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UMA ANALISE HISTÓRICA DO SURGIMENTO DA FRATERNIDADE E A

IMPORTÂNCIA DE SUA APLICABILIDADE PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA


SOCIEDADE FRATERNA

Elber Lucas da Silva Costa1


Fernando Gomes de Andrade2

RESUMO

Historicamente, sabe-se que os direitos foram conquistados gradativamente e através de


inúmeras lutas emblemáticas. Pouco a pouco esses direitos foram se consolidando a ponto de
hoje termos uma série de direitos e garantias fundamentais, imprescritíveis, irrenunciáveis,
inalienáveis, etc. A tríade liberdade, igualdade e fraternidade, que surgiu juntamente com a
Revolução Francesa (1789), teve uma forte influência no surgimento de vários direitos
fundamentais, mas, dessa tríade, um desses princípios/valores restou esquecido por um longo
lapso temporal: a fraternidade. O objetivo deste artigo é apresentar como este princípio/valor,
que por tanto tempo restou esquecido, surgiu durante a história, está presente atualmente no
ordenamento jurídico brasileiro, seja na Constituição Federal de 1988, seja no texto
infraconstitucional – explicitamente ou implicitamente – e apresentar a sua importância para a
construção de uma sociedade fraterna, sempre realizando analises e considerações históricas,
ressaltando a importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), visto que
está última tem em seu conteúdo uma enorme importância para o presente trabalho. A
fraternidade no presente trabalho será desenvolvida com um olhar jurídico, ou seja, como
categoria jurídica, devido sua importância e, a parti de então analisar os efeitos e as
consequências que esta produz. O presente trabalho foi desenvolvido pelo método indutivo,
sendo para tanto feito uso de doutrinas, artigos científicos e uma revisão bibliográfica acerca
do assunto.

Palavras Chave: Fraternidade; Direitos Humanos, Constituição Federal (1988).

1.CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
1
Discente do Curso de Direito – Associação Caruaruense de Ensino Superior / Centro Universitário Tabosa de
Almeida / Asces Unita. Orientador – Professor Fernando Gomes de Andrade. Endereço: Rua Francisco Alves da
Costa, N,54, Centro, Ibirajuba-Pe. Telefone: (87) 9.8825-7147. E-mail: 2017201546@app.asces.edu.br /
lucas12341lucas@outlook.com.
2
Mestre em Direito Público (UFPE) e Doutor em Ciências Jurídico-Políticas (Faculdade de Direito /
Universidade de Lisboa). Professor da Faculdade ASCES, onde coordena o Núcleo de Extensão e Atividades
Complementares, e da Universidade de Pernambuco (UPE). E-mail: fernandoandrade@asces.edu.br.
1
Para que os direitos fundamentais que são existentes nos dias atuais fossem
assegurados aos seres humanos, estes últimos tiveram que travar um sem-número de lutas
emblemáticas. Foram vários os eventos que contribuíram para o surgimento e a consolidação
desses direitos que serão abordados durante este trabalho, porém, um desses importantes
eventos já será destacado brevemente nesta introdução, que é a Revolução Francesa, esta
última teve uma grande influencia para o surgimento de vários direitos fundamentais.
Com o escopo de derrubar o Estado absolutista e acabar com os altos privilégios da
realeza, surgi a Revolução Francesa e, com ela, surgi também uma tríade que ficou marcada
durante a história – liberdade, igualdade e fraternidade –, estes princípios/valores apareceram
para mudar completamente a maneira de ver os seres humanos, passando a tratar esses últimos
com igualdade e dignidade. Porém desses três princípios/valores, um acabou sendo esquecido
durante a história. Enquanto a liberdade e a igualdade desenvolveram-se rapidamente com
uma enorme importância, a fraternidade restou esquecida durante muito tempo.
Com o passar do tempo, as sociedades vão evoluindo e necessitando cada vez mais de
direitos e garantias. A fraternidade, que por tanto tempo restou esquecida, nos dias atuais
aparece como uma importante solução para efetivar o tratamento do ser humano com
igualdade e dignidade. Contudo, temos nos dias atuais importantes documentos jurídicos que
reconhecem a fraternidade, é o exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que
traz em seu texto a preocupação de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, como a
liberdade, a igualdade, a dignidade, a fraternidade e outros mais. O legislador constituinte
brasileiro também se preocupou com esses direitos fundamentais, inclusive preocupou-se em
construir uma sociedade fraterna, compromisso este que vem expresso logo no preambulo
constitucional e será detalhado mais à frente.
O presente artigo está dividido em quatro tópicos incluindo está breve introdução.
Primeiramente será analisado a evolução dos direitos fundamentais, fazendo uma análise do
seu surgimento, dos importantes eventos ocorridos ao longo da história que contribuíram para
esses direitos, assim como para sua consolidação, além de apresentar o surgimento da
fraternidade e o seu reconhecimento em importantes documentos como a Declaração
Universal do Direitos Humanos (1948) e Constituição Federal (1988).
Posteriormente, será tratado sobre a importância da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) e da Constituição da República Federativa do Brasil (1988) para a
construção de uma sociedade fraterna, visto que ambos os textos fazem menção
explicitamente a fraternidade e trazem em seu conteúdo um caráter fraterno. Lembrando que
em todo momento a importância desses textos serão apresentadas tomando como base
acontecimentos históricos, ou seja, a parti de situações que deram causas para que esses
direitos e estas importantes cartas surgissem. Contudo, será percebido o real valor da
fraternidade para as sociedades contemporâneas desenvolverem-se de um modo que venha
fortalecer cada vez mais a grande família humana.
Para a elaboração do presente trabalho foi utilizado o método indutivo, sendo para
tanto feito uso de doutrinas, artigos científicos e uma revisão bibliográfica acerca do assunto.

2. EVOLUÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: AS PREMISSAS


HISTÓRICAS DA FRATERNIDADE

Atualmente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconhece


juridicamente a fraternidade. O direito fraterno não é um conceito novo. Em 1789 a
Revolução Francesa trouxe como seu lema a tríade, liberdade, igualdade e fraternidade. Nos
dias atuais, existe um desenvolvimento doutrinário e teórico bastante extenso em relação à
2
igualdade e a liberdade, porém, em relação à fraternidade há um esquecimento dos estudos
jurídicos ao longo da história e, mesmo com a sua grande importância foi pouco
desenvolvida, principalmente quando comparada aos princípios da igualdade e da liberdade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, considerando que
todos os seres humanos são membros de uma grande família humana, que todos são dignos de
terem direitos iguais, considerando ainda os desrespeitos e desprezos advindos de atos atrozes
para com os homens, mulheres e crianças ao longo da história, conferiu, em seu artigo 1º que,
todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. São dotados de
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Este
caráter fraterno leva-nos a entender a real importância da fraternidade, como explica Marconi
Aurélio, Matheus Pereira e Lucas Silva (2014, pag. 103):

Isso porque esta é antes de tudo a condição humana na qual é possível reconhecer o
outro tanto em sua individualidade quanto na perspectiva coletiva na qual se insere.
A própria Declaração Universal dos Direitos humanos, em seu artigo 1º, menciona a
fraternidade como elemento essencial para que seja possível promover a todos os
direitos nela mesma enunciados.

Antes de aprofundar o assunto, cabe aqui ressaltar que o presente trabalho tem como
escopo analisar a fraternidade como categoria jurídica. Em certas ocasiões há um equivoco
em relação ao conceito de fraternidade, pois na maioria das vezes o referido tema é trabalhado
sobre um viés filosófico, ético-moral, sociológico, religioso, sobre uma ideia de irmandade,
que é o próprio significado da palavra. Assim ressalta os mesmos autores supracitados (2014,
pag. 101):

A palavra fraternidade possui diferentes conteúdos semânticos, notadamente


vinculados a valores religiosos [...]. A fraternidade quase sempre esteve relacionada
a valores cristãos, em que se acredita em um único Deus, pai de toda a Humanidade,
o que implica o reconhecimento reciproco de todos como irmãos, iguais e livres,
tanto em termos de direitos e quanto de deveres.

