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Entrevista realizada por Niclhollas Munhoz

Níchollas: Primeira pergunta, agente queria saber o que você lembra da sua vida
escolar, e tentando fazer um link também com a sua família, nesse mesmo âmbito.

Lurdes: Tá. Bom, é uma pergunta pra mim mesmo hein. [risadas] Bom, eu acho assim.
Eu sempre amei a escola, sempre tive uma paixão, eu morava quase na frente da escola.
E isso entrelaça muito com a questão da família, interessante você perguntar da família
né.

Eu fui morar muito novinha devia ter uns dois aninhos e tanto. Com os meus
avós. Com meus pais e meus avós e minha irmã recém nascida. Então nós morávamos
numa casa onde eu tinha cinco tios, os dois avós e meu pai e minha mãe, então a escola,
e cresci ali. Né, legal, tinha um pasto atrás de casa, morei em Palhoça sempre. Hoje
agente vai lá e não reconhece, em absoluto, é outra coisa, né. Mas nós tínhamos o pasto
atrás de casa, passava tropas de boi na rua, então eu vivi muito esse período, inclusive
carrocinha que vendia pão, e leite.

Não tô beirando os oitenta não! [risadas] Mas era bem assim essa coisa. Então eu
acho assim ó, eu sempre fui uma criança muito observadora, eu sei porque eu tenho uma
memória muito ampla desse período da infância, e a escola pra mim era o meu espaço,
em casa tinha muito tios, muita gente, tudo italiano misturado com alemão, aquela
coisa, então era o meu espaço. Então inclusive antes de ir para a escola, eu fui na idade,
antes. Eu tinha que entrar com sete na época, e eu pedi pra ir antes, porque queria ir pra
escola, então eu estudei um ano inteiro sem estar matriculada, porque as pessoas me
conheciam, e depois eu repeti o primeiro ano de novo porque aí eu entrei com a idade
regular. Então na escola eu sempre tive uma paixão muito intensa pelo ambiente
escolar. Então, declamava, recitava, aquelas festinhas, aquelas coisas, e eu acho que o
estudo pra mim foi meu refúgio. Então eu sempre fui uma aluna muito dedicada, desde
pequena, sempre gostei muito. E eu brincava, e quando brincava eu era a professora,
aquela coisa toda né. Então fui uma coisa assim bem típica né, então muito porque a
escola era na frente da minha casa, e o triste pra nós era quando começava as férias. As
férias eram a nossa tristeza, do grupo de alunos. Agente chorava quando começa as
férias. [risadas] Eu vejo depois, com os meus filhos, como é muito diferente. É o
contrário. [risadas] Mas agente chorava, porque realmente era o nosso espaço. As
brincadeiras, o encontro, o correr, era a vida social, muito forte.

Níchollas: Enquanto espaço físico, a escola atendia as suas necessidades como aluna
ou...?

Lurdes: Sim. Não, a nossa escola, eu estudava na escola Venceslau Bueno, era o nome
da nossa escola. Era uma escola antiga, a minha mãe já tinha estudado, então era uma
escola bem antiga. Ela era grande, as salas sempre bem arejadas, pé direito bem alto.
Aquelas escolas bem grandes né. Tinham pátios grandes, árvores, eucaliptos, pista de
atletismo. Eu sempre fui atleta. Na minha infância, depois no meu colégio, sempre fui
atleta. Então tínhamos assim muito espaço, e tínhamos também uma pequena biblioteca,
ainda na época né. Então em termos de espaço físico, a escola era realmente muito boa.
Ainda existe, ainda funciona. Agora diminuiu um pouco o espaço físico porque
aumentaram o espaço acadêmico.

Níchollas: E a escola, da tua escola quanto a sua família, essas duas pessoas, seus pais e
seus professores, queriam a família presente na sua educação?

Lurdes: Olha, eu acho que era uma coisa diferente de hoje, por exemplo. Depois como
professor né. Que agente quer os pais presentes às vezes no sentido né, de ver eles,
discutir o que tá sendo ensinado, que os pais tragam os alunos, que participem. Na
minha época, acho que havia uma concepção diferente também, é obvio. Por que as
coisas vão se modificando, a própria visão de educação vai se modificando, tudo vai se
transformando.

Agora, nós, era óbvio, se nós não estudássemos, não participássemos, não
fizesse as atividades. Os pais seriam chamados sim. Não é? Mas assim, dos pais estarem
na escola, não era muito comum, dos pais irem pra escola. Eles nos cobravam
disciplina, os pais né, nos cobravam as tarefas, tinha que fazer. E era muito diferente
porque as relações nossas, com os pais nossos, era muito diferente do que é hoje. Dos
filhos hoje com os pais. Se antes havia muito mais essa questão da autoridade,
patriarcal, e no caso avós e tinha pais, e tinha tias que eram professores também. Então
tinha muito essa autoridade também. E agente reconhecia essa autoridade, e respeitava
sim. E tinha professores fantásticos, como uma segurança profissional, excelentes
professores. Desde a primeira série primária. Eram pessoas assim muito sérias, muito
competentes no trabalho que faziam, agora, eram bem professores. Com a autoridade
demarcada, fica muito clara a autoridade do professor. Então, a escola, mas aí também é
a minha experiência porque eu era uma boa aluna, então não demandava também a
presença dos meus pais na escola. Eu não sei como isso poderia se dar com os outros
alunos, que poderiam não gostar, não ter a mesma relação que eu tinha. Aí eu não sei
como é, como a escola se portava com esses outros pais. O que eu coloco é a minha,
né...

Níchollas: E os livros didáticos, eram utilizados na época?

Lurdes: Sim, sim, era. E no primeiro ano agente tinha a cartilha Caminhos Suaves. E
tinha aquelas lições que tradicionalmente se via. Da leitura... Mas usava-se a cartilha. E
nos líamos também paradidáticos, na primeira séria primaria. Eu me lembro muito bem
porque uma professora que foi substituta, me deu um livrinho, de presente na minha
primeira série do primário. Se chamava Meu Ursinho [risadas]. Engraçado, as memórias
da gente é fantástico né. Mas então, agente lia também os livros paradidáticos. Mas
usávamos os didáticos, todas as séries.

