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Universidade

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OLOGIA SOCIAL
307
TÁBUA DE MATÉRIAS

SOLIDÃO

Introdução

O que é a solidão?
Definir a solidão
Formas de solidão
O que se sente quando se está só

Abordagens teóricas da solidão

Abordagens teóricas
Síntese comparativa

Avaliação da solidão

Desenvolvimento da escala de solidão da UCLA


Adaptação portuguesa da escala de solidão da UCLA

Quem são as pessoas sós?

Idade

Sexo

Estado civil

Outras características

Fontes de solidão

Influências situacionais

Características pessoais
Atribuições causais da solidão

Confronto com a solidão

O que fazem as pessoas quando sentem a solidão


Como ajudar as pessoas a sentirem-se menos sós

=
Variações interculturais

Aplicações: Quebrar os muros do isolamento social

Sumário

Para ir mais longe

Actividades propostas

310
Objectivos

* Definir solidão;

* Distinguir diferentes formas de solidão;

* Identificar algumas das principais abordagens teóricas da solidão;

* Assinalar abordagens conceptuais para avaliar a solidão;

* Delinear uma cartografia social das pessoas sós;

* Identificar as causas da solidão;

* Examinar estratégias de confronto com a solidão;

e Referir efeitos interculturais na solidão.

311
1. Introdução
Ai do Lusíada, coitado,
Que vem de tão longe, coberto de pó,
Que não ama, nem é amado,
Lúgubre Outono, no mês de Abril!
Que triste foi o seu fado!
Antes fosse pra soldado,
Antes fosse pró Brasil...

Antônio Nobre

Platão fala de «hermafrodite», um ser mítico que habitou a terra antes de haver
homens e mulheres. Esta criatura tinha características humanas, mas continha
ambos os sexos num corpo. Dado ser completo em si mesmo, era tão poderoso
que rivalizava com os deuses. Por isso Zeus tomou um dos seus raios e dividiu
a hermafrodite em dois sexos. Desde esse tempo, segundo o mito, homens e
mulheres foram forçados a procurar-se um ao outro e a juntar-se para ultrapassar
a sua imperfeição.

O mito de hermafrodite é uma tentativa poética em relação à necessidade de


contacto humano que estudaremos neste capítulo. Dado que «nenhum homem
é uma ilha intacta» como escreveu o poeta John Donne, não encontramos o
nosso sentido para a vida sós. Pelo contrário, encontramos o nosso sentido
da vida na relação com outras pessoas, membros da família, amigos,
namorados.

A solidão constitui um lado perturbante da atracção. Trata-se de uma


experiência dolorosa que se tem quando as nossas relações sociais não são
adequadas.

A propósito do quadro de Vincent Van Gogh «Os comedores de batatas»,


uma composição de lavradores à volta de um prato de batatas, Lubin (1981,
p. 527-528) anotara: «Esta pintura era um sermão sobre o tratamento injusto
dos lavradores pela classe dominante holandesa e uma ode ao sofrimento do
lavrador. Mas é mais. Enquanto que o quadro representa um grupo familiar
sentado à volta de uma pequena mesa unido pelos raios de uma única lâmpada
por cima deles, a sua proximidade é só física. Emocionalmente, estão
afastados uns dos outros, incapazes de comunicar, sós». Vincent identificou-
-se com o sofrimento e a solidão destes lavradores. Esse mesmo sentimento de
solidão reflecte-se em muitos dos quadros do artista. Tais são algumas das
mensagens transmitidas pelo quadro «Comedores de Batatas».

Se na pintura de Vincent Van Gogh ou na obra poética de António Nobre se


reflecte a solidão vivida pelos artistas, nem só artistas sofrem com ela.
A solidão é um fenómeno espalhado e um tema central na literatura, na filosofia
e na psicologia (Mijuskovic, 1979).A solidão é muito frequente na população
em geral. Num inquérito efectuado nos Estados Unidos, 26% dos Americanos
declararam terem-se sentido «muito sós ou afastados das outras pessoas»
durante as últimas semanas (Bradbum, 1969). Talvez 10% da população
sofra de solidão grave e persistente (Peplau e Perlman, 1982).

A solidão é experienciada pelo ser humano em qualquer que seja o lugar que
habite. É porventura difícil imaginar uma pessoa que não se tenha sentido
sozinha alguma vez na sua existência. Os primeiros tempos passados na
escola, na fábrica, na caserna, porventura a mudança do seu país de residência
para um país receptor de imigração (Neto, 1993b, 1997a), o fim de um
relacionamento íntimo... são ocasiões em que as pessoas podem experienciar
a solidão.

A solidão é um tópico que tem suscitado um interesse crescente no mundo


ocidental. Os jornais e as revistas publicam cada vez mais artigos sobre a
solidão; é um tema que aparece na literatura da ciência de ficção recente e é
o foco de livros de divulgação de auto-ajuda psicológica. Mas apesar deste
interesse pelo tema da solidão, os cientistas sociais ainda estão a começar a
explorar a sua natureza. Os psicólogos, em particular, se bem que há muito
se interessem pelo tópico da solidão (Fromm-Reichmann, 1959), pouca
investigação efectuaram neste domínio até aos anos 70. Em comparação
com outros problemas do relacionamento social a solidão foi até então
negligenciada pelos psicólogos. Por exemplo, foram efectuadas análises
minuciosas da agressão, da competição, do sobrepovoamento e de outros
factores negativos do relacionamento social.

Encontramos pelo menos dois factores que contribuiram para que os cientistas
sociais só tivessem começado recentemente a investigar a solidão. Em
primeiro lugar, o facto de se sentir a solidão, é percepcionado como um
estigma susceptível de afectar os cientistas que estudam a solidão sendo
olhados com uma certa desconfiança como se talvez a sua investigação tenha
sido despoletada por problemas pessoais não resolvidos. Um segundo factor,
é que a solidão, ao invés da agressão, da competição e do sobrepovoamento,
por exemplo, não pode ser facilmente manipulada no laboratório. É sabido
que os psicólogos têm muitas vezes idealizado o método experimental como
sendo a abordagem mais válida para o estudo da realidade. Concordamos
com a opinião de Russell, Peplau e de Cutrona (1980) segundo os quais a
tarefa crucial para os investigadores neste domínio não é tanto o
desenvolvimento de um paradigma experimental para produzir a solidão em
diferentes graus sob condições controladas, como o desenvolvimento de
instrumentos para pôr em evidência variações na solidão que ocorre na vida
quotidiana.

316
A solidão é um fenómeno complexo. Quem pretender compreendê-la e
estudá-la confronta-se com diversas abordagens teóricas e metodológicas.
Esta diversidade de abordagens tem posto em evidência variadas causas e
manifestações da solidão. O conhecimento obtido pela investigação psico-
-social sobre a solidão pode ser utilizado para melhorar as técnicas de a aliviar.

317
2. O que é a Solidão?
A solidão é um termo que tem um significado intuitivo para a maior parte das
pessoas. Por exemplo, quando se interrrogam pessoas em inquéritos de vasta
escala sobre se a solidão é para elas um problema ou quantas vezes se sentem
sós, a maior parte responde, sem necessitar que esses termos sejam clarificados
(Peplau e Perlman, 1982). Seria, todavia, um erro defender que o significado
da solidão é o mesmo para todas as pessoas. À semelhança do amor, a solidão
é um conceito vago, revestindo-se de muitos significados.

2.1 Definir a solidão

Vários autores têm tentado definir a solidão (cf. revisões feitas por Apple-
baum, 1978; Peplau e Perlman, 1982; Sadler, 1978). No documento 10.1 são
apresentadas algumas dessas definições. Se bem que diversas definições
tenham tido um grande impacte no desenvolvimento teórico e na estimulação
do trabalho empírico, não há uma definição que seja universalmente aceite
pelos especialistas. Essas diferentes definições são o reflexo de diferentes
orientações teóricas que se relacionam com alguns aspectos importantes nos
modos de conceptualizarmos a solidão. Estas diferenças focalizam-se em
particular à volta da natureza da deficiência social experienciada pelas pessoas
sós.

Nas definições apresentadas há um acordo em três aspectos gerais que também


são partilhados por outras definições avançadas na literatura (Peplau e Perlman,
1982):

a) a solidão é uma experiência subjectiva que pode não estar

b) esta experiência subjectiva é psicologicamente desagradável para |

o indivíduo;
|
|
c) asolidão resulta de alguma forma de relacionamento deficiente. |
)
/

A solidão não é muito simplisticamente o que se sente quando se está sozinho.


Se podemos sentir a solidão quando estamos sozinhos, no caso de querermos
estar com alguém, também se pode sentir quando estamos com outras pessoas,
caso desejássemos antes estar com mais alguém. O âmago da solidão é a
insatisfação em relação ao nosso relacionamento social. Se bem que a solidão
possa por vezes atingir proporções psicopatológias, a população em geral é
sobretudo atingida por amplitudes «normais» de solidão.

321
Se podemos sentir a solidão quando estamos sozinhos, no caso de querermos estar com
alguém, também se pode sentir quando estamos rodeados de pessoas, caso desejássemos
antes estar com mais alguém.

Documento 10.1 — Definições da solidão

Sullivan (1953)

«A solidão... é a experiência excessivamente desagradável e motriz


ligada a uma descarga desadequada da necessidade de intimidade
humana, de intimidade interpessoal.»

Lopata (1969)

«A solidão é um sentimento sentido por uma pessoa


(experienciando) um desejo por uma forma ou um nível de interacção
diferente do que se experiencia no presente.»

Weiss (1973)

«A solidão é causada não por se estar só, mas por se estar sem alguma
relação precisa de que se sente a necessidade ou conjunto de relações...
to
to
»
A solidão aparece sempre como sendo uma resposta à ausência de
algum tipo particular de relação ou, mais precisamente, uma resposta
à ausência de alguma provisão relacional particular.»

De Jong-Gierveld (1978)

«A solidão (é) a experiência de um hiato entre as relações interpessoais


concretizadas e desejadas como sendo desagradável ou inaceitável,
em particular quando a pessoa percepciona uma incapacidade pessoal
para concretizar as relações interpessoais desejadas num período de
tempo razoável.»

Perlman e Peplau (1981)

«A solidão é uma experiência desagradável que ocorre quando a rede


de relações sociais de uma pessoa é deficiente nalgum aspecto
importante, quer quantitativa quer qualitativamente.»

Derlega e Margulis (1982)

«Na nossa perspectiva a solidão é causada pela ausência de um parceiro


social apropriado que possa ajudar na realização de importantes
objectivos dependentes de outras pessoas, e o desejo continuado de
tais contactos sociais.»

Young (1982)

«Defino solidão como a ausência ou a ausência percepcionada de


relações sociais satisfatórias, acompanhada de sintomas de malestar
psicológico que estão relacionados com a ausência actual ou
percepcionada... Proponho que as relações sociais possam ser tratadas
como uma classe particular de reforço... Por isso, a solidão pode ser
vista como uma resposta à ausência de reforços sociais importantes.»

Rook (1984a)

«Uma condição estável de malestar emocional que surge quando uma


pessoa se sente afastada, incompreendida, ou rejeitada pelas outras
pessoas e/ou lhe faltam parceiros sociais apropriados para as actividades
desejadas, em particular actividades que lhe propiciam uma fonte de
integração social e oportunidades para intimidade emocional.»

323
2.2 Formas de solidão

Têm sido utilizadas várias tipologias para distinguir diferentes formas de solidão.

Um primeiro factor de classificação foi avançado por Moustakas (1961),


fazendo a distinção entre ansiedade-solidão e ansiedade existencial. Segundo
o autor, a ansiedade-solidão é aversiva e resulta de «uma alienação básica
entre homem e homem», ao passo que a solidão existencial faz parte integrante
da experiência humana, implicando momentos de autoconfrontação e
proporcionando autocrescimento.

Um segundo factor de classificação tem sido o tempo. A solidão pode ser


encarada enquanto traço de personalidade, sendo as pessoas solitárias as que
referem uma longa história de sentimentos frequentes e intensos de solidão.
Pode também encarar-se enquanto estado psicológico em que as pessoas
experienciam solidão durante diferentes lapsos de tempo em diferentes
momentos da sua existência. O indivíduo pode ter uma curta experiência de
solidão, ou pode ser uma «pessoa só».

Contribuições conceituais e empíricas para compreender as diferenças entre


solidão situacional e crónica foram dadas por Shaver e a sua equipa
(Rubenstein e Shaver, 1982a; Shaver e Rubenstein, 1980; Shaver, Furman e
Buhrmester, 1985). Shaver et al. referem quer a cronicidade quer a genera-
lização a diferentes contextos como características que diferenciam a solidão
enquanto traço, da solidão enquanto estado. Em consonância com esta
perspectiva, num estudo com caloiros, Shaver, Furman e Buhrmester (1985)
encontraram que estudantes que obtiveram pontuações elevadas numa medida
de solidão enquanto traço, eram incapazes de aproveitar das oportunidades do
campus para encontrar outras pessoas e formar amizades. Esses estudantes
tinham sofrido de solidão antes de entrar na universidade e permaneciam sós
no novo contexto. Ao invés, os estudantes caracterizados pela solidão enquanto
estado, não tinham estado sós na escola secundária e fizeram uma adaptação
social com sucesso na universidade após um período inicial de solidão.

Um terceiro factor de classificação tem sido o défice social implicado. Weiss


(1973) distinguiu a solidão social em que uma pessoa se sente insatisfeita e
só por causa da falta de rede social de amigos e de pessoas conhecidas, da
solidão emocional, em que se está insatisfeito e só por causa de uma relação
pessoal, íntima. Segundo Weiss, não é possível aliviar uma forma de solidão,
substituindo-a por outra forma de relação. Por exemplo, se um casal acaba
de emigrar para um novo país onde não conhece ninguém, passará pela
experiência da solidão social, mesmo se no casal houver uma mútua relação
íntima. Do mesmo modo, uma pessoa pode ter uma extensa rede social, mas
apesar disso sentir-se só porque não tem uma relação romântica. Weiss pensa
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que a solidão emocional é a forma mais dolorosa de isolamento.
Poucos estudos investigaram se diferentes défices relacionais produzem
diferentes espécies de solidão. O estudo de Russell et al. (1984) é uma
excepção, demonstrando que medidas de solidão social e emocional estavam
ligadas, respectivamente, à falta de amizade e de relações íntimas. A solidão
social e emocional partilhavam um núcleo comum de mal-estar, mas tinham
também elementos únicos de experiência subjectiva.

2.3 O que se sente quando se está só

Quando uma pessoa se sente sozinha, experiencia angústia, insatisfação e


exclusão. Tal não significa que sintamos a solidão sempre do mesmo modo,
pois diferentes pessoas, perante diferentes situações, podem experienciar
diferentes sentimentos de solidão. Um estudo que foi efectuado com pessoas
viúvas permite ilustrar a abundância de sentimentos que acompanham a
experiência de solidão (Lopata, 1969). Para essas senhoras a solidão
significava um ou mais dos seguintes sentimentos:

* Desejar estar com o marido

* Querer ser amada por alguém

* Querer amar e tratar de alguém

* Querer partilhar experiências quotidianas com alguém

* Querer ter alguém por casa

* Precisar de alguém para partilhar o trabalho

* Desejo de uma forma prévia de vida

* Experiênciar falta de estatuto

* Experienciar falta de outras pessoas, como consequência de ter


perdido o marido

* Temer a sua incapacidade para fazer novos amigos

Vê-se, pois, que a solidão inclui desejo do passado, frustração com o presente
e medos acerca do futuro.

Mesmo em pessoas que não experienciaram a perda do marido, a solidão


pode aparecer associada a uma vasta gama de sentimentos. Rubenstein e Shaver
(1982a), a partir de um inquérito efectuado na população em geral, encontraram
quatro conjuntos de sentimentos que as pessoas dizem ter quando estão sós:

325
A solidão pode aparecer associada a uma vasta gama de sentimentos.

desespero, depressão, aborrecimento impaciente e autodepreciação. Esses


diferentes sentimentos podem ser observados no quadro 10.1. Podemos assim
aperceber-nos da complexidade da solidão, pois encontramos toda uma série
de sentimentos susceptíveis de a ela se associarem.

Quadro 10.1 — Sentimentos associados à solidão

Desespero Depressão Aborrecimento impaciente | Autodepreciação

Desespero Triste Impaciente Pouco atractivo

Aterrorizado Deprimido Aborrecido Severo consigo

Desamparado Vazio Desejo de estar noutro local | Estúpido

Assustado Isolado Inquieto Envergonhado

Sem esperança Pesaroso Zangado Inseguro

Abandonado Melancólico Incapaz de se concentrar

Vulnerável Alienado

Desejo de estar com uma


pessoa particular

Fonte: Rubenstein e Shaver, 1982a.


3. Abordagens Teóricas da Solidão
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Ao longo dos anos, vários psicólogos e sociólogos conceptualizaram a solidão.
Damos um breve resumo de algumas das mais importantes contribuições
teóricas.

3.1 Abordagens téoricas A-—

Modelo psicodinâmico

Os teóricos da abordagem psicodinâmica (Sullivan, 1953; Fromm-Reichmann,


1959) percepcionam a experiência da solidão como uma força dinâmica,
provocadora e patológica. Consideram as pessoas solitárias como apáticas,
passivas, deprimidas, e atribuem a solidão a experiências da infância. Muito
embora possa ser de natureza interpessoal, insiste-se mais no modo como os
factores no interior de um mesmo indivíduo, tais como traços e conflitos
intrapsíquicos, podem provocar a solidão.

Perspectiva fenomenológica

Nesta abordagem (Rogers, 1973; Moore, 1976), a solidão é percepcionada


como a manifestação de um mau ajustamento. A solidão produz-se quando os
indivíduos, deixando cair as suas defesas para entrar em contacto com o seu
«Self» interno, receiam contudo a rejeição de outrém. Assim as causas da
solidão encontram-se no interior do indivíduo, não sendo tão necessário
procurá-las na influência
da infância.

Abordagem existencialista

Os existencialistas (Von Witzleben, 1958; Moustakas, 1961; 1972) partem do


ponto de vista de que os seres humanos são fundamentalmente pessoas sós.
Ninguém pode sentir os nossos pensamentos e sentimentos, pois o estar
separado é uma condição essencial da nossa existência. Os que estão de
acordo com esta perspectiva abordam muitas vezes o modo como as pessoas
podem viver com a sua solidão e como a utilizar de modo positivo. Para esta
abordagem, por conseguinte, a solidão é percepcionada como uma condição
facilitante e criadora, apesar de ser dolorosa.

Explicações sociológicas

Riesman, Glazer e Dennney (1961) e Slater (1976) são representantes da


abordagem sociológica da solidão. Os primeiros autores defendem que os
americanos se tornaram «comandados» (other-directed) e procuram a
aprovação social, conformando-se e ajustando-se continuamente ao seu meio

329
interpessoal para determinar o modo como devem comportar-se. As pessoas
«comandadas» estão cortadas do seu «Self» interno, dos seus sentimentos e
das suas aspirações.

Pelo contrário, para Slater (1976), o compromisso perante o individualismo


na sociedade americana cria o sentimento de que cada pessoa prossegue o seu
próprio destino, levando à solidão.

Nesta abordagem, a solidão é percepcionada como normativa: um atributo


distribuído normalmente no seio da população. As causas da solidão situam-
-se fundamentalmente fora do indivíduo, de modo que um acontecimento,
como o divórcio, pode provocar a solidão.

Perspectiva interaccionista

| O fundamental desta perspectiva é a distinção entre a solidão emocional e a


| solidão social proposta por Weiss (1973). Segundo ele, como já vimos, a solidão
emocional está baseada na ausência de relações pessoais e íntimas, e a solidão
social na falta de laços sociais ou na falta de pertença à comunidade. A solidão
social é uma mistura de sentimentos de rejeição, de não-aceitação, de
aborrecimento e é suscitada por situações correntes.

Para Weiss, a solidão não é só uma função de factores de personalidade ou de


factores situacionais.A solidão é o produto dos seus efeitos combinados.

Abordagem cognitiva

Periman e Peplau (1981) são os promotores da abordagem cognitiva da solidão.


Esta abordagem põe o acento na cognição como um factor mediador entre a
falta de sociabilidade e a experiência de solidão. Com base na teoria da
atribuição, explica-se como as causas percepcionadas da solidão pessoal podem
influenciar a intensidade desta experiência e a probabilidade percepcionada
de ver a solidão persistir no tempo. Assim, a solidão existe na medida em que
os contactos sociais do indivíduo são, quer restritos quer menos satisfatórios,
em relação ao seu desejo. Em suma, a solidão reflecte uma divergência entre
os níveis de contactos sociais desejados e realizados.

3.2 Síntese comparativa

Podemos ver no quadro 10.2 uma síntese comparativa das seis concepções
expostas a partir de três questões principais. A primeira é a partir de que
evidência (história de casos, investigação sistemática...) ou tradições intelectuais
está formulada a teoria. A segunda questão comparativa é a propósito da
natureza da solidão. É uma condição normal ou anormal? Uma experiência
positiva ou negativa? A terceira questão é a propósito das causas da solidão.
Situam-se dentro da pessoa ou no meio? Resultam de influências actuais ou
passadas/desenvolvimentais no comportamento?

Quadro 10.2 — Síntese comparativa de seis abordagens


teóricas da solidão

Psicodinâmica Fenomeno- Existencialista Sociológica Interaccionista Cognitiva


lógica

Perspectivas ligadas a Trabalho clínico | Trabalho clínico | Trabalho clínico Análise social Trabalho clínico | Investigação

Natureza da solidão

Positiva — Não Não Sim Não Não Não

Normal ou patológica Patológica Patológica Universal Normativa Normal Normal

Causas

Dentro da pessoa ou situação | Pessoa Pessoa Condição humana Sociedade Ambas Ambas

História infantil vs. corrente Infantil Corrente Perpétua Ambas Corrente Corrente

Fonte: Adaptado de Perlman e Peplau, 1982.

A maior parte da especulação teórica sobre a solidão está ligada ao trabalho


clínico ou resulta da teoria existente. Os autores vêem normalmente a solidão
como uma experiência desagradável, e só uma minoria a discutem como uma
resposta patológica. Para a maior parte, trata-se de um fenómeno experienciado
por uma vasta camada da população. Só a abordagem psicanalítica defende
exclusivamente os antecedentes da infância na solidão. A maior parte das
abordagens teóricas salientam o papel de factores correntes como causas da
solidão.

Apesar da diversidade destas abordagens, parece existir um consenso sobre


uma característica da solidão, ou seja, a sua dimensão temporal: pode sentir-
-se em relação ao passado, ao presente ou ao futuro. As pessoas sentem-se sós
em relação a uma pessoa, um objecto, um acontecimento, um meio familiar
de interacção ou uma recordação do passado.
o
o
4. Avaliação da Solidão
Os investigadores têm enveredado por duas abordagens conceituais para
avaliarem a solidão. Para a abordagem unidimensional, a solidão é encarada
como um fenómeno unitário que varia sobretudo na intensidade
experienciada. Esta abordagem pressupõe que há temas comuns na
experiência da solidão, apesar das causas particulares que afectam os
indivíduos. Nesta perspectiva, uma mesma escala geral de solidão deve ser
sensível à solidão experienciada por um emigrante que acaba de deixar o seu
país de origem ou por um estudante universitário que acaba de entrar numa
faculdade e que deixou os seus amigos. A abordagem multidimensional
considera a solidão como um fenómeno multifacetado que não pode ser
apreendido só por uma medida global de solidão. Esta abordagem, em vez
de se centrar sobretudo no que há de comum na experiência de solidão de
todos os indivíduos, tenta diferenciar entre várias tipos da solidão. Estes
diferentes tipos de solidão que têm sido propostos vão desde poucos, como
os dois propostos por Weiss (1973), a muitos, como os doze subtipos distintos
propostos por Young (1982).

Têm sido utilizados diversos instrumentos para avaliar a solidão, que se situam
quer numa quer noutra das abordagens citadas. Referir-nos-emos
seguidamente ao instrumento mais utilizado na literatura para se avaliar a
solidão, a Escala de Solidão da UCLA (Russell, Peplau, e Ferguson, 1978;
Russell, Peplau, e Cutrona, 1980). O exame dos métodos utilizados nos
estudos empíricos efectuados desde 1980, e publicados em revistas, revelou
que cerca de 80% utilizaram a escala original ou revista da UCLA (Paloutzian
e Janigian, 1989). Após uma referência ao modo como esta escala se
desenvolveu, apresentar-se-á a adaptação portuguesa da mesma.

4.1] Desenvolvimento da escala de solidão da UCLA

A Escala de Solidão da UCLA («University of California at los Angeles») é


encarada enquanto estado psicológico e apreendida de modo unidimensional.

Os seus autores pretenderam criar um instrumento psicometricamente


adequado, de fácil administração que pudesse servir de estímulo à investigação
empírica sobre a solidão.

Um conjunto inicial de 75 itens foi seleccionado a partir da escala de solidão


desenvolvida por Sisenwein (1964). Estes itens estavam baseados em
julgamentos escritos por 20 psicólogos que descreveram a experiência da
solidão e também em julgamentos de uma escala prévia de Eddy (1961). A
amostragem dos 25 itens retidos da escala de Sisenwein (1964) não foi
sistemática, tendo tido os autores como único critério a eliminação de

385
Julgamentos muito extremos (e. g. «A televisão é o meu único amigo», «A
morte será a minha única companhia»). Exemplos de itens que foram
seleccionados são «Não posso tolerar estar tão só», e «Ninguém me conhece
realmente bem». Os sujeitos situavam as suas respostas numa escala em
quatro pontos utilizada por Sisenwein, indo desde «Sinto-me muitas vezes
deste modo» até «Nunca me sinto deste modo».

Esse conjunto inicial de itens foi administrado a dois grupos de jovens adultos
que frequentavam a UCLA: uma amostra clínica que incluia voluntários
recrutados para participarem numa discussão de grupo sobre a solidão e
uma amostra de estudantes de psicologia. Todos os participantes responderam
aos 25 itens e indicaram até que ponto se sentiam sós em comparação com
os outros numa escala tipo Likert em cinco pontos. Os indivíduos também
descreveram o seu estado afectivo corrente através da avaliação da intensidade
de sentimentos como «aborrecido», «deprimido», «ansioso».

A versão final da escala consistiu em 20 itens, escolhidos com base nas


correlações item-score total. Todos os itens seleccionados tinham obtido
correlações superiores a .50. A escala assim construída mostrou possuir uma
elevada consistência interna com um coeficiente alfa de .96. A validade da
escala foi avaliada de três modos. Em primeiro lugar encontrou-se uma
correlação de .79 entre o score total da escala de solidão e as respostas a um
item de auto-avaliação da solidão. Seguidamente compararam-se as
pontuações de solidão de uma amostra clínica com as de estudantes, sendo
as diferenças entre estes dois grupos estatisticamente significativas; a média
da amostra clínica (60,1) foi muito maior do que a da amostra de estudantes
(39,1). Enfim, as pontuações de solidão estavam fortemente relacionados
com a intensidade de sentimentos que se poderia esperar estarem associados
com a solidão, como a depressão, a ansiedade, a insatisfação, a infelicidade,
a timidez; as pontuações não estavam relacionados com sentimentos concei-
tualmente diferentes da experiência de solidão, como sentir-se «trabalhador»
ou ter «vastos interesses».

Investigações posteriores confirmaram a fidelidade e a validade da escala.


Assim, Solano (1980) encontrou um coeficiente alfa de .89 numa amostra
de estudantes. Por meio da fidelidade teste-reteste Jones (cit. por Russell et
al., 1980) encontrou a correlação de .73 para um período superior a dois
meses com estudantes universitários. Por seu lado Cutrona (in Peplau e
Perlman, 1982) encontrou uma correlação teste-reteste de .62 para um período
superior a sete meses também com estudantes universitários. Estes resultados
podem significar variações no tempo.

A validade da escala é evidenciada por outros estudos através de correlações


significativas com outras medidas da solidão. Solano (1980) obteve uma
correlação de .74 entre a medida de solidão de Bradley e a escala UCLA.
Paloutzian e Ellison (1982) encontraram uma correlação de .72 entre a Escala
Abreviada da Solidão e a escala da UCLA. Foram igualmente obtidas
correlações com diversas características da personalidade e a escala UCLA.
Por exemplo, Horowitz e French (1979) encontraram que os indivíduos
solitários experienciavam maiores sentimentos de sociabilidade inibida.

A validade da escala foi também posta em evidência junto de populações


«em risco». Em comparação com a pontuação média de amostras de
estudantes universitários (M=38,6) encontrou-se que doentes psiquiátricos
adultos (M=51,8), pessoas divorciadas (M=47,7) e participantes em ateliers
para desenvolver as habilidades sociais (M=56,8) sentiam de modo
significativo a solidão (Russell, 1978).

Apesar do que foi dito, que mostra que a escala de solidão da UCLA é um
instrumento adequado, esta medida levanta diversos problemas potenciais.
Um primeiro problema é a possibilidade de enviesamento nas respostas já
que todos os itens foram redigidos na mesma direcção, as pontuações elevadas
reflectindo sentimentos de insatisfação social. Assim, a tendência a responder
de um certo modo poderia sistematicamente influenciar as pontuações de
solidão. Um segundo problema potencial é a desejabilidade social. Se um
certo estigma está ligado à solidão (Gordon, 1976), os sujeitos podem distorcer
as respostas subvalorizando a sua experiência de solidão. Um outro problema
diz respeito à validade discriminante. As correlações encontradas entre as
pontuações de solidão e medidas de outros construtos, como a depressão e
auto-estima são intuitivamente razoáveis, evidenciando a validade da Escala
de Solidão da UCLA. Todavia, simultaneamente, esses dados apontam a
necessidade de se demonstrar a validade discriminante da escala pondo-se
em evidência que a solidão é distinta de construtos que estão relacionados
com ela.

Para obviar a estes problemas potenciais, a Escala de Solidão da UCLA foi


revista. Dois estudos que utilizam a escala revista clarificam a natureza da
solidão (Russell et al., 1980). No primeiro estudo, uma versão revista da
Escala de Solidão da UCLA é desenvolvida, que inclui 10 itens redigidos de
modo positivo e 10 de modo negativo. Todos estes itens apresentam
correlações superiores a .40 com o critério estabelecido. O coeficiente alfa
para a escala revista foi de .94. As pontuações de solidão da escala revista
estavam correlacionadas do modo esperado com as medidas do estado
emocional. Foram encontradas relações com o Inventário de Depressão de
Beck (r=.62) e com as escalas de Ansiedade (r=.32) e de Depressão de
Costello-Comrey (r=.55). Foram igualmente encontradas relações
significativas entre as pontuações de solidão e o sentir-se abandonado,
deprimido, vazio, sem esperança, isolado, auto-contido e não sentir-se sociável
e satisfeito.

337
O segundo estudo confirma a validade concorrente da escala revista através
do exame das relações entre solidão e comportamento social. Além disso
esse estudo demonstra a validade discriminante da escala revista já que as
pontuações de solidão são distintas da desejabilidade social, da tomada de
riscos sociais, de estados emocionais negativos e da motivação afiliativa.

Em suma, os esforços efectuados por Russell e seus colaboradores para


desenvolverem uma escala de solidão adequada parecem coroados de sucesso.
A Escala de Solidão da UCLA revista é relativamente curta, fácil de
administrar, altamente fidedigna, e mostra ser válida quer na avaliação da
solidão quer na discriminação entre solidão e outros construtos relacionados.
Trata-se, pois, de uma medida da solidão cuja adaptação para a população
portuguesa nos pareceu revestir-se de interesse (Neto, 1989a). Refira-se,
enfim, haver outras medidas alternativas da solidão com características
psicométricas adequadas, muito embora se disponha a seu respeito de muito
menos informação comparativamente com a escala da UCLA (e.g., Schmidt
e Sermat, 1983).

4.2 Adaptação portuguesa da escala de solidão da UCLA

Efectuou-se a tradução portuguesa da Escala da Solidão da UCLA revista.


Os vinte itens são avaliados numa escala de escolha múltipla com quatro
alternativas:«nunca», «raramente», «algumas vezes», «muitas vezes».

A ordem de apresentação dos itens da versão portuguesa foi a mesma utilizada


na versão americana.

A versão portuguesa da escala foi administrada a uma amostra de 286


estudantes dos três primeiros anos que frequentavam a Universidade do Porto
em 1987. 61,2% são do sexo feminino e 38,8% do sexo masculino. A média
de idade é de 19,6 anos (D.P.=1,8). A distribuição das idades segundo o sexo
não é significativamente diferente (X?=10,7,8.1.=10,p=0,38).
rec

A versão portuguesa da escala comporta 18 itens que se apresentam no quadro


10.4.

Efectuaram-se comparações entre os resultados médios da solidão para o


sexo masculino e feminino, não se tendo encontrado diferenças significativas.

Com o intuito de se avaliar a consistência interna utilizou-se o coeficiente


alfa de Cronbach (1960). Este coeficiente na amostra do total dos 286 sujeitos
foi de .87, o que é um valor relativamente alto.
a
Quadro 10.3 - A adaptação portuguesa da escala de solidão da UCLA

Indique quantas vezes se sente da forma que é descrita em cada uma das seguintes
afirmações. Coloque um círculo à volta de um número para cada uma delas.

Nunca Raramente Algumas Minitos


vezes vezes
l. Sinto-me em sintonia com as l 2 3 4
pessoas que estão à minha volta.*
2. Sinto falta de camaradagem l 2 3 4
3. Não há ninguém a quem possa l 2 3 4
recorrer.
4. Sinto que faço parte de um grupo l 2 3 4
de amigos.*
5. Tenho muito em comum com as 1 2 3 4
pessoas que me rodeiam.*

6. Já não sinto mais intimidade com l 2 3 4


ninguém.

7. Os meus interesses e ideias não l 2 3 4


são partilhados por aqueles que me
rodeiam.
8. Sou uma pessoa voltada para l 2 3 4
fora.*
9. Há pessoas a quem me sinto che- l 2 3 4
gado.*

10. Sinto-me excluído. l 2 3 4

11. Ninguém me conhece realmente l 2 3 +


bem.
12. Sinto-me isolado dos outros. 1 2 3 +
13. Consigo encontrar camaradagem l 2 3 4
quando quero.*
14. Há pessoas que me compreendem l 2 3 4
realmente.*
IS. Sou infeliz por ser tão retraído. l Z 3 4
16. As pessoas estão à minha volta l 2 3 4
mas não estão comigo.

17. Há pessoas com quem consigo fa- l 2 3 +


lar.*
I8. Há pessoas a quem posso l 2 3 4
recorrer.*

Nota: A pontuação total é a soma dos 18 itens.

* Item que deve ser invertido (i.e., 1=4, 2=3, 3=2, 4=1) antes de se calcular a pontuação.

Fonte: Neto, 1989a.

339
A validade da versão portuguesa da escala da solidão foi examinada relativa-
mente a vários critérios. A correlação entre uma questão de auto-avaliação
acerca da solidão e a nota global obtida para a solidão é altamente significativa
(r=.46, p<.001). Os sujeitos com pontuações altas na escala da solidão
descrevem-se como sentindo-se mais sós que as outras pessoas.

A validade da escala da solidão é também fornecida pela ligação das pontuações


da solidão com outros estados emocionais. A pontuação de solidão está
significativamente correlacionado com o sentir-se abandonado (r=.35),
aborrecido (r=.13), angustiado (r=.24), ansioso (r=.19), culpabilizado (r=.17),
deprimido (r=.29), desvalorizado (r=.36), frustrado (r=.38), incompreendido
(r=.38), insatisfeito (r=35), insociável (r=.45), rejeitado (r=.44), triste (r=.19),
envergonhado (r=.28) e com não sentir amor (r=.23). A pontuação de solidão
não está correlacionada com o sentir-se encolerizado e sensível.

Abona igualmente em favor da validade da escala a existência de uma


correlação negativa entre a solidão e o autoconceito e uma correlação positiva
entre a solidão e a ansidedade social (Neto, 1989b).

Também abona em favor da validade externa da escala um estudo efectuado


com professores (Neto, e Barros, 1992). Pretendeu-se com ele examinar
algumas variáveis de personalidade associadas à solidão nos professores,
bem como pôr em evidência alguns determinantes sócio-demográficos da
solidão. Para além da escala de solidão, utilizaram-se outros instrumentos
para avaliar a satisfação com a vida, a ansiedade social, o auto-conceito e a
atribuição de responsabilidade. A amostra era constituída por 296 professores.
Utilizou-se o procedimento de regressão múltipla («stepwise») para
determinar quais as variáveis psicológicas e socio-demográficas que prediriam
melhor a solidão. Esses resultados podem ser vistos no quadro 10.4.

Quadro 10.4 — Análise de regressão múltipla para a variável solidão

o R 2 Beta t
Passo Variável Es R
múltipla

1 Aceitação social 0,50 0,25 -0,50 -9,9u+*

2 Ansiedade social 0,59 0,35 0,35 60,8**+*

3 Satisfação 0,62 0,39 -0,19 -3,9***

4 Nível de ensino 0,64 0,40 -0,15 -3,0**

**p< .01; ***p<.001.


Nota: os valores beta e t são relativos ao passo em que a varíavel entrou na equação.

Fonte: Neto e Barros, 1992.

340
Como se pode observar, a dimensão aceitação social do autoconceito, é o
termo com maior contribuição para a predição da solidão, sendo também
termos de predição significativos a ansiedade social, a satisfação com a vida
e o nível de ensino. As quatro variáveis explicam 40% da variância da solidão.
Note-se todavia que a variância explicada pelo nível de ensino pouco
acrescenta à explicada pelas variáveis psicológicas. Assim, esta análise de
regressão deixa transparecer que são as variáveis psicológicas mais que as
sócio-demográficas que determinam a solidão nos professores.

