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Investigar o quê?

Para quê?
Como?
A lógica da Investigação Científica
Rui Brites, Sociólogo e Professor universitário
Investigador sénior do CIES/ISCTE-IUL e
Prof. Associado convidado do ISEG - Lisbon School of Economics & Management Universidade de Lisboa
ruibrites@iseg.ulisboa.pt (+351) 213925941
rui.brites@outlook.com (+351) 969073534
Gabinete 216, Edifício Bento Jesus Caraça, Rua Miguel Lupi, nº 20,
1249-078 Lisboa
MAXQDA Profissional Trainer: https://www.maxqda.com/workshoptrainer/dr-rui-brites
CV: https://www.dropbox.com/s/s7v1c4y8n44qn06/Rui%20Brites%20-%20Curriculum%20Vitae%20Actualizado%20Set2019.pdf?dl=0 2
• Popper enfatizou o facto de a ciência se basear em
conjecturas e refutações.
• A ciência não é verdadeira, mas conjecturável.
• Uma experiência cujo resultado é previsto por uma
teoria, não prova a sua exactidão, limitando-se apenas
a não refutá-la.
• A confirmação experimental não serve como prova de
verdade, dado que pode estar a ser omitida uma
excepção fundamental, mas encontrar uma única
excepção é, todavia, o bastante para falsear uma teoria,
que só é científica se puder ser refutada.
• A principal tarefa de um cientista não é, por
conseguinte, justificar ou provar as suas hipóteses,
mas sim o de as testar de forma a detectar ou eliminar
falhas ou erros que possam conter (testabilidade), ou
submetê-las a tentativas de refutação (falsificabilidade).
Em consequência importa saber com
precisão:

1. O que pode e deve ser investigado no âmbito de uma


disciplina científica;
2. Qual a informação necessária e as formas de acesso à
mesma?
3. Quais as condições que permitem ao investigador ter
acesso à realidade social?
4. Quais os procedimentos metodológicos e as regras
interpretativas adequadas para compreender os
processos de construção de sentido dos actores?
Duas questões muito simples ocorrem ao espírito
quando se fala de investigação.

A primeira é: Qual é o meu problema?


A segunda é: Que devo fazer?

Tomar consciência de um problema, formulá-lo com


clareza e trabalhar para o resolver marcam as fases
essenciais de um procedimento metodológico.
Bruno Deshaies*

Se não formos capazes de definir bem o


problema, nunca encontraremos a solução.
Russel Ackoff

Metodologia de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Instituto Piaget, 1997


Concepção actual de método científico*
Problema ou lacuna
Explicação Não explicação

Colocação precisa do problema

Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes

Tentativa de solução

Satisfatória Inútil

Invenção de novas ideias ou produção de novos dados empíricos

Obtenção de uma solução

Prova da solução

Satisfatória Não satisfatória

Conclusão Início de novo ciclo

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*Eva Maria Lakatos: “Ciência e Conhecimento Científico”, in Metodologia Científica, São Paulo, Editora Atlas, 1995: 39-40
Estrutura de uma Dissertação
Critérios de avaliação de uma
Dissertação

Continua
Critérios de avaliação de uma
Dissertação
Continuação
Elementos que devem constar num Projecto
de investigação Académica

1. Tema do trabalho;
2. Delimitação do objecto de estudo
3. Questões de investigação;

4. Exploração (bibliografia seleccionada e proposta de guião de entrevista


exploratória);

5. Problemática;
• Questões de investigação e hipóteses
6. Modelo de Análise

7. Proposta de elaboração dos instrumentos de recolha


de informação (guião de entrevista, questionário, grelha de observação, etc.).
Tema da Investigação (Conceito)

O tema de uma investigação académica é uma


proposição abrangente sobre um assunto que se
deseja conhecer melhor. Deve ser:

1. delimitado com precisão;


2. examinado e avaliado criticamente.
Exemplos de Temas de Investigação em Gestão de Recursos Humanos*

* José Neves e Sónia Gonçalves: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal Resultados e tendências,
http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpbg/v8n4/v8n4a07.pdf
2. Delimitação do objecto de estudo
De acordo com Lazarsfeld*, o processo de conceptualização
tem lugar quando “se trata de distinguir um certo número de
dimensões específicas do conceito original e de encontrar
indicadores para cada dimensão”.
No processo de pesquisa, quando há necessidade de criar
instrumentos de recolha de informação, (Questionário, Guião de
entrevista, Guião de observação ou Grelha de codificação para Análise de
conteúdo) o processo deve ser o seguinte:

Conceitos Dimensões Indicadores

Informação
a recolher
Na fase da Análise da informação, o procedimento
deve ser o inverso, claro!
* cfr. Del Bayle, J-L. (1991), Introduction aux méthodes des sciences Sociales, Toulous, Privat
Questões de Investigação

O primeiro problema que se põe ao investigador é o


de saber como começar bem o seu trabalho.