Níchollas: Sobre o ensino de História, você lembra o q?


Lurdes: No ensino de história, efetivamente de História, eu começo a me lembrar mais
na primeira séria do ginásio, mais assim, na primeira série do ginásio que nós tínhamos
um livro específico de História. Eu acho que era do Armando Solto Maior, se não me
engano. E a minha professora de História na primeira série do ginásio, corresponderia
hoje à quinta série, ela era uma senhora também tradicional, era um estudo realmente
muito tradicional. Eu só tive contato no ginásio com os professores de história numa
perspectiva bem tradicional. Então nós tínhamos era a leitura do livro, questionário,
tinha que pesquisar no livro, respondia, depois corrigia as respostas. Era assim, o ensino
de História era assim. E eu por exemplo, eu sempre gostei de história, sempre fui uma
boa aluna e coisa e tal. Mas minha paixão realmente começou no que hoje pode se dizer
que é a oitava série. A quarta série do ginásio.

Num trabalho, aí já tínhamos uma professora mais nova, que era aluna aqui da
UFSC, do curso de História. E eram uns trabalhos muito interessantes e nós tínhamos
uma turma muito boa. E era uma curiosidade com a matéria sobre o Egito. E ela nos
trouxe pra cá, pra biblioteca pública aqui da universidade, pra pesquisar. Meu deus!
Aquilo foi um deslumbre. Eu me apaixonei, eu localizo ali, o meu momento de... E não
é só porque a relação que tenho com a História até hoje. Não é só uma disciplina. É uma
história de vida. É assim, eu vejo muito isso. E ali, quem é? Quem é o agente o agente?
É o homem, então aquilo me entrou como uma paixão assim, discutir sobre o Egito, e
toda aquela História que eu não imaginava existir. Então aquilo foi muito forte, muito
bonito. Mas assim, até então, até essa quarta série do primário, professora Joanete até
hoje eu encontro. Mas até então, nas séries anteriores o ensino de História sempre com
os livros didáticos. Sempre numa perspectiva mais tradicional e sempre assim. Com
perguntas com respostas, correção de perguntas e respostas. Eu não consigo me lembrar
nas séries anteriores se agente teve uma discussão mais crítica. Isso vai vir depois no
científico, aí sim, aí é outra coisa né. Mas até ali eu não me lembro, e depois eu era
muito mais envolvida com a educação física. Com o mundo do atletismo. Eu fazia tudo,
e todo mundo pensava que eu fosse seguir por aí, educação física, alguma coisa. Até eu
mesma.

Até que na quarta série primária, foi muito interessante, e aí eu me lembro bem
né, que além desta professora de História nós tínhamos um professor de Inglês. Que era
uma paixão. Foi uma série muito boa. Aí agente começou a estudar das cinco as nove,
que era um período intermediário. Então, e esse professor de Inglês muito vivo, muito
dinâmico, ele discutia, trazia alguns textos muito legais, e era inglês né, era aquela
coisa. E agente tinha um grupo muito bom de colegas, e aí minha paixão foi tão grande
pela língua que eu comecei a fazer Inglês no IBEU naquela época, eu tinha quatorze
anos. Até estudei com bolsa, fiz quatro anos. E fiz letras primeiro. Antes de Historia eu
fiz letras inglês na UFSC. E dei aula de Inglês durante dez anos no estado. Então eu
sempre gostei dessa coisa das humanas das humanidades. A literatura eu tenho uma
paixão muito grande pela literatura, eu me envolvia muito, realmente, no curso de letras.
Mas tudo isso na quarta série né, antes de chegar lá tem o ensino médio. Mas então a
História, tudo isso no ensino de História em relação ao livro didático... Eu tenho que
voltar na pergunta de vocês, eu tenho esse costume... Vocês tem que me puxar. Mas
assim, agente sempre usou, nessa parte primária. Não sei se eu entro no ensino médio...

Níchollas: É, pode falar do ensino médio.

Lurdes: No ensino médio eu fiz outra coisa né. Por exemplo, agente tava... Foi em
setenta e um. Então foi exatamente o período da reforma, da LEI 5692, aplicação da LEI
5692, acho que nós pegamos o segundo ou o terceiro ano, que era o segundo grau
profissionalizante. Então eu fiz e depois eu vim para o Instituto Estadual de Educação, e
fiz tradutor e intérprete, e daí segue nessa perspectiva, mas envolvida com as línguas,
né. Aí fiz tradutor intérprete e tive... No tradutor intérprete nós tínhamos Francês e
Inglês, e o Português. Em Português nós tínhamos morfologia, fonética, lingüística, foi
um ensino, no caso hoje de ensino médio, muito bom, tanto que o meu francês que eu
fiz proficiência, mestrado, doutorado, foi com o francês que eu aprendi no ensino
médio, com livros que eram usados aqui (UFSC). A professora era da universidade, e
usava os livros da universidade, então foi a leitura que eu consigo ler o francês, claro,
daquele jeito. Mas com isso que eu tive, então foi um ensino médio, pensando na
perspectiva das línguas, e do estudo do português, da gramática, das redações, da
escrita, foi muito bom. Agora, um problema, como eu optei por tradutor interprete, no
segundo, terceiro ano eu não tive Química, não tive física, não tive nada de exatas.
Então isso foi um problema, mas era uma realidade do ensino da época. Então nos
tínhamos tradutor intérprete, tinha turismo, e tinha um curso chamado cientifico, que era
anoite, o clássico. E aí era a preparação pra o vestibular. Praticamente. E os outros eram
técnicos. Mas pra gente era meio complicado, agente era muito jovem para vir de lá
aquela coisa, e também nós não tínhamos idéia do que era tradutor interprete. Os alunos
entraram nesse reforma do ensino em trinta e um mas também sem saber. Tanto que o
meu curso só teve a minha turma. Agora nós tínhamos aulas de laboratório. O instituto
teve um laboratório grande, com gravador, técnico, e todas as músicas de Piaff, etc, eu
interpretei ali no francês, estudando francês. Então foi muito legal, foi muito bom.
Então esse ensino médio foi também, inicio da década de setenta, época da ditadura
militar. Foi quando agente começou a despertar para essa realidade. Então tinha o
grêmio do Instituto, que era um grêmio muito forte. E nós íamos até. No grêmio. Mas a
nossa turminha não sabia exatamente o que que era. Era geralmente os alunos mais
velhos e coisa e tal. Mas agente percebia que tinha algo estranho. Essa estranheza
também se deu, e até um fato engraçado, porque no tradutor interprete, éramos noventa
e oito por cento mulheres. Havia dois meninos na nossa turma. Foi a época dos Secos e
Molhados. Foi quando agente descobriu Secos e Molhados que um dos meninos trouxe.
Que era o Ajara, o rapaz mais envolvido com artes, coisa e tal. Nossa, foi um deslumbre
na cultura musical, foi muito legal. Mas assim, a nossa turma era muito unida e agente
já revoltada com as praticas autoritárias dentro da escola. E decidimos que ninguém ia
para a reunião de formatura, isso já no terceiro ano. E nessa ida, nos fomos todo mundo
pra Balneário Camboriú. Na casa de uma amiga, era a nossa festa de formatura.E
ninguém foi pra colação de grau. Ou quem foi, não ia de beca, não ia de nada, ia a
vontade. E ai então, a escola através do inspetor de disciplina, quem era a liderança
dentro da sala. Que tinha levado os alunos a não participarem da colação, da formatura e
tal. Do ensaio da formatura, que tinha decidido que todo mundo fosse pra Camboriú. Só
que nós ainda, não tínhamos esse conhecimento do processo da ditadura mesmo não.
Das prisões, dos pensamentos considerados subversivos. Ninguém sabia, isso agente só
foi abrindo os olhos na universidade. Agora, foram experiências muito ricas em termo
de ensino, e o Instituto era uma escola fantástica, era considerado mesmo o modelo de
escola de ensino do segundo grau. Tanto primeiro como segundo grau.