A proposta deste trabalho, diferentemente do que muitos estão acostumados, é tratar a


fraternidade, devido sua importância, através de um olhar jurídico, a qual passou a ser
conhecida a parti da Revolução Francesa com os ideais iluministas, e parti de então analisar
todas as suas consequências. Contudo, nota-se que para entender a fraternidade como
categoria jurídica, é importante realizar algumas analises e considerações históricas, pois,
como afirma Norberto Bobbio, em sua obra A Era dos Direitos (2004, pag.20), os direitos do
homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por
sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas
produzem.
É fácil identificar as barbáries que ocorreram ao longo da historia, onde direitos
fundamentais foram negados aos cidadãos, onde homens, mulheres e crianças sofreram nas
mãos de governos ditatórias, sendo humilhados constantemente, sem terem o mínimo de
direitos reconhecidos, vivendo em condições atrozes sem o mínimo de dignidade. Como
exemplos, temos os regimes totalitários nazista e fascista, as guerras religiosas travadas entre
protestantes e cristãos, o apartheid, entre outros. Eventos estes que não serão aprofundados
por não ser o objetivo principal do presente trabalho, mas que merecem ser mencionados para
esclarecer melhor o contexto e como surgiram os direitos e garantias fundamentais que são
desfrutados nos dias atuais.
Como já foi mencionando, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
trouxe um caráter fraternal, seguindo a tríade da Revolução Francesa. Mas além desse
importante feito, outros passos importantes foram dados anteriormente. A Magna Chatar
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Libertatum de 1215, apesar de ter sido elaborada na Inglaterra foi um movimento que
impulsionou todo o mundo. Mesmo que esta declaração de diretos não tenha surgido a parti
de uma livre vontade do monarca, nem sendo iniciada de um acordo prévio, mas sim sendo
fruto da derrota da realeza, ela pode ser considerada, um dos documentos jurídicos mais
importante da história. Como explica Walber Agra (2012, pag.145):

A Declaração de Direitos, assinada em Runnymede, no ano de 1215, e reconhecida


por sucessivas monarquias inglesas, previu, de forma inovadora, princípios que,
posteriormente, seriam insculpidos em todas as declarações de direitos como o
principio da legalidade tributaria, devido processo legal, tribunal do júri, vedações
das penas cruéis.

A Magna Chatar Libertatum foi o reconhecimento de direitos para os cidadãos


ingleses que posteriormente serviu como inspiração para as demais declarações de direitos.
Esta carta teve uma forte influência não só na história inglesa, como também na história
mundial que deu origem as liberdades fundamentais. O rol de direitos reconhecidos nos dias
atuais não são produtos de uma única época, muito menos de uma única carta ou declaração,
mas foram formulados em contextos históricos diferentes, tendo a contribuição de
movimentos, cartas e declarações diferentes. Consequentemente, esses mesmos direitos, estão
em constantes processos de evolução, como destaca Norberto Bobbio (2004, pag.09):

Do ponto de vista teórico, sempre defendi — e continuo a defender, fortalecido por


novos argumentos — que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam,
são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por
lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. [...] os direitos não
nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer.

Conforme a sociedade vai evoluindo, as suas necessidades e demandas continuam


aumentando, os seres humanos continuam a produzir valores, e assim, necessitam cada vez
mais de garantias. Seguindo essa mesma perspectiva, vieram outros textos que aumentaram o
rol de prerrogativas dos cidadãos, garantindo direitos inalienáveis, direitos individuais e
coletivos, direitos fundamentais e outras garantias. Dentre esses importantes marcos, estão a
Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição francesa de 1791, esta ultima teve
forte influencia da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Em
1789 com os princípios igualdade, liberdade e fraternidade, advindos da Revolução Francesa,
provocou-se uma grande mudança em vários locais da Europa e posteriormente no restante do
mundo. Conforme salienta Walber Agra (2012, pag.144):

Em 1789, a Assembleia Nacional da França votou a Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão. Sua importância se configura na mudança das relações entre
os direitos humanos e o Estado, positivando tais prerrogativas e obrigando os entes
estatais a respeitá-los e garanti-los. Sua preponderância em relação às outras
declarações consiste em seu caráter universal, ou seja, a declaração americana estava
voltada a garantir a independência das treze colônias, restabelecendo antigas
liberdades e costumes; já a Declaração de 1789 tinha como objetivo levar a ideia de
liberdade a todos os povos e a todos os tempos.

Além desta Declaração se destacar por conta da forte participação intelectual dos
filósofos iluministas da época, ela traz consigo um caráter universal, pois as suas premissas
englobam não só os seres humanos da França, mas atingem todos os seres humanos, de
qualquer parte do mundo, surgindo dai o seu caráter universal, assegurando os direitos
individuais e coletivos dos cidadãos.

