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Modelo de potencial disseminação da COVID-19

entre alunos da UFABC


Amanda Valente Teixeira Felipe Siqueira Minholi
Universidade Federal do ABC Universidade Federal do ABC
Santo André, Brasil Santo André, Brasil
a.valente@aluno.ufabc.edu.br felipe.minholi@aluno.ufabc.edu.br

Gabriel Ocker Sofia Brandão dos Santos


Universidade Federal do ABC Universidade Federal do ABC
Santo André, Brasil Santo André, Brasil
gabriel.ocker@aluno.ufabc.edu.br sofia.brandao@aluno.ufabc.edu.br

Resumo—Considerando o cenário atual de pandemia pelo A Universidade Federal do ABC (UFABC) conta
novo coronavírus, SARS-CoV-2 e a recente retomada de com grande trânsito de pessoas entre os campus de São
algumas atividades e serviços após um período mais Bernardo do Campo e Santo André todos os dias, em
rigoroso, é importante que seja avaliado o potencial impacto períodos de ensino regular. Além disso, oferece todos os
dessa “reabertura” na disseminação do vírus. Pensando quadrimestres letivos uma variedade de vagas em disciplinas
nesse impacto no cenário universitário da Universidade e turmas distintas, devido à quantidade de alunos
Federal do ABC (UFABC) e nos usuários diários do matriculados. É de se imaginar a dimensão da rede de
transporte fretado, o trabalho em questão tratou de interações possivelmente contaminantes.
demonstrar, por meio da utilização do número de Deste ponto, surge o interesse dos integrantes do
reprodutibilidade basal do SARS-CoV-2 e de um modelo grupo em avaliar os impactos de uma possível retomada das
com apenas um veículo e um usuário inicialmente atividades presenciais teóricas e práticas quanto ao potencial
contaminado, o impacto na infecção de outros usuários. A de contaminação de frequentadores da Universidade Federal
partir desse modelo simplificado, buscou-se ressaltar a do ABC. O interesse, mais especificamente, é demonstrar,
relevância da manutenção das atividades remotas, a fim de por meio de um modelo simplificado que conta com um
evitar uma disseminação importante da doença entre os único veículo e, inicialmente, um único aluno contaminado, a
frequentadores da UFABC e de seu serviço de transporte impossibilidade de um retorno imediato às aulas presenciais
fretado. Foram utilizados para a definição dos infectados e devido ao potencial de importante disseminação do vírus.
para a elaboração e visualização das redes do trabalho os
softwares Random Number Generator do Google, Google A partir disso e utilizando como base o número de
Slides, GIMP e Apache NetBeans, bem como o software reprodução básica R0 (descritor de contagiosidade ou
Gephi para maiores análises. Os resultados preliminares, transmissibilidade de agentes infecciosos [1,2]) do vírus
obtidos após análise das redes de contato e disseminação dia [3,4], pretende-se determinar um modelo que represente o
após dia do período determinado, revelaram que em cerca de potencial de disseminação da COVID-19 no fretado da
3 semanas letivas todos os alunos que frequentaram o UFABC caso retomadas as aulas presenciais, a fim de
veículo em questão seriam contaminados. responder à pergunta: Quanto tempo levaria até que todos os
usuário do veículo estivessem contaminados?
Palavras-chave — Covid-19, pandemia, rede, fretado

