas
• Assegurar ao usuário a exclusividade do acesso ao cofre; de abertura e manutenção da conta corrente.
• Obrigação de custódia: conservação e defesa dos cofres; Diante de todas estas peculiaridades, o contrato de abertura de conta
corrente é um contrato atípico, e, portanto, autônomo. Suas características
Do lado oposto da relação, as obrigações do usuário são: principais são:
432 Direito dos Contratos CONTRATOS BANCÁRIOS 433

• Bilateral, o banco é obrigado a prestar os serviços de caixa e admi- crédito, tendo em vista que a instituição financeira coloca à disposição do
nistração contábil, enquanto o cliente se obriga a pagar taxas e de- cliente ou de terceiros, certo valor que poderá ser usado como o creditado
positar os valores necessários para que o banco efetue o pagamento quiser (operação típica).
de cheques e outras contas; Portanto, é o contrato por meio do qual o banco se obriga a disponibili-
• Consensual, basta a declaração convergente das partes para a eficá- zar para um correntista certo valor que será sacado de uma só vez ou através
cia do contrato, já que o depósito inicial tem a função somente de de vários saques.
possibilitar os pagamentos dos serviços de caixa a serem prestados As partes serão de um lado os bancos ou instituições financeiras au-
pelo banco; torizadas pelo banco Central (creditador); e, de outro, o cliente bancário
• De execução continuada, o contrato vige durante um lapso temporal, (creditado).
e que ocorre prestações sucessivas durante este período; A abertura de crédito subdivide-se em simples: neste caso, o creditado
• Oneroso, já mencionamos que há pagamento de taxas de adminis- pode utilizar o crédito sem ter que reduzir proporcionalmente o montante
tração. da dívida; e em conta corrente, hipótese em que a abertura do crédito fica vin-
culada à conta corrente do creditado, que tem direito de efetuar reembolsos
Os contratos de conta corrente podem variar segundo a provisão e a
para, então, poder utilizar o crédito reintegrado.
titularidade. Assim, quanto à provisão, eles podem ser:
Devido às inúmeras peculiaridades deste contrato não é possível enqua-
• Conta Corrente a Descoberto: neste caso, há um limite de crédito drá-lo na figura contratual do mútuo. Na realidade, está firmada na doutrina
colocado à disposição do cliente pelo banco, ou seja, pressupõe um que a natureza jurídica do contrato de abertura de crédito é figura autônoma
contrato de abertura de crédito, v.g. limite do cheque especial; (contrato atípico).
• Conta Corrente com Provisão: neste tipo, o cliente deve realizar anterior-
mente um depósito e só utilizará os serviços de caixa prestados pelos
5. CONTRATO DE DEPÓSITO BANCÁRIO
bancos até o montante deste valor. Os depósitos são operações bancárias típicas, e representam, ao lado da
conta corrente, os maiores lucros para estas instituições.
Quanto à titularidade, estes contratos são denominados: É o contrato mediante o qual o correntista ou terceiro entrega certos va-
lores monetários ao banco que deverá restituir o equivalente ao favorecido.
• Conta unipessoal: cujo titular é um único sujeito;
O banco tem pleno gozo do valor que recebeu em depósito, portanto,
• Conta corrente conjunta: há uma pluralidade de sujeitos da conta, e
para o banco, o depósito representa uma rentável fonte de numerário, per-
pode ser predeterminada pela partes a obrigatoriedade de apenas
mitindo que os bancos realizem os descontos, os empréstimos, as aberturas
um deles ou de todos, especificados nominalmente movimentarem
a conta, na ausência, a regra é de que a movimentação será realizada de crédito e todas as demais operações ativas.
por todos em conjunto; A natureza jurídica do depósito bancário é muito discutida na doutrina
• Conta corrente fragmentária: há, também, pluralidade de titulares (dois e jurisprudência. Seria um contrato de depósito regular ou irregular, ou um
ou mais), entretanto, eles mantêm o direito de sacar, independente- mútuo? A melhor doutrina afirma ser um contrato sui generis, pois estão
mente de autorização dos demais, até uma quantia pré-determinada, presentes características do depósito irregular e do mútuo. Todavia é um
o que exceder dependerá da assinatura de todos os titulares; contrato autônomo de natureza creditícia.
• Conta conjunta solidária: também há dois ou mais titulares, todavia Suas características são:
eles podem movimentar a conta livremente, e como o próprio nome
diz todos os titulares são coobrigados solidariamente. • Real, pois se aperfeiçoa com a entrega do valor ao banco;
• Unilateral, porque o banco assume a obrigação de restituir o valor
4. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO equivalente;
Também conhecido como “contrato de outorga de crédito” ou “contrato • De execução sucessiva, isto é, o banco não se desobriga com a execução
de financiamento”, na prática bancária, é tido como sinônimo de conceder de um único ato;
434 Direito dos Contratos CONTRATOS BANCÁRIOS 435

Os depósitos podem ser, quanto ao fim econômico: do através do protesto do título. Mas ainda é facultado ao banco cobrar do
• A vista, livremente reembolsáveis; cedente (descontário = correntista) a quantia, pois a cessão não é pro soluto,
e sim pro solvendo.
• A prazo, subordinam-se a um prazo pré-estipulado ou indeterminado
Os redescontos, nada mais são que um desconto, mas entre os bancos que
(pré-aviso);
apresentam os títulos que descontou para seus clientes a uma outra instituição
• De poupança. financeira que lhe antecipará a soma dos títulos previamente descontados.

No Anteprojeto do Novo Código Civil havia menção expressa ao depósito 7. CONTRATO DE COBRANÇA DE TÍTULOS
bancário (arts. 886-890). Entretanto isto não foi mantido no texto definitivo É uma operação bancária acessória, e que pode ser definida como o
aprovado pela Lei 10.406/2002. contrato pelo qual o cedente (geralmente o correntista) confere ao banco
(mero intermediário) poderes específicos para receber determinado valor de
5.1 Certificado de Depósito Bancário (CDB) seus devedores (sacados).
É um título de natureza cambiária, que representa um depósito bancário A natureza jurídica deste contrato é de mandato e, por isso, suas carac-
a prazo fixo, atribuindo ao favorecido juros e correção monetária. Pode ser terísticas fundamentais são:
transferido por endosso.
• Unilateral: o banco se obriga a cobrar os títulos uma vez que estes
5.2 Recebo de Depósito Bancário (RDB) lhe sejam entregues;
Diferentemente do CDB, o RDB não possui natureza cambiária, não • Consensual: aperfeiçoa-se com a convergência das declarações de
podendo ser endossado. Todavia pode ser transferido por cessão (art. 286 vontade das partes;
do CC). • Oneroso: o banco cobra comissão por este serviço.
6. CONTRATO DE DESCONTO 8. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS
É o contrato pelo qual os bancos pagam a seu correntista um valor em BANCÁRIOS
título a vencer, deduzindo deste os juros e as despesas desta operação. Trata- Muito se discutiu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às
se, portanto, de uma operação típica. instituições financeiras. No sentido afirmativo já se posicionava grande parte
As características principais deste contrato são: da jurisprudência: “Contratos bancários. Relação de consumo. Aplicabilidade
do Código de Defesa do Consumidor. Inversão do ônus da prova” (TACPR,
• Natureza creditícia; 6.ª Câm. Cível, rel. Juíza Maria José Teixeira, Revista de Direito do Consumidor,
n. 42/373-375, abr.-jun. 2002).
• O banco adquire a propriedade do título;
Esta discussão atingiu seu auge com a ADIn 2.591, 26 de dezembro de
• Contrato real, sendo necessária para o aperfeiçoamento do contra- 2001. Esta ação, proposta pela CONSIF (Confederação Nacional do Sistema
to a entrega do título e a contraprestação, que é a entrega do valor Financeiro), visando à declaração de inconstitucionalidade da expressão do
adiantado pelo banco. § 2.º do art. 3.º do CDC: “(...) inclusive as de natureza bancária, financeira, de
• Bilateral, pois o banco obriga-se a adiantar o valor do título, e o des- crédito e securitária”. Os fundamentos desta ação, em linhas gerais, eram:
contário (cliente) obriga-se a restituir o valor adiantado em caso de não
adimplemento pelo devedor do título (o banco não se responsabiliza • O CDC é lei ordinária e, por isso, não pode afrontar a Magna Carta,
pelo não pagamento do mesmo); que no art. 192 reservou à lei complementar a regulamentação do
• Oneroso, sempre há cobrança de juros, comissões e outras despesas. Sistema Financeiro Nacional;
• Outra questão levantada diz respeito à fixação da taxa de juros, que
Desta forma, o banco terá o direito de entrar com uma ação de execução segundo o mesmo artigo da CF requer lei de concreção, e o CDC fixa
contra o devedor do título (terceiro) caso haja inadimplemento, comprova- os juros moratórios em 2% (art. 52, § 1.º, do CDC);
436 Direito dos Contratos CONTRATOS BANCÁRIOS 437

