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Paulo Affonso Leme Machado
Professor na Universidade Metodista de Piracicaba. Doutor em Direito pela PUC-SP. Advogado.
Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual Paulista – UNESP (Brasil), pela Vermont Law
School (Estados Unidos) e pela Universidade de Buenos Aires (Argentina). Mestre em Direito
Ambiental pela Universidade Robert Schuman/Strasbourg (França). Prêmio de Direito Ambiental
Elizabeth Haub (Alemanha/Bélgica). Promotor de Justiça/SP (aposentado). Chevalier de La
Légion d´Honneur.
Introdução
Iremos tratar da paisagem nos seguintes itens: (1) paisagem e a legislação
constitucional e infraconstitucional; (2) a amplitude da conceituação de paisa-
gem; (3) acesso à paisagem e (4) aspectos penais e processuais da paisagem.
Int. Públ. – IP, Belo Horizonte, ano 19, n. 106, p. 15-32, nov./dez. 2017
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Art. 1º [...]
§2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tom-
bamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e
proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela
indústria humana.
A norma abrange a paisagem notável, quer seja natural, quer seja fruto
da ação humana. Interessa assinalar que a legislação do patrimônio vinha sendo
elaborada através de projeto de lei no Congresso Nacional, mas ocorreu o golpe
de 10.11.1937, o que levou à transformação do projeto em decreto-lei.1
A norma acima mencionada pretende disciplinar “sítios e paisagens que
importe conservar e proteger”. Conservar é manter, é fazer perdurar no tempo
e no espaço. Proteger é fazer uma gestão que evite danos aos sítios e paisagens.
As duas noções têm muito em comum, mas podem ser focalizadas separada-
mente.
1
MACHADO, Paulo A. L. Direito ambiental brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 1153.
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Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de res-
ponsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: [...]
III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; [...].
Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...]
XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patri-
mônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; [...].
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que esse patrimônio tenha valor social, histórico e científico, merecerá ser con-
servado e protegido.
É relevante que o Estatuto da Cidade tenha utilizado a expressão “patri-
mônio” com referência à cultura, à história, à arte, à paisagem e à arqueologia.
Patrimônio é um conjunto de valores que abarca o passado e o presente com
vistas ao futuro. Reitera-se que a conservação de um patrimônio tem uma liga-
ção íntima com sustentabilidade ou com durabilidade dos bens. O conceito de
propriedade está mais próximo da utilização imediata do bem, enquanto que o
conceito de patrimônio paisagístico não se liga tanto ao gozo material do bem,
mas à fruição intelectiva, sentimental e educativa presente e futura.
Ao tratar do Estudo de Impacto de Vizinhança, determina a Lei nº 10.257,
em seu art. 37:
Art. 37. O Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV será executado de forma a contemplar
os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida
da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das
seguintes questões: [...]
VII - paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
2
ASCHER, François. Les nouveaux principes de l´urbanisme. Paris: Éditions de l´Aube, 2011 apud LOPEZ, Elise.
La convention européenne du paysage et le droit français du paysage. Dissertação – Université Lumière de
Lyon 2, 2016.
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3
O trabalho sobre a Convenção foi iniciado em 1994 pelo Congresso dos Poderes Locais e Regionais do
Conselho da Europa. O projeto foi elaborado por um grupo de trabalho, coordenado por Ricardo Priore,
funcionário do Conselho da Europa e composto dos seguintes especialistas: Régis Ambroise, Michael Dower,
Bengt Johansson, Yves Luginbuhl, Michel Prieur e Florencio Zoido-Naranjo. A Convenção foi assinada na
cidade de Florença, Itália, em 20.10.2000.
4
PROJET de loi autorisant l’approbation de la convention européenne du paysage. Sénat. Disponível em:
<https://www.senat.fr/rap/l04-361/l04-361_mono.html>. Acesso em: 21 maio 2017. Minha tradução.
