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A importância da memória

P
ara os neurocientistas, o conceito de aprendizagem está fortemente vinculado ao de
memória. Entendendo aprendizagem como “[...] o processo de aquisição de novas
informações que vão ser retidas na memória [...] através do qual nos tornamos
capazes de orientar o comportamento e o pensamento” (LENT, 2001, p.594), esse autor
deixa claro que a memória é o processo de arquivamento seletivo dessas informações,
de modo que ela pode ser considerada como o conjunto de processos neurológicos e
psicológicos que possibilitam a aprendizagem.

Se com a aprendizagem “se adquire conhecimento sobre o mundo” (Kandell, 2000,


p.1227), a memória é o processo pelo qual esse conhecimento é codificado, armazenado e
posteriormente evocado. Portanto, a aprendizagem teria estreita ligação com a memória.

De que capacidades necessito para adquirir esse “conhecimento sobre o mundo”,


segundo Kandell? Conhecer o mundo implica a necessidade de: desenvolver habilidades
motoras que permitam o domínio físico do ambiente; e desenvolver linguagens que possibilitem
a comunicação e transmissão da cultura. Teríamos, assim, basicamente, dois tipos de
aprendizagem: a) aprendizagem de habilidades motoras; b) aprendizagem de linguagens.

Tais desdobramentos da aprendizagem encontram correspondência direta com os tipos


da chamada memória de “longa duração”, ou seja, aquela que já se encontra codificada e
armazenada, e pode ser evocada através de um esforço consciente (memória explícita ou
declarativa) ou de forma involuntária (memória implícita ou não-declarativa). A memória
explícita ou declarativa pode ser episódica – diz respeito ao conhecimento de pessoas,
lugares, fatos – e semântica – trata do significado dos fatos, envolve conceitos atemporais.

Input

Input é o termo que


denota uma entrada
ou mudanças que são
introduzidas em um
sistema e que ativam/
modificam um processo.

Figura 3 – Esquema dos tipos de memória

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Uma informação complexa como a de uma paisagem, por exemplo, nos chega através de
input visual, olfativo, auditivo, somático, afetivo. Essas informações são sintetizadas de modo
a formarem uma imagem única em áreas do cérebro chamadas “córtex de associação”. Daí
elas são transferidas para outra região, o hipocampo, que facilita a armazenagem, modulando
outras conexões que facilitem a fixação desta, fazendo conexão com outras informações. Em
seguida, a informação é devolvida ao córtex de associação, no qual ocorre o armazenamento
definitivo. Diferentes representações de um objeto são armazenadas separadamente no córtex de
associação. Cada vez que um conhecimento é requerido, a evocação é construída por distintos
pedaços de informação, cada um dos quais armazenados em áreas específicas da memória.

Figura 4 – Imagem do cérebro dentro do crânio

De uma maneira geral, pode-se dizer que no conhecimento explícito (fruto da


memória explícita), seja semântico, seja episódico, ocorrem quatro propriedades: 1. não
há um armazenamento único; 2. alguns itens têm múltipla representação no cérebro,
cada uma das quais correspondendo a diferentes significados e podendo ser acessadas
independentemente; 3. é o resultado de, no mínimo, quatro processos: codificação,
consolidação, armazenamento e recuperação; 4. a recuperação é mais efetiva, quando
ocorre no mesmo contexto no qual a informação foi adquirida e na presença dos mesmos
indicativos que estavam disponíveis naquele momento.
É importante salientar que se trata de um processo construtivo, no sentido de
que o indivíduo interpreta o ambiente externo a partir de sua própria história. Uma

