Você está na página 1de 5

SUS: o que e como fazer?

calculado sem contabilizar a exclusão de pessoas em utilização destes recursos orçamentários para financiar
cuidado decorrente de supostas medidas planos privados ou empresas. Essa proibição seria uma
“racionalizadoras” sugeridas pelo economicismo. forma de induzir setores das elites econômicas e políticas
Nesse mesmo relatório, o Banco Mundial considerou a se aproximarem do SUS, além de aumentar o aporte
1. Assegurar sustentabilidade aos espaços públicos e,
a atenção hospitalar ineficiente com base em indicadores financeiro ao SUS sem ampliação dos gastos públicos.
portanto, ao SUS
de produtividade, não considerando o conjunto de Este artigo não pretende criticar cada uma das análises
Considero essencial pensar o SUS como política benefícios em relação ao acesso e inclusão das pessoas: e recomendações do Banco Mundial, mas, sim, recusar a
pública. A defesa da gestão pública passa por reconhecer Racionalização da rede de prestação de serviços, racionalidade reducionista – avessa às políticas sociais –
problemas e limitações do SUS, sugerindo mudanças que especialmente a rede hospitalar, para atingir um melhor que preside a construção de indicadores, análises e
fortaleçam o caráter público das políticas de saúde. equilíbrio entre acesso e escala (eficiência). Mais supostas soluções apontadas. Trata-se de uma
Há uma série de evidências sobre a superioridade, em especificamente, isso exigiria a redução do número de racionalidade economicista, que não leva em conta o
efetividade e eficiência, dos sistemas públicos e hospitais de pequeno porte (a maioria dos hospitais direito à saúde ou possíveis mudanças no modelo de
universais de saúde quando comparados com modelos de brasileiros tem menos de 50 leitos, e por volta de 80% gestão e de cuidado dentro do espaço público.
mercado. Nestes há custos excessivos, desigualdade no têm menos de 100 leitos – quando o tamanho ótimo Este documento do Banco Mundial faz parte de um
cuidado, fragmentação de direitos, políticas de saúde estimado varia entre 150 e 250 leitos para alcançar poderoso movimento político e cultural que objetiva fazer
focais e com acesso definido não por necessidades de economias de escala). retroceder os espaços públicos, substituindo-o por
saúde, mas por regras de previdência e capacidade de Esse tipo de cálculo do Banco ignora o contexto de processos típicos do mercado (acesso mediado pela
compra. Basta observar a diferença de gastos entre milhares de pequenos municípios e da periferia de regiões capacidade de compra dos sujeitos e pela concorrência –
Estados Unidos (16,4% do PIB) e Reino Unido (7,11% metropolitanas, desconsiderando que a solução para a sobrevivência dos mais aptos – o denominado
do PIB), e compará-los com indicadores de saúde ou maioria destes pequenos hospitais seria sua transformação darwinismo social). Tratar-se-ia de assegurar prioridade
equivalentes, com ligeira vantagem para Reino Unido. em unidades mistas, integrando, no mesmo serviço, ao econômico em detrimento de desenvolvimento do
No Brasil, 54% do gasto em saúde acontece no setor equipes de saúde da família, urgência, maternidade, humano e do ecológico. Na saúde, o receituário implica
privado, que atende a apenas 25% da população. O SUS, procedimentos cirúrgicos de baixa complexidade, etc. no enfraquecimento e redução da amplitude do SUS,
exclusivamente responsável por 75% da população, além Assegurando com esta transformação maior cobertura tanto em relação à cobertura populacional quanto aos
de realizar serviços voltados para toda a sociedade, conta populacional com grande racionalidade assistencial e serviços prestados. As recomendações são insistentes e
com apenas 46% dos recursos. Seria inviável, financeira e financeira. Há experiências nesse sentido já realizadas em monótonas pela repetição: privatização, terceirização,
socialmente, estender a política centrada no mercado e em cidades do Brasil. parceria público-privada, descentralização com
seguros privados para todo o povo. Em recente relatório, O mesmo relatório do Banco Mundial, entretanto, desregulação e fragmentação da rede, fim da gratuidade;
o Banco Mundial2 (2017) leva a entender que o Brasil reconhece e aponta o uso privado do orçamento público, enfim, uma trajetória de se produzir um SUS restrito aos
teria gasto excessivo em saúde (9,3% do PIB), sem, impostos sendo repassados diretamente a grupos muito pobres, funcionando como se fosse mercado, sem a
entretanto, assinalar que a maior parcela desse recurso se empresariais e às classes de maior renda: diretriz da solidariedade e a de assegurar direitos. A
destina aos estratos mais ricos da população. O setor público também gasta recursos significativos por grande mídia tem divulgado e recomentado, de maneira
Os sistemas públicos de saúde, implementados em meio de gastos tributários, principalmente para subsidiar acrítica, essa linha de contrarreforma como caminho para
vários países, constituíram espaços de não mercado seguros privados de saúde (0,5% do PIB). Indivíduos os problemas do cuidado à saúde e das políticas sociais
dentro de economias capitalistas. A sustentação destas podem deduzir despesas com saúde das despesas em geral.
