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ISSN 0103-7013

Psicol. Argum., Curitiba, v. 29, n. 65, p. 237-248, abr./jun. 2011


Licenciado sob uma Licença Creative Commons

[T]

Influência do déficit de atenção e hiperatividade


na aprendizagem em escolares

The attention-deficit hyperactivity disorder influence in schooler’s learning

Claudia Maria Gouveia Muzetti[a], Maria Cecília Zanoto de Luca Vinhas[b]


[a]
Discente do curso de Pós-Graduação em Educação Especial e Inclusiva (modalidade EAD) do Centro Universitário
Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP - Brasil.
[b]
Docente do curso de Pós-Graduação em Educação Especial e Inclusiva do Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto,
SP - Brasil, e-mail: deluca_vinhas@yahoo.com.br

Resumo
O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é um distúrbio neurocomportamental com pre-
valência em crianças e adolescentes, trazendo consequências no aprendizado na fase de aquisição e
desenvolvimento, causando dificuldades emocionais e sociais. Fatores ambientais e genéticos estão rela-
cionados ao transtorno e o diagnóstico precoce é uma das formas de tratamento. A questão fundamental
que nos leva a estudar este tema está vinculada na prática pedagógica, onde percebemos que existem
fatores que podem influenciar e prejudicar o desempenho dos educandos, incluindo diversos problemas
tanto de ordem familiar, social e principalmente os que afetam a atenção. Assim, nossos objetivos visam
a compreender esse transtorno, identificar os sintomas, causas, e propor estratégias de intervenções,
para manejar melhor os conhecimentos e favorecer uma melhor atenção e amparo educacional a essas
crianças. Realizamos pesquisas bibliográficas em diversas fontes como: Scientific Electronic Library
Online (SciELO), PubMed, entre outras, buscando informações para compreender os diferentes aspectos
associados (comportamento e relacionamento da criança hiperativa), possibilitando alternativas para um
melhor atendimento na área educacional.

Palavras-chave: Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Aprendizagem. Escolares.

Abstract

Attention-Deficit Hyperactivity Disorder is a developmental disorder, largely neurological in nature, with prevalence
in children and adolescents, which brings consequences in learning, in the cognitive acquisition and development

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phase, causes emotional and social difficulties. The environmental and genetic factors are directly related to the
disorder and so the precocious diagnosis is one way of ADHD treatment. The fundamental subject that leads us to
study this theme is linked to the pedagogic practice, where we notice the existence of factors which can influence
and harm the students' acting, as much as the problems of family, social order and, mainly, the ones that affect the
attention. Thereby, our purposes seek to understand this disorder, to identify the symptoms, the causes and conse-
quences, to propose interventions to articulate the knowledge better and to dedicate larger attention and education
help to those children. We accomplished bibliographical researches in several sources, such as: Scientific Electronic
Library Online (SciELO), PubMed, among others, looking for information to understand the different aspects of the
hyperactivity (the behavior and the relationship of the hyperactive child), making possible alternatives for a better
service in the education area.

Keywords: Attention-Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD). Learning. School period.


Introdução sintomas, causas, consequências e, posteriormente,


promover estratégias de intervenções na prática
Quando se pensa em uma estrutura edu- pedagógica em relação às principais dificuldades que
cacional bem organizada, inclui-se nesse contexto a podem ocorrer no processo ensino-aprendizagem.
finalidade primordial de contribuir com a aprendiza- Pensa-se que, ao entender as influências sobre a apren-
gem e o desenvolvimento do ser humano como um dizagem e como lidar com este transtorno, bastante
todo. Isso implica diversos dilemas que a educação frequente em sala de aula, é mais fácil articular os
proporciona, como, por exemplo, o “moldar” o conhecimentos para favorecer uma maior atenção
indivíduo de acordo com padrões e condutas pre- e amparo educacional às crianças que apresentam o
viamente estabelecidos, mas em constantes transfor- problema. Foram realizadas pesquisas bibliográficas,
mações. Ao mesmo tempo, remete ao profissional em diversas bases, tais como Scientific Electronic
da educação a exigência de constantes adaptações Library Online (SciELO), PubMed, entre outras
em prol desse objetivo. fontes, buscando informações necessárias para com-
O que se percebe na atualidade é que diver- preender os diferentes aspectos da hiperatividade,
sos problemas podem estar associados à aprendiza- tais como comportamento e relacionamento da
gem, envolvendo o universo dos sujeitos (educandos e criança desatenta e hiperativa no ambiente escolar,
educadores) e o objeto (o que se pretende “oferecer” possibilitando, assim, alternativas para um melhor
e ser apreendido pelo educando). O transtorno do atendimento na área educacional.
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) constitui
um grande desafio para pais, professores e profis-
sionais; os pais não sabem como agir e que postura Que transtorno é esse?
assumir diante dos problemas que surgem com seus
filhos em idade escolar e os professores, com restri- O Transtorno do Déficit de Atenção e
tas informações sobre o assunto, ficam na mesma Hiperatividade (TDAH) é atualmente considerado
situação e muitas vezes não sabem o que fazer e que um distúrbio do neurodesenvolvimento infantil, que
atitudes tomar diante dos insucessos do educando na pode persistir ao longo da vida em mais da metade
sala de aula. A questão fundamental que propiciou o dos casos. Os Transtornos de Aprendizagem (TA)
estudo deste tema está vinculada à prática pedagógica, em crianças diagnosticadas com TDAH podem ser
por meio da qual se percebe a existência de fatores justificados em virtude do processo de atenção ser
que podem influenciar e prejudicar o desempenho essencial e de primordial importância para a adequada
dos educandos, como os diversos problemas tanto aprendizagem na fase de aquisição e desenvolvimento
de ordem familiar, social e, principalmente, os que de linguagem. Dessa forma, crianças com limitações
afetam a atenção. prematuras para se comunicar deparam-se com
Desse modo, os objetivos foram delinea- problemas de relacionamentos interpessoais e cor-
dos visando a compreender o TDAH, identificar os rem os riscos de apresentar transtornos específicos

