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Faculdades de Belas Artes da Universidade de Lisboa

Restauro de “Caixa de Alumínio (Óculos)” e “Caixa de Alumínio


(Lagostins)” de Lourdes de Castro

História e Teoria do Restauro

Afonso Matos nº 14784,

1º semestre, 2022/2023
Resumo

As duas obras da artista portuguesa Lourdes Castro descritas neste trabalho, Caixa
de Alumínio (Lagostins) e Caixa de Alumínio (Óculos), de 1962, foram estudadas e
intervencionadas. Consistem numa série de objectos do quotidiano em vários
materiais (plásticos, ligas metálicas, vidro, madeira, cerâmica e cartão)
amontoados numa ordem não sequencial, colados no interior de uma caixa de
madeira e revestidos por uma tinta de alumínio para altas temperaturas.
Análises por espectrometria XRF, micro-espectroscopia FTIR e Raman, SEM-EDS e
ICP-AES foram feitas para se avaliar o estado dos diferentes materiais envolvidos
na criação destas peças e se fazer um diagnóstico aprofundado.
Devido à amontoação constringente e ao zelo pela preservação da forma da peça
original houve limitações no acesso aos objectos que condicionaram a análise e,
posteriormente, a intervenção de restauro. A artista foi entrevistada, fornecendo
importante informação acerca dos materiais e técnicas utilizadas tanto ao fazer as
obras como em pequenas intervenções de restauro de sua própria autoria, bem
como opiniões sobre possíveis cenários de intervenção.
As obras apresentavam vários problemas de conservação, destacando-se o
escurecimento e perda de adesão do adesivo original (à base de policloropreno), a
decomposição de uns óculos em nitrato de celulose e a corrosão e “metal sweating”
de vários elementos em ligas de ferro e em cobre.

Concluiu-se que os problemas detectados resultavam não só da utilização de


alguns materiais com um prazo de vida pouco duradouro mas, principalmente, de
misturar originalmente materiais incompatíveis, como o cobre com o nitrato de
celulose e as ligas de ferro com o adesivo de policloropreno.
Na intervenção optou-se por substituir os óculos em nitrato de celulose por uma
réplica, realizada com o auxílio das técnicas de digitalização e impressão 3D; o
tratamento dos elementos em liga de ferro foi realizado com diferentes misturas
de ácido fosfórico, ácido tânico, ácido oxálico e EDTA com pH1, sendo
adicionalmente protegidos com uma tinta rica em zinco.
O controlo da evolução dos processos de degradação passará em grande parte pelo
controlo das condições de ventilação e humidade do local onde as obras estiverem
inseridas e pela monitorização do estado de preservação das obras após o
tratamento. Devido à natureza das peças, é proposto um sistema de avaliações
periódicas para as mesmas, para se poder antever e premeditar qualquer nova
intervenção de restauro.
Indíce

1.Introdução

1.1 Lourdes Castro

1.2 As caixas de Alumínio

1.3 Problemas de conservação esperados

1.3.1 Polímeros

1.3.2 Metal

2. Desenvolvimento – Documentação, Análise

2.1 Caracterização Geral

2.2 A tinta

2.3 Adesivos

2.4 Objetos de plástico

2.5 Metais

2.6 Análise geral

3 Conservação e intervenção

3.1 Considerações

3.2 Intervenção

4 Conclusão

Bibliografia
1- Introdução

1.1- Lourdes Castro

Nascida no Funchal em 1930, figura principal da arte contemporânea portuguesa.


Estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa de 1950 a 1956. Pouco
adaptada ao academismo da altura, seguiu nos passos de muitos dos seus
contemporâneos e procurou sair do país, mesmo perante as dificuldades impostas
pelo mercado de artes português da altura. Depois de um curto período em
Munique, parte para Paris com René Bertholo, tornando-se bolseira da Fundação
Calouste Gulbenkian. Em Paris, o casal, em conjunto com outros artistas, cria o
grupo KWY, com revista (1958-1964) e afirma-se como um meio de grande
experimentação e funciona também como meio de contacto entre a comunidade
estabelecida pelo grupo e a comunidade artística europeia no seu todo. Durante
este período, Lourdes Castro abandona meios tradicionais e começa a
experimentar com o que se viriam a tornar os sujeitos desta intervenção:
assemblagens de objetos do quotidiano, juntos sem lógica aparente e revestidos
por uma tinta cinzenta metalizada. Marcam-se os temas principais que iria seguir
até aos dias de hoje: a exploração do contorno e forma, e as dualidades do
interior/exterior e presença/ausência.