Esta escala também revelou propriedades psicométricas satisfatórias com


adolescentes (Neto, 1992b). Neste trabalho foi proposta uma escala com seis
itens que representa uma alternativa quando os sujeitos não dispõem de muito
tempo para responder.

Em suma, a adaptação portuguesa da Escala de Solidão da UCLA apresenta


uma boa consistência interna. A validade concorrente é mostrada através das
relações entre as pontuações da escala a as auto-avaliações da solidão actual.
As correlações entre as pontuações de solidão e diversos estados emocionais
também abonam em favor da validade da escala. Enfim, a validade externa
da amostra também pode ser mostrada.

Sentir-se só é sentir-se excluído de um grupo, é não se sentir


amado pelas pessoas que nos rodeiam, é sentir-se incapaz de
partilhar as preocupações pessoais.

341
5. Quem são as Pessoas Sós?
Um certo número de estudos procuraram saber se há certos grupos de pessoas
que são mais vulneráveis à solidão que outros. De um modo geral esses
trabalhos centram-se em características demográficas facilmente identifi-cáveis,
tais como a idade, o sexo e o estado civil.

5.1 Idade

Sullivan (1953) defendera que a solidão não pode ocorrer até à pré-adolescência,
altura em que os indivíduos procuram validar o seu valor através de relações
exteriores à família, em particular nas relações com os companheiros. Autores
mais recentes sugeriram que a solidão pode ocorrer muito mais cedo (e.g.,
Rubin, 1982), talvez na infância (Ellison, 1978). Evidência empírica disponível
indica que a solidão pode ser medida de modo fidedigno em crianças com sete
e oito anos de idade (Asher, Hymel, e Renshaw, 1984; Asher e Wheeler,
1985).

Existe na nossa cultura o estereótipo que as pessoas idosas são pessoas solitárias.
As pessoas jovens e idosas concordam em que são as idosas as que mais se
sentem sós (Rubenstein e Shaver, 1982a). Este estereótipo não se confirma
todavia quando as pessoas revelam a sua própria experiência de solidão. /
A tendência geral que se encontra é para a solidão diminuir com a idade, -
obtendo as pessoas mais idosas as pontuações mais baixas de solidão (Gutek, ||»
Nakamure, Gehart, Handschumacher, e Russell, 1980). Podemos observar no
quadro 10.5 dados que vão nesse sentido. Rubenstein, Shaver e Peplau (1979)
encontraram as pontuações mais elevadas de solidão na faixa etária dos 18-25
anos e mais baixos após os 70 anos. Parlee (1979) encontrou que 79% dos
sujeitos com menos de 18 anos diziam sentir-se sós algumas vezes ou muitas
vezes comparados com 53% dos 45 aos 54 anos e 37% das pessoas com mais
de 54 anos.

O efeito da idade é tão forte que mesmo num leque restrito de idades
(12-20 anos), as pessoas mais novas dizem sentir mais a solidão (Ostrov e
Offer, 1981).

Se a partir de dados de inquérito há uma convergência em assinalar-se que a


solidão é menos frequente nas pessoas mais idosas, não é todavia de se excluir
a ideia de que em idades muito avançadas a solidão já possa ser mais comum.
Dean (1962) encontrou níveis de solidão muito semelhantes entre pessoas
de 50 a 79 anos, mas maiores com pessoas com 80 anos ou mais.

345
Contrariamente aos estereótipos, as pessoas idosas não são o grupo
etário que mais sofre da solidão. As pessoas jovens podem sentir mais
a solidão que as pessoas idosas.

346
RICE ae

Quadro 10.5 — Solidão por grupos etários

Inquérito de Rubenstein,
Shaver, e Peplau (1979) 18-25 26-30 31-39 40-49 50-59 60-69 +70
Idade em anos

Pontuação média de solidão


+12,8 +9,5 +8,9 +2,9 -1,8 -9,4 -22,5
(máx. = +20)

Inquérito de Parlee (1979) Menos


18-24 25-34 35-44 45-54 +55
Idade em anos de 18

Percentagem de pessoas que


disseram sentir-se sós algu- 79% 71% 69% 60% 53% 37%
mas vezes ou muitas vezes

Fonte: Dados adaptados de Rubenstein, Shaver, e Peplau , 1979 e de Parlee , 1979.

Muito embora a associação entre a juventude e a solidão faça com que o


estereótipo de que as pessoas idosas sejam as que mais sofrem de solidão, as
razões da sua diminuição ao longo do ciclo vital ainda não estão bem
compreendidas. Em parte pode acontecer que os jovens queiram falar mais
dos seus sentimentos e conhecimento da solidão que as pessoas idosas. Também
é verdade que os jovens encontram muitas transições sociais, tais como deixar
a casa dos pais e viver na sua própria casa, entrada na faculdade, obtenção de
um primeiro emprego, todas elas podendo causar a solidão.
À medida que as pessoas vão avançando na idade, as suas vidas sociais podem
tornar-se mais estáveis. A idade pode também acarretar maiores habilidades
sociais e expectativas mais realistas acerca das relações sociais.

5.2 Sexo

Na adaptação que fizemos para a população portuguesa da escala de solidão


de UCLA (Neto, 1989a) não se encontraram diferenças nas pontuações de
solidão segundo os sexos, o que pode parecer um resultado paradoxal.
É frequentemente assumido que as mulheres, em comparação com os homens,
são mais emotivas e apresentam maiores taxas de certas doenças mentais
(Clancy e Gove, 1974). Seria pois de esperar, tendo em conta a tendência
geral para reacções emocionais negativas serem mais frequentes nas mulheres,

347
que estas sentissem mais frequentemente a solidão que os homens. Contudo,
os estudos efectuados sobre a solidão não são concludentes sobre as diferenças
sexuais na solidão. Por um lado, no estudo de validação da Escala de Solidão
da UCLA os autores (Russell, Peplau, e Cutrona, 1980) não encontram
diferenças segundo o sexo. Por outro lado, Weiss (1973) assinala, através do
recurso ao inquérito, que as mulheres estão mais inclinadas a sentirem-se
sós que os homens. Esta diferença de resultados pode provavelmente ser
atribuída à medida utilizada. Globalmente os estudos que utilizam a escala
da UCLA, e foi o nosso caso, não encontram diferenças. Esta escala não
questiona directamente os sujeitos sobre se sentem sós, mas procura avaliar
a solidão indirectamente. A natureza indirecta desta escala permite que os
homens expressem muito presumivelmente a sua solidão subjacente de modo
mais livre que em estudos de inquérito em que se recorre a questões directas.
Quando se recorre à avaliação directa, como é o caso das asserções em
inquéritos, diferenças segundo o sexo tendem a emergir, as mulheres
assinalando mais frequentemente a solidão que os homens. Entre as
explicações possíveis para os homens auto-censurarem a expressão da solidão
pode-se invocar a influência social.

A reticência dos homens em assinalarem a solidão está em consonância com


os estereótipos sexuais. Segundo estes estereótipos não se espera que os
homens exprimam as suas «fraquezas» emocionais (Neto, Williams, e Widner,
1991). Da conjugação de respostas negativas susceptíveis de emergirem a
partir de comportamentos que não se moldem às percepções estereotipadas
e dos processos de aprendizagem, os homens conformam-se com os
estereótipos vigentes.

5.3 Estado civil

As pessoas que não estão casadas sofrem mais da solidão que as casadas
(Weiss, 1982). Todavia num estudo, quando se subdividia o grupo das pessoas
não casadas, a solidão era maior nas pessoas viúvas e divorciadas que nas
solteiras. Os valores destas não diferiam das pessoas casadas (Gubrium, 1974).
A solidão parece, pois, ser determinada mais pela perca de uma relação
conjugal que pela sua ausência.

O sexo parece interagir com o estado civil. Entre casais, as mulheres referem
mais a solidão, mas quando se verifica uma ruptura nas relações pela
separação, pela morte ou pelo divórcio os homens referem mais a solidão
(Rubenstein e Shaver, 1982b).

348
5.4 Outras características

A solidão é mais comum entre as pessoas pobres que entre as ricas (Weiss,
1982). Boas relações podem manter-se mais facilmente quando as pessoas
têm tempo e dinheiro para actividades de lazer. Todavia em Portugal não se
encontraram diferenças na solidão entre jovens de diferentes níveis socio-
culturais (Neto, 1992b).

No inquérito de Rubenstein e Shaver (1982a) sobre a solidão aparecem


determinadas características socio-demográficas que não correlacionam com
a solidão. Não aparecem diferenças na solidão entre pessoas que residiam em
zonas rurais e as que residiam em zonas urbanas. Além disso as pessoas que
mudaram de residência um certo número de vezes não manifestam mais solidão
do que aquelas que só mudaram raramente. Rubenstein e Shaver encontraram
todavia que as pessoas cujos pais tinham divorciado sentiam-se mais solitárias
que as pessoas cujos pais não tinham divorciado. Os sujeitos cujos pais
divorciaram antes dos 18 anos sentiam-se mais sós na idade adulta, e muito
especialmente se o divórcio ocorreu antes do sujeito ter 6 anos.
Surpreendentemente a morte de um dos pais durante a infância não tem esse
efeito duradoiro.

Quadro 10.6 — Solidão segundo a idade do indivíduo aquando do divórcio


dos pais

Idade em anos 0-6 7-12 13-18

Pontuação média de solidão 18,0 10,8 5,4

Fonte: Rubentein, Shaver, e Peplau, 1979.


a ERUid O OCO oa pon DR e pn sa gq Rs

6. Fontes da Solidão
Para além de características sócio-demográficas, referidas na secção anterior,
os investigadores têm referido outros factores como potenciais causas da
solidão. A experiência da solidão resulta da interacção de factores situacionais
e de características pessoais (Shaver, Furnam, e Buhrmester, 1985). Os
factores situacionais são acontecimentos que reduzem a quantidade e a
qualidade das interacções sociais. É por isso que geralmente causam solidão.
As características pessoais podem dispor alguns sujeitos a tornarem-se
solitários ou a experienciarem a solidão durante longos lapsos de tempo.
Abordaremos de seguida ambas as constelações de factores e examinaremos
também as atribuições causais da solidão.

6.1 Influências situacionais

São muitos os factores que na vida moderna contribuem para a quebra da rede
de relações das pessoas e daí pode advir a solidão. Cutrona (1982) perguntou
a estudantes universitários porque é que sentiam a solidão. As percentagens
de resposta mais frequentes foram as seguintes: a) deixar a casa dos pais para
ir para a universidade, 40%; b) separações românticas, 159%; c) problemas
com amigos, 11%; d) dificuldades no trabalho escolar, 11%; e) problemas
familiares, 9% (e.g., divórcio dos pais); f) situações em que viviam isolados,
69%. Apresenta-se no quadro 10.7 uma lista de categorias que reflectem o tipo
de factor externo que contribui para o desenvolvimento da solidão: menos
contacto social, estatuto social em disponibilidade, perca relacional, redes sociais
inadequadas, novas situações, barreiras indirectas ao contacto social, fracasso
e factores temporais (Jones, Cavert, Snider, e Bruce, 1985). Nesse quadro é
apresentada uma lista representativa da investigação e não tanto uma lista
exaustiva. Note-se que algumas das categorias principais se sobrepõem. Por
exemplo, perca relacional pode resultar em estatuto relacional em
disponibilidade. A mobilidade geográfica está incluída em duas categorias,
pois há uma certa evidência de que a solidão associada à mudança para outro
lugar deriva da perca relacional (isto é, amigos e colegas que se deixaram) e
das incertezas de estar numa nova situação em que se devem desenvolver
novas relações. O documento 10.2 ilustra até que ponto a entrada para a
universidade é susceptível de causar solidão.
tos
in
9)
Quadro 10.7 — Determinantes externos da solidão

Categoria/Exemplo

Contacto social/Actividades Perca relacional'rejeição


Mais tempo passado só Divórcio
Actividades importantes/ Viuvez Fracasso
tempo só (comer, estudo, Separação Ter um fracasso
fins de semana) Divórcio ou morte de pais? Perder um jogo

ce e a
Menos tempo com a família, Mobilidade geográfica Factores temporais

e
os amigos, os vizinhos Rejeição dos colegas Partes do dia,da
Menos contacto com amigos e Redes socias semana e estação
família pelo telefone Menos amigos
Menos actividades sociais Menos relações íntimas

em
Namorar menos Menos apoio social
Menos participação em Rede com densidade mais baixa
organizações voluntárias,
reuniões e cerimónias
religiosas Novas situações
Viver sozinho Ir para a Universidade
Estatuto relacional Mobilidade geográfica

see—
Estado civil: em disponibilidade | Barreiras indirectas
Desemprego
Rendimento baixo
Transportes inadequados

Fonte: Adaptado de Jones, Cavert, Snider, e Bruce, 1985.

Documento 10.2 — A solidão da transição para a universidade

A entrada na universidade representa uma transição vital de grande importância.


Reveste-se especificamente de interesse para a investigação social na medida
em que pressupõe não só um avanço qualitativo no sistema de ensino, como
também, para muitos estudantes, o primeiro afastamento significativo da casa
ad

dos pais. Tal cria perturbações nas redes sociais. Os caloiros são forçados a
construir uma nova rede de apoio social e a renegociar as suas relações com a
família e os amigos que ficaram na terra. Os estudos de Newcomb e colegas
(Newcompb et al., 1967) apresentados no capítulo 4 confirmam que amizades
e mudanças de valores que se formam durante a vida universitária podem
perdurar ao longo do ciclo vital.

O que acontece aos caloiros quando entram para a universidade? O estudo de


Cutrona (1982) efectuado com caloiros evidenciou que tendiam a sentir-se
sós no Outuno, mas a maior parte deles recompunha-se ao fim do primeiro

354
ano, melhoramento que tinha a ver com a formação de novas redes de amizade.
Apesar disso cerca de um quinto dos sujeitos permaneceram sós todo o ano,
os quais foram identificados desde o começo pela sua tendência a atribuirem
a solidão mais a causas pessoais (ou internas) que situacionais (ou externas).
Ou por outras palavras, censuravam-se mais pela sua solidão do que pela
transição. Enfim, encontrou-se neste trabalho que a qualidade percepcionada
de amizades e de namoros era um melhor preditor da solidão que índices
quantitativos, tais como o número de amigos e de namorados.

Num trabalho posterior Shaver et al. (1985) mostraram que a transição para a
universidade reveste-se de stress sobretudo para os rapazes. A frequência de
namoros nos rapazes diminuiu mais que nas raparigas. Isto pode ser o resultado
de que os rapazes têm um conjunto mais pequeno de namoradas disponíveis,
dado haver a norma cultural que encoraja as raparigas (mas não os rapazes) a
namorar com elementos do sexo oposto mais velhos e a declinarem pedidos
de namoro de rapazes mais jovens.

As antigas relações na terra diminuiram em número e na qualidade


percepcionada, enquanto que as novas não atingiram os níveis de satisfação
anteriores à entrada na universidade. A transição para a universidade causa o
fim de quase metade (46 por cento) das relações românticas do ensino
secundário e produz tensão nos restantes 54 por cento que foram avaliadas
de modo muito menos positivo após a entrada que antes.

No lado mais positivo, os caloiros foram rápidos em estabelecer novos grupos


de pessoas conhecidas, mas experienciavam uma grande incerteza acerca
deles. Os seus sentimentos acerca da família tornaram-se mais positivos e
experienciavam menos conflito com os pais mesmo se os não viam muitas
vezes, ou talvez por causa disso. Trata-se obviamente de uma mudança
subjectiva pois havia pouca intreracção com a família que pudesse melhorar.
Os estudantes sentiam-se melhor relativamente à sua família.

Certos estudos mostraram que a força da associação entre solidão e a condição


em questão era forte e duradoira. É o caso da viuvez (Lopata, 1969) e da
perca de um dos pais (devido a morte ou divórcio) durante a infância
(Rubenstein e Shaver, 1982a).

A maior parte dessas condições estão relacionadas com a solidão porque são
obstáculos para trocas sociais satisfatórias com os outros que são ou podiam
ser importantes na vida das pessoas. Note-se todavia que, uma maior solidão

355
está relacionada com condições que só de modo indirecto interferem com
interacções satisfatórias. O desemprego retira a uma pessoa oportunidades
sociais no trabalho e também é susceptível de restringir o envolvimento social
devido à falta de dinheiro para certos tipos de interacção ou ao embaraço por
ter perdido o trabalho. Aliás o baixo rendimento encontra-se associado à
solidão mesmo entre pessoas que estão empregadas.

Em suma, a lista apresentada que tem por suporte investigação empírica


confirma a proposição teórica de que a solidão é, pelo menos em parte,
determinada por factores situacionais susceptíveis de dilacerar, de impedir ou
de ameaçar as relações interpessoais.

6.2 Características pessoais

Certas pessoas são mais susceptíveis de experienciarem a solidão de modo


mais intenso e duradoiro que outras. Todavia, uma predisposição para a
solidão não causará necessariamente a experiência de solidão num momento
particular, mas fará com que essas pessoas sejam mais vulneráveis a factores
situacionais. A solidão também pode levar ao desenvolvimento de certas
características pessoais o que faz com que seja extremamente difícil conhecer
a ligação exacta entre características pessoais e solidão. Seja qual for a relação
causal, a investigação tem posto em evidência que as pessoas que dizem ser
solitárias descrevem-se e agem de modo diferente das que não o dizem.

Características como a depressão, o autoconceito, a auto-estima, a timidez,


habilidades sociais e a atracção física podem afectar a solidão de diversos
modos (Perlman e Peplau, 1981): a) as características que reduzem a
desejabilidade social de uma pessoa podem limitar as oportunidades para
relações sociais; b) as características pessoais influenciam o próprio
comportamento de uma pessoa em situações sociais; c) as qualidades pessoais
podem determinar o modo como uma pessoa reage às mudanças nas relações
sociais realizadas e assim influenciar a eficácia da pessoa no confronto com
a solidão.

A ligação entre solidão e depressão está bem documentada na literatura. Estudos


que recorreram a auto-avaliações breves da depressão encontram que as
pessoas que dizem que se sentem sós também dizem que se sentem deprimidas
(e.g., Perlman, Gerson, e Spinner, 1978; Russell, Peplau, e Ferguson, 1978).
Estudos que usam escalas de depressão mais longas como o Inventário de
Depressão de Beck também encontram uma forte associação entre solidão e
depressão (e.g., Russell et al., 1980; Young, 1982). É, no entanto, importante

356
também realçar que a solidão e a depressão são fenómenos distintos embora
em parte coincidentes (Russell, Peplau, e Cutrona, 1980). Nem todas as pessoas
sós estão deprimidas, e nem todas as pessoas deprimidas se sentem sós. Este
resultado levou Bragg (1979) a propor uma distinção entre «solidão deprimida»
e «solidão não deprimida». Num estudo com estudantes universitários, Bragg
encontrou que a solidão deprimida estava claramente associada com a
negatividade global, apreendida na insatisfação não só com as relações sociais,
como também com a escola, o trabalho e muitas outras facetas da vida. Pelo
contrário, as pessoas sós não deprimidas expressavam insatisfação só com as
suas relações sociais, não se sentindo necessariamente infelizes a respeito de
outros aspectos das suas vidas.

Tentou-se observar em diversas investigações a relação entre a solidão e o


autoconceito. No âmbito do trabalho levado a cabo por Young (1982) o
autoconceito está entre as categorias propostas que permitem uma melhor
compreensão da solidão. Assim os solitários podem apresentar um autoconceito
negativo. Devido a pensamentos automáticos, consideram-se indesejáveis em
vários aspectos. Julgam-se não atractivos, não amáveis, aborrecidos, estúpidos,
frios ou egoistas. Têm igualmente tendência a crer que estes defeitos estão na
base da sua personalidade e são, por conseguinte, imutáveis. Goswick e Jones
(1981) mostraram que as pessoas solitárias estavam insatisfeitas com elas e
tinham um autoconceito negativo. Num estudo efectuado em Portugal (Neto,
1989b) junto de estudantes universitários encontrou-se uma correlação negativa
entre a solidão e o autoconceito. Esta correlação negativa era mais acentuada
em relação a uma dimensão do autoconceito, a aceitação e rejeição social.
Esta dimensão permitia, só ela, predizer o essencial dos valores da solidão.
Esta mesma relação negativa e significativa entre solidão e autoconceito também
se encontrou na Canadá (Bérubé e Joshi, 1998).

A auto-estima constitui um corolário íntimo do autoconceito como se viu no


capítulo 2. As pessoas sós sentem-se muitas vezes sem valor, incompetentes
e não susceptíveis de serem amadas. Efectivamente a ligação entre uma solidão
acentuada e uma auto-estima fraca constitui uma das descobertas mais
consistentes entre as investigações sobre a solidão (Ouellet e Joshi, 1986;
Loucks, 1980; Peplau, Miceli, e Morash, 1982; Rubentein e Shaver, 1980).
As pessoas que se dizem solitárias tendem a olhar-se como sendo indignas e
desprezíveis. Eddy (1961) encontrou uma correlação significativa entre a
solidão e uma medida indirecta da auto-estima, a discrepância entre o auto-
conceito ideal e o actual da pessoa. Goswick e Jones (1981) encontraram
que a solidão estava associada com percepções negativas do seu corpo,
sexualidade, saúde e aparência. Esses maus sentimentos acerca deles próprios
são aparentes para as outras pessoas, que vêem as pessoas solitárias como
sendo «severas para com elas» (Jones, Sansome, e Helm, 1983).

357
A ligação entre a auto-estima e a solidão é recíproca. Uma baixa auto-estima
pode engendrar solidão, mas, simultaneamente, as pessoas com uma baixa
auto-estima podem censurar-se pelos fracassos sociais e por terem baixos
níveis de contacto social o que reforça o seu próprio baixo auto-conceito.

A timidez que é «uma tendência para evitar interacções sociais e para falhar a
participação de modo apropriado em interacções sociais» (Pilkonis, 1977),
pode predispor para a solidão. Zimbardo (1977) encontrou correlações
significativas entre a timidez e a solidão. Sermat (1980) mostrou que os
homens solitários têm uma pontuação mais baixa numa medida da tomada
de risco social. Investigações de Cheek e Busch (1981) e de Cutrona (1982)
indicam que a timidez pode levar à solidão. Em adolescentes portugueses
encontrou-se que a solidão se associava também à timidez (Neto, 1992b).

Tem sido sugerido que a falta de habilidades sociais pode estar associada à
solidão (Weiss, 1973). Um vasto leque de défices interpessoais estão
associados à solidão. Estudantes universitários sós referiam maior dificuldade
que os não sós em apresentar-se aos outros, em telefonar para iniciar contacto,
em participar em grupos, em sentir-se bem nas festas (Horowitz, French, e
Anderson, 1982; Jones, 1982; Moore e Sermat, 1974). Num estudo de
interacção no laboratório, Jones, Hobbs, e Hockenbury (1982) compararam
os padrões de interacção de estudantes com pontuações altas de solidão com
estudantes com pontuações baixas. Os estudantes com pontuações altas de
solidão fizeram menos referências ao seu companheiro durante a interacção,
mostraram menos atenção ao companheiro, faziam-lhe menos questões e
eram menos susceptíveis de continuarem a discutir o tópico iniciado pelos
companheiro. Esses achados reflectem a intensa auto-focalização das pessoas
sós e a dificuldade que têm para responder de modo apropriado aos outros.
“Solano, Batten, e Parish (1982) compararam estudantes solitários e não
solitários e observaram que os estudantes solitários manifestavam padrões
inabituais de auto-realização, pois tendiam quer a revelar muito deles próprios
rapidamente quer a tornar-se reticentes. Jones, Sansome, e Helm (1983)
encontraram que as pessoas solitárias são não só mais rejeitadas pelos outros,
mas também mais auto-rejeitadas, pois esperam que os outros os rejeitem nas
interacções sociais.

A investigação referente à atracção interpessoal tem posto em evidência de


modo consistente que a semelhança suscita o gostar. Tal sugere que a
semelhança entre uma pessoa e os grupos sociais em que participa afectará a
solidão. As pessoas que são «diferentes» em determinada situação social
pelas características étnicas, religiosas ou outras podem sentir-se mais
sós.

Em suma, baseados na investigação descrita é possível traçar um quadro


compósito das pessoas solitárias. São pessoas com uma visão pessimista delas

358

Do
MS
próprias e das outras pessoas, tímidas e sem assertatividade, não respon-dentes
e insensíveis nas interacções sociais e diferentes em determinadas características
nas situações sociais. Muitas destas características constituem uma dificuldade
para que a pessoa se envolva em relações íntimas e por essa razão podem |
|
conduzir à solidão. |

6.3 Atribuições causais da solidão

A procura das causas da solidão não é só apanágio dos investigadores e dos


técnicos de saúde mental, uma vez que as próprias pessoas que sentem a
solidão também estão motivadas para explicar os motivos por que se sentem
sós. Para uns e para outros compreeender as causas da solidão representa o
primeiro passo para prever, controlar e aliviar a solidão.

Entre os vários modelos da atribuição, o de Weinerjá mostrou ser relevante


neste domínio. Como já se viu no capítulo 3, Weiner aplicou a teoria da
atribuição ao domínio da realização. Este enfoque é útil para compreender a
solidão porque as relações sociais de uma pessoa são uma indicação de sucesso
em muitas sociedades ocidentais. Peplau e a sua equipa (Peplau, Russell, e
Heim, 1979; Michela, Peplau, e Weeks, 1982) examinaram duas dimensões
das atribuições que fazemos porque estamos descontentes com as relações
sociais: locus de causalidade (interno ou pessoal versus externo ou situacional)
e estabilidade (estável versus instável). Por exemplo, se uma pessoa verbaliza
que «sinto-me sozinha, porque sou feia» representaria uma atribuição interna,
estável, ao passo que se alguém diz «sinto-me só porque acabo de emigrar»
representaria uma atribuição externa e instável.

A combinação destas duas dimensões das atribuições causais permite obter


quatro tipos diferentes de atribuições causais que estão assinaladas no
quadro 10.8.
Quadro 10.8 — Explicações da solidão

LOCUS DE CAUSALIDADE
Interno Externo

Estou sozinho porque não sou As pessoas por aqui são frias e
amado.É deprimente; sinto um impessoais, nenhuma partilha os
Estável
vazio. Sento-me à noite sozinho, meus interesses ou corresponde
a beber, a comer e divertindo-me às minhas expectativas. Estou
a mim mesmo com a televisão. farto deste lugar.
ESTABILIDADE

Estou sozinho agora, mas não O meu namorado e eu separámo-


será por muito tempo. Deixei de nos. É o caminho que as relações
me dedicar tanto ao trabalho e seguem hoje em dia; algumas
Instável

saio e conheço novas pessoas. delas resultam e outras não. Da


Começarei por telefonar
à pessoa | próxima vez talvez tenha mais
que conheci na festa de um | sorte.
amigo.

Fonte: Shaver e Rubenstein, 1980.

Segundo Peplau e sua equipa os sentimentos mais severos de solidão surgem


quando fazemos atribuições internas, estáveis. Sentimo-nos provavelmente
de modo mais acentuado sós quando cremos que não temos relações
satisfatórias por causa das nossas próprias qualidades permanentes e
indesejáveis. Quando fazemos qualquer um dos outros três tipos de
atribuições, ainda podemos ter alguns sentimentos de solidão, no entanto
esses sentimentos são muito menos susceptíveis de serem severos. Sobretudo
quando fazemos atribuições internas, instáveis, somos capazes de controlar o
estado de solidão o que pode ajudar a reduzir os sentimentos de malestar.

Atribuições para a solidão podem ter implicações nas expectativas futuras,


nas emoções e no comportamento de uma pessoa. A teoria da atribuição
prediz que as explicações estáveis para o fracasso conduziriam a expectativas
mais baixas para a realização futura. Esta predição pode ser confirmada para
a solidão (Michela, Peplau, e Weeks, 1982). A crença que a solidão era devida
a características imutáveis de si próprio ou da situação estava ligada ao
pessimismo e a baixas expectativas para o futuro.

Pode igualmente ser posto em evidência que os sentimentos de depressão


são mais susceptíveis de acompanhar a solidão quando as auto-atribuições
são estáveis e internas. Por exemplo, Bragg (1979) encontrou entre os

360
estudantes sós, a depressão mais acentuada estava associada com atribuições
de solidão à sua aparência física, personalidade e medo de rejeição.

Finalmente, as atribuições causais podem influenciar o comportamento das


pessoas sós e as respostas para superar a solidão. Por exemplo, os estudantes
sós tendiam a atribuir os fracassos interpessoais mais a defeitos imutáveis do
carácter (baixa habilidade, traços de personalidade) do que a factores pessoais
mutáveis (falta de esforço, uso de estratégias ineficazes) (Horowitz, French,
e Anderson, 1982). Num segundo estudo os autores mostraram que este estilo
atribucional estava associado com um comportamento menos eficaz numa
tarefa de persuasão interpessoal. Os estudantes que faziam atribuições à
habilidade ou a traços apresentavam expectativas de sucesso mais baixas,
motivação mais baixa e eram menos bem sucedidos na tarefa que os estudantes
que faziam atribuições ao esforço ou à estratégia.

361
7. Confronto com a Solidão
Acabamos de ver que há muitos factores situacionais e pessoais que
podem suscitar a solidão. Há igualmente muitos modos de confronto com a
solidão.

7.1 O que fazem as pessoas quando sentem a solidão

Ao nível mais básico as pessoas diferem na facilidade em reconhecer ou admitir


a solidão (Booth, 1983; Rook e Peplau, 1982). O temor de estigma, por
exemplo, pode levar algumas pessoas sós a evitar a etiqueta «só» mesmo
quando procuram ajuda profissional. Fromm-Reichmann (1959) sugeriu que
não parece ser fácil falar mesmo de estados benignos de solidão. Algumas
pessoas podem proteger-se do sofrimento da solidão negando a sua expe-
riência. Autores chamam a atenção que os clínicos devem estar preparados
para inferir a presença da solidão em clientes que são relutantes em admiti-la
ou que a experienciam ao nível inconsciente (Booth, 1983; Fromm-Reichmann,
1959).

Para além de diferenças em querer reconhecer a sua solidão, as pessoas podem


também diferir nas acções específicas que realizam para se confrontar com a
solidão. No inquérito de Rubenstein e Shaver (1982a) as quatro respostas
mais comuns ao que faziam as pessoas quando se sentiam sós foram: ver
televisão (60%), ouvir música (57%), chamar um amigo (55%) e ler (50%).
As respostas dadas puderam ser condensadas em quatro tipos principais: dois
tipos positivos, construtivos de confronto (contacto social, solidão activa); um
tipo negativo, com comportamentos potencialmente auto-destruidores
(passividade triste); o gastar dinheiro parece ser uma categoria relativamente
única que pode ser vista como um modo positivo de confronto com a solidão
para quem tem dinheiro e negativo para quem não o tem. Rubenstein e Shaver
referiram também que a solidão estava directamente correlacionada com as
pontuações da passividade triste e inversamente correlacionada com contacto
social.

Num estudo semelhante com estudantes universitários, Paloutzian e Ellison


(1979) encontraram várias estratégias de confronto associadas à solidão:
a) respostas orientadas sensualmente (e.g. beber, drogar-se, encontros sexuais);
b) respostas religiosas (e.g., rezar, ler a Bíblia); c) respostas de procura (e.g., ir
dançar, conduzir), d) diversões não sociais (e. g., ocupar-se, ler estudar,
trabalho); e) contacto íntimo (e.g., falar com um amigo íntimo sobre os seus
sentimentos; passar o tempo com um amigo íntimo só para estar junto dele); e
f) passividade (e.g., dormir). Além disso esses investigadores encontraram que
os estudantes que avaliavam as suas habilidades sociais de modo mais positivo
referiam ser menos provável enveredar por actividades sensuais ou de diversão

365
quando sós e ser um pouco mais provável entregarem-se a actividades com
cariz íntimo e religioso. Os sujeitos que percepcionaram as suas habilidades
sociais de modo mais positivo viam também as reacções sensuais e de diversão
como sendo menos eficazes para reduzir os sentimentos de solidão e as reacções
de contacto íntimo como as mais eficazes.

Quadro 10.9 — O que fazem as pessoas quando se sentem sós

Passividade triste Solidão activa Gastar dinheiro Contacto social

Chorar Estudar ou trabalhar Gastar dinheiro Chamar um amigo

Dormir Escrever Fazer compras Visitar alguém

Ficar só Ouvir música

Não fazer nada Passear

Comer em demasia Trabalhar num passatempo

Tomar tranquilizantes Ler

Ver televisão Tocar música

Beber

Fonte: Rubenstein e Shaver, 1982a.

Diversos estudos encontraram que as pessoas sós eram mais susceptíveis em indicar
o confronto com a solidão evitando os outros (Jones, Cavert, Snider, e Bruce,
1985), sensibilidade à rejeição (Russell et al. 1980), passividade (Dubrey e Terrill,
1975), menor compromisso em funções sociais activas (Evans, 1983). Não é de
surpreender que as pessoas religiosas recorram a estratégias de confronto, tais
como a oração e a leitura da Bíblia (Dufton e Perlman, 1986).

Num estudo recente Rokach e Brock (1998) avançaram a concepção de


confronto com a solidão estabelecendo três agrupamentos. O primeiro,
denominado aceitação e desenvolvimento de recursos, incluia três dimensões:
reflexão e aceitação, auto-desenvolvimento e compreensão, e religião e fé.
As características salientes deste agrupamento comportam aumento de
consciência da pessoa de pensamentos e sentimentos, e por vezes, reflexões
sobre o seu lugar no universo. Esta reflexão parece associar-se ao desejo de
se ligar a um poder mais elevado e de encontrar o sentido de vida e a explicação
de verdades universais. O segundo agrupamento, construção de pontes sociais,
incluia as dimensões rede de apoio social e aumento de actividade. Ambos
os factores sublinham o esforço para se construirem pontes sociais através
das quais as pessoas solitárias se possam ligar às outras. O desenvolvimento
de uma rede de apoio social aumenta a probabilidade de se encontrarem
pessoas para relacionamento e contactos mais íntimos. O terceiro agrupamento
de confronto com a solidão, distanciamento e negação, denota a incapacidade

366
de fazer face à solidão e a necessidade opressiva de a negar e de evitar uma
completa tomada de consciência da sua dor. Se bem que esta abordagem possa
impedir com sucesso a dor da solidão a breve prazo, muito provavelmente não
será suficiente para tratar com a solidão a longo termo. O recurso a algum
destes métodos poderá levar a mais problemas.

Discutindo as estratégias de auto-ajuda das pessoas sós, Rook e Peplau (1982)


fazem a distinção entre estratégias cognitivas e estratégias comportamentais
de confronto. No final do ano lectivo, 162 estudantes universitários
responderam acerca das estratégias utilizadas quando confrontados com a
solidão durante o ano. Os estudantes utilizaram um amplo leque de compor-
tamentos quando se sentiam sós. Tentavam habitualmente comportamentos
que pudessem melhorar a sua vida social, tais como ser amigável com os
outros, ajudar mais alguém, ou melhorar a sua aparência física. Os estudantes
tentaram também contrariar o impacto potencialmente negativo da solidão sobre
a auto-estima envolvendo-se em actividades não sociais em que tinham aptidões.
Muitos estudantes disseram que quando se sentiam sós trabalhavam muito
para ter êxito nalguma actividade. Os estudantes disseram que eram mais
susceptíveis de se distrairem com actividades mentais e físicas que com a
utilização de drogas ou de álcool.

Os estudantes utilizaram também estratégias cognitivas para aliviar a solidão.


As estratégias cognitivas eram utilizadas para resolver o problema (e.g., pensar
acerca das causas da sua solidão e o que podiam fazer para a vencer), e para
distracção (e.g., pensar de propósito noutras coisas). Os estudantes auxiliavam
a auto-estima pensando nos seus aspectos bons e nas suas relações sociais.

Há três abordagens gerais de confronto com a solidão (Perlman e Peplau,


1982). Quando as pessoas se sentem sós podem reduzir a sua necessidade de
contacto social, aumentar a quantidade e a qualidade de contactos sociais ou
reduzir o fosso entre os níveis desejados e realizados de contacto social.
As pessoas podem mudar a sua necessidade das outras escolhendo tarefas
educacionais e actividades que possam ser agradáveis fazendo-as sozinhas.
Por exemplo, uma senhora cujo marido falecera recentemente pode voltar
ao seu antigo prazer de pintar que tinha sido suspenso aquando da constituição
da família.

Talvez o modo mais óbvio de vencer a solidão seja estabelecer ou melhorar


as relações sociais. Num estudo com estudantes universitários verificou-se
que «encontrar um namorado/namorada» era percepcionado como sendo o
melhor modo de vencer a solidão (Cutrona, 1982). Podem-se imaginar muitos
modos de realizar mais contactos sociais: tornar-se mais atractivo, associar-
-se em clubes, iniciar conversas com outras pessoas, aprofundar as relações
existentes...

367
A terceira abordagem geral de confronto com a solidão permite reduzir as
expectativas de uma pessoa para se ajustar à realidade da sua situação. As
pessoas podem desenvolver novos interesses e habilidades, uma adaptação
positiva, ou podem voltar-se para o álcool e a droga para compensar as relações
sociais insatisfatórias, uma adaptação negativa. Como esta estratégia negativa
sugere, a solidão obriga a custos individuais e da sociedade.

7.2 Como ajudar as pessoas a sentirem-se menos sós

Perante a diversidade de causas que podem levar à solidão não existe só uma
estratégia de cura, mas muitas estratégias (Rook e Peplau, 1982).

