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MEMÓRIA - IVAN IZQUIERDO

CAP 1

A memória é feita por células nervosas (neurônios), armazenam-se em redes de neurônios e


são evocadas pelas mesmas redes neuronais ou por outras. São moduladas pelas emoções,
pelo nível de consciência e pelos estados de ânimo.

Os neurônios "recebem" terminações de axônios de muitos outros neurônios (as vezes 10k ou
mais). Mas emitem um axônio só que se ramifica no máximo 10 ou 20 vezes.

Ao converter a realidade em um complexo código de sinais elétricos e bioquímicos, os


neurônios traduzem. Na evocação, reconvertem sinais bioquímicos ou estruturais em elétricos,
de maneira que possam interpretá-los como pertencendo a um mundo real. Em cada
tradução, ocorrem perdas ou mudanças.

CAP 2

Além de modular, a amígdala também armazena memórias, principalmente quando elas têm
componentes de alerta emocional. [https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26983799/]

A amigdala basolateral recebe, na hora da formação das memórias, o impacto inicial de


hormônios periféricos (principalmente os corticoides) liberados pelo estresse ou pela emoção
excessiva, sua ativação faz essas memórias serem registradas melhor do que as outras. As
memórias procedurais sofrem pouca modulação pelas emoções.

As memórias declarativas de longa duração levam tempo para serem consolidadas (os
processos metabólicos que compreendem diversas fases requerem entre 3 e 6 horas). Nas
primeiras horas após a aquisição, são lábeis e suscetíveis a interferência. Se expor a um
ambiente novo, e portando, chamativo, dentro da primeira hora após a aquisição, por
exemplo, pode deturpar seriamente, ou até cancelar, a formação definitiva de uma memória
de longa duração. Uma intoxicação alcoólica ou um traumatismo craniano pode causar
amnésia retrógrada (impedem o prosseguimento da gravação ou da consolidação) para fatos
ou eventos imediatamente anteriores a eles. O sujeito perde essa memória

Uma liberação moderada de hormônios do estresse (adrenalina, corticoides) nos minutos


seguintes a aquisição pode melhorar a consolidação da memória de longa duração. Já uma
liberação excessiva ou a administração desses hormônios em doses elevadas podem resultar
em amnésia.

A habituação é claramente um tipo de aprendizado e de memória não associativo: resulta da


simples repetição de um estímulo sem associa-lo a qualquer outro. A extinção é considerada
como o resultado de um novo pareamento (com a ausência do estimulo incondicionado). Não
é uma forma de esquecimento nem uma diminuição da memória; é uma inibição da evocação.

Uma memória habituada ou extinta não está realmente esquecida. Está, pelo contrário,
suprimida no que diz respeito a sua expressão. Um aumento da intensidade do estímulo
reverte a habituação; uma nova apresentação do estímulo condicionada reverte a extinção.
Enquanto estamos evocando qualquer experiencia, conhecimento ou procedimento, ativa-se a
memória de trabalho para verificar se a informação consta nos nossos arquivos. Evocam-se
memórias de conteúdo similar ou não e misturam-se todas elas, as vezes formando uma nova
memória. A repetição da evocação das diversas misturas de memórias, somadas a extinção
parcial da maioria delas, pode nos levar a elaboração de memórias falsas.

O uso contínuo da memória desacelera ou reduz o déficit funcional da memória que ocorre
com a idade. Quando mais se usa, menos se perde. Perde antes a memória um indivíduo que
dedica a maior parte do seu tempo a dormir ou não fazer nada do que outro que se preocupa
sempre em aprender, em manter sua mente ativa. A perda de memórias pela falta de uso
relaciona-se a perda de função, seguida pela atrofia das sinapses pela falta de uso.

CAP 3

Potenciação de longa duração

Nos dendritos em que ocorre uma LTP são produzidas certas proteínas que podem passar para
outras sinapses vizinhas e/ou ser estimuladas em uma sequência temporal próxima, o que as
incita a também produzir LTP ou aumentá-la se esta estiver sendo produzida. O fenômeno
chama-se etiquetamento sináptico e permite explicar a característica associativa da LTP, que
faz com que mais de uma sinapse além da estimulada possa também ser potenciada. Essa
também é a explicação mais plausível para o fato conhecido de que a consolidação de certos
comportamentos muito próximos a outros pode potenciar a consolidação destes últimos. Já
LTD, acredita-se hoje que pode participar como base da consolidação de algumas tarefas que
envolvem diminuição da eficiência sináptica.

