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Ricardo da Costa
Universidade Federal do Espírito Santo
Vitória
Adriana Zierer
Universidade Federal Fluminense
Niterói
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29/03/2020 Boécio e Ramon Llull: A Roda da Fortuna, princípio e fim dos homens
I
O Fortuna, Ó Fortuna
egestatem, A pobreza,
potestatem A riqueza,
II
Sors immanis Bruta sorte,
et inanis, És de morte:
obumbrata Disfarçada
III
Sors salutis Gozar saúde,
et defectus Ou pulguento
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29/03/2020 Boécio e Ramon Llull: A Roda da Fortuna, princípio e fim dos homens
Mas gostaria apenas de dizer que o fardo mais pesado com que a Fortuna
possa afligir alguém é este: que as olhos do povo estaja sendo justamente
castigado quem na verdade é inocente[17].
Pensas que a Fortuna mudou a teu respeito? Enganas-te. Ela sempre tem
os mesmos procedimentos e o mesmo caráter. E, quanto a ti, ela
permanece fiel em sua inconstância. Ela era a mesma quando te
lisonjeava, ou quando fazia de ti seu joguete prometendo-te miragens
[...] seus jogos são funestos [...] e é precisamente essa faculdade de
passar de um extremo ao outro que caracteriza a Fortuna que deve fazer
com que a desprezemos, sem temê-la ou desejá-la[18].
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Na sua Ars, na hora de fazer aplicações, Ramon Llull define cem formas
abstratas, que ele chama generalíssimas. Na forma 61, Ramon trata da
fortuna e do afortunado:
Por esta quarta espécie da regra C vê-se que a fortuna está no sujeito
que tem a sorte de tê-la. Ela está no sujeito sem que ele queira, por isso
ele é pessoa afortunada. A terceira espécie da regra D pergunta “de
quem é?” a coisa, como por exemplo, “o reino é do rei?”, ou “o acidente
é da substância?”. No caso da fortuna, esta não existiria sem a pessoa
afortunada, pois, para Ramon, ela não existe em si mesma.
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Assim como a roda que se move dando voltas, filho, os homens que estão
em seus mesteres acima ditos se movem [lavradores, ferreiros,
mercadores, sapateiros, etc.]. Logo, aqueles que estão no mais baixo
ofício em honramento, desejam subir a cada dia, tanto que estejam no
lugar da roda soberana, na qual estão os burgueses. E porque a roda se
vai a girar e a inclinar até abaixo, convém que ofício de burguês caia
abaixo[35].
Os homens que estão abaixo na Roda aspiram subir até o topo e por isso
a Roda se move[36]. Além de mostrar a intensa mobilidade social da
sociedade medieval de meados do século XIII, esta é, sem dúvida, uma
crítica do autor aos novos valores sociais dos burgueses. Na Idade
Média, burguês era o habitante da cidade não-clérigo, não-nobre e não-
estrangeiro, que exercia determinadas atividades que lhe garantiam uma
relativa independência, estando ligado a duas categorias de citadinos, os
maiores e mediocres, de acordo com os textos da época[37].
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século XII, ela tornou-se, pela primeira vez, um tema nos sermões dos
pregadores[40].
Por esse motivo, o direito só deve existir para Llull porque falta ao
homem o amor a Deus, já que todo aquele que ama a Deus ama a
justiça[41]. Assim, a justiça luliana visava a proporção, a cada um o que é
seu de direito, e através dela o príncipe cumpriria uma das finalidades de
seu ofício. Na mundo terrestre, o príncipe seria o responsável pela
harmonia da sociedade, devendo cada indivíduo voltar-se para as
virtudes para aproximar a alma do bom caminho a ser trilhado na outra
vida.
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[6] Filósofo catalão nascido em Maiorca, a partir dos trinta anos teve três
visões com Jesus crucificado e passou ao serviço de Deus, dedicando-se
à conversão dos infiéis ao cristianismo. Com este intento, aprendeu árabe
e escreveu um grande número de obras defendendo a sua doutrina, sendo
que duzentos e oitenta delas nos chegaram em latim e em catalão.
Ricardo da Costa, A Árvore Imperial — Um Espelho de Príncipes na
Obra de Ramon Llull (1232?-1316). Niterói, Universidade Federal
Fluminense, Tese de Doutorado, 2000.
[13] Boécio, A Consolação da Filosofia, op. cit., Livro III, 23, p. 87.
[25] Boécio, A Consolação da Filosofia, op. cit., Livro II, 11, p. 45.
[27] Boécio, A Consolação da Filosofia, op. cit., Livro II, 15, p. 50.
[30] Boécio, A Consolação da Filosofia, op. cit., Livro IV, 11, p. 122.
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una vella tradició, que atribueix a Llull aquest ofici.” — Gret Schib,
“Introducció”, In: Ramon Llull, Doctrina Pueril, op. cit., p. 8.
[35] “Enaxí com a roda qui.s mou engir, se mouen, fill, los hòmens qui
són en los mesters demunt dits. On, aquels qui són en lo pus bax offici
en honrament, desigen a puyar cade dia, tant que sien en lo cap de la
roda subirana, en la qual estan los burguesos. E cor la roda se à a girar e
a enclinar a aval, cové que offici de burguès ya caya a aval.” — Ramon
Llull, Doctrina Pueril (a cura de Gret Schib), op. cit., p. 187-188 (os
grifos são meus).
[38] A Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 1995, p. 207 (Lv. 25, 35-
37).
[39] “Homo mercator nunquam aut vix potest Deo placere”, citado por
Jacques Le Goff, Mercadores e Banqueiros na Idade Média, São Paulo,
Martins Fontes, 1991, p. 71.
[40] Jeffrey Richards, Sexo, desvio e danação. As minorias na Idade
Média, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992, p. 19.
[41] “[...] porque todo homem que seja Vosso amante convém de
necessidade que ame o direito. Logo, como o direito é formado em Seu
relembrar e em Seu entendimento e em Sua vontade, então a alma
lembrará e entenderá e desjará amar direitamente.” (“[...] car tot home
qui vos sia amant cové de necessitat que am dretura. On, com la dretura
se será formada en son remembrament e en son enteniment e en son
voler, adoncs la ánima membrarà e entendrà e volrà l’amat
dreturament.”) — Ramon Llull, “Libre de Contemplació en Deu”, In:
ORL, vol. VII, tomo VI, 1913, p. 392.
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