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Copyright © 2022 Loren Santos

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa: Daia Studzinski

Revisão: Laís Cavalcante

Diagramação: Loren Santos

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,


através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento da
autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição Digital ǀCriado no Brasil

1º Edição

Agosto de 2022
SINOPSE

Aloísio é o filhomais velho da influentefamíliaAlbuquerque e


está sendo preparado para assumir os negócios da fazenda. Ferido
pelo passado, tornou-se um homem sombrio e amargo. Sua única
alegria é o filho Davi, o qual o protege acima de qualquer coisa.
Entretanto, terá seus limites testados diante da chegada da
professorinha petulante e desaforada.
Davi é uma criança amorosa, doce, de sorriso fácil e
cativante. Frente ao diagnóstico de Síndrome de Down, foi
abandonado pela principal pessoa que deveria tê-lo cuidado. Amado
e protegido por todos, seu maior sonho é ter uma mãe.
Luiza é uma professora cheia de vida e energia. Sem papas
na língua ou medo de confrontos, verá sua vida toda mudar ao
proteger com unhas e dentes o pequeno Davi, por quem nutre um
imenso amor e carinho.
Uma história emocionante onde o amor e a alegria serão
capazes de quebrar toda dor e amargura.
PLAYLIST

Olá, querido(a) leitor(a)!


É um prazer ter você aqui.
Todos os meus personagens me contam suas histórias
através de músicas. Por isso, sempre recomendo que você leia
ouvindo a playlist do livro para vivenciar com mais intensidade a
emoção que eles trazem.
No caso de Luiza, Aloísio e Davi não foi diferente. As músicas
selecionadas contam muito a respeito do sentimento, emoção e
construção de cada um deles.
Mas se você prefere ler em silêncio, aconselho que tente
colocar baixinho algumas músicas citadas no decorrer de alguns
capítulos específicos. Isso fará com que a sua conexão com eles
seja ainda mais incrível.
Para acessar a playlist no Spotify, abra o app no seu celular,
selecione “buscar”, clique na câmera e posicione sobre o code
abaixo.
Ou clique aqui
NOTA DA AUTORA

Ainda que este livro seja majoritariamente leve e divertido, é


importante que você saiba que há cenas que podem conter gatilhos,
assim como comportamentos e atitudes com as quais a autora não
concorda.
Se você não se sentir confortável, não leia.
Caso decida seguir em frente, desejo a você uma excelente
experiência. Não deixe de me contar depois o que achou.
Beijos,
Loren Santos
ÍNDICE

SINOPSE
PLAYLIST
NOTA DA AUTORA
ÍNDICE
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPITULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
REDES SOCIAIS
PRÓXIMO LANÇAMENTO
CAPÍTULO 1 | ALOÍSIO
Abril

