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PLANEJAMENTO DEMOCRÁTICO E A CIÊNCIA DA SOCIEDADE 5

Planejamento democrático e a nova ciência


da sociedade
K a r l M a n n h e im
(Da Escola de Economia e Ciência Política de
Londres)
Trad. de Ottolmy Strauch

Atendendo ao pedido que lhe fizemos, preendimento cultural dos mais grandiosos
dignou-se o Prof. Karl Mannheim, a maior que tenham surgido após a guerra.
autoridade contemporânea em planejamento
Em vista de suas múltiplas e absorventes
democrático, enviar o presente ensaio com o
ocupações não pôde o Prof. Mannheim, com o
qual abrimos êste número da Revista.
explicou e justificou, em, carta, escrever,
Assim com o os dois ou três séculos ante­ como pretendia, um ensaio inédito, a tempo
riores íoram a época das ciências naturais e de alcançar o presente número da Revista,
técnicas, acha o Prof. Mannheim que o atual Por esta razão o estudo que, data venia, divul­
século será dedicado ao estudo das ciências gamos foi originàriamente publicado em
morais e sociais, e aos problemas de planeja­ W orld Review, junho de 1942 (N . R.).
mento democrático. N este estudo, de cará­

U
ter semi-popular, mostra êle com o a cons­ M sociólogo, chamado Thrasher, deixou
trução de uma ordem social sã depende de uma vez a tôrre de marfim da especula­
nossas habilidades em desenvolver um novo ção e desceu ao estudo dos gangsters de Chicago.
tipo de sociologia. Sua idéia era de que as reformas devem basear-se
• ,
no conhecimento direto dos fatos, e que se, por
Planejamento, para êle, não é uma ques­
exemplo, se pretende reformar bandos de jovens
tão de economia ou urbanismo: é a delibe­
que estão se tornando uma ameaça à sociedade,
rada reconstrução da sociedade como um
a primeira coisa a fazer é descobrir com o são
todo, compreendidas tôdas as esferas da vida
êles, como vivem e o que determina o seu com­
social. E o planejamento real é o planeja­
portamento. Mas uma partícula isolada de co­
mento democrático — não a manipulação nhecimento não é suficiente; por isso, Thrasher
direta de vidas, credos e crenças, mas a cui­ estudou não menos do que 1.313 bandos e retor­
dadosa e prudente redisposição de circuns­
nou dessa experiência com não poucas observa­
tâncias sociais, o estabelecimento de uma ções de interesse sociológico geral. Cada um des­
estrutura planiíicada, dentro da qual haja ses bandos, descobriu êle, é um mundo próprio,
possibilidade para os ajustamentos espontâ­ com seu clima mental próprio e peculiar; mas a
neos, para as fôrças vivas e criadoras dos in­ despeito de suas dissimilaridades os bandos têm
divíduos e grupos. Os instrumentos dessa muitos aspectos em comum. Há modos seme­
nova técnica social, ainda em elaboração, se­ lhantes de comportamento e funções sociais simi­
rão a sociologia e a psicologia, ou, em uma lares. A influência do pequeno grupo sôbre os
palavra, a psicologia social. seus membros torna-se tão forte que êles não
Autor de fama internacional, conferencista, mais podem ajustar-se às tarefas que enfrentam
professor da London School of Economics na vida fora do grupo. Por esta razão Thrasher
and Political Science, o Dr. Mannheim di­ chegou à conclusão de que qualquer tentativa
rige atualmente a “Biblioteca Internacional para reformar ou influenciar êsses rapazes deve
de Sociologia e Reconstrução Social", em ­ ser dirigida a êles, não como indivíduos, mas
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como parte de seu grupo. É inútil ensinar, dis­ Formamos tais retratos rígidos das pessoas, so­
cursar ou pregar a tais jovens; o único meio de mente porque estamos a acostumados a vê-las em
atingi-los é através do grupo. Se se conseguir tão poucas situações estabelecidas. A idéia de
lançar novos ideais e ambições ao bando inteiro, influenciar o comportamento, não através do co­
pode-se esperar transformá-los em membros úteis mando direto, mas através da manipulação da
da sociedade. Esta é uma importante lição para estrutura de grupo, isto é, do uso hábil das for­
aquêles que demasiado depressa atribuem más ças sociais operando no grupo, surge como uma
ações a um mau caráter, à má índole ou a uma promessa do futuro. A mesma idéia de utiliza­
disposição pecaminosa, ao passo que muitas vezes ção dos poderes auto-reguladores inerentes à vida
são somente o resultado de vitalidade mal diri­ de grupo parece ter impulsionado Homer Lane
gida que não pôde encontrar uma saída adequada na sua experiência da Pequena Comunidade.
