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Agricultura orgânica e mudança climática – perspectivas e restrições

Jean Philippe Révillion

Programa de Pós-Graduação em Agronegócios da UFRGS

Luiz Gustavo Lovato

Programa de Pós-Graduação em Agronegócios da UFRGS

https://www.ufrgs.br/obema/agricultura-organica-e-mudanca-climatica-perspectivas-e-
restricoes/

As mudanças climáticas decorrentes do processo antrópico de aquecimento global


representam o maior desafio para a segurança alimentar da humanidade e manutenção do
equilíbrio dos ecossistemas no planeta. A agricultura, pecuária e o desflorestamento
respondem por aproximadamente 25% da emissão de gases de efeito estufa – GEE na
atmosfera, principais causadores do aquecimento global.

A emissão de GEE nas atividades agrícolas decorrem fundamentalmente da liberação de gás


carbônico nas culturas vegetais, com maior intensidade quanto menor for a incorporação de
matéria-orgânica do cultivo no solo, da liberação de óxido nitroso na atmosfera, em função do
uso de fertilizantes sintéticos amoniacais e da liberação de metano, principalmente em
sistemas de cultivos alagados. A emissão anual de GEE em função das atividades agrícolas e
pecuárias deve crescer de 6 Gt de CO2 para 8,3 Gt de CO2 em 2030.

Porém, o sequestro de carbono na agricultura, de forma isolada, tem o potencial de anular


toda a emissão anual de gases de efeito estufa desse setor, zerando seu impacto no
aquecimento global. O mecanismo básico para o sequestro de carbono na agricultura diz
respeito a possibilidade das plantas de utilizar gás carbônico da atmosfera para crescer e de
imobilizar esse carbono uma vez que ele é integrado no solo na forma de matéria-orgânica.

A agricultura orgânica apresenta grande potencial para mitigar as mudanças climáticas


decorrentes do aquecimento global considerando sua potencialidade de reduzir a liberação
dos gases de efeito estufa em função da adoção de práticas culturais como incorporação da
biomassa no solo, manutenção da cobertura vegetal do solo nas diferentes estações do ano,
minimização de práticas culturais que desagregam a estrutura dos solos, manutenção de uma
microbiota diversificada capaz de estabilizar a matéria orgânica no solo e menor utilização de
insumos (como fertilizantes e defensivos) – Figuras 1 e 2. Figura 1: Emissões comparativas de
GEEs na agricultura orgânica e convencional em um experimento agrícola de loga duração.
Figura 1: Emissões comparativas de GEEs na agricultura orgânica e convencional em um
experimento agrícola de loga duração

Fonte: Rodale Institute 2019

Figura 2: Indicadores de produtividade, lucratividade, uso de energia e emissão de GEE em um


experimento de 30 anos com soja e milho

Fonte: Rodale Institute 2019

A emergência de sistemas agrícolas adaptados às novas condições climáticas de um mundo em


aquecimento também estão alinhadas com a crescente preocupação dos consumidores em
privilegiar o consumo de alimentos que sejam oriundos de sistemas produtivos capazes de
mitigar os efeitos desse fenômeno. Porém, essa demanda se distribui entre diversos sistemas
de certificação considerados como representantes de sistemas de produção alinhados com
uma agricultura mais resiliente e de baixo nível de emissão de GEE.

A análise da potencialidade de um sistema agrícola gerar menos GEE pode se valer de


múltiplos indicadores como o uso controlado de insumos, a adoção de práticas culturais
mitigatórias, a escolha de um sistema logístico de distribuição mais racional ou mesmo a
compensação da emissão intrínseca de GEE do sistema com a adoção de mecanismos
compensatórios como compra de créditos de carbono ou reflorestamento.

Existe uma crescente gama de metodologias aplicáveis à contabilização de emissão de GEE em


sistemas agrícolas e florestais “convencionais”, utilizando protocolos e modelos baseados, em
grande parte na Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) dos produtos. Essas metodologias são
raramente utilizadas em sistemas produtivos de alimentos certificados como orgânicos o que
gera uma concorrência entre essas certificações e a certificação orgânica no que diz respeito à
percepção dos consumidores sobre o seu efetivo impacto na mitigação de GEE.

Essa assimetria de informação pode ser minimizada com a difusão de sistemas de avaliação
criteriosos para avaliar a emissão de GEE nos diferentes sistemas produtivos que adotam
práticas mitigatórias na emissão de GEE, sejam eles de alimentos certificados orgânicos ou
não, porém, esse processo é complexo (por ser específico a cada contexto edafoclimático e a
cada cultura) e custoso o que pode onerar excessivamente sistemas que já adotaram um
sistema de certificação (como a certificação orgânica).

Assim, a emergência de sistemas de certificação de alimentos convencionais “de baixo


carbono” representam uma ameaça à hegemonia que o sistema de certificação orgânica vinha
até o momento desfrutando como principal representante de um sistema produtivo de
alimentos de baixa emissão de GEE.

Porém, somente o sistema de produção orgânico se baseia em princípios mais amplos de


sustentabilidade ambiental como a preservação da diversidade biológica de ecossistemas
naturais, a busca do incremento da atividade biológica do solo – ambos fatores consequentes
a utilização de espécies vegetais adaptadas às condições edafoclimáticas locais e o controle
biológico de pragas e moléstias. Esses fatores e seus impactos não são considerados em uma
ACV. É fundamental portanto, que o consumidor compreenda que esses fatores são relevantes
e insubstituíveis para a construção de sistemas agrícolas mais diversificados, resilientes e
ambientalmente sustentáveis.

Referência:

RODALE INSTITUTE, The Farming Systems Trial, 2019, 22p. Disponível em:
<https://mk0rodaleinstitydwux.kinstacdn.com/wp-content/uploads/fst-30-year-report.pdf>
Acesso em: 31/07/2019.

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