Desci da caminhonete sentindo os raios do sol batendo na


aba do chapéu bege claro. O calor abrasador contrastando em
minha pele ainda fria pelo ar-condicionado do carro.
Acompanhado pelo meu pai, caminhei a passos largos para o
interior da sede administrativa. Acabávamos de voltar de uma
reunião com representantes de grandes frigoríficos dos quais
estávamos negociando a comercialização do rebanho de bovinos.
Nosso negócio tinha grande influência na região porque
éramos os principais produtores do gado de corte dali.
A Fazenda Canto dos Pássaros ficava situada em Alta
Colina, no Triângulo Mineiro. Era uma cidade de porte médio, mas
conseguia atender nossas necessidades básicas.
— Vou passar na sala da sua mãe antes que ela veja que eu
cheguei e venha me dar uns cascudos[1]— papai falou, brincando,
antes de se afastar.
— Nos vemos mais tarde, pai — despedi.
Alfredo era um fazendeiro extremamente respeitado por
todos na região. Tinha fama de ser um homem forte, inteligente,
decidido e grande empresário. No entanto, poucos conheciam o
marido apaixonado que fazia de tudo pela esposa e a consultava
sempre antes de tomar decisões, das mais simples às mais
complexas.
Eu sempre admirei o amor dos dois e tinha certeza de que
queria ter um igual. Mas desisti da ideia quando tudo aconteceu.
Entrei na minha sala pisando duro. Pendurei o chapéu no
gancho ao lado da porta, sentindo raiva por me lembrar daquela
mulher. Em todos aqueles anos, a convicção de que nunca mais
queria vê-la ficava cada vez mais forte.
Com exceção do meu filho, nada que vinha dela me
importava. Para mim, ela morreu quando saiu pela porta daquele
quarto de hospital.
Fui até o pequeno frigobar, no canto da minha sala e peguei
uma garrafa d’água pensando que, talvez, o líquido pudesse me
ajudar a apaziguar aquelas memórias.
Esforçando-me para deixar aquilo de lado, sentei-me
confortavelmente na poltrona sentindo o suor querendo escorrer
pela testa. Passei a mão secando as gotas e limpando na calça
jeans escura. Liguei o ar-condicionado e forcei-me a me concentrar
no trabalho.
Aos 32 anos e filho mais velho, eu atuava como braço direito
de Alfredo Albuquerque e estava sendo preparado para assumir os
negócios da fazenda,principalmente no que tangia o focomercantil,
administrativo e financeiro. Formado em Agronomia, optei por me
especializar em comercialização de rebanhos do gado de corte,
contrariando a maioria dos meus colegas de profissão.
Além de mim, papai preparava Antônio e Artur para chefiarem
os funcionários de suas áreas de formação,Zootecnia e Veterinária,
respectivamente.
Aos 28 anos, Antônio era o zootecnista responsável por tudo
referente a gestão de cadeia animal da fazenda. Um exímio
profissional, dos melhores que já tinha visto. Contudo, na vida
pessoal a sua idade mental era de um adolescente. Implicante e
mulherengo.
Artur tem 25 anos, o nosso caçula. Recém-formado, estava
sendo treinado pela equipe de veterinários, mas o moleque era
esperto e já se destacava. Tranquilo, descolado e faceiro.Ostentava
um sorriso irritantemente sedutor que ganhava qualquer mulher fácil
sem precisar de muitas palavras.
A Canto dos Pássaros estava em processo de revisão de
contratos e negociação com um grande cliente da América Latina.
Então, eu estava atolado de trabalho.
Aquela rotina era estressante, mas perfeita para a minha
personalidade séria e introspectiva. Eu gostava de resolver
problema porque me fazia focar no que realmente importava.
Entre leitura de documentos, ligações e cálculos, só percebi
que o tempo havia passado quando ouvi batidinhas leves na porta.
Contrariando a carranca que se fazia presente o tempo todo,
um sorriso contido se formou em meus lábios. Já sabia quem era.
Desde bem pequeno, ensinamos ao Davi que a sede
administrativa era nosso local de trabalho. No entanto, ele sempre
teve o hábito de nos visitar algumas vezes, principalmente quando
chegava da escola ou estava fazendo alguma atividade com os
profissionais que cuidavam dele por ali.
Levantei caminhando até a porta e a abri com cuidado,
deparando-me com o pequeno se esticando na pontinha dos pés
para pegar a maçaneta. Ao seu lado, Júlia, sua babá o observava.
No canto, vi Brenda, a secretária administrativa, olhando de longe e
sorrindo.
Davi era cativante e conquistava a todos por onde passava.
— Oi, papai. O... Davi chegou.
Olhar para aqueles olhos tão azuis quanto os meus, com a
diferençapor ter as manchas de Brushfiled[2], era o melhor momento
do meu dia. Ele tinha o dom de desanuviar toda a tensão que havia
em mim constantemente.
— Obrigado, Júlia. Pode ir almoçar.
— Sim, senhor — ela despediu e se afastou.
— Oi, campeão. — Abaixei-me para pegá-lo e dar um beijo
em sua testa. — Como foi seu dia na escola?
— Legal... o Davi... bincou, comeu e... pintou — falou,
empertigando-se para descer.
Dentro das suas condições, Davi era muito inteligente,
porém, tinha certa dificuldade em conversar. A sua capacidade
respiratória era um pouco comprometida e afetava diretamente a
fala.Às vezes, ele precisava de pequenas pausas entre as palavras.
Além disso, sempre referia a si mesmo na terceira pessoa.
— Que legal, filho. Enquanto a gente vai para casa, quero
que você me conte tudo. Está com fome? — perguntei, após olhar
no meu relógio de pulso. Já estava no horário de almoçarmos. —
Vamos papar?
— O Davi... tá com fome... hum... — passou a mão na
barriguinha e fez o som com a boca — nhãm...nhãm...nhãm...
Dei um pequeno sorriso de canto. Fui até o computador
desligando-o, caminhei até ele, peguei sua mãozinha e saímos da
minha sala. Alegre, falava com euforia sobre o seu dia.
— Papai... que dia é hoje? — questionou quando
chegávamos próximo a minha S10 cabine dupla, azul.
— Quinta-feira, filho. Por quê?
— Falta muito... pa domingo?
— Faltam três dias — fiz o número com os dedos para que
ele conseguisse compreender melhor.
— Tá longe, papai. A gente... não pode... andar de cavalo...
antes? — pediu, enquanto o prendia na cadeirinha.
Esse espertinho não negava o sangue que tinha. Ele adorava
equinoterapia[3]. Depois que começou, vínhamos observando
avanços em suas atividades motoras desde então.
— Você tem aula hoje à tarde com o tio Caio, filho. Vai andar
a cavalo com ele.
— Mas eu gosto... com você, papai... Tem um... tempão
assim — afastou os bracinhos dando ênfase — que a gente não
anda...
Posicionei-me em frente ao volante, dando partida e sentindo
outro sorriso vir fácil com a fala do pequeno. Era comum ele
despertar isso em mim. Somente ele.
Davi se referia ao hábito que adquiri desde que percebemos
sua dificuldade em estabilizar o corpo. Durante o acompanhamento
multiprofissional, foi recomendado que estimulássemos atividades
que o ajudassem a manter a postura.
Assim, todos os domingos pela manhã, eram sagrados os
nossos passeios a cavalo.
— Nós andamos há quatro dias, filho. No último domingo.
Ele estava aprendendo sobre noção de tempo e contagem.
Por isso, sempre frisávamos tudo referente a números e dias.
— Quato dia é... muito longe, papai... — reclamou.
— O que você sugere? — estimulei seu raciocínio e
argumentação.
— Agoa.
Minha atenção estava na direção, porém -o através do
retrovisor.
— Agora não tem jeito. Estamos indo almoçar e daqui a
pouco o papai tem que voltar para trabalhar.
— Aahh — deixou os ombrinhos caírem levando o dedinho à
boca. Em segundos, como se tivesse um lampejo, levantou-o,
empolgado. — Já sei! Quando o papai... acabar de tabaiar.
Eu gostava de vê-lo se esforçar, era importante para o
desenvolvimento dele.
— Podemos pensar, se você se comportar hoje à tarde. Vou
perguntar ao Caio se você foi um bom menino.
— O Davi vai... compotá — garantiu.
Rapidamente estacionei em frenteà casa principal. Ao avistar
o pequeno arteiro, nossas duas cadelas vieram correndo, brincando
e latindo para ele.
— Oi, Çalana... Oi, Mataca — o pequeno as cumprimentou
abraçando as duas sujonas.
Elas eram lindas. Chalana era uma golden retriever, enorme
e carinhosa. Matraca era labradora marrom com uns rajados claros
na pelagem. Nasceu na fazenda e era dócil com todo mundo. Tinha
esse nome porque latia o tempo inteiro e parecia conversar
conosco. Juntas, elas nos acompanhavam onde quer que fôssemos.
Peguei na mão de Davi e andamos até a grande sala. Assim
que entramos, ele pediu:
— Papai, tá calô, né?... O Davi... pode nadá?
Meu maxilar enrijeceu e meu aperto em sua mãozinha se
tornou mais forte.
Davi era a pessoa mais importante da minha vida e eu morria
de medo que qualquer coisa acontecesse a ele. Era por isso que eu
evitava qualquer possível perigo.
O contato com os cavalos foi natural, até porque morávamos
em uma fazenda. No entanto, as primeiras vezes foram comigo, até
que eu o senti preparado para estar com outra pessoa.
Porém, água era algo que me dava arrepios só de imaginar
que ele pudesse se afogar. Ainda que tivéssemos uma piscina
enorme em frente à sede, ela praticamente vivia coberta.
— Na água não.
— Mas papai... — insistiu.
— Já disse que não, Davi — falei, imperativo.
Talvez a minha voz grossa tenha ecoado mais alta e
ameaçadora do que pretendia. A expressão dele se transformou
para um bico trêmulo e que, em instantes, se transformava em um
choro estridente.
— O que aconteceu? — Mamãe questionou, aparecendo da
cozinha.
Davi parou onde estava e eu suspirei. Nem sempre era fácil
lidar com as birras e choros, ainda mais em dias como aquele em
que eu me sentia sobrecarregado e cansado.
— Davi sabe que não pode ir na água se não estiver comigo,
mas insiste.
— Eu queio nadá... — expressou em meio ao choro,
sapateando.
Dona Marta veio até nós chamando a minha atenção
ponderadamente.
— Filho, sabe que temos profissionais capacitados para
cuidar dele. Se acalme.
— Eu já falei que não. — Olhei para ele: — Ouviu, Davi?
Nada de água se eu não estiver por perto.
CAPÍTULO 2 | LUIZA

“Tô com saudades dessa boca quente na minha, gatinha. Vamos se


ver?”