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de aprendizagem da leitura e da escrita. O TDAH estímulos que não têm nenhuma relação com o que
foi indicado como motivo de piora do prognóstico estão realizando.
escolar para crianças portadoras de TA, mais do que a Nas crianças pertencentes ao grupo da
comorbidade com transtornos internalizantes, como hiperatividade (impulsividade), observa-se uma
a depressão. Entre as razões declaradas frequentes movimentação exagerada com as mãos e pés quando
causadoras do mau desempenho escolar, estudos e estão sentados, e dificuldades de se manterem assim
ou autores citam a própria disfunção neuropsico- por muito tempo; elas parecem ter uma sensação
lógica desse transtorno. Entretanto, a importância interna de inquietude, por isso chegam a pular e a
da identificação do TA e comorbidades, como o correr demasiadamente em situações inadequadas;
TDAH, está intimamente associada com o sucesso ao jogar ou brincar, são muito barulhentas, agitadas,
de medidas terapêuticas e estratégicas educacionais falam demais, respondem às perguntas quase sempre
(Benczik, 2008). antes de terem sido terminadas, não suportam esperar
Rohde, Barbosa, Tramontina e Polanczyk a vez e intrometem-se nas conversas e jogos alheios
(2000) relatam que as primeiras referências encon- constantemente.
tradas na literatura médica sobre aos transtornos Como diagnóstico de TDAH são necessá-
hipercinéticos apareceram em meados do século rios, pelo menos, seis sintomas de desatenção e seis
XIX. Entretanto, o quadro clínico começou a ser dos sintomas de hiperatividade (impulsividade), e é
descrito de uma maneira mais sistemática somente bastante comum confundir com sintomas de outras
no século XX. patologias associadas.
Para os mesmos autores citados anterior- Em relação à etiologia, Rohde (2003),
mente, o impacto dessa síndrome na sociedade é citado por Viaro, 2008), considera que o TDAH é
enorme, considerando-se o alto custo financeiro, uma síndrome heterogênea, pois depende de fatores
estresse na família, prejuízo nas atividades acadêmicas genético-familiares, adversidades biológicas e psicos-
e vocacionais, bem como os efeitos negativos que sociais. Assim sendo, o TDAH ocorre do resultado
repercutem na autoestima das crianças e adolescentes. de uma disfunção neurológica no córtex pré-frontal,
Estudos demonstram que crianças com diagnóstico graças, em parte, a uma deficiência do neurotransmis-
de TDAH apresentam maior risco de desenvolverem sor dopamina. Em algumas pessoas que possuem o
outras doenças psiquiátricas na infância, na ado- transtorno, quando tentam se concentrar, a atividade
lescência e na idade adulta, como comportamento do córtex pré-frontal diminui, ao invés de aumentar
antissocial, problemas com uso de drogas lícitas e (como acontece com sujeitos do grupo de controle
ilícitas e transtorno de humor e ansiedade. de cérebros normais), dessa forma surgem muitos
O TDAH é um transtorno extremamente sintomas, como fraca supervisão interna, pequeno
pesquisado e com validade superior à da maioria dos índice de atenção, distração, desorganização, hiperati-
transtornos mentais, inclusive a de muitas condições vidade (apesar de alguns dados na literatura relatarem
médicas. Rohde et al. (2000) caracterizam o TDAH que somente a metade das pessoas com o transtorno
em dois grupos, levando em consideração a apre- sejam realmente hiperativas), problemas de controle
sentação dos sintomas: desatenção, hiperatividade de impulso, dificuldade de aprender com erros passa-
(agitação e impulsividade). A maioria das crianças dos, falta de previsão e adiamento. Algumas pesquisas
que apresentam o TDAH do grupo desatento apontam que a pessoa com TDAH, ao tentar se con-
possui uma grande dificuldade em prestar atenção centrar, apresenta uma piora na atividade do córtex
em detalhes, cometem erros por descuido e têm pré-frontal, quando este está hiperfuncionante, não
problemas ao concentrar-se em tarefas e/ou jogos é capaz de filtrar adequadamente os estímulos sen-
e, por não conseguirem prestar atenção ao que lhes soriais que chegam até o cérebro e, como resultado,
é dito, dão a impressão de estarem no “mundo da esses estímulos em demasia bombardeiam o cérebro,
lua”, além disso, dificilmente terminam algo que levando-o ao mau funcionamento.
começam a fazer, não conseguindo também seguir Os mesmos autores citados anteriormente
as regras e as instruções; são desorganizados com comentam que o segundo fator etiológico abrange
materiais e tarefas, evitando atividades nas quais é a causa biológica com forte influência genética. Os
exigido um esforço mental maior; costumam perder estudos, apesar dos resultados conflitantes, indicam
coisas importantes, frequentemente se distraem com uma associação do TDAH com complicações durante

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a gravidez e o parto, pós-maturidade fetal, duração neurológico subjacente (síndrome de desconexão