Num estudo conducente a uma tese de mestrado de Petryshen citada por


Weiss (1982), alguns dos pacientes receberam psicoterapia tradicional,
enquanto que outros receberam psicoterapia focalizada nas questões da
solidão. Aqueles cuja psicoterapia tratou de questões de solidão permaneceram
na terapia e muitos melhoraram. Os mais solitários entre os que receberam a
terapia tradicional desistiram do tratamento. Tal sugere que ao trabalhar-se
com pessoas solitárias, deve-se reconhecer a sua solidão para se poder ser
útil. Importa pois antes demais que as intervenções sejam adaptadas aos
problemas específicos das pessoas sós.

Desenvolveram-se recentemente um certo número de programas de


tratamento da solidão crónica em vista a ajudar as pessoas a confrontar-se
com a solidão, a prevenir as consequências mais sérias como depressão e
suicídio e ajudá-las a criar redes sociais mais satisfatórias e alargadas (Rook,
1984a,b). Há fundamentalmente quatro abordagens:

1. Tratamento cognitivo que tem como objectivo mudar as expectativas


das pessoas de que serão rejeitadas nos encontros sociais.

2. Treino das habilidades sociais que tem como objectivo melhorar a


habilidade das pessoas para serem eficazes nos encontros sociais.

3. Terapia de grupo que tem como objectivo aumentar a sensibilidade


às outras pessoas.

4. Abordagens comunitárias que têm por objectivo aumentar as


oportunidades das pessoas para a interacção.

As abordagens comunitárias não são muito úteis para as pessoas com défices
em habilidades sociais. Se não se solucionar primeiro o problema subjacente
ao «Sai e encontra mais pessoas», isso significa efectivamente «Sai e sê
rejeitada por mais pessoas» (Duck, 1983).
Para além de respostas orientadas sensualmente, há diversas estratégias
de confronto associadas à solidão.

Num programa de treino de habilidades sociais Gallup (1980) treinou as


pessoas sós em habilidades interaccionais como parafrasear os comentários
do companheiro, fazer um sumário das suas afirmações, dar avaliações
positivas. As pessoas sós mediante este treino tornam-se mais habilidosas na
conversação e aumentaram a sociabilidade subjacente, reduziram a solidão e
os sentimentos de timidez.

Os tratamentos cognitivos pretendem reestruturar o modo como as pessoas


sós pensam acerca delas próprias e dos acontecimentos interpessoais em que
participam. As pessoas sós são geralmente muito ansiosas socialmente, tal
como os tímidos, e sentem-se julgadas ou ridicularizadas pelos outros.
Tratamentos tais como os de Young (1982) mediante a terapia cognitiva
pretendem mudar estas atitudes e encorajar a pessoa a envolver-se em
actividades com outras pessoas, inclusive a revelarem os seus próprios
sentimentos e emoções. Nas aplicações relativas a este capítulo são referidos
mais em pormenor alguns dos modos de eliminar a solidão.

369
XII. COMPORTAMENTO EM GRUPOS
TÁBUA DE MATÉRIAS

XI. COMPORTAMENTO EM GRUPOS

É, Introdução

A natureza dos grupos


bo

2.1 O que é um grupo?


2.2 Diferentes tipos de grupos
2.3 Porque é que as pessoas se juntam em grupos?
2.4 —Grupose tempo

3. Influência da presença de outras pessoas

3.1 A presença de outras pessoas afecta o esforço


3.2 | A presença de outras pessoas aumenta a activação

3.3 A presença de outras pessoas pode causar distração e apreensão


da avaliação

3.4 Tentativa de integração

4. Características dos grupos

4.1 Estrutura do grupo


4.2 Coesão

4.3 Comunicação

>. Interacção em grupos

5.1 | Produtividade do grupo


5.1.1 Análise das tarefas de grupo
5.1.2 Preguiça social
5.2 Tomada de decisão em grupos
5.2.1 Pensamento grupal
5.2.2 Polarização da interacção grupal
e
mo
ai

493
6. Liderança

6.1 O que é a liderança?


6.2 Perspectiva contingente da liderança
6.3 Consistência na liderança
6.4 Cultura e estilos de liderança
6.5 Poder

Grupos na sociedade

Tal Famílias

Ju Grupos experienciais

Aplicações: Equipas de trabalho

Sumário

Para ir mais longe

Actividades propostas

494
Objectivos:

* Compreender a natureza dos grupos;

* Identificar os tipos de grupos que existem;

* Descrever porque é que as pessoas se juntam em grupos, como se


tornam seus membros e qual é o processo de socialização grupal;

* Examinar se a mera presença de outras pessoas influencia o compor-


tamento humano;

* Identificar os factores que influenciam a produtividade do grupo;

* Explicar o que é a preguiça social;

* Examinar processos de tomada de decisão em grupos:

* Averiguar a natureza da liderança;

* Compreender diferentes tipos de poder.


1. Introdução
Who built the seven gates of Thebes?
In the books are listed the names of kings.
Did the kings heave up the building blocks?

Bertold Brecht

O nosso planeta tem não só cinco biliões de pessoas, como também tem
cerca de 200 Estados-nações, 4 milhões de comunidades locais, 20 milhões
de organismos económicos e centenas de milhares de outros grupos. Todos
nós somos membros de grupos que exercem uma influência enorme nas
nossas vidas. A maior parte de nós nasceu num grupo familiar, passou grande
parte da infância em interacções com pais e irmãos. Quando nos aventuramos
por um mundo social mais amplo inserimo-nos em novos grupos, porventura
para jogar, para a catequese ou para estudar. Já como jovens adultos podemos
ter oportunidade de aderir a grupos de trabalho, a partidos políticos ou a
outras organizações. Qual é a influência de grupos sobre os seus membros?

Imagine-se que cinco pessoas que não se conheciam previamente ficam


fechadas num ascensor entre dois andares. Começam então a comparar as
suas reacções, a partilhar histórias das suas vidas e a esboçar um plano de
acção para sair do ascensor. Neste caso os indivíduos estão inseridos num
grupo de pessoas e os seus comportamentos são influenciados pelo grupo.
Neste exemplo já não se está meramente focalizado no indivíduo, mas no
comportamento de um certo número de pessoas. Para muita gente tal
representa a essência da psicologia social. Acontece, no entanto, que muitas
vezes os psicólogos sociais preferem trabalhar ao nível do indivíduo, tendo
mais em conta as percepções de cada pessoa, as crenças e os comportamentos
e não tanto a interacção que ocorre nos grupos. Certos psicólogos sociais
foram ao ponto de considerar que os grupos não são reais. Floyd Allport
(1924) afirmara que «ninguém tropeçara alguma vez num grupo», o que
implica que os grupos são ilusórios, só existem na mente das pessoas. Para
Allport os grupos não são mais do que conjuntos partilhados de valores, de
pensamentos, de hábitos que existem simultaneamante nas mentes de várias
pessoas. Já outros autores defenderam que os grupos têm limites tangíveis
(Knowles, 1973) e que são entidades que deveriam ser tratadas como objectos
unitários no nosso meio (Warriner, 1956). Por exemplo, as investigações
experimentais de Sherif (1936) pelo recurso ao efeito autocinético não
demonstram que em grupo as pessoas fazem convergir o seu julgamento
para uma norma comum ao grupo, que esta norma orienta o comportamento
das pessoas mesmo quando já não estão na presença do grupo e que a soma
dos julgamentos individuais não permite chegar ao julgamento colectivo das
pessoas reunidas em grupo? Tocamos aqui um problema central da psicologia
social enquanto disciplina científica. O estudo da psicologia dos grupos tem

499
necessidade de recorrer a uma abordagem teórica e metodológica diferente
da do estudo da psicologia dos indivíduos? Esta questão ainda suscita hoje
em dia vivo debate (Brown, 1988, Steiner, 1972; Tajfel, 1972).

Há efectivamente um certo número de perspectivas que se podem adoptar


sobre a influência de mais de uma pessoa numa situação. Muito embora os
psicólogos sociais estudem os grupos há mais de 50 anos, os investigadores
ainda estão explorando activamente as influências mútuas de grupos e de
indivíduos que os formam (Visscher, 1991). Neste capítulo exploraremos a
noção de grupo, bem como as mudanças psicológicas que se produzem quando
as pessoas se encontram em grupo. Abordaremos mais as relações intragupos,
isto é, o que se passa entre os membros de um grupo social. Já as relações
entre membros de grupos diferentes (relações intergrupos) são abordadas
noutros capítulos.

500
2. A Natureza dos Grupos

4
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E
a
2.1] O que é um grupo?

As definições de grupo variam e, por vezes, contradizem-se umas às outras,


ou são quase ininteligíveis, ou não se parecem nada com o que geralmente
pensamos quando utilizamos a palavra grupo. No documento 12.1 são
apresentados alguns exemplos de definição. Nas definições aí referidas
transparece já uma variedade de conceptualizações de um grupo. Os grupos
são definidos muitas vezes por factores que fazem com que uma colecção de
indivíduos se juntem, tais como a interacção e a comunicação entre os seus
membros, e objectivos partilhados e normas.

Por exemplo, a definição de Johnson e Johnson (1987) enfatiza sete aspectos


principais. O grupo é:

1. Uma colecção de indivíduos que estão a interagir uns com os outros.

2. Uma unidade social que tem duas ou mais pessoas que se percepcionam
como pertencendo a um grupo.

3. Uma colecção de indivíduos que são interdependentes.

4. Uma colecção de indivíduos que se juntam para realizar um objectivo.

5. Uma colecção de indivíduos que estão a tentar satisfazer algumas das


suas necessidades através da associação conjunta.

6. Uma colecção de indivíduos cujas interacções estão estruturadas por


um conjunto de papéis e de normas.

7. Uma colecção de indivíduos que se influenciam uns aos outros.

Documento 12.1 — Definições de grupo

Smith (1945):

«Podemos definir um grupo social como uma unidade que consiste


num número plural de organismos (agentes) separados tendo uma
percepção colectiva da sua unidade e a capacidade de agir/ou estar a
agir de modo unitário em relação ao seu meio.»

Sherif e Sherif (1956):

«Um grupo é uma unidade social que consiste num número de


indivíduos com (mais ou menos) estatuto definido e relações de papel

503

DO aa
de uns em relação aos outros estabelizadas em certo grau no tempo e
que possuem um conjunto de valores ou normas do seu próprio modo
de regular o comportamento dos membros individuais, pelo menos
em assuntos com consequências para o grupo.»

Sprott (1958):

«Um grupo, no sentido sócio-psicológico, é uma pluralidade de pessoas


que interagem com as outras num dado contexto mais do que interagem
com qualquer outra pessoa.»

Bass (1960):
«Definimos “grupo” como uma colecção de indivíduos cuja existência
como uma colecção é recompensadora para os indivíduos.»

Johnson e Johnson (1987):

«O grupo é constituído por dois ou mais indivíduos em interacção


face a face, cada um consciente da sua qualidade de membro do grupo,
cada um consciente de outros que pertencem ao grupo e cada um
consciente das suas interdependências positivas quando se empenham
em realizar objectivos mútuos.»

Nenhuma dessas definições reflecte os fenómenos intergrupais observados


nas experiências com grupos mínimos. Nestas experiências não há interacção
entre os membros do grupo, nem interdependência, nem estrutura. Há, no
entanto, diferenciação intergrupal. Nenhuma das definições aí apresentadas
dão conta de tal. É que o paradigma do grupo mínimo suscita uma mudança
na conceptualização de um grupo. Já nesta via Tajfel e Turner (1986, p. 15)
conceptualizaram o grupo «como uma colecção de indivíduos que se
percepcionam como membros da mesma categoria social, partilham algum
envolvimento emocional nesta definição comum deles próprios, e realizam
algum grau de consenso social sobre a avaliação do seu grupo e dos seus
membros nele.» De um modo mais sucinto e básico Brown (1988, p. 2-3)
considera que «um grupo existe quando duas ou mais pessoas se definem
como membros dele ou quando a sua existência é reconhecida pelo menos
por algum outro.» É facilmente perceptível tratar-se de uma conceptualização
cognitiva. Segundo esta última definição um grupo existe quando é visto
existir pelos seus membros, bem como pelo menos por um membro de fora do
grupo. Mas esta definição também não é uma solução perfeita. Não abarca,
por exemplo, sociedades secretas que se vêm a si próprias como grupos, mas
que não são reconhecidas como tais por pessoas de fora.

504
2.2 Diferentes tipos de grupos

Os esboços de definição que se apresentaram podem aplicar-se melhor ou


pior segundo o tipo de grupo que se estuda. Existem efectivamente diferentes
tipos de grupos. A maior parte ou talvez todas as culturas têm endogrupos,
grupos a que as pessoas pertencem e exogrupos, grupos a que não pertencem.
Já nos referimos a estes conceitos no capítulo 6. Mesmo durante períodos em
que grupos viveram em total ou quase total isolamento havia os conceitos de
«nós» ou «a nossa gente» e «outros».
Na literatura científica encontra-se com frequência a distinção entre grupo
formal e grupo informal. O grupo formal é um grupo «que tem por função
desempenhar um trabalho específico e bem definido» (Maillet, 1988, p. 297).
Geralmente é formado pela direcção de uma organização que estabelece as
normas de rendimento, o objectivo e o estatuto dos seus membros. Pelo contrário,
o grupo informal desenvolve-se de modo natural tendo em conta preferências ou
interesses comuns. A adesão ao grupo informal é voluntária, não resultando de
uma nomeação como no caso do grupo formal. As investigações clássicas de
Elton Mayo na sociedade Western Electric de Hawthorne em Chicago que
começaram nos anos vinte confirmaram que os grupos informais tinham tanto,
senão mais influência que os grupos formais. Mais perto dos nossos dias são
também, entre outras coisas, a influência e o papel dos grupos informais que
distinguem as empresas americanas mais produtivas (Peters e Waterman, 1982).

Uma outra distinção relativamente importante é a que é feita entre o grupo


primário e o grupo secundário. O grupo primário é composto por pessoas
com quem temos contactos regulares, pessoais e íntimos, como com a nossa
família ou com os nossos amigos (Van der Zanden, 1987). Ao invés, o grupo
secundário é composto por um conjunto de pessoas habitualmente maior, com
contactos mais esporádicos entre eles e num contexto mais oficial e impessoal.
À universidade, a fábrica, a caserna são exemplos de grupos secundários.

Outra distinção, utilizada com muita frequência em psicologia social, é entre


os grupos de pertença e os grupos de referência. Pensou-se durante muito
tempo que os grupos a que pertencemos influenciam as nossas atitudes e os
nossos valores. Já pode não parecer tão óbvio considerar-se que os grupos de
que não fazemos parte podem influenciar-nos. Os grupos de referência, con-
ceito introduzido por Hyman em 1942, são os que uma pessoa adopta como
quadro de referência para os seus comportamentos, atitudes ou valores. Muitas
vezes, o grupo de referência de uma pessoa é também um grupo de pertença
(Sherif, 1953). Por exemplo, para um padre operário que adopte o modo de vida
de pessoas pobres, que habite num bairro de lata e que tenha poucas condições
económicas, os pobres constituem o seu grupo de referência e também faz parte
deste grupo. Pode todavia acontecer que os grupos de referência podem ser grupos
de que não se faz parte, mas que servem de modelo e aos quais se aspira pertencer.

505
Os grupos informais têm a sua razão de existir, mesmo se é para divertimento.

Enfim, pode revestir-se de utilidade distinguir os grupos tendo em conta o seu


tamanho. Fala-se de grupo restricto no caso de um grupo relativamente bem
estruturado, composto por um número pequeno de pessoas com contactos
face a face de modo mais ou menos regular (Anzieu e Martin, 1976). Ao
invés, recorre-se ao conceito de categoria social ou de multidão para designar
um grupo muito grande relativamente pouco estruturado, composto por
centenas ou por milhares de pessoas em que não existem interacções face a
face entre os seus diferentes membros (Anzieu e Martin, 1976; Brown, 1988).
Os migrantes, as mulheres, os ricos são categorias sociais; ao passo que a
família, um grupo terapêutico, constituem grupos restrictos.

Não existem fronteiras nítidas entre estes tipos de grupos na prática. Por
exemplo, antropólogos que descreveram numerosas comunidades que são
organizadas em agrupamentos pequenos, instáveis e móvies com cerca de
50 pessoas, cujos membros partem regularmente para se juntarem a outros
agrupamentos e mais tarde regressam (Murdock, 1949). Em tais comunidades
não é clara a distinção que possa ser feita entre grupos primários, secundários,
ou de referência.
2.3 Porque é que as pessoas se juntam em grupos?

Uma das questões fundamentais no estudo da psicologia dos grupos diz respeito
a explicações da formação de grupos. Porque é que nos juntamos em grupos?
Existem dois motivos gerais. Em primeiro lugar, uma pessoa pode juntar-se a
um grupo em vista aatingir objectivos que não poderia atingir trabalhando só,
tais como projectos de amelhoramento da comunidade, perservação da defesa
nacional ou manutenção de vários serviços governamentais. Foi sugerido haver
três objectivos principais que podem ser atingidos pelos grupos (Mackie e
Goethals, 1987). Objectivos utilitários que se relacionam com necessidades
do grupo em dinheiro, realização, influência, etc. Objectivos de conhecimento
que se relacionam com a obtenção de informação, de conhecimento ou de um
consenso partilhado sobre a realidade entre os membros de um grupo (Festinger,
1950). Os grupos podem também ajudar os membros a obter uma identidade
social (Turner e Oakes, 1989). Os grupos fornecem à pessoa uma definição
reconhecida de modo consensual e uma avaliação de quem se é, como se deve
comportar e como será tratada pelos outros. Propicia assim uma redução na
incerteza subjectiva. Para além disso, dado que nós e os outros nos avaliamos
tendo em conta a atractividade relativa, a desejabilidade e o prestígio dos grupos
a que pertencemos, estamos motivados a juntarmo-nos a grupos que são
avaliados positivamente de modo consensual e que propiciarão uma identidade
social positiva.

Em segundo lugar, os grupos podem constituir modos de satisfazer


necessidades humanas e de obter recompensas sociais, tais como aprovação,
pertença, prestígio, elogio, amor ou amizade. Pessoas que pertencem a grupos
da Igreja, sentem-se bem em ser membros do grupo e recebem afeição de
outros membros do grupo. Outros grupos também podem ser úteis como fontes
de informação ou para ajudar a reduzir o medo em contextos de stress. Nalgumas
experiências relevantes em psicologia social Schachter (1959), como já se
expôs, encontrou que as pessoas que estavam com medo porque pensavam
que iam sofrer um doloroso choque eléctrico, preferiam esperar mais com
outras pessoas que sós. Schachter sentiu que estar com outras pessoas permitia
a redução da ansiedade acerca do choque aguardado.

2.4 Grupos e tempo

Os grupos mudam com o tempo à semelhança do que acontece com todos os


seres vivos. Novos membros aderem ao grupo e outros deixam-no. O grupo
pode tornar-se mais coeso ou começar a perder a sua unidade.
Uma equipa na produção de um programa de TV, como esta, desenvolve uma
colaboração interdependente mediante prática e relação com outros técnicos.

Tais mudanças seguem no entanto um padrão previsível. Na maior parte dos


grupos, levanta-se o mesmo género de questões ao longo do tempo. Uma vez
resolvidas essas questões, o grupo pode continuar o seu desenvolvimento. O
desenvolvimento do grupo envolve muitas vezes cinco estádios (Tuckman e
Jensen, 1977), como se pode ver no quadro 12.1. Na fase de formação, os
membros do grupo orientam-se uns em relação aos outros. Na fase de
tempestade, os membros do grupo entram em conflito uns com os outros e é
procurada uma solução para melhorar o ambiente do grupo. Na fase da norma,
desenvolvem-se padrões de comportamento e papéis que regulam o
E

comportamento. Na fase de realização, o grupo atingiu o ponto em


que pode trabalhar como uma unidade para realizar os objectivos desejados.
A fase do encerramento termina a sequência de desenvolvimento: o grupo
dissolve-se.
p=

Os indivíduos também experienciam mudança quando passam pelo grupo.


Não nos tornamos membros completos de um grupo instantaneamente.
Fazemos gradualmente parte do grupo, permanecemos no grupo e
eventualmente deixamos o grupo.

508
Quadro 12.1 — Cinco estádios do desenvolvimento de um grupo

Estádio Principais processos Características

Orientação Troca de informação; aumento de | Tentativa de interacções; con-


(formação) dependência; tarefa de explo- | versas educadas; auto-revelação
ração; identificação

Conflito Desacordo nos procedimentos; | Crítica de ideias; hostilidade;


(tempestade) expressão de insatisfação, res- | fraccionamento
posta emocional; resistência

Organização Crescimento da coesão e unidade; Acordo nos procedimentos;


(norma) estabelecimento de papéis, de pa- redução da ambiguidade; aumento
drões e de relações da coesão

Realização Realização do objectivo; elevada Tomada de decisão; solução de


orientação para a tarefa; ênfase na problemas; cooperação mútua
realização e na produção

Dissolução Cessamento dos papéis; acaba- | Desintegração e afastamento;


(encerramento) mento das tarefas; redução da | aumento da independência
dependência

Fonte: Tuckman e Jensen, 1977.

O processo pelo qual as pessoas progridem desde recém-chegadas até membros


plenos de um grupo denomina-se de socialização grupal. Este processo de
socialização grupal foi estudado em variados contextos, tais como na escola,
na igreja, no local de trabalho. Foi proposto que este processo implica cinco
fases psicológicas principais (Moreland e Levine, 1982). Em primeiro lugar,
indivíduo e grupo avaliam-se mutuamente, durante um processo denominado
de investigação. Em resultado da avaliação, o grupo pode decidir aceitar
inicialmente o indivíduo como membro, no caso do indivíduo também decidir
ter interesse em juntar-se ao grupo.

Neste estádio o recém-chegado entrará no grupo (entrada) e começará um


período de socialização em que o grupo tenta ajudar o indivíduo a tornar-se
membro pleno do grupo. Vários modos podem facilitar a aceitação dos recém-
chegados pelo grupo (Moreland e Levine, 1989). Em primeiro lugar, o recém-
chegado deveria obter tanta informação quanta possível. O recém-chegado
deveria também tornar-se um membro aceitável do grupo sendo passivo,
dependente e conformista com as normas. Deveria também procurar a ajuda
de outros membros do grupo no processo de socialização. Enfim, o recém-
-chegado deveria trocar informação com outros recém-chegados para que o
processo de socialização se torne mais fácil.

509
Também há algo que o grupo pode fazer para ajudar o recém-chegado a
adaptar-se ao grupo. Em primeiro lugar, o grupo deveria tentar recrutar pessoas
susceptíveis de serem compatíveis com o grupo. O recurso a procedimentos
de iniciação e o fornecimento de treino consistente sobre o grupo também são
métodos importantes.

Se tudo corre bem e quer o recém-chegado quer o grupo continuam a estar


satisfeitos mutuamente, a aceitação plena de membro do grupo pode ser o
resultado. A pessoa é então um membro pleno do grupo e tem um forte
compromisso com o grupo (manutenção). Todavia, devido a um certo número
de motivos, uma pessoa pode perder o interesse em ser membro de um grupo.
Por exemplo, certos membros podem envolver-se em conflitos com outros
membros do grupo. Neste estádio podem ser considerados marginais ou
membros inactivos do grupo (divergência). A não ser que se efectuem
tentativas durante uma fase de ressocialização para aumentar o compromisso
do indivíduo, essa pessoa pode eventualmente sair do grupo e entrar numa
fase de aceitação do seu estatuto de ex-membro, chamada de lembrança.
Estas diferentes fases estão condensadas na figura 12.1 que ilustra o percurso
de um indivíduo tipo em qualquer grupo. É óbvio que este percurso pode ser
muito diferente e o modelo não delineia uma ordem precisa em que os estádios
da socialização são alcançados nem a necessidade de passar pelos cinco
estádios propostos. Estas investigações apresentam, no entanto, um quadro
que permite analisar as influências recíprocas do grupo no indivíduo e do
indivíduo no grupo.

Este modelo de socialização grupal pode aplicar-se a quase toda a espécie de


grupos, desde formais a informais, desde grandes a pequenos, desde com
curta duração ou longa. Se bem que a duração dos diferentes estádios e as
formas dos vários pontos de transição possam variar, o modelo apreende
aspectos importantes da socialização grupal.

Até que ponto este modelo dá conta das experiências que tem nos vários
grupos em que participa? Sem dúvida que muitas das pessoas leitoras deste
texto estão actualmente associadas a um certo número de grupos diferentes
e estão em diferentees fases de socialização grupal no seu seio. Um certo
número de processos psicossoais que se expuseram nas diferentes fases da
socialização grupal, tais como influência maioritária e minoritária, foram
discutidos em capítulos anteriores. Talvez tivesse notado que a dinâmica da
socialização grupal tem uma grande semelhança com a dinâmica das relações
românticas discutidas no capítulo 9. Efectivamente as relações românticas
constituem um tipo de grupo, a díade íntima.

510
Membro Membro
Prospectivo | Novo Membro | Membro pleno Marginal Ex. Membro

Õ-
z
u
E
2
O
>
z
ui

Investigação | Socialização | Manutenção | Ressocialização | Lembrança


Entrada Aceitação Divergência Saída

TEMPO »

Versão simplificada do modelo de socialização em pequenos grupos de


Moreland e Levine (1982). Os membros do grupo passam por
diversas fases implicando simultaneamente diferentes graus de envolvimento
e transições de papel.

Figura 12.1 — Estádios da socialização grupal.

511
3. Influência da Presença de Outras Pessoas
Uma das primeiras questões levantadas pelos psicólogos sociais foi a seguinte:
qual é o efeito da presença de outras pessoas no comportamento do indivíduo?
A resposta não é simples. Por vezes as pessoas executam melhor quando
outras pessoas estão presentes, enquanto que outras vezes executam pior. A
presença de outras pessoas pode afectar a realização de três modos gerais:
mediante a quantidade de esforço desenvolvido, o aumento daactivação, e a
influência de factores cognitivos, tais como a distração e a apreensão em ser
avaliado.

3.1 A presença de outras pessoas afecta o esforço

Relembre-se que Triplett (1898), um dos primeiros psicólogos sociais,


interessou-se pelas corridas de bicicleta. Viu que os corredores de bicicleta
iam geralmente mais depressa quando corriam com um adversário ou com
uma equipa que quando corriam sós em contra-relógio. Para testar
experimentalmente o efeito da presença de outras pessoas sobre a realização,
Triplett deu a crianças a tarefa de enrolar fio de pesca tão depressa quanto
possível, quer sós quer com outras crianças. Como se previa, as crianças
trabalhavam mais depressa com outras crianças (co-actores) do que quando
trabalhavam sós.

Floyd Allport (1924) sugeriu que o aumento de actividade na presença de


outros co-actores era devido a dois factores: rivalidade e facilitação social.
A rivalidade refere-se ao aumento de motivação e de esforço por causa da
competição (certamente um factor central na corrida de bicicleta) e a
facilitação social refere-se a estimulação simplesmente por se ver ou ouvir
movimentos semelhantes de outras pessoas (como pode ser o caso de correr
com uma equipa durante o treino).

Se bem que os grupos possam realizar mais que os indivíduos, por vezes os
membros de um grupo podem dispender menos esforço do que o fariam
individualmente. Latané e seus colegas (Latané et al., 1979) denominaram
este efeito de preguiça social que abordaremos mais adiante.

3.2 A presença de outras pessoas aumenta a activação

É de importância fazer a distinção entre trabalhar muito e realizar bem. A


«vestigação mostra que as pessoas trabalharão muito quando outras estão
presentes e a contribuição dos indivíduos possa ser identificada. Mas trabalhar
muito não garante só por si um resultado com sucesso. Zajonc (1965) propôs
uma teoria que explica quer os efeitos positivos quer os negativos da presença
de outras pessoas sobre o rendimento individual. Segundo esta teoria (Figura
12.2) a presença de outras pessoas leva em primeiro lugar ao aumento do
nível de activação ou de motivação do organismo. Para Zajonc está-se perante
uma reacção inata e, por conseguinte, com uma base biológica. Por exemplo,
os atletas de alta competição quando estão na linha de partida antes da corrida
sentem uma tensão particular.

Quando a resposta
Melhoramento
dominante é uma
do rendimento
boa resposta

Aumento da
[ tendência
Presença de outrem
(auditório ou coacção)
=| Activação |+| a dar uma resposta
dominante

y
Quando a resposta
Deterioração
dominante é uma —p>
do rendimento
má resposta

Figura 12.2 — A teoria da facilitação social segundo Zajonc. Adaptado de Zajonc (1965).

Todavia a grande ingenuosidade da explicação situa-se ao nível das presumíveis


consequências deste nível de activação. Apoiando-se nas investigações sobre
a aprendizagem, Zajonc observou que o aumento do grau de activação aumenta
a probabilidade de se manifestarem respostas dominantes. No reportório de
comportamentos de cada organismo há respostas dominantes, isto é, comporta-
mentos com fortes probabilidades de serem adoptados numa determinada
situação. Estas respostas dominantes podem ser em certos casos boas respostas,
ou seja, respostas correctas. Mas também podem ser respostas más. Por
conseguinte, se em relação a determinada tarefa, a resposta dominante de
determinado organismo é uma boa resposta, o efeito da presença de outrem
, que é de aumentar esta resposta dominante, será positivo. Neste caso o rendi-
| mento melhorará com a presença de outrem. Todavia se, em relação a esta
mesma tarefa, a resposta dominante de outro organismo é um erro, o efeito de
outrém que leva sempre ao aumento da resposta dominante, é negativo. Neste
caso o rendimento piora com a presença de outrem. Por conseguinte, esta
teoria explica porque é que o grupo pode levar o indivíduo a melhorar o
rendimento ou a deteriorá-lo.

O efeito da facilitação social encontrou-se mesmo numa situação de jogo de


bilhar como se ilustra no documento 12.2.

Uma meta-análise de 241 estudos encontrou apoio parcial para a teoria de


Zajonc (Bond e Titus, 1983).

Documento 12.2 — Facilitação social na sala de jogar bilhar

Já alguma vez jogou bilhar? O que lhe aconteceu quando alguém o estava a
observar? Segundo a teoria da facilitação social, a realização melhoraria se é
um bom jogador e pioraria se é um jogador medíocre. Michaels e os seus
colegas testaram esta predição (Michaels, Blommel, Brokato, Linkous, e
Rowe, 1982). Durante a fase inicial deste estudo, observadores viam
discretamente a acção e identificavam pares de jogadores que estavam ou
acima ou abaixo da média. Durante a segunda fase, equipas com quatro
observadores ficavam perto da mesa onde um dos pares estava a jogar e
observavam o jogo. Seis pares diferentes de jogadores acima da média e seis
pares diferentes de jogadores abaixo da média eram observados deste modo.

A presença de observadores introduziu alguma diferença? A resposta é


positiva e precisamente no sentido previsto pela teoria da facilitação social.
Os jogadores acima da média aumentaram as tacadas certas de 71% quando
não estavam observados de perto para 80% quando os membros do grupo
estavam ao pé. Em contraste, os jogadores abaixo da média obtiveram piores
resultados, as tacadas certas descendo de 36% para 25%.

517
3.3 A presença de outras pessoas pode causar distração e apreensão
da avaliação

Imagine que é um dos jogadores de bilhar descritos mais acima. Quando se


tornou consciente de que tinha um público, poderia sentir duas tendências em
conflito: prestar atenção à tarefa (o jogo do bilhar) ou ao público. Houve quem
propusesse que a presença de outras pessoas produz facilitação social através
da distração (Baron, Moore, e Sanders, 1978; Sanders, 1981). Estar na presença
de outras pessoas distrai. Se é fácil ver como estar distraido pode impedir a
realização numa tarefa complexa - metade do fenómeno de facilitação social -
como é que estar distraido conduz a uma melhor realização numa tarefa
simples? A resposta sugerida é que os sujeitos distraidos tentam com mais
firmeza (para se sobrepor à distração). Esta tentativa com firmeza tende sem
dúvida a aumentar a sua realização, mas o estar distraido tende a diminui-la.
Nas tarefas simples o aumento de maior esforço é um efeito maior que a
diminuição de estar distraido, por isso há um claro ganho na realização. Nas
tarefas complexas, por outro lado, a distração torna o trabalho mais pesad.
que pode ser feito por um esforço aumentado, por isso a realização padece.

A presença de outras pessoas, estejam ou não em competição, intensifica a


| realização de comportamentos bem aprendidos.

518

Li a
Cottrell previu que os observadores tornam-nos inquietos da avaliação que vão
fazer de nós. Para verificar a existência desta apreensão da avaliação, Cottrell e
seus colegas (1968) repetiram a experiência de Zajonc e Sales (1966) sobre sílabas
desporvidas de sentido acrescentando-lhe uma terceira situação. Nesta situação de
«simples presença», os observadores, apresentados como estanto a preparar uma
experiência sobre a percepção, tinham os olhos vendados para os impedir de avaliar
o rendimento dos participantes. Em contraste com o efeito que produz uma
audiência observadora, a mera presença destas pessoas com os olhos tapados não
amelhorava as respostas predominantes. Noutras experiências confirmou-se a
conclusão de Cottrell de que o amelhoramento das respostas predominantes é
mais marcado quando as pessoas pensam que são avaliadas.

Bond (1982) defende que as pessoas com um público executam melhor uma
tarefa simples porque as pessoas querem dar a impressão certa, querem aumentar
a sua estima perante os outros, uma perspectiva próxima da de Cottrell. Tal é
suficiente para dar conta do aumento na realização de tarefas simples, e no caso da
diminuição em tarefas complexas? Bond defende que não é por causa do aumento
geral da activação, mas que é consequência do embaraço. Quando sabemos que
estamos a realizar perante outras pessoas tentamos com maior firmeza. Tal aumentará
a realização. Mas se a tarefa é difícil, então podemos começar a falhar. Falhar na
presença de outras pessoas produz embaraço. Mas embaraço é uma questão de
estar autoconsciente. É por isso que a realização fracassa. Assim Bond encontrou
que a presença de outras pessoas aumentaria a realização no item difícil se estivesse
encaixado numa tarefa fácil, e inibiria a realização numa tarefa fácil se estivesse
encaixado numa tarefa difícil.

Apresentam-e no quadro 12.2 três explicações possíveis dos processos de


facilitação social.

Quadro 12.2 — Três explicações possíveis dos processos


de facilitação social

Teoria Processos mediadores Fonte

Activação A mera presença de outras pessoas aumenta | Reacção não aprendida à


incerteza e esta incerteza engendra | incerteza
activação

Apreensão da ava- | A presença de outras pessoas engendra | Resposta aprendida


a ava-
liação apreensão da avaliação, um sentimento de | liações repetidas
ansiedade de que as outras pessoas nos
avaliem de modo negativo

Distracção Quando as pessoas estão presentes, a | Distracção e sobrecarga


atenção está dividida entre as outras | cognitiva
pessoas e a tarefa. O conflito de atenção
aumenta a motivação o que facilita a
realização enquanto a tarefa for simples

519
4. Características de Grupos
Começámos por considerar os indivíduos numa situação relativamente simples
em que uma pessoa é observada ou acompanhada por uma ou mais pessoas.
Todavia um grupo implica algo mais do que pessoas realizando a mesma
actividade num determinado tempo e local. Os grupos implicam interacção, o
desenvolvimento de percepções partilhadas e laços afectivos e a
interdependência de papéis. Nesta secção abordaremos três modos em que
os grupos podem diferir: a estrutura, a coesão e a comunicação.

4.1 Estrutura do grupo

Quando as pessoas se reunem observam-se determinadas constantes após


algum tempo na maneira de agir dos diferentes membros do grupo. Estas
tendências relativamente constantes dos grupos são designadas por estrutura
dos grupos. Os três conceitos importantes a propósito da estrutura de todos
Os grupos sociais são os papéis, o estatuto e as normas.

As pessoas ao juntarem-se num grupo, não permanecem totalmente indife-


renciadas. Desenvolvem padrões de comportamento, dividem tarefas e
adoptam diferentes papéis (Brown, 1988). A noção de papel implica uma
certa especialização das tarefas no seio do grupo. Numa perspectiva
psicológica são as expectativas consecutivas à adopção de um papel que
mais interessam. No caso de uma pessoa adoptar um determinado papel os
restantes membros do grupo esperam que actue segundo este papel e esses
membros comportam-se em relação a essa pessoa em função destas
expectativas. Por essa razão se define em geral o papel como um conjunto de
comportamentos esperados e julgados apropriados para uma pessoa que ocupa
uma certa posição no grupo (Sarbin e Allen, 1968).

Os papéis podem ser informais evoluindo gradualmente em consequência


da interacção continuada, ou podem ser organizacionais, no sentido em que
títulos particulares, tais como «secretária» ou «director do departamento»,
são atribuídos. Dois papéis informais importantes que se encontram na maior
parte dos grupos orientados para a tarefa são o de «especialista na tarefa» e
o de «especialista sócio-emocional». O primeiro papel é geralmente
preenchido pela pessoa que é percepcionada como tendo a maior competência
para orientar o grupo nos seus objectivos. Contudo, essa pessoa pode não ser
apropriada para a tarefa de guiar o grupo através de todas as perturbações
emocionais que aparecem quando o grupo se orienta para o seu objectivo.
Essa tarefa é deixada para o especialista sócio-emocional.

O estatuto é uma posição de ordem social dentro de um grupo. Cada membro


de um grupo tem um estatuto e todos os estatutos têm certas características.

523
e]

As normas do grupo podem tocar qualquer aspecto do comportamento,


incluindo o modo de vestir.