Revirei os olhos ao ler a mensagem de Rodolfopela barra de


notificações, pensando se respondia a enquanto caminhava em
direção à saída da escola, dando por encerrada a minha jornada de
aulas da manhã.
Tinha-o conhecido há alguns dias em um barzinho que
costumava frequentar aos finais de semana com Polyana já que
Manuela havia pulado fora do nosso trio quando engravidou dos
meus sobrinhos.
Rodolfo era um pseudo-caubói. Filhinho de papai, estava
finalizando o curso de Agronomia em Uberlândia e pouco tinha
pisado em uma fazenda. Era até bonitinho, tinha uma pegada legal
e um beijo gostoso, mas quando abria a boca ou escrevia...
Misericórdia! Dava vontade de correr.
Além disso, era chiclete. Desde que saímos outras vezes e
transamos em uma delas, ele não saía do meu pé. Se o
arrependimento de ter dado meu número a ele matasse, eu já
estaria mortinha e enterrada.
Estava num total de zero vontade de continuar nossos
encontros. Se tinha um tipinho que me repelia era esse. Se na noite
em que nos conhecemos, ele não estivesse vestido de maneira
normal, sem aquela cafonice de bota, chapéu e fivela, eu jamais
teria dado abertura para nos conhecermos. Sem contar que era
fresco.
Revirei os olhos outra vez.
Tinha uma mania irritante de ficar passando a mão nos
cabelos dizendo que o hábito de usar chapéu deixava-os marcados.
Aff... que ranço!
Com a bolsa na lateral do corpo, chave do carro na mão e
carregando alguns livros e materiais de papelaria, continuei
caminhando pelos corredores já vazios, uma vez que quase todos
os alunos já tinham ido embora e as colaboradoras da limpeza
preparavam as salas para o turno da tarde.
Ser professora era a minha maior paixão. Amava trabalhar
com educação infantil, principalmente, inclusão escolar. Não só de
crianças com algum tipo de deficiência ou dificuldade de
aprendizagem como são mais numerosos. Gosto muito de trabalhar
com crianças que possuem altas habilidades. É gostoso e
desafiador.
Já estava quase saindo do corredor das salas quando, ao
fundo, ouvi algo semelhante a um choro de criança.
Por ser uma escola infantil, era muito comum que elas
caíssem, chorassem por alguma dor ou algo assim. No entanto, por
ser final da aula, normalmente algumas crianças ficavam esperando
seus pais os buscarem.
Algumas sentiam-se abandonadas ou achando que os pais
haviam as esquecido. Quando criança, quem nunca pensou que a
mãe tinha o deixado no mercado e ido embora, não é?
Preocupada, segui em direção ao som, pronta para acolher
quem quer que fosse. Eu amava a energia que um abraço de
criança me passava. No entanto, nada me preparou para dar de
cara com uma mulher loira, alta e magra emborcada apertando o
braço do pequeno Davi, um dos meus alunos preferidos, e falando
entredentes.
— Seu molenga, babão. Fica rindo feito um idiota para todo
canto parecendo um retardado.
Meu sangue subiu ao ver aquela cena nada menos que
asquerosa.
— O que está acontecendo aqui? — perguntei, alto e firme.
A cobra se afastou. Num primeiro momento, assustada. Em
seguida, seu olhar mudou para desdém.
— Se não é a defensora dos pobres e oprimidos — rebateu,
irônica.
Larguei minhas coisas de qualquer jeito em cima de uma
carteira próxima e aproximei-me, soltando a mão dela do braço do
pequeno e pegando-o no colo. Alisei seus cabelos loiros
acalentando-o e sussurrei baixinho em seu ouvido:
— Shhh... Está tudo bem, Davi. A tia Luiza está aqui.
Aos pouquinhos, o pequeno parou de chorar. Voltei meu olhar
furioso para Renata, queria fuzilá-la.
— Qual é o seu prazer em ser má com as pessoas?
— O mesmo que o seu protegendo os fracos e indefesos —
respondeu, irônica. — Olha pra isso, nem pode ser chamado de
gente. A face do moleque é toda estranha. O nariz é esquisito, os
olhos redondos... Tem a mesma cara do resto da gentinha dele.
Se eu já não gostava da filha do prefeito antes, agora com
certeza eu a odiava. Uma vontade crescente de colocar o pequeno
no chão e arrancar sangue daquele rostinho de Barbie depois da
plástica.
— A sua sorte é que ele está me impedindo de quebrar a sua
cara.
— Qual é toquinho de amarrar jegue, era assim que eles te
chamavam, não é? Acha que pode mesmo lidar comigo. Eu devo ter
no mínimo 20cm a mais que você.
— Eu posso ser mais baixa, mas meu mundo é muito maior
do que o seu, Renata. Primeiro, porque eu respeito as pessoas.
Segundo, recebo em troca o amor delas.
— Começou o discurso moralista. — Revirou os olhos.
— Você não ouviria se não tivesse feito mal a uma criança
indefesa.
— Ah, para com isso. Esse doente nem pode ser chamado
de criança. Esse menino é todo mole, baba, não consegue fixar o
olhar direito. Só vai dar trabalho para a família a vida inteira. Como
isso pode ser gente?
A cada palavra de Renata eu sentia meu sangue ferver, o
corpo começar a tremer e o rosto esquentar. Um ódio sem fimtomar
conta de mim. Consegui reestabelecer meu equilíbrio emocional
quando senti a mãozinha de Davi mexendo na minha nuca. Com um
esforço sobre humano, respondi sem avançar em seu pescoço:
— O Davi não é doente. Ele tem uma condição. Embora
possa ter um maior comprometimento intelectual e físico, nada o
impedirá de se tornar um adulto saudável.
— Ah, Luiza, conta outra! Esse seu papinho de inclusão é
furado. Quem vai querer ficar com uma coisa dessas? Só gente
idiota que nem você.
— Cala a boca, sua nojenta. Ele não merece ficar ouvindo
suas maldades. Mas fique tranquila, porque os Albuquerque ficarão
sabendo do que fez ao herdeiro deles.
— Você não seria louca, Luiza. Eu sou capaz de acabar com
essa sua carreirazinha de professora mal paga.
— A babá do Davi chegou. — Silvana, a recepcionista,
informou na porta da sala.
— Você não perde por esperar.
Saí da sala carregando o pequeno e sua mochila. Depois
voltaria para buscar minhas coisas.
Quando chegamos ao portão, o pequeno já não chorava e o
rostinho estava menos vermelho. Beijei seus cabelos com carinho
sentindo o cheiro fraco de xampu infantil misturado com o suor
antes de entrega-lo para Júlia.
— Desculpe pelo atraso. O pneu do carro furou na estrada.
— Ela abraçou a criança com carinho, passou a mão em seu
rostinho e continuou: — Oi, Davizinho. Você está bem?
Não podia deixar a situação passar batido, ainda que a filha
do prefeito pudesse realmente cumprir a promessa de acabar com a
minha carreira. Respirei fundo antes de dizer:
— Júlia, aconteceu uma situação bastante chata e
preocupante com o Davi ainda a pouco. Peço, que por gentileza, dê
o recado para que Dona Marta ou o Aloísio venham até a escola na
segunda-feira no final da aula de Davi. Preciso falar com eles. É
muito sério.
Com uma expressão sóbria, Júlia se despediu. Eles entraram
no SUV 4X4 preto, guiado pelo motorista da família, e foram
embora.
Soltei outra lufada de ar e retornei para buscar minhas
coisas. Eu precisava avisar a direção da escola o que havia
ocorrido. Davi era neto de Alfredo Albuquerque, o fazendeiro mais
poderoso da região.
Voltei para a sala em que tudo aconteceu e peguei meu
material. A cobra já não estava mais lá. Isso me fez pensar o que
Renata Moreira estava fazendo dentro da escola se era advogada
patricinha e não tinha filhos.
Caminhei a passos largos para a sala da supervisora da
escola e encontrei-a terminando de arrumar sua bolsa para ir
embora.
Relatei rapidamente o ocorrido e a reação que tive de
Solange não foi, nem de longe, o que eu esperava.
— Renata é a advogada da escola e filhado prefeitoDeodato
Moreira. Eu não vou entrar na briga de cachorro grande, Luiza. Sinto
muito.
Era isso? Ela ia fechar os olhos para a situação?
— Solange, você entendeu que ela estava agredindo uma
criança? Ainda mais uma com Síndrome de Down. Que mal esse
menino faz para um mosquito?
— Entendi perfeitamente. E seria uma repercussão péssima
para a escola se algo assim vazasse.
— Que se dane a escola. Eu estou preocupada com os
impactos psicológicos que um trauma desse pode trazer para ele —
falei, revoltada.
A figura emperiquitada à minha frente parecia irritada com o
que eu havia acabado de dizer sobre a escola. E era verdade. Eu
não me apegava as instituições, mas sim às minhas crianças.
— Ele nem entende o que aconteceu, menina. Sugiro que
você repense sobre a instituição que paga seu salário se não quiser
ficar sem ele.
Ela não ia me calar com uma ameaça. Eu só não poderia
aceitar algo dessa magnitude calada.
— Convoquei os responsáveis por ele na segunda-feira. Eu
não posso deixar que algo assim aconteça de novo com o Davi.
— Vou te avisar pela última vez, Luiza: se tem amor pelo
salário que paga suas contas, sugiro que abafe o caso.
Peguei minhas coisas e falei antes de sair:
— Está decidido.
CAPÍTULO 3 | MARTA