1.2- As caixas de Alumínio

Lourdes Castro cita duas grandes influências para a origem da ideia destes
trabalhos. Primeiro, ao querer explorar outros meios para além da pintura
abstrata, conta do trabalho de Louise Nevelson, que viu em exposto em Paris em
1960. Outra influência referida é um do tio madeirense da artista, Luís Gonzaga,
cuja casa (com uma miríade de objetos colecionados pelo mesmo) tinha hospedado
a artista durante parte do verão. A artista descreve a anteriormente referida casa
como “uma das minhas caixas mas em versão casa”. Foi também aqui que Lourdes
fez as suas primeiras colagens.

Nestes trabalhos, Lourdes Castro pegava numa “paleta” de objetos (comuns,


oferecidos por amigos ou resgatados de feiras) e ia colando-os a caixas. Preferiu
sempre objetos banais aos que possam ser de mais interesse ou pelo menos
criados com mais requinte e detalhe; assim descontextualizados e cobertos de tinta
uniforme estes objetos simples ganham novos significados, sentidos e qualidades.
Ao tirá-los do seu meio ambiente ganham um valor que só pode ser atribuído pela
imaginação. A utilização de objetos deste caráter revela também uma característica
dos trabalhos de Lourdes: a valorização dos pormenores quotidianos que
normalmente nos escapam.

1.3- Problemas de conservação esperados

Esta intervenção pode ser considerada um caso estudo para intervenções de arte
contemporânea; implica a utilização de materiais menos duradouros, mistura de
materiais incompatíveis, e uma existência artística contemporânea o suficiente
para levantar problemas éticos sobre a integridade da obra pré e pós restauro.
Uma observação simples permite notar os materiais que mais problemas terão: os
plásticos e objetos em ligas de ferro.

1.3.1- Polímeros
O plástico é uma invenção humana que existe desde o séc. XIX. Usam-se como
substituto para muitos outros materiais orgânicos, e a sua produção ultrapassou o
aço no séc. XX, dando se assim a era dos plásticos. No contexto da obra, os objetos
de plástico não foram escolhidos pelo seu material, mas sim pelo facto de serem
uma parte inegável do quotidiano7, tornando-se impossível não estarem presentes
na obra. Em obras artísticas costuma-se escolher o plástico precisamente pela
miríade de qualidades que pode ter, tanto em forma como cor e textura,
oferecendo uma plasticidade que materiais tradicionais podem não ter. Museus
normalmente têm apreensões quanto a plástico, devido à sua deterioração 5 a 35
anos após fabrico. Compreender as propriedades do plástico e os impactos a longo
prazo numa obra são partes fundamentais da conservação e restauro. Com o tempo
e exposição a outros químicos, podemos ver fissuras, descoloração,
endurecimento, etc. no plástico. A principal causa da degradação de polímeros é
foto oxidação, ou seja a exposição ao oxigénio e luz que provoca perda de
integridade estrutural em polímeros. Outros iões metálicos podem também
contribuir para a aceleração deste processo. Os mais frágeis dos plásticos são
considerados PVC, nitrato de celulose, acetato de celulose e poliuretano. Borracha
dura vulcanizada junta se a este grupo que tem a definição de plásticos malignos,
ou seja um plástico cuja degradação causa reações químicas mais perigosas do que
o seu estado original.
O nitrato de celulose foi inventado em 1846,tendo como principal uso militar
devido à sua natureza altamente inflamável. Mais tarde tornou-se o primeiro
celuloide, com uso principal em rolos de filmar/fotografia. Através de foto
degradação ou decomposição térmica, o nitrato de celulose forma NO2,
desencadeando a formação de HNO2 e HNO3. Estes químicos, em conjunto com os
acima mencionados, trazem uma degradação do celuloide mais acelerada, devido a
uma deterioração automática e cíclica das interações entre os químicos. É de notar
que esta degradação só acontece na presença de oxigénio e/ou água, e que se deve
ter em conta defeitos de fabrico, como a presença de iões de sulfato pode aumentar
a degradação. No entanto, polímeros cobertos com zinco (proveniente da tinta)
observaram menos degradação. a um nível macroscópico, isto leva a
endurecimento, amarelação e fissuras, fazendo o objeto extremamente frágil.
1.3.2- Metal
A corrosão do metal é oxidação indesejada, acontecendo com a transferência de
eletrões, ocorrendo assim oxidação-redução. Há vários tipos de corrosão, mas na
obra destacam-se apenas corrosão uniforme e corrosão galvânica. A primeira
define-se, como o nome indica, por uma corrosão uniforme e contínua por todo o
metal exposto a químicos corrosivos. Na segunda forma-se uma pilha galvânica
com o contacto de eletroquímicos presentes em 2 metais dissimilares em contacto.
Normalmente aplica se o termo de corrosão galvânica entre 2 metais diferentes,
mas também pode ocorrer microscopicamente no mesmo metal devido a
impurezas presentes no mesmo. A oxidação normalmente caracteriza-se por uma
forma uniforme, de carácter intergranular; a sua corrosão é lixiviada para a
superfície; a corrosão é dificilmente delineada.
Em ambientes interiores, como é o caso das obras, ao ferro gera uma camada fina,
escura, estável e protetora de óxidos. Com humidade presente, a camada é hidrata,
já não oferecendo proteção ao metal, existem condições para corrosão, forma-se a
camada alaranjada composta por oxihidróxidos e óxidos de ferro, conhecida por
ferrugem. Causas que possam acelerar a corrosão são impurezas no metal, tais
como CO2 SOx, NOx, CI, SO4-2, NO e NO3. Quando contaminado com cloretos, o
ferro desenvolve um tipo especial de corrosão chamado “iron sweating”, que
designa bolhas de tamanho pequeno de cor castanho, laranja ou amarelo. Quando a
humidade relativa de uma sala é elevada ao ponto dos sais de cloreto absorverem
água dissolvem-se criando o “iron sweating”.