As questões de investigação são a enunciação do


projecto de investigação, devendo o investigador
tentar exprimir, o mais exactamente possível, o que
procura saber, elucidar ou compreender melhor.

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Exploração
Revisão de literatura, Entrevistas exploratórias, etc.

1. Leituras
A escolha das leituras deve ser realizada com muito
cuidado, propondo-se os seguintes critérios orientadores da
selecção:
• Ser orientada pelas questões de investigação;
• Escolher, sempre que possível, obras de reflexão e
síntese;
• Procurar fontes que não se limitem a apresentar dados
mas que incluam elementos de análise e interpretação;
• Escolher fontes que apresentem abordagens
diferenciadas do fenómeno.
2. Entrevistas exploratórias
As entrevistas exploratórias têm por função
esclarecer certos aspectos do fenómeno, com o
objectivo de completar as pistas de trabalho
sugeridas pelas leituras.

Interlocutores possíveis:
• Docentes, investigadores especializados e peritos;
• Testemunhas privilegiadas;
• Elementos do público alvo
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Problemática*
A problemática consiste na problematização, ou
perspectiva teórica, que o investigador adopta na
investigação.
É uma operação que se deve fazer em três
momentos sequenciais:
1. Balanço do problema. Explorar as leituras e
as entrevistas exploratórias e inventariar os
diferentes aspectos do problema, bem como as
ligações que entre eles se estabelecem.
Perante orientações teóricas contraditórias,
escolher a que lhe parece mais pertinente ou
elaborar outra que transcenda aquelas:
*Consultar Quivy, R. & Campenhoudt, L-V. (1992), Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva (1ª edição)
2. Enquadramento teórico. Inscrever o nosso
trabalho num dos quadros teóricos existentes ou
elaborar uma nova problemática, apoiando-se no
confronto de pontos de vista observados na fase
exploratória, detectando as divergências e as
convergências entre os autores;

3. Explicitação da problemática, expondo os


conceitos fundamentais e a estrutura conceptual em
que assentam as proposições (hipóteses)
elaboradas em resposta (provisória) às questões de
investigação
Modelo de Análise*
O modelo de análise é o prolongamento natural da
problemática, articulando de forma operacional os marcos e
as pistas que orientarão o trabalho de observação e de
análise. É composto por hipóteses estreitamente articulados
entre si para, em conjunto, formarem um quadro de análise
coerente.
A construção/selecção de das hipóteses é resultante da
fase exploratória, que necessita de ser devidamente
explicitada. No essencial, a construção de um conceito
consiste em:
1. Determinar as suas dimensões;
Manifestações objectivamente
2. Seleccionar os indicadores observáveis e mensuráveis
das dimensões dos conceitos

*Consultar Quivy, R. & Campenhoudt, L-V. (1992), Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva (1ª edição)
Exemplo de um Modelo de Análise*

* Brites, R. (1998), “Para uma Análise da Satisfação com o Trabalho”, in: Sociologia – Problemas e Práticas, nº 26, Lisboa,
20Celta
Editora: 149-178.
Brites, R. (1998), “Para uma Análise da Satisfação com o Trabalho”, in: Sociologia – Problemas e Práticas, nº 26, Lisboa, Celta
21
Editora: 149-178.
Formulários para
recolha de informação
(guião de entrevista, questionário, grelha de observação, etc.)
Guião de entrevista semi-estruturado
Guião de transcrição de uma entrevista Entrevista transcrita
Amostragem
Amostra em estudos qualitativos

A Selecção das Pessoas Interrogadas

• Nos estudos qualitativos interroga-se um número limitado


de pessoas.

• O critério que determina o valor da amostra passa a ser a


sua adequação aos objectivos da investigação.

• Os indivíduos são escolhidos em função do seu carácter


exemplar.
Amostra em estudos qualitativos (cont.)