— Deixáá de manha... e vem pa cá... que o sol aiou... agoa é


hoa de bincar.
Com um sorriso de avó boba, separo a roupa de Davi
ouvindo-o cantar no banheiro sob os cuidados de Júlia.
A rotina dos Albuquerque é praticamente cuidar dos negócios
da fazenda durante o dia e se derreter de amores por Davi à noite.
Após a partida da mulher que jamais poderia ser chamada de mãe,
o pequeno tornou-se nosso mundo.
Nos braços de Júlia, Davi saiu do banheiro enrolado em um
roupão marrom com capuz de focinho de cavalo, um dos seus
favoritos.
Extremamente amoroso, o pequeno se apega com facilidade
às pessoas a sua volta, principalmente aquelas que, de algum
modo, proporcionam-lhe carinho. É por isso que temos cautela com
quem se aproxima dele. Nem todos sabem lidar com a condição do
nosso pequenino.
Com cuidado, Davi foi colocado sobre a cama e, ainda que
tenha certa dificuldade em se manter de pé e ereto, estava inquieto
brincando e pulando. Era um menino feliz.
— Dona Marta, hoje no horário que fui buscar o Davi, a
professora Luiza estava séria e o pequeno com rosto de choro. Ela
falou que algo havia acontecido e pediu para que eu informasse à
senhora ou ao senhor Aloísio para comparecerem na escola na
segunda-feira ao término da aula.
A fala de Júlia preocupou-me e deixou-me pensativa.
A escola em que Davi estuda é a melhor e mais conceituada
da região. Além disso, Luiza é uma excelente professora. Júlia
continuou:
— E durante o banho dele me deparei com isso. Veja.
Aproximei-me do pequeno com cuidado e constatei marcas
roxas semelhantes às de dedos em seu braço esquerdo.
Sentei-me na cama e puxei Davi para o meu colo com
carinho, passando a mão cuidadosamente sobre seus cabelos
molhados, loiros e lisos. Perguntando sem alarde:
— Filho, como foi na escola hoje?
— Eu ouvi música... cantei e... binquei, vovó.
— Que legal, meu amor! E você brincou com quem? —
questionei, acariciando suas mãozinhas pequenas e dedinhos
curtos.
— Com João e... Miguel.
— E você caiu? — Sondei, a fim de saber se o roxo poderia
ser daí.
Devido a síndrome, Davi é um pouco menor do que o
esperado para sua idade. Também possui baixa no tônus muscular.
Isto quer dizer que ainda tem dificuldades com atividades motoras
como andar, mastigar, deglutir e falar.
Ainda que a Síndrome de Down não seja considerada uma
doença e sim uma condição, ela não tem tratamento ou cura. No
entanto, pode acarretar em uma série de condições clínicas como
tendência a obesidade, doenças endócrinas, riscos de infecções e
compressão da medula, devido à instabilidade do pescoço. No
campo intelectual, há um comprometimento da aprendizagem.
Por estas razões, contávamos com uma equipe
multiprofissionalcomposta por terapeuta ocupacional, fisioterapeuta,
fonoaudióloga e psicóloga que se revezavam entre os dias da
semana para atendê-lo na fazenda.
— Não, vovó. Hoje... o Davi... não caiu.
— Isso é muito bom, meu pequeno. E conta para a vovó,
como você machucou aqui. — Toquei levemente no bracinho.
A expressão do pequeno mudou de alegre para séria, falando
com o cenho franzido.
— A buxa má.
— Bruxa má? — inquiri, interessada em saber se não seria
alguma história da sua imaginação.
— É... gande, cabelo amaielo... machucou o Davi.
Senti meu corpo enrijecer. Algo semelhante nunca havia
acontecido desde então. Todos na região sabiam que Davi era
nosso neto e não existia nenhum corajoso que ousasse fazer mal a
qualquer um dos Albuquerque, principalmente, ao pequeno.
— E como ela fez isso, filho?
Com a mãozinha pequena, Davi segurou meu braço olhando
nos meus olhos, com o semblante fechado e vinco na testa,
expressando:
— Molenga... babão... diota...
Engolindo em seco, tentei não transmitir para ele o quanto
aquela situação havia me pegado de surpresa.
Eu era forte, lidava com situações complexas todos os dias.
Contudo, nada me preparou para ver o meu neto relatando tal
vivência na escola. Duvidava que ele pudesse estar inventando, já
que não convivia com ninguém que usasse aquele tipo de linguajar.
Como alguém poderia falar daquele jeito com uma criança?
— Qual o nome dela, filho? — questionei, carinhosa.
— O Davi... não sabe, vovó... mas doeu.
— Eu sei que doeu, príncipe. Vovó promete que não deixará
ninguém mais fazer mal a você — garanti, encostando sua cabeça
em meu peito e beijando seus cabelos. — A tia Luiza estava com
você quando isso aconteceu?
— A... tcha Luiça... bigou com a buxa má — explicou.
Retomando o olhar amoroso, completou: — O Davi gosta... da tcha
Luiça. Ela canta música... lê históinha e abaça.
CAPÍTULO 4 | ALOÍSIO