• Outro embasamento da ADIn refere-se ao fato de que há uma distin- • Principais obrigações assumidas pelos bancos
ção entre consumidor de produtos e usuários de serviços prestados • Permitir o uso do cofre em perfeita condição mediante a entrega da
pelas instituições financeiras devido às peculiaridades deste sistema, chave ao cliente
sustentando que as instituições financeiras trabalham com dinheiro • Assegurar ao usuário a exclusividade do acesso ao cofre;
de terceiros; • Obrigação de custódia: conservação e defesa dos cofres
• Afirmam que os bancos negociam com a moeda e o crédito, consti- • Obrigações do usuário
tuindo-se, portanto, uma atividade de repasse, não configura, portanto, • Pagamento da remuneração avençada
o consumidor dos produtos bancários como destinatário final; • Usar cofre de acordo com as normas internas do banco
Não procedem as alegações da ADIn. Primeiro porque o CDC não • Apresentar o cartão de identificação ao utilizar o cofre
objetiva regular o Sistema Financeiro; ressalta-se que nunca se questionou a • Devolver as chaves ao fim do contrato
aplicabilidade da Lei 6.404/1976 aos bancos que por lei são constituídos sob • Contrato de conta corrente
a forma de sociedades por ações, sendo esta lei ordinária. Ou da Lei 6.385 • Conta corrente imprópria, conta de gestão ou conta corrente de
vez que os bancos abrem seu capital, e, portanto sujeita-se às normas sobre correspondência, é operação típica dos bancos
as sociedades abertas. • Características
O CDC em momento algum visa regulamentar a questão dos juros, ➢ Bilateral
trata apenas dos juros moratórios, fixando-os em 2% do valor da prestação ➢ Consensual
devida. ➢ De execução continuada
Os serviços bancários são onerosos como pudemos observar neste capí- ➢ Oneroso
tulo, configurando a remuneração direta e indireta, podendo ser abrangidos • Contratos de conta corrente quanto à provisão podem ser
pelo § 2.º do art. 3.º do CDC que conceitua serviço aquele prestado mediante ➢ Conta Corrente a Descoberto
remuneração, sendo indiferente se a remuneração for direta (mediante taxas)
➢ Conta Corrente com Provisão
ou indireta (usando-se de dinheiro de terceiros, as instituições financeiras
obtêm lucros – spread bancário). • Contratos de conta corrente quanto à titularidade são denominados:
Em 07 de junho de 2006, tribunal pleno, foi julgada, por maioria de votos, ➢ Conta Unipessoal
improcedente a referida ADIn, desta feita, está pacificada a aplicação do CDC ➢ Conta Corrente Conjunta
às instituições financeiras por não haver afronta à Constituição Federal. ➢ Conta Corrente Fragmentária
➢ Conta Conjunta Solidária
9. RESUMO ESQUEMÁTICO • Contrato de abertura de crédito
• Características • Contrato de outorga de crédito ou contrato de financiamento, na
 Pecuniariedade prática bancária, é tido como sinônimo de conceder crédito
 Homogeneidade • Contrato de depósito bancário
 Complexidade • Os depósitos são operações bancárias típicas, e representam, ao lado
da conta corrente, os maiores lucros para estas instituições
 Profissionalidade
• Certificado de Depósito Bancário (CDB) representa um depósito
 Comercialidade
bancário a prazo fixo
• Contrato de Custódia ou Guarda de Valores
• Recibo de Depósito Bancário (RDB) pode ser transferido por cessão
• Contrato de cofres-fortes, cofres de aluguel ou caixas-fortes (art. 286 do CC)
• Caracteristicas • Contrato de Desconto
➢ Bilateral • Características
➢ Oneroso ➢ Natureza creditícia
438 Direito dos Contratos

➢ O banco adquire a propriedade do título


➢ Contrato real
➢ Bilateral
➢ Oneroso
• Contrato de Cobrança de Títulos
• Características
➢ Unilateral
➢ Consensual
➢ Oneroso
• Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos
bancários
• Aplica-se o CDC às instituições financeiras por não haver afronta à
Constituição Federal
XXVII
Contratos de cartões
de crédito
CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA

Bibliografia
Antônio Chaves. Tratado de direito civil. São Paulo: RT, 1984. t. II, v. 2 – Arnaldo Rizzardo.
Contratos. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005 – Claudia Lima Marques. Contratos no
Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002 – Fran Martins. Cartões de
crédito. Rio de Janeiro: Forense, 1976 – Orlando Gomes. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999.