Níchollas: A vaga foi fácil para conseguir?

Lurdes: Nós fizemos. Como na nossa época estava abrindo os cursos de segundo grau
profissionalizante, nós entramos direto, nós não tivemos seleção para o
profissionalizante. E o ensino, o primeiro foi seletivo. E era competitivo, não se
compara com hoje, pois hoje tem um número muito maior de pessoas. Mas era bastante
competitivo também. E uma coisa legal da minha turma era que agente exigiu ter
História de Santa Catarina. Então nós tínhamos no sábado de manhã, e nós íamos todos
pra aula, e era com uma professora de Geografia aqui da UFSC. Era uma ótima
professora, tinha um conhecimento muito grande, aquele conhecimento também mais
tradicional, factual. Mas era um universo que agente desconhecia. Então pra mim, a
escola sempre foi uma paixão. Eu sempre vivi muito a vida da escola e a relação com os
colegas , com os professores, sempre foi muito bom.

Níchollas: Então mudando um pouquinho o eixo, eu queria perguntar sobre a sua


experiência universitária.

Lurdes: A sim. Aí também foi muito legal [risadas]. Nossa! Coisa muito boa. No curso
de letras eu entrei novinha, entrei com dezoito, claro né, então quando eu fui
descobrindo, quando conheci, por exemplo, que eu entrei aqui em letras em setenta e
cinco, na universidade. Então veja, em setenta e cinco, sessenta e oito pra setenta e
cinco não é coisa, são só sete anos, então. Assim eu me lembro do pessoal do DCE...

Vocês conhecem a professor Doroti Martins?

Níchollas e Rafael (num coro): Não.

Lurdes: Não sei se ela se aposentou, ela era professora de educação. Ela era militante na
época, era aluna da pedagogia. E o CA mais comprometido era o do centro da educação.
Então foi uma época dos murais, que saia com notícias do movimento. Pasquim.
Algumas coisas das prisões e das torturas, e agente não entendia o que.

Mas foi exatamente nessa época que comecei a participar do movimento de


igreja. Na época setenta e cinco, setenta e seis eu comecei a namorar com um menino
que seria meu futuro marido. E ele era muito militante do MDB, na época, que era o
partido de oposição, e também dentro da igreja que era o espaço ainda permitido para
organização. Que era onde tinham as pastorais operárias, a pastoral da terra, a pastoral
universitária. E aí dentro da igreja era o ligar onde tinha o espaço que poderia ter uma
articulação, e é de onde vão surgir diversos grupos de esquerda. Então ali se deu ao
mesmo tempo a minha inclusão dentro da universidade e dentro do movimento de
jovens. E nós tínhamos um padre que era coordenador dentro do nosso movimento, e
que era ema pessoal muito especial. De um conhecimento político, de um movimento
político, já tinha sido afastado de paróquias por ter sido considerado subversivo. E o
trabalho que nós... Era um trabalho de organização de jovens. Em cima de objetivos
específicos. Então era uma coisa muito virada pro mundo político do momento. Tanto
que aí o pessoal começou a ser perseguido. Outros padres considerados de direita aqui
em Florianópolis, dentre de outro movimento mais ligado a burguesia florianopolitana,
e tal, que ia se queixar com o bispo, “como é que pode permitir isso?”. Mas a primeira
passeata em setenta e cinco fomos nós que fizemos. Na rua, aqui em Florianópolis.
Então foi um rolo, foi escândalo, “a igreja! Como a igreja?”... Então foi um momento de
muita vida política com o país. E ao mesmo tempo, enquanto eu entrava na
universidade, eu fui vendo isso... E o meu ex-marido, o Chico, hoje é ex, mas foi o meu
marido. Também estudava filosofia aqui. E aí agente acabou se conhecendo no grupo de
jovens, aí fui cursando letras, fui fazendo, muito envolvida com o estudo, gostava
mesmo, gosto até hoje de literatura, mas sempre muito envolvida com a História e muito
envolvida com a política, a política sempre foi uma paixão pra mim. Mas sempre nessa
perspectiva. O que que tem por traz. Eu sempre dizia: “Oque que tem por traz!”
[risadas]

Então menino que foi o meu marido, era uma pessoa muito inteligente, uma
memória muito boa, me deu uma grande aula. Eu agradeço muito esse envolvimento. E
que dentro da universidade veio no curso de letras... E que para mim era assim... Muita
coisa né, muita informação... Era o curso, eram as informações que vinham da ditadura,
era associar isso com o trabalho que agente fazia dentro da própria igreja. Foi um
processo muito rico de muito amadurecimento. Então, aí depois é que eu fiz História.