na sociedade. Êle pediu às autoridades que pusessem à sua
disposição um certo número dos mais incuráveis
Um amigo meu, que lida com os problemas de
rebeldes e delinqüentes juvenis. Levou-os a vi­
refugiados neste país, (Inglaterra), falou-me a res­
ver com êle em uma pequena e isolada fazenda
peito de um certo número de senhoras idosas
na Inglaterra e não lhes impôs qualquer norma
que não podiam encontrar aqui um nicho próprio
ou proibição. Deixou-os fazer o que quisessem
para si próprias, uma vez que haviam visto me­
e é fascinante ver-se como uma ordem social gra­
lhores dias e se ressentiam de fazer qualquer
dualmente se desenvolveu da anarquia completa
trabalho que consideravam rebaixamento social.
— iniciada, controlada e aceita pelos próprios
Finalmente, alguém teve a idéia de formá-las em
turbulentos. Quando chegaram à fazenda, os
pelotões cooperativos, cuja função seria a de fa­
rapazes comportavam-se da maneira mais des­
zer urgentes trabalhos coletivos, tais como limpar
regrada. De modo a quebrar seu negativismo,
hospitais e escolas. Muito embora êsse trabalho
Homer Lane fez uma experiência. Deixou que
seja mais ou menos tão subalterno e déclassé
o rapaz mais agressivo espatifasse tôda a louça
como qualquer outro oferecido individualmente,
. de chá com uma barra de ferro e finalmente ofe­
elas estão entusiasmadas a respeito e parecem
receu seu próprio relógio de ouro para que o
esquecer tôdas as noções de prestígio sob o estí­
jovem o arrebentasse no chão. O rapaz man­
mulo do novo espírito de grupo. Há um novo e
teve o relógio na mão esquerda, mas não encon­
visível propósito nobilitante no grupo e o novo
trando resistência, fraquejou e não pôde destruir
grupo redefiniu seu papel social. Sem esta expe­
o relógio. Seu negativismo e resistência haviam
riência, um observador teria pensado que o cará­
sido quebrados. Depois dessa crise, o grupo co­
ter destas senhoras e sua atitude para com a vida
meçou a construir o seu próprio mundo, inven­
fôssem fixas; tricotar, bordar, queixar-se da vida
tando para êles, por assim dizer, a instituição
e ofender-se a qualquer sugestão de trabalho pa­
de auto-govêrno. Êles baixaram suas próprias
recia ser seu destino traçado.
regras de conduta e gradualmente chegaram a
Somos demasiado inclinados a pensar sôbre nós sentir-se responsáveis por suas próprias decisões
mesmos e nossos semelhantes em termos fixos; e pela vida da comunidade como um todo. As­
um covarde está sempre amedrontado, uma mo­ sim, os poderes autorreguladores de pequeno
cinha tímida é sempre retraída, um mau traba­ grupo muito naturalmente transformaram êsses
lhador é sempre lerdo e preguiçoso. Mas o co­ tipos especiais e incuráveis em cidadãos com
varde pode ser ativíssimo dentro de um grupo senso de responsabilidade social.