prolongada do parto, sofrimento fetal, baixo peso no córtex cerebral). Assim, em 1934, Eugene Kahn
ao nascer e hemorragia pré-parto. Além do mais, os e Louis H. Cohen retomam as observações deixa-
fatores ambientais também podem estar associados ao das por Still e James. Kahn e Cohen concluem que
TDAH, pois estudos mostram que certos problemas, as características básicas para a tríade diagnóstica
tais como desentendimentos familiares, presença de dos sintomas de DDA são: distratibilidade, impul-
transtornos mentais nos pais, baixo nível de educação sividade e inquietação. Em 1937, Charles Bradley
materna, pobreza, filhos de pais solteiros, conflito relatou o êxito do uso do fármaco benzedrina, um
paternal crônico, abuso sexual e outros, constituem estimulante, para tratar as crianças com distúrbios
alguns desses fatores. de comportamento. No início da década de 1970, a
Conforme Rohde e Halpern (2004), a desa- definição da síndrome passou a incluir não apenas
tenção, a hiperatividade ou a impulsividade, como a hiperatividade evidente no comportamento, mas
sintomas isolados, podem ser resultado de problemas também os sintomas mais sutis de distraimento e
relacionais presentes na vida das crianças, de sistemas impulsividade (Hallowell & Ratey, 1999, p. 320-323).
educacionais inadequados, ou mesmo estarem asso- Kornetsky (1970), comentado por Hallowell
ciados a outros transtornos comumente encontrados e Ratey (1999), propôs a hipótese de Catecolamina
na infância e na adolescência. Portanto, para diagnós- para a Hiperatividade. As catecolaminas são compos-
tico do TDAH é sempre necessário contextualizar tos que incluem os neurotransmissores noradrenalina
os sintomas a partir da história de vida da criança. É (norepinefrina) e dopamina sintetizados a partir do
importante salientar que a apresentação clínica pode aminoácido tirosina. Ele concluiu que o DDA pode
variar de acordo com o estágio de desenvolvimento, ser provocado por uma baixa produção desses neu-
ou seja, os sintomas existentes na fase inicial da criança rotransmissores. Talvez seja o regulador exclusivo do
podem ser diferentes dos apresentados pelo adoles- DDA, mas é correto afirmar que muitas drogas atuam
cente. Segundo eles, o TDAH pode ser dividido em sobre a norepinefrina e dopamina, o que representa
três tipos: a) TDAH, com predomínio de sintomas de um avanço na busca pelo tratamento mais específico
desatenção; b) TDAH, com predomínio de sintomas de do DDA, embora os estudos das duas últimas décadas
hiperatividade/impulsividade; c) TDAH, combinado. não tenham conseguido documentar o papel especí-
O TDAH com predomínio em desatenção apresenta fico das catecolaminas no DDA. Mattes e Gualtieri,
um nível mais alto de isolamento social e retração, e citados por Hallowell e Ratey (1999), especularam
grandes dificuldades de aprender habilidades sociais que os lobos frontais estariam envolvidos no distúrbio
de forma apropriada. As crianças com TDAH com do déficit de atenção em razão da similaridade entre
predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsivi- os sintomas do DDA e as síndromes do lobo fron-
dade são mais agressivas que as pertencentes a um dos tal resultantes de traumatismos ou lesões nas áreas
outros dois tipos, tendem a apresentar altas taxas de frontais. Muitos sintomas do DDA surgem porque
rejeição pelos colegas e sofrer de impopularidade. Já o cérebro perde a capacidade de “pisar nos freios”
o tipo combinado apresenta como característica, um de maneira satisfatória, em razão de uma perturba-
maior comprometimento no funcionamento global ção nos processos inibitórios do córtex, ou camada
quando comparado aos dois outros grupos. externa do cérebro. Sem essa inibição o cérebro não
é capaz de bloquear as respostas impróprias, fazendo
com que a impulsividade e hiperatividade emerjam.
As bases biológicas do TDAH Muitos medicamentos já foram utiliza-
dos para o tratamento desse transtorno e diversas
A inesperada contradição entre a “boa” teorias apresentadas para apontar as suas causas,
educação recebida e o “mau” comportamento das muitos pesquisadores e especialistas estão envol-
crianças traz à tona, na virada do século, as obser- vidos na busca por uma solução e por respostas.
vações do médico George Frederic Still sobre a Os medicamentos empregados para tratar o DDA
influência da genética e da biologia nas causas do incluem os estimulantes ritalina, cybert, dexedrina e
DDA (déficit de atenção) e a teoria de William James, os antidepressivos tricíclicos, que agem nos sistemas
psicólogo americano que acreditava que os déficits da catecolamina e serotonina de modo a corrigir os
ocorriam por uma relação causal como um defeito processos atencionais desregulados e desacelerar

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o fluxo de vida acelerado. As drogas aumentam os de todos os envolvidos no processo: especialistas,