Níchollas: Mas você chegou a se formar em letras?

Lurdes: Sim. Terminei letras em setenta e sete. Oitenta, foi quando eu voltei pra
História. Esse meio tempo entre setenta e sete e oitenta, foi um envolvimento total com
a militância. Aí agente ia pra São Paulo, tinha a organização de jovens por meio
popular, eram os comerciantes, eram os operários, era não sei o que... As oposições
sindicais surgiram, estavam sendo gestadas neste período inclusive, e agente ia muito
pra São Paulo, que era o centro. Teve até encontro clandestino em São Mateus, dentro
de um espaço todo. Era aquela coisa, muito... Então era uma militância muito grande
nesse sentido, da discussão, dos documentos que vinham... Depois em setenta e nove eu
fui pro Rio, fazer um curso, fiquei lá um semestre. O curso se chamava Realidade
Brasileira, mas era patrocinado pelos jesuítas, num espaço chamado IBRADES, onde só
se formavam agentes de pastoral. Era onde estava... Eu tinha aula com o Frei Betto,
Juizado Cerqueira, que era o sociólogo. Tinha aula com Leonardo Boff. Tinha aula com
esse povo todo, tava dentro desse grupo. Então, foi assim uma descoberta de louco né,
nessa época em setenta e nove. Então aí, já fugia dos cavalos no Rio né, nós fomos, eu e
um amigo, e lá moramos com um padre de Belém e um seminarista de São Paulo, era
todo mundo muito ligado a igreja [risadas]. Mas era um espaço forte mesmo. E aí em
oitenta,continuamos todo o movimento, aí já com a CPT também (Comissão Pastoral da
Terra), pastoral operária, pelo estado... E em oitenta eu fiz o vestibular novamente. E
quando eu fiz vestibular na época eu coordenava um jornalzinho que nós tínhamos, da
pastoral da juventude. E eu fiz pra jornalismo, e botei História como segunda opção. E
passei em história. Aí o pessoal pegou no pé, “é também vou passar em História, vou
botar como segunda opção!”.

E aí foi minha paixão. Primeira semana de História que agente organizou,


oitenta e um, agente tava em Recife, fomos de ônibus pra João Pessoa. Ficamos cinco
dias pra ir, depois cinco dias pra voltar. Então foi o Valmir Martins, que era professor
da História, agora não é mais. Já é aposentado. Foi quando teve as grandes brigas dentro
do curso, em função da mudança do currículo, e aí quebro o pau todo, com o pessoal
antigo que tava. Aí foi... A primeira semana de História, eu tenho a camiseta até hoje,
que agente fez num museu de antropologia. Foi o padre Ror, né, na época. O Franklin
Cascaes, foi todo esse povo, foi assim, um curso, olha só. Durante o curso eu casei e
tive dois filhos. E além do que eu fui candidata duas vezes [risadas]. Pelo PT na época,
porque tinha quer ser candidato pra poder formar o partido.

Em setenta e nova, quando agente tava no Rio, tava surgindo o PT. Foi quando
eu vi o Lula pela primeira vez, na associação brasileira de imprensa, num debate sobre a
Amazônia. Ele ainda com aquela barba, aquele coisa, não tem. Gente, é muita coisa, é
muita História! Muita coisa legal, muito bom né. Então o movimento com a História já
se dava. E aí então, em oitenta, fui entrando no curso e foi aquela loucura. Porque eu
dava aula também, eu sempre dei aula desde setenta e cinco. Eu dava aula de inglês.
História mesmo, eu dei uma substituição num colégio aqui perto. Depois trabalhei um
ano na Univali ali em Itajaí, na época era a FEPEVE, e depois aqui no colégio. No
restante, eu tenho quase onze anos de inglês, então durante todo o meu curso de História
eu dei aula de Inglês. E aí no fim eu caí em contradição. Eu era efetiva no estado. Mas
não queria mais dá aula de Inglês porque não queria mais trabalhar a língua dos
imperialistas [risadas]. Mas eu precisava trabalhar, não tinha jeito, minha família não
podia me sustentar. Mas então o curso aqui foi onde eu conheci o Henrique Pereira
Oliveira, ele era uma turma na frente da minha. O Arantinho, do bar do Arante... Tem
professores ali que até estudaram comigo... O João Klug...

Então a universidade pra mim sempre foi o meu espaço, e o curso de História a
minha paixão.

Níchollas: Então, você falou bastante do movimento estudantil, então sua experiência
social dentro da universidade tem muito haver com isso, você diria?

Lurdes: Sim. Os centros acadêmicos, eu acho que o centro acadêmico de Historia já


havia,a gente ia e debatia, e organizava os encontros. Quando nos fomos preá João
Pessoa, em oitenta e um. Numa AMPU. Nós fizemos levantamento de dinheiro e
discussão de temas... Agente levantou tanto dinheiro, que foi dividido entre a turma...
Agente ia pra assembléia legislativa, pra câmara, era mais fácil. Conseguir ônibus, então
a turma sempre foi muito envolvida. E eu queria estar aqui. Tanto que eu deixei de dar
aula, antes de ser efetiva, então eu trabalhei aqui. Trabalhei na associação de pós-
graduação, também num curso de estatística, na engenharia. Porque eu queria estar aqui
dentro, este era o espaço que eu gostava.

Níchollas: E a última pergunta sobre isso. Na universidade antes, havia uma


preocupação com o futuro profissional?

Lurdes: Olha. A discussão sobre a profissão de historiador, eu participei duma discussão


sobre ela em mil novecentos e oitenta e um. Em João Pessoa. Essa questão era muito
antiga. E antes de discussão... Já havia antes. Essa que tá agora, que até foi encaminhada
pelo deputado Paim, do PT do Rio Grande do Sul. E que tá pra ser de repente, que tá pra
ser fechada. O reconhecimento do historiador como profissão.

