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PLURALIDADES DO SENTIR

que "a violência da universalização que a sociedade ocidental


aborda, produz círculos viciosos de totalidade, terminando
EXISTÊNCIAS NA AGÊNCIA por garantir a morte do que tenta se apropriar[318]. Ou seja, a
morte da diferença.
AFROCENTRADA DA ARTE NEGRA
O que este trabalho aborda não tem a pretensão de
Eduardo Guedes Pacheco [313]
Janine Nina Fola Cunha[314] dizer de um todo, mas sim, de uma versão de entendimentos
inventados sobre a arte do povo preto. A decisão tomada diz
Este texto tem por intenção realizar convites. Estes, respeito a entender que a diversidade que compõe os diver-
por sua vez, buscam inventar um plano de composição [315] sos grupos sociais de pessoas pretas, agentes negro-africanos,
para tratar de arte. No entanto, cabe ressaltar que não é mesmo que possuam traços comuns, não pode ser entendida
desejo abordar qualquer arte, mas sim aquela que é expressão como única. E como bem nos diz a escritora Chimamanda
de um contingente signi!cativo da população do mundo: a Adichie, “a história única cria estereótipos, e estes por sua vez
arte do povo preto. Deste modo, denominamos povo preto sempre se apresentam incompletos e fazendo com que os su-
aqueles e aquelas que vieram de África e seus descendentes. jeitos das mesmas possam ser objeti!cados''[319]. Convidamos a
Principalmente aqueles e aquelas que expressam em sua vida estarmos em outro ponto, contrário, onde a!rmamos que é a
a presença ancestral negro-africana pelo fazer artístico. Port- multiplicidade de modos de ser e pensar o mundo que emp-
anto, se a!rma povo preto no sentido remetido à África, dis- resta riquezas para as possibilidades do viver do povo preto.
pondo de agência com recursos psicológicos e culturais que Neste caráter pluriversal é que trazemos a sensibili-
se mostrem necessários para a liberdade humana[316]. Agen- dade desta composição, que em forma de arte pode desenhar
ciadoras e agenciadores" que conseguem atuar em prol deste possibilidades e desa!os. Pois, somos fazedores de arte que,
fazer vital que é a arte e que se torna a expressão de vida e permanentemente colocamos em nossas composições o que
resistência à morte de saberes ancestrais e transcendentais e somos, outras possibilidades, para além daquilo que a imagem
que por sua vez, se transforma em ferramenta de luta contra os da pele preta, que a imagem dos traços negroides pode mos-
majoritarismos dos contextos sociais, políticos e econômicos trar e nos capturar.
sustentados pela sociedade contemporânea. Autor e autora deste trabalho propõem uma compos-
Para tanto, alguns aspectos necessitam de atenção, já ição. Para tanto, são convidados para compor esta emp-
que as perspectivas aqui adotadas preferem se afastar de reitada, pensadores que olham para arte, que olham para a
qualquer universalização. Considerando que universalizações negritude e que nos seus caminhos de invenção tem a luta por
são inimigas da produção de diferença e, por sua vez, in- modos de atuação afastados das violências expressas pelo ra-
imigas de um dos traços mais importantes do fazer artístico: cismo, homofobia, transfobia, machismo, e outras formas cor-
a criação. Tomar a diferença como possibilidade de invenção relatas de discriminação.
na arte é se colocar contra a “pretensão estruturalista de iden- Importante re"exão para a elaboração dos traçados do
ti!car as estruturas universais que seriam comuns a todas as plano de composição deste trabalho é tratar sobre os entendi-
culturas e à mente humana em geral”[317]." Sendo assim este mentos de arte que aqui são assumidos. Arte não é um re"exo
texto se coloca num movimento de luta, pois entendemos das sociedades, mas sim, uma das expressões de vida dos seres
humanos. É um modo de pensar, o qual escolhe sons, imagens,