níveis dos neurotransmissores, proporcionando médicos, professores, coordenadores pedagógicos
uma maior disponibilidade do neurotransmissor e pais. Para que haja sucesso escolar das crianças
em questão para uso pelo cérebro. Os estimulantes com TDAH há a necessidade de vários tratamentos
criam um equilíbrio na química das regiões fron- e intervenções.
tais do cérebro sem que seja preciso que o sistema Goldstein (2007), mencionado por Viaro
inteiro se modifique, permitindo um controle tônico (2008), cita três tipos de intervenções: a primeira é
dos sistemas frontais do córtex cerebral. Porém, já o uso de medicamento; a segunda e a terceira são
sabemos que esse distúrbio constitui um problema técnicas, não médicas, as quais pais e professores
neurológico e precisa ser tratado, mas, infelizmente, devem compreender e utilizar. Uma delas refere-se às
não há uma cura definitiva, há apenas mecanismos formas de gerenciar eficazmente o ambiente domés-
para amenizar o problema, como, por exemplo, o tico e escolar da criança para reduzir os problemas
uso de medicamentos, acompanhamento clínico e associados à hiperatividade.
psicológico, apoio familiar e, principalmente, muita Existem ainda fatores importantes que
informação e compreensão sobre o assunto por parte dificultam o aprendizado das crianças com TDAH.
dos pais e professores, pois estão diretamente ligados Hallowell e Ratey (1999) comentam que o sofrimento
ao desenvolvimento das crianças e são responsáveis causado por um distúrbio de aprendizagem associado
por ele (Hallowell & Ratey, 1999, p. 327-337). ao déficit de atenção (DA) reside não somente no
Rohde, mencionado por Viaro (2008), tam- esforço da pessoa para “funcionar” cognitivamente,
bém relata que as intervenções psicofarmacológicas mas nas “desconexões” que ela pode sofrer em
giram em torno da terapia com psicofármacos para o relação à linguagem e ao pensamento, à expressão
TDAH e ainda depende das comorbidades presentes. e à criatividade, à leitura e articulação das palavras,
O fármaco mais utilizado é o metilfenidato (ritalina), assim como na relação com as pessoas e as formas
um estimulante que inibe a impulsividade e reduz a de expressar seus sentimentos, além disso, alguns
hiperatividade, melhorando os níveis de atenção. A dos prazeres proporcionados pelo transtorno são as
dose terapêutica normalmente se situa na faixa de variações fantasiosas e criativas que proporcionam.
20 a 60 mg/dia. Os principais efeitos secundários no Enquanto a criança com dislexia e DA pode gaguejar,
início do tratamento são a insônia e a falta de apetite, tropeçar ou se revirar enquanto desliga da palavra,
o que pode piorar ainda mais o mau comportamento da página ou da pessoa, ela também pode se superar
da criança nessa fase de tratamento. porque pode deparar com algo novo e motivador,
Outros estudos demonstram uma preva- por isso, é vital que a preservemos da vergonha, da
lência significativamente maior de uso abusivo/ crítica, do derrotismo e da desvalorização.
dependência de drogas em adolescentes com TDAH Quando se lida com o TDAH é importante
que não foram tratados com estimulantes quando observar que ele está associado a outras dificuldades
comparados a jovens com o transtorno e que foram de aprendizado. Na visão de Pennington, citado por
tratados com medicamentos, entretanto, vários Hallowell e Ratey (1999), esse transtorno constitui um
estudos apontam a possibilidade de uso inadequado entre vários distúrbios de aprendizagem. Na grande
dos estimulantes por pessoas não portadoras do maioria das vezes um distúrbio de aprendizagem está
transtorno. Esses fatores e informações são impor- relacionado a um problema no sistema neuropsicoló-
tantes para podermos perceber o universo em que a gico que afeta de modo adverso o desempenho esco-
criança portadora de TDAH está envolvida e assim lar. Uma criança normal pode apresentar um baixo
delinearmos nossas estratégias de apoio e intervenção. desempenho sem ter um distúrbio de aprendizagem,
em razão de outros fatores emocionais ou sociais.
Existem vários distúrbios que afetam a
Intervenções para auxiliar aprendizagem, incluindo nesse grupo o retardo
o desempenho cognitivo mental, a dislexia, os transtornos do desenvolvi-
mento da linguagem, dificuldades de aprendizagem
Segundo Fullan (2000), citado por Viaro no hemisfério direito (problemas com matemática,
(2008), em crianças com o diagnóstico de TDAH, o caligrafia, artes e cognição social), autismo e memória
desenvolvimento cognitivo deve ocorrer com a ajuda adquirida (decorrentes de traumatismo craniano ou

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convulsão). O próprio TDAH é um tipo de distúr- visto como defeito moral e o “tratamento” era o
bio de aprendizagem e pode ser acompanhado de castigo físico (Hallowell & Ratey, 1999, p. 318-319).
outros transtornos como a dislexia ou distúrbio de Do ponto de vista de Barkley, mencionado
memória adquirida, ou por dificuldade específica de por Viaro (2008), os professores geralmente res-
aprendizagem relacionada à matemática (discalculia), pondem aos problemas desafiadores exibidos pelas
ortografia, etc. crianças portadoras de TDAH passando a ser mais
O TDAH afeta todas as áreas da cognição e controladores e autoritários com elas e, com o tempo,
tende a exacerbar qualquer dificuldade específica de suas frustrações com tais crianças podem induzir a
aprendizagem, porém, não inviabiliza por completo comportamentos defensivos ainda mais negativos
qualquer função cognitiva, é bem mais amplo que em suas interações. Enquanto não estiverem seguros
isso. O distúrbio de aprendizagem mais comum é a sobre o quão negativamente as relações inadequadas
dislexia, que é considerada uma dificuldade de ler ou de professor-aluno afetam a adaptação da criança
escrever na língua nativa e não pode ser explicada portadora de TDAH a longo prazo, os docentes,
por qualquer outra causa, como escolaridade limitada, certamente, podem piorar suas próprias relações,
visão ou audição fracas, lesões cerebrais ou retardo empobrecendo suas conquistas sociais e acadêmicas,
mental. Alguns disléxicos têm dificuldades com a reduzindo sua motivação para aprender e ensinar na
ortografia, outros invertem as letras, outros preveem escola e diminuindo sua autoestima. Isso tudo pode
letras ou sons de forma incorreta, o que dificulta a resultar no insucesso da criança e, consequentemente,
leitura das palavras (Hallowell & Ratey, 1999, p. 203). na evasão escolar. Portanto, exigem dos professores
Os mesmos autores anteriormente citados paciência, responsabilidade na relação humana e
comentam que os cérebros dos disléxicos parecem ser disponibilidade.
diferentes dos cérebros normais, contendo nódulos Faz-se necessário, portanto, desenvolver um
anormais no córtex cerebral que podem interferir no repertório de intervenções para atuar eficientemente
modo como o cérebro percebe e processa os fone- no ambiente da sala de aula com a criança portadora
mas ou partículas sonoras que formam as palavras. de TDAH. Um constante número de atividades deve
O processamento fonológico comprometido leva à ser desenvolvido para educar e melhorar as habili-
dificuldade de leitura, ortografia e escrita, caracterís- dades deficientes dessas crianças. O professor deve
ticas da dislexia. Os sintomas primários do TDAH estar atento e preparado para receber portadores
(atenção irregular, impulsividade e inquietude), por de TDAH e procurar conhecer melhor o quadro da
exemplo, podem dificultar a leitura, imitando a disle- disfunção e procurar ajuda e apoio junto à equipe
xia. Desse modo, os dois distúrbios podem coexistir pedagógica, especialistas, médicos e pais para, assim,
ou ocorrer de forma independente. buscar estratégias que ajudem no desenvolvimento
Os problemas de processamento auditivo da criança com TDAH.
também ocorrem com certa frequência e interferem Goldstein, citado por Viaro (2008), apre-
na capacidade do cérebro de compreender totalmente senta as seguintes orientações para desenvolver a
o que “ouve”. A criança pode não ter problema audi- atenção e a linguagem da criança com TDAH em
tivo, mas pode ter dificuldade na percepção do som sala de aula:
que entra no cérebro, uma vez que o córtex cerebral
tem dificuldade em processá-lo ou interpretá-lo de 1) proporcionar estrutura, organização e
maneira que faça sentido. constância (sempre a mesma arrumação
É importante lembrar que o mecanismo das cadeiras, programas diários e regras
exato subjacente ao distúrbio do déficit de atenção claramente definidas);
permanece desconhecido, porém, há uma grande 2) colocar a criança perto de colegas que
certeza a respeito desse distúrbio: ele não é um não a provoquem (perto da mesa do
mau comportamento que depende da vontade, uma professor, na parte de fora do grupo);
falha moral, falta de tentativa ou incapacidade de 3) elogiar, encorajar e ser afetuoso (essas
interessar-se pelo mundo. Além disso, os estudos crianças desanimam facilmente);
neurobiológicos mostram que a síndrome tem raízes 4) dar responsabilidades que elas possam
no sistema nervoso central. No entanto, no século cumprir, fazendo com que se sintam
XIX, e antes disso, o “mau” comportamento era necessárias e valorizadas;