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vez armazenadas, as lembranças não são uma cópia exata da informação original. As
experiências anteriores são usadas no presente como “pistas” para o cérebro reconstituir
um evento atual e dar-lhe sentido.
Alguns estudos mostram que, quando se pede a sujeitos que evoquem uma história
recentemente lida, a história evocada é mais curta e mais coerente que a original. Os sujeitos não
se dão conta de que a haviam editado e têm mais certeza da veracidade da história editada do que
da original. Isso faz pensar que a memória não é uma repetição factual, mas uma construção,
em que as informações são agrupadas de acordo com critérios exclusivamente pessoais.
Por sua vez, a memória implícita é um tipo de memória que se constrói lentamente, pela
repetição, sendo expressa em atos e não em palavras, como por exemplo, as habilidades
motoras, a aprendizagem de procedimentos e atitudes. Aqui também se observa uma grande
variedade de localização cerebral, a depender das diferentes habilidades aprendidas. Uma
das formas mais conhecidas e divulgadas da aprendizagem que utiliza a memória implícita é
aquela fornecida pelas experiências de condicionamento clássico ou operante, descritas pelo
behaviorismo: a chamada aprendizagem associativa.
Por muito tempo, acreditou-se que um tipo de aprendizagem poderia ser induzido
quando se expunha o organismo a dois estímulos contíguos, de modo que o indivíduo
pudesse fazer a associação de que sua intervenção no meio havia produzido a resposta que
satisfazia a sua necessidade. O exemplo mais clássico da aprendizagem associativa é aquele
em que um rato, colocado em uma caixa de experimentos, “descobre” que, se tocar em
uma determinada barra, recebe alimento, passando, então, a tocá-la sempre que sente fome
(vamos explorar melhor esse tema na aula seguinte, quando discutiremos o Behaviorismo).
Na verdade, esse tipo de aprendizagem está submetido a importantes fatores biológicos.
O animal aprende a associar estímulos que sejam relevantes para sua sobrevivência.
O cérebro está capacitado a perceber alguns estímulos e não outros, ou seja, é capaz de
discriminar algumas relações dentro do ambiente. Por isso, nem todos os reforços são
igualmente efetivos para todos os estímulos ou respostas. Por outro lado, a aprendizagem
associativa pode envolver também memória explícita, de modo que a resposta aprendida
pode estar mediada, pelo menos em parte, por processos conscientes. O sujeito não aprende
simplesmente a aplicar (dar) uma resposta fixa a um estímulo, mas adquire informações que
o cérebro usa para configurar uma resposta apropriada a uma nova situação.

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Afetos e motivação

C
oncentrar-se, ou seja, focalizar a atenção em algo, é, no nível biológico, o esforço
despendido na busca de uma conexão neural, dentre os múltiplos circuitos, de um que
“faça sentido”. Por outro lado, esse esforço de concentração, em alguns momentos,
mostra-se difícil, enquanto em outros é, praticamente automático. O que dirige nossa
atenção? Que fatores influenciam nessa concentração? O que seria assim tão motivador?
Um desses fatores é a resposta afetiva que o estímulo nos desperta.

Na região central do cérebro, em cada um dos hemisférios, há um conjunto de estruturas


anatômicas que está em ligação com as demais: o Sistema Límbico, responsável pelos
estados emocionais. Apesar de existirem emoções primárias, geneticamente determinadas,
algumas se desenvolvem como um componente consciente, fruto da experiência: os
sentimentos. Estudos mostram que existem estreitas conexões entre o Sistema Límbico
(Figura 4) e estruturas corticais localizadas na região pré-frontal, as quais são responsáveis
pela referência cognitiva dos sentimentos. É o córtex pré-frontal que organiza e escolhe,
dentre vários impulsos que lhe chegam, a maneira como vamos reagir afetivamente; e o faz
de acordo com experiências prévias, que ficaram marcadas como experiências agradáveis
ou desagradáveis. Assim, a nossa maior ou menor capacidade de nos concentrarmos vai
depender tanto das experiências anteriores que tivemos ao entrar em contato com o objeto
de nossa concentração, quanto das emoções e sentimentos que esse objeto nos desperta.