1. INTRODUÇÃO
A utilização crescente dos cartões de crédito deve-se, em muito, à
insegurança da vida moderna. Desta forma, não é conveniente portar quan-
tias de dinheiro consigo, tornando-se um alvo fácil para os criminosos de
plantão.
Além da insegurança, ressalte-se a comodidade de efetuar pagamentos
utilizando cartões de crédito ao invés do desconforto de preencher um che-
que, por exemplo.
Outrossim, o cartão de crédito representa um enorme acesso à utilização
do crédito, na medida em que permite o financiamento de compras de bens
em várias parcelas. E, também, pelo fato de não disponibilizando da quantia
no momento da compra, o adquirente pode efetuar o negócio, pois só pagará
quando a fatura do cartão de crédito vencer.
A utilização dos cartões de crédito, como forma de pagamento, facilita a
realização de negócios a longa distância, como os realizados na internet, basta
digitar alguns dados, como número do cartão, data de validade e o código de
segurança, normalmente de três dígitos impresso no verso do cartão.
Há, portanto, as inúmeras vantagens trazidas pela utilização dos cartões
de crédito, especialmente, pelo fato de amenizar os riscos a que estão expostas
as pessoas que portem certa quantia em dinheiro. Mas também, a vantagem
está na expansão do crédito, e, na comodidade que o uso do cartão de crédito
proporciona.
440 Direito dos Contratos CONTRATOS DE CARTÕES DE CRÉDITO 441

Pode-se entender cartão de crédito como, algo de propriedade da ela desenvolvida (3.ª T., AgRg no AI 277.191/RJ, rel. Min. Ari Pargendler, j.
empresa que o emitiu e o administra, porém de uso pessoal e intransferível 15.05.2000).
do seu titular, que é aquele cujo nome está estampado no cartão, podendo Na ponta da relação contratual triangular, o fornecedor é aquele que
autorizar a cobrança de certas despesas mediante solicitação escrita, bem vende produtos e/ou presta serviços. A relação entre ele e o titular do cartão
como a emissão de outros cartões a serem utilizados pelas pessoas indicadas é regida pelas regras do direito comum, pois realizam contratos de compra e
pelo titular. venda, de prestação de serviços, etc.
Não se pode dizer que o cartão de crédito seja um título de crédito,
pois lhe faltam os atributos da abstração e da livre circulação. Muito embora, 3. FORMA DO CONTRATO
haja certa formalidade, ou seja, estão impressos em relevo no cartão: o nome Os contratos de cartões de créditos são contratos de adesão, impressos em
da empresa emissora e administradora; número de identificação do titular, formulário a ser preenchido pelo titular. Assinado este contrato, o titular fica
bem como seu nome e sua assinatura; a data da emissão, bem como a data subordinado às cláusulas, geralmente impressas no verso do formulário.
de validade.
Todavia, as cláusulas podem ser contestadas nos termos do art. 51 e
Todavia, para que a administradora possa prestar seus serviços, requer-se art. 54, § 3.º, do CDC. Quanto à aplicação do CDC às instituições financeiras
solicitação prévia do titular, formalizando esta relação através de um contrato ressaltaremos a seguir.
de adesão, geralmente vinculado à conta bancária do titular. Portanto, são
necessárias algumas palavras acerca desta relação contratual de indiscutível Requer-se, ainda, que o cartão seja solicitado pelo titular. Assim, a empresa
relevância na sociedade pós-moderna. não pode enviar, sem prévia solicitação, cartões de crédito sob pena de respon-
der pelos prejuízos sofridos pelo titular, inclusive pelos danos morais.
2. PARTES INTEGRANTES Os tribunais têm condenado os emissores que enviam cartões de créditos
A relação contratual forma-se em triângulo: emissor ou administrador, sem prévia solicitação, sendo esta uma prática abusiva nos termos do art. 39,
titular do cartão (aderente) e o fornecedor de produtos e serviços que é pago III do CDC: “Enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qual-
com cartão de crédito. quer produto, ou fornecer qualquer serviço”: “Responsabilidade civil. Cartão
A parte que emite o cartão de crédito é uma sociedade empresária. Mas de crédito. Fornecimento não solicitado. Prática abusiva. Inclusão indevida do
nada impede que essas emissoras sejam sociedades simples. nome do cliente no SPC. Prova do dano moral” (TJRJ, 2.ª Câm. Cível, Ap.
Não há lei específica que regulamente os contratos de cartões de crédito, Civ. 5.658/97, rel. Des. Sergio Cavalieri Filho, j. 14.10.1997, Revista de Direito
bem como seu uso. Daí não há exclusividade dos bancos para emitir cartões do Consumidor, n. 27/138-141, jul.-set. 1998).
de crédito, outras instituições financeiras podem fazê-lo. Entretanto, devido à Após a adesão, o titular terá de pagar a taxa de administração, também
facilidade de investimento no setor, os bancos acabaram por dominar este ramo chamada de taxa de adesão ou de expediente, sendo um contrato de execução
de atividade, criando uma empresa subsidiária para administrar os cartões. periódica, esta taxa renova-se anualmente.
Além de cobrar uma taxa para a manutenção do cartão, cobram-se juros
por eventuais financiamentos.
4. NATUREZA DO CONTRATO
Do outro lado desta relação contratual, o titular do cartão de crédito, Este contrato é muito complexo, envolvendo três centros de interesses
também denominado beneficiário ou aderente, cujo objetivo é auferir as distintos, o do titular do cartão, o da emissora e o do fornecedor de produtos
vantagens supra mencionadas dos cartões de crédito. Para a sua própria e serviços. Por esta razão é qualificado como um contrato misto ou relacio-
segurança, os cartões são documentos nominativos, ou seja, apenas o titular nal, envolvendo aspectos ora de um contrato de compra e venda, ora de um
cujo nome está expresso no cartão pode apresentá-lo como pagamento. Por contrato de prestação de serviços. Compondo-se por mais de duas partes, é,
isso, o titular se responsabiliza se outra pessoa utilizar o seu cartão realizando também, um contrato plurilateral.
despesas, isto é, o titular deverá quitar estas despesas, salvo em hipóteses bem Deste contrato surgem obrigações interdependentes, portanto é con-
específicas como a clonagem de cartões de crédito, cuja responsabilidade pelo trato bilateral ou sinalagmático. É, também, um contrato oneroso, pois há o
débito é da própria administradora por se tratar de um risco da atividade por dever de remunerar a prestação dos serviços prestados pela administradora.
442 Direito dos Contratos CONTRATOS DE CARTÕES DE CRÉDITO 443