em luta e o valente soldado pode ser facilmente Os Soviéticos também fizeram uso do método
acovardado pelo seu superior. A mocinha tímida de grupo. Em seu conceito de competição socia­
e encabulada pode ser bastante desembaraçada lista, êles usaram a competção entre grupos com o
com sua mãe e irmãs no seu meio familiar, no um incentivo ao trabalho. Êles verificaram que
seu lar; e o trabalhador preguiçoso pode provar aquela mesma pessoa “furona” e destacada, sob
ser um membro eficiente de uma equipe. Assim, condições de competição individual, se tornava
a elasticidade do comportamento humano parece leal ao grupo, quando organizada como uma
ser muito maior nos vários ambientes de grupo. equipe em competição com outros grupos. É o
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espírito dos campos esportivos da Inglaterra que uma multidão, mas que ha uma grande varie­
foi transferido para as escolas, fábricas e fazendas dade de tipos de grupos, todos diferindo em
da Rússia Soviética. Êle transformou o traba­ organização e tendo um efeito diferente sôbre
lhador egoista em um que voluntàriamente ajuda os indivíduos que os compõem. A família, por
ao seu companheiro de trabalho, de modo a exemplo, difere, como grupo, da equipe esportiva;
levantar o rendimento do grupo ao qual ambos o club, do sindicato. Através das funções que
pertencem. D o mesmo modo, o estudante inte­ preenche, cada um dêles exerce uma atração
ligente ajuda os companheiros menos dotados, diferente sôbre o indivíduo e provoca um tipo
pois o trabalho da classe é responsabilidade de diferente de comportamento. Não há normas e
todos os seus componentes. códigos em abstrato, exceto aquelas promulgadas
Êstes exemplos têm uma coisa em comum: por grupos sociais. Há o código do Exército, da
mostram um novo modo de encarar o estudo e Igreja ou do Estado, há códigos regulando nossa
compreensão do homem. N o passado, nossos vida doméstica ou nossas relações de negócios;
melhores filósofos, psicólogos e educadores pen­ há os códigos de profissões antigas, e há também
savam no homem como um indivíduo, tal como os códigos autônomos dos bandos delinqüentes.
o encontramos em contatos diários com amigos, D o mesmo modo, não há lealdade em abstrato,
clientes ou estudantes. Assim, êles o viam como somente lealdade a um ou mais dêsses grupos.
um indivíduo isolado e, inconscientemente, sem­ Onde não há grupos ou instituição, com o o Es­
pre o desprendiam do seu fundo social. Em con­ tado, para coordenar essas lealdades, o caos e a
seqüência, êles compreendiam somente a ma­ incerteza ocorrerão.
neira individualista de encarar o homem. Viam,
É muito difícil apreender êsse ser fictício, o
por exemplo, o professor ensinando ao aluno, o
indivíduo como tal, de quem tanto se falou no
padre apelando à consciência individual, o psicó­
período atomístico do pensamento sôbre as ques­
logo observando seu paciente no consultório.
tões humanas. O que chamamos de eu indivi­
O novo desenvolvimento nas ciências que di­ dual, o sujeito no homem que obedece a normas
zem respeito ao homem consiste no fato de que e segue a códigos, é sempre correlacionado com
elas estão tendendo a se tornar sociológicas, isto êsses centros de grupo de onde emanam códigos
é, elas não desprendem o indivíduo nem de seu e avaliações. Não há um eu abstrato, tangível,
grupo nem de seu meio social, e levam em conta em cada indivíduo, mas esferas do eu relacio­
tôdas as influências que atuam sôbre êles, atra­ nado com os grupos ao qual está ligado. Dentre
vés de seus respectivos grupos. A primeira fase papéis diferentes, êle desempenha, primeiro, o
da compreensão do significado da vida de grupo de uma criança em casa, na “nursery” ; depois,
ocorreu, quando alguns autores ressaltaram como como um rapaz na escola e no “play-ground” ; em
os homens se comportam diferentemente em mul­ seguida, como um pai ou cidadão, e, assim por
tidão e isolados. A êsse tempo, o conhecimento diante, desenvolve sua personalidade peculiar.
