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A (IM)PERFEIÇÃO E AS OLD CHARGES (III)

Paulo M

Para além da questão da deficiência física coloca-se a da deficiência mental.


Poderá um deficiente mental ser iniciado maçon? Neste caso, a porta já não se abre
tanto quanto face à deficiência física, mas também não se fecha de todo. É tudo uma
questão da natureza e das consequências da deficiência. Um profano, para ser
iniciado maçon, tem que ser “livre e de bons costumes”. A pedra de toque da questão
da deficiência mental coloca-se, precisamente, na liberdade. Há três vertentes em
que se exige que uma pessoa seja livre se quer ser admitido:

Liberdade da luta pela auto-suficiência. Para ser admitida na maçonaria, uma pessoa
tem que dispor dos meios económicos para se bastar a si mesma de modo que o
sustento diário não seja uma preocupação tal que se sobreponha a todo o resto. Não
está em causa a quantidade dos rendimentos, mas que este sejam suficientes e
adequados ao garante do sustento do próprio e daqueles que tenha a cargo –
descendentes ou ascendentes. Deve, ainda, permitir que os custos decorrentes da
pertença à maçonaria (quotas, material, etc.) não causem transtorno. Uma pessoa que
viva constantemente assoberbada com o que vai amanhã colocar na mesa para os
filhos, ou falte mesmo aos seus deveres familiares, não tem disponibilidade mental
para ser maçon – decorra essa carência económica ou não de deficiência mental.

Liberdade de pensamento. Uma pessoa que não seja livre de poder, voluntariamente,
alterar a sua forma de pensar não tem lugar na maçonaria, pois a maçonaria tem como
objetivo o aperfeiçoamento do Homem, e aperfeiçoar-se é, forçosamente, mudar. Ora,
procurar aperfeiçoar-se é sinal de que se admitiu já a própria imperfeição, e isto
só pode ter decorrido de uma auto-análise – que, por sua vez, só pode ter tido
lugar numa mente suficientemente ordenada para a ter efetuado. Por esta razão, quem
não tenha a capacidade de ver e aceitar como válido um ponto de vista distinto do
seu – o que sucede, por exemplo, com alguns fundamentalistas, cujas crenças podem
ser rígidas a ponto de que o impeçam de pensar por si mesmo – também não está apto,
independentemente da sua sanidade mental, a ser iniciado.

Liberdade de agir em consciência. Uma pessoa incapaz de pôr em prática os seus


próprios desígnios e de agir de acordo com os ditames da sua consciência
dificilmente poderia tirar algum proveito da maçonaria. Se a maçonaria não tiver
repercussões na forma de agir do maçon, então estamos perante um caso de insucesso.
É essencial que o maçon não só tenha uma consciência bem formada – uma boa noção do
bem e do mal – como paute o seu modo de agir por esses mesmos princípios. Uma
pessoa que, em virtude de uma dependência (do jogo, de uma droga…) que condicione a
sua vontade, não possa agir em consciência – não porque esta não exista, mas porque
a sua concretização esteja fortemente condicionada – não deverá ser iniciada.

Não esqueçamos, por fim, que o conceito de normalidade é puramente arbitrário e


estritamente decorrente das características da população em que o indivíduo se
insira: um indivíduo “normal” numa população pode ser “anormal” se inserido noutra.
A fronteira tem que ser traçada algures, mas isso quer dizer o quê? Que, se a
pessoa estiver num dia bom, pode ser iniciada, e depois, num dia mau, é excluída?
Mas não temos todos momentos melhores e piores, de maior ou menor lucidez, uns mais
felizes do que outros?

Uma pessoa dependente do álcool a ponto de que isso perturbe a sua vida quotidiana
está tão privada de liberdade de ação como uma pessoa que tenha o espírito
igualmente embotado mas sem que tal decorra da bebida. Ou um fanático religioso
pode ser tão inabalável e impermeável à mudança quanto um obsessivo-compulsivo. Não
é a deficiência mental, em si mesma, o obstáculo, mas as limitações – que podem ter
variadas origens para além da deficiência mental – a que a liberdade do indivíduo
esteja sujeita.
Pretender que apenas seres perfeitos e perfeitamente livres se tornem maçons seria
um contra senso. Por não existirem homens perfeitos, seria esta uma excelente
receita para se acabar com a maçonaria. Mas, acima de tudo, a maçonaria é um método
de aperfeiçoamento – e só se aperfeiçoa quem não é perfeito. Pedras polidas não
precisam de desbaste – e liberdade absoluta não existe. Como em tantas outras
coisas, aqui só podemos socorrer-nos das linhas gerais e, para cada caso
particular, aplicar uma das mais importantes regras: a do bom senso.

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