Naquela sexta-feira,eu havia chegado tarde devido a um coquetel


de negócios que precisei comparecer. Lidar com relações comerciais
exigia a vestimenta de uma máscara que eu odiava: fingir que tudo
estava bem o tempo todo.
Há muitos anos eu me isolei. Odiava ter que sair de casa,
principalmente para demostrar algo que não sentia.
Minha irritação se transformou em raiva quando entrei em casa e
mamãe contou-me sobre o ocorrido com Davi na escola.
Agitado, entrei em seu quartinho todo decorado de selva. Ele
dormia um sono profundo. Toquei o braço esquerdo e notei a mancha
roxa. Respirei fundo sentindo uma vontade furiosa de socar alguma
coisa só de imaginar o que havia acontecido. Tirei uma foto, beijei seus
cabelos macios e saí enfurecido pelos corredores abrindo os botões da
camisa marrom de mangas dobradas até os cotovelos.
Saí da casa sentindo o vento frio da noite batendo no meu rosto,
diminuindo em quase nada a raiva que eu sentia. Abri a porta de vidro da
academia e fechei atrás de mim. Já estava tarde para que alguém
ouvisse o que eu pretendia fazer.
Peguei o controle ativando o heavy metal alto – muito diferente
das músicas clássicas que eu ouvia normalmente –, joguei o blazer e a
camisa em um canto junto com os sapatos e meias.
Caminhei até o saco de pancadas e dei o primeiro golpe. Sem
bandagem, sem luva, sem nenhuma proteção. Sabia que depois o
estrago seria grande, mas o meu ódio era tanto que nem liguei.
Um, dois, três... inúmeras vezes até que as falanges estivessem
machucadas. O ritmo da música apenas fazia com que eu tivesse mais
energia e sentisse mais raiva ao passo em que os pensamentos
vagavam.
Quando conheci Carolina, fiquei encantando com os longos
cabelos ruivos que molduravam o rosto inocente, com algumas sardas
sobre as bochechas, e o nariz afilado. Além da beleza, Carolina sabia
muito bem quando se fazer presente ou se ausentar. E isso me fazia
cultivar muito tesão por ela. Nos relacionamos por um tempo sem
compromisso, elascom suas viagens infindáveis, eu com a minha
dedicação aos estudos e a fazenda.
Não demorou até que ela aparecesse grávida. De início, não só
eu, mas todos lá em casa ficamos reticentes quanto a minha
paternidade, já que nos víamos pouco. No entanto, quando escutei o
som do coração de Davi, não tive dúvidas que ele era meu.
Algo forte nos ligou naquele instante e, desde então, só
aumentava a cada dia. Ansiei pela vinda do meu pequeno e nunca tive
dúvidas de querer tê-lo na minha vida.

Quatro anos antes...


Meu coração bateu descompassado quando a enfermeira me
entregou, com todo cuidado, o pacotinho que tinha tomado meus
pensamentos nos últimos meses.
Olhei pela primeira vez para o bebê nos meus braços, pensando
em como um serzinho tão pequeno poderia despertar o meu amor mais
puro e verdadeiro. Seus cabelinhos eram lisinhos e loiros. Ainda não
tinha conseguido vê-lo com olhos abertos e estava ansioso para saber
se também seriam azuis como os meus.
O peito apertou quando observei com cuidado a sua face e notei
que era um pouco achatada, aparentemente sem o osso do nariz, a
fenda dos olhos em formato oblíquo, o pescocinho mais curto e grosso
que o esperado.
Tive quase certeza que as suspeitas do obstetra estavam certas.
Embora ainda aguardássemos o resultado do exame para
confirmação, o meu instinto – recém adquirido – de pai me dizia que
seria positivo.
— Espera o resultado do cariótipo sair e depois você toma uma
decisão — falei para Carolina, inquieta na cama do hospital.
— Eu não tenho porque esperar a resposta se eu já tenho a
certeza, Aloísio. Olha para essa criança. Tirando os cabelos, não se
parece comigo, nem com você. Possui as características próprias.
Ela embrenhou as mãos pelos próprios fiosabaixando a cabeça e
chorando.
— O que eu fiz de errado para ter um filho com defeito? Eu sou
nova, bonita... não entendo qual foi o problema — proferiu,
inconformada.
— Você sabe que essa condição não escolhe público, Carol.
Aconteceu porque tinha que acontecer. Porque, de algum modo,
estávamos predestinados a aprender com tudo que ele poderá nos
ensinar.
Carolina me olhou. Sua face estava vermelha, molhada e com os
olhos inchados.
— Eu não aceito esse destino, Aloísio. Eu não sei cuidar de um
bebê nessas condições.
— Eu também não, mas nós vamos descobrir juntos.
Aproximei-me dela na tentativa de acolhê-la em um abraço. No
entanto, Carolina se esquivou como se eu tivesse com uma doença
contagiosa.
— Não. Não chegue perto de mim com essa criança. Não quero
mais contato com ela do que os meses que passou dentro de mim.
Foi como se eu tivesse levado um soco. Eu não amava Carolina,
mas pelo bem do meu filho, estava disposto a propor para que
ficássemos juntos. Ele merecia ter os pais unidos.
Contudo, vê-la renegar o próprio filho fez nascer uma espécie de
indignação e asco.
— Eu tinha esperanças que você pudesse mudar de ideia ao
pegá-lo — disse, baixo, não conseguindo acreditar que ela seguiria com
aquela atitude absurda.
Desde que descobrimos, durante o pré-natal, que Davi pudesse
ter Síndrome de Down, ela tinha sido contra seguir com a gestação e
ameaçou abortar. No entanto, já estava com sete meses.
Eu nunca pensei em não seguir. Eu já amava demais aquela
criança.
Todavia, Carolina havia se mostrado uma pessoa que eu nunca
imaginei que pudesse ser. E, se para ela levar aquela gestação até o
final tivesse um preço, eu o pagaria.
— Eu não mudei de ideia. Fiz minha parte no nosso acordo. Se
você optou por ele — apontou para o bebê —, cumpra a sua e não me
verá nunca mais.
Andei de um lado para o outro, agitado, com o neném no colo. Era
difícil demais pensar que ele cresceria sem a presença da mãe.
— Não faz isso, Carolina. Pense no futuro dele. Além disso, você
pode se arrepender.
Carolina levantou-se, passando as mãos pelo rosto e começou a
trocar a roupa do hospital pelas suas habituas. Parou rapidamente para
me fitar e dizer:
— Não vou me arrepender. Minha vida já está toda planejada e
não tem espaço para cuidar de um doente.
— Eu não acredito que você esteja falando sério — expressei,
incrédulo.
— Nunca falei tão sério na minha vida. — pegou a bolsa,
caminhou até a porta, continuando fria e seca: — Já assinei os
documentos me responsabilizando pela minha alta. Aguardo o
comprovante da sua parte. Tchau, Aloísio.
Fechei meus olhos com raiva, angustiado, temeroso. Sentia-me
perdido, confuso e com medo do futuro.Tenso em imaginar como seriam
as nossas vidas dali em diante.
Voltei a observar o bebê que dormia tranquilo em meu colo sem
ter a mínima noção de que acabara de ser abandonado pela própria
mãe.
Todavia, uma onda de amor e serenidade percorreu pelo meu
corpo. Com ela, a certeza de que esse amor pelo meu filho me faria mais
forte, capaz de qualquer coisa.
Independentemente do que acontecesse, eu tentaria ser o melhor
pai do mundo para ele.