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cores, gestos, texturas, etc… escolhas e entendimentos que entendido o indivíduo: pela família matriarcal, pelos estados
expressam formas de ser e estar no mundo. Faz-se isso reali- territoriais, pela emancipação das mulheres na vida domés-
zando, tica, pela xeno!lia (que é o acolhimento ao estrangeiro/es-
trangeira), pelo cosmopolitismo, pelo coletivismo social que
...um conjunto de ações orientadas e motiv-
leva à quietude[325].
adas, que tendem expressamente a conduzir
Como a!rma Cheik Anta Diop, mesmo a universalização
um ser do nada ou de um caos inicial até a
ser ‘tradicionalizada’ pelo ocidente nas instituições, é dever
existência completa, singular, concreta que se
considerar que, povos que viveram muito tempo em sua terra
atesta em presença indubitável.[320]
natal, se organizaram de forma duradoura. Aportando um tipo
Se arte é esta possibilidade de inventar formas, a de consciência humana que não se modi!ca com facilidade da
mesma pode ser entendida como uma das possibilidades que sua origem e nem pelas experiências coletivas. As experiên-
a humanidade escolheu para organizar a vida. Segundo Gilles cias ancestrais negro-africanas carregam lições e conhecimen-
Deleuze e Félix Guattari [321], são três os modos de pensar in- tos necessários para manter na consciência coletiva, um sen-
ventados pelos seres humanos: !loso!a, ciência e arte. Cada timento de uma continuidade histórica. Em outras palavras,
qual com seus planos de criação, que no caso do fazer artístico o que o intelectual nos diz, é que a agência negro-africana na
são as sensações, as quais não têm a menor intenção de infor- arte é um re"exo atemporal da experiência coletiva ances-
mar ou comunicar, mas sim, produzir afectos e perceptos.[322] tral e esta, por sua vez se organiza independente dos ditames
Portanto, artistas pensam acordes, pensam cores, pensam tex- violentos que capturam a possibilidade criativa quando dita
turas, pensam formas. Ao tratarmos desta possibilidade de valores e regras.
pensamento, um aspecto aponta para uma diferenciação que Se a arte é um dos modos que a humanidade escolheu
ajuda na elaboração de problematizações que envolve a arte para organizar o caos, ela carrega consigo todas as possibi-
preta. lidades que são inerentes aos seres humanos. Segundo John
Se na perspectiva eurocêntrica, o fazer artístico é to- Cage[326], as músicas do repertório considerado erudito da Eur-
mado a partir da ação provocada por um indivíduo - O com- opa foram produzidas em sociedades onde a verticalidade
positor, O romancista e O [323] escultor, por exemplo -, a arte e a exclusão são marcas de suas organizações sociais. Estas
preta aqui abordada é aquela que é expressa na coletividade. O músicas carregam nas suas formas e nas suas organizações son-
ser que faz levantar não é aquele fruto de uma composição as- oras, aspectos destas marcas sociais. A música tonal, pautada
sinada por um nome, mas por um grupo, por um coletivo que na importância da tônica e nos movimentos de tensão e
faz surgir um ser. O bloco de sensações é também um bloco de repouso, numa escala de sons que privilegia determinadas
pessoas, que numa alquimia de individualidades, desfaz a pre- sonoridades em relação a outras, é a música das sociedades
tensão da identidade enquanto principal unidade da vida em que escolheram fazer da diferença uma possibilidade a ser ex-
favor de um entendimento pautado na relação com o outro cluída das suas matrizes de organização social.
como intervenção na vida[324], escolhas estas que falam de ex- A arte musical europeia, assim como a sociedade euro-
istências. Segundo Cheik Anta Diop há, na existência africana, peia, se ergue a partir da concepção na qual as diferenças
um otimismo e este se dá por conta de como é socialmente devem ser desconsideradas. Isso faz com que a música que
expressa pensamentos de um povo que cultua a repetição do