políticas depende de vários fatores, entre eles a tributáveis, o mesmo se aplica para pessoas jurídicas que Vamos planejar um SUS para todos os brasileiros. Ao
construção de uma cultura diferente daquela prevalente fornecem tratamentos de saúde para os seus empregados. longo do século XX, pesquisadores, intelectuais, partidos
no mercado. Uma cultura que considera o O governo também desonera impostos e contribuições da de extração popular e movimentos sociais apontaram
desenvolvimento humano tão ou mais importante do que indústria farmacêutica e de hospitais filantrópicos. injustiças e abuso de poder mesmo quando havia
o crescimento econômico. Nesse sentido, o conceito de A sustentabilidade do SUS depende de ampliação do crescimento econômico. Para enfrentamento desse
efetividade, para a perspectiva pública, deverá considerar aporte de recursos financeiros. O financiamento do contexto, organizaram-se lutas políticas e parlamentares
também a inclusão social como um dos indicadores para sistema não poderá ampliar o déficit público, será pelos direitos civis, políticos e sociais. Foram elaborados
compor a noção de que a política, os gastos públicos e a necessário apontar distorções no uso do orçamento, e os conceitos de “revolução” e de “reforma”. O primeiro
prestação de serviço têm impacto sobre o bem-estar. sugerir que sejam transferidos para políticas públicas. sugeria a abolição do mercado e sua substituição por um
Igualmente, o conceito de eficiência não poderá ser Assim, caberia a edição de lei ou norma que proibisse a novo regime econômico e social. O segundo predominou
em países que construíram políticas públicas, objetivando benefícios trazidos à população, e sua debilidade é apoiavam o SUS.
assegurar direitos. Políticas que anulassem ou também o SUS realmente existente, com todas suas Um dos principais componentes desse Movimento é
controlassem os efeitos de concentração de renda e de mazelas e insuficiências. Como o SUS se destina, na constituído pelos trabalhadores, docentes, investigadores
poder decorrentes do livre funcionamento do mercado. prática, a essa maioria explorada da população, a e estudantes de saúde. Em realidade, participam do
No Brasil, as classes dominantes, tendo em vista sua consideração com os problemas de saúde e com a Movimento apenas uma parcela destes trabalhadores,
inapetência para enfrentar a abismal desigualdade social e qualidade dos serviços de saúde, em grande medida, se particularmente os de Saúde Coletiva, da Atenção
política, preferiram em várias ocasiões o uso abusivo do assemelha ao descaso com que esse povo é tratado. No Primária à Saúde, da Saúde Mental, dos programas de
conceito de “revolução” para nomear movimentos Brasil há duas cidades diferentes, uma ordenada para a combate à AIDS/DST, entre outros. O CEBES e a
conservadores. As revoluções de 1930 e de 1964, minoria rica e outra, degradada, para os pobres; duas Abrasco, entre várias associações, vem congregando estes
efetuadas por grupos dominantes, foram apresentados políticas de segurança púbica, de transportes, de tudo. ativistas. As Universidades Públicas têm jogado papel
como a favor do bem-estar. Recentemente, a partir dos Talvez por isto a ambiência nos serviços do SUS seja tão decisivo na divulgação destas doutrinas e na formação de
anos setenta do século XX, instalou-se uma disputa em degradada, por isto o respeito à dignidade e humanidade profissionais com visão reflexiva e dispostos a combinar
torno do conceito de “reforma”: ações regressivas, dos usuários seja tão descuidada. o trabalho sanitário com ativismo democrático.
