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Indexação ao CDI incentiva o rentismo em detrimento da economia real

Por Olavo Souza em 05 de agosto de 2021

O Brasil deve ser o único, ou um dos únicos países que promove oficialmente, via emissão de
títulos públicos de longo prazo indexados à taxa de juros de 1 dia, o famoso % do CDI. Todos já
ouviram falar de aplicações que rendem um X% do CDI.

O % do CDI, na pratica, é um prêmio aplicado sobre a taxa de juros de 1 dia o qual o título é
corrigido. Recebiveis ou a pagar, dependendo se você foi o comprador ou o vendedor na
operação.

Há pouco mais de 20 anos, conseguimos acabar com a cultura inflacionária do pais, o qual retro
alimentava a própria inflação. Indexava todos os preços da economia de acordo o tamanho da
inflação corrente. Como as pessoas tinham “certeza” do mínimo de inflação que viria no período
seguinte, corrigiam seus preços por precação ou segurança antes desta efetivamente acorrer.
Esse comportamento aumentava a inflação corrente e gerando resultados maiores do que os
devidos apenas por uma questão de falta de confiança em qualquer controle. O Brasil passou
quase uma década convivendo com uma economia hiper inflacionaria, até que a partir do Plano
Real (1994), fomos perdendo o medo de não reajustar preços antecipadamente, desindexando
a economia.

Porém, ao controlar a inflação, passamos a ser o paraíso dos rentistas. Vivemos anos com uma
enorme instabilidade no mercado de juros, mantendo-os excessivamente alto. Ocupamos o
posto de maior juros no mundo durante boa parte da primeira deste do século.

Para facilitar tudo, surgiu o famoso indexador de dívida ao CDI (% do CDI). Na pratica serviu para
que o mercado de capitais, aquele que opera dívida privada e próprio governo, constante
tomador de recursos via dívida pública, conseguissem alongar prazos e reduzir prêmios de risco.
Ao indexar sua dívida ou recebível ao CDI, você neutraliza o risco do sobe e desce de um juros
por natureza alto. O governo chegou a ter mais de 80% da sua dívida diretamente indexada aos
juros corrente no início dos anos 2000.

O tempo foi passando, e esses títulos garantiam uma remuneração condizente com a taxa de
juros básica da economia (Selic ou CDI – são basicamente a mesma coisa), algo que já era
absurdamente bom para quem tinha dinheiro aplicado. É o que chamamos de rentismo. Uma
quantidade enorme de dívida foi emitida, pública e privada, desta forma ao longo de anos.
Consequentemente encheu as carteiras dos fundos de varejo que eram oferecidos como “livres
de risco” para os pequenos poupadores. São os fundos de dívida privada ou aqueles indexados
ao DI. Garantiram remunerações gordas para os cotistas sem volatilidade (risco) por um longo
período. Até ai, tudo “perfeito”.

No final de 2019 e início de 2020, agravado pela pandemia, o juros de um dia (Selic/CDI), caíram
para um patamar jamais antes previsto, cerca de 2%aa. O CDI médio dos cinco anos anteriores
foi superior a 10%aa.

Em um cenário em que um título rende um (%) de 10%aa, em uma economia com inflação
controlada, o que é a realidade brasileira desde 1994, evidentemente, é uma taxa atrativa.
Porém, com a mudança súbita de patamar dos juros no ano passado, os 10%, viraram 2%. A
partir daí as coisas começaram a mudar.
Como convencer o investidor para se manter numa aplicação que rende 2% aa, fora impostos,
taxas, inflação mais alta (nunca tivemos 2% de inflação anual). O investidor começa a ficar
insatisfeito com seu retorno nominal “sem risco”. O que antes gerava lucros gordos, passou a
render basicamente nada. Vimos uma aversão à renda fixa pós fixada. O dinheiro correu para
indexadores que protegem contra a inflação e para a bolsa.

Mas quando se abandona um investimento, o que acontece com um estoque colossal de dívida
(+ de 30% do estoque é indexada ao CDI)? Via de regra esses títulos teriam que desvalorizar e
muito, fazendo quem os manteve perder dinheiro. Mas como explicar isso para o investidor
quando ele estava alocando seu dinheiro em ativos sem risco? Ai complicou...

Esse assunto já foi abordado aqui mais de uma vez.

Porém, agora com a Selic/CDI subindo novamente, parece que o problema está resolvido. Sim
se resolvendo, mas nunca enterrado.

O que deveríamos estar vendo é o incentivo para que dividas pre fixadas ou indexadas a inflação
substituam esses títulos, Já vimos que eles são um perigo para quem os tem. Seu estoque
colossal impede um novo ciclo de queda de juros de forma permanente. Ou acarretará em
enormes prejuízos irrecuperáveis para o pequeno poupador e pensionista. Nada está mudando.
Está na hora de começar uma decomposição gradual deste Indexador em dividas longas. Indexar
dívida ao CDI é a mesma coisa que retroalimenta-lo para que o mesmo permaneça alto.

Falando em dívida, outro ponto que gostaria de abordar, que é também é fruto desta indexação.
Financiadores de empresas e pessoas físicas são cada vez mais raros no mercado. Esse nicho de
crédito, fundamental para a retomada econômica, necessita de capital de giro, CDC entre outras
modalidades. São empresas, geralmente de pequeno e médio porte, e as pessoas físicas. Estes
só tomam dívida pre fixada, ou seja, dividas que elas sabem que não são explosivas e conseguem
se organizar para quita-las. Mesmo com taxas extremamente elevadas (spread bancário).

No momento em que o juros voltam a subir, os títulos indexados ao CDI voltam a ter atratividade
e voltam a ser constantemente emitidos ou pelo governo (Tesouro Selic) ou por empresas
privadas maiores (debentures, CDBs, letras de câmbio etc.). Os financiadores param de olhar
para o pequeno tomador de dívida pre fixada e voltam sua atenção para dívidas indexadas ao
CDI, faz parte, é o mercado. Minando assim os recursos que ajudariam na recuperação
econômica.

O governo não pode proibir, mas pode criar desincentivo, reduzindo de forma significativamente
a sua própria emissão de dívida indexada. Saibam que o governo é o maior tomador de dívida
do mercado. Combinação de alta de juros e manutenção/aumento do ritmo de emissão de
dívida indexada ao CDI é perigoso.

A recuperação da economia é o único remédio para amenizar o problema fiscal do pais, que é o
grande causador da alta inflacionaria que estamos vendo. Por consequência, um juros mais alto.
Do jeito que estamos caminhando, teremos inflação alta, causada por problemas fiscais, juros
altos tentando combater uma inflação que não é gerada por reaquecimento econômico, muito
pelo contrário. A recuperação do consumo, queda do desemprego, se torna um grande dúvida,
agravada pela falta de crédito para as famílias e PME ´s. Estamos entrando num ciclo vicioso.

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