A questão da grandeza da amostra


A amostra depende:

• da heterogeneidade do público;

• do grau de complexidade dos objectivos da


investigação;

• da saturação do “campo” (mais inquiridos idênticos não trazem


mais informação, mas a mesma informação)

As escolhas em matéria de amostragem apelam à


perspicácia e ao bom senso
Questões prévias ao processo de amostragem
de natureza quantitativa

1. Definição clara dos O que se pretende saber/conhecer


objectivos do estudo melhor/compreender

2. Quem deverá ser População alvo* e população a


entrevistado inquirir
3. Quantos deverão ser
Dimensão da amostra
entrevistados

4. Como serão Método de selecção da amostra


seleccionados (escolha das unidades amostrais)

*Designa-se por população alvo a totalidade dos elementos sobre os quais se deseja obter determinado tipo
de informação 31
Métodos de selecção da amostra*
•Amostragem aleatória simples
•Amostragem sistemática
Métodos probabilísticos •Amostragem estratificada
(amostragem casual)
•Amostragem por clusters
•Amostragem multi-etapas
•Amostragem multifásica

•Amostragem por conveniência


Métodos não •Amostragem intencional
probabilísticos •Amostragem snowball
(amostragem dirigida) •Amostragem sequencial
•Amostragem por quotas

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* in: Reis, Melo, Andrade e Calapez: Estatística aplicada, vol. 2, Lisboa, Sílabo, 1999
Métodos de selecção da amostra (cont)*
Métodos probabilísticos - amostragem aleatória
Cada elemento da população tem a mesma probabilidade de ser
Aleatória simples
seleccionado

Casual Cálculo do rácio K=N/n; selecção aleatória do primeiro elemento


sistemática da população e sequencial dos restantes

Separação dos elementos da população em estratos e selecção


Estratificada
aleatória dos elementos dentro de cada estrato

A população encontra-se dividida em clusters que são


Clusters
seleccionados aleatoriamente, constituindo as unidades amostrais
Idêntico ao anterior mas em que as unidades amostrais são
Multi-etapas
seleccionadas aleatoriamente dentro de cada cluster

Numa 1ª fase recolhem-se dados sobre determinadas


características dos respondentes (comportamentos e frequência de
Multi-fásica consumos, variáveis demográficas, etc.) e da sua disponibilidade
para responder novamente a um inquérito. É então retirada desta
fase uma sub-amostra que será inquirida na 2ª fase.
* in: Reis, Melo, Andrade e Calapez: Estatística aplicada, vol. 2, Lisboa, Sílabo, 1999 33
Métodos de selecção da amostra (cont)*
Métodos não probabilísticos - amostragem dirigida
Amostragem por A amostra é seleccionada em função da disponibilidade e
conveniência acessibilidade dos elementos que constituem a população alvo

A escolha dos elementos a incluir na amostra baseia-se na opinião


Amostragem de uma ou mais pessoas que conhecem muito bem as
intencional características específicas da população em estudo, que se
pretende analisar

Numa 1ª fase os inquiridos são escolhidos aleatoriamente, sendo,


Amostragem
numa segunda fase, os inquiridos adicionais escolhidos com base
snowball na informação dos primeiros

Amostragem Semelhante ao método multi-fásico. A realização da fase seguinte


sequencial só é decidida depois de analisados os resultados da fase anterior.

Equivalente à amostragem aleatória estratificada. As proporções


dos vários sub-grupos reflectem a sua distribuição dentro da
Amostragem por
população. Cada entrevistador dispõe das características que os
quotas entrevistados deverão satisfazer, terminando as entrevistas quando
as quotas estiverem preenchidas.
* in: Reis, Melo, Andrade e Calapez: Estatística aplicada, vol. 2, Lisboa, Sílabo, 1999 34
Análise da Informação
Do ponto de vista metodológico, não há contradição,
assim como não há continuidade, entre investigação
quantitativa e qualitativa. Ambas são de natureza
diferente. Para alguns autores:

• A investigação quantitativa actua em níveis de


realidade e tem como objectivo trazer à luz dados,
indicadores e tendências observáveis.
• A investigação qualitativa, ao contrário, trabalha com
valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e
opiniões.

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Os métodos quantitativos:
• São fracos em termos de validade interna (nem
sempre sabemos se medem o que pretendem medir);
• São fortes em termos de validade externa: os
resultados são generalizáveis.

Os métodos qualitativos:
• São fortes em termos de validade interna
(evidenciam as particularidades e as especificidades
dos grupos sociais estudados);
• São fracos em termos da possibilidade de
generalizar os resultados.

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A pergunta fundamental sobre um método, não é se, e
quanto, ele é verdadeiro, mas se, e quanto, ele é útil
para compreender o terreno empírico*.
As metodologias, como explicitam Downey e Ireland,
não são nem apropriadas nem inapropriadas, até que
sejam aplicadas a um problema específico de
pesquisa**.
Ou seja, o nosso juízo sobre o valor do método deve
estar relacionado com a sua utilidade para analisar a
realidade estudada.