centradas na desconstrução de direitos passaram a ser Enfim, a luta pelo SUS depende da luta contra a Ainda hoje a defesa do SUS assenta-se,
denominadas de reformas, quando, em realidade, são desigualdade, contra o racismo, contra o machismo, principalmente, nesse segmento social. Uma das
contrarreformas. O governo Temer não é reformista; ao contra a concentração de poder em governantes, gestores, características inovadoras do Movimento foi a de buscar
contrário, sob o pretexto de assegurar crescimento autoridades, e assim por diante. realizar mudanças em todos os níveis do sistema. Os
econômico e reduzir privilégios, vem concentrando renda O Movimento da Reforma Sanitária é considerado um trabalhadores, apoiados em grupos de usuários, vêm
e poder político para os representantes do capital. dos principais atores sociais no processo de invenção e buscando criar possibilidades de cogestão no cotidiano
A reforma sanitária brasileira faz parte da tradição que implementação do SUS e do direito universal à saúde. dos serviços, com objetivo de reformular radicalmente o
vem lutando pela redução das desigualdades. Deste Esse Movimento pode ser entendido como um processo de trabalho e de gestão em qualquer espaço em
esforço, resultou o SUS. Infelizmente, esta polaridade movimento social de novo tipo, pois foi se compondo que isto seja possível. Em muitos casos fazendo oposição
ideológica tem produzido uma fratura entre intelectuais, como Bloco Político, em alguma medida, conseguindo a gestores conservadores.
pesquisadores e gestores do SUS, portanto, dentro do agregar diferentes grupos de interesse, com distintas Para orientar este ativismo político e profissional, O
próprio movimento de reforma sanitária, gerando o origens sociais, gêneros e etnias em torno de um projeto Movimento foi produzindo teoria, metodologias e
discurso restritivo da “cobertura universal”. Reforma da comum: direito à saúde, SUS e democracia. Havia estratégias de intervenção inovadoras e em acordo a
Reforma: um SUS para o século XXI. diferença de ênfase em relação a estratégias e formas de diretrizes do SUS. Várias destas elaborações críticas se
atuação, com agrupamentos priorizando o trabalho transformaram em Políticas Nacionais do SUS. Para citar
2. Construção de um Bloco Político e de Sujeitos institucional, quer na base – reforma dos saberes e das as mais notórias: Política Nacional de Saúde Mental,
sociais capazes de assegurar o direito à saúde e os práticas –, quer na implementação de novos programas e Política Nacional de Controle da AIDS/DST, Política
sistemas públicos arranjos. Alguns setores do movimento praticaram o Nacional de Atenção Básica, de Atenção Hospitalar, de
No Brasil, a relevância assistencial do SUS para, pelo “entrismo”, participando de governos favoráveis às Saúde Bucal, de Urgência e Emergência, Humaniza/SUS,
menos, setenta por cento da população não tem políticas públicas; outros preferiam aproximar-se dos de Educação Permanente, entre outras.
encontrado correspondência no grau de adesão política e movimentos sociais e da sociedade, advogando a O fortalecimento e ampliação desse estilo de ativismo é
ideológica dessa maioria ao sistema. Nos últimos anos, há articulação da construção do SUS com a radicalização do fundamental. Para se ampliar as condições de
como que um conformismo ao desmonte do SUS. Talvez processo democrático. possibilidade para a consolidação do SUS e do direito à
esse paradoxo poderia ser explicado em virtude de que a Esse movimento conseguiu aprovar o SUS na saúde, é fundamental a aproximação do Movimento da
implementação do SUS ainda é parcial. Com 1710 Constituinte de 1988 e ainda vem implementado Reforma Sanitária com a maioria da sociedade brasileira.
