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Informações financeiras de março, um aperitivo da crise

A apresentação de prejuízos ou ressalvas no relatório do auditor são fatores,


dentre outros, que podem provocar atrasos na divulgação de balanços pelas
companhias abertas brasileiras conforme trabalhos acadêmicos publicados por
alguns autores. Independente dessa evidência científica, fica notório o
nervosismo e as especulações disseminadas no mercado de capitais quando
tais atrasos ocorrem. Por sua vez, situações inusitadas ou extraordinárias
também podem acarretar atrasos significativos na divulgação das
demonstrações financeiras. Eventos como o ocorrido na PETROBRAS e na
ELETROBRAS, por conta do evento da lava jato ou mesmo na tragédia de
Brumadinho com a VALE, podem ilustrar esse incômodo sentido nos mercados
de capitais coroado pela postergação da data de divulgação das
demonstrações financeiras. Recentemente, o IRB também postergou suas
informações financeiras reconhecendo de perdas em exercícios anteriores.

Um cenário diverso ocorreu pelos efeitos do regime de distanciamento social


decorrente da pandemia do covid-19, quando os reguladores de vários países
concederam prazos extras para a divulgação de certas informações financeiras
e outros eventos como a realização de assembleias.

Com o segundo semestre se iniciando e dentre tantas expectativas,


esperanças e ansiedades aguardamos as Informações Trimestrais (ITRs) de
junho de 2020 o que pode trazer notícias mais difíceis do que as conhecidas de
março de 2020. Sem querer ser o arauto de más notícias, mas, como dizia
Millôr “é melhor ser pessimista do que otimista. É porque o pessimista fica feliz
quando acerta e quando erra”.
Um breve olhar para as informações trimestrais de março de 2020, pode indicar
uma pequena amostra da tendência dos números que serão revelados para a
data base de junho do corrente.

Das 59 (cinquenta e nove)* empresas não financeiras integrantes do


IBOVESPA, 18 (dezoito) apresentaram no trimestre findo em 31 de março de
2020 redução de receita quando comparado com o mesmo período de
2019. Portanto, essas empresas experimentaram uma redução de suas
atividades, isso considerando que a paralização imposta pelo distanciamento
social compreendeu apenas alguns poucos dias no período findo em 31 de
março de 2020. Note que o primeiro trimestre de 2019, base para
comparação, não foi um período dos melhores dos últimos anos, pois, resultou
em retração do PIB de 0,2% em relação a 2018.

Adicionalmente, daquelas 59 (cinquenta e nove) empresas, 20 (vinte)


apresentaram prejuízos no primeiro trimestre de 2020, quase o triplo do
divulgado em 2019 quando 7 (sete) companhias não financeiras apresentaram
prejuízos. Tanto as citadas reduções das receitas quanto a piora nos
resultados, são fortes indicadores do que esperar para os números de
junho. Um fator atenuante é o câmbio que afetou de maneira muito relevante
os resultados de certas empresas no primeiro trimestre quando a moeda
nacional experimentou uma severa desvalorização de 29% em relação ao dólar
norte americano. Já no segundo trimestre a desvalorização da moeda nacional
foi um pouco mais branda, atingindo 5%.

Normalmente, a data de 15 de maio é o prazo requerido para a divulgação do


primeiro ITR das companhias abertas, no entanto, neste ano de 2020 em
função das dificuldades impostas pelo distanciamento social, a CVM
estabeleceu a data limite de 29 de junho para o correspondente arquivamento
no regulador. Ainda assim, 35 (trinta e cinco) empresas não financeiras
integrantes do IBOVESPA arquivaram seus ITRs de março até a data de 15 de
maio e outras 23 (vinte e três) não financeiras utilizaram o prazo adicional
estabelecido pelo regulador de até 29 de junho. Uma única companhia
integrante do IBOVESPA não arquivou o seu ITR de março até a presente
data.

Essa dilação de prazo oferecido pelo regulador foi sem dúvida de muito bom
senso e também sendo observado em diversas outras jurisdições. Isso porque
a paralização de certas atividades econômicas desde meados de março e a
presente recessão global, acarretou a necessidade de uma série de avaliações
financeiras e contábeis, por parte das companhias bem como discussões com
os auditores independentes e órgãos de governança.

Esse difícil ambiente de incertezas econômicas ainda existente aumentou de


forma significativa a complexidade de avaliações de riscos, mensuração de
valor justo e de valor recuperável bem como o requerimento de divulgações
nas informações contábeis. Além dessas depuradas análises pode-se supor
que resultados abaixo das expectativas prévias a pandemia e principalmente,
em decorrência de reduções de receita carregam um ingrediente adicional de
dificuldades de comunicação ao mercado exigindo uma cautela maior por parte
das empresas.

Neste primeiro trimestre de 2020, 38 (trinta e oito) empresas não financeiras de


um total de 59 (cinquenta e nove), arquivaram seus ITRs em prazo superior ao
observado no mesmo período de 2019. Dessas 38 (trinta e oito) empresas que
utilizaram um prazo maior para o primeiro ITR, 17 (dezessete) apresentaram
prejuízos e 21 (vinte e um) apuraram lucro no primeiro trimestre de 2020. No
entanto, dessas 21 (vinte e uma) empresas lucrativas de 2020, apenas 5
(cinco) apuraram lucro superior ao informado em igual período de
2019. Assim, podemos supor que a vida não tem sido fácil para esse grupo
de empresas.

Evidentemente outras questões podem contribuir para a necessidade de um


prazo adicional para a elaboração de informações intermediárias como por
exemplo, o rodízio de auditores independentes. E neste primeiro trimestre de
2020, 8 (oito) companhias não financeiras integrantes do IBOVESPA trocaram
de auditor em relação ao exercício de 2019. E não se pode esquecer a radical
introdução do sistema de home office de trabalho, que incluiu os preparadores
e revisores de demonstrações financeiras.

Por outro lado, do grupo de 20 (vinte) empresas não financeiras que


divulgaram os seus ITRs de março de 2020 em prazo igual ou inferior ao
observado no mesmo período de 2019, apenas 3 (três) apresentaram prejuízos
em 2020, mesma marca de 2019. Portanto, uma parcela bem inferior ao grupo
das 38 empresas que utilizaram um prazo maior para divulgação em 2020. É
fato que das 17 (vinte) empresas que apresentaram lucro, 10 (dez) apuraram
em 2020 resultado inferior a 2019. De qualquer forma, a vida desse grupo de
20 (vinte) empresas não foi tão difícil quanto ao primeiro grupo das 38 (trinta e
oito) citadas anteriormente.

Assim, mesmo sem evidências científicas, podemos imaginar que os resultados


apurados no trimestre de março de 2020 abaixo das expectativas, foi um fator
primordial para a utilização de um prazo superior ao despendido no mesmo
período de 2019 para a divulgação de suas informações contábeis. Nesse
caso, nem sempre notícia ruim vem a cavalo.

(*) Relação das empresas integrantes do índice IBOVESPA em 31 de março de


2020. Dessa relação, uma companhia do setor de turismo não divulgou até a
presente data as suas informações financeiras do período de março de
2020. Como empresas não financeiras foram consideradas aquelas nas quais,
a CVM é o único órgão regulador.

José Luiz de Souza Gurgel

6 de junho de 2020

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