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A DESCRIÇÃO DO SENTIDO NO FILME A FUGA DAS GALINHAS: UMA

ABORDAGEM SEMIÓTICA

Antonio Luiz Alencar Miranda

1. Introdução

Esta análise tem como objetivo compreender o sentido como um processo gerativo e a
construção da significação, levando-se em conta os elementos constitutivos: sujeito, objeto de
valor, destinador, destinatário, tempo, espaço, buscando identificar o sentido das relações
estabelecidas entre eles, por meio das oposições semânticas, das estruturas narrativas e dos
processos de discursivizações no filme A fuga das galinhas, em inglês, Chicken Run, do
Reino Unido e lançado pela Dreamworks no ano de 2000, com co-produção hollywoodiana,
dirigido por Peter Lord e Nick Parker, roteiro de Karey Kirkpatrick, e do dois diretores,
duração de 84 minutos e considerado do gênero animação e comédia.

O filme é uma metáfora sobre a própria condição humana. Que compreende a luta pela
liberdade, o trabalho em equipe, entre outros. O discurso narrativo trata de um sujeito, Ginger,
e suas amigas, galinhas poedeiras de uma granja em que os sujeitos donos, Sr. e Sra. Tweedy,
são verdadeiros carrascos, para atingirem o lucro alto. As galinhas são obrigadas a botar uma
quantidade mínima de ovos por mês. Aquelas que não conseguem atingir a cota vão parar na
panela. Ginger é uma galinha que não se conforma com sua condição e inventa planos para
fugir do galinheiro com todos os amigos e adquirir a liberdade: seu objeto de valor. A cada
tentativa frustrada, vai para o isolamento. Várias vezes ela foi isolada, mas não se segurava e
insistia nas tentativas de fuga. Finalmente conseguiram.
Construíram uma engenhoca voadora movida a pedal e, assim, voando, ultrapassou as
cercas da granja/da prisão a caminho da liberdade e foram para o mundo exterior,
desconhecido para todos, mas comparado ao que viviam dentro do galinheiro, todas as
fantasias levaram a uma imagem do paraíso.
No cinema, as emoções humanas projetadas em histórias de ação, paixão, guerras,
sonhos, amores, reviravoltas de destinos, mundos imaginários desfilam na tela para o nosso
prazer, por meio de uma linguagem sincrética com imagens, palavras, roupas, cenários,
música, movimento etc., que contribui para a construção do sentido final. Na presente
análise, não serão considerados vestuários, música, cenário, movimento, restringindo o estudo
ao verbal e ao visual.
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2. A semiótica greimasiana.

A análise do filme A fuga das galinhas será voltada para uma abordagem da semiótica
de linha francesa vinculada à teoria da significação proposta por Algirdas Julien Greimas.
Segundo Tatit (2002, p. 187) surgiu:

Inspirando-se numa proposição do linguísta Lucien Tesnière que, com finalidade


didática, associara a estrutura de um enunciado simples à estrutura de um
espetáculo, Greimas muniu-se ainda do sólido modelo de análise do conto
maravilhoso russo, formulado por Vladimir Propp, e, depois de sucessivas
adaptações, lançou sua própria teoria da narrativa, cujos elementos conceituais
demonstram ser possível uma abordagem sintáxica do texto integral.
Para Greimas, o estudo da Semiótica se desenvolve com o objetivo de buscar o sentido
e o seu efeito de sentido dos textos, os mecanismos e procedimentos, as organizações
lingüística e discursiva e as relações com a sociedade e a história. Esse objetivo resulta da
descrição do sentido, que se apresenta, de maneira privilegiada, por meio de um percurso
gerativo de sentidos.
Com isso desenvolveu um método que permite analisar a organização dos discursos,
no plano do conteúdo, a partir do conceito de narratividade. Os estudos levaram a identificar
a existência de formas universais de organização da narrativa no texto. Tais formas se repetem
nos mais diversos textos e são essas estruturas que sustentam a construção dos sentidos e da
significação. Narratividade é uma propriedade que caracteriza certos tipos de discursos e
considerada como o princípio organizador de qualquer discurso. Já o termo narrativa é
utilizado por Greimas para designar o discurso narrativo de caráter figurativo – que comporta
personagens que realizam ações.
A expressão percurso gerativo de sentidos designa a disposição de seus componentes,
uns com relação aos outros. Os componentes que intervêm nesse processo se articulam uns
com os outros de acordo com um ‘percurso’ que vai do mais geral e abstrato, que prevê a
geração do sentido por meio do nível sêmio-narrativo, ao mais complexo e concreto que se
especifica e se concretiza na instância da enunciação, no nível discursivo.
A primeira etapa do percurso gerativo do sentido, a mais abstrata, recebe o nome de
estrutura fundamental de organização do sentido, e nela surge a significação como uma
oposição semântica mínima. No segundo patamar, denominado estrutura narrativa, organiza-
se a narrativa, do ponto de vista de um sujeito. O terceiro e último nível é o da estrutura
discursiva, em que a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação.
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Essa descrição da significação proposta em níveis constitui um modelo de