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5) proporcionar um ambiente acolhedor, principalmente se essas crianças apresentam outros


demonstrando calor e contato físico de problemas médicos associados. Por isso, é preciso
maneira equilibrada; consultar um especialista, buscar auxílio e apoio com
6) nunca provocar constrangimento ou outros profissionais, manter contato constante com
menosprezar o aluno; a família, apresentando os sucessos e ou insucessos.
7) favorecer oportunidades sociais e pro- Assegurar-se que o que se faz é um esforço coletivo,
porcionar trabalho de aprendizagem reconhecendo os limites, etc., facilitará o desempenho
em grupos pequenos, pois em grupos do professor, a relação com o aluno e, principalmente,
menores as crianças conseguem melho- o desenvolvimento da criança.
res resultados;
8) comunicar-se com os pais da criança
porque, geralmente, eles sabem o que Discussão
é melhor para o seu filho;
9) diminuir o ritmo do trabalho e parcelar Dentro das condições estudadas anterior-
as tarefas (tarefas de cinco minutos cada mente, a criança com o TDAH poderá desenvolver
trazem melhores resultados do que duas e apresentar dificuldades no âmbito social e escolar,
tarefas de meia hora); porque não processa adequadamente o que está sendo
10) adaptar suas expectativas relativas à dito ou percebido. Além do mais, os problemas de
criança, levando em consideração as processamento auditivo interferem profundamente
diferenças e inabilidades decorrentes no aprendizado e na interação com as outras pes-
do TDAH; soas de seu convívio cotidiano. Um distúrbio de
11) recompensar os esforços, a persistência aprendizagem, seja qual for sua definição ou causa,
e o comportamento bem sucedido ou geralmente provoca sofrimento, principalmente
bem planejado; quando é composto por rótulos (estúpido, preguiçoso
12) proporcionar exercícios de consciência e outra denominação semelhante) e a autoestima,
e treinamento dos hábitos sociais da corre o risco de ficar seriamente abalada. As pessoas
comunidade (uma avaliação frequente com dislexia e TDAH, ao mesmo tempo, são fre-
sobre o comportamento da criança quentemente as mais criativas e intuitivas e podem
consigo mesma e com os outros, ajudará se sair muito bem em algumas de suas habilidades
bastante); (Hallowell & Ratey, 1999).
13) estabelecer limites claros e objetivos; Para Rohde (2003), citado por Viaro (2008),
14) facilitar o frequente contato aluno/ os fatores etiológicos sobre o transtorno do déficit de
professor, pois auxilia em um con- atenção e hiperatividade são heterogêneos, abrangem
trole extra sobre a criança e possibilita fatores genético-familiares, adversidades biológicas e
oportunidades de reforço positivo e psicossociais. Complicações durante o parto como:
incentivo a um comportamento mais pós-maturidade fetal, duração prolongada do parto,
adequado. sofrimento fetal, baixo peso ao nascer e hemorra-
gia pré-parto trazem resultados de forte influência
Não obstante, existem outros autores que para indicar o TDAH. Os estudos apontam fatores
também apresentam suas estratégias para aplicação ambientais como causa do TDAH: os desentendi-
de situações que envolvem o melhor desempenho mentos familiares, presença de transtornos mentais
da criança em sala de aula ou na sua vida diária. nos pais, baixo nível de educação materna, pobreza,
Construir estratégias constitui um processo ativo filhos de pais solteiros, conflito paternal crônico,
de constantes modificações e ajustes e que envolve, abuso sexual e outros trazem grande influência no
esforço, dedicação, trabalho e estudos. Hallowell e diagnóstico da vida da criança.
Ratey (1999, p. 304 -317) apresentam cinquenta suges- O distúrbio do déficit de atenção se localiza
tões para a gerência do transtorno em sala de aula. É na biologia do cérebro e do sistema nervoso cen-
importante ressaltar que o trabalho do professor em tral com um mau funcionamento desses sistemas,
uma turma que possua três alunos com diagnóstico provocando comportamentos de hiperatividade,
desse transtorno pode ser extremamente cansativo, distraimento e impulsividade. C. Kornetsky (1970),