* cfr. Perrone L. (1977). Metodi Quantitativi della Ricerca Sociale. Feltrinelli, Milão.
** Delli Zotti G. (1996), “Quale quantitá e quanta qualitá nella ricerca sociale: tra integrazione e convergenza”, em
C. Cipolla e A De Lillo (orgs.), Il Sociologo e le Sirene: la Sfida dei Metodi Qualitativi. Angeli, Milão, pp. 136-166.
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No essencial, a investigação qualitativa é uma forma de estudo
da sociedade que se centra na forma como as pessoas
interpretam e dão sentido às suas experiências e ao mundo em
que vivem. Existem diferentes abordagens que se consideram
no âmbito deste tipo de investigação, mas a maioria tem o
mesmo objectivo:
compreender a realidade social das pessoas, grupos e
culturas.
“Os investigadores usam as abordagens qualitativas para
explorar o comportamento, as perspectivas e as experiências
das pessoas que eles estudam. A base da investigação
qualitativa reside na abordagem interpretativa da realidade
social”*.
Quanto às abordagens quantitativas, têm como objectivo a
apresentação e a manipulação numérica de observações com
vista à descrição e à explicação do fenómeno sobre o qual
recaem as observações.
* Holloway, I. (1999), Basic Concepts for Qualitative Research, Blackwell Science, Ltd, Oxford, UK. 39
Segundo Reichardt e Cook*:
Métodos qualitativos: fenomenologia e compreensão
• analisam o comportamento humano, do ponto de vista do actor,
utilizando a observação naturalista e não controlada;
• são subjectivos e estão perto dos dados (perspectiva de dentro,
insider), orientados para a descoberta;
• são exploratórios, descritivos e indutivos;
• são orientados para o processo e assumem uma realidade dinâmica;
• são holísticos e não generalizáveis.
Métodos quantitativos: positivismo lógico
• são orientados para a busca da magnitude e das causas dos
fenómenos sociais, sem interesse pela dimensão subjectiva e utilizam
procedimentos controlados;
• são objectivos e distantes dos dados (perspectiva externa, outsider),
orientados para a verificação, e são hipotético-dedutivos;
• assumem uma realidade estática;
• são orientados para os resultados, são replicáveis e generalizáveis.
40
* Reichardt, C.S., e T.D.Cook (1979), “Beyond qualitative versus quantitative methods”, em T.D. Cook e L.S..Reichardt (orgs.).
Qualitative and Quantitative Methods in Evaluation Research, Sage, Londres, pp. 7-30.
A técnica mais comum de obtenção de
dados nos métodos quantitativos é o
questionário, composto maioritariamente
por questões fechadas previamente
estabelecidas e codificadas, o que
simplifica bastante o processamento dos
dados, que são analisados estatisticamente.
Permite trabalhar com amostras de grande
dimensão, sendo possível generalizar os
resultados para o universo desde que
tenham sido observados os procedimentos
amostrais adequados.
41
Para obter dados nos métodos qualitativos usam-se as técnicas da
observação, entrevista em profundidade, entrevista em grupo, etc.
Essas técnicas permitem, entre outras coisas, o registo do
comportamento não verbal, e são aplicadas a pequenos grupos de
pessoas, escolhidos de acordo com os objectivos do estudo.
O elevado número de questões suscitadas no contacto do
investigador com a realidade estudada, não raro, tornam bastante
moroso e difícil o processo de codificação a que são submetidas
através dos procedimentos de análise de conteúdo.
Acresce que, sendo os dados obtidos a partir do registo detalhado
das observações e entrevistas, decorre a necessidade de uma
relação próxima entre o investigador e o objecto de estudo,
tornando-se difícil a utilização de recursos da estatística.
Ou seja, a análise assume, assim, um carácter compreensivo e
interpretativo, cuja consistência depende em muito da capacidade
do investigador para realizar um trabalho detalhado e profundo,
exigindo essa fase o investimento de muito tempo, capacidade de
argumentação e discernimento por parte do investigador
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Softwares de Análise de Dados,
que recomendo

Dados Quantitativos – IBM SPSS


Analisa dados provenientes de inquéritos por questionário, bases de dados
estatísticos e estatísticas publicadas

https://www.ibm.com/products/spss-statistics

Dados Qualitativos – MAXqda


Codificação e análise de entrevistas e fontes não estruturadas (textos, imagens, etc.)

https://gades-solutions.com/project/maxqda/
Bases de dados úteis para análise/interpretação
contextual

European Social Survey


Acesso: http://www.europeansocialsurvey.org/

EUROBARÓMETRO
Acesso: http://www.gesis.org/eurobarometer-data-service/home/
https://gades-solutions.com/projecto-de-investigacao-teoria-e-pratica/
É tudo

Muito obrigado pela vossa atenção

Rui Brites*

* Sociólogo e Prof. Universitário. rui.brites@outlook.com

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