I. INTRODUÇÃO II. TRABALHOS RELACIONADOS


Frente a atual pandemia de COVID-19, é Wong F et al em “Evidence that coronavirus
extremamente importante que estejamos preparados para superspreading is fat-tailed” [5] descreveu que indivíduos
lidar com os cenários de volta às atividades que envolvam infectados que resultam em um grande número de casos
aglomerações. Manter previsões, nesse contexto, pode nos secundários podem ser a base de uma fração significativa da
indicar quais atividades oferecem maior potencial de transmissão total de SARS-CoV-2 pelos achados de que a
contágio pelo vírus, a fim de orientar medidas de segurança distribuição de casos secundários é consistente com cauda
apropriadas e outras diretrizes. pesada. Esse artigo fortalece a relevância do estudo descrito
O cenário universitário é potencialmente no presente trabalho pela importância das relações de
contaminante devido à quantidade de alunos em salas de transmissão do vírus. Os trabalhos chegaram, também, a
aula, em ambientes de convívio comum e ao uso de conclusões semelhantes quanto às recomendações seguindo
transporte fretado - por isso, as universidades estiveram os resultados encontrados: evitar aglomerações e locais onde
entre os primeiros ambientes que interromperam suas a transmissão da doença pode ser potencializada.
atividades no início do período de isolamento social, em
março de 2020. Também por isso, as atividades seguem
suspensas até o momento.
III. METODOLOGIA porém esses dias serão levados em consideração no
O objetivo deste trabalho foi desenvolver um aparecimento de sintomas. Assim, vértices podem estar na
modelo que representasse a transmissão da Covid-19 no rede em uma sexta-feira mas não estarem na segunda-feira
fretado da UFABC. Desse modo, a metodologia do projeto seguinte. Desse modo, os vértices da rede representam aluno,
pode ser divida em 4 etapas: enquanto o contato entre eles é representado pelas arestas.
8) Para facilitar a compreensão da rede e de sua evolução, foi
A. Coleta de informações definido que para cada dia de infecção os vértices terão
colorações diferentes, conforme Figura 1.
Para a realização do trabalho, foi necessário
procurar na literatura algumas informações relacionadas ao
novo coronavírus (SARS-CoV-2), como por exemplo,
modos de transmissão e o número de reprodução básica R0
(descritor de contagiosidade ou transmissibilidade de
agentes infecciosos) do vírus. Para tanto, foram analisados
alguns trabalhos sobre o tema [3,4]. Além disso, foi
necessário encontrar a capacidade máxima dos fretados da
UFABC, dado esse que foi encontrado em:
https://diariodotransporte.com.br/2019/05/15/ufabc-altera- Figura 1 - Paleta de cores para representação do período de infecção
itinerario-de-onibus-fretados-e-retira-paradas-entre-os-
C. Criação do grafo e das medidas de centralidade
campi/.
Primeiramente, foram fixados os assentos de cada aluno
B. Desenvolvimento da rede de transmissão no fretado. Além disso, a Figura 2 exemplifica como ocorre o
contato entre os estudantes:
A rede desenvolvida neste projeto buscou representar as
interações entre alunos que utilizam o fretado da UFABC.
Para isso, foi considerado o seguinte cenário:
1) O fretado é utilizado apenas no período noturno e é
sempre o mesmo veículo;
2) Sabendo que a capacidade é de 46 alunos sentados, fixou-
se a posição de cada aluno nos assentos, de modo que cada
aluno é representado por A1,A2,...A46;
3) A interação entre alunos ocorre em uma “circunferência”
de raio igual a 1 assento;
Figura 2 - Assentos fixados no fretado e exemplificação do contato
4) A infecção, iniciada a partir de um único aluno escolhido
aleatoriamente, baseia-se no número de reprodução básica
R0 do vírus e ocorre de modo aleatório entre as conexões dos A fixagem dos assentos foi feita em ordem crescente,
alunos infectados. Em primeiro momento, todos os contatos seguindo sempre o fluxo da esquerda para direita, até que
possuem chances iguais de serem infectados, mas após as todos os alunos estivessem alocados no veículo. Feito isso,
primeiras infecções, a probabilidade varia, de modo que foi utilizado o software Random Number Generator do
alunos infectados agora possuem probabilidade equivalente a Google para sortear qual dos 46 alunos seria o primeiro
metade da probabilidade equiprovável entre todos os alunos infectado, resultando no aluno A5 como sorteado.
da rede de contato, sendo o restante distribuído entre os não
Com os alunos fixados e cenário definido na Etapa II,
infectados. Por exemplo, se um aluno está conectado a outros
foram utilizados o Google Slides e o software de edição de
8, a probabilidade equiprovável desta rede de contato é ⅛, ou
imagens GIMP para produzir a rede de contato entre os
0.125. Desse modo, alunos infectados possuem 0.125/2 =
usuários do fretado, conforme Figura 3.
0.0625 de chance de receberem o vírus. Caso 3 dos 8 alunos
já estejam infectados, cada um desses três têm chances iguais
a 6.25%, totalizando 18.75% para os já infectados. O
restante, ou seja, 81.25%, é dividido igualmente entre os 5
ainda não infectados, de modo que cada um possui agora
chance de 16.25% de serem contaminados;

5) Como o tempo até a aparição dos primeiros sintomas varia


de 4 a 7 dias, fixou-se o número em 5, de modo que todos os
dias os infectados, ainda assintomáticos, irão contaminar
outras duas pessoas aleatórias em sua rede de contato;
6) Após a aparição do primeiro sintoma, o aluno é retirado da
rede e, portanto, sua rede é desfeita;
7) A rede cresce diariamente ao longo do período de 1 Figura 3 - Rede de contato entre usuários do fretado (Dia 0)
quadrimestre (7 dias*12 semanas) ou até que não haja mais
possibilidade de transmissão por contato direto (em casos
onde 2 alunos nunca se conectam). Ressalta-se que em A partir da rede representada na Figura 3, foi
sábados e domingos não ocorrerá nenhuma nova infecção, possível seguir com a evolução do contágio ao longo dos
dias. Para tanto, foi utilizado o software Apache NetBeans
para o sorteio dos novos infectados. O programa
desenvolvido utilizou a biblioteca Random da linguagem
Java, juntamente com estruturas de código condicional (if,
else if, else). O sorteio foi feito sempre respeitando a ordem
crescente da rede (sempre começando pelo “menor” aluno
infectado), e os critérios para a definição da probabilidade
de transmissão são os descritos no item 4 da Etapa II. O
“processo de infecção” foi repetido até que todos os alunos
da rede fossem infectados ou até não ser mais possível
ocorrer infecções.
Figura 8 - Dia 8