do homem como um sêr social abrangia apenas A personalidade existe, de fato, é claro, mas
dois aspectos: de um lado, o indivíduo, que sem­ não completamente seccionada, e, além dêsses
pre é mais ou menos razoável e refletido, e, de vários papéis sociais. Mas não mais procuramos
outro lado, as massas, que são irracionais e que­ salvaguardar sua autonomia pela admissão de que
bram coisas e convenções. Para muitas pessoas, permaneça ela incólume ao tempo e circunstân­
psicologia social e sociologia ainda significam cias, como concebemos que, do desafio do meio
pouco mais do que isto, a saber, o estudo do ho­ circundante, ela surge como uma entidade única,
mem em multidão. com um cerne e destino próprios. A êsse respeito
Pensar sôbre grupos ou sociedades em têrmos a sociologia moderna segue inconscientemente
do conceito atomístico não significa mais do que uma tendência paralela àquela que prevalece, por
multiplicar por centenas, milhares ou milhões o exemplo, na moderna biologia. Ambas parece
mesmo comportamento observado no indivíduo. focalizarem sua atenção sôbre a estrutura e a
Ainda não se concebe, suficientemente, que a vida organização, e avaliar a significação destas para
em grupo não consiste sèmentç em ser parte de o comportamento da célula, tanto quanto dos se­
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res humanos. Naturalmente, isto não é uma revi- seus caracteres sociais, aprovisionaram-nos com
vescência da teoria que considera a sociedade novos ideais e ajudaram-nos a conceber novos mé­
com o um organismo e usa o método biológico todos de vida em comunidade. Onde o indivíduo
para o estudo da sociedade humana, pois fora da déclassé, por exemplo, pode ver o valor de sua
analogia de estrutura, há intermináveis processos contribuição à realização do grupo, êle se eleva
sociológicos genuínos, aos quais não se pode fa­ em sua consciência social, e a participação em
zer justiça em têrmos de conceitos e métodos bio­ um novo propósito reestabelece, de certo modo,
lógicos E, além do mais, há o problema da per­ seu amor-próprio.
sonalidade que exige um ponto de vista inteira­ A sociedade, no estágio das comunidades de
mente novo. vizinhança, prosseguia em parte pela atuação
D o mesmo modo, o estudo do comportamento inconsciente das tradições, convenções e pelos
em abstrato não nos leva muito longe. Como vi­ poderes de auto-regeneração da vida dentro de
mos no caso das senhoras refugiadas, por exem­ pequenos grupos. O rompimento ocorreu quando
plo, há muito maior elasticidade no sêr humano a industrialização e a urbanização deram nasci­
médio do que estamos dispostos a admitir. Se mento aos grupos maiores, que não podem ser
apenas a configuração do grupo puder ser mu­ manejados no nível da evolução inconsciente.
dada e o campo de ação, alterado, o comporta­ Justamente no momento em que a vida de grupo
mento do indivíduo mudará também. O ideal cessou de regular harmoniosamente o comporta­
do método sociológico é desenvolver um estudo mento do homem, o impacto dos grupos e dos
do comportamento humano em situações reais, fundamentos sociais sôbre a conduta e o pensa­
baseado no imenso material coletado pelo histo­ mento do homem tornou-se evidente. Tal qual
riador, o antropologista, o estudioso da Ciência oS rins, no corpo humano, só percebemos estas
Política e o economista, o educador, o assistente coisas quando elas cessam de funcionar automàti-
camente. Por algum tempo, é verdade, tem ha­
social, o juiz e outros. É claro que o material
vido uma crescente consciência de que “há algo
empírico somente se torna eloqüente se alguém
tiver os instrumentos teóricos para analisar estas errado no mundo” , um sentimento de que o indi­

experiências e a técnica de relacionar as formas víduo é vítima de condições caóticas e que a pró­
mutáveis do comportamento humano às circuns­ pria sociedade está desconjuntada. Mas somente
quando a ciência pôs o dedo no ponto ferido foi
tâncias sociais em mudança, às quais a natureza
que a cura se tornou possível.