O mecanismo básico da formação de LTP, ou de memória declarativa de longa duração, é


constituído por fenômenos que determinam a alteração duradoura na função das sinapses
envolvidas em cada caso. Fica assim, fortalecida a hipótese de que a consolidação da memória
possui um mecanismo essencialmente igual ao da LTP.

Plasticidade neural e memória

Plasticidade é a capacidade das células nervosas de mudar suas respostas a determinados


estímulos como função da experiência. Se manifesta como LTP ou LTD. Causando uma
alteração funcional e morfológica nas sinapses. Comportamentalmente, a plasticidade se
expressa por meio da aquisição de um aprendizado e da formação de uma memória.

As alterações das diversas sinapses de cada uma das redes que compões cada memória
determinam por que os indivíduos passam a responder de maneira diferente a um estímulo
que inicialmente era neutro ou produzia outras respostas. Para as memórias mais complexas,
onde se lê "estimulo", deve-se ler "conjuntos" ou "complexos" ou "constelações" de estímulos;
e onde se lê "respostas" deve-se ler "respostas" ou "forma de pensar", "atitudes" ou
"conhecimento".

Os estudos sugerem que talvez seja possível reconstruir e evocar memórias complexas a partir
de menos neurônios e sinapses. Certamente, menos dos que foram utilizados na aquisição
inicial. A palavra "ouviram" pode resultar na recordação do hino nacional (isso não implica que
a "dica" contenha em si toda a memória evocada. Mas, ela deve se encontrar em alguma rede
neuronal semelhante a utilizada na aquisição de cada memória; senão, a recordação seria
aleatória. Para evocar uma memória, preciso recriá-la conclamando a ação o maior número
possível de sinapses pertencentes a ela.

Saturação e oclusão

A sensação quase física que todos experimentamos alguma vez de que, ao acabar determinada
atividade intelectual ou uma aula, "não cabe mais nada em nossa cabeça" corresponde a um
fato real. A pré-exposição a uma LTP compromete a capacidade do sistema hipocampal de
aprender outra tarefa similar ou diferente durante vários minutos ou horas.

CAP 4

A memória de curta e longa duração não são partes de um mesmo processo, mas sim uma
série de processos paralelos e independentes. O papel da memória de curta duração é
basicamente, o de manter o indivíduo em condições de responder por meio de uma “copia”
efêmera da memória principal, enquanto esta ainda não tenha sido formada. Serve, por
exemplo, para ler, dar sequência a episódios e certamente, para manter conversas. Cumpre
um papel de alojamento temporário da memória enquanto sua “casa” definitiva está sendo
construída

A memória de curta duração não sofre extinção ao longo das 4 ou 6 horas. A partir desse
intervalo, passa a ser gradativamente substituída pela memória de longa duração.

CAP 5

As memórias de longa duração podem durar 6 horas, dias, semanas, meses ou anos. Um fator
que regula a maior persistência de algumas memórias é o nível de “alerta emocional” que
acompanha a sua consolidação inicial. Todos recordamos por mais tempo e em maior detalhe
acontecimentos que ocorreram com um forte grau de alerta emocional.

As memórias episódicas adquiridas em situações particularmente emocionais jamais são


esquecidas. Mas é verdade que muitos detalhes se perdem ao longo dos anos, e muitas outras
memórias de situações semelhantes podem se misturar, dando lugar a respostas erradas.

Há muitos fatos e eventos que não foram adquiridos com um alto nível de alerta emocional e
recordamos muito bem por anos (leis da física, letra de músicas que não gostamos, etc).

Atualmente o consenso geral é de que a eficácia do alerta emocional durante a consolidação e


o processo de reconsolidação são os mecanismos mais importantes para a persistência das
memórias (a simples reativação da memória pode levar à sua reconsolidação). Os demais, no
máximo, poderiam ser acessórios ou redundantes.

A reconsolidação permite a incorporação de novas informações à memória que está sendo


evocada. Outro período propício à adição ou à subtração de informações às memórias em
humanos é durante as três primeiras horas de sua consolidação. Existe, é claro, a alteração do
conteúdo da memória pela intrusão ou inclusão de material em outros momentos. Isso pode
ocasionar sua deformação até o ponto de transformá-las em memórias falsas.
CAP 6

Os “brancos” obedecem a uma descarga de corticoides da suprarrenal como ocorre em


momentos de estresse ou alta ansiedade. Os corticoides agem diretamente sobre receptores
próprios no hipocampo indiretamente estimulando mecanismos betanoradrenergicos na
amigdala basolateral.