Quanto à onerosidade, é contrato comutativo, a taxa de administração é certa padronizar um entendimento definindo até que ponto responde o titular do
e previamente determinada pelas partes. Quanto ao modo de execução, é cartão e a administradora do cartão de crédito, bem como os fornecedores de
contrato de execução periódica ou continuada, na medida em que a obrigato- produtos e serviços, que tem o dever de conferir a assinatura do portador do
riedade do pagamento da taxa de administração renova-se a cada período, cartão com a assinatura aposta no verso do cartão.
normalmente, a cada ano. Em caso de extravio, perda ou roubo do cartão, o titular deve comuni-
car imediatamente a administradora agindo conforme os ditames da boa-fé
5. RESPONSABILIDADES objetiva. Por outro lado, a administradora do cartão deverá efetivar o cance-
Deste contrato, surgem obrigações para todos. A administradora deve lamento do cartão, se preciso for inclusive emitindo avisos aos fornecedores
prestar serviços de caixa, bem como efetivar o pagamento e garanti-lo até filiados ao sistema.
determinado valor (previamente estabelecido no contrato). Além disso, a A maior parte da jurisprudência defende que deve haver um período
administradora obriga-se a informar o titular do cartão todos os seus egressos, de carência entre o aviso do titular do cartão e a responsabilidade deste pelas
prestando contas do que foi pago pela emissora aos fornecedores. despesas efetuadas no cartão. De maneira que, após o aviso do extravio, per-
Perante o fornecedor, a administradora se obriga a pagar as faturas do da ou roubo do cartão, o titular ainda responderia pelas compras e despesas
titular, respeitado o limite de crédito rotativo, isto é, o crédito se recompõe efetuadas com o cartão durante o período de carência.
quando o titular paga o valor total ou parcial da fatura.
Este período de carência depende da tecnologia da comunicação. Hou-
Interessante notar que a administradora do cartão não se responsabiliza ve julgados no sentido de fixar este período em três dias, durante os quais
pela quantidade e qualidade dos produtos (ou serviços) fornecidos por ou- perduraria a responsabilidade do titular pelas despesas e compras realizadas
trem. Nesta hipótese, não pode o titular do cartão pedir à administradora que com o cartão (RT 535/183). Todavia, este prazo já foi reduzido para 48 horas
não pague certo valor relativo à compra de produto defeituoso. O titular deve (RT 571/191).
resolver este problema com o próprio fornecedor, seja exigindo o abatimento
no preço, recebendo do fornecedor o valor abatido; ou exigindo a devolução Todavia, atualmente, a comunicação opera-se em rede e de maneira ins-
da quantia, resolvendo o contrato. tantânea, portanto, a partir do momento em que o titular do cartão comunica
a administradora do extravio, perda ou roubo do cartão, esta deve efetivar
Por outro lado, o titular do cartão obriga-se a pagar a fatura no vencimento,
o bloqueio automaticamente, o que impossibilitará que terceiros realizem
bem como a pagar a taxa de administração e eventuais juros decorrentes de
despesas e compras no cartão. Este é um dos riscos inerentes à atividade da
financiamentos. Além disto, o titular obriga-se, também, a observar as regras
de utilização do cartão. administradora dos cartões de crédito e, que, portanto, tem o ônus de investir
para a melhora do sistema de segurança.
O fornecedor de bens e serviços celebra um contrato com a empresa
emissora do cartão de crédito, portanto, ele se obriga a pagar uma taxa pela Inclusive vigora o entendimento de ser nula a cláusula contratual que
prestação de serviços desta, bem como não poderá recusar o pagamento com atribua a responsabilidade do consumidor, titular do cartão, pelas despesas
o cartão de crédito emitido pela empresa a que esteja filiado. O fornecedor realizadas entre o período do furto e a comunicação à empresa, pois as ad-
obriga-se, outrossim, a agir com diligência verificando se o portador do cartão ministradoras de cartões de crédito e os vendedores têm o dever de apurar a
de crédito é realmente o seu titular, e, deve verificar se o seu nome consta de regularidade no uso do cartão (STJ, 3.ª T., REsp 348.343/SP, rel. Min. Humberto
algum dos cadastros dos inadimplentes, bem como observar a validade do Gomes de Barros, j. 14.02.2006).
cartão.
6. CARACTERIZAÇÃO DAS ADMINISTRADORAS COMO INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
5.1 Extravio, perda ou roubo do cartão Discute-se se as administradoras de cartões de crédito poderiam ou não
Quanto ao possível extravio, perda ou roubo do cartão, a principal ser enquadradas na categoria de instituições financeiras. Há duas correntes
questão diz respeito à limitação da responsabilidade de cada um desta relação que dão interpretações opostas à Lei 4.595/1964, que regulamenta a política
contratual triangular. Em outras palavras, a jurisprudência e a doutrina tentam e as instituições monetárias, bancárias e creditícias.
444 Direito dos Contratos CONTRATOS DE CARTÕES DE CRÉDITO 445

Alguns tentaram fazer prevalecer a parte final do art. 17 da Lei Além disso, a cobrança de taxa de administração é uma forma de remune-
4.595/1964, que traz a conjunção aditiva “e”, ou seja, além de exercerem ração direta, fundamental para a aplicação dos dispositivos do CDC; e, também,
atividade principal ou acessória que envolva coleta, intermediação ou remuneração indireta através da cobrança de juros pelo financiamento.
aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros; para serem con- Desta forma, é de se concluir que neste campo, aplica-se o CDC tanto
siderada como instituições financeiras, devem exercer, também, a custódia para beneficiar as pessoas físicas, quanto as pessoas jurídicas que utilizaram
de valor, o que, claramente, as administradoras de cartão de crédito não o cartão de crédito (Claudia Lima Marques).
exercem (RJSTJ 103/314). Mesmo antes do julgamento do STF da ADIn 2.591, em que foi decido
Entretanto predominou o entendimento, hoje sumulado (Súmula pela constitucionalidade da aplicação do CDC às instituições financeiras, a
283 do STJ), de que as empresas, que administram cartão de crédito, são jurisprudência dominante já admitia ser tal relação de consumo: “Cartão de
crédito. Revisão de contrato. Limitação dos juros. Aplicabilidade do Código de
consideradas instituições financeiras, pois atua principalmente como in-
Defesa do Consumidor” (TJRS, 19.ª Câm. Cível, Ap. Civ. 70.000.044.909,
termediária perante o mercado dos recursos do financiamento da compra
rel. Des. Guinther Spode, j. 09.11.1999, Revista de Direito do Consumidor, v.
do titular do cartão. E por esta razão podem ser incluídas no rol do art. 17 36, p. 322-324, out.-dez. 2000).
da Lei 4.595/1964.
A primeira conseqüência disto é a não limitação dos juros em 12% a.a., 8. RESUMO ESQUEMÁTICO
pois não se aplica a Lei da Usura às instituições financeiras (STJ, 3.ª T., AgRg • Cartão de Crédito → contrato de adesão, sem regulamentação específica
no AI 620.160/RJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.02.2006). em lei
No mesmo sentido: “Não pairam mais dúvidas no âmbito desta Corte quanto • Características
ao fato de as administradoras de cartões de crédito inserirem-se na categoria  autoriza a cobrança de certas despesas mediante solicitação escrita,
das instituições financeiras, bem como na possibilidade da cobrança de juros bem como a emissão de outros cartões a serem utilizados pelas pessoas
remuneratórios sem as restrições do Dec. 22.626/1933, diante da edição da indicadas pelo titular
Súmula 283 do STJ” (STJ, 4.ª T., AgRg no REsp 773.792/RS; rel. Min. Aldir  de propriedade da empresa que o emitiu

Passarinho Junior, j. 28/03/2006)  de uso pessoal e intransferível do seu titular

• Partes
7. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS  emissor ou administrador
DE CARTÕES DE CRÉDITO  titular do cartão (aderente)

Tendo em vista a discussão se as administradoras de cartão de crédito  fornecedor de produtos e serviços que é pago com cartão de crédito

seriam ou não instituições financeiras, o CDC inseriu, no § 2.º do art. 3.º, os • Forma
serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, dando a  contratos de adesão
maior abrangência possível.  impressos em formulário a ser preenchido pelo titular

Todavia, a ADIn 2.591/2001 questionou a constitucionalidade da apli-  cláusulas geralmente impressas no verso do formulário

cação do CDC às instituições financeiras, e, portanto, fatalmente, atingiria  titular terá de pagar a taxa de administração, também chamada de
as empresas, que administram cartões de crédito. taxa de adesão ou de expediente, sendo um contrato de execução
Nada impede que este produto seja enquadrado na relação de consu- periódica, esta taxa renova-se anualmente
mo, pois as instituições de crédito que administram os cartões de crédito são • Contestação de cláusulas → art. 51 e art. 54, § 3.º, do CDC
fornecedoras de um misto de produtos e serviços, o produto seria o crédito • Natureza
a ser utilizado pelo consumidor; e, serviço seria a própria administração do  contrato misto ou relacional, envolvendo aspectos ora de um contrato

cartão com as devidas prestações de contas mediante envio de extratos mensais de compra e venda, ora de um contrato de prestação de serviços
discriminando todas as despesas.  bilateral ou sinalagmático
446 Direito dos Contratos

 oneroso
 comutativo
 execução periódica ou continuada

• Responsabilidades
 administradora

 titular do cartão

 fornecedor de bens e serviços

• Extravio, perda ou roubo do cartão


 Caracterização das administradoras como instituições financeiras →
Súmula 283 do STJ
• Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de cartões
de crédito → beneficia pessoas físicas e jurídicas
XXVIII
Contrato de incorporação
imobiliária
MARIA CLARA FALAVIGNA