humana se ajusta. A crença de que compreen­
demos a sociedade pelo simples fato de que nela Uma das principais causas da crise é que os
vivemos, é tão falsa como a crença do homem grandes grupos suplantaram em influência os
primitivo de que compreendia a natureza porque grupos pequenos e que seus problemas não po­
vivia tão perto dela. dem ser solvidos senão pelo pensamento cons­
Considerando a grande riqueza de penetração ciente e reforma deliberada. A época dos gran­
produzida pelo ponto de vista sociológico em des reformadores sociais começou quando as for­
tantos campos, parece surpreendente que a ciên­ mas tradicionais de ajustamento em sociedade
cia tivesse por tanto tempo despercebido o im­ deixaram de atuar. Êles se concentraram, pri­
pacto da estrutura social sôbre os pensamentos, meiro, numas poucas reformas específicas, e so­
èmoções e ações dos homens. Há uma explica­ mente umas poucas esferas da atividade humana
ção principal: é que, de m odo geral, no passado, chegaram a ser organizadas propositadamente,
a vida de grupo tem trabalhado em silêncio na conforme um plano preconcebido. Mas a idéia
modelação do homem e na ordenação de sua con­ deitou raízes e tem havido um processo contínuo
duta, e onde ocorreram dificuldades, o homem de aperfeiçoamento social, a partir da antiga le­
reajustou-se inconscientemente às condições mu­ gislação sôbre trabalho de menores e condições
dadas. O milagre que aconteceu às velhas se­ das fábricas, até o estabelecimento recente da
nhoras e aos vagabundos de Homer Lane podia assistência social como uma profissão. Isto mos­
ocorrer somente em grupos pequenos; os poderes tra como cada vez mais os males do desenvolvi­
regeneradores da vida de grupo remodelavam mento históriçg modernç só podem ser curados
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pela intervenção com objetivos prefixados. Tem- indubitàvelmente, pode acontecer; é o caso em
se tornado evidente que os assistentes sociais todos os sistemas fascistas.
não podem mais enfrentar a marcha do problema Para o fascista, planejamento significa regi­
que defrontam sem que tenham conhecimento mentação militarista, a aplicação do velho mo-
científico das causas e significações do desajusta- dêlo de comando e obediência cega a tôdas as
mento individual e de grupo. esferas da vida. O leitmotil do fascismo é “Obe­
decer, Lutar, Crer” . Mas isto é uma caricatura
Com a presente multiplicação dos problemas
do planejamento real.
sociais, chegamos a ver que a mera acumulação
O planejamento real é o planejamento demo­
de reformas isoladas sem coordenação, somente
crático — não a manipulação direta de vidas,
cria distúrbios adicionais, ou muda as dificulda­
credos e crenças, mas uma cuidadosa e prudente
des de uma esfera para a outra. Por exemplo, a
redisposição de circunstâncias e a eliminação
elevação da idade escolar só é praticável se as dêsses impecilhos que surgem através do desajei-
conseqüências para a indústria forem cuidadosa­ tamento da sociedade moderna em larga escala.
mente consideradas. Assim, atingimos agora a Uma estrutura planificada, dentro da qual há
época do planejamento, quando a proposital re­ escôpo para ajustamento espontâneo, libertará
construção da sociedade com o um todo tem que as fôrças de grupo que habilitarão o jovem re­
ser encarada. Planejamento não é somente uma belde, a solteirona frustrada e mesmo o crimi­
questão de economia oU de urbanismo, como noso, a levar uma vida algo mais saudável e
muitas pessoas ainda parecem acreditar. Êle equilibrada.
