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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE MEDICINA E CIÊNCIAS DA VIDA


CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA

MARIA LUIZA DOS SANTOS MAIER

ATIVIDADE AVALIATIVA

CURITIBA

2023
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ESCOLA DE MEDICINA E CIÊNCIAS DA VIDA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA

MARIA LUIZA DOS SANTOS MAIER

ATIVIDADE AVALIATIVA

Atividade avaliativa apresentada a disciplina


de Psicologia, sistema de justiça e os
fundamentos teóricos do direito. Prof. Dr.
Bruno Lorenzetto. Turma única.

CURITIBA

2023
Relação entre o Art. 5°, inciso - I da Constituição da República Federativa do
Brasil e o Feminismo e sua teoria de justiça.

O presente trabalho busca traçar uma relação entre o Art. 5° da Constituição


da República Federativa do Brasil, focando em seu inciso I - “homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” (BRASIL, 1988)
e as Teorias Feministas e sua noção de justiça. Se propõe a conceituar a noção de
igualdade, e seus debates acerca do que devemos considerar como igual na
sociedade. As diferentes teorias de justiças hoje se desdobram sobre o que “é justo”
ou o que é “igual”, qual o limite da liberdade e qual os obstáculos em considerarmos
os seres como livres e iguais. É de caráter unânime entre os escritores e
pesquisadores que o livro “A Theory of Justice” de John Rawls, publicado em 1971,
trouxe uma nova visão sobre equidade de justiça para o Ocidente. Por isso o
trabalho também trará diferentes perspectivas e críticas de outros autores frente a
essa obra.

Pensando na premissa do Art. 5° de que “Todos são iguais perante a lei (...)
(BRASIL, 1988), é importante ressaltar que, assim como Zambam (2009) descreve
em seu artigo, a igualdade de forma simplificadamente linear encontra seus
primeiros obstáculos em sua própria definição, já o sujeito é diferente por sua
natureza e isso acarreta na diferença na própria estruturação de uma sociedade, o
que torna a compreensão do “diferente” como um processo indispensável para o
entendimento de um grupo ou das suas respectivas individualidades. O autor
reforça então a necessidade de se afastar dessa noção igualitária, pois as
diferenças são as constituintes do sujeito, da sociedade e da natureza, isto é, uma
desigualdade pode ser justa, se a mesma visa levar a possível equidade.
Sparemberger (2023) aponta a perspectiva de Rawls em buscar um meio de
desenvolver uma justiça capaz de fornecer direitos, deveres e oportunidades de
maneira que todos se sintam contemplados e entendam que outro tem os mesmos
direitos sem ressalvas, mas ressalta que “A justiça somente pode ser definida, em
modelos reais, a partir de uma concepção, representando sentidos diferentes para
cada sujeito.”
Dito isso, é sabido que até o século passado essa “diferença de natureza”,
por grande parte dos teóricos homens, embasava uma justificativo para a
segregação de gênero, e que essa condição física (ser mulher) pré-estabelecia os
ambientes que uma mulher teria o direito de ocupar, afastando-a dos ambientes
políticos, educacionais e de direitos civis, a alocando apenas no ambiente
doméstico (KYMLICKA, 2006). Aqui já visivel que a distinção dos sujeitos, e a noção
de que os seres não são naturalmente iguais, foram objetos centrais de
discriminação ao longo dos anos, tanto a Constituição Brasileiro, como as demais
pelo mundo, tentam como recurso trazer a tona a igualdade para que não se
enxergue nada além do que um sujeito. Porém essa noção nos leva a novos
problemas. Se os sujeitos não são iguais e devem ser respeitados dentro de suas
diferenças, mas essas diferenças geram discriminações, como se tem uma
sociedade equitativa?

Kymlicka (2006) traz para seus leitores a tônica do problema, a discriminação


sexual vem sendo interpredade de forma arbitrária por aqueles que se beneficiam
de suas diferenças, é válido quando um homem pode prevalecer sobre um mulher
em uma posição de poder, o autor cita a recusa de um empregador em contratar
uma mulher sem que se tenha uma direta relção com a atividade a ser excecutada,
algo obstante da racionalidade. Assim como a constituição prevê em seu inciso XIII -
“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer;” (BRASIL, 1988).

Logo deve-se considerar, sim, uma distinção sexual quando essa diferença
estabelece a premissa para a garantia de um direito que necessariamente é
pautada pelo gênero (KYMLICKA, 2006), como o direito à licença maternidade,
condições assegurado às presidiárias que permaneçam com seus filhos durante a
amamentação, garantia de trabalho, a proteção da integridade física da mulher e
entre outros direitos conquistados ao longo dos séculos. Num geral não devemos
ignorar a importância que a Constituição Brasileira atribui ao princípio de igualdade,
que está sendo debatido neste trabalho, e o mais alto nível de abrangência no que
diz respeito a relação “homens e mulheres”, mas Maciel (1997) ressalta que essa é
uma realidade atual, e que a forma com que se caracteriza essa relação é
proveniente de uma sociedade ocidental do final do milênio, visto os séculos
decorridos em que os privilégios eram reservados a homens, nunca a mulheres. a
autora cita o exemplo do "domicílio privilegiado da mulher, em ações de separação
judicial e divórcio”, noção destoante das realidades anteriores da sociedade, além
de diversos outros tratamentos diferenciais ao decorrer a Constituição.