Então, nessa época já havia a preocupação,tínhamos toda a preocupação com o


profissional. E agente tinha muita relação com o pessoal da filosofia, pessoal que era
mais anarquista na época né. Então essa perspectiva do novo. Do ensino como uma
coisa libertadora, do ensino que formasse o jovem como cidadão, como envolvido
politicamente, com a esquerda, óbvio, ninguém abria espaço pra outra coisa. Então essa
preocupação era sim bastante ampla.

Níchollas: Queria saber sobre a sua experiência como professora mesmo, como se deu
isso aí.

Lurdes: Tá. Bom. Aí eu vou falar mais da parte da História né? O inglês assim, pra ter
uma idéia né, eu trabalhei com inglês, e uma das coisas, uma das dificuldades que eu
tinha no estado, era a falta de respeito, a que tem hoje com o professor, desde aquela
época já vinha. Baixo salário, péssimas condições de trabalho, dificuldade de material,
salas cheias... E eu trabalhei numa experiência que foi muito marcante, numa escola
chamada Silveira de Souza, uma escola aqui no centro. Eu dava aula para uma quinta
série que começou com cinquenta alunos e terminou com dezessete. A evasão era
impressionante, isso no inglês. Então, e eu sempre queria fazer um trabalho, participei
dos projetos de educação, das discussões, inclusive, que teve no estado. E, isso em
setenta e sete eu acho, se não me engano. Aí então, mas agente tinha, o desestímulo era
muito grande, entre os próprios colegas. “Mas pra que guria!? Não tá vendo o que tá
acontecendo?”. Então foi um período que eu trabalhei com inglês, depois nos últimos
tempos trabalhei com o PT. Na sede do partido. E dava aula, à noite. Isso por uns dois
anos, depois eu peguei licença sem vencimento do estado. E também trabalhei na
secretária da CUT. Assim que eu me efetivei no estado, oitenta e três, como professora
de inglês, eu dei aula dois anos e também trabalhei na secretaria da CUT. Então a minha
militância política foi sempre muito misturada com o profissional né.

E aí em noventa e dois eu comecei o mestrado. Porque eu nunca tinha deixado a


História em função da militância política. E tinha uma amiga que eu acho que devo a ela
essa persistência no meu pé. Estão eu comecei o mestrado em noventa e dois. E entrei
no colégio em noventa e quatro, fiz o concurso pra cá em noventa e quatro. Inclusive o
meu mestrado eu acabei depois, porque eu estava entrando e tal... E depois eu tava com
dois filhos, e aí foi quando se deu a minha primeira separação em noventa e dois, daí foi
um momento bem turbulência. Mas eu entrei no colégio em noventa e quatro, e aí
quando eu comecei aqui, foi o maior desafio profissional pra mim. Primeiro, a historia
que eu conhecia não era suficiente. Por mais que agente tenha discutido politicamente.
Ideologia daqui, ideologia dali, quando tu põe o pé na sala de aula, é outro mundo, você
vai trabalhar com jovens que não tem essa discussão, e agente tem essa preocupação, e
eles não conhecem a historia. Então, ao mesmo tempo que você tinha que conhecer os
fatos, você tinha que ter o compromisso da discussão também política, das relações que
tu queres estabelecer, da historia que tu trabalha relacionada com a vida desse aluno, de
que maneira ele vai ter que saber que aquilo é importante. Qual é a relação que você
deve fazer do passado a partir do hoje? E fazer esse ir e vir, que era preocupação do
pessoal aqui do colégio.

Então aqui, eu amo de paixão essa escola. Eu me aposentei, mas isso aqui vai
ficar pra mim... Os professores que nos tínhamos, eram professores fantásticos, de uma
seriedade profissional impressionante. De a gente se reunir para discutir as aulas, a
preocupação de estar em constante formação, e trazer leituras as mais atualizadas. E não
só da História, mas do grupo, do colégio como um todo. Era um trabalho
profundamente serio, eu nunca trabalhei tanto na minha vida quando eu comecei aqui.
Eu comecei com o terceiro ano, oitava série e quinta série. Eu tinha três turmas. Gente,
eu me vi maluca. Porque eu tinha que estudar direto pra poder dar as aulas. Até tive um
problema seríssimo de saúde, entrei quase num processo depressivo. Porque também
perdi meu pai, nesse mesmo ano, porque eu não dava conta. Meus dois filhos eram
pequenos. Foi uma loucura. Mas esse foi o primeiro ano, o primeiro ano é sempre
assim, sempre mais difícil. Depois agente pega o traquejo e aí vai, e os colegas sempre
muito companheiros, tudo mundo muito companheiro mesmo né. Então minha
experiência de escola, pelo menos nessa perspectiva do respeito profissional, é
fantástica. As possibilidades que agente tem de saída, preá curso, de encontros, etc. É
assim, um respeito imenso, as pessoas reconhecem, estimulam, e os colegas, inclusive,
por exemplo, quando eu tinha que sair para um curso, alguma coisa. Ou eu pegava aula
de um ou de outro, é claro que nem sempre né, isso eu não vou dizer também que uma
coisa idílica, tem uns problemas, tem aqueles mais, outros menos. Isso taí né. Mas foi
assim, profissionalmente aqui no colégio Aplicação, foi onde realmente eu me
encontrei.

Níchollas: Só uma coisinha que você falou. Você disse que não aprendeu a história
necessária. Você estava se referindo a vida escolar ou acadêmica?

