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.ADOLESCÊNCIA.

CONSTRUÇÃO .
SOCIAL ^'
A adolescência é um conceito ambíguo, que varia consoante a cultura. O que
parecem ter em comum todas as definições è a sua caracterização como um
período de transição da infância para a vida adulta

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E m 1533, Catarina de Medíeis é levada de Florença,
sua terra natal, para casar com Henrique de Or-
l e õ e s , segundo filho de Francisco I de França. Sem
qualquer p r e p a r a ç ã o , ela é conduzida para o leito do seu
jovem marido, para uma corte e país estranhos. Aos seus
olhos, a infância terminara bruscamente. Zana Muhsen,
autora do livro Vend/c/as- documento excepcional sobre
uma prática corrente em muitas sociedades - retrata o
mundo de duas meninas de 14 e 15 anos, vendidas pelo pai,
casadas numa aldeia do lémen, retidas como reféns por
um marido de nacionalidade diferente da delas e arran-
cadas à m ã e . Este livro mostra-nos o terminar precoce de
uma infância. "Estendo-me na cama. Os olhos fechados.
Não pensar em nada, solidificar-me, tornar-me pedra. Ele
é um garoto, que, desajeitadamente, tenta fazer de ho-
mem. Não sinto nada. A imobilidade protege-me. Não é a
mim que aquela coisa imunda está a acontecer. Não sou eu
que sufoco. Eu não estou ali. A Zana (...) está morta. Mor-
ta. (...) Acabo de ser violada por uma criança. Durante
toda a noite os meus olhos de pedra contemplam as lagar-
tixas do tecto, únicas testemunhas daquele acto imundo.
(...) Os lobos e as hienas produzem um concerto lúgubre na
noite das montanhas. São eles que gritam em meu lugar."
(Muhsen 2002: 65).

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Sociedade - A adolescência como construção social

O fim da infância pode ser encarado como


o pôr do sol. Enquanto o sol se põe em qualquer,
parte, nasce algures, e sobretudo nunca se põe
sem se levantar de novo. Assim surge a adoles-
cência (Braconnier, 2000). "A infância reduzia-
se, outrora, ao curto espaço de tempo que me-
diava entre o nascimento e os sete anos (...). As
mudanças de sensibilidade que se começam a
verificar a partir do Renascimento tendem a
diferir a integração no mundo do adulto, cada
vez mais tarde, e a marcar, com fronteiras bem
definidas, o tempo da infância, progressivamen-
te ligado ao conceito de aprendizagem e escola-
rização. Importa sublinhar que se tratou de um
movimento extremamente lento, inicialmente
bastante circunscrito ãs classes mais abasta-
das." (Pinto, 1997: 44).
A adolescência é frequentemente associada à
irreverência, à transgressão e aos riscos. Chegar
a adolescente não é tarefa fácil. Crescer implica
A ADOLESCÊNCIA SITUA-SE
perder a tranquilidade, a segurança, as certezas,
os sonhos, a alegria de ser criança, para se passar ENTRE DOIS PÓLOS ESSENCIAIS:
a viver na incerteza e na procura de si mesmo. A DEPENDÊNCIA LIGADA À
A palavra adolescência vem do latim NECESSIDADE DE PROTEÇÃO
adolescere, que significa fazerse homem/ - A INDEPENDÊNCIA LIGADA À
mulher ou crescer na maturidade. De acordo NECESSIDADE DE AUTONOMIA;
com a Organização Mundial de Saúde, a adoles
cência compreende o período entre os 10 e 19 anos
de idade, desencadeado por mudanças corporais
e fisiológicas advindas da maturação biológica. É
uma idade carregada de contradições. Assemelha-
perigo iminente. Para os adolescentes é um pou-
se a algo de muito importante que acabamos de
co a mesma coisa. E fabricar uma nova carapaça
perder e a algo de essencial que ainda não encon-
custa tantas lágrimas que é um pouco como se a
trámos. É um período de grandes incertezas. Cos-
'ressumíssemos'. Nas imediações de uma lagosta
ta (1998:8), referindo-se a estas incertezas afirma
sem protecção há quase sempre um CONGRO a
que "crescer implica perder a tranquilidade, as
espreita pronto a devorá-la. A adolescência é o
certezas, a segurança, o sonho e a alegria de ser
drama da lagosta!" (Pereira, 2002:17)
criança, para passar a viver na incerteza, na
procura de si próprio, sonhando com um mundo A adolescência pode ser vista como uma
adulto, que cada vez, parece mais distante e me- etapa da vida na qual a personalidade está na
nos aliciante. A estes sentimentos o adolescente fase final da sua construção e a sexualidade i n -
responde muitas vezes com falta de optimismo, serese nesse processo como um elemento estru-
de curiosidade, de energia." turante da identidade da/o adolescente. Sabemos
É um corpo que muda, são os desejos que que a adolescência é uma fase caracterizada por
nem sempre se realizam, é o constatar da sua confusões, contradições e ambivalências ligadas e
própria impotência para realizar o que julga fá- geridas num processo que conduz à formação de
cil, é o sentir-se subitamente invadida/o por uma identidade. A adolescência situa-se entre dois po-
intensa necessidade de amar e ser amada/o. Ela/ ios essenciais: a dependência ligada à necessidade
ele vai sentir necessidade de vohar-se para o ex- de proteção e a independência ligada à necessida-
terior, numa busca incessante de quem lhe cor- de de autonomia; mas, simultaneamente há uma
responda. Paira em torno dela/dele possibilidade grande insegurança; sendo indispensável nesta
e a vontade de viver as relações amorosas bem fase a correta e adequada assimilação daquilo que
características desta fase. é a sua liberdade singular
A adolescência poderá ser comparada ao O início da adolescência não é de fácil iden-
drama da lagosta: "As LAGOSTAS, quando mu- tificação, uma vez que corresponde a um período
dam a carapaça, começam por perder a anti- da maturação física envolvendo um crescimen-
ga e ficam sem defesas, questão de tempo de to que leva à alteração no tamanho, composição
fabricarem uma nova. Entretanto, estão em e, similarmente, forma do corpo. A adolescência