Por vezes o estatuto é inerente à pessoa (por exemplo em resultado da realização


profissional ou da classe sócio-económica) e por vezes deriva do papel da
pessoa ou da realização no grupo. Seja qual for a fonte do estatuto, as pessoas
com estatuto mais elevado falam mais no grupo e são-lhe dirigidas mais
comunicações (Berger, Cohen, e Zeldnich, 1972).

Associada a cada posição está um conjunto particular de regras sobre o que se


espera que a pessoa nessa posição faça e sobre as suas responsabilidades.
Estas regras e expectativas denominam-se de normas sociais. As normas
sociais regulam as relações entre indivíduos nos grupos. São guias ou
expectativas sobre o que deveria ser o comportamento e como tal permitem-
nos antecipar o comportamento das outras pessoas em certas circunstâncias.
Não são necessariamente seguidas em todas as circunstâncias.

Num estudo levado a cabo por Simon, Eder, e Evans (1992) estudou-se o
desenvolvimento de normas acerca do amor romântico em adolescentes do
sexo feminino. Os investigadores efectuaram entrevistas em profundidade e
observações na escola durante três anos. Uma norma que emergiu nestas
adolescentes era que as relações românticas deveriam ser importantes, mas
não são tudo na vida. As adolescentes que se desviavam desta regra eram
criticadas. Por isso as normas determinam se essas acções e crenças específicas
das pessoas são aprovadas ou desaprovadas pelo grupo.

As normas podem assumir a forma de regras explícitas que se fazem cumprir


por legislação e sanções (por exemplo, normas da sociedade relacionadas com
a propriedade privada), ou podem ser implícitas. Garfinkel (1967) acreditava
que estas últimas normas são escondidas porque fazem parte integrante da
vida quotidiana e dão conta de grande parte do comportamento que muitas
vezes é denominado de instintivo e inato.

4.2 Coesão

O conjunto dos factores que contribuem para que os membros de um grupo


desejem pertencer a um determinado grupo são colectivamente referidos como
coesão. A coesão é um conceito difícil de definir e de medir (cf. Documento
12.3), mas em termos gerais, um grupo coeso mostra sentimentos de harmonia
e de solidariedade. Os membros estão comprometidos com o grupo e com a
tarefa do grupo (Murdock, 1989; Levine e Moreland, 1990). Quanto maior
for o número de factores que mantenham os indivíduos no grupo, e mais
pequeno o número de factores que levem a deixá-lo, mais o grupo é coeso.

Há fundamentalmente cinco factores que produzem coesão grupal: 1) atracção


dos membros entre eles como indivíduos (Davis, 1969); 2) avaliação de cada
membro pelo grupo como uma fonte de identidade social (Tajfel, 1978); 3)
valores e objectivos comuns partilhados (Davis, 1969; Schachter, Ellertson,
McBridge, e Gregory, 1951); 4) sucesso na obtenção de objectivos ou no
progresso em relação a eles; e 5) ameaça comum de um inimigo exterior (Shaw,
1981; Steiner, 1972). Por exemplo, associações de pequenos comerciantes
estavam mais interessadas em fazer reuniões quando percepcionavam uma
ameaça de se instalarem supermercados nas suas áreas que quando não
percepcionavam ameaça exterior (Mulder e Stemerding, 1963). A partilha de
uma ameaça comum e de objectivos comuns motivou os membros a procurar
mais contacto com membros de outros grupos.

A coesão pode ter efeitos positivos e negativos sobre a produtividade de grupos


orientados para a tarefa. Os membros de grupos muito coesos são em geral
um pouco mais influenciados pelas normas do grupo, dado que a pertença ao
grupo é muito importante para eles (Berkowitz, 1954; Schachter, Ellertson,
McBride e Gregory, 1951). Assim se a norma do grupo faz apelo à
produtividade, então a coesão aumentará a produtividade, ao passo que se a
norma do grupo apela para baixa produtividade, a coesão levará a um resultado
mais baixo. Os membros do grupo com elevada coesão também podem ter

525

À |
problemas de produtividade por causa da atracção mútua que existe. Podem
gastar mais tempo na interacção social que membros de grupos menos coesos
perdendo de vista o objectivo do grupo.

Enfim, a coesão em geral leva a maior participação de cada membro nas


actividades do grupo e a maior cooperação e comunicação (Lott e Lott, 1961).
Tal pode ter como consequência uma maior satisfação dos membros do
grupo.

Documento 12.3 - Medida da coesão

Se bem que os psicólogos sociais tenham desenvolvido a compreensão das


causas e das consequências da coesão de grupo, ainda não há acordo sobre o
modo de medir a coesão. Há investigadores que perguntam muito
simplesmente aos membros de um grupo para avaliarem a sua atracção pelo
grupo como um todo, recorrendo, por exemplo, a uma escala em sete pontos,
enquanto que outros pedem avaliações de cada indivíduo dentro do grupo e
consideram a média da avaliações como um indicador da coesão do grupo.
Muito embora estes dois métodos de medir a coesão estejam geralmente
correlacionados, muitas vezes não o estão (Eisman, 1959).

Talvez a medida mais conhecida da coesão grupal seja a escolha sociométrica


(Moreno, 1953). Por meio desta técnica pede-se aos membros de um grupo
para nomearem o indivíduo ou indivíduos com quem prefeririam efectuar
uma actividade relevante para o grupo. Na medida em que os indivíduos
escolhem outros membros do grupo, em vez de membros que não são do
grupo, considera-se como indicando o grau de coesão grupal. Os grupos em
que a maioria das escolhas são efectuadas fora do grupo seriam avaliados
como tendo uma coesão mais baixa que grupos em que a maior parte das
escolhas recai em membros de outros grupos.

Um dos modos mais claros de tratar com os dados da escolha sociométrica é


apresentá-los graficamente num sociograma. Um sociograma de que se
apresenta um exemplo na figura 12.4, fonece-nos informações sobre a natureza
dos padrões de escolha dentro de um grupo, os membros que se escolhem
mutuamente, e quais os membros que são particularmente populares ou
isolados. O sociograma indica sobretudo em que medida as escolhas são
efectuadas no interior do grupo, o que dá uma indicação da coesão do
grupo.
Alp E a B
Es

E
R
E ou
a

Cc > D

Figura 12.4 — Sociograma de um grupo de cinco pessoas. Neste exemplo de um sociograma, os


membros António (A), Betânia (B), Carlos (C), Diamantino (D) e Elias (E) fizeram.
| cada um, duas escolhas que estão indicadas pela direcção das setas. Duas pessoas
(António e Diamantino) escolheram pessoas for
a do grupo (Raul (R)e Saul (R) respectivamente.
Elias é claramente o mais popular tendo sido escolhido pelos outros quatro.

4.3. Comunicação

A comunicação é essencial para as actividades do grupo, seja a que ocorre numa


reunião do conselho de administração de uma empresa, sejam as intimidades
partilhadas em conversas prolongadas até altas horas da madru gada entre amigos.

Uma das características mais notáveis da comunicação de grupo é a sua


estrutura: Quem fala com quem?

á Existem várias formas de redes de comunicação dentro dos grupos. Nalguns grupos
todos os seus membros comunicam livremente com qualquer outro membro.
Noutros grupos o chefe comunica com os seus membros e os membros podem
| comunicar directamente com o chefe. Grupos formais existentes nas organizações
têm em geral uma estrutura de rede de comunicação especificada. As redes nos
grupos informais são determinadas por processos sociais dentro dos grupos. Bavelas
(1950) e Leavitt (1951) estudaram os efeitos de diferentes estruturas de redes sobre
as comunicações necessárias para resolver um problema simples. A figura 12.5
mostra algumas das estruturas de comunicação que testaram. Note-se que estas
redes estão centralizadas e descentralizadas. A roda requer que todas as
comunicações num grupo de cinco pessoas passe pelo sujeito que está no centro.
to
in

e)
A rede Y é a seguinte mais centralizada, permitindo comunicações para dois
membros centrais. A rede todos os canais é a mais descentralizada, pois cada
membro pode comunicar directamente com qualquer outro dos quatro membros
do grupo. As redes cadeia e círculo são menos centralizadas que a roda, mas mais
centralizadas que a rede todos os canais.

O estudo típico nesta área consiste em formar um grupo para trabalhar sobre um
determinado problema e colocar limites à comunicação que se pode estabelecer
entre os seus membros. Tal é feito colocando os sujeitos em salas separadas e
permitindo-lhes comunicar unicamente por meio de mensagens escritas ou por
intercomunicadores. Os experimentadores podem então controlar quem fala com
quem e podem impor um grande número de padrões diferentes de comunicação.

Dois conjuntos principais de achados emergiram:

a) Para a realização da tarefa quanto mais as redes eram centralizadas


mais depressa resolviam os problemas e menos erros faziam.A roda
produzia o número mais elevado e mais rápido de soluções correctas,
o círculo o número menor e mais lento de soluções correctas.

b) A satisfação dos membros individuais era maior na rede mais


descentralizada, todos os sujeitos no círculo expressavam maior prazer
na tarefa, enquanto que os membros periféricos da roda, cadeia e Y
gostavam menos da tarefa. Os sujeitos percepcionavam a pessoa
central nas últimas três redes serem o líder do grupo, não sendo
percepcionada a existência de nenhum líder no círculo.

Investigação posterior confirmou estes achados para tarefas relativamente simples,


tais como as utilizadas por Leavitt, todavia para problemas mais complexos as
redes mais descentralizadas produziam realização superior, o círculo sendo o melhor.
Shaw (1964) explica que tal deve-se a que tarefas mais complexas suscitam pedidos
excessivos ou muita informação na pessoa central em redes centralizadas. Redes
descentralizadas permitem uma informação mais igual da sobrecarga de trabalho
entre os membros do grupo.A satisfação para os membros em posições periféricas
nas redes centralizadas pode ser aumentada dando a essas pessoas informação
mais pertinente e importante que àquelas que ocupam posições mais centrais
(Gilchrist, Shaw, e Walker, 1954).

À estrutura de comunicações pode ajudar ou estorvar um grupo, mas o conteúdo


das comunicações é do mesmo modo importante. Como estudar de modo científico
o conteúdo de comunicações nos grupos? Robert Bales (1950; Bales e Cohen,
1979) prestou uma atenção particular ao longo dos anos a este assunto, tendo
desenvolvido sistemas de codificação do conteúdo de comunicações ou interacções.

Uma técnica desenvolvida por Bales (1950, 1970) foi a análise do processo
de interacção (IPA). Este sistema de análise utiliza um pequeno número de

528
EE

categorias que se aplicam a todos os grupos de resolução de problemas. Embora


o conteúdo possa diferir de grupo para grupo, qualquer acto de comunicação
pode ser classificado numa das categorias da IPA.

Subjacente ao sistema IPA está uma perspectiva teórica. Esta perspectiva, uma
teoria funcional, defende que os grupos devem resolver dois conjuntos de
problemas para manterem a sua existência. O primeiro conjunto, denominado
problemas de tarefa, refere-e aos que um grupo encara quando tenta alcançar
os seus objectivos. Por exemplo, o grupo deve calcular como produzir um
produto satisfatório e como negociar com pessoas e organizações no seu meio.
O segundo conjunto, denominado problemas sócio-emocionais, refere-se a

CD Jet al al)
Cadeia

DADA
S O
O
Roda Círculo

AN,
: GO
OQ
: O
O
Y Todos os canais

Figura 12.5 — Tipos de redes de comunicação em grupos com cinco membros.

529
problemas interpessoais que se levantam entre membros do grupo. O grupo
deve calcular como restringir atritos interpessoais, e como se assegurar que os
membros estão suficientemente satisfeitos para permanecer no grupo. Se o
grupo falha em resolver quer os problemas de tarefa quer os seus problemas
sócio-emocionais, deixará eventualmente de existir.

As categorias particulares que compreendem o sistema de codificação da IPA


advem desta teoria. Mais especificamente, o sistema da IPA consiste em 12
categorias mostradas na figura 12.6. Estas categorias podem ser distribuidas
por agrupamentos. A distinção mais ampla e mais importante é entre actos de
tarefa e actos sócio-emocionais. Os actos de tarefa (categorias 4-9) são
comportamentos instrumentais que levam um grupo à realização dos seus
objectivos. Os actos sócio-emocionais (categorias 1-3 e 10-12) são reações
emocionais, positivas e negativas dirigidas em relação a outros membros do grupo.

Uma outra classificação das categorias da IPA é indicada pelas letras a-f na
figura 12.6. Estas letras representam questões que são encaradas por qualquer
grupo. Dentro da área de tarefas estão as questões a) de orientação, b) de
avaliação e c) de controlo. As questões de orientação envolvem a análise de
uma situação; as questões de avaliação referem-se às atitudes dos membros
em relação a essa situação; e as questões de controlo referem-se a sugestões
de acção dentro da situação. Dentro da área sócio-emocional estão as questões
d) de decisão, e) de manipulação de tensão e f) de integração. As questões de
decisão referem-se à aceitação ou rejeição das propostas de acção, ao passo
que as questões de manipulção de tensão e de integração referem-se ao
establecimento das relações emocionais dentro do grupo.

Na prática o sistema IPA pode usar-se do seguinte modo. Imagine que um


grupo com sete pessoas se encontrou numa sala para trabalhar sobre uma
tarefa. Os membros estão sentados à volta de uma mesa e um número foi
colocado em frente de cada pessoa.A sala tem uma característica fora fo normal:
está equipada com um espelho unidireccional numa parede de modo que
observadores sentados por detrás da parede podem observar a interacção entre
membros do grupo. Os observadores registam a interacção em termos que
quem fala com quem e que tipos de actos são comunicados. Por exemplo, se
o membro 2 se volta para o membro 5 e lhe pede a opinião sobre uma questão,
os observadores pontuam tal escrevendo «2-5» na categoria 8 da IPA (busca
opiniões). Seguindo este procedimento durante toda a sessão de trabalho que
pode durar uma ou duas horas, os observadores podem obter um registo
completo da comunicação dentro do grupo segundo o sistema da IPA.

O sistema IPA fomece meios de observar quem fala nos grupos e que género de
coisas se dizem. Os investigadores têm-no usado numa ampla variedade de
resoluções de problemas e em grupos de discussão que envolvem estudantes
universitários, militares, doentes em terapia, prisioneiros, etc. (Bales e Hare, 1965).
Áreas sócio-emocional
- Demonstra solidariedade eleva o status

—,
dos demais, ajuda, recompensa.

Reações Demonstra alívio de tensão, brinca,

MN
positivas ri, demonstra satisfação.

3. Concorda, demonstra aceitação passiva,


compreende, coopera
Áreas de tarefa:
Dá sugestões, direções, implicando
da

em autonomia dos outros


Tentativa
de respostas Dá opiniões, avaliações, analisa,
O

expressa sentimentos, desejos.

Dá orientação, informação, repete,


o

clarifica, confirma R

Áreas de tarefa: a b c d e
Busca orientação, informação, dl
Pa

repetição, confirmação

Busca opinião, avaliação, análise,


[es]

Perguntas expressão de sentimentos

Busca sugestões, direções,


o

possíveis maneiras de agir.

Áreas sócio-emocional
10. Discorda, demonstra rejeição passiva,
formalidade nega ajuda

Reações 11. Demonstra tensão,


negativas busca ajuda, foge

12. Demonstra antagonismo, rebaixa o


status dos outros, defende o seu

a. Problemas de orientação; b.Problemas de avaliação; c. Problemas de controle;


d. Problemas de decisão; e. Problemas de manipulação de tensão; f. Problemas de integração

Figura 12.6 — Categorias utilizadas por Bales (1950) na análise do processo de interacção
nos grupos.

Um resultado que emerge com regularidade nestes estudos é que os membros


do grupo não participam de modo igual numa discussão. Alguns membros
falam mais que outros. Embora possa haver variações, a pessoa que fala mais
num grupo de resolução de problemas inicia 40-45 por cento de todos os actos
de comunicação. A segunda pessoa mais activa iniciará aproximadamente
20-30 por cento dos actos. Este padrão é apresentado no quadro 12.3, que
mostra um sumário da iniciação dos actos para grupos de três a oito pessoas.
Quando o tamanho do grupo aumenta, a pessoa que fala mais ainda inicia
de modo consistente uma grande percentagem de actos de comunicação
(Bales, 1970).

Um outro resultado destes estudos diz respeito à estabilidade da participação:


o membro do grupo que inicia a maior parte da comunicação durante os
primeiros minutos de interacção muito provavelmente continuará a fazê-lo
durante a vida do grupo. Se um grupo de resolução de problemas se encontra
durante várias sessões, por exemplo, o membro com a mais elevada participação
durante a primeira sessão é susceptível de se manter nessa posição nas sessões
seguintes. Em geral a ordenação do membros em termos de participação é
estável ao longo do tempo (Fisek, 1974).

Quadro 12.3 — Percentagem de actos iniciados por cada membro de


um grupo em função do tamanho do grupo

pn É
Tamanho do grupo

3 4 à 6 ! Í
1 44 32 $ + º E
2 33 29 2 e H 1
3 23 23 15 E
i
2 —
16 10 H o E
5 » E E -
6
Ê E -
7
, Í
3

Nota: Os dados estão baseados num total de 134 421 actos observados por meio do sistema IPA em 167 grupos
com três a oito membros.

Fonte: Adaptado de Bales, 1970.

j—

O sistema IPA fornece um modo de avaliar a frequência com que os vários


actos ocorrem nos grupos. Como já se notou, o sistema IPA contém 12
categorias. Destas, seis pertencem a actos orientados para a tarefa (categorias
E

4-9), ao passo que as outras seis pertencem aos actos sócio-emocionais. Se os


grupos podem diferir, no quadro 12.4 apresenta-se a percentagem média dos
actos da IPA (calculados em muitos grupos de resolução de problemas) segundo
as 12 categorias. Como aponta o quadro cerca de dois terços dos actos numa
sessão estão orientados para a tarefa e cerca de um terço são socio-emocionais
(Bales e Hare, 1965). Dentro das categorias orientadas para a tarefa, a maior
parte dos actos pertencem às categorias 4-6 ( dá sugestões, dá opiniões e dá

532
informações), ao passo que o menor número de actos inscreve-
-se nas categorias 7-9 (busca informação, busca opiniões e busca sugestões).
Dentro das categorias sócio-emocionais, a maior parte dos actos inscreve-se
nas categorias positivas 1-3 (parece amigável, dramatiza e concorda), ao passo
que o menor número de actos pertence às categorias negativas 10-12 (discorda,
demonstra tensão e parece pouco amigável). Este padrão faz sentido para um
grupo de resolução de problemas que certamente fracassaria se houvesse mais
questões que tentativas de resolução e mais reacções emocionais negativas
que positivas.

Quadro 12.4 — Perfil de interacção: Percentagem dos actos das


categorias da IPA

Tipo de acto (IPA) Percentagem média

1. Parece amigável 2,97

2, Dramatiza 8,17

3. Concorda 10,70

4. Dá sugestões 6,56

5. Dá opiniões 22,24

6. Dá informações 28,72

7. Busca informações 5,89

8. Busca opiniões 3,27

9. Busca sugestões 0,60


10. Discorda 4,73

11. Demonstra tensão 3,43

12. Parece pouco amigável 2,41

Fonte: Adaptado de Bales e Hare, 1965.

Uma outra técnica desenvolvida por Bales após mais de duas décadas de
investigação foi o SYMLOG (SYstematic Multiple Observation of Groups)
que permite analisar as interacções grupais. O sistema SYMLOG examina
as interacções sociais por meio de três dimensões que medem a dominância
e a submissão, a amizade e a inimizade, as comunicações controladas e

533
expressivas. Esta técnica foi planificada para uso geral em muitos tipos de
grupos e focaliza-se em aspectos da tarefa e sócio-emocionais da comunicação
de um grupo.

No quadro 12.5 apresenta-se uma síntese das características do grupo.

Quadro 12.5 — Características do grupo

Qualidade Definição Exemplos

Papéis Um conjunto de comportamentos | Líder, secretária, brincalhão,


característicos de pessoas num | seguidor, colaborador
contexto

Estatuto Prestígio no grupo Perito, inovador, irreverente

Normas Regras e expectativas do grupo O comportamento de estudantes


e de professores na Faculdade

Coesão A força das relações que unem os Camaradagem, unidade, senti-


membros uns aos outros e ao mentos de pertença
próprio grupo

Comunicação Padrões de comunicação que No grupo toda a informação é


determinam quem fala mais fre- dirigida para uma pessoa; no
quentemente a quem grupo toda a informação passa
por todos os membros
5. Interacção em Grupos
Ao abordarmos as características dos grupos, tais como estrutura, coesão e
comunicação, referimo-nos por vezes à realização e a resultados dos processos
grupais. Voltemo-nos agora mais particularmente para a produtividade dos
grupos e para a tomada de decisão.

5.1 Produtividade do grupo

Qual é a relação entre a realização de um grupo e a realização de elementos


individuais no grupo?A investigação sobre a facilitação social estuda o modo
como a mera presença de outras pessoas influencia a realização. Nesses estudos
as pessoas não interagem umas com as outras. Quando as pessoas trabalham
em conjunto em tarefas, o que acontece à realização individual e grupal? A
interacção nos grupos ajuda ou estorva?

5.1.1 Análise das tarefas de grupo

A produtividade tem a ver com a tarefa dos grupos. Uma tarefa de grupo
abarca um conjunto de pessoas designadas para realizar uma tarefa. Segundo
Steiner (1972) a produtividade é determinada pela interacção de três factores:

1. Pedidos da tarefa que incluem todas as exigências para realizar a


tarefa: meios necessários, modo de combinação dos meios, e
constrangimentos impostos por regras exteriores ou condições.

2. Meios que são conhecimento, capacidades e materiais que um grupo


possui.

3. Processo que consiste nos meios utilizados pelo grupo para realizar
a tarefa.

A máxima realização que se pode obter, tendo em conta os pedidos de uma


tarefa particular e os meios disponíveis, é produtividade potencial. Todavia
a produtividade actual é muitas vezes mais baixa que a potencial devido aos
problemas do processo em que os meios não são utilizados de modo tão
eficaz como seria possível. Tal pode expressar-se mediante uma fórmula:
produtividade actual = produtividade potencial — percas devido a processos
defeituosos (Steiner, 1972).

A produtividade depende muitas vezes do tipo de tarefa que se coloca a um


grupo. Steiner faz a distinção entre tarefas unitárias, todos os aspectos que

537
devem ser realizados por um só indivíduo, e tarefas divisíveis que podem ser
realizadas através da divisão do trabalho. As tarefas podem também categorizar-
-se segundo os modos como os esforços dos indivíduos podem ser utilizados
para as realizar (quadro 12.6). Steiner distingue quatro tipos de tarefas e mostra
que a superioridade do grupo em relação ao indivíduo varia em função da
tarefa.

À situação mais simples é aquela em que se adiciona o resultado de cada


membro para se obter o resultado total do grupo. Neste caso Steiner fala de
tarefas aditivas e nota que se pode esperar que o rendimento do grupo seja
superior ao rendimento de um indivíduo. Puxar um carro enterrado na neve
ou aplaudir numa sala de espectáculos constituem exemplos do tipo de tarefa
em que quantas mais pessoas se dispuserem a fazê-lo, maior será a
produtividade.

As tarefas comuns constituem o segundo tipo distinguido por Steiner (1972).


Trata-se de situações em que todos os membros do grupo têm mais ou menos
a mesma função, mas em que a sorte de umas pessoas está intimamente ligada
à de outras pessoas. As tarefas efectuadas por uma equipa de alpinistas são
deste tipo. Os alpinistas não podem ir mais depressa que o membro mais lento
da expedição. Por conseguinte, neste caso, o rendimento do grupo não é
geralmente superior ao do indivíduo.

As tarefas disjuntivas caracterizam-se pelo facto de que se um só membro do


grupo encontra a solução para o problema, todo o grupo obtém sucesso. Ou,
por outras palavras, o sucesso de um grupo depende da qualidade da melhor
ideia ou solução proposta no grupo. Geralmente o rendimento do grupo não
ultrapassa pois o do seu melhor membro.

No quarto tipo de tarefas, as tarefas compensatórias, os membros do grupo


podem combinar os seus esforços de qualquer modo. Vamos supor que a tarefa
consiste em avaliar a temperatura da sala. Poder-se-ia fazer a média dos
Julgamentos de cada membro do grupo para se chegar a uma solução ou
escolher a resposta mais frequente, etc. Neste caso o modo de repartição e de
coordenação dos esforços determina o resultado do grupo.

Em suma, esta tipologia mostra que é erróneo pensar que o trabalho em grupo
h
constitui em geral uma perca de tempo. Em relação a certas tarefas o trabalho É
em grupo é claramente vantajoso em comparação com o trabalho individual. |
,
Í
Numa revisão da investigação sobre a realização de grupo Hill (1982) observa
que a maior parte das conclusões de Steiner sobre a produtividade de grupo
foram confirmadas pela investigação.
]

538 :
E
E DS OTROS 30 DR a ATI SS

Quadro 12.6 — Tipos de tarefa e produtividade associada

Tipo de tarefa Produtividade Exemplo

Tarefas aditivas Soma de esforços individuais Puxar um carro enterrado na


neve

Tarefas comuns Os membros menos competentes | Escalada de montanha de toda


uma equipa ligada à mesma
corda

Tarefas disjuntivas | Os membros mais competentes Resolver um problema de


labirinto

o. Tarefas compensa- | Esforço de grupo combinado Avaliar a temperatura da sala


tórias quando o grupo decide

Fonte: Steiner, 1972.

5.1.2 Preguiça social

) O sistema de classificação de Steiner pode ajudar-nos a compreender a


q psicologia social dos grupos de trabalho. Tomemos o caso da luta de tracção,
uma tarefa aditiva. Haverá uma adição exacta do esforço em grupos aditivos?
Cinco pessoas tendem a puxar numa luta de tracção cinco vezes mais que a
média individual?

i À resposta a esta questão é negativa. O engenheiro agrónomo francês Max


Ringelmann (1913) pediu a sujeitos do sexo masculino para trabalharem sós
] ou em grupos com vários tamanhos para puxar uma corda tanto quanto
pudessem e então media o seu esforço. Ringelmann encontrou que quando o
número de trabalhadores aumentava a força média com que cada trabalhador
contribuia diminuia (figura 12.7). Porquê? Há duas possibilidades: os sujeitos
não estavam coordenados da melhor maneira ou os sujeitos mostravam
preguiça social, isto é, os sujeitos em grupos exerciam menos esforço
individual (Latané, Williams, e Harkins, 1979).

539
70 -
Realização esperada
o — e — e)

T
o
Õ
Força por pessoa (Kg)
o
Õ
I T
Õ
a

Realização actual
[95]
Õ
T
No
o
T I
>

1 2 3 4 5 6 7/8
Tamanho do grupo (pessoas)

Figura 12.7 — O efeito Ringelmann. Fonte: Dados de Ringelmann (1913). Ringelmann


(1913) encontrou que o esforço individual diminua quando o tamanho
do grupo aumentava.

As experiências evidenciaram ambos os fenómenos em grupos aditivos. Num


estudo, estudantes universitários foram vendados e eram-lhe colocados nos
seus ouvidos auscultadores. Pedia-se então aos sujeitos para gritarem tanto
alto quanto pudessem. Algumas vezes os sujeitos estavam sós e outras vezes
combinavam os seus gritos em grupos de 2 ou 6 pessoas. Para além disso,
alguns sujeitos eram levados a crer de modo erróneo que estavam em grupos
com 2 ou 6 pessoas quando efectivamente estavam sós. Este engano era possível
porque os sujeitos estavam vendados e tinham auscultadores. Os resultados
da experiência demonstraram que os sujeitos sós tendiam a gritar mais alto
que em grupos; para além disso, os grupos mostravam uma realização
global mais baixa que a realização somada de «pseudogrupos» de pessoas sós
(que pensavam erroneamente estar em grupos) (Latané et al., 1979).

Quais são as implicações destes resultados? O facto dos grupos realiazarem


pior que os pseudogrupos ilustra que o grupo ao gritar sofria de problemas de
coordenação; aparentemente os membros dos grupos reais não gritavam mais
alto no mesmo instante. O facto que o esforço individual nos pseudogrupos e

540
nos grupos era mais baixo que o esforço individual de pessoas sós demonstra
os efeitos da preguiça social.

O que é que pode explicar a preguiça social? Os esforços dos indivíduos são
muitas vezes anónimos em grupos aditivos. Dado que é a produção do grupo
e não do indivíduo que se mede, o indivíduo pode sentir-se impune (Harkins,
1987). Para além disso, as pessoas em grupos podem assumir que os outros
abrandarão e por isso em consonância com as teorias da troca e da equidade
também abrandarão (Jackson e Harkins, 1985). Também pode acontecer que
quando as pessoas trabalham em grupos aditivos, não estejam tão activadas e
motivadas como as pessoas que trabalham como indivíduos (Jackson e
Williams, 1985).

Este último aspecto parece contradizer a investigação sobre facilitação social.


Note-se, contudo, que os estudos sobre preguiça social diferem dos estudos
sobre facilitação social num ponto fulcral. Os sujeitos agregam os seus esforços
nos estudos de preguiça social o que não acontece nos estudos de facilitação
social. Assim se nos estudos de preguiça social os sujeitos se podem esconder
na multidão, já não é o caso nos estudos de facilitação social. A presença de
outras pessoas pode reduzir a activação e apreensão da avaliação em estudos
de preguiça social, mas aumentar estas mesmas variáveis em estudos de
facilitação social.

Todavia estudos levados a cabo em culturas colectivistas, tais como na China,


mostraram que a preguiça social é menos evidente aí e que o oposto também é
possível (Karau e Williams, 1993). Em certas condições as pessoas exercem
mais esforço quando trabalham como parte de um grupo que quando trabalham
sós. Aspectos destas condições incluem uma maior ênfase na lealdade e
responsabilidade para com grupos. Parece, pois, que a preguiça social não
seja uma parte inevitável do comportamento, mas um fenómeno dependente
de contextos culturais.

A preguiça social é um fenómeno que pode enfraquecer a produtividade de


grupos em trabalhos aditivos em culturas individualistas. Uma maneira de
reduzir a preguiça social é informar os sujeitos que as suas realizações, bem
como as de todo o grupo estão a ser avaliadas. Nas galeras da Roma antiga
os escravos trabalhavam conjuntamente na esgotante tarefa aditiva de remar.
Para manter os esforços individuais dos escravos, os capatazes observavam
constantemente as suas realizações e castigavam de modo brutal os indolentes.
Actualmente nos locais de trabalho ninguém toleraria uma solução tão cruel
para o problema da preguiça social. Contudo os supervisores podem avaliar
periodicamente a realização individual de trabalhadores em tarefas aditivas
e mantê-los ao corrente dos resultados. O simples facto dos sujeitos
compararem as suas realizações individuais com padrões normativos, pode

541
muitas vezes ser suficiente para eliminar a preguiça social. Por isso a avaliação
individual efectuada por si próprio ou pelos outros constitui muitas vezes um
modo eficaz de reduzir a preguiça social. Não é surpreendente que a preguiça
social seja mais susceptível de aparecer quando as tarefas do grupo são
aborrecidas e não implicativas (Williams e Karau, 1991). Por isso um outro
modo de combater a preguiça social nos locais de trabalho é criar trabalhos
com sentido e implicação para os trabalhadores.

5.2 Tomada de decisão em grupo

Os grupos de trabalho muitas vezes tomam decisões. Se com frequência os


grupos tomam decisões inteligentes, infelizmente, por vezes, tomam decisões
estúpidas.

5.2.1 Pensamento grupal

Descreveu-se o grupo como se ele fosse algo de muito racional. Os indivíduos


juntam-se, procuram as melhores soluções para um determinado problema e
realizam as tarefas com as melhores capacidades. Contudo a experiência ensina-
-nos a todos nós que tal corresponde a um estado ideal que nem sempre existe.
Os grupos tomam muitas vezes más decisões e defendem-nas com unhas e
dentes. Irving Janis (1972) analisou um certo número de acontecimentos e
defendeu que esses grupos foram vítimas do que ele chamou de pensamento
grupal. O pensamento grupal é «a deterioração da eficácia mental, do teste da
realidade, e do julgamento moral que resulta da pressão do endogrupo» (Janis,
1972, p. 9). Janis propôs que o pensamento grupal era mais susceptível de
ocorrer em grupos muito coesos com fortes laços interpessoais e com uma
imagem muito positiva. O problema é que estes grupos podem ser levados a
pensar que são invulneráveis na tomada de decisões por serem superiores.

Janis analisou um certo número de exemplos históricos de pensamento grupal,


tais como a desastrosa decisão do presidente Kennedy de invadir Cuba na
Baía dos Porcos (Documento 12.4), o involvimento norte-americano na
Coreia do Norte, a escalada de guerra no Vietname, e a falta de preparação
dos Estados Unidos para o ataque de Pearl Harbor durante a Segunda Guerra
Mundial. Brown (1988) mostrou como o pensamento grupal também
caracterizava aspectos do gabinete de Thatcher nos anos 80 na Grã-Bretanha.
Mas o processo não se limita a decisões políticas. O que aconteceu à nave
espacial Challenger que explodiu pouco tempo depois do seu lançamento em

542
Janeiro de 1986 é um outro exemplo de aparente pensamento grupal
(Magnuson, 1986).

Documento 12.4 — A invasão de Cuba

A 4 de Abril de 1961, o então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy,


e os seus conselheiros discutiram um plano de invasão de Cuba e chegaram
a um acordo. A proposta consistia em enviar um grupo de exilados cubanos
que viviam nos Estados Unidos e estavam bem treinados militarmente para
se apoderarem de uma pequena zona de terreno na Baía dos Porcos no sul da
ilha. Daí seria possível conduzir ataques contra o exército de Fidel Castro e
suscitar a revolta dos civis. O fim último da operação consistiria no derrube
do regime comunista dirigido por Fidel Castro. Estava previsto que os
invasores poderiam fixar-se nas montanhas das redondezas, pois já lá se
encontravam os guerrilheiros anti-Castro. Curiosamente ninguém se lembrou
de consultar um mapa da região. Tal permitiria verificar que cerca de 200
quilómetros de terrenos pantanosos separavam a região de invasão destas
montanhas e que nenhum exército do mundo poderia passar por aí.
Efectivamente, o restante plano foi esboçado de modo tão duvidoso que os
invasores foram quase aniquilados antes mesmo de poderem perspectivar
uma retirada.

Se estes processos operam frequentmente ou não nos grupos coesos, o


conhecimento de que podem acontecer chama a atenção dos membros para
os evitar. Dezoito meses após o desastre da Baía dos Porcos o presidente
Kennedy e os seus conselheiros encararam a crise dos mísseis em Cuba. Um
certo número de procedimentos foram adoptados para evitar os processos de
pensamento grupal que tinha ocorrido previamente. O presidente não
compareceu a algumas reuniões para que os conselheiros não se inibissem
nas suas discussões. Encorajou todos os membros a questionarem todos os
factos, pressupostos e opiniões e a serem advogados do diabo. Peritos externos
foram consultados e foi feito um esforço consciente para desenvolver um
conjunto de alternativas possíveis. Robert Kennedy argumentou que um ataque
traiçoeiro contra Cuba seria imoral e comparável ao ataque de Pearl Harbor.
A política preferida no começo das discussões não foi a política adoptada
(Schlesinger, 1965).

543
O problema do pensamento grupal surge porque os membros de um grupo
concordam todos com uma questão, mesmo sem tirar partido de uma discussão
completa do assunto. Em tais grupos os seus membros podem sentir uma pressão
para a uniformidade e colocar entre parentesis as dúvidas pessoais. Um
processo de racionalização colectiva pode ocorrer, persuadindo-se os seus
membros da exactidão das suas decisões. Todo este processo é muitas vezes
mais susceptível de ocorrer devido à presença de um chefe forte e de certos
membros do grupo que Janis chama de guardas das mentes que desempenham
o papel de manter o desacordo ao nível mínimo. O conjunto destas diferentes
forças podem levar a que se tome uma decisão deficiente. Na figura 12.8
apresenta-se um sumário das condições que facilitam o pensamento grupal, os
seus sintomas e os resultados de uma má tomada de decisão.

O que poderá um presidente ou qualquer outro chefe político fazer para


evitar o pensamento grupal? Janis avançou várias sugestões. Em primeiro
lugar, é importante evitar o isolamento por parte dos decisores políticos. No
caso da Baía dos Porcos a administração de Kennedy estava tão tocada pelo
secretismo que as pessoas no governo que tinham a informação mais útil
foram impedidas de dar a sua contribuição, para não serem colocadas ao par
do plano.

Em segundo lugar, o chefe deveria delinear procedimentos e normas que


assegurassem que todos os ângulos da questão fossem examinados,
encorajando todas as pessoas a expressarem-se, e isto em vez de suprimir
opiniões e receios. O chefe deve ter um cuidado especial em não indicar a
sua própria opinião antes de procurar conselho. Os conselheiros que conhecem
a posição do chefe são afectados por este conhecimento. Podem ser
influenciados no seu pensamento, acreditando que o que o chefe quer é o
melhor (internalização), ou podem conhecer que o chefe quer está errado,
mas não se exprimem por medo de perder os favores do chefe
(condescendência).

Clark McCauley reexaminou o material de Janis e concluiu haver evidência


para ambas as espécies de influência nos registos históricos. No fiasco da
Baía dos Porcos, por exemplo, há uma ampla evidência de que alguns dos
conselheiros de Kennedy não soltaram a sua língua apesar das suas reservas
em privado, mas não há evidência de condescendência no caso do desastre de
Pearl Harbor (McCauley, 1989).

Muito embora seja fácil imaginar exemplos de tomada de decisão de grupos


em que apareça o pensamento grupal, poucos estudos testaram algumas das
ideias específicas propostas por Janis (Courtright, 1978; Fowers, 1977; Leana,
1985). Nestes estudos encontrou-se apoio para o facto dos grupos com chefes
fortes, directivos aumentar o pensamento grupal, mas não se encontrou maior
pensamento grupal em grupos coesos versus menos coesos.