Lurdes: à minha vida acadêmica. Eu penso assim, esse eu sinto quando eu recebo os
estagiários, algumas dificuldades bastante grandes. Eu acho que na época, como agora...
Inclusive na minha época era um tradicionalismo, eram os professores mais tradicionais,
praticamente da universidade. Nós tínhamos o pessoal que estava aposentado. Mas era...
Eu tinha um professor na sala com as fichinhas Brasil República, ele entrava na sala
com as fichas. e aí ele ia lendo as fichas. “mil novecentos e não sei o quê, presidente
não sei o quê, tá tá tá, tá tá tá”, e a turma revoltadíssima né, mas ele era assim. É uma
pessoa que taí, escreve livros e tudo mais, deve ter toda sua competência dum lado, mas
não como educador. Então, e depois é diferente, quando tu estás como aluno em sala de
aula, e quando tu entras como professor e tu és o responsável. Pelo encaminhamento da
aula. Na sala tu é alguém que vai contribuir, que vai discutir, e se quiser pode ir ao
banheiro, pode matar aula... É outra vida acadêmica. Mas uma coisa que também não se
levava em conta, e eu não sei hoje como é que está, é a questão do ensino, eu vejo que
muitas se prioriza muito a pesquisa. Mas a pesquisa, inclusive sobre o ensino, não tem.
Pelo menos a experiência que eu tenho tido, não tem. Então, agora as pessoas estão
querendo trazer a discussão, até pra que os alunos entre mais cedo nessa realidade, de
sala de aula, de material didático, a própria criatividade na produção de material
didático, isso já pode ver desde os começos. Eu me lembro que na época, cada professor
falava aquilo que era o seu conhecimento, é o seu trabalho, a sua pesquisa. E faltava
algo mais, então quando eu caí na sala de aula eu vi que eu não estava preparada. No
Brasil república mesmo... E eu entrei com o Brasil Republica, no terceiro ano do ensino
médio, e a professorar que tava anterior era maravilhosa, e eu peguei as turmas todas.
Então eu tinha que ler a coleção do Sérgio Buarque de Holanda. Eu lia direto os livros
dele, aqueles livros grandões, de coleção, sobre história do Brasil colônia, república, etc.
Que é onde eu podia ter o conhecimento factual. Porque eu precisava daquilo, mas
também muitos textos reflexivos muito bons né. Aí trabalhei muito com Boris Fausto...
Mas senti sim essa dificuldade, que eu tive que fazer essa leitura. E quando eu entrei
com a América Latina, que aí assumi as turmas de estudos latino americanos aqui no
colégio. Depois eu saí pro doutorado, também. Saí em dois mil e dois. Aí eu e uma
amiga nossa, introduzimos estudos latino americanos aqui, em dois mil e três. E a
professora Ivonete foi quem assumiu as aulas no começo, que teve o trabalho da
produção textual e tal. E depois eu trabalhei com as sétimas séries, com estudos latino
americanos, história pré-colombiana. Aí então, não conhecia nada, porque realmente a
nossa América latina na universidade não tinha nem a história pré-colombiana. Agente
começava do período ou das independências, ou das colônias. Mas a pré-colombiana
agente não estudou, e eu vejo isso nos alunos estagiários que vinham, a dificuldade
porque eles tinham que estudar aquilo tudo. E eu tive estagiários fantásticos, gente
assim, olha, que produziu coisas muito boas. Outros não tanto, porque, claro, tem de
todos... Mas esse ensino de sala de aula, ele é uma outra forma de produção do
conhecimento, vocês vão perceber isso. Porque tu tens que ter o conhecimento
acadêmico, tu tens que ter a leitura atualizada, tu tens que ler jornal, tu tens que ler a
revista. Só aquilo tu tens que fazer uma transposição didática, como agente diz, pros
alunos né, meus, quatorze, treze anos, e aí com terceiro ano já era mais fácil, mais
gostoso até, pra mim. Eu preferia mais, pela discussão, e tal. Mas esse é o trabalho
desafiador do professor. É que tu tens que conhecer. Tu não pode enrolar, até pelo
compromisso que tu tem. Pode até ter professores que vão e passam meio assim,meio
assado e ta. Mas a maioria eu acho que não, a maioria tem a preocupação efetiva, pode
ter seus diferentes métodos de ensino, mas a seriedade, o trabalho que tá fazendo, que
agente sabe, e tu vê o menino na tua frente e o compromisso que tu tem, que agora tu
não quer mais fazer a cabeça do aluno pensar como tu pensas, mas pra que ele pense.
Pra que tenha autonomia, olhar crítico. Então quando eu trabalhei a América latina, pra
vocês terem uma idéia, eu começava com eles discutindo a questão de identidade. A
identidade deles, para que eles se vissem, vissem as mudanças, as permanências dentro
da História, e eu começava com eles, com as fotografias de pequeninho, com as
fotografias de adolescente, “o que que muda?”, para que eles possam transpor isso pro
conhecimento da História. E nem todos conseguem. Isso é outra coisa que agente tem
que trabalhar, agente sempre quer o cem por cento. Mas tu sabe que nem todos dão esse
passo. Aí o trabalho também árduo na sala de aula, tu tens que dar essa atenção pra esse,
essa atenção pra aquele, e aqui nós temos essa preocupação. Quando nós temos reuniões
de série, tu discute cada aluno. Então tu tens que trabalhar com cada aluno. Então eu
tinha um menino que tinha um clique imediato, o cara ia longe. E tinha o outro que ele
não conseguia entender, então tu tinhas que trabalhar individualmente. Aí nós temos
aqui recuperações de estudos, que são alunos que são chamados, e a proposta é trabalhar
em cima do que ele tenha dificuldade, seja a escrita, a compreensão, a lógica, a
racionalidade o raciocínio perdão, então isso, o trabalho é voltado para a disciplina.
Então é um trabalho árduo, mas é muito bom. Tu vê o avanço, uns mais, outros menos,
mas sempre tem, não tenha dúvida.

Níchollas: Financeiramente a profissão é estável?

Lurdes: Pra nos sim. Nos como professores federais. Estável. Eu me aposentei com
salário integral. Me aposentei agora, em fevereiro, e bem recente mesmo né. Ainda
quero ter compromisso com esse espaço que vocês estão vendo aqui [refere-se a sala
onde estava sendo gravada a entrevista, dentro do Colégio Aplicação, onde se guardava
arquivos sobre o ensino ali aplicado]. Esse aqui e um museu da memória educacional.
Esse aqui é o acervo da memória educacional, aqui dentro tem documentações do
colégio aplicação. E agente tem ainda uma sala cheinha de documentos pra trabalhar.
Então isso eu quero, junto com a professora Maria de Fátima do MEN, que era
coordenadora do projeto que é junto com o MEN. E ai agente ainda ta fazendo, então
isso eu ainda quero fazer aqui. Mas, o que você perguntou mesmo?

Níchollas: Era só se financeiramente você era estável.

Lurdes: É sim. Nós temos, é, só que... Os federais. Nós, tanto quanto a escola técnica.
Nós temos essa grande...

Níchollas: Privilégio?