Atualmente...
De volta a academia, agradecia a Deus por Davi não ter tido
nenhum risco cardíaco, como ocorre com a maioria das pessoas com
Down. Todavia, o medo do desconhecido e do que ele poderia sofrer na
vida me engolfava.
Eu sabia que ele ainda poderia sofrer muito com pessoas más
que cruzassem o seu caminho. Contudo, não esperava que essa hora
chegasse tão cedo. Ele só tinha quatro anos, era um menino cativante e
bem quisto por todos. Não merecia passar por esse tipo de coisa.
Compreendia que não poderia tê-lo preso em uma bolha
eternamente e era por isso que eu tentava suprir tudo o que ele
precisava para crescer.
A cada soco, perguntava-me quem fez isso a ele. Eu sabia que
não havia sido outra criança, o tamanho da mancha deixava claro. Eu
iria descobrir o que aconteceu e não admitiria que saísse impune.
Os golpes foram perdendo força quando o rock pesado parou e
Sonata ao Luar de Beethoven começou a tocar. A raiva foi substituída
pela sensação de fracasso como pai.
Quando Carolina nos abandonou, senti-me sem chão, perdido.
Não conseguia entender como uma mãe negligenciava o filho desta
forma. Porra, eu não tinha ideia do que fazer para cuidar de um bebê
recém-nascido.
Mais que isso, questionava-me o tempo todo das consequências
psicológicas que aquilo poderia acarretar a ele. Querendo ou não, o
contato com a mãe no primeiro ano de vida era essencial para a saúde
emocional da criança.
Se não fosse pelo amor do meu pequeno e o apoio de minha
mãe, eu não teria conseguido. Dona Marta Albuquerque era a mulher
mais forte e incrível que eu conhecia.
Auxiliava-me com tudo referente ao Davi. Nos desdobrávamos
para dar o melhor a ele, em todos os sentidos. De amor ao
acompanhamento médico.
O pequeno havia se tornado o meu mundo. Era por ele que eu
levantava todos os dias.
As lágrimas começaram a cair e eu parei de bater. Relaxei os
braços e ombros deixando meu corpo cair sobre os joelhos dobrados,
permitindo-me ser fraco, como fazia somente quando estava sozinho.
Derrotado.
No dia seguinte, era sempre como se nada estivesse acontecido.
O homem forte e seguro voltava à tona. Implacável. Inabalável.
CAPÍTULO 5 | ALOÍSIO

Na segunda-feira, cheguei à escola acompanhado pela minha


mãe. Ela percebeu o quanto eu havia ficadocolérico com a situação
e, por cautela, preferiu me acompanhar.
Não que eu fosse um xucro que sairia batendo ou destruindo
as coisas pela frente. Mas porque mamãe sempre me apoiou
incondicionalmente na criação do pequeno e sabia o quanto aquele
tipo de situação me machucava.
Na sala, fomosrecebidos apenas pela diretora e outra mulher
que não era a professora de Davi. Polida, a diretora iniciou:
— Bom dia, Senhora Marta e Aloísio. É um prazer tê-los em
nossa escola. Esta é a supervisora Solange.
Cumprimentamos a mulher com expressão apreensiva e
sentamos.
— Primeiramente gostaríamos de nos desculpar, sabemos o
quanto vocês têm uma rotina cheia.
— Sejamos práticos — comecei, sério —, gostaríamos de
entender porque fomos chamados à escola e não estamos
conversando com a professora do meu filho.
— Na verdade, foitudo um grande mal-entendido, Aloísio. —
A supervisora tomou a iniciativa ao responder. — A professoraLuiza
havia chamado vocês para uma reunião de rotina, a respeito do
desenvolvimento do Davi. Está tudo bem com o aprendizado dele,
não se preocupem.
Seu tom falsonão me passou despercebido. Eu tinha certeza
que as razões não eram essas.
— Certo. E se é só isso, por que ela não está aqui? — inquiri.
— Infelizmente a Luiza não faz mais parte do quadro de
professores da nossa escola.
A supervisora respondeu, não demonstrando qualquer
empatia pela colega docente.
Aquela situação cheirava mal, e eu não estava me referindo
ao perfume forte e enjoativo de uma delas.
— E qual foi o motivo da demissão? — mamãe questionou.
Sabia que ela também não estava convencida daquela situação.
— Não é correto de nossa parte expor nossa equipe. — A
diretora interveio.
— Se está tudo bem com o desenvolvimento do meu filhoe a
professora foi demitida de sexta para hoje, queremos entender por
quê ele chegou em casa com manchas pelo corpo — impus com a
voz baixa e grave. — Foi ela?
A minha altura, largura e seriedade fizeram com que as
mulheres arregalassem os olhos e titubeassem. Na certa, não
esperavam por essa informação.
Durante o caminho, mamãe não poupou elogios a tal
professora. Já havíamos nos encontrado em algumas reuniões de
pais e ela sempre me pareceu muito profissional e ter muita afeição
pelo meu filho. Contudo, aquelas circunstâncias e o comportamento
das docentes à minha frente faziam que eu suspeitasse até do vento
que passava pela janela.
— Veja bem, senhor Albuquerque, o Davi é um menino
especial, portador de deficiência, não possui forçao suficiente para
permanecer de pé sem que tenha algumas quedas. É natural que
algumas delas possam deixar hematomas — Solange justificou.
— Queda não deixa hematoma de dedos — rebati.
— Talvez possa ter sido algum colega ou...
— Você não me respondeu, supervisora Solange. Foi a
Luiza? — repeti o questionamento.
A diretora empertigou-se em sua cadeira. Desconfortável.
— Não nos exaltemos — intercedeu. — De modo geral,
sinalizamos que ninguém fez nenhum mal para o Davi dentro deste
prédio.
Aquela história não me convenceu e estava cada vez mais
nítido que elas encobriam alguma coisa. Eu iria descobrir.
— Com todo respeito à sua formação, Solange, mas muito
me preocupa uma profissional que atua em um cargo de supervisão
em uma escola cara e renomada como esta e ainda chama a
pessoa com deficiênciade especial. — Mamãe não foi deselegante,
mas deixou claro sua insatisfação. — Ele é especial para nossa
família porque o amamos, assim como seus filhos são especiais
para a senhora porque é a mãe deles. Abstraindo isso, ele tem e
não carrega uma deficiência. Nem mesmo é especial por isso. O
despreparo em sua fala põe em xeque a sua capacidade
profissional e me faz repensar se esta é realmente a melhor
instituição para ensinar o meu neto.
Ao final de sua fala, estendi o braço auxiliando minha mãe a
se levantar sob a tentativa da diretora para amenizar a situação.
— Não tomemos nenhuma decisão no calor do momento.
Podemos encontrar uma solução.
— Enquanto a escola não for sincera conosco sobre o que
aconteceu com o meu filho,não existe qualquer possibilidade de ele
voltar a estudar aqui. Por gentileza prepararem a documentação de
transferência dele. Além disso, eu vou descobrir o que aconteceu e
não medirei esforços para que as providências sejam tomadas.
Tenham um bom dia — falei ao passarmos pela porta.
— Eu não acho que tenha sido a Luiza, meu filho.Mas vou te
ajudar a descobrir o que aconteceu.
CAPÍTULO 6 | MARTA
Dias depois...