5
ROUSSO, Anny . Le droit du paysage: un nouveau droit pour une nouvelle politique. Courrier de
l’environnement de l’INRA, n. 26, 2. Minha tradução.
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2.1.2 Bélgica
A Bélgica, na região flamenga, adotou em suas disposições gerais concer-
nentes à política ambiental (decreto de 5.4.1995), em seu art. 1.2.1:
Em benefício das gerações atuais e futuras, a política ambiental tem por finalidade: [...] 3. a
conservação da natureza e a promoção da diversidade biológica e paisagística para a manu-
tenção, o restabelecimento e o desenvolvimento dos “habitats” naturais, de ecossistemas e de
paisagens com valor ecológico e a preservação das espécies selvagens, especialmente daque-
las que são ameaçadas, vulneráveis, raras ou endêmicas.
2.1.3 Espanha
Três concepções tiveram acolhimento na Espanha. Na primeira,
a paisagem foi entendida, por muito tempo, como o aspecto visual do território. Mais
adiante, a paisagem passou a ter valor como um patrimônio cultural, no qual as populações e
suas atividades contribuíram para modelar e manter muitas das paisagens atuais, incluindo-
-se seu estilo de vida. A última fase, mais recente, considera a paisagem como uma parte dos
habitats em um contexto ecológico ou como uma rede territorial na qual as relações entre
os aspectos socioeconômicos e ecológicos são valorizados no contexto do planejamento ter-
ritorial.7
6
PRIEUR, Michel. Politiques du paysage: contribution au bien-être des citoyens européens et au développement
durable: approches sociale, économique, culturelle et écologique. In: DEUXIEME CONFERENCE DES ÉTATS
CONTRACTANTS ET SIGNATAIRES DE LA CONVENTION EUROPEENNE DU PAYSAGE. Rapport... Strasbourg:
Conseil de l’ Europe, Palais de l’ Europe, 2002. Minha tradução.
7
LAGO CANDEIRA, Alejandro. Paisaje, protección. In: ALONSO GARCIA, Enrique; LOZANO CUTANDA, Blanca
(Org.). Diccionario de derecho ambiental. Madrid: Iustel, 2006. p. 909-910. Minha tradução.
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2.1.4 Itália
“O valor estético da beleza natural não pode limitar-se à mera intuição
individual, mas deve corresponder a uma avaliação tradicional, em conseqüência
da qual a beleza constatada tenha um mais intenso conteúdo expressivo e edu-
cativo”. “Deve tratar-se do gosto estético da coletividade, segundo um critério
de avaliação que tende a afirmar-se como objetivo”, como entendem Tommaso
Alibrandi e Piergiorgio Ferri.8
O Decreto Legislativo nº 42, de 22.1.2004, considera como bens paisa-
gísticos aqueles compreendidos no art. 136, nos quais leva-se em conta a beleza
natural.
2.1.5 França
“Deve-se considerar que, atualmente, há um direito à paisagem através
do direito a meio ambiente sadio, na medida onde o meio ambiente inclui os
sítios e as paisagens (L 110-1 Código Ambiental e art. 1º da Carta Constitucional
do Meio Ambiente)”.9 “Um regulamento de urbanismo pode decidir que, numa
certa zona, a autorização para construir possa ser recusada, se a construção des-
truir a estética da paisagem”.10
Há ausência de definição legal da paisagem no direito brasileiro, por apresentar uma for-
mação muito ampla, a paisagem não possibilita um conceito bem definido, porque ele varia
8
ALIBRANDI, Tommaso; FERRI, Piergiorgio. I beni culturali e ambientali. Milano: Giuffrè, 1978. p. 197. Minha
tradução.
9
PRIEUR, Michel et al. Droit de l’environnement. 7. ed. Paris: Dalloz, 2016. §615. p. 491.