Campos GWS o SUS, houve expansão importante do inovações organizacionais, como a gestão participativa e Não se trata de desafio simples, ao contrário. Os ativistas
acesso à Atenção Básica, às urgências, às vacinas, ao o controle social do Estado pela sociedade. Ao longo do direito à saúde poderão, com mais facilidade, integrar-
prénatal, a serviços especializados e hospitalares; destas três décadas de funcionamento do SUS, o se aos movimentos atualmente emergentes: mulheres,
entretanto, ao mesmo tempo, a saúde tem aparecido como Movimento se enfraqueceu devido à crescente negros, jovens, LGBT, luta por habitação, moradia,
principal problema do país.A força de nossa política predominância do trabalho político dentro do aparelho de ensino público. No entanto, os setores populares estão
pública de saúde é o SUS concreto, é a extensão de Estado e, ainda, em virtude da crise de representatividade desorganizados, haveria que se investir na reconstrução
dos partidos e movimentos sociais, inclusive daqueles que de movimentos sociais. Apesar de vivermos um período
histórico de ataque aos direitos e políticas sociais, não executivo e aos partidos políticos. Em linhas gerais, seria Regiões de Saúde com funções de gestão da rede e não
bastará a crítica ao governo e ao establishment político. importante reorganizar o SUS reforçando seu caráter de somente de negociação e planejamento. Para início, seria
Há que se apontar problemas do SUS, das cidades, da sistema nacional (não apenas federal, mas tripartite), importante redesenhar as Regiões de Saúde, revendo a
sociabilidade e, ao mesmo tempo, sugerir estratégias para assegurando que o SUS tenha estabilidade mesmo com a atual divisão que criou 437 Regiões, quando há
enfrentá-los. Assim, na saúde, as filas para atendimento rotatividade de governantes inerente aos sistemas indicações de que seriam necessárias entre 200 e 250.
hospitalar e especializado são reais e indicam desrespeito democráticos. Para fortalecer a função das Regiões em gestão é
a direitos, nosso projeto precisa apontar estas dificuldades Pensar o SUS como um sistema autárquico, mas que essencial o estabelecimento de Fundo Regional de Saúde,
e lutar para sua superação. Para isto, é fundamental se funcionasse em cogestão entre entes federados, 1712 Campos GWS com orçamento próprio mediante
radicalizar e estender o esforço tanto para financiamento trabalhadores e usuários. Ampliando e reforçando a repasses dos entes federados, em especial da União. A
adequado, quanto para mudança dos modelos de atenção, capacidade de fiscalização e de participação efetiva na Região de Saúde deveria ser a responsável pela gestão da
para a humanização e para a gestão participativa. gestão, no planejamento e avaliação do SUS. média e alta complexidade e da Vigilância em Saúde. Até
Toda mudança começa onde for possível e necessária É fundamental a reformulação de normas de licitações, este momento, o SUS vem tendo grande dificuldade com
– não esperar ordens de cima. Apesar da relevância do compras e manutenção, prestação de contas, objetivando a gestão de hospitais próprios e conveniados, que tem
SUS, o tratamento que tem recebido por parte dos trazer agilidade e segurança no manejo do orçamento funcionado em desconexão com a atenção básica e a
políticos tem sido pequeno. O SUS não foi destaque, público, e que ainda combine ações centralizadas para urgência, além de, em geral, operarem com problemas de
desde sua criação, em nenhum dos governos da União. gestão de insumos estratégicos, com a transformação de eficiência e efetividade. Problema semelhante vem
Nenhum governo ou partido político assumiu o programas e serviços em Unidades Orçamentárias com ocorrendo com o controle de epidemias em que não se
financiamento e a implementação do SUS como responsabilidades gerenciais ampliadas. logra ações coordenadas nos territórios. Para que as
prioridade nacional. Em consequência, vem sendo O SUS encontra-se bastante fragmentado, o que torna Regiões operem desta forma será importante se aprovar
construído de maneira incremental e com déficit de precária a governança do sistema na lógica de redes de modificações em relações às normas operacionais do
recursos10. Durante as primeiras décadas de atenção integral. É fundamental que seja ampliada a SUS, criando uma autoridade sanitária em cada Região de
implementação do SUS, os secretários municipais e sua integração sistêmica do SUS. Com essa finalidade é Saúde, bem como uma estrutura de administração com
entidade o CONASEMS tiveram importante importante rever a dinâmica de centralização e aporte de pessoal e recursos dos estados e dos municípios.
protagonismo na defesa do sistema, mas, nos últimos descentralização. Um dos elementos que ajudam o A crise de sustentabilidade do SUS poderá ser
anos, em sua atuação tem predominado o esforço para equilíbrio entre estes dois polos são as Políticas Nacionais atenuado se aprovarmos uma legislação que reduza
radicalizar a descentralização do sistema, o que implica, de Saúde, construídas em cogestão e aprovadas pelos drasticamente os cargos de confiança – ou de livre
na prática, no enfraquecimento das várias Políticas organismos de cogestão do SUS: Conferências, provimento – na sua gestão. Somente ministro, secretários
Nacionais. Em realidade, os gestores do SUS estão cada Conselhos e Comissões Tripartites. A tendência recente de estado e de município e um pequeno grupo de
vez mais integrados e controlados pela lógica de desmonte destas Políticas Nacionais acordadas tende a assessores seriam indicados segundo interesse político;
predominante na política partidária brasileira e no fragmentar ainda mais o SUS, além de expor as gestões todos os demais gestores do sistema seriam indicados
presidencialismo de coalizão. Fenômeno que os têm estaduais e municipais à pressão de grupos interessados mediante critérios técnicos sanitários e experiência com o
afastado das necessidades de saúde e acentuado seu em se aproveitar do SUS para atender objetivos SUS. Nenhuma destas mudanças dependerá de alteração
compromisso com clientelismo e patrimonialismo. particulares. A Política Nacional de Atenção Básica, da Constituição.