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mesmo, onde este mesmo é um exercício narcísico no qual Ao escolher uma perspectiva que toma o fazer do povo
o espelho serve como cartilha de modelo para o resto do preto para tratar da arte, estamos escolhendo investigar al-
mundo, seja uma experiência do viver que valida a hierarquia ternativas aos modos de subjetivação que atravessam corpos.
e a dialetização, entregando a negação daquilo que não é como Problematizar como a arte, enquanto forma de pensamento,
ela, ou pele menos parecido, o lugar de não pertencimento. e nesse caso, pensamento do povo preto acontece a partir de
Estas palavras também servem para argumentar em suas concepções, entre elas, a horizontalidade, o enfrentam-
favor dos entendimentos sobre a arte como uma expressão ento ao conceito ocidental de identidade, a exclusão da difer-
humana, e por sua vez, provocados por Nietzsche, entende-la ença, entre outras importantes lutas as quais a negritude
com um modo de estar que está para além do bem e do mal, ou tem atuado. Para tanto, um outro aspecto importante a ser
seja, ela é como a humanidade o é. salientado, é apresentar uma diferenciação do que estamos
Sendo a arte uma expressão da humanidade, nossa propondo tratar como arte e o mundo mercadológico. Não
proposição é tratar de um fazer artístico que seja a experi- é intenção deste texto abrir um espaço para a discussão que
mentação e imersão em matrizes de concepção sobre os seres envolve os aspectos que tratam das regras que conduzem
humanos e seus modos de convívio. Assim, ao tratarmos sobre as escolhas sobre o que deve ser oferecido ao público con-
a arte, estamos, também, compartilhando um manifesto con- sumidor, já que o entendimento assumido por autora e autor
tra o autoritarismo eurocêntrico no qual somos, violentam- deste texto coloca o mercado da arte no contexto do mundo
ente, obrigados a viver. Ao fazer esta escolha, estamos opt- capitalista, que por sua vez, tem nos seus modos de atuação o
ando por uma matriz que não está calcada na ideia de um ser racismo como parte indispensável do suas formas de atuação
essencial, consciente e imagem de um ser supremo o qual tem e perpetuação dos formas de exploração. Por isso, o que es-
um povo escolhido para colher os frutos de um bem viver. colhemos é discutir sobre uma forma de expressão, de pensa-
Estas concepções, alimento indispensável para a elab- mento e não sobre um produto. Nesta perspectiva, outro cuid-
oração das subjetividades forjadas pela !xação na ideia de que ado deve ser tomado. Ao compartilhar nossos pensamentos,
o modelo deve ser copiado por aqueles que não são como o a intenção, é também compartilhar uma composição e não
modelo," que são fundamentos para a dualização entre ma- um relato. E para esta tentativa, a arte que escolhemos tomar
téria e a não matéria, os quais determinam que esta é preen- como território para as nossas problematizações é a música.
chida por uma essência a qual conduz a boa vida através do Diferentemente do fazer europeu, que assim como nos
exercício da razão," são traços que fazem nascer um culto à in- seus movimentos sociais, elegeu a verticalização e a hierar-
dividualidade, uma das principais marcas do contexto social quia para a constituição dos seus contextos sociais, onde a
da contemporaneidade, marca expressa em vários aspectos da sua música foi pautada pela incessante busca pela exclusão do
cotidiano, entre eles, a arte. ruído, a música africana não deixou de fora os ruídos e barul-
A proposta desta escrita é tencionar a discussão ap- hos que compõe o viver. Segundo José Miguel Wisnik,
resentando o paradigma afrocêntrico, de onde a diferença
...a música que evita o pulso e o colorido dos
de centro de perspectiva produz possibilidades a!rmadas na
timbres é música que evita o ruído, que quer
diferença, na complementariedade e na circularidade, num
!ltrar todo o ruído como se fosse possível pro-
processo acolhedor, trazendo para a arte o poder ilimitado de
jetar" uma ordem sonora completamente livre
criação.

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da ameaça da violência mortífera que está na dos... (WISNIK, 1989, p. 40)