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Posteriormente, surge em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Após a
passagem histórica de duas grandes guerras mundiais e de todas as experiências ignóbeis e
atrozes que decorreram dessas guerras e de outros eventos que marcaram negativamente o
mundo, a Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948 proclama a referida
declaração, que logo em seu artigo 1º, faz referencia a liberdade, a igualdade e a fraternidade,
reconhecendo de inicio, a importância desses três princípios, que alcançaram todo o mundo
juntamente com a revolução francesa. A fraternidade foi surgindo aos poucos na historia e
demorou um pouco mais que os outros dois princípios da revolução francesa para ser
desenvolvida de maneira mais aprofundada, porém, esta ideia vem se consolidando e
ganhando cada vez mais força. Este capítulo limita-se a apresentar a evolução dos direitos e
garantias fundamentais assim como o surgimento da fraternidade. Contudo, percebido a
importância dos Direitos Humanos para a construção de uma sociedade fraterna, o capítulo
posterior será reservado para desenvolver este assunto de maneira mais aprofundada.
O Brasil, levando em conta todo esse contexto histórico, assim como todas as
barbáries ocorridas no nosso próprio país, promulgou em 1988 uma nova Constituição
Federal, conhecida por todos como Constituição Cidadã. Este novo texto, buscando o
caminho do Estado Democrático de Direito, foi o que mais apresentou legitimidade por parte
dos cidadãos e o melhor elaborado até então, e traz consigo esse caráter fraterno. Este
reconhecimento da fraternidade na Constituição Federal, que vem expresso em seu
preâmbulo, não deve ser encarado como uma mera fraternidade simbólica, mas sim como uma
fraternidade factual. Desta forma, a República Federativa do Brasil, deixa explicito ao longo
da Constituição que tem o escopo de atingir uma sociedade fraterna. Em seus fundamentos,
existem princípios como: o da dignidade da pessoa humana. Tem como objetivos
fundamentas: a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria; a garantia do
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. E ainda rege-se, em suas relações
internacionais pelos seguintes princípios: prevalência dos direitos humanos; autodeterminação
dos povos; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; buscando a integração
econômica, politica, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de
uma comunidade latino-americana de nações.
Esta série de princípios fundamentais supratranscritos e o preâmbulo, demonstram o
reconhecimento da fraternidade pela nossa Constituição Federal, visto que o caráter fraterno
está presente em todos eles.
Foi através desses e de outros acontecimentos e da promulgação destas e de outras
cartas ao longo do tempo que os direitos fundamentais foram evoluindo e a fraternidade foi
sendo cada vez mais reconhecida. O ponto de partida para o surgimento dos direitos
fundamentais foi, como ensina Walber Agra (2012, pag.157), a resistência contra o Estado
opressor e contra os privilégios da realeza. Já Fernando Andrade (2014, pag.159), explica que
o Estado moderno surgira em contraposição ao indesejado absolutismo e, como tal, encetou
substanciais mudanças.
Desta forma, com o surgimento do Estado de Direito o despotismo foi perdendo força,
a humanidade percebeu que existem certos direitos que já nascem com o ser humano, tais
direitos que hoje são conhecidos como inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis,
compreendendo-os como fundamentais. Surgiram assim, os direitos de primeira dimensão,
englobando os direitos civis, políticos e de liberdade. Como descreve Carlos Augusto
Alcântara Machado (2017, pag.122):
Conhece-se, assim, a positivação dos direitos humanos fundamentais, inseridos no
corpo formal das Constituições, materializados que foram em direitos de status