Bibliografia

Francisco Arnaldo Schmidt. Incorporação imobiliária. 2. ed. Porto Alegre: Noton, 2006 – Jéverson
Luís Bottega. Incorporação imobiliária e a responsabilidade civil do incorporador. Porto Alegre:
Norton, 2005 – Orlando Gomes. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

1. NOÇÕES GERAIS
O contrato de incorporação imobiliária vem disciplinado na Lei
4.591/1964, haja vista que o Título II desta Lei, que disciplina a incorporação
não foi revogada pelo Código Civil de 2002, mas apenas a parte relativa ao
condomínio em edificações, pois o Código ao não tratar das incorporações
manteve a vigência desta lei, ao contrário da revogação tácita do Título I, já
que lei posterior revoga a anterior quando regule a mesma matéria – § 1.º,
do art. 2.º, da LICC.
Assim, incorporação imobiliária, pelo que dispõe o parágrafo único do
art. 28 da Lei 4.591/1964: é “a atividade exercida com o intuito de promover
e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações, ou con-
junto de edificações compostas de unidades autônomas”, a serem construídas
ou em construção sob o regime condominial – art. 29.
Como afirma Orlando Gomes (Contratos, p. 445), nos termos deste tipo
de negócio, alguém se obriga “a promover a construção de edifício dividido em
unidades autônomas para distintos adquirentes da respectiva fração ideal do
terreno, sob regime de condomínio especial”. Muito embora a lei diga respeito
a condomínio em edifícios, nada impede, por sua natureza, que se destine a
regular o condomínio de casas, desde que caracterizados como condomínio
especial, definido como edilício no art. 1.331 do CC.
Por definição legal, somente a construção que estiver para ser iniciada, ou
em andamento, podem ser enquadradas no contrato de incorporação imobiliária,
portanto, se finda a construção, não mais se trata deste negócio jurídico.
448 Direito dos Contratos CONTRATO DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA 449

São partes do negócio, de um lado o incorporador, que pode ser pessoa Não é um contrato solene, visto não se exigir a escritura pública para
física ou jurídica, comerciante ou não, aquele que efetue a construção, ou sua formação, mas deve sempre ser sempre escrito.
efetue a venda das frações, assim como quem aceite as propostas para efetivar Sua execução não termina com a construção do imóvel, mas quando a
o negócio, coordenando e levando a termo a incorporação, assim como res- unidade é entregue ao adquirente e, nas palavras de Orlando Gomes (Contratos,
ponsabilizando-se pela entrega – art. 29. Do mesmo modo será incorporador p. 449), “não pertence à categoria dos contratos de duração, mesmo quando o
o proprietário e titulares de direitos aquisitivos que contratem a construção, pagamento do preço é distribuído em prestações periódicas, porque somente
desde que iniciem a comercialização das unidades antes de terminada a obra assim se devem qualificar os contratos que, por sua natureza, não comportam
– art. 30. execução única e, no caso, o preço pode ser pago de uma só vez”.
O incorporador será aquele indicado pelo art. 31, ou seja: o proprietário
do terreno, promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário, 2. OBRIGAÇÕES DO INCORPORADOR
desde que o título esteja inscrito no Cartório de Registro de Imóveis (a); ou A incorporação somente pode ter início, e isto significa, serem coloca-
o construtor ou corretor de imóveis (b). das à venda as unidades autônomas, sem que o incorporador seja investido
Note-se que o proprietário poderá ser considerado incorporador, nas nesta função (art. 31, § 2.º, da LCI), sendo certo que poderá haver mais de
formas da lei, assim como aquele que apenas intermedia o negócio, sendo de um o incorporador, que serão solidariamente responsáveis pelas obrigações
suma importância esta identificação, diante das responsabilidades do incor- assumidas (art. 31, § 3.º, da LCI). Igualmente, a venda das unidades somente
porador a seguir descritas. pode ocorrer após ter sido arquivado no Cartório de Registro de Imóveis os
É comum na prática atual, que o proprietário do terreno e o incorpora- documentos elencados no art. 32 da LCI, necessários a dar maior publicidade
dor realizem um contrato de permuta ou de promessa de permuta, em que o e garantia do negócio, como o título de propriedade e certidões negativas de
proprietário entrega o terreno e o incorporador, em contra partida, promete tributos, assim como atestado de idoneidade financeira entre outros.
entregar unidades autônomas quando terminada a construção. Detalhe O incorporador será investido como tal pelo proprietário do terreno,
importante de se verificar é que o art. 31, ao tratar do titular do direito sobre
ou pelo promitente comprador, ou cessionário, ou promitente cessionário,
o imóvel, não incluiu o contrato de permuta, e que tem se revelado de uso
e porque não dizer, pelo promitente com direito à permuta, com mandato
corrente, principalmente sobre a promessa de permuta, em que se discute
outorgado por instrumento público, em que se transcreva o estabelecido no
a possibilidade de existir permuta de coisa futura, entretanto, esta tem sido
art. 35, § 4.º, isto é, a obrigação de outorga dos contratos relativos à fração
utilizada para o registro da incorporação, em que pese opiniões contrárias
ideal, de construção e da Convenção do Condomínio, caso em que não reali-
(Schmidt. Incorporação imobiliária, p. 31), mas defendida por Orlando Gomes
(RT 461/13). zado no prazo ajustado, dará direito à sua averbação no Registro de Imóveis,
conferindo-lhes direito real, assim como direito à obtenção compulsória do
A questão surge em razão do direito real que se confere ao adquirente
contrato correspondente (art. 31, § 1.º, da LCI).
da unidade autônoma, sendo que a promessa de permuta não está vislum-
brada no rol do art. 1.225 do CC, que inclui no inciso VII, apenas o direito Identificado o incorporador, que, repita-se, não exige que seja o constru-
do promitente comprador do imóvel, todavia, por analogia é bem possível tor do imóvel, nos termos do art. 31 da LCI, este assume a responsabilidade
este negócio. pela incorporação e tem a obrigação pessoal de concluir todos os negócios
necessários para sua conclusão (art. 31, § 1.º, da LCI), que deverá ocorrer
1.1 Natureza jurídica até o prazo máximo de sessenta dias, a contar do termo final do prazo de
Na lição de Orlando Gomes (Contratos, p. 450), o contrato de incor- carência (art. 35) estabelecido no instrumento de incorporação – art. 34 da
poração imobiliária inclui uma série de atos jurídicos distintos: a compra e LCI. Não se trata de término da construção, mas do fim da comercialização
venda ou promessa; a construção do imóvel; e a instituição do condomínio das unidades.
especial. São contrato coligados por uma única causa, transformando-os em No tocante à figura do incorporador, vale lembrar que por força da le-
um único contrato típico, sinalagmático, consensual, oneroso, formal e de gislação tributária, equipara-se o incorporador, para o fim de recolhimento
execução diferida. do imposto de renda à empresa individual, com tratamento fiscal igual ao
450 Direito dos Contratos CONTRATO DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA 451