D. Construção e análise dos resultados


Finalizado todo o “processo de infecção”, foram gerados
outros grafos (juntamente com suas medidas) no software
Gephi que representam o início de cada uma das semanas do
processo. Os resultados serão analisados e demonstrados na
seção seguinte e terão como base a análise do crescimento da
evolução do contágio e as medidas calculadas.
IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A rede obtida durante a simulação partiu de apenas um
único infectado. Todos os dias, cada um dos infectados
transmitiu o vírus para no máximo duas pessoas, e ao atingir Figura 9 - Dia 12
o quinto dia de infecção, os infectados foram reitrados da
rede, que cresceu do dia 1 ao 22, sendo que no dia 17, todos
os alunos já continham o vírus, conforme mostrado nas
figuras a seguir, que represetam as segundas e sextas feiras
de cada uma das três semanas.

Figura 10 - Dia 15

Figura 6 - Dia 1

Figura 11 – Dia 17 (todos foram contaminados)

Nas redes de contaminação representadas nas


figuras acima de acordo com os dias dentro de 3 semanas,
pode-se verificar que no dia 1 apenas o indivíduo A5 estava
Figura 7 - Dia 5
contaminado dentro de um local fechado com outras 46
pessoas. Já na Figura 7, nota-se que a partir do quinto dia, já
haviam 16 novas pessoas contaminadas, e apenas a partir
desse dia o indivíduo A5 apresentaria os sintomas e
descobriria a sua contaminação, sendo, dessa forma,
afastado. Nas Figuras 8, 9 e 10, que seriam respectivamente
os dias 8, 12 e 15, nota-se uma quantidade significativa de
novos contaminadas e outras já sendo afastadas após
aparição dos sintomas. No dia 17 (Figura 11), todos os Medidas do grafo Semana 1
alunos haviam sido contaminados com o vírus, e no início
da outra semana, todos os alunos haviam sido retirados da Nós 46
rede por conta dos sintomas da doença. Arestas 139
Além das redes de contaminação, foram gerados Grau Médio 6.043
outros três grafos e calculadas suas respectivas medidas no Diâmetro da rede 11
software Gephi, representando o início de cada uma das 3
semana pelas quais ocorreu a modelagem: Densidade 0.134
Modularidade 0.503
Coeficiente de clustering 0.564
Comprimeto médio de 4.118
caminho
Tabela 1 - Medidas da semana 1

Medidas do grafo Semana 2


Nós 40
Arestas 115
Grau Médio 5.75
Diâmetro da rede 11
Densidade 0.134
Modularidade 0.503
Figura 12 – Grafo semana 1
Coeficiente de clustering 0.577
Comprimeto médio de 3.76
caminho
Tabela 2 - Medidas da semana 2

Medidas do grafo Semana 3


Nós 16
Arestas 39
Grau Médio 4.875
Diâmetro da rede 4
Densidade 0.325
Figura 13 – Grafo semana 2 Modularidade 0.34
Coeficiente de clustering 0.658
Comprimeto médio de 2.008
caminho
Tabela 3 - Medidas da semana 3

Analisando os dados das tabelas referentes às 3 semanas


de duração da simulação, percebe-se que, mesmo com a
retirada de 30 vértices entre as semanas 1 e 3, o grau médio
dos vértices restante não sofreu uma queda expressiva, fato
que ocorre por conta da grande quantidade de triângulos
formados entre os vértices, que pode ser observado pelo alto
coeficiente de clustering dos grafos. Essa característica da
rede permite a observação do chamado “Efeito Small-World”
na modelagem feita, ou seja, apesar da distância entre dois
vértices ser curta (fato corroborado pelos valores dos
comprimentos médio de caminho), a maioria deles não estão
Figura 14 – Grafo semana 3
conectados entre si (fato corroborado ao observarmos os
valores de densidade, principalmente das duas primeiras
semana), o que demonstra que há um contato e possível
transmissão do vírus entre duas pessoas que, apesar de não Figura 16 - Fretado ao fim da semana 2
estarem sentadas próximas no fretado, acabam transmitindo
e/ou adquirindo a doença através do contato entre outras
pessoas próximas.