origem do som… a liturgia medieval se es-
força por recalcar os demônios da música que É um testemunho de como as sociedades africanas,
foram, antes de mais nada, nos ritmos dan- assim como os grupos sociais afrocentrados, exercitam seus
çantes e nos timbres múltiplos, concebidos modos de vida. Correndo o risco de produzir uma dualização,
aqui como ruído...[327]!! que no entanto nos parece inevitável, a música africana ex-
pressa modos de vida que se fazem contraponto aos meios
A escolha por deixar de fora os ruídos e os barulhos, ou ocidentais, ou seja, esta música é vivência de uma concepção
seja, a diferença do fazer musical, nada mais é que o mesmo que não tem na negação do outro seu principal constructo
movimento que a Europa fez para excluir do status de human- de elaboração !losó!ca, social e política. Ao falarmos de arte
idade os que não eram eles mesmos. Essa música que exclui a preta é disso que estamos propondo problematizar, ou seja,
diferença é a mesma que se faz a partir da hierarquização de trazer a tona um modo de expressão, de pensamento que não é
sons os quais fazem do fazer musical um repetitivo exercício representação de uma vida, mas sim, é a própria vida colocada
de exclusão do que não é igual a concepção de ser branca. em jogo através de imagens, cores, formas e no caso em espe-
Por sua vez, a música negro-africana, a qual não tem por cial deste texto, dos sons[329].
intenção excluir o que é ruído, expressa um entendimento A perspectiva vinda da produção de arte afrobrasileira
sobre o viver. Diferente da música tonal, a música modal reali- tem eixos fundantes trazidos da África que organizam e pro-
zada pela a africanidade, movem a intensa, quanti!cada e quali!cada produção de
... participa de uma espécie de respiração do saberes e fazeres que se materializam na arte. Estes eixos
universo, ou então de um tempo coletivo, so- fundantes são chamados de valores civilizatórios da matriz
cial, que é um tempo virtual, uma espécie africana, a civilidade à qual é dada ao povo preto e à sua
de suspensão de tempo, retornando sobre si produção intelectual. Já a!rmamos que arte é um tipo de
mesmo.[328] (WISNIK, 1989, p. 40) produção intelectual que colabora para as compreensões do
mundo ao qual o artista vive, assim como também fornece
Se expressar modalmente apresenta um entendimento a construção de um pensamento histórico e social, dando a
sobre o fazer musical que não se pauta por hierarquias entre possibilidade de dimensionar as diversidades como poder de
os sons, assim como é feito na música tonal, onde a dominante implementar saberes, conhecimentos como valores de cunho
é entendida com a nota mais importante da escala musical, !losó!cos e portanto, civilizatórios.
ou mesmo da dialetização experimentada pelo jogo de tensão Dentre estes valores civilizatórios encontramos a
e repouso, marca inseparável das músicas ocidentais major- musicalidade que não pode ser entendida em separado da cir-
itárias. A música modal africana, aquela que tem a cularidade, da oralidade ou complementariedade - de saberes
africanos. São articuladas pela corporalidade e pela ludi-
... presença muito forte das percussões (tam-
cidade, pois sem elas o axé não se realiza. Assim como o
bores, guizos, gongos, pandeiros), que são os
fazer cooperativo, coletivo e memorial. Sendo assim o fazer
testemunhos mais próximos, entre todas as
artístico musical preto mobiliza diversas áreas físicas, men-
famílias de instrumentos, do mundo o ruí-
tais e subjetivas dos indivíduos, as quais só têm sentido

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quando experimentadas na perspectiva do coletivo. Aqui, o frentamento. No entanto, o que busca ser evocado nesta tenta-
individual não é um contraponto ao coletivo, pelo contrário, tiva é que esta forma de atuação aconteça por um viés que não
só através do coletivo, que a africanidade propõe, é que a indi- seja o das formas convencionais, as quais têm sido predom-
vidualidade pode ser desenhada. Sendo assim, se faz um mov- inantes nos movimentos sociais. Tomamos como referência
imento de composição e não de contraposição em relação ao Patrícia Hill Collins[330], que ao tratar do blues no início no
outro. século XX, chama a atenção para uma possibilidade de enfren-
tamento estético ao racismo. Ao falarmos de arte preta, ao
CONSIDERAÇÕES FINAIS tomarmos como possibilidade de pensamento, por sua vez, de
criação, este caminho se coloca como uma forma de enfrenta-
Existências na agência afrocentrada institui humani-
mento, de resistência, a qual acontece não somente pelas pa-
dade e o fazer criativo desprezado pela violência colonial.
lavras e ações, mas em especial, pelas produção de sensações,
Afrocentrar-se na arte preta é tornar o indivíduo negro-af-
aspecto por demais importante na processo de produção de
ricano sujeito de composições artísticas que circulam pelo
subjetividades. Sendo assim, fazer arte é um modo de burlar
mundo sem o seu real reconhecimento. Não estamos em busca
os processos de subjetivação criando alternativas para poder-
de reconhecimento espetacular do fazer africano e negro-
mos inventar, a partir do já experimentado pelos povos afri-
afrodiaspórico, estamos estipulando o quanto a arte foi ferra-
canos, outras possibilidades de ser e estar neste mundo. Sendo
menta de promoção de vida e humanidade a estes indivíduos
assim, o projeto humano afrocêntrico é preocupado com a
e coletivos e que de forma material enriqueceu continentes e
defesa dos valores e elementos culturais africanos. Centrar-se
imaterial garante valores imemoriáveis.
na importância da dimensão criativa africana não é romanti-
Assim, colocamos para a discussão que humanidade
zar a respeito do que se faz em África, como se tudo que viesse
queremos e que humanidade temos em força de lei, em força
de lá fosse completamente bom ou útil, mas que representa e
de sentimento coletivo, para assegurar a existência negro-af-
se inclui na criatividade humana. Se dá importância na con-
ricana. Pois, se mesmo dentro de um processo secular de as-
tribuição histórica e para isso, precisa que seja construída por
sassinatos, violações e sacrifícios de pessoas negras da África
diversos personagens, se torne coletiva.
para as Américas, não foi o bastante para se pensar um Tratado
A cosmopercepção [331] é a interação do humano com
de Direitos Humanos; assim como no Brasil, quando se mata
todas as coisas do universo em ação com elas, de forma circu-
um jovem negro a cada 23 minutos, não temos intervenções
lar, não se estabelecendo como contraponto à racionalidade
públicas e comoções o su!ciente para a mudança deste estado
ocidental, mas sim, em uma possibilidade regida por outros
de negação humanitária e genocídio.
parâmetros de existência e de interação no mundo [332]. Ela é
Promover a arte como direito de humanidade, seja ela
que baseia o fazer ‘cientí!co’ e ‘intelectual’ da África e se
de onde se originar, é pensar que este fazer não se materializa
apresenta aberta à pluriversalidade artística. Assim o fazer
no indivíduo, no mérito ou em capacidades especiais. A arte
artístico preto não se organiza pela racionalidade e sim pelas
é o fazer cosmoperceptivo, interagindo com todos os elem-
diversas possibilidades vindas da oralidade, axé, circulari-
entos existentes e necessários do cosmo para que haja comu-
dade e corporalidade, quando a socióloga Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí
nicação, verdade e sensibilidade.
nos ajuda dizendo que,
A intenção deste trabalho é criar um gesto de luta, de en-