aprovada e publicada em 2006 e 2012, por exemplo,
3. Reconstruir a institucionalidade do SUS vinha, a duras penas, contribuindo fortemente para a 4. Política de Pessoal unificada para o SUS
objetivando aperfeiçoar o seu caráter público expansão e a qualificação do sistema. As modificações
aprovadas pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) A sustentabilidade do SUS depende tanto da formação
Para assegurar sustentabilidade do SUS se faz representa um retrocesso na medida em que deixa a cargo de um novo profissional de saúde, quanto de uma política
necessário prosseguir com a reforma do Estado e do de cada município o modelo e as estratégias de e de uma gestão de pessoal que contemple diversidades
modelo de gestão objetivando corrigir diversos obstáculos organização da atenção primária. O mesmo impasse foi funcionais das várias profissões e especialidades e
estruturais e funcionais. Um destes desafios é encontrar estabelecido em relação à Política Nacional de Saúde também a diversidade sanitária e de contexto das várias
um desenho organizacional que, ao mesmo tempo, que Mental em virtude da proposta de contrarreforma regiões brasileiras.
permaneça dentro da racionalidade da coisa pública apresentada em 2017 pelo Ministério da Saúde. A tradição da gestão pública de pessoal favorece a
(centrado nas necessidades de saúde), consiga operar com Outro tema central para adequar a dialética burocratização, desumanização e alienação no trabalho de
importante autonomia em relação ao mercado, ao poder centralização e descentralização é a constituição de cuidar de pessoal e comunidades. Considero superada a
organização de carreiras com base nas categorias objetiva enfraquecer o corporativismo entre as profissões funcionamento da rede de serviços implica em reforçar o
profissionais. O trabalho em saúde tem características de saúde, em especial aquele do médico, e fortalecer a papel de regulação da Atenção Básica e informatizar o
especiais, depende da motivação e do envolvimento de relação dialógica com os usuários. É uma estratégia para SUS mediante sistema integrado. A regulação do acesso
cada trabalhador com a saúde de outras pessoas. A se ampliar as condições de possibilidade para a no SUS não deveria ter um caráter burocratizado,
importação de modelos de gestão de fábricas ou de constituição de um novo tipo de trabalhador de saúde para delegado a instâncias isoladas da rede. Nos tradicionais
serviços privados não tem colhido bons resultados o SUS. sistemas públicos de saúde, a regulação fica a cargo dos
quando aplicados na área da saúde. O trabalho em saúde é Cada uma dessas áreas temáticas teria lógica profissionais e equipes da rede mediante a definição de
do tipo denominado de práxis, isto é, em geral, não organizacional e de funcionamento específica11. Um normas para ordenar o acesso segundo critérios de risco e
funciona em linhas mecanizadas de produção, exigindo único organismo responsável pela política de pessoal: de vulnerabilidade.
que trabalhadores e equipes multiprofissionais operem dada a complexidade da política de pessoal será As filas no Brasil se devem tanto à insuficiente
tanto com normas e protocolos como com a variação de impossível que a responsabilidade por sua construção e capacidade instalada, quanto à ausência de critérios de
procedimentos e condutas conforme o caso e o contexto. manutenção seja transferida a municípios ou a prestadores encaminhamento adequados. A rede hospitalar e de
Além do mais, o SUS vem se ordenando com a lógica do locais ou regionais de saúde. A gestão dessa nova política especialidades precisa ser integrada de forma a funcionar
trabalho compartilhado, em equipes, em apoio matricial e seria necessariamente compartilhada entre União, estados como referência territorial e apoio para Atenção Primária
no trabalho em redes de cuidado. Nesse sentido, a que se e municípios, ficaria a cargo da Comissão Tripartite do e urgência. O planejamento para implementação de novos
pensar em política e em carreiras que respeitem a SUS, mediante a criação de um órgão público (autarquia programas e serviços deveria ser realizado nas Regiões de
identidade de cada especialidade ou profissão, mas que ou Fundação Pública) e de um Fundo Orçamentário para Saúde.