544

| .
Condições antecedentes

|. Grupo coeso de decisores


Isolamento do grupo de influências exteriores
Líder directivo
9%)

Ausência de procedimentos que obriguem a considerar cuidadosamente


e

prós e contras das ameaças externas, com pouca esperança de encontrar


soluções melhores que a do líder

Sintomas de pensamento grupal

1. Ilusão de invulnerabilidade
2. Crença na moralidade do grupo
3. Racionalizações colectivas
4. Estereótipos dos exogrupos
5. Auto-censura das dúvidas e opiniões dissidentes
6. Ilusão de unanimidade
7. Pressão directa sobre os dissidentes
Sm ms isminia)

” ,
Sintomas de má tomada de decisão =

1. Análise incompleta de todas as alternativas


|
2. Análise incompleta dos objectivos de grupo
3. Falha no exame dos riscos da escolha preferida
4. Falha na análise das alternativas rejeitadas
5. Procura insuficiente da informação relevante
6. Viés selectivo no processamento de informação
7. Falha no desenvolvimento de planos contingenciais

Y E 2
Baixa probabilidade de obter um resultado bem sucedido

Figura 12.8 — Uma análise do pensamento grupal. Fonte: Adaptado de Janis, 1972.

545
Se bem que muitos aspectos do pensamento grupal necessitem ainda de ser
clarificados (Aldag e Fuller, 1993), este modelo fornece uma perspectiva
fascinante sobre a tomada de decisão dos grupos.

5.2.2 Polarização da interacção grupal

Os grupos tendem a tomar decisões mais arriscadas ou mais cautelosas que os


indivíduos? Nos anos 50, a literatura sociológica sugeria que os grupos
exerciam uma influência cautelosa na tomada de decisão (White, 1956). Mas
esta perspectiva foi questionada num dos primeiros estudos laboratoriais sobre
esta questão.

Stoner (1961) realizou um estudo em que se pedia a indivíduos e grupos para


tomarem decisões arriscadas. Os sujeitos eram confrontados com tarefas de
tomada de decisão em que tinham de avaliar o nível de risco que achavam
aceitável. Em seguida discutiam estes problemas num grupo, e depois
realizavam de novo a tarefa individualmente.

À maior parte das pessoas prediria que o grupo tenderia a tomar decisões mais
seguras que os indivíduos; todavia, de modo surpreendente, Stoner encontrou
que tal não era o caso. Os julgamentos de grupo eram muito mais arriscados
do que os efectuados pelos indivíduos, e os julgamentos individuais obtidos
após discussão de grupo eram também mais arriscados. Este fenómeno
tornou-se conhecido sob o nome de mudança arriscada. O efeito da mudança
arriscada encontrou-se não só nos Estados Unidos e Canadá, como também
em vários países da Europa e na Nova Zelândia.

Wallach, Kogan e Bem (1962) sugeriram que a responsabilidade partilhada


produzia um sentimento mais seguro, por isso os indivíduos membros dos
grupos sentir-se-iam mais capazes de tomar decisões mais arriscadas por não
serem os únicos responsáveis por elas. Denominaram esta hipótese de difusão
Ce

de responsabilidade.

Contudo a mudança em direcção ao risco é tão somente um exemplo específico


de um fenómeno muito mais geral: a polarização da atitude induzida pelo
grupo. Numa ampla gama de situações, encontrou-se que as decisões do grupo t
eram mais extremas do que as decisões individuais das pessoas envolvidas e
na direcção das perspectivas da maioria, fossem elas mais arriscadas ou menos.
Por isso nalgumas situações pode haver uma mudança afastada do risco, no
caso das posições iniciais dos membros do grupo irem nessa direcção. A opinião
da maioria, e não o risco, é aqui o factor importante, uma mudança que pode
ocorrer mesmo quando não haja risco envolvido.

546
A polarização de grupo foi confirmada em dezenas de experiências. Por
exemplo, Serge Moscovici e Marisa Zavalloni (1969), após efectuarem três
medidas: 1) a opinião dos indivíduos antes da discussão (pré-consenso), 2) a
opinião do grupo no fim da discussão (consenso), 3) a opinião dos indivíduos
no fim da discussão (pós-consenso), observaram que a discussão reforçava,
em estudantes franceses, a sua atitude inicial positiva em relação ao presidente
De Gaulle e a sua atitude inicial negativa em relação aos americanos.

Uma outra estratégia de investigação consistiu em escolher problemas em que


as pessoas divergiam de opinião e depois de se agruparem as pessoas que
partillhavam as mesmas opiniões. Por exempo, nesta via formaram-se grupos
com alunos do ensino secundário com muitos ou poucos preconceitos e
pediu-se-lhes para responderem — quer antes quer após a discussão — a questões
sobre atitudes raciais (Myers e Bishop, 1970). Descobriu-se que efectivamente
as discussões entre pessoas com a mesma opinião aumentavam a separação
inicial entre os dois grupos.

O que é que explica a polarização de grupo? Investigação focalizou-se em


três explicações possíveis. A primeira explicação baseia-se nos processos de
comparação social, a segunda na argumentação persuasiva, e a terceira na
identificação social.

1) Comparação social. Esta interpretação do efeito de polarização


refere que os indivíduos tentam ver-se e apresentar-se aos outros de
modo tão favorável quanto possível (Sanders e Baron, 1977). Para
saber quais serão as ideias ou comportamentos que serão vistos de
modo positivo pelos outros, as pessoas podem observar meticulo-
samente o modo como os outros se expressam ou agem. Então, no
caso de todos ou a maior parte dos indivíduos num grupo mudarem
na direcção em que o grupo é percepcionado estar a inclinar-se, a
decisão do grupo será mais extrema, mas na mesma direcção da
média do grupo original (isto é, a média dos julgamentos iniciais
dos membros).

2) Argumentação persuasiva. Esta explicação sugere que a discussão


de grupo é responsável pelo efeito de polarização, estando os
indivíduos expostos a argumentos a favor e contra uma determinada
posição (Burnstein e Vinokur, 1977). A qualidade e a posição dos
argumentos, o grau com que os indivíduos relembram subsequen-
temente os argumentos quer a favor quer contra são importantes na
determinação da extensão e da duração da mudança na posição do
indivíduo. Assim ocorrerá somente uma mudança num grupo se são
apresentados os argumentos com um efeito persuasivo nos indivíduos.
Se estes argumentos já são conhecidos pelo indivíduo, não suscitarão
nenhuma mudança. A novidade é um factor crucial. A direcção de

547
qualquer mudança no grupo dependerá da preponderância da
argumentação persuasiva e nova numa ou noutra direcção. No âmbito
desta explicação, no caso de se conhecer o tipo de argumento, a direcção
e a extensão da mudança do grupo podem-se prever (Isenberg, 1986).

Identificação social. A identificação social é um processo através do


qual os indivíduos se definem em relação a outras pessoas, e
conformam-se às normas e estereótipos associados com o seus
grupos. Segundo esta explicação os indivíduos têm um estereótipo
do grupo mais extrema do que a existente na actualidade. Como
estão motivados para conformar-se com este estereótipo, o efeito
de polarização de grupo está consumado. Os grupos tornam-se mais
extremistas porque os membros esperam que sejam mais extremistas.

Há apoio empírico para as três explicações (Isenberg, 1986; Mackie, 1986).


Por enquanto não existe uma afirmação clara sobre qual dos três modelos é
o melhor. Em todo o caso tem-se encontrado que o efeito de polarização de
grupo numa ampla variedade de contextos laboratoriais e de campo.

O processo de pensamento grupal, juntamente com o efeito de polarização


permitem-nos compreender melhor porque é que um agrupamento de pessoas
aparentemente racionais e inteligentes podem concordar com uma decisão
catastrófica.

Quadro 12.7 — Interacção em grupo

Processo Características Causas

Produtividade do A produtividade tem a ver com a A produtividade é determinada


grupo tarefa dos grupos pela interacção de três factores:
pedidos de tarefa, meios e
processo

Preguiça social As pessoas não trabalham tanto Este fenómeno depende da


em grupos como quando difusão da responsabilidade e de
trabalham sós contextos culturais

Pensamento grupal Os grupos manifestam algumas Coesão, isolamento, liderança, e


vezes um estilo de pensamento stress na decisão combinam-se
distorcido que faz com que os para causar o pensamento grupal,
membros do grupo sejam inca- se bem que a coesão seja o
pazes de tomar uma decisão elemento mais decisivo
racional

Polarização grupal As decisões do grupo são mais A polarização ocorre porque as


extremas que as decisões indivi- pessoas querem adoptar posições
duais consistentes com as que são
valorizadas pelo seu grupo ou
cultura
6. Liderança
A maior parte das tarefas em grupos são divisíveis, e em geral, subtarefas
específicas são atribuídas a diferentes pessoas. A distribuição dos deveres e
das responsabilidades a membros do grupo denomina-se de diferenciação
do papel. Num grupo pode existir uma vasta gama de papéis. Um papel
importante num grupo é o de líder. Assim nesta secção procuraremos saber o
que é a liderança, que espécie de pessoas se tornam bons líderes, quais os
traços de personalidade dos bons líderes, e como é que os bons líderes
comandam.

6.1 Oqueéa liderança?

Não há um acordo entre os cientistas sociais sobre a natureza da liderança. No


quadro 12.8 são apresentadas seis definições diferentes. Como se pode observar,
quer a liderança seja definida em termos de contribuições para os objectivos
dos grupos, grau de influência nos outros membros, várias espécies de
comportamentos, quer se refira a um processo de atribuição através do qual a
pessoa adquire o rótulo de líder, a definição não está isenta de algum problema.
A liderança é um fenómeno complexo que envolve alguma(s) ou todas as
características evidenciadas por essas definições. Um líder é uma pessoa que
ocupa uma posição central num grupo e ajuda o grupo a realizar os seus
objectivos. O líder mantém essa posição e utiliza-a para influenciar, dirigir e
coordenar os comportamentos de outros membros do grupo.

Quadro 12.8 — Características centrais utilizadas para definir líder e


liderança

Características que definem um líder Problemas na definição de liderança

Centro de atenção O grupo focaliza muitas vezes o centro de


atenção num membro desviante ou fraco

Movimentao grupo para objectivos O objectivo nem sempre é óbvio, e um líder


forte pode desviar o grupo dos objectivos
originais

Aquisição do rótulo de líder O líder actual pode ser outra pessoa

A pessoa mais influente Uma pessoa pode influenciar o grupo levando


os membros a reagir negativamente a todas as
sugestões

Clarifica, decide; sugere alternativas Geralmente esses comportamentos são efec-


tuados por vários membros do grupo e não por
uma pessoa só

Designado por uma autoridade mais alta Pode-se obter um título, mas pode-se não
ganhar a aceitação ou a legitimação dos mem-
bros

551
e ———

6.2 Perspectiva contingente da liderança

O método mais usual para se encontrarem os traços de personalidade dos


líderes é relativamente simples. Os investigadores administram testes de perso-
nalidade a um grupo de sujeitos, e recolhem também as avaliações da eficácia
dos sujeitos como líderes. As avaliações podem ser efectuadas por subordi-
nados, por supervisores, por colegas ou observadores. O investigador observa
então as relações entre os traços medidos e a eficácia do líder. Espera-se por
meio de tal procedimento encontrar um só traço ou talvez uma pequena colecção
de traços que estejam de modo consistente relacionados com a liderança.

As revisões dos anos 40 e 50 dos resultados de estudos que recorreram a este


método mostraram haver muitas correlações entre liderança e personalidade.
Efectivamente encontraram-se mesmo demasiadas correlações. Acontece que
na maior parte dos estudos revistos encontrou-se alguma relação entre uma
variável de personalidade e a eficácia da liderança. No entanto no interior de
cada estudo estas relações eram fracas, e quando se efectuaram comparações
de um estudo para outro, diferentes traços de personalidade estavam
relacionados com a liderança (Stogdill, 1958; Mann, 1959). Surgiu assim
consenso no domínio de que não havia um só traço partilhado pelos líderes |
eficazes, mas que a liderança exigia diferentes traços em diferentes
circunstâncias. Foi essa ideia que dominou a investigação sobre a liderança
| nas três últimas décadas sob o nome de perspectiva contingente da liderança.
| Esta perspectiva sugere que os traços que fazem com que um líder seja bom
são contingentes das circunstâncias com que o líder se defronta.

Fred Fiedler pode especificar que traços em que circunstâncias conduzem a


uma liderança eficaz. A questão fundamental em relação a que espécie de
pessoa fará um bom líder é a de se saber até que ponto a situação global lhe
é favorável. Num extremo deste continuum temos uma situação muito
favorável ao líder (o líder tem muita autoridade, relações positivas com o
| grupo, tarefas muito bem especificadas). No outro extremo temos uma
| situação que é muito adversa para qualquer líder (o líder tem pouca autoridade
no grupo, os membros não condescendem uns com os outros ou com o líder,
tarefas pouco especificadas). Fiedler avançou que em ambos os extremos do
continuum (circunstâncias muito favoráveis ao líder ou muito desfavoráveis)
uma determinada espécie de pessoa fará melhor como líder, enquanto que
no meio do continuum (quando as circunstâncias não são favoráveis ou
| desfavoráveis) uma outra espécie de pessoa muito diferente fará melhor.
Esta teoria de Fiedler propõe mais especificamente que os líderes com boas
relações interpessoais dentro de um grupo farão melhor que os com uma
focalização rígida na tarefa em circunstâncias intermédias, enquanto que os
líderes focalizados nas tarefas farão melhor em circunstâncias em ambos os
extremos (Fiedler, 1964; Peters, Hartke, e Pohlmann, 1985).
tin
tn
to
6.3 Consistência na liderança

Por valiosa que tenha sido a contribuição de Fiedler, mais recentemente foi
proposto que haveria evidência de um traço de liderança, muito embora ainda
não se tenha encontrado. A evidência de um traço escondido, sem se ser
capaz de se especificar qual será, advém de um estudo em que se junta um
grupo de pessoas e dá-se-lhes uma tarefa. Observa-se quem emerge como
líder. Muda-se então a tarefa e os membros do grupo e observa-se quem
emerge como líder. Se acontecer que a mesma pessoa emerge como líder,
apesar da tarefa ou da composição do grupo, então há razão para se crer que
algo, muito embora não se sabendo o quê, acerca destas pessoas faz com que
de modo consistente se tornem líderes.

Foi referido que através de décadas em que os autores desistiram mais ou


menos da noção de um traço de liderança porque não foram capazes de o
encontrar, houve poucos estudos que recorreram a um planeamento desse
tipo (Kenny, e Zaccaro, 1983). E esses estudos encontraram que as mesmas
pessoas emergiam como líderes em diferentes grupos (Carter e Nixon, 1949;
Belle French, 1950; Borgatta, Bales e Couch, 1954, Barnlund, 1962). Kenny
e Zaccaro concluem que seria insensato perante esta evidência desistir da
noção de que há um traço (ou talvez um conjunto de traços) que os líderes
têm de modo consistente.

Quadro 12.9 — Três abordagens para a liderança

Abordagem Princípio orientador

Traço Os traços predispõem certas pessoas a tornarem-se líderes


efectivos

Situação Factores situacionais determinam que as pessoas com certas


características surjam efectivamente como líderes

Interaccionismo Factores situacionais, traços e comportamentos dos líderes,


características e percepções dos seguidores interagem para
determinar quem é um líder eficaz
tn

O)
6.4 Cultura e estilos de liderança

Quase toda a investigação sobre a perspectiva contingente da liderança foi


efectuada em sociedades individualistas. Como funcionaria esta perspectiva
numa cultura colectivista? Triandis (1993) avançou a hipótese de que o líder
ideal é susceptível de ser diferente nestas duas espécies de culturas. O maior
interesse das culturas colectivistas pelas necessidades dos grupos e pelas
relações interpessoais pode fomentar um meio em que os líderes orientados
para as relações sejam mais desejados pelos membros do grupo do que o são
em culturas individualistas. Pelo menos dois estudos apoiam esta concepção.
Na cultura colectivista do Irão, os trabalhadores afirmavam que «trabalhar
como um bom patrão» significa ser protector, como um pai (Ayman e Chemers,
1983). Na cultura colectivista da Índia o líder que é mais eficaz começa por
ser protector e então sugere aos seguidores como é que o trabalho deve ser
feito (Sinha, 1986). Em ambos os países, a protecção aparece como sendo
uma característica altamente desejada na liderança. Já nas sociedades
individualistas os líderes orientados para a tarefa mostram-se mais eficazes em
mais variadas situações do que os líderes orientados para as relações. Triandis
avança que tal pode ser específico das culturas individualitas. Nestas culturas
as pessoas são socializadas para trabalharem sós, para se concentrarem na
tarefa e para enfatizarem a realização. Tal treino pode fazer com que as culturas
individualistas sejam mais sensíveis a líderes orientados para a tarefa.

6.5 Poder

O poder social está obviamente relacionado com a liderança. Uma das


características que define uma situação como sendo favorável ou desfavorável
a um líder é o grau em que tem poder no grupo. Na sua forma mais primitiva
o poder deriva do poder físico. O poder sempre interessou os cientistas sociais
e os filósofos e alguns deles chegaram mesmo a defender que ele deveria
constituir o foco das ciências sociais (Pollard e Mitchell, 1972). Apesar do
poder não ter atingido uma tal posição na teoria psicossocial, foram
desenvolvidas várias teorias do poder social.

John French e Bertram Raven delinearam uma concepção ampla do poder


social. Defenderam que o poder social consiste na capacidade de influenciar
o comportamento de outra pessoa, os seus pensamentos, ou sentimentos.
Especificaram cinco bases diferentes do poder social, e discutiram as
conseguências de cada uma delas (quadro 12.10).

554
Quadro 12.10 — Tipos, fontes e mecanismos de poder social

[
| Eb
| Tipo Baseado em Eficácia
| |
| Legítimo Direito a liderar Quer o seguidor esteja sob vigi-
| lância quer não
[
| Recompensa Controlo dos recursos Somente com vigilância

| Coercivo Controlo nos castigos Somente com vigilância

Referência Admiração Quer o seguidor esteja sob vigi-


lância quer não

Competência Conhecimento percepcionado | Quer o seguidor esteja sob vigi-


lância quer não

Fonte: Raven e French, 1958.

1) Uma pessoa tem poder legítimo em relação a outra pessoa na medida


em que tem o direito de dar ordens a essa pessoa, e a pessoa a quem
se dão ordens sente a obrigação de obedecer. O poder legítimo é a
espécie de poder que Fiedler tinha em mente como contribuindo
para uma situação favorável para o líder. É esta espécie de influência
que se exibe nas experiências de Milgram. É o poder característico
das organizações hierárquicas.

O poder de recompensa assenta em que uma pessoa pode recom-


pensar outra (e.g., dinheiro, aprovação, amor, etc.) para condes-
cender. O poder de recompensa vem com o controlo de algo
desejável. Esta forma de poder, tal como o poder legítimo, é limitado
em alcance. Há coisas que quase todas as pessoas não fariam por
dinheiro ou por qualquer outra recompensa.

3) O poder coercivo é o poder para punir. Tem em comum com o


poder de recompensa o facto de ambos se exercerem só com vigi-
lância. O poder coercivo tem também provavelmente os seus limites.
Há pelo menos algumas pessoas que não podem ser ameaçadas para
trair o que gostam. E as pessoas não gostam muito das que coajem.

4) Há poder de referência quando admiramos um indivíduo ou um grupo


ou quando nos identificamos com ele. Nesta situação podemos copiar
voluntariamente os comportamentos apropriados ou fazer o que nos
pedem porque queremos ser como essa pessoa ou grupo. Constitui
um exemplo deste tipo de poder a pessoa que adopta determinada

555
SO Sa ES ES Co ES SE SAN READ O RC DIS

marca de cerveja porque se associa com a imagem machista suscitada


pela publicidade. Raven (1988) assinala também o poder de referência
inverso que ocorre quando uma pessoa adopta certas atitudes para se
distinguir de uma pessoa ou de um grupo que se detesta. O poder de
referência tem menos necessidade de vigilância que o poder de
recompensa e o poder coercivo.

5) Opoder de competência advém de se conhecer muitas coisas sobre


algo. O poder de competência está provavelmente limitado em alcance
às coisas em que uma pessoa é perito. Mas as pessoas assumem que
alguém que é realmente competente em algo é também muito esperto
e por isso susceptível de ser uma fonte razoável para guiar num leque
de outros assuntos.

Estas formas de poder não são mutuamente exclusivas. O mesmo indivíduo


pode possui-las. A lista apresentada também não é necessariamente exaustiva.
Por exemplo, Pruitt (1976) acrescenta poder recíproco à lista mencionada mais
acima. O poder recíproco refere-se à influência que uma pessoa tem sobre
outra em resultado de a ter ajudado no passado.

Stahelski e Frost (1989) mediram a frequência com que várias formas de poder
eram utilizadas em três organizações diferentes. Encontraram que em todas as
organizações o poder referente e de competência eram utilizados mais
frequentemente que o poder legítimo, de recompensa e coercivo. Contudo os
autores também observaram que quando o número de empregados
supervisonados aumentava, o recurso ao poder coercivo aumentava.

556
7. Grupos na Sociedade
Reveste-se de dificuldade reflectir sobre uma sociedade sem se notar a
abundância de grupos que nela operam. Muito embora o fim da família já
tenha sido frequentemente vaticinado acontece que essa célula continua a
formar a base da maior parte das sociedades. Diferentes tipos de grupos
terapêuticos são debatidos em revistas especializadas e nos meios de
comunicação social. Nesta secção consideraremos alguns destes grupos.
cet

7.1] Famílias

«Nascer é encontrar-se membro de um grupo que não se escolheu», observam


Aebischer e Oberlé (1990, p. 41). Apesar disso o grupo familiar terá uma
influência decisiva no nosso desenvolvimento psico-social. Desde sempre se
tem reconhecido que a família é o principal agente de socialização, ou seja, «o
mecanismo pelo qual uma sociedade transforma a sua cultura, isto é, o seu
sistema de valores, de normas, de papéis sociais e de sanções» (Albouy, 1976,
p. 417). É efectivamente através do grupo familiar que somos colocados pela
primeira vez perante um sistema de papéis, de normas e de estatutos.

Yvonne Castellan (1991, p. 3) define uma família como uma reunião de


indivíduos «unidos pelos laços de sangue; vivendo sob o mesmo tecto ou num
mesmo conjunto de habitações; numa comunidade de serviços.» Esta definição
pode abarcar uma multiplicidade de configurações.

Actualmente a família na sua forma mais espalhada na nossa cultura é a do


pequeno grupo denominado família nuclear. O seu núcleo é constituído pelo
casal, com base na livre escolha dos parceiros; juntam-se os descendentes
imediatos, sem excluir a presença eventual de alguns ascendentes, descen-
dentes mais longínquos ou colaterais. É este o tipo de família mais frequente
no universo industrial contemporâneo. Em todo o caso a família mostra-nos
um grupo em que os membros mantêm uma interacção extensa e a longo
termo.

A família enquanto grupo elabora no seu seio um certo número de fenómenos


psicológicos em domínios representativos, imaginários, afectivos e volitivos
(Castellan, 1991). Trata-se de fenómenos que não são desconhecidos por parte
de grupos mais efémeros. Todavia «na muito longa duração do universo
familiar, estes fenómenos são interiorizados mais profundamente, menos
acessíveis quer à expressão quer à consciência, melhor realizados e muito
mais duradoiros» (Castellan, 1991, p. 83).

Esta mc:ma autora esboça um balanço do pequeno grupo familiar (Castellan,


1993) que por mais normal que se considere apresenta características globais

559
positivas e outras que o não são tanto. Na vertente positiva
é referida uma
facilidade em elaborar um sonho a dois e em realizar este sonho, uma
liberdade
incomparável de escolha criadora, uma grande autonomia, indepe
ndência.
No lado negativo ressalta-se uma família pesada para ser transpo
rtada. Os
pais são dois no seu sonho, às vezes um, para assumir todo um
conjunto de
funções duradoiras de que só eles são responsáveis.

Esta complexidade da dinâmica da família levou muitos invest


igadores a
evitá-la enquanto alvo de investigação, ao passo que outros
tentaram criar
famílias «simuladas» em que se podem controlar factores específ
icos (Waxler
e Mishler, 1978). Apesar de óbvias diferenças entre uma família
artificial e
uma família real, tem-se mostrado que certos factores intervêm
em ambas as
famílias. Por exemplo, Waxler e Mishler (1978) menci
onam que as famílias
simuladas e reais utilizam os mesmos modos gerais de resolver os
problemas.
Todavia as mães nas famílias reais comprometiam-se menos do que as
«mães»
nos grupos ad hoc.

Outros autores voltaram-se unicamente para o estudo de família


s reais. Por
exemplo, foram estudados os modos como variáveis demográficas
afectam
o padrão da interacção familiar. Strodtbeck (1951) estudou a tomada de
decisão marido/esposa junto de casais protestantes do
Texas, Navajo e
Mormões. Encontrou que os maridos mormões eram muito mais
poderosos
que as suas esposas; as esposas Navajo eram muito mais podero
sas que os
seus maridos, reflexo do matriarcado nesta sociedade; os
casais protestantes
do Texas mostram igualdade no processo de tomada de decisão
. Passando da
díade à tríade (uma mãe, um pai e um filho adolescente) e
abordando duas
outras culturas (judia e italiana), Strodtbeck (1958) encontrou de novo
evidência de diferenças culturais. Os pais italianos eram muito
mais poderosos
que as esposas e os filhos; nas famílias judias, os pais partilhavam
o poder e
tinham muito mais poder que os seus filhos.

Em Portugal Barros (1994) tem dedicado especial atenção


ao estudo dos
estilos educativos parentais. Partindo das dimensões propostas
por Schaefer
(1959) e comparando-as com o modelo de Baumrind (1971)
pode obter-se
fundamentalmente quatro estilos educativos: democrático ou
autoritativo
(autonomia com amor ou na terminologia de Baumrind (1971),
respondente
e exigente), indulgente ou permissivo (controlo com amor, respon
dente não
exigente), autoritário ou exigente (controlo com hostili
dade, não respondente
e exigente) e, por último, negligente ou rejeitador (autonomia com
hostilidade;
não respondente e não exigente). Cada um destes estilos caracte
riza-se por
um conjunto de práticas e comportamentos parentais (Barros,
1994).

560
Ra

7.2 Grupos experienciais

No decurso das três últimas décadas asssistiu-se a um aumento do número


de grupos experienciais onde as pessoas procuram melhorar as suas habili-
dades participando em grupos. Através da própria experiência grupal
procuram-se mudanças pessoais (Shaw, 1981). Há uma diversidade desses
grupos: T-grupos, grupos bioenergéticos, análise transaccional, grupos de
encontro, para só se referirem alguns (Dreyfus, 1975).

O T-grupo (training group ou grupo de formação) faz parte do património


da psicologia social, tendo sido originalmente desenvolvido por Kurt Lewin
e seus colegas. Em 1946 Lewin e Lippitt efectuaram uma sessão de formação
de animadores onde apareceu uma nova forma de observar grupos e um novo
método de formação. Tratava-se de testar diversas hipóteses sobre os efeitos
comparados de conferências e de estudos de casos sobre os comportamentos e
as mudanças de comportamento. Os participantes eram divididos em grupos
de dez efectuando estudos de casos com jogos de papéis e exposições
magistrais. Em cada grupo estava presente um observador que preenchia folhas
de observação das interacções e da evolução do grupo.

Estas observações que se destinavam às investigações da equipa de Kurt


Lewin não deviam ser transmitidas aos participantes. Lewin organizara sessões
de trabalho da parte da manhã com os animadores oficiais e os observadores
com o intuito de verificar as observações e de as discutir. Alguns participantes
que habitavam no local solicitaram para assistir a estas reuniões de trabalho
o que lhes foi concedido. Tratava-se pois de participar numa reunião em que
os seus próprios comportamentos eram analizados por observadores. Os
participantes julgaram estas reuniões com interesse capital para eles e
seguidamente todos os participantes tomaram parte nelas. Nasceu assim a
ideia de substituir o conteúdo da formação centrada no «algures e um dia»
que caracteriza a formação clássica pela análise do «aqui e agora». O novo
método de formação consistia em pequenos grupos de discussão em que
havia um observador e um animador. O observador comunicava de vez em
quando as suas notas sobre a dinâmica do grupo e o animador ajudava o
grupo a analisar estas observações.

Neste âmbito o grupo é pois tomado quer como objecto de análise quer
como metodologia de investigação. Esta segunda vertente constitui uma
abordagem inovadora na medida em que se alia investigação e acção,
observação participante e implicação dos sujeitos. É a experiência relacional
vivida pelos sujeitos que é utilizada como material de estudo. Trata-se pois de
uma abordagem experiencial.

O T-grupo teve uma grande repercursão nos anos 50 nos Estados Unidos e,
um pouco mais tarde, na Europa. Foi para a psicologia social um verdadeiro

561
laboratório contribuindo para compreender e elaborar fenómenos de interac
ção,
de coesão, de liderança, de mudança, etc.

Em paralelo com este método apareceram outros voltados para a


terapia e o
desenvolvimento pessoal. Relembre-se que já nos anos 30 Moreno
concebeu
uma psicoterapia de grupo com base no psicodrama, técnica que
teve uma
grande influência nos grupos de desenvolvimento pessoal. Nos
anos 50
surgem duas grandes influências: os grupos de encontro
de inspiração
rogeriana e o movimento do potencial humano. Ambos vão influen
ciar o
T-grupo. A sua combinação vai despoletar diversas práticas grupais
: grupos
de evolução, de sensibilização, de criatividade, etc.

É difícil saber-se quais são os efeitos da participação em grupos experienciais


dado que esses grupos têm uma composição, duração, objectivos e
procedimentos que variam. Shaw (1981) avançou, no entanto, quatro hipóteses
sobre os efeitos dos grupos experienciais:

1. A discrepância entre o self percepcionado e o selfideal diminui


em
função da participação em grupos experienciais.

2. Os participantes em grupos experienciais percepcionam mudanças


nos seus sentimentos e comportamento em consequência
da
experiência grupal.

3. Os observadores referem mudanças percepcionadas no compor


-
tamento dos membros após a participação em grupos experienciais.

4. Nalgumas condições a participação em grupos experienciais tem


como resultado perturbações psicológicas graves.

Mesmo se hoje em dia é difícil ter uma ideia válida cientificamente


sobre os
efeitos exactos dos grupos experienciais, não resta dúvida que se
tornaram
populares e chamam a nossa atenção para os poderosos processos
grupais.
As contribuições dos T-grupo e dos grupos de desenvolvimento
foram ricas,
contribuindo para uma abordagem metodológica original em
que se alia
formação e investigação. Como observa De Visscher (1991, p. 274)
«não é o
meio de formar psicólogos sociais para quem a palavra social não seja
uma
etiqueta oca, um conceito residual?»
APPLICAÇÕES: EQUIPAS DE TRABALHO

As equipas de trabalho constituem uma das muitas áreas em que a psicologia


social se imbrica com o campo do comportamento organizacional. O campo
do comportamento organizacional dedica-se a analisar e melhorar organiza-
ções tais como empresas, serviços governamentais, escolas, hospitais,
casernas. Precisamente na medida em que o trabalho nas organizações é
levado a cabo com outras pessoas não se pode passar uma esponja sobre os
processos sócio-psicológicos que aí se desenrolam. Quando se interrogam
gestores sobre como deveriam intervir para ajudar a que o seu grupo se torne
mais produtivo, não se pode passar por cima de questões de liderança. Equipas
de gestão tomam a cada passo decisões erróneas após haverem consumido
muito tempo a pensar sobre as saídas talvez por estarem mergulhados no
pensamento grupal. Se se procedem a mudanças no modo de trabalhar entre
membros de uma equipa passando-se do trabalho individual para um trabalho
conjunto à volta de um projecto e se assiste à baixa de produtividade, pode
ser que o fenómeno da preguiça social esteja a mostrar os seus efeitos. Se o
estudo do comportamento organizacional se defronta sobretudo com questões
práticas, tais questões podem ser respondidas com base em teoria e em
investigação da psicologia social. Ora precisamente um dos aspectos que
devemos compreender, antes de poder compreender a dinâmica de uma
organização, é a dinâmica dos grupos nessa organização.

Por exemplo, refira-se o impacto da equipa de trabalho na organização


(Sundstrom, De Meure, e Futrell, 1990). Já lá vão uns anos que muitos peritos
pensavam que as interacções entre os empregados deveriam ser reduzidas ao
mínimo. As pessoas eram vistas como sendo «auxiliares das máquinas» e
deveriam evitar perder tempo a falar com os outros (Taylor, 1923). Todavia
o taylorismo levou a uma baixa na produtividade e essa perspectiva foi abalada
pelos estudos levados a cabo por Elton Mayo e seus colaboradores na fábrica
Hawthorne da Western Electric Company nos nos anos 20 (Mayo, 1945;
Roethlisberger e Dickson, 1939). No início a equipa de Mayo partiu da ideia
de que a produtividade era modelada em grande medida pelas características
físicas do local de trabalho. Por isso isolaram um grupo de trabalhadores
numa sala para manipular aspectos do meio laboral, tais como a iluminação
e a temperatura. Surpreendentemente todas as mudanças efectuadas levaram a
um amelhoramento da produtividade. As pessoas trabalhavam cada vez mais
quando se aumentava a intensidade da luz, como também quando se diminuia.
Os investigadores navegavam na perplexidade até que se deram conta de que

563
EPCERES ur TVNGESAES EST

se trabalhava mais porque as pessoas faziam parte de um pequeno grupo tratado


de modo especial.

A descoberta da importância do grupo para a produtividade pelos estudos de


Hawthorne levou a que se tivessem em conta nas organizações mais diversas
as equipas de trabalho. Efectivamente os grupos contribuiram decisivamente
para a fundação da organização moderna.

Especialistas das organizações recorrem muitas vezes a análises socio-


psicológicas dos pequenos grupos para planificar, desenvolver e melhorar
grupos de trabalho. Por exemplo, a construção da equipa começa com o
pressuposto de que o sucesso dos grupos de trabalho é o resultado da
colaboração interdependente que se desenvolve mediante a prática. Geralmente
a construção da equipa requer o seguinte (Sundstrom et al., 1990):

Análise do processo interpessoal

Os membros da equipa podem efectuar exercícios ou participar em


discussões para a ajudar a desenvovler a compreensão da natureza dos
processos grupais. Os membos estudam os padrões de comunicação e
atracção do grupo, os procedimentos de tomada de decisão, as fontes de
poder, as normas sociais informais, e os tipos de conflito entre eles.

Construção da coesão

A noção de equipa de trabalho envolve um grupo de trabalho unido em


que os membros gostam uns dos outros e se confrontam com o grupo. A
construção da equipa fortalece a satisfação do grupo encorajando a
confiança, a cooperação e o desenvolvimento de uma identidade de grupo.

Objectivos

Em geral os grupos funcionam de modo mais eficaz quando os seus


objectivos são explícitos, e os membros recebem regularmente retroacção
sobre o seu progresso em relação aos objectivos.

Definição do papel

As equipas tendem a trabalhar de modo mais eficaz quando os membros


compreendem as exigências dos seus papéis. No decurso do
desenvolvimento da equipa, os membros podem identificar as fontes de
stress do papel susceptíveis de ocorrer quando as responsabilidades dos
membros são ambíguas ou quando outras pessoas no grupo compreendem
mal os deveres associados com os seus papéis.

564
Resolução dos problemas

Os membros da equipa devem aprender a usar métodos de decisão eficazes


para identificar problemas e soluções. Por exemplo, muitas equipas de
trabalho baseiam-se no modelo dos círculos de qualidade (Deming, 1975).
Trata-se de grupos pequenos centrados nos empregados a quem lhes é
dada autoridade para tomar decisões sobre a gestão. Estas equipas
encontram-se para discutir problemas no local de trabalho sobre
produtividade, eficácia, qualidade ou satisfação com o trabalho. Após
identificação das causas desses problemas o grupo leva a cabo mudanças
para as corrigir. No caso destas mudanças se mostrarem ineficazes, então
o processo de resolução dos problemas começa de novo.

Em geral as pessoas estão mais satisfeitas com o trabalho quando fazem


parte de uma equipa de trabalho coesa. Mesmo se a construção de uma equipa
de trabalho nem sempre funciona, em diferentes tipos de organizações,
absentismo, o turnover e as queixas dos empregados diminuem após uma
intervenção focalizada no grupo.

565
SUMÁRIO

O estudo dos grupos constitui uma parte integrante do campo da psicologia


social. São vários os factores que podem transformar um certo número de
indivíduos heterogéneos num verdadeiro grupo: interacção entre os membros
do grupo e as influências mútuas, a partilha de um objectivo comum, a
interdependência, e a percepção de ser membro de um grupo. Podem-se
distinguir vários tipos de grupos: endogrupos e exogrupos, os grupos formais
e informais, os grupos primários e secundários, os grupos de pertença e de
referência, o grupo restricto, a categoria social e a multidão.

Os psicólogos sociais estudam grupos quer na vida real quer no laboratório.


À investigação sobre os grupos focaliza-se nos processos e nos resultados do
grupo. As três principais dimensões dos grupos são actividade geral,
agradabilidade e capacidade para a tarefa.

As pessoas juntam-se em grupos por variadas razões, incluindo para atingir


objectivos que as pessoas não podem atingir sós ou para satisfazer determinadas
necessidades.