Outro ponto a se comparar entre as três semanas é o


diâmetro das redes, pois nota-se que o diâmetro de rede da
primeira e segunda semana é de 11, enquanto o diâmetro da
terceira semana é de apenas 4. Isso ocorre pois na última
semana houve uma redução expressiva na quantidade de
vértices na rede (os alunos), o que fez com que a distância
entre os nós diminuisse consideravelmente.

Esta metodologia de análise mostrou, através de grafos e


estatísticas, que a transmissão do vírus em um ambiente
como o fretado acaba tendo um resultado muito negativo,
bastando ter a princípio apenas 1 pessoa infectada para
contaminar os demais indivíduos do fretado dentro de 3
semanas.

Por fim, ao final de cada semana foi gerado um


mapa do fretado com os alunos sintomáticos retirados do Figura 17 - Fretado ao fim da semana 3
veículo:
A partir das imagens, verifica-se o quão rápido é o
espalhamento do vírus, mesmo em um cenário simples, como
o proposto neste projeto. Ao fim da primeira semana, apenas
6 estudantes haviam sido retirados da rede após sentirem
sintomas da doença, sendo 4 deles alunos que tiveram
contato com o primeiro infectado (A5). No entanto, ao fim da
segunda semana, mais 24 alunos foram retirados da rede, um
aumento de 400% em relação a primeira semana. Por fim, ao
final da semana terceira semana, todos o 16 alunos restante
no fretado haviam sido retirados.

No modelo apresentado neste projeto, os alunos não


foram “repostos”, de modo que teríamos no máximo 46
infectados. Contudo, o modelo proposto é limitado em
diversos aspectos, pois projeto uma rede de contaminação em
um cenário que dificilmente aconteceria em uma situação
real, e ainda elimina outros modos de contaminação, como o
por superfícies por exemplo. Mas é interessante notar que,
mesmo com todas as limitações descritas, o modelo consegue
mostrar o quão inviável seria uma volta às aulas sem o
Figura 15 - Fretado ao fim da semana 1
controle da doença, pois se em condições específicas tivemos
todos os alunos infectados ao fim de 3 semanas, em situações
reais esse número seria certamente muito maior.

V. CONCLUSÕES
Como podemos verificar através dos esquemas
representados nas figuras acima, o aluno infectado A5 só
passou a apresentar sintomas do COVID-19 a partir do
quinto dia, sendo afastado. Porém nesse período contaminou
outras pessoas que foram contaminando outras novas
pessoas, totalizando 16 novas contaminações antes do seu
afastamento.
Seguindo o mesmo princípio de disseminação do vírus,
dentro de aproximadamente 3 semanas todos os alunos que
utilizaram o fretado no período analisado foram
contaminados.
Importante lembrarmos, que ainda foram desconsiderados
os contágios nos transportes públicos e na própria
universidade, ambiente estes, frequentados também pelos
alunos do fretado em questão, além de limitarmos o contato
entre alunos, desconsiderarmos alguns tipo de contaminação REFERÊNCIAS
(por superfície por exemplo) e considerarmos que todas as
pessoas apresentaram sintomas, o que sabemos que não [1] Delamater, Paul L et al. “Complexity of the Basic
ocorre em 100% da população contaminada. Reproduction Number (R0).” Emerging infectious diseases
Podemos constatar que uma volta às aulas nessas vol. 25,1 (2019): 1-4. doi:10.3201/eid2501.171901.
condições seria completamente inviável, já que o índice de [2] Dietz K. The estimation of the basic reproduction number
contaminação da doença aumentaria significativamente. for infectious diseases. Stat Methods Med Res. 1993;2(1):23-
41. doi: 10.1177/096228029300200103. PMID: 8261248.
VI. Participação dos alunos [3] ZHANG, Sheng et al. Estimation of the reproductive
number of novel coronavirus (COVID-19) and the probable
- Amanda Valente Teixeira: responsável pela análise dos outbreak size on the Diamond Princess cruise ship: A data-
resultados e conclusões obtidas. driven analysis. International Journal of Infectious Diseases,
[s. l.], 18 fev. 2020.
- Felipe Siqueira Minholi: responsável pelo [4] LIU, Ying et al. The reproductive number of COVID-19
desenvolvimento da parte metodológica (criação do cenário, is higher compared to SARS coronavirus. International
das redes e simulações), produção das imagens utilizadas Society of Travel Medicine, [s. l.], 2020.
nos relatórios e parte dos resultados.

- Sofia Brandão dos Santos: responsável pela estruturação e


busca dos dados sobre o vírus SARS-CoV-2 e as relações de
infecção e transmissão da COVID-19.

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