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DISCIPLINA – FUNDAMENTOS DE SAÚDE

DISCIPLINA - ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO SUS


AULA 04 – ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
PROFESSORA TANIA MARIA SANTOS PIRES

Introdução:
A estruturação do SUS passava pela reorientação do modelo assistencial. A proposta
era abrangente e de certo modo ousada, mas a direção a seguir já estava definida. O
caminho era a Atenção Primária à Saúde (APS). Vamos estudar como foi elaborado
este conceito e como ele foi discutido e formatado na Conferência Internacional da
OMS em 1978. Vamos entender como a Atenção Primária a Saúde (APS) se posiciona
na Rede de Atenção.

Contextualizando:
Na década de 1970, o mundo estava dividido entre duas grandes correntes ideológicas
que imprimiam seu domínio sobre a parte capitalista ou sobre a parte socialista. Em
épocas de “muro de Berlim”, invasões ao Vietnã, espionagem e contra-espionagem, os
cidadãos de diversos países estavam sem qualquer assistência à saúde e ainda reféns
dos interesses bélicos e econômicos de sua potencia dominadora. Nesta condição
estava o Brasil em toda a América latina, a maioria dos países Asiáticos e a Europa
oriental. Analfabetismo, desemprego, pobreza, opressão, doença e desassistência.
Diante deste quadro, a OMS resolveu discutir uma estratégia que pudesse
proporcionar aos cidadãos o acesso aos serviços de saúde, através de uma
estruturação de serviços e sistematização das ações que pudessem impactar nos
indicadores de saúde das populações.
A conferência aconteceu em Alma-Ata no Cazaquistão, república que fazia parte da
então URSS, em 1978. A escolha pelo local da conferência foi uma maneira de permitir
que o bloco soviético participasse, porque os representantes da saúde socialista não
tinham permissão para se deslocar aos outros países.
A estratégia que estava sendo discutida foi chamada de Atenção Primária à Saúde
(APS) ou “PrimaryCare” - termo em inglês, constante nos artigos internacionais. Seu
conceito foi definido pela conferência como um“conjunto integrado de ações básicas,
articulado a um sistema de promoção e assistência integral à saúde (OMS, 1978).
A conferência estabeleceu um lema que ao longo dos anos, tornou-se meta, “saúde
para todos no ano 2000” e também elencou as ações que seriam consideradas
prioritárias :
 Tratamento das doenças
 Provisão de medicamentos
 Métodos de prevenção de doenças
 Imunização
 Combate às endemias
 Educação em Saúde
 Alimentação
 Abastecimento de água
 Saneamento Básico
 Políticas de emprego e renda
 Integração ao Sistema Nacional de Saúde;
 Divisão do Sistema de Saúde em Níveis de atenção;
 Políticas de distribuição de Renda aos desassistidos;
 Participação e controle da Sociedade.

O documento elaborado como resumo final da conferência e depois assinado pelos


representantes dos países participantes, ficou conhecido como “a carta de Alma-Ata” .
Além de conter as metas e elencar as prioridades, o conteúdo da carta provoca uma
importante reflexão sobre as responsabilidades dos governos sobre a saúde de seus
povos e como o fato de ter saúde, impacta positivamente na economia e até mesmo
na paz entre os povos. Destaquei pequenos textos deste importante documento para
você pensar sobre eles:
“A promoção e proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo
desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhora da qualidade de
vida e da paz mundial”
Os governos têm pela saúde de seus povos uma responsabilidade que só pode
ser realizada mediante adequadas medidas sanitárias e sociais” (OMS, Carta de
Alma-Ata , 1978)
Lembre-se que grande parte do mundo entendia que saúde era um produto e
que ter saúde era responsabilidade do individuo. Se uma pessoa adoecia a
culpa era dela por não ter se cuidado corretamente. Esta visão mercantilista da
saúde atendia os interesses de grupos poderosos multinacionais que
financiavam governos e é claro que estes grupos não estavam preocupados
com os pobres. Porém a argumentação da OMS não tem como objetivo
sensibilizar os governos para a caridade, mas levou-os a refletir que cuidar das
pessoas, dando-lhes melhores condições de vida e saúde impacta
positivamente na economia do país, causando desenvolvimento e paz. Fome,
pobreza e doença são situações que favorecem conflitos.

Falando então nos pobres, vale relembrar que todas as medidas


governamentais em favor dos pobres, foram historicamente motivadas pelos
interesses econômicos dos ricos.
A história mostra que os hospitais somente chegaram ao papel que tem hoje,
com suporte tecnológico e científico com o objetivo de salvar vidas, depois que
a arma de fogo foi inventada. Era melhor cuidar do soldado ferido para que ele
se recuperasse logo e voltasse para o fronte porque ficava muito caro treinar
um outro soldado para substitui-lo, então investiu-se no hospital(FOUCAULT,
1979).

As crianças desamparadas da Europa, órfãs de guerra ou filhas de mães pobres,


deixadas sozinhas enquanto suas mães trabalhavam como servas nas casas
nobres, morriam aos montes antes de completar um ano de idade. Os governos
resolveram ampara-las por medidas sociais quando entendeu-se que eles
morriam antes de servir à pátria. Resolveu-se então cuidar dos órfãos para que
eles se tornassem “filhos da pátria” e nesta condição pudessem formar os
batalhões de infantaria nos exército compostos em sua maioria pelos infantes
abandonados nas rodas de caridade dos conventos, criados e mantidos pelo
estado para estes fins (ROSEN, 1998).