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mencionado por Hallowell & Ratey (1999), propôs a aquilo que faz em algo significativo, prazeroso, com
Hipótese de Catecolamina (compostos que incluem sabor de conquista.
os neurotransmissores norepinefrina e dopamina), Conforme Rohde (2003), citado por Viaro
em que concluiu que o DDA talvez fosse provocado (2008), a criança com TDAH apresenta um transtorno
por uma baixa produção ou uma subutilização desses no qual sua maior característica é impulsividade,
neurotransmissores (Hallowell & Ratey, 1999). desatenção e hiperatividade e o papel da escola é de
A região frontal do cérebro é a principal extrema importância. O comportamento do profes-
reguladora do comportamento, onde mantém os sor, perante a criança com diagnóstico de TDAH,
impulsos sob controle, sintetiza as informações sen- influencia certamente o sucesso do tratamento. Em
soriais e cognitivas, orquestra a atenção e funciona todos os casos, face à inadequação escolar, deve-se
como o portal das nossas ações. Segundo Chelune levar em conta os três parceiros – a criança, a sua
(1986), citado por Hallowell & Ratey (1999), é no família e a escola – e tentar avaliar sua interação recí-
córtex do lobo frontal que está a ação no DDA. De proca, bem como considerar o auxílio terapêutico.
acordo com essa hipótese, o cérebro perde a capaci- Os profissionais que trabalham em ambiente escolar,
dade de “pisar nos freios” de maneira satisfatória, em quando se deparam com situações de crianças com
virtude de uma perturbação nos processos inibitórios TDAH, devem desenvolver sua função em equipe,
do córtex do cérebro, sem a inibição o cérebro não é pois é necessária a colaboração entre os integrantes
capaz de bloquear as respostas impróprias, deixando da instituição, como fator importantíssimo para que
de enviar mensagens inibitórias. As áreas pré-frontais haja mudanças nas estratégias de ensino de todos os
do cérebro são ricas em catecolaminas, um pro- envolvidos.
blema no uso dessas, pode estar relacionado à falta Lembramos ainda que o processo de apren-
de controle de impulsos, atenção e aprendizagem. dizagem pode ocorrer dentro e fora da escola, sob
A dopamina forma um caminho entre o centro motor forma de conhecimentos. Os pais geralmente se
e as regiões frontais do cérebro e outro do centro sentem responsáveis pelas condições emocionais,
límbico às regiões frontais do cérebro. Os neurônios educacionais e comportamentais de seus filhos. O
de dopamina dessas áreas inferiores atravessam o conhecimento de que a doença decorre de disfunções
lobo frontal central e alcançam o córtex pré-frontal, de áreas cerebrais específicas, ajuda-os a amenizar
isso sugere que a dopamina desempenha o papel de suas sensações de culpa, tornando-os parceiros na
conectar a atividade motora, a emoção, a atenção e execução de estratégias que possam colaborar para
o controle dos impulsos (Hallowell & Ratey, 1999). a melhoria do desempenho acadêmico e dos relacio-
Por isso, o tratamento utilizado para o namentos familiares e sociais da criança.
TDAH, envolve uma abordagem múltipla, englo- Segundo Muniz, mencionado por Rubinstein
bando intervenções psicossociais e psicofarmacoló- (1999), existem vários profissionais que trabalham
gicas. No âmbito das intervenções psicossociais, elas com o tema da aprendizagem humana. Esse tema
devem ser educacionais, por meio de informações oferece um campo de intervenção, cujos limites são
claras e precisas a respeito do transtorno. Muitas amplos. O próprio processo humano de aprendiza-
vezes, é necessário um programa de treinamento gem constitui um fenômeno complexo que envolve
para os pais, com ênfase em intervenções compor- múltiplos fatores e desafia qualquer tentativa de
tamentais, a fim de que aprendam a lidar com os explicação a partir de um discurso científico único.
sintomas dos filhos. É importante que eles conheçam Diferentes abordagens teóricas contribuem,
as melhores estratégias de organização e planejamento com seus esforços, para a construção de um referen-
das atividades cotidianas de seus filhos (por exemplo, cial que explique esse processo e sustente práticas
essas crianças precisam de um ambiente silencioso, que tornem compatíveis as demandas sociais e o
consistente e sem maiores estímulos visuais para desenvolvimento dos indivíduos.
estudar) (Rohde et al., 2000). Rubinstein (1999) comenta que houve um
Na prática pedagógica, é importante que longo processo histórico envolvido com o estudo
o aluno com TDAH receba o máximo possível de da natureza da aprendizagem; várias correntes se
atendimento individualizado, visando a incentivar dispuseram a trabalhar este tema, desde a idealista, a
seu desempenho e a melhorar sua autoestima de tal “inconformista” e posteriormente vieram os testes, os
forma que, mesmo a passos lentos, aprenda a tornar métodos científicos, a reeducação, a “ultrapedagogia”,

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os diagnósticos médicos (os distúrbios de aprendi- “aprisionamento” (menoridade intelectual) que o