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negativus, limitadores da atuação dos poderes públicos. [...] Os direitos de primeira
dimensão tinham como foco, exatamente, a proteção da liberdade dos indivíduos.
A atuação arbitraria do poder Estatal naquela época, fez com que surgissem os direitos
humanos fundamentais de primeira dimensão, através das lutas dos cidadãos, garantindo dessa
forma, por um lado, uma defesa a liberdade dos cidadãos, e por outro a não intervenção do
Poder Estatal, ficando conhecido como Estado Liberal.
Posteriormente, surgiram os direitos destinados ás coletividades, com um caráter
universal, sendo esses os direitos sociais, culturais e econômicos, também reconhecidos como
direitos de segunda dimensão. A garantia ao direito de liberdade foi um passo muito
importante, porém, não suficiente. Como ensina Fernando Andrade (2014. Pág.161), no início
do séc. XX, a igualdade – como era concebida – começa a ser questionada. Ela é o ponto que
diferencia o constitucionalismo liberal do social.
A desigualdade social era um problema alarmante naquela época e os direitos
relacionados a essa área eram praticamente inexistentes. A humanidade clamava por
igualdade e um novo estágio foi alcançado, surgiu então o Estado Social, onde o Estado tem o
dever de atuar para atender as demandas mais urgentes da humanidade.
Após essas duas primeiras dimensões, veio à terceira. Na categoria dos direitos de
terceira dimensão, estão consagrados o direito a paz, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, o direito à autodeterminação dos povos, o direito a fraternidade,
entre outros. Assim o direito a fraternidade foi reconhecido e é ele o principal ponto do
presente trabalho. Vale salientar que, uma dimensão não substitui nem mesmo exclui as
outras, como explica Walber Agra (2012, pag.157), elas são quantitativas e qualitativas. Uma
dimensão posterior incorpora direitos da anterior e acrescenta uma nova densidade de
prerrogativas aos cidadãos que ate então não existia.

3. O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA


A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE FRATERNA

Foi com o objetivo de construir uma sociedade mais justa, fraterna, igual em direitos e
em dignidade para todos os cidadãos, que, há sete décadas foi criada a Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Situações que parecem comum em nosso dia a dia, como acordar,
lavar o rosto, tomar café, ter uma roupa limpa para usar, poder ouvir uma boa musica, sair de
sua casa sem ter alguém para lhe obrigar a ir para um determinado local ou fazer determinada
coisa, demonstra que somos livres, e podem parecer até pequenas liberdades, pois como já
mencionado, são situações comuns na vida dos cidadãos do século XXI. Mas, essas mesmas
pequenas liberdades, que são comuns na vida da grande maioria das pessoas, podem
tornassem imensas, se olharmos para historia do mundo em que vivemos.
Quando nós analisamos todos os horrores que ocorreram em momentos históricos que
são marcados de forma negativa, percebemos o quanto são importantes e imensos os direitos e
as garantias que são assegurados aos cidadãos nos dias atuais. A grande família humana teve
os seus direitos renegados por diversas vezes, a paz no mundo foi substituída por guerras
politicas e ideológicas em vários momentos, seres humanos foram tratados sem o mínimo de
dignidade, sem o reconhecimento do valor da pessoa humana. Homens, mulheres e crianças
foram obrigados a realizar trabalhos forçados por longos períodos em troca de migalhas.
Situações que hoje são comuns, como as mencionadas no paragrafo anterior, não existiam
para pessoas que viveram nos séculos passados. A crueldade existente no mundo era
alarmante e como resultado das guerras e confrontos, vieram milhões de mortes. Mas
gradativamente essa história foi mudando e a importância da Declaração Universal foi sendo
reconhecida em todo mundo, como descreve Norberto Bobbio (2004, pag.18):

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Mas agora esse documento existe: foi aprovado por 48 Estados, em 10 de dezembro
de 1948, na Assembléia Geral das Nações Unidas; e, a partir de então, foi acolhido
como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade
internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos
livres e iguais.

