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Você já parou pra pensar sobre nossa capacidade de recordar eventos do passado?
Ou já parou para pensar os mecanismos pelos quais nós aprendemos os conteúdos das
disciplinas que cursamos na Universidade? Ou mesmo como aprendemos a pedalar uma
bicicleta, tocar um instrumento musical, digitar no teclado do computador sem precisar
olhar as teclas ou mesmo como aprendemos a ler este texto? Nós nomeamos todos esses
processos relacionados de memória ou aprendizagem. Aprendizagem pode ser definida
como a nossa capacidade de obter novos conhecimentos e habilidades. Memória, por sua
vez, é o processo pelo qual os indivíduos podem construir e reconstruir esses
conhecimentos e habilidades ao longo do tempo. Não existe um único tipo de memória.
De fato, “memória” é um termo genérico e é usado para descrever diversos processos que
ocorrem em diversos locais do nosso sistema nervoso. Além do mais, a memória é um
fenômeno individual. Os eventos da vida que as pessoas experienciam são diferentes e,
por isso, seus bancos de dados de memória são também diferentes. Um mesmo evento
seria recordado de modo diferente por diferentes pessoas.
Outros tipos de memória são aqueles onde a informação adquirida é mantida por
um período de tempo maior. São as chamadas memórias de longo prazo e existem vários
tipos delas. Um específico é a memória não declarativa, ou também chamada de memória
de procedimentos ou memória implícita. Esse tipo de memória nos dá a capacidade de
aprender a pedalar uma bicicleta, usar um garfo e uma faca ou tocar um instrumento
musical. Ela está relacionada às nossas habilidades motoras e hábitos. Ah, ela não precisa
de processos conscientes para acontecer (por isso é chamada de não declarativa). Sabe
quando você está caminhando na rua? Você não precisa estar consciente ou pensando em
como caminhar, a memória relacionada ao “caminhar” já é tão estabelecida em você que
executas ela no “automático”.
Não teríamos tempo para falar sobre todas elas detalhadamente, por isso escolhi
falar mais sobre as memórias declarativas (são as minhas prediletas). De agora em diante,
falaremos dela. Fisiologicamente, como se forma uma memória? O que acontece no meu
encéfalo que faz com que eu tenha a capacidade de recordar o dia da minha colação de
grau? Bioquimicamente, o que é uma memória? A memória da minha colação de grau é
uma proteína? Um RNA? Um neurotransmissor agindo numa sinapse? Essas são algumas
perguntas ainda não completamente elucidadas, mas que já temos algumas respostas.
Como já aprendemos na disciplina, ao longo de nossas vidas, vivenciamos eventos e
somos bombardeados a todo momento com informações sensoriais vindas do ambiente e
do nosso meio interno. Como o corpo seleciona aqueles que se transformarão em
memória? Imagine a quantidade de informações sensoriais que obtemos durante um único
dia? E se nosso encéfalo guardasse todas elas, do momento que acordamos até os sonhos
que temos quando estamos dormindo? Por que estudamos tanto para sermos aprovados
em uma disciplina e, alguns meses depois, recordamos tão pouco do assunto que
estudamos? Vamos destrinchar mais especificamente esse fascinante mundo da memória.
Figura 4: muitos brasileiros formaram memórias fortes e duradouras sobre esse dia,
justamente por causa do intenso componente emocional envolvido.
Isso fazia todo sentido, até que um estudo revolucionário em 2013 mudou um pouco
o cenário. As planárias são vermes que conseguem regenerar seus corpos mesmo quando
são cortadas ao meio. Cientistas então treinaram planárias para que elas aprendessem uma
tarefa (formassem uma memória). Daí ele decapitaram sua cabeça (e seu encéfalo),
descartando-o, e esperaram crescer outra cabeça a partir do resto do corpo que foi
preservado. Incrivelmente, depois de regenerada a cabeça (e o encéfalo), as planárias
ainda conseguiam lembrar da tarefa aprendida, mesmo depois de seus cérebros terem sido
descartados. Nesse sentido, já que o encéfalo foi descartado, onde ficaram guardadas as
memórias das planárias? No resto do corpo que ficou preservado? Em proteínas? Em
RNAs? Questões ainda não resolvidas...
PERGUNTAS:
1- Dê um exemplo de cada tipo de memórias que discutimos, mas que já não tenha
sido citado no texto: memória de curto prazo, memória de procedimentos,
memória episódica e memória semântica.
2- Diferencie aprendizado de memória.
3- Qual a diferença entre aquisição e consolidação? Qual a ordem de ocorrência delas
para que se forme uma memória?
4- Para que ocorra a formação das memórias, é preciso que ocorra LTP. Descreva
brevemente a LTP, enfatizando o que ocorre no primeiro e no segundo estágio
desse processo.
5- A partir do que você leu, onde você acredita que nossas memórias estão
guardadas? Ou melhor, o que são nossas memórias a nível molecular/celular?
6- A possibilidade de manipular memórias nos dará a capacidade de apagar
memórias, criar memórias artificiais e até mesmo criar bancos de memórias a
partir do encéfalo de indivíduos. Quais as implicações éticas que você considera
importantes de tais procedimentos?
Referências:
BLÅVARG, C. The alluring nature of episodic odor memory: sensory and cognitive
correlates across age and sex. 79 F. Tese (Uppsala Dissertations from the Faculty of
Social Sciences) – Uppsala University, Uppsala, 2016.
NICOLELIS, M. Muito além do nosso eu. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2017.