previsibilidade comum a textos verbais, não-verbais e sincréticos, que pode surgir como
canção, literatura, cinema, pintura, história em quadrinhos etc., passível de análise semiótica.
O objeto da Semiótica é a significação como o resultado da articulação do sentido. A
significação entendida como a transformação e a interpretação dos signos em discurso. Para
Greimas, a significação é a transposição de um nível de linguagem a outra, de uma linguagem
a uma linguagem diferente e o sentido é apenas esta possibilidade de transcodificação (1973).

Podemos considerar, por isso, que o sentido de um texto está em seu plano de
conteúdo. Definido nesse plano, o sentido pode ser estudado em uma teoria semiótica, que
pretende descrever os processos de sua formação, ou seja, a significação.

A análise do texto realizada a seguir considera cada nível separadamente, para dar
uma visão geral de como está concebido o percurso gerativo de sentido e suas etapas, de
acordo com a teoria semiótica de Greimas.

3. O percurso da narrativa no filme “A fuga das galinhas”

3.1 No nível das estruturas fundamentais


No nível das estruturas fundamentais, determina-se a oposição semântica a partir da
qual se constrói o sentido do texto. No caso da investigação no filme A fuga das galinhas, a
história está baseada na categoria semântica fundamental opressão vs. liberdade. Esta
categoria está diretamente relacionada ao objeto de valor do texto para as galinhas, que é a
liberdade. As categorias fundamentais são classificadas por Greimas como positivas ou
eufóricas e negativas ou disfóricas. No filme, a fuga é eufórica e a opressão disfórica.
É a partir da oposição semântica opressão vs liberdade que se constrói o sentido do
texto e que se manifesta de diversas formas esclarecendo o conteúdo geral no filme. A
opressão é entendida como disfórica - repulsiva, negativa e liberdade como eufórica -
atraente e positiva. Trata-se, pois, de um filme euforizante, porque segue o percurso opressão
→ não opressão → liberdade. No plano fórico: disforia → não disforia → euforia. No plano
tensivo: tensão → distensão → relaxamento.
O filme é composto de 24 partes. Da primeira à vigésima segunda prevalece a disforia,
no final da vigésima segunda para a vigésima terceira instaura-se definitivamente a euforia.
A primeira parte do filme retrata claramente a disforia, em que os sujeitos, as galinhas
vivem momentos angustiantes de tensão. Logo no início da cena observamos cadeados, um
cão de guarda e grades por todo o galinheiro ao mesmo tempo em que algumas galinhas,
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lideradas pela galinha Gingel, fazem a primeira tentativa de fuga, não acaba bem, e a líder vai
para a caixa de carvão (solitária). O Sr. Tweedy diz: “Nenhuma galinha foge da granja dos
Tweedy”, caracterizando a opressão nessa cena até o momento da fuga ao final do filme.
A tensão, no plano disfórico, é presente em quase todo o percurso: na elaboração dos
planos; nas sete tentativas de fuga; na contagem de ovos, pela Sra. Tweedy; na conferência
do galinheiro, pelo Sr. Tweedy; na tentativa de acordos com Rockey, o suposto galo voador;
na chegada das máquinas para fabricação das tortas; Ginger e Rockey dentro das máquinas de
fazer tortas; na descoberta da fuga de Rockey e do cartaz que prova que ele não sabe voar;
confusão e brigas entre as próprias galinhas e o galo Fowler etc.
A distensão acontece em alguns momentos de não-disforia, mas que não podem ser
considerados como relaxamento: após a elaboração dos planos, tempo em que as galinhas
acreditam que podem alcançar a liberdade; no momento de contar histórias e da festa
preparada pelo galo Rockey.
O relaxamento, no plano eufórico, acontece quando, as galinhas livres dos patrões e na
engenhoca conseguem ultrapassar as cercas do galinheiro e voar na busca de um lugar livre da
opressão e do trabalho forçado. Isso ocorre após o momento de maior tensão, a luta de Ginger
com a Sra. Tweedy, presas nos fios do pisca-pisca, quando a Sra. Tweedy, na tentativa de
decapitar a Ginger corta os fios que a prende à engenhoca.
A euforia no filme pode ser entendida como o processo que vai do tenso ao distenso e
terminado no relaxamento, constituindo-se, portanto, numa tensão decrescente e num
relaxamento crescente.
Essa relação pode ser representada no quadrado semiótico, cuja proposta é dar conta
da ordem dos universos semânticos em seu conjunto. O quadrado semiótico é considerado por
Greimas como ponto de partida do processo gerativo de sentido. Trata-se de uma
representação visual da articulação lógica de uma categoria semântica.
O quadrado semiótico do filme A fuga das galinhas pode ser organizado da seguinte
forma:
opressão ------------------ liberdade
disforia euforia
tensão relaxamento
não-liberdade - - - - - - - - - - - - - - - - - - não- opressão
não-euforia não-disforia
retenção distensão
- - - - - - - - termos contrários
operação de negação
operação de afirmação
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O percurso narrativo, sob a perspectiva do sujeito galinha, mostra que a liberdade é