2. Desenvolvimento – Documentação, Análise

Consiste este capítulo primariamente os dados adquiridos através da observação


cuidadosa das obras, entrevistas realizadas à autora, e resultados de análises
obtidas do material.

Esta secção divide-se em 4 partes: tinta, adesivos, plásticos e metais. Assim, faz-se
uma caracterização de cada grupo e retiram-se imediatamente as considerações
sobre o seu estado de conservação. Todavia, haverá uma caracterização geral dos
objetos no início e uma avaliação global do objeto como um todo, interligando os
vários obstáculos encontrados nos diferentes materiais.
Foram feitas várias entrevistas a Lourdes Castro, todas gravadas ou anotadas tanto
em áudio como vídeo e escrita. Foram apenas retiradas e ou refraseadas as partes
pertinentes à restauração destas peças (como na Introdução).
Foram utilizadas as seguintes técnicas para a análise dos materiais: espectrometria
XRF, espectrometropia FTIR, espectrometropia Raman, microscopia SEM-EDS,
espectrometropia ICP-AES e microscopia ótica. Foi usada XRF na peça toda,
cobrindo todas as partes acessíveis. Nas não acessíveis, retirou se uma micro-
amostra ou usou-se um fragmento já separado. Procurou se retirar amostras dos
adesivos, da tinta e produtos corrosivos. Foram retiradas múltiplas amostras de
tintas para testar diferentes interações entre tintas de diferentes eras devido a
repintes.
2.1 Caracterização Geral
As Caixas de Alumínio tratam-se de duas caixas de transporte de manteiga, de
dimensões 34 x 23,3 x 16,5 cm. No interior foram colocados vários objetos como
latas material elétrico, pregos, garrafas, utensílios de cozinha, assim como a(s)
peça(s) que dão nome à obra (Óculos/ Lagostins). Ambas as caixas estão datadas
no canto inferior direito com os textos "LOURDES CASTRO 62" e "LOURDES
CASTRO 62 mars paris" respetivamente. Lourdes Castro ia escolhendo os objetos
um a um e colando com cola Formica, e aplicava uma tinta de alumínio com um
pulverizador, havendo a inexistência na altura da tinta a spray.
As radiografias feitas permitiram reencontrar 2 objetos pensados perdidos no
interior das caixas, assim como fazer um levantamento da corrosão (devido a não
se notar grandes diferenças na densidade do ferro, concluiu-se que a corrosão era
apenas superficial). Este processo também permitiu a identificação da maioria dos
materiais dentro das obras.
A caracterização de todos os materiais tornou-se impossível sem a desmontagem
da peça. Através de métodos tateis, visuais, de extrapolação visual e radiografia
digital, categorizaram-se as seguintes matérias: metal, madeira, plástico, cartão,
vidro, cerâmica.