Foi depois de uma enorme série de atrocidades, que a nossa espécie reconheceu que
era hora de estabelecer limites. Surgiu então, um conjunto de direitos fundamentais para toda
humanidade. Em 10 de dezembro de 1948, nascia a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, trazendo uma garantia para o futuro a parti de então, mas sempre olhando para o
passado, para que aquelas condições desumanas não mais chegassem a ocorrer. Como
descreve Noberto Bobbio (2004, pag.20/21), “A Declaração Universal representa a
consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda
metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas
tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre” (grifo nosso).
Infelizmente, mesmo após esta importante declaração ser criada, ainda veio a surgi
eventos que marcaram o mundo de forma negativa. Na África do Sul, por exemplo, surgiu o
Apartheid, que foi um sistema de segregação racial, onde pessoas negras tinham os seus
direitos negados. Artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos foram
desrespeitados. Não existia liberdade, igualdade, dignidade, fraternidade, segurança, nem
outros tipos de direitos fundamentais. Não muito diferente ocorreu no Brasil, com o regime ou
ditadura militar, onde pessoas que se opunham ao governo tinham os seus direitos cassados.
Cidadãos eram espancados, sofriam violentas agressões e chegavam a ser mortos, tudo por
conta de governos ditatoriais e confrontos políticos. Mas, com o passar do tempo, de forma
gradativa, esses horrores foram chegando ao fim.
Esta declaração inspirou muitas constituições, inclusive a Constituição Federal de
1988. Em seu artigo inicial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirmou como
aqui já destacado, que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com
espírito de fraternidade. É possível percebe claramente, que os Direitos Humanos trazem uma
serie de direitos indispensáveis e inalienáveis na vida dos seres humanos, com base na
liberdade, na igualdade, na fraternidade e na dignidade. A atual Constituição da Republica
Federativa do Brasil de 1988, adotou em seu conteúdo os Direitos Humanos. O artigo 5º,
paragrafo 3º, da Constituição Federal de 1988, garantiu que os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes a emendas constitucionais.
Desta maneira, o Brasil, como signatário dos tratados internacionais de direitos
humanos, com o objetivo de garantir a construção de uma sociedade fraterna, justa, igual e
digna, para que os seus cidadãos possam ter cada vez mais garantias e não vir a sofrer
novamente os horrores do passado, deve respeitar os direitos humanos e fazer por onde
cumpri-los.
Além de ser signatário dos direitos humanos, o texto constitucional vigente, em vários
de seus princípios fundamentais e no decorrer do seu texto, traz de modo implícito a ideia de
fraternidade, ou seja, demonstra o seu caráter fraternal. Traz também, desta vez de modo
explícito, em seu preâmbulo, a preocupação de assegurar os valores supremos de uma
sociedade fraterna, tudo isso com o intuito de romper com os paradigmas históricos e garantir
os direitos fundamentais dos cidadãos. Identifica-se claramente que o legislador constituinte,
por meio do preâmbulo, dos princípios fundamentais e de outros dispositivos existentes no
decorrer do texto normativo, quis ao elaborar a nossa Carta Magna garantir a construção de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Este
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compromisso está estampado, explicitamente no preâmbulo constitucional. A constituição é
um documento jurídico normativo, desta forma, o preâmbulo por fazer parte da constituição, é
dotado de força normativa. Esse pensamento se dá com base em alguns doutrinadores e
algumas decisões que reconhecem a fraternidade como categoria jurídica dando força
normativa ao preambulo, com explica Carlos Augusto Alcântara Machado (2017, pag.178):

A jurisprudência construída por meio de decisões colegiadas, mas também aquelas


exaradas por juízes singulares, já encontra ambiência para extrair densidade
normativa suficiente e explicitar, sem mediações, o Principio da Fraternidade (ou ao
valor/categoria fraternidade) e, por conseguinte, dar, por meio dele, fundamento
jurídico autônomo às respectivas deliberações judiciais.

Ainda com relação ao preâmbulo do nosso texto constitucional, existe o destaque dos
direitos sociais e individuais, assim como o direito à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao
desenvolvimento, à igualdade e à justiça, destacando assim, o legislador constituinte, todos
esses direitos como os valores supremos de uma sociedade fraterna, ou seja, valores a serem
seguidos para construção de uma sociedade fraterna.
Explica o autor supracitado (2017, pag.134):

Assim concebendo, comtemplou o supremo legislador brasileiro a moldura jurídico-


constitucional de um Estado não mais comprometido com uma ideologia puramente
liberal (Estado Liberal) ou social (Estado Social), ou até liberal-social, mas com a
construção de um Estado Fraternal. Evidenciando direitos, qualificados como
sociais e individuais, mas também dando especial ênfase à liberdade, à segurança,
ao bem-estar, ao desenvolvimento, à igualdade e à justiça, o preâmbulo
expressamente recortou juridicamente um novo Estado e indicou valores supremos
de uma sociedade fraterna que pretendia fosse alcançada. Mas não só: por ser
fraterna, a sociedade perseguida caracterizava-se como pluralista e fundada na
harmonia social.

