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ATIVIDADE AVALIATIVA
CURITIBA
2023
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ESCOLA DE MEDICINA E CIÊNCIAS DA VIDA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA
ATIVIDADE AVALIATIVA
CURITIBA
2023
Relação entre o Art. 5°, inciso - I da Constituição da República Federativa do
Brasil e o Feminismo e sua teoria de justiça.
Pensando na premissa do Art. 5° de que “Todos são iguais perante a lei (...)
(BRASIL, 1988), é importante ressaltar que, assim como Zambam (2009) descreve
em seu artigo, a igualdade de forma simplificadamente linear encontra seus
primeiros obstáculos em sua própria definição, já o sujeito é diferente por sua
natureza e isso acarreta na diferença na própria estruturação de uma sociedade, o
que torna a compreensão do “diferente” como um processo indispensável para o
entendimento de um grupo ou das suas respectivas individualidades. O autor
reforça então a necessidade de se afastar dessa noção igualitária, pois as
diferenças são as constituintes do sujeito, da sociedade e da natureza, isto é, uma
desigualdade pode ser justa, se a mesma visa levar a possível equidade.
Sparemberger (2023) aponta a perspectiva de Rawls em buscar um meio de
desenvolver uma justiça capaz de fornecer direitos, deveres e oportunidades de
maneira que todos se sintam contemplados e entendam que outro tem os mesmos
direitos sem ressalvas, mas ressalta que “A justiça somente pode ser definida, em
modelos reais, a partir de uma concepção, representando sentidos diferentes para
cada sujeito.”
Dito isso, é sabido que até o século passado essa “diferença de natureza”,
por grande parte dos teóricos homens, embasava uma justificativo para a
segregação de gênero, e que essa condição física (ser mulher) pré-estabelecia os
ambientes que uma mulher teria o direito de ocupar, afastando-a dos ambientes
políticos, educacionais e de direitos civis, a alocando apenas no ambiente
doméstico (KYMLICKA, 2006). Aqui já visivel que a distinção dos sujeitos, e a noção
de que os seres não são naturalmente iguais, foram objetos centrais de
discriminação ao longo dos anos, tanto a Constituição Brasileiro, como as demais
pelo mundo, tentam como recurso trazer a tona a igualdade para que não se
enxergue nada além do que um sujeito. Porém essa noção nos leva a novos
problemas. Se os sujeitos não são iguais e devem ser respeitados dentro de suas
diferenças, mas essas diferenças geram discriminações, como se tem uma
sociedade equitativa?
Logo deve-se considerar, sim, uma distinção sexual quando essa diferença
estabelece a premissa para a garantia de um direito que necessariamente é
pautada pelo gênero (KYMLICKA, 2006), como o direito à licença maternidade,
condições assegurado às presidiárias que permaneçam com seus filhos durante a
amamentação, garantia de trabalho, a proteção da integridade física da mulher e
entre outros direitos conquistados ao longo dos séculos. Num geral não devemos
ignorar a importância que a Constituição Brasileira atribui ao princípio de igualdade,
que está sendo debatido neste trabalho, e o mais alto nível de abrangência no que
diz respeito a relação “homens e mulheres”, mas Maciel (1997) ressalta que essa é
uma realidade atual, e que a forma com que se caracteriza essa relação é
proveniente de uma sociedade ocidental do final do milênio, visto os séculos
decorridos em que os privilégios eram reservados a homens, nunca a mulheres. a
autora cita o exemplo do "domicílio privilegiado da mulher, em ações de separação
judicial e divórcio”, noção destoante das realidades anteriores da sociedade, além
de diversos outros tratamentos diferenciais ao decorrer a Constituição.
Biroli (2010) completa que as relações do núcleo familiar serão, via de regra,
uma estrutura de gênero injusta e violenta, mas que na noção de teoria da justiça,
esse núcleo é uma instituição privada que não haverá interferência direta em suas
dinâmicas de poder. Logo, se essa organização, que determina a forma com a qual
sujeito se relaciona em sociedade, essa organização está historicamente
construída, muito provavelmente esse sujeito irá replicar as relações de gênero que
vê dentro da família. No livro “Filosofia Política Contemporânea", Kymlicka (2006)
traz esse mesmo apontamento, a distribuição do trabalho doméstico é desigual em
termos de responsabilidade, assim como as responsabilidade para com a família,
entretanto se vê uma relutância em colocar o privado (família) nos padrões de
justiça estabelecidos.
