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A Descrição Do Sentido No Filme A Fuga Das Galinhas Uma Abordagem Semiótica
A Descrição Do Sentido No Filme A Fuga Das Galinhas Uma Abordagem Semiótica
ABORDAGEM SEMIÓTICA
1. Introdução
Esta análise tem como objetivo compreender o sentido como um processo gerativo e a
construção da significação, levando-se em conta os elementos constitutivos: sujeito, objeto de
valor, destinador, destinatário, tempo, espaço, buscando identificar o sentido das relações
estabelecidas entre eles, por meio das oposições semânticas, das estruturas narrativas e dos
processos de discursivizações no filme A fuga das galinhas, em inglês, Chicken Run, do
Reino Unido e lançado pela Dreamworks no ano de 2000, com co-produção hollywoodiana,
dirigido por Peter Lord e Nick Parker, roteiro de Karey Kirkpatrick, e do dois diretores,
duração de 84 minutos e considerado do gênero animação e comédia.
O filme é uma metáfora sobre a própria condição humana. Que compreende a luta pela
liberdade, o trabalho em equipe, entre outros. O discurso narrativo trata de um sujeito, Ginger,
e suas amigas, galinhas poedeiras de uma granja em que os sujeitos donos, Sr. e Sra. Tweedy,
são verdadeiros carrascos, para atingirem o lucro alto. As galinhas são obrigadas a botar uma
quantidade mínima de ovos por mês. Aquelas que não conseguem atingir a cota vão parar na
panela. Ginger é uma galinha que não se conforma com sua condição e inventa planos para
fugir do galinheiro com todos os amigos e adquirir a liberdade: seu objeto de valor. A cada
tentativa frustrada, vai para o isolamento. Várias vezes ela foi isolada, mas não se segurava e
insistia nas tentativas de fuga. Finalmente conseguiram.
Construíram uma engenhoca voadora movida a pedal e, assim, voando, ultrapassou as
cercas da granja/da prisão a caminho da liberdade e foram para o mundo exterior,
desconhecido para todos, mas comparado ao que viviam dentro do galinheiro, todas as
fantasias levaram a uma imagem do paraíso.
No cinema, as emoções humanas projetadas em histórias de ação, paixão, guerras,
sonhos, amores, reviravoltas de destinos, mundos imaginários desfilam na tela para o nosso
prazer, por meio de uma linguagem sincrética com imagens, palavras, roupas, cenários,
música, movimento etc., que contribui para a construção do sentido final. Na presente
análise, não serão considerados vestuários, música, cenário, movimento, restringindo o estudo
ao verbal e ao visual.
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2. A semiótica greimasiana.
A análise do filme A fuga das galinhas será voltada para uma abordagem da semiótica
de linha francesa vinculada à teoria da significação proposta por Algirdas Julien Greimas.
Segundo Tatit (2002, p. 187) surgiu:
Podemos considerar, por isso, que o sentido de um texto está em seu plano de
conteúdo. Definido nesse plano, o sentido pode ser estudado em uma teoria semiótica, que
pretende descrever os processos de sua formação, ou seja, a significação.
A análise do texto realizada a seguir considera cada nível separadamente, para dar
uma visão geral de como está concebido o percurso gerativo de sentido e suas etapas, de
acordo com a teoria semiótica de Greimas.
lideradas pela galinha Gingel, fazem a primeira tentativa de fuga, não acaba bem, e a líder vai
para a caixa de carvão (solitária). O Sr. Tweedy diz: “Nenhuma galinha foge da granja dos
Tweedy”, caracterizando a opressão nessa cena até o momento da fuga ao final do filme.
A tensão, no plano disfórico, é presente em quase todo o percurso: na elaboração dos
planos; nas sete tentativas de fuga; na contagem de ovos, pela Sra. Tweedy; na conferência
do galinheiro, pelo Sr. Tweedy; na tentativa de acordos com Rockey, o suposto galo voador;
na chegada das máquinas para fabricação das tortas; Ginger e Rockey dentro das máquinas de
fazer tortas; na descoberta da fuga de Rockey e do cartaz que prova que ele não sabe voar;
confusão e brigas entre as próprias galinhas e o galo Fowler etc.
A distensão acontece em alguns momentos de não-disforia, mas que não podem ser
considerados como relaxamento: após a elaboração dos planos, tempo em que as galinhas
acreditam que podem alcançar a liberdade; no momento de contar histórias e da festa
preparada pelo galo Rockey.
O relaxamento, no plano eufórico, acontece quando, as galinhas livres dos patrões e na
engenhoca conseguem ultrapassar as cercas do galinheiro e voar na busca de um lugar livre da
opressão e do trabalho forçado. Isso ocorre após o momento de maior tensão, a luta de Ginger
com a Sra. Tweedy, presas nos fios do pisca-pisca, quando a Sra. Tweedy, na tentativa de
decapitar a Ginger corta os fios que a prende à engenhoca.