Este compromisso que encontra-se estampado na Constituição Federal de 1998, faz


com que os poderes públicos, assim como os cidadãos, busquem cada dia mais construir uma
sociedade fraterna. Quando falamos em associar sociedade e fraternidade, ou em construir
uma sociedade fraterna, sabemos que não é uma tarefa fácil. Mas, é importante salientar que o
legislador constituinte ao tratar a sociedade como fraterna não se preocupou apenas em
construir uma sociedade voltada à formação de meros cidadãos, mas sim de cidadãos em que
todos são membros de uma grande família humana e em que todos os cidadãos sejam
merecedores de dignidade e devam ser tratados com respeitos, todos da mesma forma, com o
mesmo valor. A fraternidade demonstra assim o seu caráter universal, onde a preocupação não
se dá somente a esta ou aquela nação, raça ou cultura, religião ou etnia, mas sim a todos os
seres humanos, independentemente de onde se encontrem, independente de quem sejam, basta
“ser” humano, desta forma, não existe pessoa destituída desta proteção, compreendendo toda
humanidade. Assim destaca Norberto Bobbio (2004, pag.19):

Com a Declaração de 1948, tem inicio uma terceira e última fase, na qual a
afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido
de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos
deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em
movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais
apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente
protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado.

Fica claro desta forma, a importância dos direitos humanos para a construção de uma
sociedade fraterna, assim como a sua forte influencia para a Constituição Federal vigente. O
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caráter fraterno da Constituição Federal foi desenvolvido neste capitulo devido à importância
dos direitos humanos tanto para a fraternidade, como já foi explicado, assim como para a
Constituição Federal. Todas essas ideias mostram-nos, que a fraternidade vai além da
igualdade e da liberdade, pois estas últimas, mesmo com suas grandes importâncias,
abrangem somente o campo individual, enquanto a primeira ultrapassa os limites individuais e
abrangem um aspecto coletivo. Por isso há uma real importância em desenvolver a
fraternidade nos dias atuais. Neste sentido escreve Carlos Augusto (2017, pag. 139):

Assim, superando as tradicionais posturas estatais comprometidas com o


asseguramento de direitos humanos fundamentais lastreados no valor/principio
liberdade (primeira dimensão – direitos civis e políticos), num primeiro momento do
processo evolutivo, e, em seguida no valor/principio igualdade (segunda dimensão –
direitos sócias, econômicos e culturais), o constitucionalismo, particularmente no
Brasil, alcançou uma nova dimensão. Passou a consagrar direitos que transcendem a
individualidade e visam ao disciplinamento jurídico de relações que não mais se
limitam ao universo circunscrito ao homem-Estado ou Estado homem (primeira
dimensão), ou, ainda, homem-homem (segunda dimensão). Hoje, parte-se da garantia
de direitos que regulamentam a relação homem-todos os homens (terceira
dimensão). As dimensões liberal e social de direitos (igualdade e liberdade)
passaram a se desenvolver adensadas indissociável e reciprocamente entre si, mas
catalisadas por direitos de fraternidade.

A fraternidade surgiu e desenvolve-se justamente com esse olhar para todos. É um


valor/principio que vai além da liberdade e da igualdade, mas sem excluir esses últimos. Com
a fraternidade e os direitos de terceira dimensão, o olhar passar a ser para o ser humano em
termos coletivos. Assim explica Fernando Andrade (2014, pág.166):

Entendemos, outrossim, que os direitos de fraternidade não surgiram para anular os


outros direitos fundamentais conquistados ao longo da história, mas, pelo contrário,
vieram fortalecê-los e potencializá-los, dotando-os de nova hermenêutica
conducente à fraternidade universal.

Uma discursão sobre os direitos humanos deve levar em conta aspectos históricos,
como os que foram mencionados brevemente durante este capítulo, para que o leitor possa ter
o conhecimento das lutas que foram travadas e das dificuldades que foram enfrentadas para
ter determinados direitos e garantias existentes na atualidade. Não adianta apenas mostrar o
que foi conquistado, é preciso ir além, é preciso mostrar como foi conquistado, para que todos
os seres humanos que desfrutam desses direitos possam dar o devido valor a eles. É preciso
ler a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ler a Constituição Federal e olhar além das
entre linhas destas cartas. A parti do momento que fazemos uma analise em torno do contexto
histórico que surgiram estas cartas, saberemos os seus devidos valores e as suas importâncias,
tanto para a garantia de direitos fundamentais, como para a construção de uma sociedade
fraterna.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado neste artigo cientifico, percebe-se que durante a história
da humanidade, os seres humanos foram conquistando os seus direitos gradativamente,
através de muitas lutas contra o Poder Estatal e, o resultado de todas essas lutas nós estamos
vivenciando nos dias de hoje, com todas as garantias e direitos que nos são assegurados.
Pouco a pouco as garantias foram surgindo e se consolidando, no primeiro capitulo, foram
apresentados importantes acontecimentos que contribuíram para esses feitos. Dentre estes