atraente e a dominação repulsiva. Isso é comprovado desde ao início do filme, porque o
sujeito galinha tinha esperança de que o esforço valeria a pena, e que seria recompensado com
a liberdade. Sob esse olhar, a liberdade era o objeto de valor a ser conquistado e, assim, as
galinhas poderiam ser livre e viver sem opressão.
Por outro lado, para o patrão a liberdade era repulsiva, e a opressão, atraente, uma vez
que se perdessem as galinhas, ficaria no prejuízo. Por essa razão, podemos dizer que o sujeito
patrão opera a transformação que põe o sujeito galinha em situação de opressão. Ao final do
filme, o sujeito galinha realiza a transformação que o coloca em estado de liberdade, cujo
valor é modalizado pelo querer.

3.2 No nível das estruturas narrativas

Na estrutura narrativa, a organização é dada sobre os sememas e é chamada por


Greimas de modelo actancial. A organização actancial é formada por actantes que, conforme
Greimas, são concebidos como aqueles que realizam ou sofrem o ato, independentemente de
qualquer outra realização.

Os actantes são os seres do discurso, e todo o discurso de desenvolve em cima de


sujeitos (patrão e galinhas) e objetos (opressão, lucro alto e liberdade, fuga). A relação entre
estes dois elementos (sujeito e objeto) é de disjunção ou conjunção. Essa confrontação ocorre
porque existe um objeto a ser disputado. A partir do momento em que este objeto é desejado o
mesmo passa a ter um determinado valor, passando a ser um objeto de valor para os sujeitos
envolvidos.
Há duas relações de transitividade ou funções transitivas entre os actantes sujeito e
objeto, que são a junção e a transformação e, portanto, duas formas de enunciado elementar,
que, no texto, estabelecem a distinção entre estado e transformação: enunciado de estado é o
que estabelece um estado de junção - conjunção, que é desejável, bom e outro de disjunção,
que é indesejável, ruim. “Ele arrumou um emprego”, há uma relação de conjunção, indicada
pelo verbo arrumar, entre o sujeito ‘ele’ e um objeto ‘emprego’ e enunciado de fazer é o que
mostra a transformação, o que corresponde à passagem de um enunciado a outro. “Ele perdeu
o emprego”, há uma transformação de um estado inicial ‘empregado’ para um estado final
‘desempregado’.
Todo texto se organiza em torno da noção do sujeito que busca um objeto de valor,
sendo prejudicado por um oponente que constrói obstáculos com o propósito de impedir que o
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sujeito entre em conjunção com o objeto desejado, ou seja, que o sujeito não consiga realizar
o seu percurso.
No filme, o percurso narrativo se estrutura com a transformação realizada por um
sujeito galinha em busca de um objeto de valor, com o qual se relaciona: a fuga, a liberdade.
Percebemos que houve a passagem do estado de conjunção (o patrão era dono das
galinhas) para o estado de disjunção (as galinhas obtiveram a liberdade, deixando o patrão em
prejuízo). Para as galinhas aconteceu o inverso, a passagem do estado de disjunção com a
liberdade para o de conjunção, com esse objeto de valor.
O percurso narrativo no filme foi dividido em 4 PNs (abreviatura para Programa
Narrativo), sendo que o último PN consiste na fuga bem sucedida de todos que estavam
cerceados de liberdade.
Os PNs foram numerados em ordem cronológica, seguindo fielmente a tradução em
português. Cada PN recebeu explicações necessárias para o entendimento da cena. A função
transitiva de junção está entre parênteses e em seguida a função transitiva de transformação.
O programa narrativo ou sintagma elementar da sintaxe narrativa define-se como um
enunciado do fazer que rege um enunciado de estado. Integra, portanto, estados e
transformações. O estudo a seguir contempla esses elementos da narrativa, identificando as
transformações operadas pelos sujeitos em relação ao objeto de valor que é a fuga para
alcançar a liberdade durante todo o percurso narrativo.
Por existirem diferentes tipos de programas narrativos, segundo diversos critérios, os