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vida adulta. Considerar uma gravidez na adoles-
cência é considerar um duplo alento de adapta-
ção e uma dupla movimentação de realidades que
convergem para a entrada na fase adulta.
No plano temporal, podemos caracterizar a
adolescência como um processo em três momentos:
Precoce (10-14 anos) - O maior interesse, vai
para os parceiros do mesmo sexo, mas aparece o
interesse pelo outro sexo. Começa o conflito com
os pais; a/o adolescente comportase como uma
criança num minuto e como adulta/o no minuto
a seguir
Intermédio (1516 anos) - A aceitação pelo
grupo é uma das maiores preocupações e fre-
quentemente determina a autoestima da/o ado-
lescente. A/o adolescente envolvese em sonhos,
fantasias e pensamentos mágicos. Ela/ele luta pela
sua independência em relação aos pais, demons-
tra instabilidade emocional, apresenta comporta-
mentos de fúria e mudanças de humor São impor-
tantes as relações heterossexuais.
Tardio (17-21 anos) - A/o adolescente inten-
sifica o interesse pelo sexo oposto, desenvolve o
pensamento abstrato, inicia a realização de planos
para o futuro, procura independência emocional e
financeira em relação aos pais. O amor faz par-
te das relações (heterossexuais ou homossexuais)
íntimas, sendo assumida a capacidade de tomar
decisões.
Em paralelo com as muitas transformações
físicas que acontecem no rapaz e na rapariga, por
é um período da vida marcado pelo conceito de
desenvolvimento, nos termos da transformação
"A adolescência é uma segunda idade de todos os
que se impõem constantemente quando se trata
porquês, e a palavra sexo faz parte de todos eles."
de descrever os distintos aspetos do crescimento.
Assim, podemos caracterizar a adolescência por
um processo de desenvolvimento físico, psíquico,
afetivo e social.
Observase nesta fase, uma extraordinária
curiosidade e euforia perante determinados as-
suntos, particularmente a sexualidade. O medo e
a incerteza desenvolvidos à volta desta temática
podem conduzir as adolescentes mais incrédulas
e com menos experiência a confrontaremse com
vivências sexuais prematuras mal conduzidas,
acabando, por vezes, em gravidezes indesejadas.
A adolescência é uma segunda idade de todos os
porquês, e a palavra sexo faz parte de todos eles.
É o momento da decisão de dar ou não aquele
passo, visto como a entrada para o mundo dos
adultos, mas também um passaporte para muitos
riscos. As dúvidas são mais do que muitas: será
este o momento certo? Será esta a pessoa certa?
E depois?
A adolescência é um conceito ambíguo, que
varia consoante a cultura. O que parecem ter em
comum todas as definições é a sua caracterização
como um período de transição da infância para a
Sociedade - A adolescência como construção social