zagem), etc. Muitas das diferentes ciências buscaram transtorno ou distúrbio impõe.
recursos que embasassem sua prática. A medicina Segundo Feuerstein (1980), citado por
desenvolveu um papel importante, observando, clas- Rubinstein (1999), a condição permanente do ser
sificando e dando nomenclatura aos fenômenos do humano é a capacidade de mudança como condição
fracasso escolar. Assim, iniciou a reeducação, área vital de adaptação para manter o seu equilíbrio.
do conhecimento preocupada em detectar e tratar As pessoas que vivenciam o fracasso escolar
as dificuldades de aprendizagem, para construir um vêm marcadas por múltiplos insucessos nos vários
plano de trabalho mais orientado. Essa modalidade lugares que ocupam: na família, na escola, no grupo
terapêutica enfatizava os recursos pedagógicos que social, etc., onde percebem que não dão conta de
melhor pudessem auxiliar o aluno com dificuldades. responder às expectativas dos outros, estando sem-
Chassagny, em 1977, citado por Rubinstein (1999), pre aquém. Ou são constantemente criticadas, ou
refere-se a essa modalidade como “ultrapedagogia”, se autocriticam. Ao se colocar em uma posição de
entendendo que essa denominação está relacionada “tolerância” ativa, o profissional da educação acolhe
com paradigmas de uma sociedade industrializada que a performance possível em um determinado momento
buscava o controle de qualidade, a padronização da e investe em uma mediação bem conduzida, de
educação, repercutindo na avaliação e no tratamento qualidade, para acionar, desenvolver, desencadear o
das dificuldades de aprendizagem. potencial de aprendizagem, que, por muitas razões,
Um dos objetivos do tratamento era fazer não se manifesta. No olhar educacional, o aluno
com que os protagonistas do fracasso alcançassem uma também pode aprender a se ver diferente e ter mais
melhor adaptação escolar e bons resultados nos testes, chances de sair do lugar em que o puseram ou no
quando foram avaliados no início do tratamento, para qual ele próprio se colocou. A nova perspectiva de
comprovar a sua eficiência. Alguns dos reeducadores ser “modificado” pela educação por meio da apren-
observaram que a superação das dificuldades ocorria dizagem veio das ideias de Pain (1996), conforme os
não somente graças aos exercícios, mas principalmente escritos de Rubinstein (1999), onde o objetivo das
pela relação que se estabelecia entre o “terapeuta e o práticas educacionais é devolver para a criança o
paciente” e entre o paciente e sua produção. Quando anseio por saber, pois em algum lugar ela o perdeu.
havia implicação do sujeito com a proposta, as mudan- Acredita-se que, tendo por base esse prin-
ças eram desencadeadas. cípio, o desejo de saber é algo inerente à espécie
No ambiente educacional, muitas vezes os humana. A cultura grega defendeu amplamente esses
profissionais envolvidos voltam seus olhos apenas conceitos, que ainda são propagados na atualidade.
para as dificuldades na área da leitura e da escrita, É necessário resgatar algo que existe, mas por diversas
fundamentalmente usadas pela escola para lidar com razões não se manifestou no momento. O resgate
o conhecimento. A linguagem tem o seu papel de do anseio por saber é uma alavanca fundamental
destaque porque é o veículo pelo qual o fracasso para a construção dos sujeitos que lidam com o
se manifesta. A grande maioria dos problemas de conhecimento e estendemos aqui a importância dos
aprendizagem se manifesta por meio da linguagem objetos necessários para o aprendente.
e, desse modo, deve-se contextualizá-los na rela- O conhecimento não é algo inerente ao ser
ção do sujeito com esse conhecimento. A relação humano, já determinado, mas algo que se desenvolve
educacional envolve uma relação transferencial em uma relação de amizade ao saber. A aprendizagem
entre os envolvidos e ela faz parte da intervenção, tem a função de introduzir o sujeito na cultura.
produzindo efeitos. Além disso, quando o educa- É fundamental conhecer e compreender o processo
dor acredita na possibilidade de o aprendiz mudar, de aprendizagem para compreender as dificuldades
as transformações têm mais chances de ocorrer. e as modalidades de intervenção.
Não é suficiente querer e acreditar para que sejam Utilizamos, na construção dos nossos argu-
possíveis, porque nem todos podem e querem se mentos, a definição de aprendizagem proposta por
modificar. A condição paradoxal entre aceitar o Eliana Dabas (1988), citada por Rubinstein (1999),
limite imposto e desejar a mudança é considerada como um processo pelo qual um sujeito interage
pelos autores como o ponto de partida que per- com o meio, incorpora a informação oferecida por
mitirá mobilizar o sujeito (aprendente) a sair do este, segundo suas necessidades e interesses. Elabora

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essa informação por meio de sua estrutura psíquica, a reconstituição e análise do próprio comporta-
constituída pelo interjogo do social, da dinâmica do mento. Alterações nessa função podem prejudicar
inconsciente e da dinâmica cognitiva, modificando o controle dos impulsos, dificultar a aquisição de
sua conduta para aceitar novas propostas e realizar informações, interferir nas respostas verbais e no
transformações inéditas no âmbito que o rodeia. controle motor em relação aos estímulos. Por fim,
Observamos que o reconhecimento de um o TDAH pode ser entendido como o extremo de
sujeito/aprendente inserido em um contexto socio- um comportamento e de um mau funcionamento
cultural se utiliza tanto da objetividade (inteligência) da FE, uma vez que essa população apresenta um
quanto da subjetividade (desejo) para o aprender. O grande número de problemas na área dos processos
processo de aprendizagem ainda engloba as estrutu- de ensino/aprendizado, o que acarreta dificuldade
ras orgânica e corporal, qualquer desvio, transtorno na aquisição de novos conteúdos.
no sistema de relações, implica modificações visando Fica muito complexo discutir a dificuldade
ao reequilíbrio e é para essa finalidade que propuse- de concentração e atenção e a tendência à desorga-
mos estudar este tema neste trabalho. nização do pensamento das crianças com TDAH.
A mesma autora entende que grande parte Graeff e Vaz (2006) comentam que as crianças com
das dificuldades de aprendizagem se deva à falta TDAH apresentam dificuldades de percepção objetiva
de interesse e reduzida necessidade de aprender, da realidade, de sistematização e de concentração,
o que pode estar relacionado com a natureza das tendência a realizar as tarefas de forma rápida e
experiências vividas e elaboradas pelo sujeito na superficial quando comparadas às crianças normais.
relação com o outro. Em síntese, a aprendizagem A dificuldade que essas crianças têm de usar a razão,
é um processo complexo, que envolve uma gama assim também como o pensamento lógico, as falhas
de componentes, e compreender as dificuldades no controle geral e a elevada impulsividade, acabam
de aprendizagem exige capacidade de considerar por afetar o controle das reações emocionais, prejudi-
múltiplos fatores envolvidos para compreender o cando o funcionamento do indivíduo como um todo,
sujeito cognoscente. repercutindo na aquisição de novos conhecimentos.
Garcia (1988) comenta que o ser humano Nessa perspectiva “existencial” da criança
é como um centro de perspectiva, as coisas irradiam com TDAH, cabe salientar que a natureza motivacio-
de si e, ao mesmo tempo em que é o núcleo de seu nal e a sensorial constituem fatores importantes que
próprio universo, aquele que acredita ser o ápice da determinam o universo humano. A natureza sensorial o
“criação” é o que altera e compromete a natureza, os limita a perceber por completo as alterações do ambiente
outros e a si mesmo. Nesse jogo de interpretações, o influenciando em sua resposta ao meio. Há um universo
leva a confundir e a interpretar um fenômeno, por- invisível a ser ampliado, situado além de seus sentidos,
que mescla com seu próprio pensamento refletido. mundo esse que se esconde de um lado e outro de seus
Além disso, Grevet, Abreu e Shansis (2003) limiares específicos, culminando em filtração periférica
discutem que o TDAH causa grande impacto na de estímulos porque nem todas as alterações ambientais
vida de seus portadores. Estes apresentam relações podem desencadear alguma resposta no organismo, e
interpessoais instáveis e tumultuadas, baixo desem- ainda porque se dá no nível de receptores específicos
penho escolar, o que acaba por acarretar enormes do seu equipamento sensorial (Garcia, 1988).
prejuízos no funcionamento da estrutura familiar e A natureza das alterações comportamentais
social. Esse impacto é amplificado pelas altas taxas (previstas pela motivação), e também suas causas,
de comorbidades com outras doenças psiquiátri- tanto ambientais quanto fisiológicas ou neurológicas,
cas: Depressão Maior, Transtornos de Ansiedade, implica mudanças na responsividade de um organismo
Transtornos de Humor Bipolar, Transtornos de diante de uma condição estimulatória, significando
Abuso de Substâncias, Transtornos de Personalidade mudanças temporárias – ao contrário da aprendi-
e Alterações de Conduta na idade adulta. zagem, que implica mudanças permanentes, mais ou
Para eles, os pacientes com TDAH apre- menos duradouras; ela é exaustivamente analisada e
sentam alterações específicas em uma função cog- entendida como alterações capazes de levar o homem
nitiva chamada de Função Executiva (FE). Essa a perceber algumas classes de eventos com maior cla-
função coordena a memória imediata, memória reza, as nuanças e sutilezas de seus campos de trabalho.
imediata verbal, autorregulação dos afetos e permite Assim, os homens, equipados e limitados, ordenam o

