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Os morávios e missões

Em 1722, um grupo de refugiados protestantes da Morávia encontrou refúgio na propriedade do


conde Zinzendorf na Saxônia, Alemanha. Zinzendorf era um homem de grande consagração,
totalmente dedicado a uma vida de serviço para o seu Salvador. Seu coração se comoveu com a
situação desses cristãos que haviam sido perseguidos em sua terra natal, e se dispôs a fazer o
seu melhor para ajudá-los.

Na propriedade do conde, os morávios formaram a comunidade de Herrnhut (que significa


“Guardado em segurança pelo Senhor”). A notícia logo se espalhou nas proximidades da zona
rural que crentes perseguidos poderiam encontrar asilo na propriedade do conde, e refugiados
de diversas origens protestantes vieram para fazer de Herrnhut seu novo lar. Previsivelmente,
um grupo tão variado vivendo em tanta proximidade logo entrou em choque devido a
divergências doutrinárias e de tradição eclesiástica, dentre outras. O conde interveio e elaborou
um pacto em que todos os que viviam em Herrnhut teriam de se comprometer com a unidade
cristã. Por livre vontade, eles assinaram um acordo para acabar com suas disputas sectárias e
viver em comunhão cristã.

Isso mudou imediatamente a atmosfera dentro da comunidade. Homens que tinham


recentemente brigado com outros passaram a se reunir em pequenos grupos de oração e louvor.
Pouco depois, em 13 de agosto, 1727, durante uma reunião de toda a comunidade, aconteceu
algo que todos reconheceram como “um inconfundível derramar do Espírito Santo sobre toda a
congregação, tão maravilhoso que era absolutamente indescritível” (The Spirit at Work – “O
Espírito em ação”, Oswald J. Smith). Alguém testemunhou: “Nós aprendemos a amar”. Outro
disse: “Desse momento em diante, Herrnhut passou a ser uma igreja viva de Jesus Cristo”. Desse
avivamento e de sua ênfase em unidade e amor fraternal, surgiu uma visão de missões com o
objetivo de alcançar o mundo inteiro.

Uma oportunidade

Em uma visita à corte do rei da Dinamarca, Zinzendorf encontrou um escravo da ilha de


St. Thomas, Antony Ulrich. Antony tinha sido batizado e discipulado nos princípios
básicos da fé cristã. “Se apenas alguns missionários viessem para nossa terra”, disse
ele, “certamente seriam calorosamente recebidos. Muitas e muitas vezes, à noite, eu
ficava assentado à beira-mar suspirando no fundo da minha alma em direção à Europa
cristã; também tenho um irmão e uma irmã em cativeiro que anseiam conhecer o Deus
vivo”. Isto acendeu uma chama para missões no coração de Zinzendorf. Ele retornou a
Herrnhut e, na primeira oportunidade, relatou aos irmãos a comovente história de
Antony.

A obra missionária em terras estrangeiras já tinha sido previamente discutida entre os


irmãos, e um pequeno grupo de homens solteiros havia feito um pacto entre si para
responder à primeira chamada clara que viesse ao seu conhecimento. Começaram a se
preparar, estudando medicina, geografia e línguas, logo após o término do serviço do
dia. Eles queriam estar prontos e estavam ansiosos pelo dia em que cruzassem os mares
para compartilhar o Evangelho.

Um jovem morávio, Leonard Dober, tornou-se particularmente preocupado com os


escravos nas Índias Ocidentais, após ouvir o relatório do conde Zinzendorf. Cheio de zelo
e expectativa, Dober escreveu ao conde e se ofereceu para servir em St. Thomas. O
conde leu a carta à congregação, mas, a princípio, os irmãos foram resistentes, sendo
gente simples que sabia pouco sobre o mundo além dos mares. Além disso, naquela
época nenhuma das grandes igrejas protestantes da Europa havia enviado missionários
ao exterior e, para a maioria, parecia imprudente e insensato assumir tal risco. Mesmo
assim, Dober permaneceu firme e escreveu novamente para a congregação.

Os irmãos, então, se reuniram e, depois de receberem uma palavra que acreditaram ter
vindo do Senhor, cederam e concordaram com a empreitada. Este foi um acontecimento
histórico na vida da igreja. Pela primeira vez na história da Europa protestante, uma
igreja tomou uma decisão deliberada para assumir a tarefa de enviar um missionário
para pregar o Evangelho nas regiões não alcançadas além dos mares.