destinado à pessoa jurídica, outrossim, tratando-se de relação de consumo, • Averbar a construção ao final;
aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor. • Elaborar o instrumento de condomínio;
Desta forma, aplica-se o CDC ainda na fase pré-contratual, principalmente • Transferir a propriedade ao comprador da unidade autônoma, assim
no que diz respeito à oferta e publicidade da incorporação (art. 30 e 31 do como a fração ideal do terreno.
CDC), devendo a oferta ser correta e precisa, assim como na fase contratual,
impedindo-se cláusulas abusivas (art. 53 do CDC) e na fase pós-conclusão 2.1 Prazos relativos à incorporação
do negócio, com a responsabilidade do incorporador pela qualidade e segu- A Lei que regula a incorporação imobiliária estabelece vários prazos
rança da construção, mantendo-se em relação aos adquirentes, por serem a serem cumpridos pelo incorporador, sendo os mais importantes o que a
consumidores, o prazo de cinco anos para reclamar pelos danos sofridos, seguir se descreve.
nos termos do art. 27 do CDC e não o prazo comum de três anos previsto no
Com a inscrição da incorporação no Registro de Imóveis, este registro
Código Civil.
será válido por 180 dias, período em que o incorporador terá de negociar as
Com efeito, tratando-se de vício prevalece o prazo de 90 dias estabelecido unidades, no entanto, se este prazo não tiver sido suficiente, somente poderá
no art. 26 do CDC, contados a partir da entrega da unidade se for aparente e continuar o negócio depois de atualizar a documentação já referida e reclamada
se for oculto a partir de seu conhecimento. Suspende-se a contagem do prazo pelo art. 32 (art. 33 da LCI).
se houver reclamação feita ao incorporador até a sua negativa em reparar o
Se desejar, poderá o incorporador fixar um prazo de carência para efetivar
vício, ou pela abertura de inquérito civil, até sua conclusão (art. 26, I, III,
a incorporação, sendo lícito desistir do realizar o negócio dentro deste período,
do CDC).
entretanto, este prazo de carência não pode ser superior ao prazo de validade
As obrigações do incorporador ocorrem em três distintas ocasiões, em do registro acima descrito, ou de sua revalidação (art. 34 da LCI), sendo certo
relação ao contrato: uma pré-contratual; outra no período de execução do que na haverá prorrogação deste prazo (art. 34, § 6.º, da LCI).
contrato; e ao final, com a conclusão do negócio. As obrigações pré-contratuais
No prazo máximo de sessenta dias, a contar do termo final do prazo de
dizem respeito à inscrição da incorporação no Registro de Imóveis, apresentar
carência terá o incorporador que celebras o contrato relativo à fração ideal
os documentos que lhe são exigidos por lei, para dar garantia do sucesso do
de terreno, assim, como o contrato de construção e o da convenção de con-
negócio, assim como o cronograma das obras, preço etc.
domínio – art. 35, caput, da LCI, no entanto, se o prazo de carência não tiver
Em suma, são estas as obrigações do incorporador: sido estabelecido, este prazo se contará da data de qualquer documento de
ajuste preliminar – § 1.º.
• Inscrever a incorporação no Cartório de Registro de Imóveis;
• Depositar os documentos exigidos pelo art. 32 da LCI; 2.2 As sanções relativas ao incorporador
• Manter patrimônio de afetação, nos termos do art. 31-A da LCI, se a Além das obrigações de âmbito civil, o incorporador também responde
incorporação for submetida ao regime de afetação, que são bens que por infração penal, como o crime contra a economia popular (Gomes. Con-
não se comunicam com os demais do incorporador e são destinados tratos, p. 455).
à finalização da incorporação e correspondente entrega das unidades Com bem lembra Orlando Gomes (Contratos, p. 455) as sanções penais
autônomas; são sempre pré-contratuais, enquanto as que constituem contravenção penal
• Indicar o número do registro da incorporação, nos respectivos con- são contratuais, respondendo pelos crimes, o caso de pessoa jurídica, seus
tratos; diretores ou gerentes.
• Discriminar o custo da fração ideal do terreno e o modo de pagamento
da construção, assim como apresentar memorial descritivo da obra 3. RESUMO ESQUEMÁTICO
projetada.; • Incorporação imobiliária → art. 28, Lei 4.591/1964
• Manter o cronograma da construção para a entrega da obra no prazo • Partes:
anteriormente estipulado;  Incorporador → art. 31, Lei 4.591/1964
452 Direito dos Contratos

• Natureza jurídica:
 Típico

 Sinalagmático

 Consensual

 Oneroso

 Formal

 De execução diferida

• Obrigações do incorporador
 Prazos relativos à incorporação

 Sanções relativas ao incorporador


XXIX
Leasing ou arrendamento
mercantil
AMANDA ZOE MORRIS

Bibliografia

Arnaldo Rizzardo. Leasing – Arrendamento mercantil no direito brasileiro. 4. ed. rev., atual.
e ampl. São Paulo: RT, 2000 – Caio Mário da Silva Pereira. Contratos. Instituições de direito
civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 3 – Maria Helena Diniz. Curso de direito civil
brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 3 – Rodolfo de Camargo Mancuso. Leasing. 3.
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002 – Silvio de Salvo Venosa. Contratos em espécie.
Direito civil. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

1. CONCEITO E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS


Trata-se de um negócio jurídico, no qual arrendante, sempre pessoas
jurídicas, conforme especificado no art. 1.º da Res. 2.309/1996 do Banco
Central do Brasil, adquire bens móveis ou imóveis conforme especificações
do arrendatário (pessoa jurídica ou física), que irá utilizá-los, mediante pa-
gamento em prestações periódicas, restando ao final as seguintes alternativas
ao arrendatário: devolução do bem, renovação do contrato (claro que por
prestações menores, devido à desvalorização do bem) ou opção de compra
do bem pelo valor constante do contrato, descontando-se as parcelas já pagas
(valor residual).
O valor residual – note-se – pode ser cobrado única e exclusivamente ao
final do contrato, se houver opção de compra pelo arrendatário. Caso a instituição
financeira cobre tal valor embutido nas parcelas, o contrato perde sua natureza
própria, devendo ser considerado então simplesmente compra e venda.
Esta modalidade contratual envolve, na verdade, três partes: arrendante,
arrendatário e o fornecedor do bem a ser arrendado. O fornecedor, inclusive,
às vezes direciona o arrendatário à empresa arrendante, para viabilizar o
negócio (Arnaldo Rizzardo. Leasing – Arrendamento mercantil no direito
brasileiro, p. 117).
454 Direito dos Contratos LEASING OU ARRENDAMENTO MERCANTIL 455