A euforia no filme pode ser entendida como o processo que vai do tenso ao distenso e
terminado no relaxamento, constituindo-se, portanto, numa tensão decrescente e num
relaxamento crescente.
Essa relação pode ser representada no quadrado semiótico, cuja proposta é dar conta
da ordem dos universos semânticos em seu conjunto. O quadrado semiótico é considerado por
Greimas como ponto de partida do processo gerativo de sentido. Trata-se de uma
representação visual da articulação lógica de uma categoria semântica.
O quadrado semiótico do filme A fuga das galinhas pode ser organizado da seguinte
forma:
opressão ------------------ liberdade
disforia euforia
tensão relaxamento
não-liberdade - - - - - - - - - - - - - - - - - - não- opressão
não-euforia não-disforia
retenção distensão
- - - - - - - - termos contrários
operação de negação
operação de afirmação
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sujeito entre em conjunção com o objeto desejado, ou seja, que o sujeito não consiga realizar
o seu percurso.
No filme, o percurso narrativo se estrutura com a transformação realizada por um
sujeito galinha em busca de um objeto de valor, com o qual se relaciona: a fuga, a liberdade.
Percebemos que houve a passagem do estado de conjunção (o patrão era dono das
galinhas) para o estado de disjunção (as galinhas obtiveram a liberdade, deixando o patrão em
prejuízo). Para as galinhas aconteceu o inverso, a passagem do estado de disjunção com a
liberdade para o de conjunção, com esse objeto de valor.
O percurso narrativo no filme foi dividido em 4 PNs (abreviatura para Programa
Narrativo), sendo que o último PN consiste na fuga bem sucedida de todos que estavam
cerceados de liberdade.
Os PNs foram numerados em ordem cronológica, seguindo fielmente a tradução em
português. Cada PN recebeu explicações necessárias para o entendimento da cena. A função
transitiva de junção está entre parênteses e em seguida a função transitiva de transformação.
O programa narrativo ou sintagma elementar da sintaxe narrativa define-se como um
enunciado do fazer que rege um enunciado de estado. Integra, portanto, estados e
transformações. O estudo a seguir contempla esses elementos da narrativa, identificando as
transformações operadas pelos sujeitos em relação ao objeto de valor que é a fuga para
alcançar a liberdade durante todo o percurso narrativo.
Por existirem diferentes tipos de programas narrativos, segundo diversos critérios, os
PNs que serão estudados neste trabalho estarão divididos quanto à natureza da função e à
relação entre os actantes narrativos (sujeitos de estado e sujeito do fazer).
Segundo Barros (2000, p. 21), quanto à natureza da função, se a transformação resulta
em conjunção do sujeito com o objeto, tem-se um programa de aquisição de objeto de valor;
se terminar em disjunção, fala-se em programa de privação. E complementa, na relação entre
os actantes narrativos e os atores que se manifestam no discurso, quando o PN tem atores
diferentes para os dois sujeitos do fazer (S¹) e de estado (S²) é chamado de transitivo e quando
o ator é o mesmo para os dois sujeitos é chamado de reflexiva.
Os programas narrativos, quanto à natureza da função, estão assim explicitados:
PN = F [ S¹ → (S² ∩ Ov) ]
Sendo que F representa a função, → refere-se à transformação, S¹ é sujeito do fazer, S²
é sujeito de estado, ∩ simboliza conjunção e Ov representa o objeto de valor.
PN 1: o patrão, de forma opressora, exige das galinhas uma cota de ovos por mês e
depois visa a alcançar o máximo de lucro, engordando as galinhas para transformá-las em
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canja (o sujeito patrão está em conjunção com o objeto de valor) - o sujeito do fazer é o
patrão; a transformação é dominar as galinhas e conseguir atingir muito lucro.
F (dar lucro) [ S¹ (patrão) → (S² (galinha) ∩ Ov (opressão, lucro alto)) ]
PN 2: as galinhas planejam várias vezes fugir do galinheiro, para se livrar da opressão
(as galinhas estão em disjunção com seu objeto de valor) - o sujeito do fazer são as galinhas; a
transformação é viver livre da opressão do patrão.
F (fugir da granja) [ S¹ (galinha) → (S² (galinha) ∩ Ov (fugir, a liberdade)) ]
PN 3: o patrão perde todas as galinhas com a fuga (o sujeito patrão está em disjunção
com o objeto de valor) - o sujeito do fazer é o patrão; a transformação é conseguir prender as
galinhas.