Quando as pessoas se juntam passam geralmente por um processo de


socialização grupal que pode descrever-se em termos de cinco períodos gerais,
separados por quatro pontos específicos de transição. Estes períodos e os
pontos de transição são investigação, entrada, socialização, aceitação,
manutenção, divergência, ressocialização, saída e lembrança. Indivíduos e o
grupo comprometem-se nas actividades características em cada estádio do
processo de socialização.

A mera presença de outras pessoas pode afectar a rapidez e a qualidade de


realização da tarefa por uma pessoa. A teoria da facilitação social de Zajonc
defende que a mera presença de outras pessoas é activante e que esta activação
facilita respostas dominantes e bem aprendidas, mas interfere com as não
dominantes e mal aprendidas. A apreensão da avaliação e a distracção
cognitiva também contribuem para a facilitação social.

À estrutura do grupo refere-se a padrões regulares, estáveis de actividades e


do comportamento no grupo. Os papéis, o estatuto e as normas constituem
três conceitos importantes que se relacionam com a estrutura dos grupos.
Um aspecto da estrutura relaciona-se com um conjunto de comportamentos
da pessoa associados a uma dada posição, denominado um papel. Os papéis
variam com o estatuto num dado grupo. A coesão de grupo refere-se ao grau
em que os membros querem permanecer membros do grupo e têm atracção

566
por ele. Os grupos coesos proporcionam maior satisfação nos seus membros e
geralmente têm como resultado uma melhor produtividade. As redes de
comunicação afectam a realização e a satisfação, a rede mais centralizada
produz melhor realização, mas mais baixa satisfação nos seus membros.

Um certo número de factores determina a produtividade de um grupo,


incluindo pedidos da tarefa, meios, produtividade potencial e perda no
processo. Os tipos de tarefas (aditivas, comuns, disjuntivas e compensatórias)
também são determinantes para a compreensão das condições em que o
trabalho em grupo será superior ao trabalho individual.

Às pessoas inseridas em grupos aditivos mostram muitas vezes preguiça social,


isto é, exercem menos esforço individual quando trabalham em grupos que
quando trabalham sós. A preguiça social é reduzida quando a realização
individual é avaliada por si próprio ou por outras pessoas.

O pensamento grupal, definido como uma tendência dos membros para


procurar concordância é uma ilustração do processo pelo qual podem chegar
a fracas decisões. Geralmente a interacção em grupo tem tendência a suscitar
uma polarização de respostas: as opiniões que resultam de uma discussão de
grupo são mais extremas do que as opiniões de indivíduos antes da discussão
em grupo.

O corpo de investigação mais antigo sobre liderança falhou em encontrar


diferenças entre líderes e não-líderes; os factores situacionais também podem
contribuir para a emergência de líderes. Segundo o modelo contingente da
liderança proposto por Fiedler, o sucesso de um líder depende do equilíbrio
entre o estilo do líder (orientado para a tarefa versus para a relação) e da
natureza da situação. Mais recentemente foi proposto que haveria evidência
de um traço de liderança, se bem que ainda não tenha sido encontrado. Em
relação com a liderança está o poder social de que há diversos tipos: poder
legítimo, poder de recompensa, poder coercivo, poder de referência, poder
de competência.

Exemplos da vida quotidiana de grupos em acção incluem famílias e grupos


experienciais. Se, por um lado, cada um destes tipos de grupos se reveste de
um conjunto de propriedades únicas, por outro lado, também mostra a
possibilidade de aplicação dos princípios sócio-psicológicos.

567
PARA IR MAIS LONGE

BROWN, R.
1988 Group processes: Dynamics within and between groups. Oxford:
Blackwell.
O livro introduz as principais teorias e desenvolvimentos empíricos
no campo da dinâmica de grupo. Apresenta-se uma grande variedade
de investigação sobre o comportamento grupal.

CASTELLAN, Y.
1993 Psychologie de la famille. Toulouse: Privat.
Como funciona a família contemporânea? Quais são as forças
psíquicas que intervêm na sua construção?A resposta a estas questões
essenciais são abordadas nesta obra que constitui uma introdução à
compreensão psicológica do grupo familiar.

SHAW, M. E
1981 Group dynamics: The psychology of small group behavior (3rd ed.).
New York: McGraw-Hill.
Um dos textos clássicos sobre a dinâmica de grupo susceptível de
interessar o leitor para se orientar tecnicamente.

VISSCHER, P
1991 Us, avatars et métamorphoses de la dynamique des groupes: Une
brêve histoire des groupes restreints. Grenoble: Presses Universitaires
de Grenoble.
O livro aborda o lugar dos grupos em psicologia social, a sua
variedade, a diferença entre o interpessoal e o intragupal, a co-presença
e a grupalidade.

WORCHEL, S., WOOD, W., e SIMPSON, J. A. (Eds.)


1992 Group process and productivity. Newbury Park, CA: Sage.
Este texto fornece um apanhado da investigação contemporânea
sobre grupos.

568
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ACTIVIDADES PROPOSTAS

1. Refira exemplos da sua própria experiência em como os grupos podem ter


influências positivas e negativas no comportamento individual.

2. É de esperar que um músico toque melhor perante o público ou em privado?

3. Será uma boa coisa a coesão de um grupo?

4. Pode pensar nalgum exemplo para pôr em prática a perspectiva de Zajonc


sobre a facilitação social?

5. Efectue uma reunião de um grupo de colegas e peça-lhe para trabalharem


numa tarefa comum a designar. Observe, juntamente com um colega, o
comportamento deste grupo através da análise do processo de interacção
de grupo (IPA) de Bales.

6. Relembre as suas experiências sobre preguiça social.

7. Procure e faça a análise de um caso histórico de preguiça grupal.

8. Pensa que as sondagens de opinião afectam a polarização? Que tipo de


influência exerceriam?

9. Os avanços na tecnologia estão a mudar o modo de como grupos se


encontram. Será de esperar que o comportamento grupal e a tomada de
decisão sejam diferentes numa discussão através do computador em
relação a um encontro face a face?

569
XII. COMPORTAMENTO COLECTIVO
TÁBUA DE MATÉRIAS

XIII. COMPORTAMENTO COLECTIVO

l. Introdução

2. O que é o comportamento colectivo?

3. O estudo do comportamento colectivo

4. Os comportamentos das massas

4.1 Acção colectiva


4.1.1 Violências colectivas
4.1.2 Alegrias colectivas

4.2 Desagregação colectiva: pânico


4.2.1 Natureza do pânico
4.2.2 Simulação do pânico
4.2.3 Comportamento nos desastres
4.3 Teorias explicativas
4.3.1 Teoria do contágio

4.3.2 Desindividualização
4.3.3 Teoria da convergência
4.3.4 Teoria da norma emergente

de Os comportamentos nas massas

5 Moda

5.1.1 Análise estrutural da moda

5.1.2 Porque é que a moda muda continuamente?


5.2 Opinião pública
5.2.1 Oque éa opinião pública?
5.22, Pesquisa da opinião pública
5.3 Rumores

575
5.3.1 Definição
Duda Fenómeno colectivo de ontem e de hoje
.3,3 Processos de transmissão da informação

5.3.4 Controlo dos rumores


TS Teorias de conspiração

Aplicações: Controlo de desordem socia


l
Sumário

Para ir mais longe

Actividades propostas

576
Objectivos:

* Definir o comportamento colectivo;

* Examinar métodos de estudo do comportamento colectivo;

* Estudar a natureza das multidões;

* Identificar a natureza do pânico e as reacções aos desastres;

* Examinar as abordagens do contágio, da desindividualização, da


convergência e da norma emergente para compreender o comporta-
mento das massas;

* Considerar os modos como a moda se espalha e as necessidades que


satisfaz;

* Abordar o que se entende por opinião pública e o modo de a eviden-


ciar;

* Explorar o desenvolvimento e as funções dos rumores.

577
8,
E
E
E

ERR PO E PIRES SSIS TS Ce TER

O nosso tempo é assim. Colectivo, atravancado,


promíscuo. Superlotado em todas as horas. E
já não há lugares no mundo preservados, nem
consentimento para qualquer individualidade os
admirar. Aqui ou na Sistina, a lei é ser comum
com os outros, caminhar empurrando como os
outros, e ver pelos olhos dos outros.

Miguel Torga

Além dos grupos, existem outros tipos de agrupamentos que se distinguem


deles. Eis uma pequena amostra de exemplos: os espectadores de um jogo
de futebol, os ouvintes de um programa de rádio, uma manifestação de
trabalhadores, um linchamento... O leitor certamente que não pode deixar
de pensar na heterogeneidade dos casos mencionados.

Estamos efectivamente perante o nível mais difuso do comportamento social,


o colectivo. Este nível pode envolver muito mais pessoas do que as relações
diádicas examinadas em capítulos anteriores e estar desprovido da organização
sistemática dos grupos abordada no capítulo anterior. Donde se pode inferir
que a análise dos fenómenos colectivos exige conceitos e metodologias
diferentes.

À psicologia colectiva é frequentemente considerada «como o domínio por


excelência da psicologia social» (Stoetzel, 1963, p. 225). Em todo o caso é
um dado histórico que os primeiros estudos em psicologa social começaram
pela curiosidade a respeito do comportamento colectivo. E não foi fortuito o
interesse manifestado pela problemática das massas em finais do século
dezanove na Europa que então era palco de transformações tecnológicas e
políticas no seguimento da revolução industrial e da revolução francesa. Assim
se compreende que quando Le Bon (1895) anunciava a profecia: «a idade
em que entramos é verdadeiramente a era das massas», era já resultado de
uma constatação. Tal profecia anunciava não só um poder crescente das
multidões e dos seus chefes como a vitória de uma mentalidade colectiva
sobre uma individual. Mesmo se a profecia não se realizou em todos os seus
aspectos (Mannoni, 1985) não restam dúvidas de que hoje não se podem
evitar as massas em que o indivíduo perde o espírito crítico e descobre
angustiadamente que está sendo alvo da manipulação por forças
desconhecidas ou até hostis.

Hoje em dia os fenómenos colectivos atingem-nos através da experiência


quotidiana imediata, da representação visual das multidões que nos é fornecida
pelos mass-media, ou até através das representações sociais que temos das

581
massas e dos problemas das massas. Os fenómenos colectivos estão
omnipresentes na nossa vida quotidiana.

Mas apesar disso, a análise teórica a respeito dos comportamentos das massas
é ainda limitada e a sua aplicação a problemas concretos está ainda em estado
incipiente.

A Psicologia Social não pode fazer a política da avestruz em relação aos


comportamentos colectivos, pois cada vez mais colorem os factos humanos.
Para qualquer lado que nos voltemos as massas colocam os problemas
lancinantes nos tempos modernos. A Psicologia Social não pode ignorar
problemáticas tão importantes e é necessário, como nos convida Moscovici
(1981), celebrar agora «a idade das multidões».

Uma multidão é um agrupamento relativamente amplo de indivíduos que


estão fisicamente próximos para se influenciar uns aos outros, muito embora
não haja relações particulares entre estes indivíduos. Uma multidão é
desorganizada, anónima, casual e temporária (Milgram e Toch, 1969). Este
tipo de agrupamento de pessoas é o ideal para o desenvolvimento do
comportamento colectivo, dado que esse comportamento depende da falta
de estrutura de um grupo e de normas apropriadas.

Há quem defenda a ideia de distinguir a psicologia colectiva da psicologia


social, muito embora sem fazer um corte umbilical total (Mannoni, 1985),
reclamando o reconhecimento de ter uma problemática bem fundamentada.
da especialização do seu objecto, da pertinência dos seus métodos e dos seus
objectivos. O objectivo dessa disciplina é o de «apreender todos os fenómenos
psicológicos com carácter colectivo, quer sejam coerentes ou sem
estruturação, implicando todos os mecanismos conscientes e inconscientes
que compõem a vida das sociedades, quer estes mecanismos digam respeito
a massas estáveis ou a multidões efemeramente ligadas bem como as relações
destes conjuntos humanos com os seus chefes» (Mannoni, 1985, pp. 11-12).
Trata-se de um programa assaz ambicioso que as páginas que lhe podemos
aqui consagrar de nenhum modo podem abarcar. Neste capítulo limitar-nos-
-emos a tentar saber o que é o comportamento colectivo, como é estudado,
compreender de que são feitos os comportamentos colectivos.
RE

2. O que é o Comportamento Colectivo?


rorame ne AACS PESE TIE Tere
MESES soe EO Re RES

O rótulo comportamento colectivo tem geralmente sido aplicado a


acontecimentos que pelo menos num primeiro olhar, aparecem contrários à
noção de ordem social.

São várias as características que definem o comportamento colectivo:

1) emerge de modo espontâneo numa colectividade de pessoas, como,


por exemplo, numa multidão, em toda uma sociedade ou cultura;

2) relativamente desorganizado;

3) não é planificado no curso do desenvolvimento e por isso é quase


imprevisível; e

4) é produto da interestimulação entre os participantes, isto é, os


indivíduos são influenciados pelas acções dos outros, e as suas
reacções por sua vez influenciam as pessoas que as tinham influen-
ciado (Milgram e Toch, 1969).

Para ilustrar a diferença entre acontecimentos a que se aplica o rótulo de


comportamento colectivo e a outros acontecimentos sociais, recorremos à
perspectiva avançada por Lofland (1981). O autor anota que no decurso de
um dia normal, cada um de nós anda com uma atitude denominada por Berger
e Luckmann (1967) de «atitude da vida quotidiana». Acontecimentos que
ocorrem durante o dia normal podem geralmente ser descritos como «Nada
está a acontecer fora do normal». Contudo, algumas vezes ocorrem
experiências que, pelo menos até certo ponto, transbordam as experiências
típicas da vida quotidiana. Acontece algo fora do normal, sendo suspensa a
atitude da vida quotidiana, e o que é aceite torna-se mais problemático. Uma
tal experiência, mormente se ocorre ao nível grupal, pode ser o início de um
comportamento colectivo.

Exemplos de acontecimentos fora do habitual incluem pânicos, linchamentos,


revoluções, motins e modas. Esses acontecimentos parecem ser contrários
às expectativas tradicionais de ordem social e a maior parte deles implicam
um nível elevado de activação emocional e a realização de actividades
extraordinárias.

O comportamento colectivo implica, por vezes, uma intensificação de


reacções que já tinham sido antecipadas. Por exemplo, quando jovens vão
assistir a concertos de bandas rock esperando ser excitados, a interacção que
ocorre entre os membros da assistência pode suscitar uma experiência colectiva
mais intensa do que se havia antecipado. Podemos também questionarmo-nos
porque é mais excitante assistir a um jogo de futebol num estádio repleto do
que na televisão, mesmo vendo-se melhor na televisão.

585
O estudo do comportamento colectivo é um aspecto importante
da psicologia
social, não só em si mesmo, mas também porque é difícil que qualqu
er aspecto
do comportamento social não depare ocasionalmente com a expressão
extrema
de algum tipo de comportamento colectivo (Milgram e Toch,
1969).
Estereótipos, preconceitos, agressão, obediência são facilmente percept
íveis
nos comportamentos de linchamentos e fornecem a energia
aquando de
demonstrações públicas paroxísticas, como na época hitleriana.

586
Ê

3. O Estudo do Comportamento Colectivo


O estudo do comportamento colectivo defronta-se com sérios problemas
(Aguirre e Quarantelli, 1983). É efectivamente difícil estudar o comportamento
colectivo na vida real porque, a maior parte das vezes, o comportamento está
em curso antes de se ter tempo para se preparar o seu estudo. É também difícil
isolar e medir as variáveis pertinentes. Talvez isso explique porque é que,
apesar dos primeiros textos em psicologia social prestarem uma grande atenção
ao comportamento colectivo, pouco se tem avançado recentemente na
compreensão deste aspecto.

Mas apesar das dificuldades suscitadas pelo estudo do comportamento


colectivo, os investigadores têm recorrido a um certo número de abordagens
(Milgram e Toch, 1969).

Os cientistas sociais têm recorrido a métodos de inquérito, quer sob a forma


de questionários quer de entrevistas pessoais, para estudar o comportamento
colectivo. Geralmente, são conduzidos após o acontecimento, pedindo-se
aos participantes para relembrar a sua situação, sentimentos, percepções e
observações. Há, no entanto, trabalhos que utilizam o inquérito para estudar
o comportamento colectivo quando este estava em curso (Mann, Nagel e
Dowling, 1976).

São óbvios os limites do método de inquérito para examinar certos tipos de


comportamento colectivo. Por exemplo, é difícil que pessoas que participaram
num linchamento se submetam a uma entrevista. Todavia este método tem
aplicações susceptíveis de contribuir para a compreensão desta área.

A análise de conteúdo propicia um método de estudo após o acontecimento


que também se reveste de utilidade para aumentar a compreensão do
comportamento colectivo. São muitas as fontes secundárias disponíveis para
obter informação sobre acontecimentos específicos do comportamento
colectivo. Por exemplo, Tilly (1978) utilizou diversos documentos históricos
para reconstituir motins.

Um dos problemas para estudar o comportamento colectivo advém, como se


disse, da dificuldade em predizer-se a sua ocorrência para se ter acesso directo
aos episódios. Apesar disso, um certo número de estudos têm recorrido a
técnicas de observação utilizadas no decurso dos acontecimentos. Por
exemplo, Berk (1974) e vários estudantes seus foram observadores
participantes de um confronto entre estudantes e administradores da
universidade.

Por razões práticas e éticas não é possível estudar a maior parte dos tipos de
comportamento colectivo no laboratório. Imagine como engendrar algo no
laboratório que fosse equivalente a um concerto de uma banda rock ou a um
linchamento. Apesar disso têm aparecido tentativas esporádicas. A criação

589
de uma turba foi estudada quando se convenceram
sujeitos de que um crime
terrível tinha sido cometido (Meier, Mennenga e Stoltz
, 1941). O compadre
dos investigadores tentou então tornar-se o chefe de
um grupo e criar uma
turba para procurar por todos os lados os perpretores.
Só cerca de 12% dos
sujeitos se mostraram propensos a juntar-se à turba. Num
outro estudo, French
(1944) tentou estimular um pânico para avaliar as reacç
ões diferenciais de
grupos organizados e de grupos não organizados. Para
tal fechou grupos de
sujeitos numa sala, tocando então o alarme de incênd
io, enquanto que se
fazia entrar fumo. O pânico não ocorreu entre os partic
ipantes, mas os grupos
previamente organizados mostraram a tendência a
reagir de modo mais
ordenado do que os grupos que não tinham sido previ
amente organizados.
Há também referências de que investigadores nazis
estudaram o pânico
utilizando prisioneiros em situações da vida real
(Farago, 1942). Mais
recentemente Gamson, Fireman e Rytina (1982) recor
reram ao método
experimental para estudar a condescendência e a
revolta em encontros
colectivos. Seja como for, ainda resta muito trabalho
à concretizar para que se
esteja perante uma literatura plenamente convincente. Mil
gram e Toch afirmaram
que «não há experiência realmente satisfatória sobre
o comportamento
colectivo» (1969, p. 582). Segundo os autores a melho
r experiência seria a de
Mintz, a que nos referiremos mais adiante, mas que em
relação ao pânico real
estaria para ele como o jogo do Monopólio em relação
à alta finança.
Em suma, há diversos métodos que permitem estuda
r o comportamento
colectivo. Todavia é de ressaltar que esta área de estudo
defronta-se com
problemas diferentes dos de outras áreas de investi
gação apresentadas neste
texto.

Brown (1954) propôs dois tipos de multidões: as


multidões activas e as
multidões passivas por ele denominadas audiências.
Se bem que a sua
taxonomia utilizasse outros critérios de classificação,
o principal parece ser
a distinção entre actividade e passividade. Inspirados
nesta ideia de Brown,
para se tentar compreender de que são feitos os comportame
ntos colectivos,
adoptar-se-á na exposição a distinção entre o que fazem
as massas e o que se
passa nas massas.

590
4. Os Comportamentos das Massas
Serão analisados comportamentos colectivos que se acompanham de
expressões comportamentais de cólera, de alegria e de medo desenvolvidas
paroxisticamente. Quer se trate de acções ou de desagregações colectivas
sobressai a constância de um estado passional.

Seguidamente tentaremos interrogarmo-nos sobre os mecanismos psíquicos


que levam os indivíduos a assumirem determinadas atitudes quando estão
inseridos nas massas.

4.1 Acção colectiva

Se as multidões podem estar dominadas pela violência, também o podem


estar pelas alegrias colectivas.

4.1.1 Violências colectivas

As pessoas que assistiram a manifestações de violências na multidão são


unânimes em considerar que o horror é a regra quer se trate de motins, de
revoltas, de revoluções, ou de linchamentos (Mannoni, 1985). Stoetzel (1963)
pode notar que, ultrapassado o horror das descrições de violências colectivas,
o que surpreende é o carácter quase ritual das violências.

No caso concreto do linchamento é usual distinguirem-se duas formas. Um


é o «linchamento Bourbon» em que a acção colectiva é «ordenada» e
acompanhada por pessoas ricas com o intuito de castigar o culpado. O outro,
o «linchamento do proletariado», é cometido por pessoas desfavorecidas de
modo desordenado.

Miller e Dollard (1941) apontam três condições para o aparecimento do


linchamento: uma componente económica, uma componente social e um
incidente gerador. Os linchamentos nos Estados Unidos ocorriam nos anos
em que o mercado do algodão atingia os preços mais baixos. O negro tornava-
-se o concorrente sobre o mercado de trabalho, desenvolvendo-se então a
necessidade de um bode expiatório: «É a culpa do negro». Aí o estatuto do
branco por mais baixo que fosse devia permanecer superior ao do negro. É
quando o estatuto desse branco corre o risco de baixar que o ódio se
desencadeia. As componentes económicas e sociais suscitam uma forte
motivação. Neste contexto o incidente gerador não tem necessidade de ser
importante nem de estar em relação lógica com a situação, nem mesmo de
ser real. O importante é o modo como vai ser interpretado tendo em conta as

593
expectativas e os temores. O incidente gerador desencadeia a estruturação
precária suficiente à multidão, aparecendo os chefes.

Os diferentes papéis assumidos variam consoante a posição social do sujeito.


Por exemplo, Cantril (1941) mostra que os desempregados e os operários
sem qualificação estão entre as pessoas mais activas e os organizadores das
violências. A classe média mostra-se prudente estando de acordo com os
linchadores, mas não participam na acção. As pessoas de classes superiores
estão antes em desacordo com a acção colectiva, mas não se interpõem.

O genocídio, guiado pelo desejo de destruir todos os representantes de um


grupo humano, inspira-se no mesmo impulso que o linchamento, constituindo
no entanto um agravamento por generalização. É a manifestação última da
necessidade colectiva de violência exterminadora. O genocídio assenta na
exacerbação de diferenças étnicas, políticas, raciais ou religiosas.

Os motins também têm várias analogias com os linchamentos, se bem que,


em geral, nos motins as acções violentas sejam mais irradiadas e difusas do
que dirigidas contra uma pessoa em particular. Frequentemente as fontes
são semelhantes: descontentamento de uma minoria oprimida que se ressente
do mau trato recebido de um grupo dominante injusto e suspensão temporária
de controlo social organizado. Podem ocorrer motins, por exemplo, quando
estudantes se recusam a pagar as propinas. Entre os motins mais badalados
são os que envolvem presos nas cadeias.

Um motim especialmente trágico ocorreu em 1943 em Detroit tendo estado


na base de várias investigações de cariz psicológico (Lee e Humphrey, 1943;
Brown, 1954). Nasceu de uma briga entre um negro e um branco e de boatos
de que desordeiros brancos haviam atirado de uma ponte uma criança negra.
Cerca de 5 000 pessoas envolveram-se na confusão que se prolongou por
mais de 24 horas.

A análise de setenta e seis motins nos Estados Unidos (Lieberson e Silverman,


1965), entre 1913 e 1963, mostrou os seguintes acontecimentos imediatos
que os precipitaram: luta inter-racial (dezasseis); assassinato, prisão ou procura
de negros por polícias brancos (quinze); direitos civis e questões de segregação
em matéria de transporte público e alojamento (catorze); assassinato e tiroteio
inter-racial (onze); estrupo, assassinato, ataque ou assalto à mão armada de
mulheres brancas por homens negros (dez); outros incidentes (dez). Uma
comparação estatística entre cidades marcadas por alta incidência de motins e
cidades do mesmo tamanho e região com baixa incidência de motins mostrou
que nas cidades do primeiro tipo havia uma diferença menor entre negros e
brancos quanto ao trabalho, às ocupações domésticas e aos serviços. As cidades
de alta incidência também tinham menos polícias negros (para cada 1 000
negros) do que as de baixa incidência e distritos eleitorais maiores. As cidades
do primeiro e do segundo tipo não diferiram entre si no aumento de população
nem no número de desempregados nem nas diferenças de rendimento de negros
e brancos.

4.1.2 Alegrias colectivas

Das hostilidades colectivas passamos a referir alegrias colectivas. Por alegria


pode-se referir «a emoção evocada por bem-estar, sucesso ou boa sorte ou
pela perspectiva de possuir o que se deseja» (Lofland, 1981, p. 435). Trata-
se de um estado de felicidade.

As alegrias são colectivas em dois sentidos: uma emoção partilhada entre


um conjunto disperso de pessoas que prestam atenção ao mesmo objecto
mais ou menos ao mesmo tempo e que estão conscientes que outras pessoas
também estão nesse caso ou a emoção dominante de uma multidão junta
num local.

A corrida para «El Dorado» é um dos exemplos das alegrias das massas.
Está centrada na crença de que a riqueza pessoal rápida está à mão se uma
pessoa quiser ir buscá-la agora (LaPiere, 1938). Implica correr para um lugar
específico para tomar posse de riqueza. A corrida ao ouro do Brasil em séculos
passados está bem patente na história de Portugal.

Entre as multidões onde predominam as alegrias colectivas refiram-se as


festivas. Uma cena típica destas multidões é a de milhares de pessoas a dançar
em ruas públicas horas seguidas e mesmo dias seguidos. Algo do género
occorre por ocasião do Carnaval no Brasil.

Note-se, todavia, que as fronteiras entre as alegrias colectivas e as violências


colectivas parecem ser bastante fluidas, podendo-se passar facilmente de
umas às outras. Existem duas disposições mentais das pessoas, uma que vai
no sentido da socialização e a outra no sentido inverso, pulsão que procura
ocasião de se actualizar. Será a forma que assumem as circunstâncias que
leva à passagam ao acto ou não.

4.2 Desagregação colectiva: pânico

Uma acção violenta levada a cabo em comum consegue criar um traço de


união entre as pessoas que a efectuam. O mesmo pode não acontecer quando
o medo se apodera das pessoas perante um perigo seja ele objectivo ou não.

595
4.2.1 Natureza do pânico

O termo pânico é utilizado duma maneira vaga na linguagem corrente: «Entrei


em pânico quando me dei conta que tinha perdido o meu anel»; «quando o
ascensor parou, entrei em pânico.» O pânico é mais do que ansiedade, medo
ou terror, mesmo se algumas das primeiras conceptualizações sublinharam o estado
emocional da pessoa (Cantril, 1940). No âmbito do comportamento colectivo,
o pânico implica medo e fuga e uma via de escape (Quarantelli, 1957; Schultz,
1964). Mesmo se a fuga é um aspecto fundamental do pânico, não se pode
inferir que toda a fuga seja pânico. Num pânico a fuga não é social nem racional
(Quarantelli, 1957). O sujeito pensa na sua própria sobrevivência e não presta
atenção ao facto do modo como age poder prejudicar o bem-estar colectivo.

O pânico constitui uma das formas mais dramáticas de comportamento colectivo.


Se bem que o pânico surja tendencialmente em situações de multidão em que as
pessoas se reforçam mutuamente umas às outras sobre a fuga perante o perigo,
pode também aparecer em situações em que as pessoas não estão juntas. Pânicos
económicos podem ocorrer em pesssoas que estão dispersas se elas aplicam
um conjunto de definições a uma situação comum. É necessário algum
estímulo, como seja uma reportagem radiofónica ou televisiva sobre uma
bancarrota pendente, para suscitar a acção de pessoas dispersas.

Considere-se o célebre exemplo (Cantril, 1940): no dia 30 de Outubro de


1938, o posto de emissões radiofónicas da Columbia Broadcasting System
nos Estados Unidos, interrompeu bruscamemte o seu programa para difundir
uma emissão que era apresentada aos auditores como uma reportagem
inesperada imposta por um acontecimento extraordinário. A Terra havia sido
invadida pelos habitantes do planeta Marte. Esta pseudo reportagem, de que
depois se admirou o «realismo», foi tirada do romance fantástico de H. G.
Wells «A guerra dos mundos», e representada pela companhia teatral de
Orson Welles.

Antes da emissão terminar, conta Hadley Cantril, pode-se ver sobre todo o
território dos Estados Unidos, pessoas que fujiam desvairadas para escapar à
maneira de matar utilizada pelos marcianos tal como o descrevia a emissão,
ou então rezar a Deus ou vociferar. Uns precipitavam-se para tirar as pessoas
próximas do suposto perigo, outros transmitiam por telefone os adeus ou
conselhos às pessoas amadas, apressavam-se a informar os vizinhos, outros
ainda procuravam ter informações mais precisas das redacções dos jornais ou das
estações de emissão de rádio, ou chamavam ambulâncias ou carros da polícia.

Avalia-se o número dos auditores desta emissão entre seis e doze milhões.
Deste número, dois milhões consideraram a emissão como uma reportagem
real e portanto autênticos os factos contados. Destes dois milhões, 70%, portanto
1 400 000 pessoas, foram abarcadas pelas emoções que vimos mais acima.

596
Foi esta a primeira demonstração de que o pânico pode ser suscitado sem
envolver rumores ou multidões (Klapp, 1972).

Como é possível que tantas pessoas tenham reagido deste modo perante um
programa de rádio? Uma das razões é de que estavam perante o que lhes
parecia ser um relato de notícias autênticas. Então, quando muitas das pessoas
telefonaram para a polícia e foram incapazes de obter ligação, ficaram
persuadidas de que os marcianos haviam inutilizado as linhas telefónicas.
Uma vez desencadeada a reacção de pânico é muito difícil pará-la. Quando
as pessoas começaram a fugir, se viam outras pessoas que iam para tratar
dos seus assuntos de modo normal concluiam que não estavam cientes da
emergência, e se viam alguém a correr podiam interpretar esse comportamento
como reflectindo a necessidade de escapar.

4.2.2 Simulação do pânico

Várias tentativas para simular situações de pânico têm sido efectuadas, para
além da de French (1944) que já referimos previamente (Mintz, 1951: Kelley
et al., 1965; Schultz, 1969, Guten e Allen, 1972).

Por exemplo, Mintz (1951) realizou uma experiência para testar a hipótese,
segundo a qual, o pânico deve-se mais à desintegração da cooperação do que
ao medo ou ao perigo. Efectuou uma simulação de pânico, observando sujeitos
repartidos em grupos de 15 a 20 pessoas cuja tarefa consistia em remover
cones de alumínio através do gargalo apertado de uma garrafa por meio de
um fio atado aos cones. Após os cones haverem sido colocados na garrafa,
era dado a cada sujeito um pedaço de um fio de pesca atado a só um dos
cones. Dizia-se então aos sujeitos que unicamente podia passar um cone de
cada vez através do gargalo da garrafa. Se dois cones chegavam simulta-
neamente ao gargalo, bloqueavam-no. Quando era dado o sinal para começar,
a água começava a fluir ao fundo da garrafa. Dava-se como instruções aos
sujeitos para tentar extrair os seus cones sem os molhar. Quando não se
ofereciam recompensas pelo sucesso não havia «engarrafamentos» no gargalo
da garrafa. Todavia, numa segunda condição, era dito aos sujeitos que
ganhavam 25 «centavos» pela obtenção de um cone completamente seco. Se
um terço ou menos de um terço do cone estivesse molhado não haveria
recompensa, e se mais de um terço estivesse molhado haveria uma multa.
Neste caso os «engarrafamentos» ocorreram em mais de metade dos grupos.
Isto aconteceu quer se permitisse que os sujeitos comunicassem quer não se
lhes permitisse. Mintz concluiu não ser necessário um medo intenso para
causar um comportamento não adapativo semelhante ao comportamento de
pânico.
Figura 13.1 - O aparato de Mintz

Em situações de pânico a cooperação


é compensadora enquanto todas as pess
cooperam. Contudo se a cooperação oas
é quebrada, ela já não recompensa.
empurrão torna-se vantajoso para se sair O
de um cinema em chamas se todas as
pessoas empurram e se os apelos à
ordem e à calma Já não resultam.
Numa série de estudos experimentais
(Schultz, 1969), estudantes universi-
tárias eram colocadas perante um peri
go (ameaça de choque eléctrico) e podi
ou esperar que o caminho da retirada am
ficasse desimpedido e então procurar
escapar, cooperando com o resto do
grupo; ou fugir do perigo, imediatament
sacrificando as colegas e deixando-as, e.
em certa medida. sob ameaça do choq
Em geral, entre metade e um quarto ue.
das estudantes mostravam disposição de
se salvarem à custa das colegas. Não
se observavam diferenças, na incidênc
destas respostas de pânico, relativas ia
ao tamanho do grupo, às pressões
tempo, às penalidades por falhas na de
retirada, à ocorrência de pânico nout
membros do grupo ou ao anonim ros
ato de cada sujeito. Num teste
personalidade pôs-se em evidência de
que as estudantes que sacrificavam
para salvar-se eram mais sensíveis. outr as
mais femininas, mais dependentes,
ansiosas e hipocondríacas. As estudant mais
es que eram primogénitas apresentavam
respostas de pânico mais frequentes
e mais rápidas do que as nascidas após
primeiro parto. o

598
| O pânico constitui uma das formas mais dramáticas de comportamento colectivo.

,
Também na experiência de Guten e Allen (1972) os sujeitos eram castigados com
| choques eléctricos se fracassavam em escapar, e encontrou-se que intensidade das
tentativas de escape estava relacionada de modo curvilinear com a possibilidade
de escape. Isto é, os sujeitos tentavam escapar de modo mais vigoroso se estavam
incertos de ser capazes de o fazer. Tais resultados ajudariam a explicar porque é
que o pânico não ocorre geralmente quando o perigo é muito alto mas a
probabilidade de escaparé muito baixa, como quando os mineiros ficam fechados
numa cave (Lucas, 1968). Por outro lado, a ambiguidade acerca do grau de perigo
e probabilidade de escapar aumenta a probabiliade de pânico.

À partir da literatura sobre experimentação do género da exposta, Fritz e


Williams (1957) concluiram que o pânico é mais suceptível de ocorrer quando
existem as seguintes condições:

1. As pessoas percepionam um perigo imediato e grave, como por exemplo,


segurança financeira ou estatuto social dentro da comunidade.

Às pessoas percepcionam que há só um número limitado de vias de escape,


to

ou algum outro item com pequena provisão. Se houvesse um grande número


de vias de escape que pudesse acomodar facilmente todas as pessoas
necessitadas, não haveria necessidade de competição e donde de pânico.
3. As pessoas acreditam que as vias de escape existentes
estão a fechar-
se, de modo que se não se sai à pressa, não haverá nenhu
m escape.
Se as vias de escape não estão a fechar-se, haverá muito
tempo para
todos escaparem, e provavelmente o pânico não ocorre
rá.
4. Finalmente, ou há uma falta de informação ou
os canais de
comunicação existentes são incapazes de conservar todas
as pessoas
informadas de modo adequado sobre a questão. Tal leva
à ambiguidade
e à maior urgência.

4.2.3 Comportamentos nos desastres

Por vezes a multidão pode inibir a fuga de uma situaç


ão perigosa pela recusa
em tornar-se activada. Houve vários casos de fogos
em clubes nocturnos e
teatros em que apesar do aviso de fogo, houve recusa
de partir. Por exemplo,
em 1927, o clube nocturno Beverly Hills em Kentucky
incendiou-se, e muito
embora se tivesse anunciado que havia um incêncio,
o público assumiu que
fazia parte do acto e muitas pessoas ignoraram o aviso
. Resultado: morreram
165 pessoas.

Todavia as pessoas que são vítimas de desastres nem sempr


e reagem de modo
desorganizado, irracional.A análise de desastres em divers
os contextos culturais
mostra que a fuga desorganizada é rara. A maior parte
das pessoas consegue
abordar de modo racional situações de perigo. Por exempl
o, as pessoas reagiram
de modo relativamente racional a seguir ao terramoto
principal em São
Francisco em 1989. Contudo também se tem mostrado
que quando as pessoas
devem evacuar uma zona por causa de al gum desastre que
está para chegar (cheia,
tornado, etc.), a maioria das pessoas podem não partir
(Quarantelli, 1960).

Estudiosos de desastres de incêndios em hotéis referem


que a maior parte das
pessoas não entram em pânico, e a maior parte das que
fracassam em escapar
quando a ocasião se lhes apresenta, é devido a erros de
julgamento e não tanto
a comportamento irracional ( Keating e Loftus, 1981).

Quando ocorre um desastre um outro mito muito difundido


é o do «síndrome
do desaste». Uma vez passado o perigo, as pessoas
ficam confundidas e
incapazes de confronto. Observações de vítimas de desast
res têm mostrado
que o «síndrome do desastre» (apatia, choque) só afecta
uma minoria de pessoas
e durante pouco tempo. De um modo geral, as pessoas
reagem imediatamente
e de um modo lógico à situação. O mito do «síndrome
do desastre» pode ter
sido levantado dado as pessoas parecerem correr à toa,
se bem que estejam
efectivamente à procura de amigos e parentes perdid
os (Killian, 1952).
Documento 13.1 — Pânico e desastre

Um levantamento das reacções humanas perante desastres ocorridos em tempo


de paz, como furacões, cheias e grandes explosões, levaram à seguintes
conclusões (Fritz, 1961):

As pessoas com experiência anterior de desastre respondem de modo


mais apropriado do que as pessoas que a não têm.