FORNECEDOR → ARRENDANTE → ARRENDATÁRIO → Ao final, três opções necessário adotar a forma escrita, quer pública ou particular (art. 7.º
vende ↓ arrenda usa o para o ARRENDATÁRIO: do Res. 2.309/1996).
o bem Bem é adquirido o bem bem • Devolução do bem
para em nome do AR- para o • Renovação do con- 2. MODALIDADES
RENDANTE , mas trato de leasing
conforme es- • Compra do bem O leasing financeiro (art. 5.º da Res. 2.309/1996) é a forma mais comum
pecificações do pelo valor residual de arrendamento mercantil, e bastante útil, por apresentar claros benefícios
ARRENDATÁRIO (o valor do contra-
to menos as presta-
fiscais para as partes.
ções já pagas) Esta forma contratual é uma espécie de operação de crédito, com nítido
caráter de financiamento, até mesmo porque o arrendante, em nosso orde-
A estrutura do contrato de arrendamento mercantil apresenta carac- namento, será sempre pessoa jurídica conectada ao mercado financeiro. As
terísticas de várias relações obrigacionais, dentre as quais a locação de contraprestações e demais pagamentos do arrendatário, nesta modalidade,
coisas é a principal, a base à qual adicionam-se outros elementos, como o devem, normalmente, ser suficientes para que o arrendante possa recuperar
financiamento e a cláusula de opção de compra futura (Rodolfo de Camargo o custo do bem no período de duração do contrato, e mais até, obtenham
Mancuso. Leasing, p. 44). Diga-se, mesmo, que a palavra leasing vem do verbo retorno sobre os recursos investidos (art. 5.º, I, da Res. 2.309/1996).
to lease em inglês, que pode ser traduzida literalmente por locar. Além de arcar com as prestações, responsabilizar-se-á o arrendatário
pelas despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à
Nota-se, contudo, que o arrendamento mercantil é figura contratual
operacionalidade do bem arrendado.
própria, disciplinada em nosso ordenamento jurídico pela Lei 6.099/1974,
alterada pela Lei 7.132/1983. Ainda é regulado pelo Banco Central do Brasil, Ademais, o preço para o exercício da opção de compra poderá ser li-
através das Res. 2.309/1996 e 2.706/1996. vremente acertado entre as partes, podendo mesmo ter o valor de mercado
do bem arrendado.
Considerando que o arrendamento mercantil tende a ser um contrato de
adesão, no qual as cláusulas são impostas pelo arrendante, também se aplica O leasing operacional, também conhecido como renting, está previsto
o Código de Defesa do Consumidor. no art. 6.º da Res. 2.309/1996, alterada pela Res. 2.465/1998, e tem objetivos
diferentes do leasing financeiro. Trata-se “de locação de instrumentos ou ma-
Trata-se de um contrato com as seguintes características:
terial, com cláusula de prestação de serviços, prevendo a opção de compra
e a possibilidade de rescisão a qualquer tempo, desde que manifestada
• Típico, por estar expressamente previsto em lei, ainda que sua forma
esta intenção com antecedência mínima razoável, em geral fixada em 30
contenha ingredientes de diversas relações obrigacionais;
dias” (Arnaldo Rizzardo. Leasing – Arrendamento mercantil no direito
• Bilateral¸ visto que gera obrigações para ambas as partes; brasileiro, p. 38).
• Oneroso¸ pelas características que o arrendamento mercantil traz em si Nesta modalidade de arrendamento mercantil, o próprio fabricante do
da locação, e pelo financiamento inerente a esta forma contratual; bem será o arrendante, não havendo interferência de instituição financeira
• De execução sucessiva¸ pois o arrendatário compromete-se a quitar no negócio. O leasing operacional é bastante útil quando tratar-se de bem
diversas prestações em um determinado período; que se tornem obsoletos rapidamente (Silvio de Salvo Venosa. Direito civil,
• Consensual¸ por se aperfeiçoar pelo simples consentimento das par- p. 547).
tes. Contudo, o art. 5.º da Lei 6.099/1974 demanda que o contrato As contraprestações a serem pagas pelo arrendatário no arrendamento
contenha: prazo, valor de cada contraprestação por períodos determi- mercantil operacional deverão abarcar o valor da locação e os serviços inerentes
nados, não superiores a um semestre; opção de compra ou renovação de a sua colocação à disposição; inclusive, poderá o contrato incluir assistência
contrato, como faculdade do arrendatário e preço para opção de compra técnica e manutenção do bem. Ressalte-se, contudo, que o valor presente dos
ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta cláusula. Pois pagamentos não poderá ultrapassar 90% (noventa por cento) do valor do bem
bem, para comprovar-se a existência de todos estes itens, seria (art. 6.º, I e § 3.º, da Res. 2.309/1996, alterada pela Res. 2.465/1998).
456 Direito dos Contratos LEASING OU ARRENDAMENTO MERCANTIL 457

Lease-back ou leasing de retorno é uma boa maneira de uma empresa obter • Características
capital, sendo também uma forma de financiamento para o arrendatário.  Típico

Parece-se com o arrendamento clássico, mas não existe, nesta hipótese,  Bilateral

o fornecedor: é o próprio arrendatário que vende ou dá em pagamento parte  Oneroso

de seu patrimônio ao arrendante que, em seguida, o cederá novamente ao ar-  De execução sucessiva
rendatário, mas como arrendamento mercantil (art. 9.º da Lei 6.099/1974).  Consensual

Deverá o arrendatário, enquanto perdurar este leasing, arcar com os • Modalidades


riscos do bem, inclusive com a perda de valor devido à sua obsolescência.  Leasing financeiro

Assim, o arrendatário terá o capital gerado pela venda, além do uso do  Leasing operacional

bem mediante o pagamento da contraprestação. É boa alternativa para uma  Lease-back ou leasing de retorno
empresa que, por exemplo, não tiver recursos líquidos próprios para uma  Dummy corporation
expansão ou não conseguir empréstimo em bancos (Maria Helena Diniz.  Lease purchase
Curso de direito civil brasileiro, p. 723). Obs. → self leasing é proibido (art. 2.º da Lei 6.099/1974)
A dummy corporation é, como o próprio nome já diz (“dummy” em inglês
significa simulácro, fantoche), criada tão somente para agir como interme-
diária entre o arrendatário e os investidores. Será administrada por um trustee
indicado pelos próprios investidores, a quem se pagarão as contraprestações
devidas pelo leasing. O capital desta empresa “postiça” advém de debêntures
(títulos de crédito que representam dívidas, a grosso modo) que emite e põe
no mercado financeiro (Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, p. 547).
O lease purchase, por sua vez, costuma ser utilizado na atividade aerovi-
ária ou ferroviária. Neste caso, o trustee ou administrador emitirá certificados
parecidos com debêntures, que gerarão quantia suficiente para adquirir o bem
a ser arrendado; o arrendatário, então, passará a ser proprietário do bem após
resgatar todos os certificados (Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, p. 547).
Observe-se que a Lei 6.099/1974, em seu art. 2.º proíbe o self leasing,
que consiste em contrato entre pessoas jurídicas direta ou indiretamente
coligadas ou interdependentes.

3. RESUMO ESQUEMÁTICO
• To lease = locar
• Apresenta elementos de vários outros contratos, em especial a locação
de coisas, financiamento e cláusula de opção de compra futura
• Partes
 Arrendante

 Arrendatário

 Fornecedor

• Valor residual → o valor do contrato menos as prestações já pagas →


o arrendatário deverá quitar este valor, se quiser exercer opção de
compra
JOINT VENTURE 459

A joint venture nacional é formada por duas ou mais empresas do país


onde se farão as operações do grupo.