PNs que serão estudados neste trabalho estarão divididos quanto à natureza da função e à
relação entre os actantes narrativos (sujeitos de estado e sujeito do fazer).
Segundo Barros (2000, p. 21), quanto à natureza da função, se a transformação resulta
em conjunção do sujeito com o objeto, tem-se um programa de aquisição de objeto de valor;
se terminar em disjunção, fala-se em programa de privação. E complementa, na relação entre
os actantes narrativos e os atores que se manifestam no discurso, quando o PN tem atores
diferentes para os dois sujeitos do fazer (S¹) e de estado (S²) é chamado de transitivo e quando
o ator é o mesmo para os dois sujeitos é chamado de reflexiva.
Os programas narrativos, quanto à natureza da função, estão assim explicitados:
PN = F [ S¹ → (S² ∩ Ov) ]
Sendo que F representa a função, → refere-se à transformação, S¹ é sujeito do fazer, S²
é sujeito de estado, ∩ simboliza conjunção e Ov representa o objeto de valor.
PN 1: o patrão, de forma opressora, exige das galinhas uma cota de ovos por mês e
depois visa a alcançar o máximo de lucro, engordando as galinhas para transformá-las em
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canja (o sujeito patrão está em conjunção com o objeto de valor) - o sujeito do fazer é o
patrão; a transformação é dominar as galinhas e conseguir atingir muito lucro.
F (dar lucro) [ S¹ (patrão) → (S² (galinha) ∩ Ov (opressão, lucro alto)) ]
PN 2: as galinhas planejam várias vezes fugir do galinheiro, para se livrar da opressão
(as galinhas estão em disjunção com seu objeto de valor) - o sujeito do fazer são as galinhas; a
transformação é viver livre da opressão do patrão.
F (fugir da granja) [ S¹ (galinha) → (S² (galinha) ∩ Ov (fugir, a liberdade)) ]
PN 3: o patrão perde todas as galinhas com a fuga (o sujeito patrão está em disjunção
com o objeto de valor) - o sujeito do fazer é o patrão; a transformação é conseguir prender as
galinhas.
F (prender as galinhas) [ S¹ (patrão) → (S² (galinha) ∩ Ov (dominação, lucro alto)) ]
PN 4: as galinhas conseguem fugir do galinheiro e encontrar um lugar para viverem
livres da opressão do patrão. (as galinhas estão em conjunção com seu objeto de valor) - o
sujeito do fazer são as galinhas; a transformação é a conquista da liberdade.
F (fugir da granja) [ S¹ (galinha) → (S² (galinha) ∩ Ov (fugir, a liberdade)) ]
Combinando os critérios acima (aquisição vs privação) e (transitiva vs reflexiva),
poderemos obter os resultados seguintes, segundo a orientação da Barros (2000).
Quanto à natureza da função, PN 1 e PN 4 são chamados de aquisição e PN 2 e PN 3
são chamado de privação; quanto à relação entre os actantes narrativos e os atores que se
manifestam no discurso, PN 1 e PN 3 são chamados transitiva e PN 2 e PN 4 são chamados
reflexiva.
Nessa combinação, podemos observar, como em PN 4, quando o sujeito galinhas
adquire o objeto de valor: a liberdade é porque o outro, o sujeito patrão foi dela privado.
O sujeito e o objeto, porém, não são os únicos a fazer parte da estrutura narrativa. Há
ainda o destinador e o destinatário, que formam o segundo par de actantes. Estes também
estão interligados pelo objeto de desejo. Destinador é aquele actante que faz fazer, diferente
do sujeito que tem a ação de fazer ser. Diferentes relações se estabelecem: entre o destinador
e o destinatário - uma relação de implicação. Entre o sujeito e o objeto - uma relação de
projeção. O destinador e o destinatário são actantes estáveis e permanentes no processo
narrativo, independentemente dos papéis de actantes da comunicação suscetíveis de assumir.
O processo de manipulação só é possível quando o destinador e o destinatário
partilham dos mesmos valores, nem por isso se estabelece uma relação de igualdade, mas de
superior para inferior, submetendo o destinatário por meio do poder ou do saber.
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O manipulador pode exercer seu fazer persuasivo apoiando-se na modalidade do