Durante o desastre e logo após o desastre, o pânico é pequeno e quaisquer


ocorrências deste tipo são muito exageradas.

Geralmente o tráfego é maior em direcção ao local do desastre do que


em sentido contrário.

Uma organização social informal, mas eficiente e muito unificada, surge


logo após o desastre para tratar de suas consequências; a desorganização
é temporária e raramente ocorre ao nível do grupo primário (por exemplo,
família).

Com decorrer do tempo, reaparecem gradualmente as distinções sociais


bem como os conflitos sobre as pretensas injustiças no tratamento das
consequências.

À preocupação com a segurança da família do sinistrado e de outras


pessoas íntimas é predominante, mesmo por parte das pessoas com
responsabilidades comunitárias.

A maior parte das pessoas sinistradas experiencia alguma espécie de abalo


emocional ou físico (náusea, diarreia, irritação, etc.) que se prolonga
durante algum tempo após o desastre; o abalo, contudo, é essencialmente
transitório e não afecta as respostas realísticas sobre o sinistro e raramente
suscita estados crónicos de séria perturbação mental.

O desastre permance como um acontecimento principal nas vidas das


vítimas.

601
4.3 Teorias explicativas

O comportamento das multidões pode aparecer muitas vezes como sendo


bizarro e irracional, como vimos em fenómenos colectivos, tais como os
motins e o pânico. Para se compreender essa aparente irracionalidade
referiremos quatro abordagens: a teoria do contágio, a desindividualização, a
teoria da convergência e a teoria da norma emergente.

4.3.1 Teoria do contágio

Numa perspectiva histórica a teoria do contágio foi muito provavelmente a


abordagem mais amplamente utilizada para se compreender fenómenos, tais
como pânicos, motins e outras acções das multidões. As teorias baseadas no
contágio explicam o comportamento colectivo com base nalguns processos
mediante os quais humores, atitudes e comportamentos são comunicados
rapidamente e aceites de modo não crítico (Tumer, 1964).A teoria focalizou-
-se em explicar como é que pessoas numa colectividade se comportam: 1) de
modo uniforme, 2) intenso e 3) diferente dos seus padrões habituais de
comportamento.

À teoria do contágio teve as suas origens no trabalho clássico de Le Bon


(1895) que acreditava que nalgumas situações, uma multidão pode desen-
volver uma alma colectiva que é inerentemente irracional. Segundo Le Bon
são vários os factores que contribuem para o desenvolvimento desta alma
colectiva. Em primeiro lugar, o número de pessoas na colectividade produz
um sentimento de poder avassalador acompanhado por uma consciência de
anonimato e por uma redução na responsabilidade individual. Isto conduz à
liberação de «instintos selvagens» que habitualmente estão suprimidos. Os
elementos da multidão imitam o comportamento das pessoas que estão à volta,
e, por sua vez, estimulam os outros a agirem do mesmo modo. Para Le Bon a
sugestionabilidade é o factor mais importante que produz uma vulnerabilidade
ao contágio, uma espécie de processo hipnótico que leva as pessoas a agirem
em consonância com as acções das outras pessoas.

A teoria do contágio dá muito peso a ideias como as do estímulo-resposta e


do contágio emocional. Supõe-se que quando a multidão age e interage, as
emoções são transmitidas muito rapidamente de um indivíduo para outro.
Cada um transforma-se como se estivesse cada vez mais sob a influência do
grupo. Esta transformação torna-se mais fácil devido à reacção circular, «um
tipo de interestimulação» (Blumer, 1951). A pessoa A reproduz a estimulação
que adveio da pessoa B e esta, uma vez retro-reflectida para esse indivíduo,
reforça a estimulação original.

602
O próprio aplauso e riso podem ser «contagiosos». Num estudo, os visitantes
do Centro de Ciência do Ontario (Canadá) viam um filme, após o qual um
compadre aplaudia (Freedman, Birsky e Cavoukian, 1980). Observavam o
número de pessoas que também aplaudiam e encontraram que quando as
pessoas estavam sentadas muito perto umas das outras, o contágio era muito
maior do que quando as pessoas estavam mais espalhadas. O número de
pessoas também teve um efeito, embora pequeno. Um grande número de
pessoas experienciavam mais contágio do que um pequeno grupo.

Muito embora a teoria do contágio tenha certa popularidade em certos meios,


Tumer (1964) refere vários problemas com que se defronta enquanto uma
abordagem geral para a compreensão do comportamento colectivo. Um
problema é a extrema dificuldade em submeter a teoria do contágio a um
teste empírico. Como, por exemplo, medir o modo como pessoas estimulam
umas às outras estados emocionais”? Um outro problema tem a ver com que
a teoria não nos diz nada acerca do desenvolvimento da liderança e de outros
papéis na colectividade. Ainda uma outra dificuldade é que aqueles que
difundem a teoria tendem mais a referir acontecimentos inabituais e
dramáticos que não foram directamente observados pelos estudiosos, mas
dependentes do testemunho ocular inconsistente das pessoas. Finalmente,
tais acontecimentos dificilmente são típicos do comportamento colectivo em
geral, devendo-se ser precavido na generalização destes acontecimentos a
outras formas mais usuais de comportamento colectivo.

Apesar destes problemas não restam dúvidas que há algum contágio


emocional numa multidão constituindo um factor crítico na estimulação da
sua acção. Todavia há também outros factores que se devem ter em conta
para se compreender o comportamento colectivo.

4.3.2 Desindividualização

A perspectiva de Le Bon sobre o anonimato é semelhante ao conceito


contemporâneo de desindividualização, isto é, uma redução temporária na
autoconsciência e no sentimento de responsabilidade social.

Atribui-se a Festinger, Pepitone e Newcomb (1952) a primeira utilização


deste conceito em psicologia social. Neste estudo os sujeitos participavam
num grupo de discussão numa dentre duas condições. Numa condição
(identidade pública), os participantes, usavam o seu próprio vestuário. Na
outra condição (desindividualização) cada pessoa vestia uma bata cinzenta.
Pedia-se aos membros de cada grupo para fazerem comentários hostis acerca
dos seus pais. Tais comentários eram muito mais frequentes na condição de
desindividualização.
Zimbardo (1970) descreveu a desindividualização como um processo
complexo em que uma série de condições sociais antecedentes levam a
mudanças na autopercepção (a pessoa consegue ver-se mais como membro
de um grupo do que como indivíduo), levando por sua vez a abaixamento no
limiar para um comportamento normalmente moderado. Quando as condições
estão reunidas, tal pode produzir comportamento antissocial. Por isso esta
abordagem vê o comportamento colectivo não tanto como o resultado da
emoção se espalhar através de uma multidão, como da perca de individualidade
e do desprezo de normas sociais numa situação de anonimato relativo, isto é,
numa multidão.

A desindividualização é o resultado de vários factores (Zimbardo, 1970):

1) Perca de identificação. Isto pode ocorrer numa pessoa que está numa
multidão de estranhos ou usando uma máscara.

2) Perca de responsabilidade. Se muitas pessoas enveredam pela


violência, a partilha da censura de cada pessoa pode parecer ser
menor.

3) Presença de actividade física grupal que estimula e encoraja. Por


exemplo, quando alguém está a gritar num campo de futebol, essa
estimulação pode levar outras pessoas a gritar.

4) Perspectiva temporal limitada. A pessoa vive para o momento e


ignora as obrigações do passado e do futuro.

5) Uma situação nova ou não estruturada. A ausência de pistas que de


outro modo restringem o comportamento podem levar a um
abaixamento de inibição.

Vários estudos do comportamento das pessoas em condições de anonimato


parecem apoiar a hipótese da desindividualização. Por exemplo, Zimbardo
(1970) verificou no laboratório o efeito da desindividualização sobre a
agressividade. Os sujeitos participavam na experiência em grupo. Na
condição de desindividualização usavam vestuário de laboratório e cogulas
idênticas de modo que era impossível identificá-los. Pelo contrário, na
condição individualizada usavam o seu vestuário e tinham letreiros em
te re

que os seus nomes estavam inscritos de modo claro. Durante a experiência


os sujeitos deviam dar choques eléctricos a outro estudante no âmbito de
uma tarefa de aprendizagem. Como fora previsto e apesar do aparente
sofrimento da vítima (compadre do experimentador), os sujeitos
desindividualizados deram duas vezes mais choques eléctricos que os
sujeitos individualizados.

604
Quando estamos inseridos numa multidão tendemos a sentir-nos activados e
desinibidos. Tal pode suscitar comportamentos perigosos ou simplesmente
uma agradável atenuação de constrangimentos.

Num outro estudo (Zimbardo et al., 1982) foram simuladas condições de


desindividualização numa instituição social real, mais especificamente, numa
prisão. Esta simulação de prisão ocorreu na cave do departamento de psicologia
da Universidade de Stanford. Aos sujeitos voluntários foram aleatoriamente
distribuídos os papéis de guardas e de prisioneiros. Aos sujeitos que foram
designados como guardas eram-lhe dados uniformes idênticos, óculos de sol
escuros, cassetetes, algemas, apitos e conjuntos de chaves. Os «prisioneiros»
foram trazidos de suas casas em carros de polícia no primeiro dia e levados
para a esquadra de polícia onde eram processados e então levados para a
prisão. Eram-lhe dados números de identificação e usavam roupões idênticos.
Os guardas eram instruídos para manter «a lei e a ordem».

Enquanto que no início os sujeitos desempenharam o jogo de papéis de modo


alegre, a situação em breve começou a deteriorar-se. Os guardas tornaram-
-se cada vez mais abusadores e punitivos em relação aos prisioneiros, enquanto
que os prisioneiros tornaram-se passivos e mostraram sintomas de stress,
tais como choro, agitação, confusão e depressão. Após seis dias, uma
experiência planificada para durar duas semanas, terminou. Os papéis
tornaram-se realidade para os participantes.

Esta experiência não deixou de suscitar críticas (Thayer e Saarni, 1975). Os


sujeitos tinham assinado formulários em que concordavam ser pagos para

605
participar num estudo em que alguns dos seus direitos seriam protelados. Por
isso podiam sentir a obrigação moral ou legal de continuar e podiam ter
exagerado os seus sintomas de stress para sair das suas obrigações. Os guardas
podiam ter actuado como o fizeram, como «bons sujeitos», porque se esperava
deles que tornassem o estudo mais real. Havia também algumas diferenças
individuais, pois alguns dos prisioneiros não se tornaram apáticos nem alguns
dos guardas abusadores.

Apesar disso, o estudo mostra o poder da situação, especialmente em


instituições totais, como as prisões. Num grupo de jovens normais que
participavam numa experiência simulada, a perca de identidade pessoal pode
levar a mudanças dramáticas no comportamento, e isto num curto lapso de
tempo. Pode-se facilmente extrapolar daqui para o impacto da exposição
prolongada em instituições tais como prisões, hospitais e casernas.

Este tipo de efeito não parece ser específico da cultura ocidental. Por meio de
uma amostra com 200 culturas espalhadas através do mundo, Watson (1973)
mostrou que a desindividualização, medida por mudanças na consciência
individual no decurso de danças colectivas ou de cantos, se associam de modo
significativo com tortuosos castigos aplicados ao inimigo aquando de combates
guerreiros.

A desindividualização ocorre em diversos contextos e fora do laboratório.


Mas porque é que isso ocorre? Têm sido sugeridas três possibilidades. Em
primeiro lugar, as condições de desindividualização podem levar a uma perca
de identidade pessoal que nos deixa livres dos nossos padrões pessoais e
inibições. O comportamento da multidão pode diminuir a autoconsciência e
interferir com o controlo das atitudes sobre as acções (Diener, 1980). O nosso
comportamento torna-se então vulnerável a padrões da multidão que muitas
vezes são emotivos e impulsivos.

Uma segunda possibilidade é que a busca de identidade pessoal num grupo


leve as pessoas a assumirem uma nova identidade, definida pelo grupo e pela
situação. Este factor foi muito provavelmente importante no estudo da prisão
de Zimbardo em que os estudantes assumiam identidades definidas pelos seus
papéis de guarda e de prisioneiros.

A terceira possibilidade é que sentindo-se a diminuição da identidade pessoal


num grupo, se tente reafirmar a nossa singularidade pessoal. Sentir-se perdido
numa multidão pode motivar-nos a fazer algo que nos torne reconhecidos.
Por isso numa multidão podemos gritar a um árbitro, insultar a polícia, ou
pontapear uma pessoa, tudo para tentar suplantar os sentimentos desagradáveis
de estar perdido na multidão.

606
Estes três processos, bem como outros, podem contribuir para sentimentos de
=

desindividualização. Mas é de notar que nem sempre a desindividualização é


má, também pode ter um efeito positivo. Liberta-nos das nossas inibições
pessoais o que muitas vezes é libertador. Estes efeitos de libertação ocorrem,
por exemplo, quando os autores recorrem a pseudónimos, ou quando os
caloiros exploram a sua autonomia na Faculdade. Nesses casos podemos gozar
com a perca dos constrangimentos da nossa identidade pessoal.

4.3.3 Teoria da convergência

De acordo com a teoria da convergência, a presença da multidão não constitui


o factor causal na explosão colectiva. Fornece simplesmente uma desculpa
para as pessoas fazerem o que estavam predispostas a fazer. Segundo Allport
(1924, p. 295) nada de novo se acrescenta na situação de multidão «excepto
uma intensificação do sentimento já presente, e possibilidade de acção
concertada».

As tarefas consistem em:

1) identificar a tendências latentes importantes;

2) apontar as circunstâncias que levam as pessoas a ter conjuntamente


estados latentes semelhantes; e

3) determinar as espécies de acontecimentos que transformaram estas


tendências em acção (Turner, 1964).

Tal como para a teoria do contágio, Tumer (1964) observa que a teoria da
convergência defronta-se com diversos problemas importantes. Um primeiro
problema é a dificuldade em explicar mudanças no comportamento das
multidões com base nesta abordagem. Um segundo problema, partilhado
com a teoria do contágio, é a de fornecer pouca ajuda no estudo da organização
nas situações de multidão. Um terceiro problema, intimamente relacionado
com o primeiro, é de que se concordarmos que provavelmente os indivíduos
têm várias tendências latentes, e não só uma, como efectuar a predição dos
estados latentes que aparecerão? Um último problema é de que se a definição
da situação é um produto do grupo, essa definição podia ser contrária às
supostas tendências latentes desse grupo. Defrontamo-nos aqui com
problemas empíricos cuja resolução se reveste de extrema dificuldade.

607
288
"3"
=

4.3.4 Teoria da norma emergente

A teoria da norma emergente (Tumer e Killian, 1972) propõe que para se


estudar o comportamento colectivo não é necessário recorrer a um novo
conjunto de conceitos e de instrumentos. Podem-se utilizar igualmente muitos
dos conceitos e instrumentos básicos que se utilizam no estudo de outros tipos
de comportamento humano.

De acordo com a teoria da norma emergente, os indivíduos numa multidão


agem de determinado modo porque têm a percepção de que a acção é
apropriada ou necessária. As multidões são consideradas como sendo inicial-
mente heterogéneas em relação a objectivos, sentimentos e comportamentos.
Contudo uma percepção partilhada da situação desenvolve-se mediante a trans-
missão do rumor e da comunicação não verbal. Os indivíduos começam então a
percepcionar um consenso sobre qual é o comportamento apropriado, isto é, normas
emergem. Mesmo se não há concordância total, os elementos da multidão
actuam segundo as normas emergentes por causa da pressão à conformidade.

A teoria da norma emergente diferencia-se em vários aspectos importantes


das teorias apresentadas previamente. Por exemplo, em vez de atribuir a acção
da multidão à indução espontânea da emoção, coloca um maior ênfase na
conformidade ao grupo impondo uma norma social. Para além disso, os limites
na direccção e no grau da acção da multidão são mais susceptíveis de ser
explicados pela teoria da norma emergente que pelas outras teorias.
A multidão define determinados comportamentos como sendo apropriados
à
situação, mas outros comportamentos podem continuar a ser definidos como
sendo impróprios. O indivíduo que ultrapasse estes limites é muitas vezes
castigado. Refira-se enfim, que para a teoria da norma emergente o indivíduo
e o grupo são ambos importantes.A teoria da convergência enfatiza o indivíduo,
pois cada participante num acontecimento colectivo responde a uma tendência
latente pessoal. O contexto grupal da acção é tão só função de muitos
indivíduos separados que se juntam tendo tendências latentes semelhantes. Já
a teoria do contágio enfatiza o grupo que suscita nos seus membros determinadas
atitudes, motivações e comportamentos que não correspondem a qualquer um
dos participantes. A teoria da norma emergente permite evitar a controvérsia
sobre a primazia.A estimulação grupal pode aumentar emoções, levando certas
pessoas a comportar-se de modo contrário às normas pessoais internalizadas,
ao mesmo tempo que outros actores com medos latentes os deitam para fora.

Esta teoria revela-se atraente, pois generaliza os processos grupais à situação


colectiva aparentemente desorganizada. Contudo, apesar das normas emergirem
na situação colectiva, a teoria da norma emergente não nos elucida sobre o
modo como se forma, nem porque é que uma norma emerge numa situação,
mas não noutra semelhante.
MRE Ss S SIP RSS DAS EEN Es E SEDE jade SS

Ra
Cada uma das quatro teorias acabadas de referir — contágio, desindivi-
dualização, convergência e norma emergente — exercem uma certa atracção
ra se para explicar um ou outro episódio colectivo. Todavia todas as quatro suscitam
ovo problemas na explicação do comportamento colectivo. Trata-se de teorias que
Nitos não estão suficientemente bem definidas. Tal não surpreende se tivermos
ipos presente a extrema dificuldade em estudar o comportamento colectivo. Há
outras abordagens do comportamento colectivo, mas também elas não estão
isentas de problemas. Por exemplo, a teoria dos jogos que fornece uma base
para algumas formas de comportamento colectivo (Berk, 1974), reduz
fenómenos extremamente complexos a teorias que surgem amplamente de
jogos com duas pessoas (Granovetter, 1978).

609
5. Os Comportamentos nas Massas
Como acabamos de ilustrar o comportamento colectivo ocorre muitas vezes
nas multidões, mas as multidões não são uma condição necessária para o
aparecimento do comportamento colectivo. Pode emergir no âmbito de uma
colectividade de pessoas sem proximidade física.

O ser humano não vive numa colectividade desde tenra idade sem receber as
suas influências que podem orientar os comportamentos. O quotidiano aparece
banhado no social seja através dos modelos susceptíveis de serem imitados
seja através das informações que circulam. Aparecem assim diferentes
fenómenos que apesar de se entrecruzarem, assumem características dife-
renciadas.

5.1 Moda

A moda é um dos tipos de comportamento colectivo mais comum. A moda na


expressão de Stoetzel é talvez o fenómeno colectivo que «nos conduz o mais
imediatamente, no seio da nossa experiência trivial, à revelação que há social
nos nossos comportamentos » (1963, p. 245). Se quando se fala de moda
pode haver a tendência em focalizarmo-nos no vestuário, o termo aplica-se a
outros domínios. A moda também diz respeito à casa, aos móveis, ao jardim,
ao automóvel, às crenças e instituições e até às próprias ciências (Kroeber,
1948). Trata-se de um fenómeno psicossocial complexo cuja explicação não é
simples nem unívoca.

5.1.1 Análise estrutural da moda

Deschamps (1979) efectuou uma análise estrutural da moda para quem este
mecanismo de contágio imitativo compreende numerosos vectores: valor, sexo,
mudança, norma, sociedade, luta de classes, política, economia, indústria,
comércio, inspiração, representação. Cada um destes vectores corresponde a
um dos domínios da nossa sociedade fazendo da moda um uso particular. Para
além disso, há forças opostas que desempenham um papel em cada vector.
Sendo assim não é de admirar que seja possível descrevê-la de modo
contraditório ou apresentá-la como englobando todo um conjunto de paradoxos.
Em cada meio a moda funciona enfatizando um dos seus vectores e resolvendo
as diversas oposições, chegando-se em cada caso a soluções de compromisso.
Considere-se, por exemplo, o vector, sexo. A moda no vestuário parece ter
como função o pudor (Deschamps, 1979). Trata-se de esconder os órgãos
sexuais permitindo assim um domínio dos instintos reprodutivos subordinando-

613
-Os à inclinação pronunciada do amor ou à influência de qualquer moda
em
galantaria e adorno sexual. Todo o pudor transforma-se em erotismo tendo
como papel principal a manutenção da curiosidade desperta. Erotismo e pudor
encontram-se assim imbricados na moda. Esta luta de tendências contraditórias
permite considerar a moda como um sintoma neurótico, como o sonho (Flugel,
1930). Esta ambivalênia permite-lhe efectuar o subtil Jogo do «erotismo púdico».

Para além do vector sexual evocado, há que ter em conta os restantes vectores.
Ora uma moda «corresponde, segundo as idades e os lugares, à acção sinérgica
de um conjunto destes diversos vectores diferentemente ponderados»
(Deschamps, 1979, p. 61).

5.1.2 Porque é que a moda muda continuamente?

Apesar da indústria da moda ter uma grande influência, ela não é omnipotente
para decidir o que as pessoas devem usar. A mini-saia obteve rapidamente
uma ampla aceitação, mas saias mais cumpridas tiveram mais dificuldade
em ser aceites, apesar da campanha da indústria da moda.

Se a moda continua a mudar, mesmo sendo necessário dispender dinheiro


para aderir a ela e substituir roupas porventura ainda em bom estado. é porque
deve responder a alguma função importante. Tem sido sugerido que a moda
serve para marcar o estatuto da pessoa na sociedade e para suavizar a banalida
de
da moderna sociedade tecnológica (Klapp, 1972).

Tradicionalmente tem sido postulado que a moda é introduzida por pessoas


com estatuto social elevado e passa depois para pessoas com estatuto social
inferior. Se em muitos casos isso é assim, também acontece que a passagem
se faz no outro sentido. Por exemplo, alguns estilos de penteado e preferências
alimentares são oriundas das classes sociais mais baixas é depois passaram
para as mais elevadas. Em consequência, a moda pode servir para comunicar
mais do que indicar a classe social. Pode transmitir às outras pessoas as
atitudes e os valores de uma pessoa.

Faz parte do espírito dos tempos enfatizar a juventude e a individualidade.


Ora muitas pessoas podem recorrer a vestuário que filtre que são jovens
e
inconformistas. Também neste caso a moda serve para marcar um estatuto,
se bem que não seja hierárquico.

Um caso concreto que tem sido abordado é o modo de vestir das senhoras
que competem com os homens para postos nos negócios. Estudos têm
mostrado que no «vestuário de sucesso» as senhoras devem evitar estilos
tradicionalmente femininos (Solomon, 1986).
Moda no início e no fim do Século XX.

Podemo-nos interrogar se quanto maior ansiedade acerca do estatuto social


houver, tanto mais rapidamente a moda mudará. Klapp (1972) defende que o
anonimato, o desenraizamento da nossa época produz ansiedade acerca do
estatuto, o que leva a uma maior pressão para a moda mudar.

Para além da moda ser uma marca do estatuto da pessoa na sociedade, ela
também permite atenuar a banalidade. A novidade é um reforçador primário
do comportamento humano (Berlyne, 1960). Parece haver em nós uma
predisposição à curiosidade que é encorajada por uma nova estimulação.
Sendo assim, a mudança da moda pode representar uma tentativa de aliviar
o aborrecimento perante a uniformidade em afirmar a nossa individualidade
(Klapp, 1972).

Quando a moda se espalha; se o contágio está implicado, é de crer que a


maior parte das pessoas hesitam antes de adoptarem uma nova moda. Estar
na vanguarda da própira moda diferencia as pessoas do seu próprio grupo e

615
:

é susceptível de suscitar o ridículo ou mesmo a rejeição.


No caso da moda
parece haver um fluxo de comunicação em duas etapas (Roger
s, 1962). Os
líderes de opinião local que são as pessoas que mais conhe
cem acerca das
tendências de moda são os primeiros a vestir os novos
trajos, e o seu
comportaamento deixa transparecer às outras pessoas que essa
moda é aceitável.
Em suma, a moda é um tipo de comportamento colectivo
importante, se bem
que seja mais trivial que outros comportamentos colectivos.
A sua análise
permite a observação de padrões de difusão através da socied
ade, bem como
apreender algo sobre a formação e a mudança de norma
s sociais e da
conformidade a essas normas.

5.2 Opinião pública

5.2.1 O que é a opinião pública?

Quase todas as pessoas ouviram falar de sondagens de opiniã


o pública. Seja-
me permitida a evocação de um episódio da minha vida.
Efectuava a recolha
de dados em 1977 em Paris com vista ao doutoramento junto
da comunidade
portuguesa. Após a apresentação pessoal do que estava a fazer,
preliminarmente
à entrevista, certos sujeitos evocaram espontaneamente que
«já compreendi,
anda a fazer sondagens de opinião, como as que aparecem
na televisão.» Foi-
me até perguntado para que Instituto de Sondagem trabalhava.
Claro que dadas
as reticências então existentes na comunidade portuguesa para
ser entrevistada,
tal evocação facilitava a exposição dos objectivos do estudo
.
Se efectivamente parece estar difundido o conhecimento
da existência de
sondagens de opinião, talvez ocasione maior surpresa saber-
se que o termo
de «opinião pública» tem suscitado muitas dificuldades
na sua definição, tal
como acontece com o termo de «atitude» (Bennett,
1980).

A opinião pública refere-se em geral a atitudes partilhadas


por vastos grupos
de pessoas com características comuns (e. g., as pessoas inscrit
as como eleitores
no Porto, os patrões de empresas de construção civil, os profes
sores do ensino
secundário). Todavia determinados aspectos da definição
de opinião pública
têm levantado debates ao longo dos anos. No primeiro númer
o da revista
Public Opinion Quarterly, Floyd Allport (1937) discut
iu os problemas
suscitados pela definição de opinião pública. Childs (1965)
efectuou uma
revisão pormenorizada desses debates e problemas sendo
levado a concluir
ser imprudentemente restritivo incluir especificações adicio
nais na definição
de «opinião pública», tais como o assunto das opiniõ
es, a extensão do
consenso, etc. Childs (1965) apresentou a seguinte defini
ção geral: «O estudo
da opinião pública é, por consequência, o estudo de colecções de opiniões
individuais onde possam ser encontradas.» Uma amostra de definições
específicas de opinião pública são apresentadas no documento 13.2.

Documento 13.2 — Diversas definições de opinião pública

Ão longo dos anos têm sido avançadas diversas definições do conceito de


opinião pública, acentuando os seguintes aspectos específicos:

Formada racionalmente - A opinião pública é o julgamento social de


uma comunidade autoconsciente sobre uma questão com importância
geral após discusão pública racional (Young, 1923).

Bem informada - A opinião pública pode-se dizer que seja esse


sentimento sobre um determinado assunto que é sustentado pelas
go a

pessoas na comunidade melhor informadas, mais inteligentes e mais


morais (MacKinnon, 1828).
ço

Sustentada por um grupo secundário - Quando o grupo envolvido é


um público ou grupo secundário, e não tanto um primário, um grupo
face a face, temos opinião pública (Folsom, 1931). O que os membros
de qualquer grupo de contacto indirecto ou público pensam ou sentem
acerca de alguma coisa e de tudo (Bernard, 1926).

Tópico importante - As atitudes, sentimentos, ou ideias de um vasto


conjunto de pessoas sobre questões públicas importantes (Minar,
1960).

Extensão de acordo - ... uma maioria não é suficiente, e a unanimidade


não é requerida, mas a opinião deve ser tal que enquanto a maioria
possa não a partilhar, sentem-se unidos, por convicção, e não por
medo, em aceitá-la (Lowell, 1913).

Intensidade - ... opinião pública é mais do que um assunto de números.


A intensidade das opiniões é bastante importante. A opinião pública
é composta de números e intensidade (Munro, 1931).

Modo de resposta - A opinião pública consiste nas reacções das


pessoas a questões formuladas de modo definitivo e em condições de
entrevista (Warner, 1939).

617
Influência efectiva - Opinião pública nesta discussão pode ser tomada
simplesmente para significar as opiniões mantidas por pessoas
privadas cujos governos encontram prudente prestar atenção (Key,
1961).

As fontes de todas estas definições podem ser consultadas em Childs (1965).

5.2.2 Pesquisa de opinião pública

Do ponto de vista metodológico para se apreender a opinião pública


não é
necessário recorrer-se a um instrumento de investigação exaustivo e profund
o,
pressupondo uma administração longa, do género dos questionários
pormenorizados e das entrevistas utilizadas nos inquéritos de atitude. Recorre
-
se geralmente a poucas questões, administradas num curto lapso de
tempo a
uma amostra de sujeitos bem escolhidos. O conhecimento da opinião
pública
assenta no método das sondagens (Stoetzel e Girard, 1973).

A origem do método das sondagens de opinião é bastante longínqua no tempo


(1824). Nesse ano jornais norte-americanos publicaram dois «votos-faz-de-
-conta» (straw votes), um em Delaware e outro na Carolina do
Norte. Trata-
-se de votos fictícios com a ajuda dos quais, por meio de sondagens
muito
empíricas se tentava prever os resultados. O procedimento consistia,
por
exemplo, em colocar urnas fictícias nos cruzamentos frequentados
e pedir
aos transeuntes para votar. É interessante notar-se que em ambas
as
«sondagens» ganhou Andrew Jackson, embora só em 1828 obtivesse
um
amplo apoio para ser eleito Presidente (Roll e Cantril. 1980).

Foi em 1934 que Gallup criou o American Institute of Public Opinion.


Em
novembro de 1935, fez a previsão com sucesso da vitória de Roosevel
t,
mediante o recurso a uma amostra de 4 500 pessoas, enquanto que a revista
Literary Digest tinha anunciado a vitória de Landon, após haver recolhid
o
mais de dois milhões de respostas. Estas pessoas tinham sido obtidas a partir
da lista telefónica! É esta predição de Gallup na eleição do
Presidente
norte-americano que marca o nascimento público das sondagens de opinião.
A partir desta data o procedimento aperfeiçoou-se e não parou
de se
desenvolver.

Em França foi fundado o I.F.O.P. (Institut Français d'Opinion Publique)


em
1938 por Stoetzel que se desenvolverá sobretudo após a guerra. Em
breve
toda a Europa e os países de Leste seguem este movimento. Desde os
anos 50,

618
a América Latina e os Países do Terceiro Mundo criam Institutos de
Sondagens.

As etapas de um inquérito de sondagem de opinião são idênticas às de outro


tipo de investigação:

1º posição do problema, hipóteses, objectivos;

2º realização de um pré-inquérito junto de uma primeira amostra;

3º no decurso do inquérito propriamente dito, correcção das hipóteses,


determinação das variáveis pertinentes e do plano do inquérito;

4.º determinação de uma amostra representativa;

5.º confecção de um instrumento de recolha de dados, de um modo


geral trata-se de um questionário;

6.º teste do instrumento numa amostra limitada;

7º recolha de dados numa amostra representativa;

8º análise estatística e conclusões.

Uma massa considerável de informação é recolhida cada dia nos domínios


político, social e comercial. Efectivamente se as eleições são o tema de estudo
da opinião pública mais popular, não são todavia o único. Esta enorme
proliferação tem posto em evidência diversos determinantes. Cada pessoa
está ligada a uma pluralidade de grupos de pertença e de referência constituindo
uma rede complexa, como sejam grupos naturais (sexo, idade), institucionais
(família, classe social, religião), de afinidades (vizinhos, amigos). Tais grupos
de pertença e de referência determinam e influenciam as opiniões. Voltando a
moeda do outro lado, as opiniões das pessoas dão-nos uma ideia dos grupos
de referência e de pertença. As opiniões são também modeladas pelos meios
de comunicação de massas. Um mesmo acontecimento pode ser comentado
de modo muito diferente pelos jornais. Berthier e Berthier (1978) referem os
comentários de jornais a propósito da visita de Khrouchtchev a França. O
Figaro referia a propósito do acolhimento que lhe foi dispensado em Paris: «a
multidão está dispersa e silenciosa». No jornal Humanité escrevia-se: «a
multidão está densa e agita bandeiras». Isto à mesma hora e no mesmo local!
Comenta Berthier e Berthier que «claro, o público lê os jornais que se lhes
assemelham» (1978, p. 7).

As sondagens de opinião têm também suscitado acesas controvérsias (Bon,


1974).

619
5.3 Os rumores

Se o estudo da moda não ultrapassou o nível da observação (Stoetzel, 1963),


Já outro grupo de fenómenos de massa, os rumores, foi objecto de
experimentações o que foi um motivo que contribuiu para se tornarem um
domínio de grande interesse. Apesar disso o rumor constitui ainda hoje um
«no man's land» ou um Mato Grosso do saber (Kapferer, 1987).

5.3.1 Definições

Etimologicamente a palavra latina «rumor» envia-nos para a acepção de


rumor enquanto «ruído confuso de voz». O sentido em que esta palavra é
utilizada na psicologia social provém de uma extensão do seu sentido
etimológico.

Os primeiros trabalhos sistemáticos efectuados neste domínio foram


americanos. À grande quantidade de rumores que surgiram durante a Segunda
Guerra Mundial e os seus efeitos negativos sobre a população civil e militar
levou os investigadores a interessarem-se por este assunto.

Na literatura especializada surgiram assim diversas definições do rumor. Para


Alpport e Postman (1946/47) o rumor é uma «predisposição ligada aos
acontecimentos do dia, destinada a ser acreditada, espalhada de pessoa em
pessoa, habitualmente de boca em boca, sem que existam dados concretos
que permitam testemunhar a sua exactidão». Para Knarp (1944), trata-se de
uma «declaração destinada a ser acreditada, relacionando-se com a actualidade
e espalhada sem verificação oficial.» Para Peterson e Gist (1951) o rumor é
«um relato ou uma explicação não verificados, circulando de pessoa em pessoa
e a propósito de um objecto, de um acontecimento ou de uma questão de
interesse público.»

Estamos perante definições bastante próximas. Antes de mais o rumor é uma


informação ligada à actualidade que traz elementos novos sobre pessoas ou
acontecimentos, distinguindo-se assim da lenda que tem como objecto factos
passados. Em segundo lugar o rumor destina-se a ser acreditado. Diferencia-se
assim de contos ou de histórias engraçadas, pois em geral não se conta só
com a preocupação de divertimento e de evasão.

Tendo por base as definições referidas os autores apresentam observações e


experimentações. Mas como nota com razão Kapferer (1987) esses exemplos
são casos de «falsos» rumores. Há efectivamente rumores com fundamento.
Por exemplo, em janeiro de 1973 circulava em França o rumor de que Georges

620
ipidou estaria gravemente doente e que não poderia chegar ao fim do seu
to. Este rumor era veiculado por meios políticos quer da maioria quer
oposição, tendo sido amplamente difundido em França. A doença do
fesidente françês nunca foi confirmada oficialmente. Um ano mais tarde
orges Pompidou faleceu de uma doença atroz.

é Os rumores fossem sempre «falsos» poderíamos questionar-nos qual seria


motivo do interesse por este assunto, pois através da experiência, a população
feria aprendido há muito tempo a desconfiar deles. É precisamente porque
dem ser exactos que perturbam em tempo de guerra como em tempo de
iz. Não será um sintoma de preconceito contra os rumores considerá-los
E
re como uma informação «falsa»?

apferer (1987, p. 25) propõe assim a seguinte definição de rumor: «A


mergência e a circulação no corpo social de informações quer que ainda não
oram confirmadas publicamente pelas fontes oficiais quer desmentidas porestas.»
acidade não faz parte desta definição do rumor. Estaexprime um fenómeno
ido pela sua fonte (não oficial), o seu processo (difusão em cadeia) e o seu
feúdo (é uma notícia sobre um facto da actualidade).

2 Fenómeno colectivo de ontem e de hoje

rumores são informações transmitidas através de uma cadeia de pessoas


gindo que sejam relembradas e reditas por cada pessoa dessa cadeia. Tais
mações são susceptíveis de polarizar a opinião pública.

Proliferam particularmente numa conjuntura perturbada: tempo de guerra,


cri é económica e política, catástrofes... Os rumores podem ser considerados
“como adaptações a disrupções sociais e estar associados a acontecimentos
“importantes (Shibutani, 1966).
“Allport e Postman (1947) demonstraram que a intensidade de um rumor varia
“em função, por um lado, da importância do seu objecto para as pessoas
* implicadas e, por ourtro lado, da ambiguidade dos dados de que se dispõe a
* seurespeito. Quanto mais a situação seja importante e ambí gua, isto é, menos
as informações possuídas sejam seguras e precisas, mais o rumor terá
* probabilidades de se propagar. Esta lei básica pode expressar-se na seguinte
* fórmula:

intensidade do rumor = f(interesse x ambiguidade)

Trata-se de uma relação multiplicativa: se a sua importância é nula ou se o


acontecimento não é nada ambíguo, não haverá rumor. Não é por acaso que é

621
necessário fazer-se publicidade no domínio do consumo. Efectivamente
à
maioria das pessoas prestam pouca atenção à pasta dentrífica ou aos detergen
tes.
Além disso, estão desporvidos de ambiguidade, sendo totalmente transparentes.

Mesmo se esta lei só foi posta em evidência nas últimas décadas,


já este
fenómeno colectivo reteve a atenção dos Antigos. O rumor levou Sócrate
s à
morte, acusado de perverter os jovens atenienses e de os incitar
à revolta.
Para Virgílio o rumor é o mensageiro do erro e do mal como da verdade,
sendo a mais rápida de todas as pragas, vai espalhando o terror e fortific
a-se
difundindo-se.