Lurdes: Privilégio não. Nós temos um grande direito respeitável. Que todos deveriam
ter.

Níchollas: Claro.

Rafael: Professora. Como professora de História, tu começou aqui? Sempre aqui?


[refere-se ao Colégio Aplicação]

Lurdes: Sempre aqui. Eu trabalhei, alguns meses... [dificuldades para lembra o nome da
escola] Uma escola aqui pertinho. Eu trabalhei ali, foi uma experiência muito
interessante. Eu era aluna da História, e cheia de uma leitura marxista da história,
preparando os textos né. Quando cheguei na sala... Eu era muito pequeninha né, eu
sempre fui muito pequeninha, muito magrinha, cara de guria pequena na época. Então,
quando eu virei pra traz gente, era uma guerra de bolinha de papel. [risadas] Isso foi em
oitenta e dois, oitenta e três, por ai. Gente uma guerra de bolinha de papel, eu cheguei
em casa e chorava tanto, tanto, olha isso é verdade, acontece hein [risadas]. Muito,
muito, e foi lá. E depois na UNIVALI eu trabalhei com História de Santa Catarina, mas
aí já eram adultos né. Mas também é outro desafio, porque eu tive que ir me formando
no mesmo momento. E no mais foi aqui, aqui no colégio.

Rafael: Porque, a professora percebeu a diferença, por exemplo a professora deu aula de
inglês né, e a professora percebeu diferença entre a estrutura dessa escola [refere-se ao
Colégio Aplicação] pras outras, até financeiramente, como estruturalmente do colégio..

Lurdes: As escolas que eu trabalhei no estado, não eram espaços físicos ruins. Não
eram, por exemplo, ei trabalhei nessa escola onde eu estudei, Venceslau né, que era uma
escola grande, um espaço físico bom. Eu trabalhei no Ivo Silveira em Palhoça, que hoje
e um colégio estadual. Trabalhei no Alto Aririu, trabalhei aqui no Saco dos Limões, na
escola... [tenta lembrar-se] Foi ali que eu me efetivei... [tenta lembrar-se]É, Nicolina
Tancredo. Não, essa é outra. Mas foi ali, né. E também ali na Silveira de Souza. Silveira
de Souza é uma escola muito antiga, foi onde estudou o ex-governador Pedro Ivo de
Campos, então era uma escola antiga. Era um bons espaços físicos. Agora não tem
como comparares com o Colégio Aplicação. Mesmo na época. Pela proximidade com a
universidade. Pelas instalações. Hoje agente ta numa situação, né, extremamente boa.
Nós temos laboratórios, nós temos sala de computação, agente tem muita coisa aqui,
boa. Agora, eu nunca peguei uma escola publica estadual, assim naquela situação que
agente muitas vezes ouve falar. Não. E também foi um período de repente, que as
escolas eram mais novas, né, essas outras, e as antigas que já tinham uma reputação, e
tudo. Então. Agora, eu sinto que a diferença principal e no respeito por ti como
profissional. E a grande diferença. Porque nas escolas, nos tínhamos, por exemplo, a
secretaria da educação, antiga UCRE, Unidade de Coordenação regional, que não tem
mais esse nome, agora é outro nome. Gente, aquilo ali, tinha que ser explodido. Sabe,
porque aí os professores iam desfazer as escolhas de aulas excedentes. Era uma
vergonha, desrespeito. Na Secretaria de Educação agente era desrespeitado. Pelo
atendimento, pelo péssimo atendimento. O professor era olhado como alguém que ia lá
pedir favor. Sabe, olha, eu tive um prazer intenso quando eu entreguei o meu pedido de
demissão. Na Secretaria de Educação. Porque é humilhante como eles tratam os
professores, né. Então, e vim pra essa outra realidade que é... Tu é muito respeitado.
Mesmo que tenha, por exemplo, alguns cursos que não admitem o Colégio de Aplicação
dentro da universidade, né, professores que possam não nos reconhecer como
profissionais importantes dentro da universidade, que aqui não deveria ter ensino médio,
fundamental, etc. Mesmo assim, agente com essa reitoria , inclusive, sempre fomos
muito bem recebidos. Agora, e claro, que a prioridade e dada pra o terceiro grau.
Portanto, uma coisa bem pessoal e bem recente, entre aspas, quando nós saímos pro
doutorado, eu e uma amiga aqui do inglês, nós teríamos uma bolsa para dividir pra nós
duas. Pras duas. Já não deveria ser. Mas quando nós chegamos, não, agente foi aceitar, e
tentar depois ver se conseguíamos outra. E aí, na hora, lá na reitoria quando nós fomos
aceitar, fomos avisadas que ela havia sido dada para um professor do terceiro grau.
Então nós duas saímos sem bolsa. Fizemos na URGS, tanto eu quanto ela, e ficamos um
ano inteiro sem bolsa, viajando, toda semana, aquela coisa. Então não tenhas dúvidas,
dentro das universidades também, a prioridade é dada pra o ensino superior. Não tenha
dúvidas. Agora, eu penso que é uma estreiteza política. Sabe, uma estreiteza política de
quem não reconhece a importância do ensino médio e fundamental aqui dentro. É muito
interessante.

Níchollas: Você quer dizer o que com estreiteza?

Lurdes: Estreiteza porque não percebe a importância do ensino fundamental e médio.

Níchollas: Uma ignorância política.

Lurdes: Uma ignorância política. Tu veja, os professores que saem de lá, passaram pelo
ensino fundamental e médio. Então, se se critica, tu vê na televisão de vez enquanto, as
críticas que se fazem ao nível do ensino, todos os professoras são formados pela
universidade. Todos, sem exceção. Então, nós temos que fazer os dois movimentos. A
importância do ensino universitário junto com o ensino fundamental e médio. Seja em
termos de material, em termos de curso, de conversa, de encontros. Mas sem o olhar de
superioridade. Ai gente, isso é tão terrível. É bem terrível. Eu tenho um cunhado que e
professor, e eles trabalham, de manhã, de tarde e de noite, e nem tem como estudar.
Aqui nos temos. Imagina, nosso trabalho é acelerado, mas agente tem muito mais
condições de estudar, de leitura. Não tenha nem dúvidas né, e a proximidade da
universidade.