— É só aguardar que a doutora Paula já vai chamá-lo. — A


recepcionista do consultório pediátrico informou.
A equipe multiprofissional que fazia o acompanhamento de
Davi se revezava para atendê-lo na fazenda. No entanto, para as
consultas médicas, trazíamos a uma das pediatras mais renomadas
de Uberlândia, a mesma que o acompanhou desde seu nascimento.
Após agradecer, segurei na mãozinha dele e, acompanhados
por Júlia, caminhamos na direção indicada.
Instantes depois, reconheci uma figura feminina, já idosa,
baixinha e troncudinha com um bebê de aproximadamente um ano
no colo enquanto uma mulher mais nova segurava uma menina da
mesma idade e conversava com a recepcionista.
— Ah, eu não acredito! — exclamou ao me ver. Aproximou-
se, continuando: — Quanto tempo não te vejo, Marta!
Levantei-me abraçando-a.
— Dita! Anda sumida!
Sentamo-nos, ela ajeitou a roupinha do pequeno de cabelos
escuros e bochechas vermelhas, e explicou:
— Depois do nascimento dos meus netos, tenho andado bem
corrida e mais aqui em Uberlândia do que em Estrela. Sabe como é
né, menina. Filhos em dobro, trabalho em dobro — brincou,
sorrindo. — Este é o Eduardo. A bebê é a Cecília e aquela —
apontou para a bela mulher de cabelos longos — é a minha nora,
Manuela. Você deve conhecê-la. Ela e meu filho, estão juntos há
muito tempo.
Fitei sua fisionomia com cuidado à medida que ela se
aproximava e nos cumprimentávamos. Realmente a reconheci.
Sabia que ela e Leonardo conheceram-se ainda adolescentes e
tinha a visto poucas vezes, já que moravam em Uberlândia. Estava
com os cabelos mais claros, seios mais cheios, quadris mais largos
e emitia uma energia gostosa. Parecia feliz.
Perguntei-me como tinha sido o desenrolar desta história,
uma vez que, até onde sabia, ela e Leonardo estavam com o
casamento em crise. Não seria educado de minha parte querer
saber a vida alheia. Seja como for, fiquei feliz que estivesse bem.
— É um prazer revê-la.
Acariciei a mão da bebezinha risonha e alegre, enquanto o
irmão tinha um semblante mais sério. Eram lindos.
Enquanto esperávamos, conversamos a respeito da
coincidência de termos nossos netos atendidos pela mesma
pediatra. Atualizamos algumas notícias de nossos filhos e fiz
questão de saber sobre a Luiza.
Desde então, Davi tem passado esses dias na fazenda sob
os cuidados de Júlia, enquanto eu e Aloísio procurávamos outra
escola qualificada para recebê-lo. Ainda que tenha as melhores
escolas, Uberlândia fica muito longe para termos que deslocá-lo
todos os dias. Por isso, estamos priorizando escolas de regiões
mais próximas.
Simultaneamente, pedi à esposa de um dos peões da
fazenda, que trabalhava na antiga escola de Davi, que investigasse
e me contasse o que realmente aconteceu.
— A Luiza está muito chateada e não quis entrar em
detalhes, mas parece que presenciou algo sério no colégio e, ao
não se calar – você sabe como é a Luiza, né? – foi demita — Dita
comentou. — Agora ela está em busca de outra instituição para
trabalhar, mas não está sendo fácil. Estranhamente, nenhuma
escola da região de Estrela e Colina está aceitando.
Aquela história estava cada vez mais estranha. Será que
Luiza havia feito algum mal a Davi e, por ser um ramo em que todo
mundo se conhece, as instituições haviam fechado as portas para
ela?
Ainda que tudo apontasse contra a professora, algo me fazia
gostar e confiarna garota. Conhecia Luiza desde pequena, sabia do
seu amor por crianças e a atuação com educação inclusiva. Este foi
um fator decisivo para que escolhêssemos colocar Davi na escola.
O profissionalismo da docente transmitia-me segurança, eu confiava
em sua índole.
Fomos interrompidas pelo toque do meu telefone. Pedi
licença e que Júlia cuidasse de Davi enquanto atendia a ligação.
— Alô! Dona Marta? — A voz feminina do outro lado
questionou.
— Olá! Sim.
— Dona Marta, aqui é a Maria, esposa do Celso. A senhora
pediu para que eu descobrisse o que aconteceu na escola com o
seu neto.
— Claro, Maria. Tudo bem? Conte-me o que descobriu.
Ouvi com atenção o que ela falava e, a cada informação
traga, sentia-me com mais raiva. Finalizei a ligação agradecendo
pelo empenho e garantindo a gratificação por isso.
Retornei à sala de espera ao mesmo tempo que o nome de
Davi era chamado. Aproximei-me das mulheres com as crianças de
colo me despedindo e solicitei à Dita:
— Peça que Luiza me procure amanhã à tarde no escritório
da fazenda. Tenho algo urgente para tratar com ela.
CAPÍTULO 7 | LUIZA
Segunda-feira de manhã...

Cheguei no meu horário habitual e logo na recepção fui


orientada que Solange me aguardava. O sexto sentido dançando
Ragatanga na minha mente, como se quisesse me dizer que eu
estava sendo feita de palhaça.
Ao entrar em sua sala relativamente pequena e
excessivamente decorada, causando um ar de desorganização,
deparei-me com Solange, Vera e Renata confortavelmente
acomodadas. A cobra oxigenada manteve-se calada ostentando um
olhar vitorioso.
Era pior do que eu imaginava.
— Bom dia, Luiza. Sente-se. — Solange decretou.
— Bom dia. Desculpe, mas já estou em cima da hora para
recepcionar os meus alunos. O que quer que seja, prefiro ouvir de
pé.
A mulher deu de ombros e prosseguiu:
— Não se preocupe, há outra pessoa em sua sala recebendo
os alunos. E, se vai até lá ministrar a sua aula, só depende de você.
Um arrepio subiu na minha espinha. Um ódio começando a
nascer e ser alimentado.
— Luiza, soube o que aconteceu com o aluno Davi
Albuquerque na sexta-feira e que chamou os responsáveis dele aqui
mais tarde. — Vera finalmente falou alguma coisa. Tinha a sensação
que Solange mandava muito mais que ela.
Duas bobocas sem personalidade.
Assenti, questionando-me onde aquilo ia dar.
— E o que pretende dizer a eles? — Vera inquiriu.
Se elas achavam que eu ia me calar só porque Renata era
filha do prefeito Deodato, que era mais sujo do que pau de
galinheiro, elas estavam muito enganadas.
— Direi a verdade. Davi é um garotinho incrível e não merece
ser tratado com tamanha maldade. — Olhei com raiva para Renata
ao falar. Se estivéssemos em um filme, eu teria a matado com meu
raio laser.
A megera levantou-se em seus saltos altos e finosajustando a
saia lápis preta e andando ao meu redor como um animal prestes a
devorar sua presa. Revirou os olhos e finalmente abriu a maldita
boca:
— Ai, Luiza... — olhou para as unhas longas e escuras com
desdém — essa sua vocação para Madre Tereza é tão patética. Só
estou ensinando para o menino desde cedo o que ele passará a vida
toda. Ou você acha que todo mundo tem um espírito tão
“benevolente” — fez o movimento de aspas com as mãos — quanto
o seu?
Abaixou-se aproximando o rosto do meu. Naqueles saltos,
nossa diferençade altura beirava os 30cm. Seu tom foiasqueroso ao
dizer:
— Acorda pra vida, Luiza. Você NUNCA vai ser páreo para
competir comigo. Em nada. E eu vou ditar como vai ser: você conta e
nunca mais consegue um empreguinho meia boca como esse em
nenhuma escola da região ou fechao bico e tem dinheiro para pagar
suas ridículas contas de gente pobre. E aí, o que vai ser?
Fuzilei-a com o olhar. O ódio borbulhando.
Uma vontade sobre-humana de arrancar os seus olhos com
as unhas.