F (prender as galinhas) [ S¹ (patrão) → (S² (galinha) ∩ Ov (dominação, lucro alto)) ]
PN 4: as galinhas conseguem fugir do galinheiro e encontrar um lugar para viverem
livres da opressão do patrão. (as galinhas estão em conjunção com seu objeto de valor) - o
sujeito do fazer são as galinhas; a transformação é a conquista da liberdade.
F (fugir da granja) [ S¹ (galinha) → (S² (galinha) ∩ Ov (fugir, a liberdade)) ]
Combinando os critérios acima (aquisição vs privação) e (transitiva vs reflexiva),
poderemos obter os resultados seguintes, segundo a orientação da Barros (2000).
Quanto à natureza da função, PN 1 e PN 4 são chamados de aquisição e PN 2 e PN 3
são chamado de privação; quanto à relação entre os actantes narrativos e os atores que se
manifestam no discurso, PN 1 e PN 3 são chamados transitiva e PN 2 e PN 4 são chamados
reflexiva.
Nessa combinação, podemos observar, como em PN 4, quando o sujeito galinhas
adquire o objeto de valor: a liberdade é porque o outro, o sujeito patrão foi dela privado.
O sujeito e o objeto, porém, não são os únicos a fazer parte da estrutura narrativa. Há
ainda o destinador e o destinatário, que formam o segundo par de actantes. Estes também
estão interligados pelo objeto de desejo. Destinador é aquele actante que faz fazer, diferente
do sujeito que tem a ação de fazer ser. Diferentes relações se estabelecem: entre o destinador
e o destinatário - uma relação de implicação. Entre o sujeito e o objeto - uma relação de
projeção. O destinador e o destinatário são actantes estáveis e permanentes no processo
narrativo, independentemente dos papéis de actantes da comunicação suscetíveis de assumir.
O processo de manipulação só é possível quando o destinador e o destinatário
partilham dos mesmos valores, nem por isso se estabelece uma relação de igualdade, mas de
superior para inferior, submetendo o destinatário por meio do poder ou do saber.
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• Sra. Tweedy disse: “dobre as rações delas”, “Quero-as gordas como esta”.
No percurso da ação, podemos observar a intervenção da Ginger negando o contrato
estabelecido pelo sujeito patrão ao colocar muita ração com o objetivo de engordá-las.
• Ginger interrompe as galinhas: “Tem alguma coisa errada aqui, não estão vendo”,
“coisas estranhas chegam ao celeiro”, “Bads pára de botar ovos, mas não a matam”,
“Agora, comida demais”, “Estamos engordando, vão matar todas nós”.
6 - Por parte de Ginger ao galo Rockey Rholes manipulação por intimidação,
estabelece com ele um contrato, quando ameaça entregá-lo ao circo, caso ele não a ensinasse a
voar. Na ação, o destinatário aceitou o contrato e tentou cumprir, foram os dias de exercícios
e tentativas de levantar vôo. A sanção foi negativa, o destinador Ginger reconhece que o galo
Rockey não cumpriu o contrato e fugiu.
• Ginger disse: “Mostre como voar”, ”Nos ensine a voar que nós o escondemos”.
• Rockey interrompeu: “E se não ensinar?”.
• Ginger propõe o contrato: “Vamos fazer um trato”.
• Rockey aceita: “Faça a sua parte, gracinha”.
• Ginger o escondeu e disse: “Cumprimos a nossa parte no trato, amanhã você cumpre a
sua”.
3.3 No nível da estrutura discursiva
A estrutura discursiva está identificada ao nível mais superficial. Pode ser examinada
do ponto de vista das relações que se instauram entre a instância da enunciação, responsável
pela produção, comunicação do discurso e o texto-enunciado.
4. Conclusão
A descrição a que nos propusemos realizar, no percurso gerativo do filme A fuga das
galinhas, possibilitou identificar o sentido das relações estabelecidas nas oposições
semânticas, nas estruturas narrativas e nos processos de discursivizações, mostrando a
construção da significação nos três níveis de organização de sentidos, no plano do conteúdo.
Assim, a leitura semiótica desse filme possibilitou compreender que o sujeito-galinha
reage em todas as situações de privação e opressão para conseguir a fuga e, com isso, alcançar
o objeto de valor que é a liberdade, numa demonstração de como é possível vencer os
empecilhos e realizar os sonhos.
Referências
BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 2000.
CHICKEN Run. Direção de Peter Lord e Nick Parker. Reino Unido/EUA. Dreamworks.
2000, 84 m, cor, som, Disponível em vídeo e DVD.
TATIT, L. Abordagem do texto. In: FIORIN, José Luiz. Introdução à lingüística. I. Objetos
teóricos. São Paulo: contexto, 2002.