poder: na dimensão pragmática, ele proporá então ao manipulado objetos positivos (valores
culturais) ou negativos (ameaças). Em outros casos, ele persuadirá o destinatário graças ao
saber. O manipulador age sobre o outro para fazer-fazer algo de seu interesse. Para isso, ele
exerce sua persuasão com intuito de que o sujeito se convença do caráter de verdade, de
valores que estabelecem e que se consolidam na forma de um contrato.
A conclusão da manipulação se dá pela verificação do cumprimento do contrato pelo
destinador-julgador. Nessa operação, o julgador confere a veridicção dos resultados do fazer
do sujeito, avaliando se é verdadeiro (que parece e é), falso (que não parece e não é),
mentiroso (que parece, mas não é) ou secretos (que é e não parece).
Para que ocorra a manipulação, o destinador joga com os recursos persuasivos. Barros
(2000) classifica quatro formas de manipulação: a sedução, a provocação, a intimidação e a
tentação.
A manipulação por sedução: o manipulador faz manifestando um juízo positivo sobre
a competência do manipulado; a manipulação por provocação: o manipulador exprimi um
juízo negativo a respeito da competência do manipulado; a manipulação por intimidação: o
manipulador faz por meio de ameaças; a manipulação por tentação: o manipulador propõe
uma recompensa.
A manipulação é percebida em todo o percurso narrativo, mas citaremos apenas
algumas passagens para ilustrar o esquema narrativo.
1- Por parte do patrão manipulação por intimidação, quando o granjeiro apanha
Ginger e as galinhas tentando fugir. As galinhas tentam romper o contrato com os patrões. A
realização da ação pressupunha que o sujeito galinha era competente para realizá-la, queria
e/ou devia botar ovos, sabia e podia fazer. Essa competência é adquirida por meio de contrato
com os patrões. A não-realização da ação indica que o sujeito galinha não era competente
para a ação de botar ovos.
• O Sr. Tweedy diz: “Vou lhe ensinar a não me fazer de bobo”, “Que isto sirva de lição
para todas”, “Nenhuma galinha foge da granja dos Tweedy”.
Com o Sr. Tweedy destinador-julgador, a sanção negativa acontece logo nas quatro
primeiras tentativas de fuga, ao colocar a galinha líder, Ginger, na caixa de carvão (solitária).
2 - Por parte da líder, Ginger, manipulação por tentação ocorre em várias cenas
consecutivas, realizadas pela galinha Ginger, que estabelece um contrato para que as outras
galinhas executem com ela os planos de fuga. A ação ocorre desde o início do filme com a
organização das galinhas e as tentativas de execução dos vários planos de fuga. A galinha
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Ginger é o sujeito destinador-manipulador, mas participa da ação operando como destinatário