"A adolescência é um processo dinâmico, uma cascata ação das hormonas sexuais, e quando novos sen-
de acontecimentos que culminam com a maturidade timentos e emoções são experimentados, também
biológica, psicológica e social dos indivíduos." surgem sensações em relação ao próprio corpo,
mais ou menos agradáveis e excitantes. O desper-
tar da sexualidade faz parte do desenvolvimento
do ser humano.
Marcada pela evolução e mudanças impe-
tuosas, a adolescência manifestase em todos os
campos da vida da/o jovem: nas relações consigo
própria/o (com o seu corpo, emoções, mentalida-
des, sexualidade...), nas suas atitudes e valores

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perante a vida, no seu desenvolvimento intelec-
tual, na sua família. Sendo a adolescência uma
fase da vida essencial, ela é atravessada por múl-
tiplas tensões. O período da adolescência é difícil
tanto para a/o jovem como para os seus pais. Se,
por um lado, a/o filha/o está num processo de
crescimento, não é menos verdade que identica-
mente os pais estão a desenvolver-se como pais,
e nem sempre é confortável perder o estatuto
de pais de crianças, sempre presentes e fáceis
de controlar, para passar a ser pais de futuros
adultos, independentes, que já ameaçam com o
abandono, invocando a sua solidão.
No mundo dos estudiosos do comportamento
humano, a adolescência é vista como um período
emocionalmente crítico. É um período de grandes
transformações físicas e psicológicas que condu-
zem com frequência a alguma inquietação e tris-
teza. Caracterizase como uma fase de procura e
construção da identidade. O adolescente contem-
porâneo é um ser de paradoxos, ele pode enun-
ciar verdades absolutas, intangíveis, e ao mesmo
tempo dúvida intimamente de si próprio, do seu
corpo e dos outros. É muitas vezes ahruísta e, si-
muhaneamente, pode revelar-se egoísta. Ele sen-
te estas contradições e poder-se-ia dizer que a
adolescência é exatamente este período em que o
indivíduo faz a experiência dos contraditórios e
do sofrimento que eles concebem.
A adolescência é um processo dinâmico, uma
cascata de acontecimentos que culminam com a
maturidade biológica, psicológica e social dos i n -
divíduos. Esta evolução envolve uma procura de
identidade, num corpo diferente a cada dia que
passa. Sampaio (2001 a) refere que a procura da
identidade, assim como da autonomia, são as ques-
tões essenciais da adolescência. Pode dizer se que
é a passagem da infância, período caracterizado
pela dependência de várias figuras de autoridade,
através do crescer psicológico, para a aquisição
de autonomia e independência. Ser adolescente é
viver um conflito entre a inerência da infância
e o desenvolvimento da autonomia que levará ao
início da idade adulta. Relembramos que o con
ceito de adolescente nem sempre existiu. Antes
do surgimento do conceito de adolescência, que
se expandiu e consolidou na segunda metade do
questões ligadas à adolescência não são univer-
sais, mas sim contextualizadas numa cultura e
num momento histórico.
Os ritos australianos de puberdade, por
exemplo, representam uma das muitas formas
possíveis de iniciação para a passagem à idade
adulta. É a esta sociedade que pediremos os nossos
primeiros exemplos. Um número bastante grande
de tribos participa na cerimónia e é essa a razão
pela qual a preparação de uma festa de iniciação
exige muito tempo. Passamse vários meses entre
o momento em que se decide reunir as tribos e o
princípio da cerimónia: "O chefe da tribo envia
mensageiros, portadores de bullroarers, aos ou-
tros chefes para anunciarem a decisão de iniciar