Extinção

Se um rato aprende a não descer de uma plataforma para evitar receber um choque e, na
sessão de teste, desce mesmo assim e não recebe choque, na vez seguinte que seja colocado
sobre a plataforma, tenderá a ficar ali menos tempo e, assim, nas sucessivas repetições até
que a resposta “permanecer na plataforma” seja extinta. A extinção não é uma forma de
esquecimento. Não consiste no apagamento de memorias, mas na inibição de sua evocação.
Ela constitui um novo aprendizado. A evocação planta as sementes da sua própria extinção,
mas também da sua própria reconsolidação, pois a simples reativação da memória pode levar
a reconsolidação.

As memórias extintas permanecem latentes e não são evocadas, a menos que ocorra uma
circunstância especial: uma apresentação dos estímulos usados para adquiri-las de uma forma
muito precisa ou intensidade muito alta; um quadro emocional que imite o quadro em que
elas foram adquiridas, etc.

CAP 7

Os estados de animo modulam fortemente as memórias. Isso se deve à operação de vários


sistemas moduladores. A modulação da aquisição e das fases iniciais da consolidação ocorre
basicamente ao mesmo tempo, e é difícil distinguir uma da outra. Envolve dois aspectos

1. Distingue as memórias com maior carga emocional das demais: a com maior carga é
mais bem gravada.
2. Em determinadas circunstancias, acrescenta informação neuro-humoral ou hormonal
ao conteúdo das memórias

O núcleo-chave na modulação das fases iniciais da consolidação é a amígdala basolateral. Ela


modula não só as memórias declarativas que se consolidam no hipocampo, mas também
memórias procedurais ou “hábitos” processados no núcleo caudado.

O alerta, a ansiedade e o estresse causam a liberação de glicocorticoides pelo córtex da


suprarrenal, de adrenalina pela medula suprarrenal e vasopressina pela hipófise posterior. O
nível sanguíneo dessas substancias aumenta conforme o alerta aumenta e se confunde já com
um grau moderado de ansiedade, continua aumentando conforme a ansiedade cresce, até o
ponto de se confundir com o estresse, e aumenta mais ainda conforme o estresse se
intensifica.

O efeito de todas essas substancias na aquisição ou na fase inicial da consolidação (primeiros 5


a 10 minutos) é aumenta-la até certo nível e, a partir deste, é o de diminuir a consolidação.

 Curva de U invertida: pág. 71 / estudo da modulação da memória pela ansiedade e


estresse: 10.1126/science.287.5451.248
A amigdala basolateral responde aos níveis circulantes dos “hormônios do estresse” devido a
ativação de sinapses colinérgicas e principalmente das noradrenérgicas que recebe. Por meio
de suas fibras dirigidas ao córtex entorrial e ao hipocampo, ativa ou inativa suas sinapses
seguindo a lei de Yerkes-Dodson (o U invertido). Ou seja, a amígdala é crucial nas memórias de
eventos de alto conteúdo emocional, aversivo ou não.

Em muitos casos, as memórias adquiridas sob uma situação de ansiedade ou estesse


incorporam a seu conjunto de estímulos condicionados componentes da situação neuro-
humoral e hormonal em que foram adquiridas e seus componentes podem servir como “dica”
na hora da evocação.

Os animais e pessoas evocam melhor uma memória ansiogênica, eversiva ou estressante


quando colocados novamente em uma situação com essas características, similar à do treino
inicial. Esse fenômeno denomina-se de dependência de estado endógena. Isso permite que,
perante uma situação presumivelmente perigosa, a pessoa “traga à tona” seu acervo de
memórias de circunstancias do gênero, para assim poder ter à disposição um conjunto de
respostas. As respostas costumam ser de luta, fuga, imobilidade, dissimulo etc. Todos os
animais possuem, em alguns deles, predomina determinado tipo de resposta. Mas, sem
dúvidas é bom ter o maior número delas disponíveis quando necessário.

Função inibitória do GABA sobre todos os tipos de memória

O GABA, principal neurotransmissor inibitório do cérebro, inibe todos os processos envolvidos


na formação ou na evocação dos diversos tipos de memória. O efeito inibidor dos receptores
GABAa é instantâneo e definitivo. Pode-se afirmar que os sistemas GABAérgicos são o “freio’
principal da formação e da evocação das memórias. Se suficientemente intensa, a inibição
GABAergica efetivamente suprime toda e qualquer intervenção da transmissão glutamatérgica
sobre a formação ou evocação de qualquer forma de memória e, sem dúvida, todas as
consequências desta.

CAP 8

Como todas as funções que envolvem sinapses, a melhor forma de melhorar e conservar a
memória, em todos os seus tipos e suas modalidades, é a prática. O uso aumenta o tamanho e
melhora a função das sinapses em geral, e a falta de uso as atrofia, tanto anatômica como
fisiologicamente.