Visto que os padrões que estabelecem uma relação das mulheres com o
serviço doméstico foi historicamente construído, bem como sua obrigação com os
filhos e com a família, há de se questionar quais padrões foram construídos para o
homem dentro da família, e como reconstruir esse conceitos (BIROLI, 2010). A
autora Maciel (1997) retoma que os direitos e deveres da sociedade conjugal são
constitucionalmente iguais para homens e mulheres, mas qual a materialidade disso
em nossa sociedade? De acordo com Biroli (2010) o problema é “a definição dos
limites para a ação do Estado no âmbito doméstico (...)”, pois tudo irá depender de
qual a avaliação que está sendo feita, visto que a prevalência da intimidade para
alguns é apenas a garantia de suas individualidades, para as mulheres pode
significar a reprodução e o reforço de uma dinâmica injusta e por vezes permeadas
por violência física e até mesmo atribuição desigual de responsabilidade, como
exemplo de mulheres que passam meses em privação de sono após o nascimento
de um bebê, enquanto o genitor permanece com seu horário de descanso
estabelecido apenas com base em uma construção histórica, sem fundamento
constitucional ou até mesmo mora (pensando em uma perspectiva de justiça).
Num geral, assim como Biroli (2010) afirma, a noção que os seres são iguais
e livres esbarra em sua própria efetividade de que as pessoas não ocupam posições
iguais, nem na família, nem no trabalho, nem na política ou em qualquer papel
concreto dentro de uma sociedade. Isto é, passar por cima das singularidades em
nome de uma visão igualitária está por si só ocultando o real problema, não é
necessário que as pessoas sejam vistas e tratadas de formas e iguais para que algo
seja justo, é preciso que sua singularidade, se genuinamente necessário, seja o
diferencial para a aquisição de um direito.
Pensando nisso, Sparemberger (2023) aponta o feminismo como um dos
movimentos mais bem sucedidos, e que é possível analisar de forma concreta todas
as conquistas das mulheres e as mudanças promovidas por essas discussões,
todos os ambientes em que se foram aberto caminho para que sejam ocupados por
mulheres. A autora atribui esse sucesso ao fato de que o feminismo é multifatorial,
podemos ver dentro desse movimento diferentes vertentes, diferentes pautas que
dialogam com múltiplas perspectivas políticas. Essa consideração por si só reforça a
necessidade de se observar a singularidade, se até mesmo um movimento que tem
em sua base um mesmo princípio tem tantos nuances e desdobramento, como que
homens e mulheres serão iguais? Nem todas as mulheres são iguais.
É claro que não podemos considerar o atual cenário como ideal, 31 anos
após a conquista do direito ao voto, o Brasil cresce em índices de feminicídio, e
LGBTfobia. Em janeiro de 2021 a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e
Transexuais) elaborou um dossiê que destaca o Brasil como o país que mais mata
pessoas transsexuais, e assim vem sendo há anos (NAÇÕES UNIDAS BRASIL,
2021). Em 2022 o país bateu o recorde de feminicídio desde 2015, uma mulher foi
assassinada a cada 6 horas no país, de acordo com Monitor da Violência e do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (VELASCO, 2023).
Isso nos leva a lembrar que não é apenas uma questão de igualdade, tão
pouco uma questão de justiça, hoje as estruturas desiguais de gênero no nosso país
são uma questão de saúde. Durante todo o texto da Constituição Federativa do
Brasil de 1988, podemos ver diversos direitos que se pautam no gênero e que
asseguram a mulher o direito à vida, ao trabalho, a educação e a maternidade,
direitos esses tão fundamentais, mas que historicamente foram negligenciados, isso
só demonstra a importância de olhar esse problema a partir de uma perspectiva,
também, desigual.
REFERÊNCIAS