os rapazes. (...) Etudo feito com o maior cuidado
para que as mulheres não se apercebam. Grosso
modo, a cerimónia da iniciação comporta os se-
guintes momentos: l) a preparação de um terre-
no sagrado (...); 2) a separação dos noviços das
mães (...); 3) a sua segregação no mato ou num
campo especial, isolado, para aí serem instruídos
nas tradições religiosas da tribo; 4) certas ope-
rações a que se submetem, sendo as mais fre-
quentes a circuncisão, a extracção de um dente,
a subincisão, mas também a escarificação ou o
arrancar dos cabelos." (Eliade, 2004: 24).
"Esta evolução envolve uma procura de identidade, Durante toda a iniciação, os rapazes devem
num corpo diferente a cada dia que passa." seguir um comportamento consensualmente tido
como o mais correto, para este ritual durante o
qual enfrentam numerosas provas e são subme-
século XX, passava-se da infância à idade adulta
tidos a várias interdições alimentares. Cada ele-
através de ritos de passagem religiosos, sociais ou mento desse cenário iniciático e complexo tem a
militares. A partir de meados do século XX, i n i - sua interpretação religiosa.
cia-se uma continuada reflexão científica e siste- As iniciações das raparigas foram menos
mática sobre a adolescência e os/as adolescentes. estudadas do que as dos rapazes. Dispomos de
Nas sociedades designadas de primitivas, passa- escassos elementos relativos à instrução religiosa
v a s e diretamente da infância para a idade adulta, das jovens raparigas durante a iniciação e, parti-
através de certos fatos e ritos que marcavam essa cularmente aos ritos secretos aos quais eram sub-
passagem. A primeira menstruação e a capacida- metidas. Apesar destas lacunas, podemos referir
de de procriar eram o marco da transição para que a iniciação feminina começa com a primeira
as raparigas. Aos rapazes era exigida uma prova menstruação. "Este sintoma fisiológico, sinal de
de virilidade e de força. Para tal, a sociedade so- maturidade sexual, anuncia uma ruptura: o ar-
lícita ao jovem que comprove a sua força e a sua rancar da rapariga do seu mundo familiar. Ela
capacidade de sacrifício em diferentes cerimónias, fica imediatamente isolada, separada da comu-
muitas das quais, ainda hoje se praticam entre nidade - o que nos lembra a separação do rapaz
alguns povos. da mãe e a sua segregação. Tanto num sexo como
Esperava-se que os rapazes fossem capazes no outro, a iniciação é marcada por uma ruptu-
de resistir às intempéries e ao medo, demonstran- ra. Existe apenas a diferença que, em relação as
do desembaraço e segurança, alcançando assim o raparigas, a segregação se segue imediatamente
mundo e o estatuto de adulto. Os antropólogos têm d primeira menstruação, sendo portanto indivi-
desenvolvido inúmeros estudos em diferentes so- dual enquanto em relação aos rapazes a inicia-
ciedades, nas quais o início e o fim da adolescên- ção é colectiva. (...) Os ritos iniciáticos femininos
cia são marcados por ritos e claramente definidos: (...) são menos dramáticos do que nos rapazes.
entra-se na idade aduha num momento preciso, O elemento importante ê constitudo pela segre-
sem ambivalência em relação aos direitos e obri- gação. (...) Decorre na floresta (...) ou numa ca-
gações dos indivíduos. Os conhecidos estudos de bana especial (...) são igualmente isoladas num
Malinowski (1983) e Mead (1979) indicam que as canto obscuro da habitação e, em muitos povos.
J

NESTE PARADOXO ENCONTRAM-


SE, POR UM LADO, OS PAIS,
DOS QUAIS A/O ADOLESCENTE
PROCURA AUTONOMIZAR-SE,
ENCONTRANDO-SE AO MESMO
TEMPO DEPENDENTE DELES;