estimule a prática interdisciplinar e o compartilhamento Política de Pessoal. É fundamental o reordenamento dos modelos da área
de responsabilidades e de tarefas. A fragmentação do hospitalar e das especialidades. Para isto será importante
processo de cuidado em tarefas estanques e a circulação 5. Consolidar e qualificar as políticas e práticas em aplicar diretrizes da atenção primária de saúde em
dos cidadãos entre profissionais e serviços como se fosse saúde ambulatórios: armar equipes interprofissionais de
uma peça deslizando por uma linha de produção tem referência e de apoio matricial; criar responsabilidade de
resultados ineficazes, desumanos e ineficientes. O acesso, a humanização e a qualidade concreta do equipes por coortes de pacientes: vínculo, continuidade e
Para o SUS seriam necessárias várias carreiras – cuidado são os pontos que, concretamente, mais coordenação de caso; adensamento tecnológico e pró-
organizadas a partir das características das principais interessam à população, todo o resto são meios. Meios atividade; ampliação de cenários de práticas: grupo, leitos
áreas do sistema de saúde. Identificam-se cinco áreas para atingir a finalidade fundamental do SUS que é a de observação, procedimentos diagnósticos, terapêuticos
temáticas no SUS: atenção básica; atenção de média e alta defender a vida das pessoas. e cirúrgicos; atendimento demanda (não agendado) e
complexidade (rede secundária e terciária – ambulatórios, Uma estratégia fundamental para sensibilizar a programado; clínica (especializada) ampliada e
centros de referência, serviços de atenção domiciliar e população é sempre vincular a luta por recursos compartilhada com usuários.
hospitais); rede de urgência e emergência; rede de orçamentários para o SUS a projetos específicos, como A política e a gestão de hospitais pouco sofreu
vigilância à saúde; e apoio à gestão do SUS (setor expansão e qualificação da atenção básica, eliminar filas mudanças desde a criação do SUS. Tem modelo de gestão
administrativo, manutenção e financeiro). com investimento e melhor gestão de hospitais e serviços e de cuidados tradicionais. São serviços isolados
Os direitos trabalhistas, definidos em lei, e as especializados, gastos com política de pessoal, (interligação é realizada pelo paciente/ familiar); utiliza
especificidades da prática de cada profissão ou medicamentos, inovação e ciência e tecnologia em saúde, departamentalização segundo categorias
especialidade seriam considerados de maneira matricial etc. profissionais/especialidades; a responsabilidade dos
em cada uma das carreiras das cinco áreas temáticas. A comunicação e a integração com a sociedade é profissionais é com procedimentos; há fragmentação da
Assim, as normas e as características do trabalho de fundamental para a democratização e para a gestão e do cuidado. É fundamental estender a reforma
enfermagem, médico, odontológico, farmacêutico, etc., sustentabilidade do SUS. Nesse sentido, é importante sanitária aos hospitais, para isto: integrá-los à rede como
serão considerados na organização de cada uma destas analisar e divulgar informações sobre padrão de gastos referência para média e alta complexidade; criar
carreiras temáticas. Funcionarão como vetores matriciais com orçamento público, dificuldades e problemas do departamentos organizados por função ou áreas temáticas
para as carreiras horizontais temáticas. SUS, repercussão negativa sobre a saúde decorrente de (Unidades de Produção); organizar equipes
O desenho de carreiras com duplo condicionamento – cortes no financiamento e nos serviços de saúde. interdisciplinares de referência e apoio matricial, modelo
um vertical que favorece o trabalho colaborativo e A expansão da Estratégia de Saúde da Família para de gestão que cobre responsabilidade por coorte de
interdisciplinar, e outro horizontal que respeita direitos e 80% da população é prioritária. Sua qualificação também pessoas: fortalecimento do vínculo, continuidade e
especificidade de cada profissão e especialidade – deverá ser uma prioridade para o SUS. A reordenação do coordenação do cuidado, instituir formas de cogestão do
cuidado e de gestão participativa. Ao debate! À
construção de um projeto que nos unifique!

Você também pode gostar