2.2 A tinta
A tinta é uma tinta francesa Eclador, usada para revestimento de tubos de
aquecimento. Dada a sua funcionalidade protetora, Lourdes Castro decidiu utilizar
a tinta como tinta base, mas gostou tanto do resultado que decidiu usá-la como
tinta final também. Lourdes Castro menciona também várias "intervenções de
manutenção" em que repintava as caixas com outras tintas para esconder defeitos
de deterioração e reforço de proteção. Não se recorda se repintou estas obras em
específico. Após uma amostra da tinta original e a várias amostragens de diversos
sítios nas obras para confirmar o uso de diversas tintas, foram comparados os
resultados.
A tinta Eclador revela uma predominância de alumínio e uma quase inexistência de
zinco.
Foi também feita uma análise do ligante desta tinta. Resultados imediatos sugerem
uma resina de hidratocarbonetos. Análise detalhada continua em processo.
As amostragens das tintas das caixas são ligeiramente diferentes da tinta original,
assim como entre si. Em Caixa de Alumínio (Óculos) foram encontrados Zn, Fe, Al,
Cu e Ca de forma constante e Cl, S e K pontualmente. Zn é o sinal predominante em
todas as amostras. Caixa de Óculos (Lagostins) as amostras diferem ligeiramente,
Cu não aparece de forma constante, Ba foi detectado e Zn e Fe alternam entre
predominância. Zn não figura como predominante na tinta Eclador. No entanto, só
se detetou Zn numa amostra de lâmpada em [Óculos]. Os elementos partilhados
pelas amostras gerais foram Al, C e O.

Em conclusão, as diferenças de Zn são demasiado aparentes para não existir uma


segunda tinta. Cortes estratigráficos normalmente ajudariam a notar estas
camadas, mas neste caso tal não se sucede, notando-se apenas duas camadas numa
de dez amostras. Hipotetiza-se que seja devido à pulverização da tinta e das suas
semelhanças visuais.
A presença de Cl é preocupante visto que é um contaminante perigoso para os
materiais. Teoriza-se que tenha origem no adesivo à base cloroprenos. A presença
de Zn e Al são ambas benéficas, visto que ambas funcionam como camadas de
proteção contra corrosão.

2.3 Adesivos
Por observação visual e FTIR, foram realizadas as identificações de 4 adesivos:
Cloropreno (castanho, elástico) ;Resina epóxida (amarelo claro, muito duro);
Resina epóxida com carga (branco, muito duro, exclusivamente em [Lagostins]);
Cianoacrilato (castanho alaranjado, quebradiço)
Após avaliação do adesivo em particular em sítios de difícil acesso, foi confirmada
como de acordo com a artista, o uso generalizado da cola Formica. Não foram
encontradas grandes alterações na cola para além do seu envelhecimento natural,
assim como foi descoberto um adesivo diferente, confirmado como Araldite pela
artista, que figura também nas "manutenções de intervenção". Algum deste
material está quebradiço, perdeu o seu poder adesivo e escureceu.

2.4 Objetos de plástico


Vários objetos em ambas as peças foram identificados e definidos, com plásticos do
Polietileno à Borracha. De todos, os que se apresentavam em pior estado eram os
óculos de nitrato de celulose; tinham perdido a totalidade da superfície cinzenta
original, encontravam-se extremamente frágeis, o exterior tinha uma superfície
gelatinosa, e estavam a acelerar a decomposição dos materiais diretamente abaixo.
Estes óculos encontram-se no estado autocatalítico descrito acima. O processo não
pode ser impedido e foi verificada a sua degradação em tempo real durante a sua
estadia nas instalações do NDCR. Para além da foto oxidação outro fator que
contribuiu para a sua degradação foi a sua sobreposição numa tampa de cobre, que
quimicamente acelerava a decomposição do nitrato de celulose oxidando o
polímero, tendo o último também causado corrosão acelerada à tampa. Outros
polímeros, como o Polietileno, apresentam quase nena degradação, fazendo-o um
exemplo primo de plástico com condições museológicas. Todos os outros plásticos
não notavam grandes diferenças, sendo a avaliação total impedida pela cobertura
da maioria dos polímeros na camada de tinta. À parte os óculos de nitrato de
celulose e umas bolhas devido a uma interação entre borracha e adesivo, os
polímeros não apresentam problemas visíveis.