ê/y
nào podem ver o sol (...). Noutros sítios, é inter- destes rituais é o de fazer passar a/o jovem de
dito deixaremse tocar por qualquer pessoa ou uma condição social para outra, pelo que são i n -
de se mexerem. Uma interdição especifica das titulados rituais de passagem. Considera-se que
sociedades da América do Sul proíbe-as de en- compreendem três etapas: de separação (a/o jo-
trarem em contacto com o solo (...) existe (...) um vem sai do seu estado anterior), de latência (a/o
certo número de interdições alimentares." (Elia- jovem está entre os dois estados) e de agregação
de, 2004: 73-75). (a/o jovem adquire um novo estado). Cada estado
Levine e Levine (1966) descreveram uma t r i - simboliza as distintas etapas mentais pelas quais
bo do Quénia, na qual a transição da infância para a criança tem de passar para chegar a adulta/o
a vida adulta ocorre de maneira rápida. Nesta t r i - (Madueíio, 2004).
bo, as funções e responsabilidades das crianças Uma das principais dificuldades encontradas
e dos adultos são plenamente distintas. A passa- pelos estudiosos da adolescência é a de delimi-
gem é estritamente marcada por uma cerimónia tar a idade que corresponde a essa fase do de-
ritual que consiste na circuncisão dos homens e senvolvimento humano. Existem desiguais ritmos
na ablação do clitóris das mulheres. individuais de maturação, diferenças entre con-
No povo Navajo, ao entrar na puberdade e textos cuhurais e geográficos e, para além disso,
após os rituais relacionados com a menstruação, diferenças de trajetória e de experiência entre
as meninas recebem uma mensagem ritual, em adolescentes. Todavia, todos os autores consuha-
todo o corpo, feita pelas mulheres e pelos homens dos concordam em que a adolescência se inicia
da comunidade, exceto o pai (Maduefio, 2004). com as transformações pubertárias e termina
Cumpridos estes rituais, a moça ou o rapaz adqui- com o alcançar de autonomia e a aquisição de
rem uma nova identidade reconhecida por toda uma identidade estável. Adquirindo a capacidade
a comunidade. Saliente-se que a mudança não é de suportar tensões e contrariedades, de elaborar
tão rápida em todas as cuhuras. Nas sociedades projectos de vida e de inserção social. Se, por um
europeias modernas, o processo de entrada na lado, é normal ocorrerem estas transformações,
puberdade é bem mais lento. por outro é vulgar definir esta fase pela nega-
Segundo alguns antropólogos, o objetivo tiva através de expressões comuns como: idade

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do armário, idade da parvoíce, idade da caixa, Esta ambivalência de sentimentos funciona
estar na fase... Para Claes (1990), as frases feitas para a/o adolescente como um misto de necessi-
do senso comum, baseadas em estereótipos, são dade de autonomia e de refúgio e de dependências
obstáculos à compreensão dos/das adolescentes perante aqueles que a/o podem proteger. Neste
e das suas experiências. Segundo Braconnier e paradoxo encontram-se, por um lado, os pais, dos
Marcelli (2000: 53); "a principal característica do quais a/o adolescente procura autonomizarse,
processo de desenvolvimento da adolescência encontrandose ao mesmo tempo dependente de-
reside na relação que o sujeito estabelece com les; por outro, está o grupo de amigos, que tanto
o seu corpo." Essa relação exprime~se alternada- funciona como suporte de ideais, reivindicações
mente pelo amor, pelo ódio, pela alegria, pela ver- ou ambições, como é a base de exploração e de
gonha... em relação ao próprio corpo sexuado ou descobertas sexuais.
ao de outrem. A adolescência é a passagem da infância ao
Para Sprinthall e Sprinthall (1993: 152) o de- mundo dos adultos e de todos os problemas asso-
senvolvimento pessoal durante a adolescência re- ciados a essa passagem - a separação da família,
presenta "um grande salto em frente, pois a/o dos seus valores e das suas crenças. É um período
adolescente consegue, agora, ser mais comple- de vida caracterizado por contínuos renascimen-
xa/o, compreensiva/o, empática/o e abstracta/o tos, por uma predisposição de abertura ao outro,
através de uma perspectiva mais abrangente de no que ele encerra em si de novo, de transposi-
si própria/o e dos outros." Ser adolescente é lutar ção de fronteiras, num suceder de descobertas e
contra os seus impulsos e aceitá-los; amar os pais de desilusões. Estão ligadas a esta etapa de vida
e odiálos; ter vergonha de os assumir perante os crises místicas, tempos de desilusões, desespero e
outros e querer conversar com eles; identificarse um imenso sofrimento. Têm assim início as suces-
com e imitar os outros enquanto se procura uma sivas mortes e renascimentos, que quase sempre
identidade própria. Podemos ver a/o adolescente ocorrem com- imensa dor e sofrimento. Simone
como idealista, artística/o, generosa/o e altruísta, de Beauvoir referia que a adolescência aconte-
como jamais o será novamente, mas também como cia quando as raparigas tomavam consciência de
o seu oposto: egoísta, calculista e egocêntrica/o. que os homens tinham o poder e que o seu único