junto com as galinhas, para conseguirem a transformação e atingir o objeto de valor. Para a
Ginger, destinador-julgador, a sanção sempre foi positiva para que todas as galinhas
pudessem conseguir o objeto de valor, a liberdade.
O percurso da manipulação, na terceira parte do filme:
• Ginger disse: “Temos que sair daqui”.
• Mac perguntou: “e ainda vamos fugir?”
• Ginger respondeu: “Claro que sim”
Na sexta parte do filme:
• Ginger pergunta: “E a Edwina?”, “quantos ninhos vazios, vamos esperar?”.
• Ginger continua: “Botar ovos a vida toda, depois ser degolada e assada é bom?”.
• Bods diz: “É um meio de vida!”.
• Ginger continua: “Sabe qual é o problema?”, “As cercas não cercam só a granja”,
“Estão aqui, nas nossas cabeças”. “Há um lugar lá fora”, “Um lugar além da colina”,
“Há espaços abertos e muitas árvores”, “É grama”, “Vocês podem imaginar isso!”.
3 - Por parte da patroa, manipulação por intimidação, quando a Sra Tweedy
semanalmente faz a contagem dos ovos, uma vez que a galinha teria no contrato de pôr uma
quantidade estabelecida, senão romperia o contrato. A ação rotineira era de botar ovos e se a
ação não se realizasse, como aconteceu com a galinha Edwina, a sanção negativa seria a
morte (a panela).
• “E a contagem de ovos?” Disse Ginger.
• Reponde Banty: “eu botei cinco ovos hoje! Fiquei muito feliz por isso”.
• A Ginger pergunta: “Por que não lhe (Edwina) deu uns dos seus?”
• Banty respondeu: “Eu daria”, “Ela não me contou”, “Não contou para ninguém”.
4 - Manipulação por tentação, quando Ginger propõe um contrato aos ratos, para eles
conseguirem as ferramentas necessárias para montarem a engenhoca, em troca ofereceram os
ovos.
• Ginger: “Um ovo para cada item da lista”, “Um pagamento adiantado”.
• Os ratos concordaram: “Certo, quando começamos”.
5 - Manipulação por tentação, quando a patroa tira a medida da galinha Bads e ordena
ao granjeiro dobrar a quantidade de ração diária, além de trocá-la pela preferida delas. Houve
uma mudança de contrato por parte do sujeito patrão ao desejar engordar as galinhas e não
mais vender ovos, com a intenção de fabricar tortas de galinha.
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• Sra. Tweedy disse: “dobre as rações delas”, “Quero-as gordas como esta”.
No percurso da ação, podemos observar a intervenção da Ginger negando o contrato
estabelecido pelo sujeito patrão ao colocar muita ração com o objetivo de engordá-las.
• Ginger interrompe as galinhas: “Tem alguma coisa errada aqui, não estão vendo”,
“coisas estranhas chegam ao celeiro”, “Bads pára de botar ovos, mas não a matam”,
“Agora, comida demais”, “Estamos engordando, vão matar todas nós”.
6 - Por parte de Ginger ao galo Rockey Rholes manipulação por intimidação,
estabelece com ele um contrato, quando ameaça entregá-lo ao circo, caso ele não a ensinasse a
voar. Na ação, o destinatário aceitou o contrato e tentou cumprir, foram os dias de exercícios
e tentativas de levantar vôo. A sanção foi negativa, o destinador Ginger reconhece que o galo
Rockey não cumpriu o contrato e fugiu.
• Ginger disse: “Mostre como voar”, ”Nos ensine a voar que nós o escondemos”.
• Rockey interrompeu: “E se não ensinar?”.
• Ginger propõe o contrato: “Vamos fazer um trato”.
• Rockey aceita: “Faça a sua parte, gracinha”.
• Ginger o escondeu e disse: “Cumprimos a nossa parte no trato, amanhã você cumpre a
sua”.
3.3 No nível da estrutura discursiva

A estrutura discursiva está identificada ao nível mais superficial. Pode ser examinada
do ponto de vista das relações que se instauram entre a instância da enunciação, responsável
pela produção, comunicação do discurso e o texto-enunciado.

É nesse nível que aparecem os três subcomponentes da discursivização: a


actorialização, a temporalização e a espacialização, os quais, enquanto procedimentos,
permitem investir sujeito, objeto, destinador e destinatário, ou seja, os actantes no discurso, e
produzem um quadro ao mesmo tempo temporal e espacial, onde se inscrevem os programas
narrativos provenientes das estruturas semióticas ou narrativas. Como acrescenta Barros
(2000, p. 53):

As estruturas narrativas convertem-se em estruturas discursivas quando assumidas


pelo sujeito da enunciação. O sujeito de enunciação faz uma série de ‘escolhas’, de
pessoa, de tempo, de espaço, de figuras e ‘conta’ ou passa a narrativa,
transformando-a em discurso.
Quando o enunciador provoca um efeito de sentido de aproximação é chamado de
desembreagem enunciativa, à medida que se manifesta em primeira pessoa eu, no tempo
presente agora e espaço aqui. Quando o enunciador provoca um efeito de distanciamento do
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seu lugar enunciativo é chamado de desembreagem enunciva, com o emprego da terceira


pessoa ele, do tempo então e do espaço lá.