Além de todos os parâmetro naturais que diferenciam questões sexuais, há


também um elemento historicamente construído, essa é a discussão que Biroli
(2010) propõe em seu trabalho sobre "Gênero e Família em uma sociedade justa”, e
aqui teremos outro aspecto que influi diretamente na noção de justiça nessa relação
tão complexa entre homens e mulheres. A autora traz luz a problemática da relação
de poder estabelecida na familia, já que essa organização reproduz um modelo
historicamente estabelecido e que se basea em discriminação de genêro, ambiente
esse que estabelece as definições do sujeito de valores e atitudes, essa formatação
familair irá refletir diretamente na forma com que esse sujeito interage com o seu
meio externo. Em uma perspectiva feminsita, quando se analisa a família, não é raro
perceber relações desarmônicas de gênero e as atribuições de função do homem e
da mulher no ambiente doméstico.

Biroli (2010) completa que as relações do núcleo familiar serão, via de regra,
uma estrutura de gênero injusta e violenta, mas que na noção de teoria da justiça,
esse núcleo é uma instituição privada que não haverá interferência direta em suas
dinâmicas de poder. Logo, se essa organização, que determina a forma com a qual
sujeito se relaciona em sociedade, essa organização está historicamente
construída, muito provavelmente esse sujeito irá replicar as relações de gênero que
vê dentro da família. No livro “Filosofia Política Contemporânea", Kymlicka (2006)
traz esse mesmo apontamento, a distribuição do trabalho doméstico é desigual em
termos de responsabilidade, assim como as responsabilidade para com a família,
entretanto se vê uma relutância em colocar o privado (família) nos padrões de
justiça estabelecidos.

Visto que os padrões que estabelecem uma relação das mulheres com o
serviço doméstico foi historicamente construído, bem como sua obrigação com os
filhos e com a família, há de se questionar quais padrões foram construídos para o
homem dentro da família, e como reconstruir esse conceitos (BIROLI, 2010). A
autora Maciel (1997) retoma que os direitos e deveres da sociedade conjugal são
constitucionalmente iguais para homens e mulheres, mas qual a materialidade disso
em nossa sociedade? De acordo com Biroli (2010) o problema é “a definição dos
limites para a ação do Estado no âmbito doméstico (...)”, pois tudo irá depender de
qual a avaliação que está sendo feita, visto que a prevalência da intimidade para
alguns é apenas a garantia de suas individualidades, para as mulheres pode
significar a reprodução e o reforço de uma dinâmica injusta e por vezes permeadas
por violência física e até mesmo atribuição desigual de responsabilidade, como
exemplo de mulheres que passam meses em privação de sono após o nascimento
de um bebê, enquanto o genitor permanece com seu horário de descanso
estabelecido apenas com base em uma construção histórica, sem fundamento
constitucional ou até mesmo mora (pensando em uma perspectiva de justiça).

Sparemberger (2023) traz então um interessante diálogo entre as obras de


Suzan Okin e John Rawls, e os embates acerca de injustiças de gênero, visto que
Rawls traz uma perspectiva de que a desigualdade estaria sendo perpetuada pela
ignorância, Okin acredita que essa noção que há instrumentos suficientes para que
o sujeito perceba por conta a própria a injustiça nos leva a uma reafirmação da
prevalência do homem sobre a mulher. Isso é válido considerar racionalmente, se o
homem está “cego” para as injustiças que a diferença de gênero promove, quando
esse mesmo homem se perceber um sujeito privilegiado por esse conceito, ele irá,
por conta própria, renegar seus privilégios no caso de não haver uma norma que o
impelindo a isso? O autor completa que a teoria de justiça de equidade precisa se
reinventar para se enquadrar nas características sociais que foram negadas ou
ignoradas como parte da realidade, que ultrapassam as questões de gênero, e até
mesmo pensar de uma forma complexa a possibilidade de intervenção do estado, já
que isso por si só poderia diminuir a autonomia da mulher, mesmo que esta esteja
sendo prejudicada por um dinâmica familiar.