E outras palavras, a OMS estava dizendo ao capitalismo e ao socialismo que


cuidar da saúde dos povos dá lucro e traz desenvolvimento.
A OMS aponta uma estratégia de ação que deveria ter um impacto abrangente,
em larga escala, baixo custo, pouca tecnologia pesada e de fácil aplicação.
“Os cuidados primários de saúde constituem a chave para que essa meta seja
atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social”(OMS, 1978
– grifo meu).
A sua pergunta neste momento deve ser a mesma pergunta que vários
governantes se faziam naquela época, enfim o que de fato seriam estes cuidados?
“Os cuidados primários em saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em
métodos e tecnologias práticas,cientificamente bem fundamentadas esocialmente
aceitáveis, colocados ao alcance de indivíduos e famílias da comunidade,mediante
sua plena participação, a um custo que a sociedade e o país possam manter em
cada fase do seu desenvolvimento” (OMS, 1978).

A proposta de cuidados primários em saúde requer que as ações de saúde tenham


adequado fundamento científico, mas leva em conta os costumes locais para que
sejam bem aceitos pela comunidade e que também possa contar com a sua
participação na elaboração do planejamento local de saúde.Além disso, os custos
em saúde devem ser de acordo com a capacidade de cada nação, portanto os
investimentos devem ser coerentes com o produto interno bruto (pib) de cada
país.
A estruturação e organização dos serviços seria a primeira tarefa dos gestores. A
proposta da hierarquização dos serviços parecia a melhor naquele momento,
deixando a APS como a base do sistema de saúde . O desafio seria mudar a lógica
de atenção voltada aos eventos agudos, intervenções pontuais, para a lógica do
cuidado, que requer intervenções de longo prazo. Estudos mostravam que, quando
realizada de maneira correta, a APS seria capaz de atender de 80 a 90% das
necessidades das pessoas.
É claro que isto não eliminaria a necessidade de um grande hospital, mas eles
ficariam restritos aos casos que ensejassem um manejo de alta complexidade
tecnológica.
Ex: uma pessoa com hipertensão deverá ter sua doença classificada e manejada no
contexto da APS. Será tratada em todos os seus aspectos e acompanhada segundo
os protocolos estabelecidos para esta doença. Caso não responda bem ao
tratamento e apresente sintomas de complicações, será encaminhada ao
cardiologista para investigação especializada na atenção intermediária. Se for
diagnosticada uma situação que requeira procedimento de alta complexidade
como cateterismo, cirurgia cardíaca, o paciente deverá acessar o serviço terciário,
onde está inserido o grande hospital.
Apesar do avanço que este modelo trouxe, ainda não se conseguia a interligação
entre os níveis de atenção, que pudesse permitir que o paciente fosse
corretamente seguido após a sua alta hospitalar. Afinal, depois da alta, o paciente
volta para a APS, para dar continuidade ao seu cuidado.
Considerando estas circunstâncias , discussões posteriores conclusão de que o
melhor modelo seria a APS no centro da rede de atenção, para que enfim ela
pudesse funcionar como a porta de entrada do sistema de saúde e também como
o ponto de retorno do paciente para a continuação do seu cuidado. Nesta posição
central da rede de saúde, a APS pode coordenar os cuidados ao paciente
exercendo a sua continua responsabilização.

A APS utiliza-se de tecnologias de baixo custo, consideradas como tecnologias


leves, ou soft como se define nos artigos internacionais. De fato o maior custo está
relacionado à formação de recursos humanos, com o conhecimento e perfil
adequado para atuar entre as família e comunidades.

Na atuação em APS, podemos manejar situações complexas através de uma visão


sistêmica , centrada na pessoa, na gestão dos casos e dos problemas e próximo da
realidade daqueles a quem atendemos.

Pesquisa
Este modelo de atenção vem sendo aplicado com muito sucesso no Canadá e
em Cuba, além de outros países da Europa. Que tal pesquisar sobre como acontece a
APS nesses lugares?

Recomendo que você faça duas leituras muito interessantes. A primeira , o capítulo
“o nascimento do hospital” do livro Microfísica do poder – Michel Foucault . Pode ler o
livro inteiro se quiser. Em seguida, o artigo UTOPIA/ATOPY de Luis David Castiel. Você
vai gostar.

http://www.nodo50.org/insurgentes/biblioteca/A_Microfisica_do_Poder_-
_Michel_Foulcault.pdf

https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/viewFile/1807-
1384.2012v9n2p62/23515

Trocando Ideias
Quantas vezes você já precisou ser internado em um grande hospital? Por quantas
cirurgias você já passou? A maioria das pessoas vai responder que nunca foi internada
ou que foi apenas uma vez na vida, principalmente se você tiver até 40 anos de idade.
Porém acredito que você já usou diversos serviços de Atenção primária, como também
sua família. Converse com seus colegas sobre os serviços de APS que você já usufruiu.

Síntese
 Estudamos hoje os conceitos de atenção primária à Saúde e sua
abordagem inovadora.
 Entendemos que a APS é tão eficaz que tem inserção nos melhores e
mais estáveis países do mundo, porém as populações pobres são as que
usufruem benefícios desta abordagem.
 É uma estratégia para o acompanhamento e desenvolvimento de saúde
das pessoas em sua comunidade, trazendo também desenvolvimento
econômico às nações, a custo de acordo com as possibilidades do país.
 É porta de entrada do sistema de saúde, coordenadora de cuidados e
assume responsabilidade continua pelo cuidado com o paciente.

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