Estes procedimentos de discursivização estão ligados diretamente à instância da


enunciação, que serve de lugar à geração do discurso. Por isso a análise do discurso, neste
trabalho, pretende reconhecer seqüências discursivas em que apareçam esses procedimentos e
os seus diversos efeitos de sentido produzidos, o que compõe o enunciado-discurso que vem a
formar uma totalidade.
No filme A fuga das galinhas, o enunciador, ao utilizar as categorias de pessoa, tempo
e espaço do discurso, provoca um efeito de sentido de aproximação, que predomina em todo o
percurso discursivo, por meio dos dispositivos de desembreagem enunciativa, pois com a voz
do ator produz no discurso um efeito de realidade ou de referente, reconstruindo o espetáculo.
Na categoria de pessoa: vou, lhe, me, temos, eu botei, fique, o discurso se apresenta em
primeira pessoa do singular e do plural, marcado pelo eu ou pelo nós de forma explícita ou
implícita, como: O Sr. Tweedy diz: “Vou lhe ensinar a não me fazer de bobo”; Ginger disse:
“Temos que sair daqui”; Reponde Banty: “Eu botei cinco ovos hoje! Fiquei muito feliz por
isso”.
Na categoria de tempo, agora, a narrativa acontece no presente, num espaço “real”,
aqui da granja, criando o efeito de aproximação e de realidade, como nos exemplos: Ginger
interrompe as galinhas: “Tem alguma coisa errada aqui, não estão vendo”, “Agora, comida
demais”.
O enunciador se utiliza também dos subcomponentes da discursivização para provocar
um efeito de sentido de distanciamento do discurso e, por conseguinte, de objetividade e de
neutralidade, ele se apresenta por meio dos dispositivos de desembreagem enunciva, como:
Ginger continua: “Há um lugar lá fora”, “Um lugar além da colina”; Rowler fala: “Continuem
pedalando, ainda não chegamos lá”, Mac perguntou: “e ainda vamos fugir?”. A categoria de
espaço: lá, além da colina, lá figurativizado como o paraíso, lugar desejado e de tempo:
ainda, ainda.

Na categoria de tempo, ocorre efeito de sentido com as duas desembreagem, no


exemplo: Ginger disse: “Fowler você tem que pilotar”, “Você está sempre falando do seu
tempo”, “Seu tempo é agora”. O tempo que caracteriza melhor a passagem do seu tempo é
tempo distante e, portanto, um distanciamento do discurso; na passagem seu tempo é agora
provoca uma aproximação do discurso.
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Percebemos no filme um discurso temático-figurativo, com temas de dominação,


exploração do animal ou homem pelo próprio homem; da organização social, uma líder em
busca de direitos para todos; da divisão do trabalho entre homens e mulheres; político do
sistema carcerário, da opressão política no período do nazismo, obediência ao sinal de
chamada e organização de apresentação dos presos, a enumeração das selas, entre outros.

4. Conclusão
A descrição a que nos propusemos realizar, no percurso gerativo do filme A fuga das
galinhas, possibilitou identificar o sentido das relações estabelecidas nas oposições
semânticas, nas estruturas narrativas e nos processos de discursivizações, mostrando a
construção da significação nos três níveis de organização de sentidos, no plano do conteúdo.
Assim, a leitura semiótica desse filme possibilitou compreender que o sujeito-galinha
reage em todas as situações de privação e opressão para conseguir a fuga e, com isso, alcançar
o objeto de valor que é a liberdade, numa demonstração de como é possível vencer os
empecilhos e realizar os sonhos.

Referências
BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 2000.

CHICKEN Run. Direção de Peter Lord e Nick Parker. Reino Unido/EUA. Dreamworks.
2000, 84 m, cor, som, Disponível em vídeo e DVD.

GREIMAS, A. J. Semântica estrutural. São Paulo, Cultrix, 1973.


_____ & COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Ática (s/d)

TATIT, L. Abordagem do texto. In: FIORIN, José Luiz. Introdução à lingüística. I. Objetos
teóricos. São Paulo: contexto, 2002.

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