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mundo à sua maneira, classificam e interpretam seus necessária uma contextualização dos sintomas para
eventos e os seres que o compõem. Qualquer conclusão um possível diagnóstico, tratamento e intervenções
deve ser entendida como maneira particular de ver o psicopedagógicas, que dependerão do grau do pro-
mundo que o homem detecta de algum modo e tenta blema. Sendo uma síndrome de origem genética ,
interpretar e esboçar (Garcia, 1988). em que o sistema biológico passa por uma mudança
Por isso nos preocupamos com a complexi- neuroanatômica ou maturacional, provoca o dese-
dade da questão em entender o universo da criança com quilíbrio, a desregulação do sistema neurobiológico
TDAH. A aprendizagem é subordinada às capacidades do corpo, prejudicando a capacidade da criança em
sensoriais detectadas pela criança e depende do estado prestar atenção seletiva ao que a cerca. Os sinais
motivacional do indivíduo, das predisposições genéti- de que os sistemas neuroquímicos são alterados
cas, etc. Por meio de interações com o ambiente, vai em pessoas com TDAH são suficientes para que
sendo modificada e aperfeiçoada segundo um ritmo se possa afirmar que o problema deriva da química
próprio e característico de cada um, onde o aprender do cérebro, em que há uma desregulação ao longo
também significa o aprimoramento de algo. do eixo catecolamina-serotonina. Há casos em que
Não há sentido em considerar e valorizar as crianças podem ser tratadas apenas com terapia
apenas um tipo de habilidade cognitiva da criança comportamental e, em situações mais graves, deve
com TDAH, em função de suas supostas capacida- haver uma ação multidisciplinar, englobando os pais,
des intelectuais. Estamos integrados às caracterís- professores, médicos e a utilização de medicamentos.
ticas do ambiente onde vivemos e às funções que Os medicamentos empregados para tratar o
desempenhamos e temos um equipamento orgânico TDAH promovem uma melhora no funcionamento e
e comportamental que nos permite buscar a sobre- no uso dos neurotransmissores nas regiões frontais do
vivência, fatores esses que, somados, fazem com cérebro, proporcionando um maior controle desses
que nos tornemos seres únicos e singulares e que, sistemas com a finalidade de corrigir os processos de
por meio do simbolismo, nos construímos mesmo atenção desregulados e desacelerar o fluxo de vida
diante das dificuldades. acelerado. Os medicamentos normalmente usados
incluem os estimulantes ritalina e dexedrina, que
agem nos sistemas da catecolamina e da serotonina,
Considerações finais sendo os efeitos mais marcantes na norepinefrina.
As drogas aumentam os níveis dos neurotransmisso-
O transtorno de déficit de atenção e hipe- res, proporcionando uma maior disponibilidade do
ratividade somente pode ser diagnosticado clinica- neurotransmissor em questão para uso do cérebro.
mente e pode comprometer de modo marcante a São fundamentais as intervenções peda-
vida da criança em fase escolar e dos adolescentes gógicas para o desenvolvimento da aprendizagem
e dos familiares que os cercam, pois essa condição das crianças e adolescentes na fase escolar, durante
promove dificuldades como controle dos impulsos, o tratamento do TDAH, por meio de atividades
concentração, memória, organização, planejamento didático-pedagógicas diferenciadas para esse aluno,
e autonomia, entre outras. Envolve uma grande visando a estimular sua autoestima.
pluralidade de dimensões associadas, tais como
comportamentais, intelectuais, sociais e emocionais.
O processo de avaliação diagnóstica é abran- Referências
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Recebido: 20/06/2010
Received: 06/20/2010

Aprovado: 05/10/2010
Approved: 10/05/2010

Psicol. Argum. 2011 abr./jun., 29(65), 237-248

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