XXX Já a internacional é a união entre uma empresa estrangeira e uma em-


presa nacional; é uma cooperação bastante útil, já que a empresa nacional
Joint Venture traz seu conhecimento do mercado local, e a internacional, investimentos e
novas tecnologias. O investimento estrangeiro no país deverá ser registrado no
AMANDA ZOE MORRIS Banco Central do Brasil, e pode ser aplicado a qualquer atividade econômica
que não seja exclusiva aos brasileiros por determinação constitucional. A
despeito da origem do capital, contudo, se a empresa for localizada no Brasil,
Bibliografia
será considerada brasileira.
Eduardo Goulart Pimenta. Joint ventures – Contratos de parceria empresarial no direito brasileiro.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005 – Marco Aurélio GumieriValério. Cláusula compromissória
Podem ser equity joint ventures, quando houver investimento direto de
nos contratos de joint venture. <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4175> – Maristela capitais, havendo o risco do negócio e non equity joint ventures, quando não
Basso. Joint ventures – Manual prático das associações empresariais. 3. ed. rev., atual. e ampl. houver o risco: o investidor será considerado credor no negócio, indepen-
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. dentemente do resultado.
1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA As joint ventures também poderão ser transitórias ou permanentes.
Em seu aspecto formal, podem ser classificadas em:
A joint venture não advém da lei nacional, como o próprio nome em
inglês já deixa claro. A tradução literal é complicada, mas pode-se dizer que a) Corporate joint venture, que irá gerar uma nova pessoa jurídica. É
seria próximo a “empreendimento em conjunto”. recomendado dependendo da natureza do projeto, quando este exigir alto in-
Trata-se de um acordo de cooperação empresarial, em que duas ou mais vestimento, e instalações próprias, como uma planta industrial e equipamentos
empresas unem seus esforços e recursos para atingir objetivos comerciais em de alto valor. O direito das sociedades por ações será a base para a contratação
comum, podendo ter longa ou curta duração. e o funcionamento das joint ventures (Lamy Filho e Bulhões Pedreira, apud
Conforme diz Eduardo Goulart Pimenta (Joint ventures – Contratos de Maristela Basso. Joint ventures – Manual prático das associações empresariais,
parceria empresarial no direito brasileiro, p. 7), a origem da joint venture é p. 54).
consuetudinária, tendo significado bastante amplo. A joint venture societária traz, naturalmente, maior solidez institucional.
Em suma, pode-se dizer que é um contrato plurilateral de parceria/coo- Para formar esta joint venture, será necessário um acordo central, que
peração, que não cria afectio societatis (Maristela Basso. Joint ventures – Manual defina as condições gerais e básicas do negócio, e quais outros instrumentos
prático das associações empresariais, p.41) e não demanda uma forma jurídica o comporão; estatuto social; acordo de acionistas, entre outras formas contra-
específica, até mesmo porque, por vezes, engloba a elaboração de diversos
tuais, que vão de contratos de locação do espaço a ser utilizado, de prestação
instrumentos para atingir aos fins desejados.
de serviços, até contratos de fornecimento de tecnologia.
Na formação da joint venture, pois, normalmente haverá um contrato
central, e outros anexos (contratos satélites), de forma a regular toda a ativi- A corporate joint venture que for criada no Brasil deverá adotar um tipo
dade do empreendimento. societário existente em nosso ordenamento, para alcançar seus objetivos: so-
Ressalve-se, desta maneira, que cada sociedade que integra a joint ciedade de responsabilidade Limitada – Ltda; Sociedade Anônima – S.A., que
venture permanece sendo autônoma, não gerando novo sujeito de direito a pode ser de capital aberto (necessitando de registro na CVM – Comissão de
partir deste contrato. Valores Mobiliários) ou fechado; sociedades em nome coletivo; em comandita
simples e de capital e indústria.
2. ESPÉCIES b) Non corporate joint venture, que para atingir seus objetivos, prescin-
Existem diversas espécies de joint ventures: de da criação de uma nova empresa, partilhando-se tão somente os riscos e
As joint ventures podem ser nacionais ou internacionais, dependendo da mantendo a individualidade de cada empresa participadora, com um grau de
nacionalidade das empresas participantes. compromisso menor entre as partes envolvidas.
460 Direito dos Contratos JOINT VENTURE 461

As joint ventures têm utilidade em diversos setores de atividade, tais a. transitórias


como: exploração de recursos naturais e petrolíferos, agrupamentos bancários, b. permanentes
indústria de construção, pesquisa e fabricação comum. • Forma
3. ARBITRAGEM  Corporate joint venture,
A inclusão de cláusula compromissória vem se tornando bastante comum  non corporate joint venture
em contratos de joint venture, de forma que os conflitos eventuais se resolverão • Arbitragem → cláusula comum em contratos de joint venture
em câmaras de arbitragem especializadas – o que é desejável, considerando • Vantagens
não só a lentidão do judiciário, como também a possibilidade de escolha de  crescimento interno
árbitro que conheça a fundo as atividades comerciais exercidas pelo grupo, e
 exposição a novas práticas empresariais
que possa decidir tecnicamente.
 divisão dos custos e riscos da operação
4. VANTAGENS E RISCOS  maior competitividade no mercado
As joint ventures são criadas tendo em vista uma multivariedade de  diversificação de atividades
objetivos, tanto para o crescimento interno, quanto no que tange à atividade  novos mercados e consumidores
concorrencial.
 maior acesso a investimentos e empréstimos
Ao associar-se, a empresa dividirá custos e riscos da operação, terá acesso
a novas tecnologias, novos consumidores e até mesmo a novas práticas empre- • Riscos
sarias, além de diversificar suas atividades. Também diluirá os riscos e poderá  Riscos normais a qualquer atividade empresarial

haver maior facilidade de acesso a investimentos.  Dificuldade de administrar a parceria

No mais, com a união e a cooperação, o grupo terá grande vantagem  desníveis tecnológicos entre as empresas

frente à concorrência, criando uma presença forte e ágil no mercado, o que  diferenças no investimento de cada empresa no negócio

por vezes seria impossível sem a joint venture.  falta de comunicação entre os participantes

Os riscos, além daqueles normais a qualquer investimento ou empreen-


dimento, decorrem da dificuldade de se administrar a parceria, os desníveis
tecnológicos ou quanto ao investimento trazidos ao negócio, ou mesmo devido
à simples falta de comunicação entre os participantes, o que poderá levar ao
fracasso da joint venture.

5. RESUMO ESQUEMÁTICO
• Joint venture → contrato plurilateral de parceria/cooperação
• Não precisa, necessariamente, gerar novo sujeito de direito
• não tem forma jurídica específica → normalmente é formado por um
contrato central e outros anexos (contratos satélites)
• Espécies
a. Nacionais
b. Internacionais

a. equity joint ventures


b. non equity joint ventures
Diagramação eletrônica:
Textos & Livros Proposta Editorial S/C Ltda.,
CNPJ 04.942.841/0001-79
Impressão e encadernação:
XXX Ltda.
CNPJ 00.000.000/0001-00
A.S. L5514

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