Níchollas: Agora a penúltima pergunta... É, até, na verdade podemos inverter e deixar


essa por último. Primeiramente, já que você só se aposentou agora né, como é que é ser
aposentada em tão pouco tempo?

Lurdes: É, mas eu posso até contar um pouquinho! Assim ó gente, engraçado né, eu
sempre fui apaixonada por aqui, pela sala de aula. Sempre gostei muito da sala de aula,
sempre me envolvi, sempre fui muito eufórica. E chega um ponto que eu fui vendo, que
eu precisava, acho que tinha chegado o meu tempo. Então, desde dois mil e nove, eu
disse, em dois mil e dez eu saio, eu to fechando um ciclo. Pra mim isso foi uma coisa
impressionante, parece ate uma coisa meio... [risadas] Eu sentia que eu fechava o meu
ciclo, que eu precisava sair, e fazer outras coisas. E depois, eu tava me cansando, porque
exige, e eu sou muito exigente. Eu tenho uma autocrítica muito forte. Eu sentia. Que eu
já não estava conseguindo ter um ritmo necessário. O ritmo mesmo, sabe, olha, tem
muita gente nova que ta vindo. Que e o pessoal que o pique que vim, aos vinte e poucos
anos, trinta anos de idade. Então esse pessoal tai. Vai ter que entrar. E eu dizia, olha eu
vou sair e vou fazer outras coisas, eu quero isso. Então a minha. Foi muito tranqüilo.
Me preparei o ano inteiro, falei para todo mundo, olha eu to saindo. E falei, e foi isso.
Chegou, né, em fevereiro desse ano, ai saiu a aposentadoria e eu fiquei super feliz, né.
Mas com muita clareza assim, que era aquilo. Sabe, era aquilo. Eu... Veio o concurso,
entraram pessoas ótimas, temos ótimos professores de história novos. Então isso sim, e
muito legal, e agente tem contato né. E alguns, um foi meu estagiário, inclusive, a anos
atrás. A outra já tinha trabalhado aqui. Tem mais dois que estão brigando na justiça, e
uma também já foi professora daqui, o outro menino também, foi estagiário, que são
duas vagas que faltam cobrir, que a da minha aposentadoria e a do Rodolfo. Então, eu to
muito tranqüila enquanto a isso. Mas to aqui de vez enquanto, e este projeto eu quero
continuar, que agente tinha começado e não acabou. E eu to assim , numa coisa muito
desassossegada. Porque, o que que eu quero? E ainda quero muita coisa. Eu digo, não
eu ainda quero fazer muita coisa. Então, isso e muito bom. Eu não me aposentei pra
ficar dentro de casa, não tenho esse perfil. Meus filhos já... Eu tenho um filho que esta
em Brasília, faz relações internacionais. Começou letras aqui, não gostou. O pai dele
mora lá, e ele foi pra lá. E a minha filha esta praticamente casada, né. Já se formou em
administração. Então, eu digo, não... Eu digo pra eles, filhos o que que eu vou fazer
quando eu crescer? [risos] Mas é, vocês vão ver, daqui alguns anos. E conservem isso
daqui a alguns anos, conservem isso, essa coisa de, tu sabe que vai dar um tempo no
trabalho, mas tu mantém essa curiosidade pra fazer outras coisas.

Agora, a história é a minha paixão. Então eu quero trabalhar isso, essas


humanidades, coisas que eu to vendo ainda.

Níchollas: E, pra finalizar só, uma pergunta mais filosófica, eu diria. O que e ser
professor pra você?

Lurdes: É, eu acho que ser professor, primeiro, é tu ter a consciência da


responsabilidade que tu tem. Do compromisso, com o ser humano. A primeira coisa, de
dentro de mim era isso. E o compromisso que tu tem com a transformação do mundo.
Sabe por quê? Eu digo assim ó, puxa, a nossa vida inteira se pautou por uma luta contra
a ditadura, contra não sei o que, contra não sei o que, por transformações, por ensino
mais isso, ensino mais aquilo. E eu sei que o mundo que eu quero, que praticamente nós
todos queremos, esse mundo do respeito, da igualdade, de uma socialização, sem essa
horrorosa diferença social, né, ou dessa diferença econômica. Né, esse mundo que
agente que, eu acredito que ele só acontece numa construção quando você envolve o ser
humano como pessoa. Principalmente o que? A ética. O respeito ao outro, as diferenças.
Sejam, em todos os níveis, sexuais, afetivas, sociais, tudo. Esse respeito à diferença, das
culturas. E isso, o papel do professor, Eu acho que às vezes agente não tem essa
dimensão. Ele e crucial. Mesmo que a pessoa tenha dificuldades, mas o teu papel ali
dentro e esse. Então pra mim, ser professor e tu estar preocupado com o mundo. E tu
estar preocupado o mundo. O mundo que agente quer, esse mais justo. E na preparação
da criança, do jovem, desse adolescente, né. Em cima disso, tu quer isso, então isso, tens
que ser na sala de aula. Tu tens que ser ético. Tu tens que ser respeitoso, tu tens que ser
estudioso, exigente. Então isso pra mim e ser professor. O “ser amigo” é importante, né,
do aluno, acho que importante. Mas, tu não pode abrir mão do teu papel de educador pra
ser só amigo do aluno, não pode. Eu dizia, olha eu sou chata, mas é isso, isso e isso.
Cobrança de trabalhinho, de prova, de estudo, de estímulo, e tal e tal. Mas assim, no
sentido que você vai despertar nele esse compromisso. Então, acho que não pode passar
a mão em tudo, não pode abrir a mão de tudo e deixar tudo ficar assim, acho que tem
que ter ordem, tem que ter uma disciplina. Nada se faz sem a disciplina, não a disciplina
num sentido assim autoritário, não e isso, mas autoridade eu acho que tem que ter. O
nosso jovem precisa, vocês vão ver em sala de aula, eles querem. Uma autoridade, não
um autoritarismo, porque se tu partir pra um autoritarismo, que eles também não vão
aceitar. Como agente também conhece experiências. Mas a autoridade, e aquela coisa,
dialogado, dentro de um bom relacionamento respeitoso, né. Então acho que isso e ser
professor.

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