Allport e Postman (1947) analisam o episódio do incêndio de Roma


no ano
64 da nossa era. A plebe admitiu e difundiu o rumor de que Nero,
se ele
próprio não tinha iniciado a conflagração, tinha pelo menos cometi
do a
aberração de deleitar-se com o bárbaro prazer de compor uma ode
às chamas
devastadoras. De nada valeu a Nero o facto de o rumor não ter fundame
nto.
Para sua própria defesa, recorreu ao «contra-rumor», fazendo circular
a ideia
de que os cristãos tinham lançado fogo à cidade. Um acto desta natureza
, bem
podia ser «coisa dos cristãos», desses cristãos aborrecidos e assim voltou
para
estes «bodes expiatórios» a fúria da plebe, esquecendo momentaneame
nte a
sua fúria contra Nero.

Encontra-se nesta descrição a dinâmica típica do rumor. Ignorava-se a origem


do fogo (ambiguidade); tratava-se de um acontecimento de grandez
a
catastrófica para os habitantes da urbe (importância). O povo buscava
uma
explicação procurando descarregar sobre al guém a culpa. O descontentamen
to
pre-existente contra o tirânico governante sugeriu uma saída. Todavia
rapidamente o medo do seu poder e o hábito de uma prolongada obediên
cia
tornaram-nos mais dispostos a voltar a sua vingança sobre uma vítima
mais
fraca. Lançou-se assim sobre uma minoria indefesa o peso da vinganç
a de
uma população frustrada e enraivecida.

Durante a Idade Média, as guerras religiosas e as Cruzadas eram suscita


das
pelo recurso a relatos exagerados de milagres, de pilhagens. Mais tarde,
na Idade
Moderna os exploradores espalharam-se pelo mundo à procura de legendá
rias
riquezas ou até para verem de perto os imaginários «Gigantes Adamas
tores».
Presentes no passado, não desapareceram no presente. Só daremo
s dois
exemplos de rumores do século XX.

Uma habitante de Mattoon, Illinois (USA), comunicou à polícia


que um
vagabundo tinha aberto a janela do seu quarto e tinha lançado sobre
ela e a
sua filha um gaz paralisante. A polícia fez um inquérito e ainda que não
se
tivesse encontrado nenhuma prova neste sentido, os vizinhos declararam
que
tinham visto um homem por essas paragens. O jornal local anunciou o
incidente
sob o título «Vagabundo anestesista em liberdade». Nos dias seguintes,
a polícia
2
recebeu dezenas de versões contraditórias sobre o vagabundo. Um jornal
escreveu o seguinte: «Os cidadãos espantados da nossa cidade vacilaram hoje
sob os ataques repetidos de um anestesista louco que lançou um gaz asfixiante
mortal em treze lares, fazendo perder a consciência a vinte e sete vítimas...
Outras setenta pessoas que se tinham precipitado no bairro depois do alerta
cairam na última noite sob a influência do gaz» (citado por Johnson, 1945).
Se as queixas diminuiram rapidamente, várias questões ficaram sem resposta.
A polícia não encontrou nenhuma prova de valor atestando a presença de um
vagabundo. O inquérito concluiu finalmente que o anestesista fantasma nunca
tinha existido (Johnson, 1945).

Em maio de 1969 nasce, amplifica-se e propaga-se um rumor em Orléans,


estudado por Edgar Morin (1969), segundo o qual as jovens depois de terem
sido adormecidas nas lojas de moda pertencentes a comerciantes na sua maioria
judeus, eram vítimas do «tráfico das brancas». O rumor ocupa a primeira página
dos jornais regionais e acaba por atingir a imprensa parisiense.

A equipa de Morin pode pôr em evidência várias fases na história deste rumor.
Numa primeira fase, o rumor aparece entre as jovens de vários liceus. Surge
depois uma fase de propagação da notícia em grande escala, já circulando
entre os adultos. Os professores aconselharam às suas estudantes a não
frequentarem tais lugares sozinhas, ou até acompanhadas, cuja competência
ES

contribuia assim para acentuar a credibilidade do rumor. Durante a fase


culminante do rumor atribuiu-se à polícia a rede de tráfico de jovens e o seu
silêncio torna-se prova evidente da sua culpabilidade. Surge então o contra-
os

-ataque por parte das autoridades, dos jornais, dos grupos anti-racistas, dos
partidos da oposição, desmentindo os factos, ridicularizando o absurdo do
rumor, acusando os facistas. Trata-se pura e simplesmente de um facto de
opinião, pois não tem nenhum fundamento real como suporte: nenhum desapa-
recimento foi assinalado à polícia. Perante a denúncia do rumor, aparece um
anti-mito: os partidos da oposição teriam feito um cavalo de batalha, os jornais
teriam inventado um assunto para ocuparem as suas páginas, os comerciantes
judeus teriam imaginado uma publicidade odiosa.

À equipa de Morin faz ressaltar na explicação, para além da tradição anti-


semita francesa, uma análise dos mitos ligados a fantasmas de origem
psicossexual cuja significação assenta na ambiguidade da condição feminina
actual: o desejo de liberação social e sexual acompanha-se ainda de
culpabilidade na educação das jovens. Finalmente, a emergência do rumor
em Orléans é explicado pelo desenvolvimento desta cidade de província quase
nos arredores de uma grande metrópole, com todas as desorientações sociais
que podem eclodir numa sociedade em desenvolvimento.

Após Allport e Postman (1947) terem passado em revista alguns rumores dos
tempos passados perguntam-se: que porção da história do mundo poderia
atribuir-se a reacções de importantes grupos sociais perante rumores
correntes? Os autores pensam que essa influência seria enorme na medida em
que os habitantes deste planeta não dispunham de muitos mais meios de
informação do que os chegados pelas tradicionais vias do rumor. Antes da
chegada da imprensa, do telefone, da rádio e da televisão o público dependia
de notícias relatadas por algum Fernão Mendes Pinto ou do pregoeiro. Ora é
sabido, e veremos mais adiante, a deformacão a que está sujeita a repetição de
uma versão oral de uma descrição. «Como deveria ter sido inexacta a repre-
sentação do mundo exterior a que se ajustaram povos e governantes ao longo
do curso da história!» (Allport e Postman, 1964, p. 178). Todavia estes autores
não defendem que o papel do rumor na vida moderna seja menor que outrora,
já que «apesar das modernas invenções as nossas necessidades emocionais e
cognitivas não se diferenciam das dos nossos antepassados» (Ibid., p. 178).

Se os rumores circulam tão facilmente, ontem como hoje, é porque eles


preenchem uma dupla função: em primeiro lugar explicam as tensões
emocionais e, em segundo lugar, aliviam-nas. Por exemplo, os rumores sobre
um desastre como o de Pearl Harbour contribuiam para explicar à pessoa que
os propagava porque sentia tal ansiedade. Partilhando-a com outrem,
justificava os próprios temores.

A procura de alívio leva muitas vezes os rumores a assumirem um carácter


hostil. No caso do incêndio de Roma, os cristãos aparecem como «bodes
expiatórios». O mesmo acontece no rumor de Orléans, segundo o qual, os
comerciantes de origem judaica eram acusados de rapto das clientes.

Não tem faltado quem tenha tentado traçar uma classificação do conteúdo dos
rumores. Por exemplo, Knapp (1944) distinguiu três tipos de rumores segundo
o seu conteúdo manifesto:

a) Os rumores de agressão comportam uma afirmação negativa sobre


outrem — grupo minoritário, inimigo, desviado...—. Têm como efeito
a perturbação da coesão social e a criação de relações intergrupais
sob o signo da rivalidade.

b) Os rumores de temor ou de ansiedade de intensidade variável, podem


oscilar entre a ansiedade ligeira e o pânico.

c) Os rumores de desejo exprimem as esperanças e os votos de uma


população e denotam a maior parte das vezes o anúncio de
acontecimentos felizes.

Estas três categorias de conteúdo repartem-se de modo desigual. Assim, o


exame dos rumores efectuados por Knapp durante a II Guerra Mundial nos
Estados Unidos mostrou que dois por cento eram de desejo, um quarto eram
de temor ou de ansiedade e mais de dois terços eram de agressão (69,9%). Os
rumores de desejo tinham por temática a morte de Hitler e crises de petróleo
no Japão. Entre os rumores de ansiedade havia histórias em que o desastre de
Pearl Harbour do que estava sendo admitido pelo governo ou pela imprensa e
que a invasão da Califórnia estava iminente. Rumores de agressão de Judeus
pude Católicos circulavam frequentemente na população. Allport e Postman
47) a partir do exame dos rumores durante o período da II Guerra Mundial
Onsideram ser provável que o tema principal da maior parte dos rumores
durante a guerra como em tempo de paz seja mais ou menos a calúnia, meio
de expressão de uma agressividade de um grupo em relação a outro.

Encontrou-se todavia que os rumores de desejo eram o tipo mais comum


durante a guerra civil na Nigéria (Nkpa, 1975). Um longo sofrimento e
destruição tornaram os Ni gerianos muito desejosos de paz. As divisões dentro
das famílias e das instituições eram muito perturbadoras e desmoralizadoras.
FÁs conversas reflectiam o desejo de acabar com a guerra civil.

"Quer na Idade Média quer em finais do segundo milénio encontram-se nove


* tipos de rumores: o regresso de Satanás, o veneno escondido, a conspiração
* subterrânea para tomar o poder, as penúrias artificiais (na Idade Média o trigo
escondido, hoje a falsa penúria de petróleo), o rapto de crianças, as doenças
“de personagens, o seus amores ou os seus compromissos financeiros ou
* Comuptos (Kapferer, 1987). Note-se que a abordagem dos rumores através de
uma qualquer classificação não assenta na sua significação para o grupo onde
à circula. Kapferer (1987) avança a este propósito o seguinte exemplo. Quando
* uma companhia regressa do combate, corre aí o seguinte rumor: todos os
Soldados de outra companhia teriam sido mortos pelo inimigo. Trata-se num
* primeiro relance de um rumor dramático e pessimista. Contudo, a sua função
“Teal é talvez inversa: o facto de se acreditar que outra companhia tinha sido
aniquilada, a primeira considera-se feliz por apesar de tudo só ter tido graves
— percas.

5.3.3 Processos de transmissão da informação

Não foi tanto pelo conteúdo como pelos aspectos formais dos rumores, pela
alteração da mensagem e o movimento da difusão que se interessaram os
investigadores no domínio dos rumores (Stoetzel, 1963).

À propagação informal das informações e das opiniões pode efectuar-se maciça


e rapidamente. Relembre-se que, por exemplo, quando o presidente Kennedy
in
foi assassinado a 22 de novembro de 1963 em Dallas, 90% da população
adulta dos Estados Unidos estava ao par do acontecimento, menos de
45 minutos após o primeiro noticiário emitido. Mais de metade tinha sabido a
notícia por outra pessoa (Greenberg, 1964). As pessoas sentiam uma forte
necessidade de falar do acontecimento imediatamente à sua volta. Mesmo se
os mass-media são facilmente acessíveis, a transmissão da informação depende
em primeiro lugar das redes de comunicação informais, isto é, grupos que
mantêm uns com os outros relações através do tempo e do espaço. Com o
intuito de demonstrar o pequeno universo das redes de comunicação informais,
Stanley Milgram (1977) deu uma mensagem a uma amostra de pessoas que
habitavam a cidade de Wichita, no Kansas e de Omaha, no Nebraska, pedindo-
lhe para que a transmitisse a uma pessoa alvo de Massachussetts que não
conheciam (ou a esposa de um estudante em Teologia de Harvard ou um
corretor de valores de Boston). Cada sujeito devia conhecer o alvo ou alguém
que conhecesse o alvo. Milgram encontrou que a mensagem foi remetida a
5,5 pessoas em média antes de atingir o alvo. Verificou-se uma maior tendência
intra-sexual nos pedidos da transmissão das mensagens.

Que sucede à informação quando passa por uma rede de comunicação?


À semelhança do que aconteceu no caso de Mattoon tem tendência a deformar-
-se? O psicólogo britânico Frederic Bartlett (1932) fez o primeiro estudo
sistemático sobre a transmissão da informação nos grupos sociais. Elaborou
o método da reprodução serial com o intuito de explorar a distorção. Consistia
em fazer reproduzir um desenho ou o texto de uma história a um primeiro
sujeito para um segundo sujeito que devia por sua vez produzir tão fielmente
quanto possível a sua própria versão para o sujeito seguinte. Continuava-se
este processo até que a informação fosse recebida e reproduzida através de
uma cadeia de dimensão variável. De um modo geral, Bartlett encontrou
distorções importantes entre as reproduções efectuadas de uma pessoa para
outra.

As transformações nas reproduções seriais apresentavam uma estrutura


característica. As reproduções tendem a transformar-se a partir de formas
ambíguas em estruturas correctas ou convencionais. Assim, pode-se ver na
figura 13.2, que a partir de uma forma abstracta parecida com um pássaro,
transforma-se na oitava reprodução numa forma próxima de um gato.
Já na décima reprodução encontramos um gato desenhado de modo claro e
distinto.

626
Esso

Rpaa 4 Rpg
Figura 13.2 — A distorção na transmissão dos rumores. Fonte: Bartlett, 1932.

Allport e 1 ostman (1947) combinam o método de reprodução serial de Bartlett


com o uso de imagens utilizadas por Freyd (1921) para avaliar a aptidão
para a reportagem. Um diapositivo é projectado num écran, representando
em geral uma situação rica em pormenores e dramática. Seis ou sete pessoas
que não viram a imagem esperam numa sala vizinha. Um primeiro sujeito é
introduzido e, não vendo o diapositivo, deve escutar a sua descrição feita por
uma pessoa — podendo ser o experimentador — que dá uma vintena de
pormenores. Pede-se então ao sujeito de reproduzir a descrição a um segundo
sujeito que se manda então entrar na sala da experiência. A experiência
desenrola-se, em geral, perante um público composto de mais de 200 pessoas
que vêm o diapositivo e podem deste modo avaliar as transformações por que
passa a descrição original.

627
Com base nas suas observações, Allport e Postman designaram três processos
de alteração da informação que intervêm nos rumores. O volume da mensagem
diminui (redução), depois estabiliza-se; certos elementos de conteúdo são postos
em evidência (acentuação); diversas deformações ou acrescentamentos
intervêm (assimilação).

1. A redução é o processo mais evidente e regular. Quanto mais o rumor


circula tanto mais tende a tornar-se conciso e fácil de contar e de reter.
Todavia este processo não é linear. O tamanho da mensagem transmitida
reduz-se mais rapidamente no começo das reproduções. Assim só se
encontram em média 67% dos promenores na primeira reprodução, 54%
na segunda, 36% na terceira, os outros sujeitos reproduzindo cerca de
30% da informação original. O máximo de redução aparece pois no começo
da cadeia e tudo se passa como se atingisse uma forte estabilização em
que as últimas reproduções são sensivelmente semelhantes. Os autores
fazem uma aproximação entre a curva obtida e a curva de diminuição da
retenção individual posta em evidência por Ebbinghaus em 1885 e
concluem que a memória social realiza nalguns minutos uma redução
equivalente à efectuada pela memória individual nalgumas semanas.
A partir destes resultados não se pode reduzir os rumores a processos só
mnésicos. O aspecto quantitativo não é o que parece ter maior importância
para se compreender globalmente o fenómeno: «a organização do sistema
de representação dos indivíduos e dos grupos revela-se efectivamente
sobretudo ao nível dos conteúdos esquecidos e dos conteúdos
conservados» (Rouquette, 1975, p. 71).

A acentuação inscreve-se na complementariedade da redução. Allport e


Postman definem-na como a retenção selectiva dum número limitado de
pormenores extraídos da mensagem original. Muitas vezes esses por-
menores podem ser ampliados. A acentuação pode revestir várias formas.
À acentuação temporal faz ressaltar a tendência a contar os factos passados
como se se desenvolvessem no momento presente. Verifica-se também
uma acentuação numérica, como por exemplo, um personagem de tamanho
grande é descrito maior do que é ou transformado em várias pessoas.
Objectos estáticos podem ser colocados em movimento. Observa-se do
mesmo modo o efeito de anterioridade, ou seja, o que é descrito em primeiro
lugar tem mais probabilidades de ser retido do que a mensagem seguinte.
Muitas vezes os símbolos familiares são retidos, mesmo que não tenham
uma ligação directa com o conteúdo da comunicação.

Enfim, a acentuação pode manifestar-se pela tendência em juntar explicações


à mensagem transmitida, sobretudo para tornar verossímil uma história
que foi deformada e aparece como sendo incoerente.
sos 3. A assimilação diz respeito às diferentes transformações do conteúdo do
em rumor. Compreende diversos processos que levam a modificações
tos semânticas relacionadas com a organização cognitiva da população. Já
tos não se trata pois, como na redução e na acentuação fundamentalmente
de simples categorias de presença-ausência. Allport e Postman distinguem
sete tipos principais.
OT
ter.
ida Através da assimilação temática os pormenores são modificados de modo que
se correspondam à ideia dominante da história em que se integram, aumentem a
H% sua coerência, constituam uma «boa forma». Por exemplo, numa cena de
batalha, uma ambulância torna-se um centro da Cruz Vermelha. Apesar da
tendência à redução pode no entanto haver introdução de novos pormenores
para assegurar um «bom prolongamento» da história. As imagens incompletas
são sistematicamente completadas.

Ao invés, na assimilação por condensação os pormenores podem fundir-se.


Por exemplo, em vez de se dizer: «Vejo uma pessoa idosa, um cavalheiro
com um jornal e um outro passeando o cão» os sujeitos transmitem: «Há um
grupo de pessoas».

À assimilação por antecipação faz apelo a opiniões, atitudes e julgamentos


do sujeito num quadro de referência em relação com o qual a história toma
sentido. A história é percepcionada segundo o universo representacional do
sujeito. Por exemplo, num estudo de Allport e de Postman vê-se passar a
navalha da mão de um branco para a de um negro.

Na mesma ordem de ideias a assimilação pela acção de estereótipos verbais


refere-se às deformações da mensagem em função das representações
colectivas.

De assinalar ainda factores de distorção como os que podem decorrer de


interesses próprios aos sujeitos ou da expressão e reforço de hostilidade em
relação a uma categoria social particular.

À redução, a acentuação e a assimilação foram explicadas por Alpport e


Postman pelas leis do esquecimento e pela teoria da gestalt. A referência às
leis do esquecimento deve-se a uma semelhança. Examinando-se a curva
que representa o número de pormenores memorizados por cada transmissor,
verifica-se desde os primeiros transmissores uma queda acentuada parecida
com as curvas do esquecimento. Uma pessoa lembra-se de muitos pormenores
no começo e com o tempo omite cada vez mais até que a recordação se
estabeliza. A referência à teoria da Gestalt ajuda a explicar que os pormenores
conservados ou criados tendem a construir um cenário coerente, uma «boa
forma». Deste modo, através do efeito do esquecimento e da procura duma
«boa forma», o rumor tornar-se-ia económico e susceptível de resistir ao

629
esquecimento em consonância perfeita com as opiniões, atitudes, estereótipos
e preconceitos do grupo em que circula.

Efectuada já nos anos quarenta, a experiência de Allport e de Postman


contribui todavia para lançar o descrédito sobre os fenómenos colectivos do
rumor. Para além de aspectos ideológicos subjacentes a estas experiências,
isto é, a necessidade da sociedade transmitir informações meticulosamente
controladas, outros factos contestaram a capacidade de reprodução de um
fenómeno material. Diversos estudos puseram em evidência uma fidelidade
em relação à mensagem inicial (Caplow, 1947; Schachter e Burdick, 1955).

Note-se ainda que contrariamente ao esperado encurtamento dos rumores


segundo estes três processos, diversos estudos mostraram que os rumores se
tornaram mais complexos e desorganizados com a transmissão (Rosnow,
1980).

As simulações de transmissão em cadeia criam situações que não podem ser


generalizadas a toda a realidade. Se para certos autores certas distorções são
um dos traços que definem o rumor, trata-se de um erro, pois todos os rumores
não conduzem a distorção.

As distorções ocorridas numa transmissão da informação podem ser causadas


por erros de percepção ou de memória. Trabalhos sobre testemunhos oculares
mostraram que as declarações prestadas sob juramento são frequentemente
desprovidas de exactidão (Goldstein,1977). Aparecem particularmente
inexactidões quando a pessoa identificada é de outra raça (Chance, Goldstein,
e McBride, 1975) ou quando o suspeito se assemelha aos estereótipos correntes
de assassinos, de ladrões ou outras personagens do mesmo tipo (Shoemaker,
South e Lowe, 1973). Trata-se de resultados inquietantes se tivermos presente
toda a consideração que é prestada aos relatórios das testemunhas oculares
nos processos para assassínios. As distorções de informação podem também
ser causadas por factores emocionais. As pessoas inquietam-se muitas vezes
com a significação de diversos acontecimentos. Voltam-se então para as outras
para que as ajudem a determinar o que acontece realmente e assim reduzir a
ambiguidade (Rosnow e Fine, 1976). Num estudo (Jaeger, Anthony, e Rosnow,
1980) os estudantes foram expostos ao rumor por um compadre. Um segundo
compadre comentava dizendo: «Eu ouvi-o. Não sei se acredite, mas é um
rumor interessante» ou dizia o compadre: «O rumor é absolutamente falso e
posso prová-lo. Conheço os estudantes que o inventaram.» O rumor foi transmi-
tido menos frequentemente pelos estudantes que tinham ouvido o comentário
que o desacreditava. Além disso, os estudantes que tinham obtido resultados
elevados numa medida da ansiedade disseram mais frequentemente que tinham
repetido o rumor que os estudantes que tiveram resultados baixos de ansiedade.
Parece que os estudantes ansiosos tinham tido uma maior necessidade de reduzir
a ambiguidade medindo as reacções das outras pessoas face ao rumor.

630
ERROS Sm ? UR

Em suma, os mecanismos de distorção que estão na base da transmissão dos


rumores asseguram duas funções complementares (Rouquette, 1975, p. 75):
«Por um lado, realizam uma economia para a memória abreviando a mensagem,
organizando-a segundo uma boa forma e reduzindo-a a estereótipos verbais e,
mais amplamente a hábitos cognitivos; por outro lado, exprimem directamente
as expectativas, as atitudes, as opiniões da população e constituem assim um
modo essencial do pensamento social».

5.3.4 Controlo dos rumores

Os rumores podem ter consequências funestas e desmoralizadoras sobretudo


em tempo de guerra. Uma vez despoletado o rumor, torna-se muito difícil
pará-lo. Frequentemente tem sido necessário recorrer a programas de controlo
de rumores junto das pessoas a eles expostas forncendo-lhes informação
verdadeira.

No passado empresas tem-se defrontado com rumores engendrados de modo


deliberado por empresas concorrentes para lhes suscitar dificuldades. Por
exemplo, em 1934 a venda de cigarros Chesterfield nos Estados Unidos foi
gravemente afectada pelo rumor de que uma pessoa que sofria de lepra
encontrava-se a trabalhar na fábrica de cigarros. O rumor havia partido de
uma empresa rival. Equipas de duas pessoas entrariam num comboio ou
autocarro cheios por lados opostos, mover-se-iam um em direcção ao outro,
e então tinham uma conversa sobre a lepra enquanto outros passageiros estavam
entre eles (Shibutani, 1966).

Mais recentemente algumas das empresas mais conhecidas nos Estados


Unidos têm enfrentado rumores que as acusam quer de ter uma grande parte
do seu capital nas mãos da seita Moon, quer de estarem possuídas pelo
Demónio. McDonald's que lidera os restaurantes de hamburguers e Procter
& Gamble, uma das maiores empresas americanas de grande consumo foram
dois dos alvos. Vale a pena assinalar o que aconteceu à Procter & Gamble,
pois trata-se de um caso paradigmático.

O logotipo da sociedade Procter & Gamble representa a cara dum velho


jupeteriano com a forma de um quarto crescente a olhar as estrelas (em
honra das treze colónias americanas na época em que foi criado o logotipo,
em finais do século XIX). O rumor começou por ser despoletado pela forma
da lua em que se encontrou uma alusão evidente à seita Moon e ao seu
fundador. Em seguida, o rumor fixou-se noutros aspectos do logotipo: as
estrelas desenhavam o número 666, isto é, o número de satanás segundo
uma interpretação do capítulo 13 do Livro da Revelação. Este número

631
encontrava-se também nas barbas do velho. Com o intuito de ter negócios
prósperos, Procter & Gamble teria um pacto com Satanás e outorgaria 10%
dos seus benefícios a uma seita satânica. Esta empresa vê-se assim a braços
com uma guerra de estrelas bem particular e para que não estava preparada.

O emblema O emblema representado

Figura 13.3 - O objecto do rumor satânico: o emblema de Procter e Gamble

Procter & Gamble seguiu várias etapas na luta contra os rumores. A


companhia recolheu testemunhos de fé de proeminentes chefes religiosos,
incluindo altos dignatários da Igreja Católica e de vários grupos evangélicos
que eram difundidos no clero local onde circulavam os rumores. Instalaram-
-se linhas telefónicas para tratar de assuntos dos consumidores a esse respeito
e, no início de 1982, receberam-se cerca de 15 000 chamadas por mês de
pessoas que procuravam saber se os rumores eram verdadeiros. Os rumores
cessaram momentaneamente, após uma vasta campanha de informação
efectuada pela companhia, mas emergiram de novo em 1985.

Em 1985 Procter & Gamble decidiu suprimir o seu emblema de todos os


produtos para tentar pôr termo a este rumor. Tratava-se portanto de um
emblema existente desde a fundação da firma há mais de um século.

5.3.5 Teoria da conspiração

Com frequência os rumores são suscitados a partir de um conjunto de crenças


que identificam determinado grupo de pessoas como sendo deliberadamente
conspirador planeando a destruição do indivíduo ou da sociedade. A atribuição
da peste negra na Idade Média a conspirações de médicos ou de Judeus é um
Nao

dos exemplos. O duradouro mito da «conspiração judéo-comunista» para


enfraquecer o sistema bancário ocidental, constituindo uma etapa para
nen

dominar o mundo é outro exemplo. Esses fenómenos têm-se denominado de


«teoria da conspiração» (Graumann e Moscovici, 1987). Um conjunto de
pessoas partilham um conjunto de crenças irracionais, ou «teoria», a respeito
de um grupo de pessoas que estão conspirando contra elas e a sociedade, e
então utilizam estas crenças de modo racional e lógico (Groh, 1987). Uma
teoria da conspiração é susceptível de ser acreditada na medida em que está
provida de algum poder de explicação para um grupo, dada a ambiguidade e
a incerteza social (Kruglanski, 1987). Em movimentos políticos extremos
desenvolve-se muitas vezes uma teoria da conspiração.

Documento 13.3 — Conspiração psicológica?

O professor David Likely do departamento de Psicologia da Universidade


de New Brunswick organizou uma festa em sua casa em Dorn Ridge, uma
pequena comunidade perto de Fredericton. Com o intuito de ajudar os seus
colegas a encontrar a sua casa que se situava no fim de uma estrada isolada,
colocou um certo número de sinais na estrada com a letra psi que é o símbolo
internacional para a psicologia. Acontece que esses sinais suscitaram imensa
curiosidade e suspeição em muitos dos seus vizinhos, cuja maioria o professor
nunca tinha encontrado, e que acharam que o símbolo psi representava o tridente
de Satanás. Começaram então a circular rumores de pessoas passseando em
trajes brancos, de sepulturas profanadas e de cães e gatos desmembrados. Se
algumas pessoas chamaram a polícia, outras fizeram ameaças anónimas por
telefone ao professor Likely.

À situação difundia-se quando o professor distribuiu uma carta com expli-


cações na sua comunidade.

O incidente ilustra como as pessoas procuram encontrar sentido para


acontecimentos misteriosos. A combinação de vários factores fez com que
as pessoas elaborassem uma explicação: o misterioso símbolo, o professor
era para a maior parte dos habitantes um estranho, alguma ansiedade
generalizada suscitada por histórias acerca de crianças que haviam sido
utilizadas em rituais satânicós no Canadá e nos Estados Unidos.

(The Globe and Mail, Novembro de 1989)

633
APLICAÇÕES: CONTROLO DE DESORDEM SOCIAL

Na sua grande maioria as manifestações políticas são ordeiras e pacíficas.


Todavia por vezes ocorrem comportamentos violentos, como por exemplo,
no motim de St Paul em Bristol nos anos oitenta. Uma batida policial
inesperada numa zona de St Paul proporcionou um ponto de inflamação que
engendou uma violência que se generalizou. Seria demasiado simplístico
dizer que foi esse acontecimento específico que causou a violência.
Waddington, Jones, e Critcher (1987) propuseram um modelo susceptível
de ser utilizado na análise de diferentes espécies de desordem social. O modelo
comporta seis níveis de análise:

1. Estrutural. Perspectivas mais amplas da estrutura social têm de ser


tomadas em conta. Por exemplo, na área de St Paul havia um elevado
desemprego entre as pessoas negras o que levava à frustração.

2. Político ou ideológico. Um sector específico da sociedade podia sentir-


-se desgostado com alguma legislação que lhe impusesse controlos
sociais considerados inaceitáveis. Havia então um decreto recente
que proporcionava este foco de descontentamento para grupos
«itinerantes».

3. Cultural. As representações sociais são modos de ver o mundo


incluindo crenças acerca dos direitos. Diferentes segmentos da
sociedade podem ter diferentes representações sociais do que
constitui um problema. Por exemplo, a polícia pode ver o mundo
de modo muito diferente dos jovens negros desempregados.A polícia
estava preocupada com droga e os habitantes de St Paul estavam
preocupados com a invasão do território.

4. Contextual. Inclui-se aqui o momento específico em que ocorreu o


incidente e a sequência de acontecimentos que levaram a um
incidente específico.

5. Espacial. Inclui o contexto físico em que ocorreu a confrontação,


os espaços abertos e edifícios, e as significações simbólicas que
qualquer um desses espaços possa ter para os participantes. O lugar
onde deflagrou o incidente era o centro da comunidade negra naquela
zona e para a polícia era um centro de tráfico de droga.

6. Interaccional. Inclui-se aqui a natureza das interacções que ocorreram


entre as pessoas envolvidas.

635
Waddington etal. (1987) efectuou uma análise de dois comícios que ocorreram
durante a greve dos mineiros em 1984 na Inglaterra. Um deles foi desordeiro
e envolveu violência entre a polícia e os manifestantes. O segundo, realizado
num contexto semelhante, foi pacífico.

Os investigadores lançaram mão da observação participante enquanto os


acontecimentos se desenrolavam. Utilizaram o modelo exposto mais acima
e chegaram à conclusão que os níveis estrutural, ideológico e cultural não
eram diferentes nos dois acontecimentos. As diferenças situavam-se aos níveis
situacional, contextual e interaccional. O segundo comício, pacífico, foi um
acontecimento meticulosamente planificado com consulta à polícia local. O
contexto foi cuidadosamente organizado para canalizar as respostas da multidão
numa actividade pacífica. Para controlar os movimentos da multidão sem o
recurso à intervenção policial foram colocadas barreiras antecipadamente. O
controlo da multidão foi efectuado pelos próprios organizadores, a polícia
evitando qualquer confrontação.

O trabalho da equipa de Waddington concluiu que a violência na multidão


não era imprevisível. Podem-se tomar em conta accções que podem ocorrer
em qualquer ou em todos os níveis referidos acima para se assegurar que não
ocorra. A um nível prático Waddington delineou cinco passos que podem ser
considerados para se assegurar um controlo pacífico da multidão:

|. Autopoliciamento. A confrontação é mais susceptível de ser evitada


se o controlo da multidão é deixado nas mãos dos organizadores do
comício.

Ligação. Deveria haver uma cooperação e ligação entre os


bo

organizadores e a polícia, e isto, antes e durante o acontecimento.

3. Força mínima. A polícia deveria estar preparada par usar a força


mínima.

4. Treino de habilidades interpessoais. As pessoas implicadas na gestão


e controlo das multidões deveriam ter tido um treino apropriado.

5. Responsabilidade. A polícia deveria ser vista como totalmente


responsável pelas suas acções. Esconder deliberadamente os números
dos polícias para lhe garantir o anonimato não é aceitável.
SUMÁRIO

O comportamento colectivo emerge espontaneamente numa colectividade


de pessoas. E relativamente desorganizado, não planificado e é o produto da
interestimulação entre os participantes.

Há problemas únicos que têm de se ter em conta no estudo do comportamento


colectivo. Apesar disso, há uma vasta gama de instrumentos e de métodos de
estudo que estão disponíveis. Estes incluem métodos de inquérito, análise
de conteúdo, técnicas de observação e experiências em que se simulam
aspectos pertinentes do comportamento colectivo.

O termo multidão tem sido aplicado a diversos conjuntos de agrupamentos


humanos que se qualificam de comportamento colectivo. As multidões têm
sido classificadas em activas e passivas. Se as multidões podem estar
dominadas pela violência, também o podem estar pelas alegrias colectivas.

O pânico constitui uma das formas mais dramáticas do comportamento


colectivo. Tende a ocorrer quando há percepções de perigo imediato, quando
as potenciais vias de escape são limitadas e estão a fechar-se, e quando há
um corte na comunicação. Tem havido várias tentativas para simular situações
de pânico. As pessoas vítimas de desastres nem sempre reagem de modo
desorganizado e irracional, nem apresentam sempre o «síndrome do desastre».

Têm sido desenvolvidas diversas abordagens teóricas para a análise do


comportamento colectivo. As principais abordagens téoricas podem ser
condensadas nas teorias do contágio, da desindividualização, da convergência
e das normas emergentes. O contágio comportamental refere-se à propagação
rápida do comportamento através de uma multidão por meio de sugestão, rumor
e imitação. A desindividualização, a perca de um sentimento de identidade
pessoal, pode levar a um abaixamento dos constrangimentos habituais sobre o
comportamento. As condições que contribuem para a desindividualização
incluem uma perca de características identificáveis, perca de responsabilidade,
uma actividade grupal estimulante, perca de perspectiva temporal e uma nova
situação sem os constrangimentos habituais. Segundo a teoria da convergência,
a multidão fornece simplesmente uma desculpa para as pessoas fazerem o que
estavam predispostas a fazer. Numa situação de multidão novas normas
partilhadas podem emergir que podem levar a um comportamento
aparentemente não controlado.
e

A moda constitui o tipo de comportamento colectivo mais trivial. Envolve um


processo contínuo de mudança que se reflecte no vestuário, no comprimento
do cabelo, etc. A moda está relacionada com o estatuto social, com o desejo

637
One

das pessoas se identificarem com certos grupos e se diferenciarem de


outros
grupos. Permite taambém atenuar a banalidade da vida quotidiana.

Apesar do conhecimento da existência de sondagens de opinião estar difundido,


surpreendentemeente a definição de opinião pública tem levantado debates
ao
longo dos anos. Por meio das sondagens de opinião uma massa considerável
de informação é recolhida nos domínios político, social e comercial.

Os rumores são mais susceptíveis de se desenvolver em situações caracte


rizadas
pela ambiguidade e pelo interesse. Passam geralmente de boca em boca e são
importantes na mobilização dos participantes numa multidão para a acção. Na
transmissão dos rumores muitas vezes a informação tende a tornar-se mais
breve e mais simples (redução); certos aspectos são enfatizados e por vezes
exagerados (acentuação); e a mensagem é assimilada à estrutura dos hábitos,
das expectativas e dos preconceitos.
eee DESCE CRSesa eg nemnarae ie cc me ssa ' ssa mos = AGIA
Es=s l MEET SRA SET ESTE E EE SPEA ESTES ROSES PISIESTES

atros
PARA IR MAIS LONGE
lido,
's ao
ável DESCHAMPS, M. A.

1979 | La psychosociologie de la mode. Paris: Presses Universitaires de


idas France.

são à O autor começa por avançar uma definição operacional da moda.


Na | Em seguida, «para escapar ao nó de contradições», efectua uma
ais análise estrutural da moda. Enfim, os conceitos e análises são
zes k submetidos à prova de numerosas investigações em psicologia
los social.

GRAUMANN, €C. F., E MOSCOVICI, S.

| 1986 Changing conceptions of crowd mind and behavior. New York:


Springer-Verlag.

A obra consta de artigos sobre a psicologia das multidões.

MOSCOVICI, S.

1981 L'áge des foules. Paris: Fayard.

! É apresentada uma densa perspectiva histórica da psicologia das


massas, dando-se relevo especial às abordagens de Le Bon, Tarde
e Freud.

SOLOMON, M. R.

j 1985 The psychology of fashion. New York: Lexington Books.

Examina-se neste livro o papel de factores psicológicos na escolha


de vestuário.

STOETZEL, J.; GIRARD, A.


: 1973 Les sondages d'opinion publique. Paris: Presses Universitaires
de France.

A obra articula-se à volta de três partes. Na primeira aborda-se o


estudo científico da opinião pública. Na segunda são apresentados os
: fundamentos teóricos e práticos das sondagens de opinião. Finalmente,
na terceira parte é feito um balanço de conhecimentos proporcionados
pelas sondagens de opinião.

639
ACTIVIDADES PROPOSTAS

As multidões são realmente «irracionais» no seu comportamento?

Relembre algum acontecimento de pânico por que tenha passado ou


bd

ouvido falar e o que é que levou as pessoas ao pânico?

3. Quais são as condições para a desindividualização?

4. Mostre como noções estudadas anteriormente (atitudes, atribuição,


conformidade, estereótipos, preconceitos, obediência, etc.) podem ser
relevantes no estudo do comportamento colectivo.

5. Pode-se dizer que a violência na multidão é imprevisível e não pode ser


precavida? Que passos podem ser seguidos para evitar a sua ocorrência?

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