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acontecimentos, um que merece bastante ênfase é a Revolução Francesa, já que foi com está
última que surgiu a ideia de fraternidade.
A princípio com o Estado Liberal foi garantido à liberdade, com o objetivo de
enfraquecer o autoritarismo Estatal. Posteriormente com a necessidade de tratar os seres
humanos com mais igualdade surgiu o Estado Social. Com esse novo estágio surgiu novas
prerrogativas, como o dever do Estado garantir saúde, educação, segurança e outros direitos
básicos aos cidadãos. Assim, já estavam garantidos dois dos três princípios/valores que
surgiram juntamente com a Revolução Francesa: a liberdade e a igualdade. Contudo não basta
se contentar com o que já foi conquistado. Como aprendemos aqui, os direitos fundamentais
dos cidadãos estão em constante processo de evolução, eles não surgem todos de uma vez,
nem de uma vez por todas. Dos três princípios/valores da Revolução Francesa um foi
esquecido e demorou um pouco mais para ser desenvolvido: a fraternidade.
Nos dias atuais a importância da fraternidade está sendo reconhecida e vem sendo cada
vez mais trabalhada. A Declaração Universal dos Direitos Humanos faz menção logo em seu
artigo primeiro a igualdade, a liberdade, a dignidade e a fraternidade, reconhecendo assim a
importância dos princípios/valores que surgiram com a Revolução Francesa, inclusive o da
fraternidade que demorou um pouco mais para ser desenvolvido com mais profundidade. Esta
declaração trouxe ainda mais garantias aos cidadãos e inspirou varias cartas em todo o mundo,
inclusive a Constituição Federal. Verificamos assim, que os Direitos Humanos tem uma
grande contribuição para a construção de uma sociedade fraterna.
Com o objetivo de garantir a construção de uma sociedade fraterna, o legislador
constituinte, reconheceu a importância da fraternidade logo no preambulo constitucional e
ainda indicou os valores supremos a serem perseguidos para que possamos atingir essa
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Partindo de todos esses aspectos e da
importância da fraternidade, foi que nos dedicamos a analisar esta ultima como categoria
jurídica e, como vimos durante o artigo está ultima além de estar presente em nossa
Constituição Federal, trazendo novos ensinamentos e novas soluções para o mundo atual,
sempre consagrando a família humana em igualdade e dignidade.

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REFERÊNCIAS

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. – Rio de Janeiro:


Editora Forense, 2012.

ANDRADE, Fernando Gomes de. A Construção dos Direitos Civis, Econômicos, Sociais,
Políticos e Difusos. In: SILVA, Marconi Aurélio e; ANDRADE, Fernando Gomes de;
LOPES, Paulo Muniz; Cidadania, Participação Política e Fratenidade: Uma Abordagem
Multidisciplinar. Recife: ed. Universitária da UFPE, 2014.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 7º Reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Edição


2018. Brasília, 2017.

MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade Como Categoria Jurídica


Fundamentos e Alcance (Expressão do Constitucionalismo Fraternal). 1º edição.
Curitiba: Appris, 2017.

MELO, Daniela Vieira de. O Contitucionalismo Fraterno e o Direito ao Desenvolvimento.


Tese de mestrado. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito. Salvador, 2017.

ONU, 10 de Dezembro de 1948. Declaração Universal dos Direitos Humanos – Unicef.


Disponível em: https: //www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133. html. Acessado em: 27 de
dezembro de 2018.

SILVA, Marconi Aurélio e; PEREIRA, Matheus Gomes; SILVA, Lucas Gonçalves de Melo.
Capital Social, Fraternidade E Qualidade Da Democracia. In: SILVA, Marconi Aurélio e;
ANDRADE, Fernando Gomes de; LOPES, Paulo Muniz; CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA E FRATENIDADE: UMA ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR. Recife:
ed. Universitária da UFPE, 2014.

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