Talvez isso explique por que nos dedicamos com tanta facilidade a atividades das quais
gostamos e tenhamos tanta dificuldade em prendermos nossa atenção, por exemplo, em um
tema que nos pareça tedioso e irritante.

A atenção pode ser, também, estimulada por outro fator: a motivação, mais um conceito
amplamente difundido nos estudos sobre aprendizagem. Utilizado, na maior parte das vezes,
em um sentido amplo, referindo-se a uma variedade de fatores neuronais e fisiológicos
que iniciam, sustentam e dirigem um comportamento, o conceito de motivação vincula-
se, tradicionalmente, a aspectos não cognitivos do comportamento, refletindo não o que o
indivíduo sabe, mas o que necessitaria organicamente.

Até bem recentemente, esses estudos estavam restritos às instâncias fisiológicas da


motivação, chamadas “condições mobilizadoras”, que se caracterizam por expressar tensão
ou desconforto, quando surgem necessidades fisiológicas. Assim, quando surgissem
necessidades orgânicas, como a fome, por exemplo, ela se expressaria por sensações de
desconforto, as quais motivaria o indivíduo na busca do alimento. Uma vez satisfeitas as
necessidades, as “condições mobilizadoras” seriam superadas.

Reconhece-se hoje que tais “condições mobilizadoras” são apenas uma parte dos
estados motivacionais que dirigem o comportamento; mesmo a função homeostática da
motivação não necessariamente advém de necessidades orgânicas. Hábitos aprendidos e

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sentimentos subjetivos de prazer podem modular a direção dos nossos atos. Nesse sentido,
Kandell (2000, p.1007) apresenta um exemplo: freqüentemente as pessoas, mesmo com
fome, preferem não comer a ingerir um alimento que aprenderam a evitar.

Por outro lado, as aspirações pessoais ou sociais adquiridas pela experiência constituem,
talvez, uma complexa inter-relação entre forças fisiológicas e sociais, entre processos
mentais conscientes e inconscientes. Infelizmente, os estudos sobre esses aspectos são,
ainda, muito incipientes, o que faz com que sua aplicação mais significativa às investigações
sobre aprendizagem ainda não possa ter resultados observáveis.

De tudo que foi discutido nesta aula, podemos concluir que as Neurociências vieram
trazer comprovações para alguns aspectos já entendidos e observados como importantes na
aprendizagem, tais como:

1) a experiência do sujeito, o contato com o meio social em que vive, tem mostrado que
é fundamental para o estabelecimento de conexões sinápticas estáveis. Na verdade, a
experiência modifica mesmo a estrutura da organização cerebral, evidenciando a sua
plasticidade. A importância desta aspecto foi apontada por Vygotsky;

2) a transformação de conexões “lábeis” em conexões estáveis entre os neurônios vai


depender em grande parte de que elas “encontrem sentido”, ou seja, mostrem-se
significativas e úteis. Tal busca de relações de sentido e significação já vinha sendo
apontada por Ausubel;

3) uma vez estabelecida a conexão, com seu uso freqüente, ela torna-se estável, acomoda-
se, equilibra-se. O conceito de acomodação e equilibração já estava colocado por Piaget;

4) as motivações e os afetos, como mecanismos básicos do ser humano, são modificados
pela aprendizagem e são, também, impulsionadores desta, como já mostrava Kurt Lewin.

Na próxima aula, vamos conhecer melhor as teorias desses autores.

Resumo
Nesta aula, estudamos o papel do cérebro para a compreensão de como os
indivíduos aprendem. Vimos, em primeiro lugar, como se organiza o nosso cérebro,
observando as estruturas fundamentais no estudo da aprendizagem, com destaque
para o hipocampo e seu papel no armazenamento da memória, o lobo frontal e o
córtex de associação. Vimos, por fim, a importância dos afetos na capacidade de
prender a atenção e a motivação, fatores importantes no aprendizado.

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