10
PRIEUR, Michel et al. Droit de l’environnement. 7. ed. Paris: Dalloz, 2016. §1248. p. 1047.
11
Lei nº 7.343/1985 apud MOREL ECHEVARRIA, Juan C. El derecho al disfrute del paisage: alcance, limites
y técnicas para su protección en el ordenamento argentino. Tese – Universidad de Alicante, 2015. Minha
tradução.
12
MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Le droit de l’environnement. 11. ed. Paris: PUF, 2015. p. 58. Minha tradução.
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segundo o momento, o local, os fatos que ocorreram, as emoções e lembranças que pode
transmitir, e, ainda, envolve a cultura, o desenvolvimento econômico e a linguagem.13
13
CUSTÓDIO, Maraluce. Introdução ao direito de paisagem: contribuição ao seu reconhecimento como ciência
no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 119.
14
GARCIA, Luiz H. A.; MACIEL, Rosilene C. Paisagem, identidade, museus e patrimônio cultural. In: OLIVEIRA,
Márcio L.; CUSTÓDIO, Maraluce M.; LIMA, Carolina C. (Org.). Direito e paisagem: a afirmação de um direito
fundamental individual e difuso. Belo Horizonte: D’Placido, 2017. p. 156.
15
O Poder Público federal, estadual ou municipal poderá “declarar qualquer árvore imune de corte, por motivo
de sua localização, raridade, beleza ou condição de porta-sementes” (art. 70, II, da Lei nº 12.651/2012).
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3 Acesso à paisagem
16
MARTÍNEZ NIETO. La protección del paisage en el derecho espanol. Revista de Derecho Ambiental, n. 10,
p. 9-45, 1994.
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Não há uma propriedade que possa não atender à sua função social, tendo
finalidade exclusivamente privada. Esse é o mandamento básico constitucional
no Brasil, que merece ser aprofundado, quanto ao meio ambiente, no sentido
de que o cumprimento da função social da propriedade exige “aproveitamento
racional e adequado” e “utilização dos recursos naturais disponíveis e preserva-
ção do meio ambiente” (art. 186, I e II da Constituição Federal).
Essa também é a orientação do Código Civil de 2002, no qual está assen-
tado que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
três finalidades: econômicas, sociais e ambientais, e, no caso em espécie, para
que sejam preservadas as belezas naturais (art. 1.228, §1º).
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MACHADO, Paulo A. L. Direito ambiental brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 82.
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18
ROMI, Raphaël. Droit de l’environnement. 9. ed. Issy-les-Moulineaux: LGDJ, 2016. p. 634.
19
MACHADO, Paulo A. L. Direito ambiental brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 1190.
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20
MACHADO, Paulo A. L. Direito ambiental brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 1191.
21
BAGOLIN, Luiz A. O direito à cultura e as minorias. Aliás, política cultural. O Estado de São Paulo, 19 fev.
2017. C7.
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É lamentável que não tenha sido prevista a forma culposa para o crime
do art. 63. A imprudência, a imperícia ou a negligência podem manifestar-se no
extrapolar os limites da autorização concedida.
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FREITAS, Vladmir P.; FREITAS, Gilberto P. Crimes contra a natureza. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012. p. 288.
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Conclusão
Cabe aos geógrafos, ecólogos, biólogos e outros operadores das ciências
da natureza identificarem e delimitarem as paisagens a serem tuteladas juri-
dicamente, propondo ao Poder Público o tombamento delas. Além disso, os
especialistas têm uma tarefa indelegável – a de auxiliar na gestão adequada des-
ses espaços de interesse geral.
A paisagem, como direito individual e como direito difuso, faz parte do
direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia quali-
dade de vida através de sua conservação e de sua fruição intelectiva, sentimental,
estética e educativa para as gerações presentes e futuras.
23
MACHADO, Paulo A. L. Ação civil pública (ambiente, consumidor, patrimônio cultural) e tombamento. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 16.
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Referências
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