2.5 Metais
Foram encontrados diversos tipos de metais (Aço zincado, Latão, Latão de Ferro,
Folha de Flandres, Vidro de Chumbo, Cuproníquel, Liga de Arsénio, Chumbo, etc.)
através de XRF. Há de considerar que foram apenas analisados os objetos visíveis e
a cobertura destes pela tinta.
O metal predominante é o Ferro, com diversas aplicações. É mais predominante em
[Lagostins] do que em [Óculos] pois no último também existem diversos
componentes de latão. Existem também uma enorme diversidade de ligas
metálicas, características pela mistura de objetos e uso de diversos metais num só
objeto. Estas misturas costumam ter como perigo corrosão galvânica, embora esta
não fosse observada, devido em grande parte à tinta que cobre as peças. A única
grande corrosão foi o previamente observado "iron sweating". A outra grande
vítima é a tampa de cobre mencionada na secção dos polímeros, que se encontra
notavelmente verde de corrosão profunda causada pelos químicos NO2 e HNO3
oriundos da degradação do nitrato de celulose dos óculos. À parte outra tampa de
aço zincado também em [Óculos], que demonstrava pontos brancos na superfície
da tinta, os outros metais aparentam não ter dano visível de corrosão, novamente
devido à tinta. No entanto, Lourdes Castro admite que devido à já velha qualidade
dos objetos, alguns já estavam ferrugentos quando pulverizados na altura do
fabrico da obra.
2.6 Análise geral
A obra tem um problema constante: a utilização de diversos materiais, o que cria
uma constante rede de problemas de conservação que se afetam uns aos outos.
Não só a utilização de materiais pouco estáveis como a mistura de materiais
incompatíveis cria misturas perigosas químicas para estas obras. Destas notam-se
mais: a desintegração dos óculos e a tampa, a interação entre policloropreno e ligas
metálicas. A nível macroscópico, notava-se o estado lastimável dos óculos, a
corrosão de algumas superfícies, e o escurecimento de adesivos, diferenças em
destacamento e uso excessivo de adesivos posteriores.

3 - Conservação e intervenção
3.1 - Considerações
Devido à hesitação e grande relutância da artista ao desmontar as caixas, e após
grande discussão, devido aos materiais utilizados, à degradação criada, à futura
preservação da obra, a contemporaneadade da mesma, deicidu-se fazer uma
intervenção com o objetivo de preservar a ideia de homogeneidade apresentada
pela artista. Devia ser conservada uma certa velhice, dada a origem já antiga das
peças, mas não uma que ostensivamente demonstrava degredo. A discussão com a
artista foi crucial neste processo de decisão, e algo que devia ser tomado em
consideração quando se pensa a longo prazo na conservação de uma obra
contemporânea.
3.2 Intervenção
Este capítulo contém apenas uma lista de objetivos tomada na intervenção:
- Substituição dos óculos de nitrato de celulose (foi usada uma réplica 3D em
Araldite 2020, posteriormente pintada)
-Eliminar produtos de corrosão e proteger metais
-Eliminar potenciais contaminates, regular humidade e oxigénio
-Re-aderir elementos soltos (com adesivos não perturbadores)
-Re-pintar zonas de lacuna (ricos em zinco e semelhantes ao original)
4- Conclusão

Este trabalho ilustra todos os exemplos das dificuldades com a conservação da arte
contemporânea. A inacessibilidade das peças, as diferenças de material, as
interações entre esse material, as reações entre esse material, a questão ética do
restauro de uma obra tão “jovem”. Ter contacto com a artista dá-nos mais ou
menos liberdade de interpretação, e se a vontade do artista fosse diferente da
vontade do público geral, ou até dos restauradores? Uma intervenção é uma
interpretação, e uma reinterpretação também. Talvez pudesse existir um
significado e valor artístico em deixar a peça decompor, e expô-la em
decomposição. Embora o resultado final desta intervenção seja bastante
pragmático, deixa-nos com imensas ponderações sobre como podemos interpretar
o que define uma obra. Penso que o resultado final é bastante satisfatório,
consistindo nas obras serem apresentadas como penso que era suposto serem
apresentadas: quotidianas e exacerbadas, chamativas e ao mesmo tempo
submissas à onda de cinzento prateado que as cobre.
Bibliografia-

Babo S.S., “Estudo, conservação e restauro de Caixa de Alumínio (Lagostins) e Caixa


de Alumínio (Óculos) de Lourdes Castro” (2009), in Faculdade de Ciências e
tecnologias da Universidade Nova de Lisboa (Dissertação de Mestrado).

Sub-referências contidas no documento acima referido-

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009e4b96e3cb%7D/m1/T1.aspx (acedido pela última vez em
15/09/2009)
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Desenvolvimento – Approach, metodologia, descobrimentos, ações tomadas, considerações e
dificuldades

Conclusão – Resultado final, considerações futuras, opinião pessoal

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