Num geral, assim como Biroli (2010) afirma, a noção que os seres são iguais
e livres esbarra em sua própria efetividade de que as pessoas não ocupam posições
iguais, nem na família, nem no trabalho, nem na política ou em qualquer papel
concreto dentro de uma sociedade. Isto é, passar por cima das singularidades em
nome de uma visão igualitária está por si só ocultando o real problema, não é
necessário que as pessoas sejam vistas e tratadas de formas e iguais para que algo
seja justo, é preciso que sua singularidade, se genuinamente necessário, seja o
diferencial para a aquisição de um direito.
Pensando nisso, Sparemberger (2023) aponta o feminismo como um dos
movimentos mais bem sucedidos, e que é possível analisar de forma concreta todas
as conquistas das mulheres e as mudanças promovidas por essas discussões,
todos os ambientes em que se foram aberto caminho para que sejam ocupados por
mulheres. A autora atribui esse sucesso ao fato de que o feminismo é multifatorial,
podemos ver dentro desse movimento diferentes vertentes, diferentes pautas que
dialogam com múltiplas perspectivas políticas. Essa consideração por si só reforça a
necessidade de se observar a singularidade, se até mesmo um movimento que tem
em sua base um mesmo princípio tem tantos nuances e desdobramento, como que
homens e mulheres serão iguais? Nem todas as mulheres são iguais.

No que diz respeito à constituição, Maciel (1997) faz contribuições


importantes, se é necessário a existência de ferramentas que sejam capazes de
traduzir as vontades do cidadãos e isso é uma das conquistas mais importantes de
uma sociedade democrática, e por mais que a superação do gênero como
ferramenta de segregação vem sendo um longa luta, a autora destaca que é um dos
principais desafios do Brasil enquanto democracia. Evoluímos muito ao longo dos
anos, se compararmos a primeira Constituição Republicana de 1891, já notável a
evolução dos debates, está que não inclui mulheres como eleitores, e então surge
uma das primeiras lutas das mulheres brasileiras, criada por Bertha Lutz em 1922, a
Federação Brasileira para o Progresso Feminino, tinha como sua principal palavra
de ordem o direito ao voto, que ainda sim teve a sua primeira conquista dez anos
depois, nas eleições para a Constituinte de 1934 (MACIEL, 1997).

É claro que não podemos considerar o atual cenário como ideal, 31 anos
após a conquista do direito ao voto, o Brasil cresce em índices de feminicídio, e
LGBTfobia. Em janeiro de 2021 a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e
Transexuais) elaborou um dossiê que destaca o Brasil como o país que mais mata
pessoas transsexuais, e assim vem sendo há anos (NAÇÕES UNIDAS BRASIL,
2021). Em 2022 o país bateu o recorde de feminicídio desde 2015, uma mulher foi
assassinada a cada 6 horas no país, de acordo com Monitor da Violência e do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (VELASCO, 2023).

Isso nos leva a lembrar que não é apenas uma questão de igualdade, tão
pouco uma questão de justiça, hoje as estruturas desiguais de gênero no nosso país
são uma questão de saúde. Durante todo o texto da Constituição Federativa do
Brasil de 1988, podemos ver diversos direitos que se pautam no gênero e que
asseguram a mulher o direito à vida, ao trabalho, a educação e a maternidade,
direitos esses tão fundamentais, mas que historicamente foram negligenciados, isso
só demonstra a importância de olhar esse problema a partir de uma perspectiva,
também, desigual.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:


Senado Federal, 1988.
BRASIL é o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo, alerta relatório
da sociedade civil entregue ao UNFPA. Nações Unidas Brasil. Brasília, 2021.
Disponível em <https://brasil.un.org/pt-br/110425-brasil-é-o-país-que-mais-mata-
travestis-e-pessoas-trans-no-mundo-alerta-relatório-da>
BIROLI, F. Gênero e família em uma sociedade justa: adesão e crítica á
imparcialidade no debate contemporâneo sobre justiça. Rev. Sociol. Polít., v. 18, n.
36, p 51 - 65. Curitiba. 2010.
KYMLICKA, W. Filosofia Política Contemporânea. Martins Fontes, Ed. 1, p. 303 -
373. São Paulo. 2006.
MACIEL, E. C. B. A. A igualdade entre sexos na Constituição de 1988. Senado
Federal. Brasília. 1997. Disponível em
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/159/10.pdf>
SPAREMBERGER, C. Gênero e justiça: a teoria da justiça de Rawls na perspectiva
do feminismo liberal de Susan Okin. Rev. Interação, v. 14, n. 1, p. 1 - 12. Santa
Catarina. 2023.
VELASCO, C. Brasil bate recorde de feminicídios em 2022, com uma mulher morta
a cada 6 horas. G1. São Paulo. 2023. Disponível em <https://g1.globo.com/monitor-
da-violencia/noticia/2023/03/08/brasil-bate-recorde-de-feminicidios-em-2022-com-
uma-mulher-morta-a-cada-6-horas.ghtml>
ZAMBAM, N. J. Discutindo aspectos da justiça internacional: considerações a partir
do pensamento de John Rawls e Amartya Sen, Rev. Episteme, v. 29, n. 2, p. 89 -
114. Porto Alegre, 2009.

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