Os transtornos afetivos, principalmente a depressão, habitualmente são acompanhados por


algum grau de amnésia. Vários sistemas centrais envolvidos na modulação das memorias
falham ao mesmo tempo (vias dopaminérgicas, noradrenérgicas e serotoninérgicas). Essa
amnésia dos deprimidos é mais bem percebida pelos familiares e amigos que pelos próprios
pacientes. Mas, eles apresentam menos amnésia para as memórias mais negativas, por isso,
não é conveniente tratar a síndrome amnésica da depressão de modo isolado do resto do
transtorno. Um paciente deprimido em que o estado de animo continua ruim, mas recupera
sua memória por meio de algum tratamento, apresenta, obviamente, maior potencial de risco
para o suicídio.
CAP 9

Quando uma pessoa apresenta falhas da memória, em condições-padrão de saúde, o


problema se deve a cansaço, saturação dos sistemas, desatenção, influencia negativa de
alguma via modulatória ou hiper/hipersecreção de algum hormônio. Uma vez corrigido o
problema, o individuo voltará ao normal. Se o problema for devido a estresse ou alta
ansiedade, será corrigido pela mudança da situação ou ambiente.

A atividade que mais estimula a memória é a leitura: ela requer o emprego simultâneo e em
rápida sequencia de memórias visuais e de linguagens, estimula paralelamente as memórias
visuais (quando pensamos em uma árvore, “vemos” uma arvore e as vias dos sentimentos e
emoções, pois não existem, nos seres humanos, memorias “a-emocionais”. Toda memória
quando e faz ou se evoca envolve e requer a ativação das vias moduladoras dependentes das
emoções e sentimentos.

Não há outra atividade nervosa que exija tanto em tão pouco tempo do cérebro, e
particularmente da memória, como a leitura. Há estudos demostrando que as pessoas que
mais leem, costumam conservar por mais tempo sua memória sadia e, caso aconteça, iniciam
quadros de Alzheimer mais tarde do que os não leitores. Vários estudos mostram que a leitura
de música é tão efetiva para preservar a memória como a de palavras.

CAP 10

O uso de ambientes enriquecidos em humanos não aumentou a “capacidade da memória” ou


“capacidade mental” das crianças nem dos adultos. Contudo, essa técnica revelou enorme
poder no tratamento de crianças ou adolescentes com lesões cerebrais graves. Há casos de
crianças com lesões cerebrais perinatais ou adquiridas nos primeiros anos de vida significativas
que conseguem manifestar um desempenho escolar igual ou superior à média.

As memórias infantis que aparentemente se perdem

É provável que os primeiros tipos de memória que aparecem durante o desenvolvimento


sejam a memória de trabalho e a memória de curta duração. Nada indica que crianças de
poucos dias de idade lembrem muitas coisas de um dia para ou outro.

Nos animais e nos seres humanos de poucos meses ou anos, as percepções e as memórias não
se traduzem em metáforas verbais (isto é, em linguagem). Quando uma criança de 1 ano vê
uma arvore, vê o objeto em particular e não o interpreta em termos de significado genérico da
palavra “arvore”.

Assim, até os 3 anos aproximadamente, toda a vida dos seres humanos desenvolve-se fora da
linguagem. É inviável “traduzir” essas memórias infantis em termos de linguagem e trazê-las a
toda. Por isso, as pessoas não conseguem evocar as memórias da primeira infância. Alguns
poucos conseguem se lembrar, de maneira exprimível em palavras, episódios simples. As
primeiras memórias foram adquiridas em uma linguagem direta e não metafórica, a mesma
usada pelos animais.

Uma metáfora para ajudar a entender isso: é como se nos primeiros anos de vida, nossa língua
tivesse sido o chinês, depois tivesse havida uma transição para o português, e o aprendizado
deste ultimo idioma nos tivesse feito esquecer o anterior. Torna-se impossível transpor
aquelas coisas que aprendemos em chinês para um mundo que ignora totalmente essa língua.

Sonhos, delírios e criatividade

Muitos estudos têm verificado que os sonhos nada mais são, na verdade, que misturas de
memórias existentes no cérebro, de maneira altamente influenciada pelos acontecimentos do
dia ou dias anteriores e as previsões para o dia ou dias seguintes. Não há indicio objetivo que
nos permita intuir que signifiquem alguma coisa além disso.

A criatividade tem sido definida por Jaime Vaz Brasil como a conjunção de duas memórias.
Nada se cria do nada, mas da mistura de memórias.

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