Às três horas da manhã de 21 de agosto, 1732, Dober, juntamente com David


Nitschmann, que foi escolhido para ser seu companheiro de viagem, ficou esperando na
frente da casa de Zinzendorf. O conde tinha passado a noite inteira em oração. Ele os
levou em sua carruagem, até Bautzen. Eles desceram nos arredores da pequena cidade
e, ajoelhando-se na beira da estrada tranquila, oraram juntos e receberam a bênção do
Conde … e depois se despediram dele.

Enquanto caminharam a pé em direção a Copenhagen, não faziam a mínima ideia de que


estavam abrindo caminho para o grande movimento missionário moderno; na verdade,
pareciam mais vendedores ambulantes que pioneiros em uma nova missão. Usavam
casacos pretos e curiosos chapéus de três pontas. Carregavam trouxas em suas costas e
apenas trinta shillings em seus bolsos. Não tinham recebido instruções claras do conde,
com exceção da ordem de “fazer tudo no Espírito de Jesus Cristo”. Sabiam pouco sobre
a condição social na ilha de St. Thomas. Não tinham nenhum exemplo a seguir;
tampouco tinham agência missionária ou igreja para suprir suas necessidades; no
entanto, estavam partindo para uma parte do mundo onde, até então, nenhum pé de
missionário havia pisado.

Oposição e Vitória

Em Copenhagen, de onde os dois homens planejavam embarcar para as Índias


Ocidentais, eles enfrentaram muita oposição à sua missão. Na Europa daquela época,
havia faculdades missionárias que eram consideradas departamentos do Estado
habilitadas para enviar homens como oficiais do Estado para realizar evangelismo como
parte da política colonial do governo. Mas era inédito uma igreja enviar homens por sua
conta para pregar o Evangelho em terras estrangeiras. Como a Companhia das Índias
Ocidentais Dinamarquesa recusou-se a conceder-lhes passagem, eles tiveram que
esperar por outra embarcação que pudesse levá-los ao seu destino. Felizmente, a Corte
Real da Dinamarca veio em seu auxílio, dando-lhes presentes com desejos de sucesso na
missão. Um dos oficiais da Corte Real ainda encontrou um navio com destino para St.
Thomas no qual os dois homens, pelo custo de trabalhar durante a viagem como
carpinteiros, puderam embarcar.

Não foi uma viagem fácil para os dois missionários. Tornaram-se, muitas vezes, alvos de
chacota e desprezo da tripulação, que lhes diziam que não seriam capazes de suportar a
viagem, nem de sobreviver na ilha, onde os itens básicos eram caros e a maioria dos
europeus sucumbia a doenças. Passaram, de fato, por muitos perigos durante toda a
viagem, porque o navio passou por águas desconhecidas e suportou muitas
tempestades. Mas, em vez de desencorajar os dois homens, essas coisas fizeram com
que eles recorressem mais intensamente ao Senhor, que era sua constante ajuda e
consolo.

Após dez semanas no mar, o navio chegou ao porto de St. Thomas. Depois de acertar um
lugar para hospedagem, os dois irmãos procuraram e encontraram o irmão e a irmã de
Antony. Compartilharam com eles uma carta de Antony sobre sua nova vida em Cristo.
Os missionários proclamaram a eles e aos outros escravos do lugar que eles também
poderiam ter a bênção da salvação. Estes tornaram-se uns dos primeiros escravos em St.
Thomas a aceitar Jesus como Senhor e Salvador.

Nos anos a seguir, outros morávios atravessaram o mar para St. Thomas e cooperaram
com o trabalho lá. Durante cinquenta anos, os irmãos trabalharam nas Índias
Ocidentais, sem ajuda alguma de qualquer outra denominação religiosa. Nesse período,
13 mil pessoas foram batizadas, e igrejas foram estabelecidas em St. Thomas, St. Croix,
St. John, Jamaica, Antígua, Barbados e St. Kitts.

No entanto, a influência dos morávios se estendeu muito além dessa região. Como
observado por Oswald J. Smith: “Nas Antilhas, entre os índios norte-americanos, nas
frias e desoladas praias da Groenlândia, nas trevas distantes da desprivilegiada África,
bem como na América do Sul e em praticamente todos os países na Europa e na Ásia, os
morávios plantaram a cruz e ganharam milhares de pessoas para Jesus Cristo. E tudo
isso foi cerca de cinquenta anos antes do movimento missionário moderno ser lançado
por William Carey, que por sua vez recebeu sua inspiração a partir dos mesmos
morávios. “

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