deve, de qualquer modo, levar em conta tôdas as Como ciência, a sociologia não fechará os_ olhos
esferas da vida social. Reforma neste nível
às realizações na arte do reajustamento humano,
envolve a consideração das extensas conseqüên­
onde quer que possam ocorrer. Se, por exem­
cias de qualquer tentativa de corrigir as deficiên­
plo, os nazistas conseguiram libertar vários gru­
cias do presente sistema. pos sociais de sua prévia frrstração psicológica
O primeiro estágio de planejamento diz res­ através da criação de entusiasuio coletivo em pro­
peito, usualmente, a organização, mas quanto veito do sistema inteiro, esta é, em si mesmo,
mais longe avançamos mais claro se torna que uma aplicação de um bom método sociológico,
nada de bom resulta de transformações institu­ embora para um máu propósito. O Arcebispo de
cionais sem uma completa consciência de seus Eliot (em “Murder in the Cathedral” ) diz bem:
aspectos psicológicos. Pensar que planejamento
“a última tentação é a maior traição:
consiste em programas de habitações, seguro so­
praticar a ação certa. . . pela má razão” .
cial ou de distribuição, é ver só um lado do qua­
dro. O estágio seguinte é alcançado quando ava­ Em nosso contexto, o fim do planejamento em ­
liamos que o m odo com o o povo reage a êstes presta significação final aos métodos de planeja­
programas separados, e com o são moldados por mento.
êles, é, pelo menos, tão importante quanto os Entretanto, não é somente o fim que torna o
detalhes da organização. Hoje, sabemos que um planejamento democrático diferente do planeja­
programa de habitações é um fracasso, se não mento ditatorial e totalitário, mas também o fato
consegue prover às necessidades humanas dos de que êle tenta, onde fôr possível, reduzir a re­
moradores. Onde quer que o lado humano do gulamentação central em favor de decisões des­
planejamento prepondere, a sociologia provê às centralizadas. Naturalmente, em certas esferas,
suas necessidades; pois a sociologia é essa nova as decisões centrais são tècnicamente inevitáveis,
ciência da sociedade que primàriamente observa como, por exemplo, no Exercito, e mesmo na eco­
a conduta humana com referência à estrutura nomia moderna uma grande parto de direção
social. Durante algum tempo, as pessoas tinham central é inevitável. Mas mesmo nestes casos
mêdo da aplicação da ciência aos negócios huma­ há uma grande diferença entre as decisões demo­
nos e só podiam prever daí regimentação e intro­ craticamente controladas pelo centro e as ordens
missão sem tato em nossas vidas privadas. Isto, cegamente obedecidas do “Fuehrer” . Temos que
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encontrar um tipo democrático de planejamento O defeito dos sistemas democráticos existentes


que repouse nos poderes auto-reguladores dos não é o de que haja democracia de mais nêles,

grupos menores que compõem a sociedade e no mas o de que ainda há muito pouca, e que a es­
pontaneidade dos pequenos grupos ainda não foi,
equilíbrio natural entre êles, não por amor ao
seja na fábrica ou em qualquer parte, traduzida
indivíduo, e sua vida mais completa, mas tam­
em condições de sociedade em larga escala.
bém pela sobrevivência da Nação como um todo
Esta não é, admita-se, uma tarefa leve. Ela re-
Aqui, outra vez, podemos ver um paralelo entre
querorá o pensamento e experiência de, pelo me­
as ciências biológica e sociológica, Needhaai res­
nos, uma geração. Sem dúvida, falharemos cons­
saltou que não é a organização mecanicista, como tantemente, mas uma coisa é certa: enquanto
a do Fascismo, que possui, afinal, a chance de não conseguirmos fazer os. processos democráti­
sobrevivência, mas “a organização que se funda­ cos funcionarem dentro da estrutura da socie­
mente e crença da verdadeira naturera dos seres dade moderna, estaremos destinados a viver num
humanos no que ela tem de melhor” . cáos ou numa prisão.

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