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A razão pela qual o corpo tem tanta presença


no Ocidente é que o mundo é percebido prin-
cipalmente pela visão. A diferenciação dos DIREITOS CULTURAIS E SECURITIZAÇÃO:
corpos humanos em termos de sexo, cor da DIÁLOGOS ENTRE DIREITO, ARTES PLÁS-
pele e tamanho do crânio é um testemunho TICAS BRASILEIRAS E MIGRAÇÕES INTER-
dos poderes atribuídos ao “ver”. O olhar é NACIONAIS, ATRAVÉS DA OBRA DE TOMIE
um convite para diferenciar. Diferentes abor- OHTAKE, VIK MUNIZ E EDUARDO KOBRA
dagens para compreender a realidade, então,
sugerem diferenças epistemológicas entre as Eloisa Pissaia[334]
sociedades. [...] O termo “cosmovisão”, que é Tatyana Scheila Friedrich[335]
usado no Ocidente para resumir a lógica cul-
tural de uma sociedade, capta o privilégio oci- INTRODUÇÃO
dental do visual. É eurocêntrico usá-lo para
A mobilidade humana é um fato social ininterrupto e
descrever culturas que podem privilegiar out-
presente na história desde os primórdios da humanidade. No
ros sentidos.[333]
Brasil, os fenômenos migratórios internacionais podem ser
A!rmamos por !m, o direito à diferença, às origens, à
observados em suas diferentes formas, desde o período das
criatividade, à memória, ao ser integral e humano. Apostamos
grandes navegações e da coroa portuguesa até os dias atuais
no conhecimento da nossa ancestralidade preta para colocar-
com a presença de !uxos mistos e das mais variadas nacion-
mos serenidade ao nosso fazer que por muitas das vezes são
alidades.
impedidos por falta de oportunidades, provocadas pelo ra-
Se observado pela ótica jurídica e sociológica, as mi-
cismo. Compreender este complexo mecanismo faz com que
grações internacionais ao longo da história brasileira foram
composições como esta sejam feitas com honra e riqueza de
tratadas de modos distintos pelo arcabouço legal. Tal trata-
quem herdou um grande legado.
mento distinto é oriundo das diferentes conjunturas e do im-
aginário social da época em que as leis foram implementadas.
Considerando o período republicano a partir da década de 30,
o país conta com três marcos normativos importantes para se
compreender a admissão de imigrantes pelo estado nacional
brasileiro: A Campanha de Nacionalização [336] de Getúlio
Vargas, executada durante o período do Estado Novo; o Estat-
uto do Estrangeiro aprovado em 1980 no contexto das Dita-
duras do Cone Sul; e a Nova Lei de Migração sancionada em
2017 pelo Presidente Michel Temer.
Isso posto, este trabalho tem como objetivo geral pro-
por re!exões sobre o direito à liberdade de expressão cultural,

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