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poder era tornarem-se objetos submissos e ado-
rados. As raparigas adolescentes experimentam
assim um conflito entre o desejo de autonomia e
a necessidade de serem femininas e admiradas
pelo sexo oposto. As raparigas deixariam de ser
para parecer.
A adolescência é o tempo das conquistas, das
renúncias, das escolhas... O tempo das ameaças.
Sampaio propõe uma nova maneira de olhar-
mos para a adolescência: "Em primeiro lugar,
questionar por completo o tradicional conceito
de adolescência. Perceber que muitas das ideias
sobre este período são baseadas em observações
de técnicos nos seus gabinetes, em presença de
jovens que os procuram, porque estão perturba-
dos (ou porque os pais assim o entendem). (...)
A preocupação em tratar os adolescentes pertur-
bados teve ainda como consequência o abandono
de uma abordagem global da questão: na ânsia
de compreendermos uma minoria, abandonámos
a tentativa de compreensão de todos. Depois, de-
vemos também contestar a ideia de que a adoles-
cência é uma etapa de transição entre a infância
e a idade adulta. Sei que é mais difícil apagar este
ponto de vista, mas é fundamental. Quando defi-
nimos como uma transição o período que se inicia
na puberdade e termina com a formação da per-
sonalidade, estamos desde logo a desresponsabili-
zar os adolescentes. Quem quer assumir compro-
missos se for classificado a todo o momento como
irreverente, irresponsável, na idade da mudan-
ça, ou sem capacidade para tomar decisões, pelo
facto de ainda não ser adulto? (...) Contestemos,
pois, esta ideia de adolescência como um autocar-
ro que transporta os jovens desde crianças até
serem adultos, um transporte onde poderão fazer
todos os disparates só porque estão na 'idade di-
fícil' (...)." (2006: 217-218). Sampaio sugere, assim,
um novo conceito de adolescência que encare os
adolescentes como capazes de tomar decisões e
de assumir as consequências dos seus atos. Essa
mudança implicaria que a família e a escola atri-
buíssem responsabilidades crescentes aos jovens a
partir dos 14 anos, em vez de se conceberem estra-
tégias para adolescentes em crise. Haveria, nesta
perspectiva, um longo caminho a percorrer muitos
tabus e mitos a derrubar (Sampaio, 2006).

* Dina de Carvalho é doutora em Sociologia do Conhecimento,


da Cultura e da Comunicação pela Universidade de Coimbra, com
uma tese sobre a experiência da gravidez na adolescência. Tem
desenvolvido trabalhos de docência e produção científica nas áreas
da sociologia e psicologia da saúde. É investigadora no Centro de
Investigação de Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - FCSH/
NOVA, Lisboa e CIGS.NOVA Uminho. Universidade do Minho. É mestre
em Sociologia da Saúde e em Neuropsicologia Pediátrica. Atualmente,
desenvolve um projeto em Angola, nas províncias de Cuanza Sul,
Cuando Cubango e Luanda Sul. E-mail: dina.peixoto@gmail.com
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