— Primeiro, ôh vara de apanhar mamão[4], eu não tenho


porque querer competir com você, em nada. Segundo, você não vai
me calar.
A vaca riu com ironia, voltando para a postura ereta.
— Garota, tem razão ser uma professorazinhade quinta. Você
é muito burra. — Direcionou o olhar para Vera, não foi necessário
dizer nada.
Olhei na mesma direção, já ciente do que aconteceria comigo.
— Infelizmente não teremos outra alternativa, se não te
dispensar, Luiza. Passe no RH e...
Não deixei que completasse aquela bosta de frase. Caminhei
em direção à porta e antes de sair, ouvi a voz da cobra dizendo:
— Boa sorte na tentativa de procurar um emprego, querida!
Ao chegar na escola da tarde, nem posso dizer que foi
surpresa quando fui chamada na sala da direção e, desta vez com
um pouco mais de empatia, a mesma notícia foi dada.
— Nós sabemos e admiramos a excelente profissional que
você é, Luiza. As crianças te adoram. No entanto, foi uma ordem de
cima. Não tenho o que fazer.

Maio

Eu já não sabia mais em quantas escolas havia deixado meu


currículo ou feito entrevistas. Às vezes era bem tratada, em outras,
quase escorraçada.
As respostas eram sempre as mesmas: “No momento não
temos nenhuma oportunidade.” “Seu currículo é muito bom, mas não
temos vaga. Entraremos em contato assim que surgir.” “Infelizmente
seu perfil não é o que buscamos.”
Alguns colégios sequer faziam questão de esconder o real
motivo: “Desculpe, mas por orientação do prefeito Deodato Moreira,
não poderemos te contratar.”
Era a sétima escola que tinha ido só hoje e sido super mal
recebida. Havia aberto o leque para as cidades próximas da região.
Não estava na época de concursos ou contratos. Eu estava ferrada!
Em momento algum, coloquei em xeque a minha capacidade
profissional. Sabia que era boa, amava o que fazia. Era bem quista
pelos meus alunos, principalmente pelas crianças. Aperfeiçoava-me
sempre que podia. Era criativa, sabia lidar com a falta de recursos e
ainda assim proporcionar uma boa educação.
Era difícil não esmorecer, mas lidar com o boicote daquele
prefeito pilantra e a sua filha peçonhenta não estava sendo fácil.
Bati a porta do carro com força, esmurrando o volante e
xingando todos os nomes reais e imagináveis. Coitado do meu celta
1.0 vermelho. Nada tinha a ver com a situação, mas estava pagando
o pato.
Comprado a prestações a perder de vista, Cerejinha era uma
das minhas maiores paixões e conquistas. Todo mundo sabe que a
vida de professor não é fácil e, infelizmente, muito mal remunerada.
Ainda que meu irmão e minha cunhada tenham conquistado
uma situação financeira bastante confortável e que ele
proporcionasse isso aos nossos pais, eu fazia questão de não surfar
uma onda que não era minha. Essa não era eu.
Por isso, trabalhava em dois empregos para conseguir ter
uma condição melhor, pagar meu carrinho, comprar minha sonhada
casinha e ir fazendo as minhas especializações, que não eram
baratas.
Com muito esforço, consegui finalizar a pós em educação
inclusiva e agora me dedicava ao mestrado a distância. Havia
acabado de fazeruma prova importantíssima para a minha carreira e
aguardava ansiosamente o resultado.
— Como foi a procura de hoje, minha filha? — Mamãe
questionou quando me joguei no sofá da sala desanimada, deixando
a bolsa e o celular caírem ao lado.
— Péssima, mãe. As escolas nem fazem questão de esconder
que foi a mando daquele prefeito filho da puta.
— Olha a boca, Luiza... — Ela adorava me repreender. Nem
parece que estava acostumada com meu jeito.
Quando estava longe das crianças, não tinha medo ou
vergonha de expressar o que sentia e, se quisesse xingar, com
certeza sairiam os piores nomes. Até os que não existiam. Dei de
ombros, continuando:
— Não queria, mas acho que vou ter que estender minhas
buscas para Uberlândia. Tudo lá é mais caro, o custo de vida é mais
alto, mas acho que o paspalho não tem influência sobre as escolas.
Se conseguir um trabalho, talvez tenha que pedir um teto para o Léo
durante o primeiro mês até que receba meu salário e consiga um
lugarzinho pra alugar.
— Talvez não seja necessário, filha.
— Como assim? — inquiri, tirando as sapatilhas e deixando
no tapete da sala mesmo. Depois levaria para o quarto.
— Encontrei a Marta Albuquerque no consultório durante a
consulta da Ciça e do Edu. Ela pediu que você fosse até à fazenda
procurar por ela amanhã.
Sentei-me ereta no sofá sentindo meus olhos arregalados.
— Ela pediu que eu fosse até ela na fazenda?
— Tá com o ouvido sujo, Luiza? Foi o que eu disse —
resmungou, brava.
Fiquei tensa. Senti meus músculos enrijecerem. Será que ela
achava que eu era a responsável por maltratar o Davi?
E se ela surtasse e acabasse de vez com a minha reputação
no estado inteiro? Quiçá no país?
Eu já disse que estava ferrada?
CAPÍTULO 8 | LUIZA

Nem mesmo a tranquilidade da melodia de Carnavália de Os


Tribalistas conseguiu me relaxar.
Estava tão nervosa para aquela reunião que quase derrubei o
Cerejinha no mata-burro. Minhas mãos tremiam e suavam. Meus
pés mal conseguiam fazer o controle dos pedais. Não foram um ou
dois solavancos que dei no carro ao não achar o ponto da
embreagem.
E aquela quantidade de pedra solta na terra seca arranhando
a lataria vermelha e polidinha?
Meu carro não foi feito pra roça, não gente. Pelo amor de
Deus!
Se tinha uma coisa que eu não gostava era de fazenda e
tudo o que tinha nela. Eu era extremamente urbana e ter que
aguentar muita poeira e o jeito campesino era muito diferente de
tudo que eu estava acostumada.
Talvez o meu ranço se dava também pelos inúmeros
agroboys[5]que eu conheci na faculdade. A maioria deles só pisava
na fazenda para fazer estágioe olha lá... Tinha uns que nem isso.
Nada contra, mas não era meu tipo. Eu preferia gente da
minha tribo, que gostava de algo mais MPB ou alternativo. Por que
não clássico? Apreciava uma boa bebida e reflexões
existencialistas. Beleza importava? Importava, mas não era tudo.
Tá, vai... você ganhou! Já fiquei com muito chassisinho de
grilo[6], mas não me arrependia, tinha sido legal. Também não
repetiria. Errar uma vez é humano, duas é uma decisão.
Bom, mas isso não tem relevância agora.
Desde que mamãe me informou da intimação, eu havia
imaginado centenas de possibilidades de diálogos na minha mente.
Não tomaria a culpa de uma coisa que não fuieu quem fiz. Se Marta
me acusasse sem provas, eu jogaria toda a merda no ventilador.
Aquela cobra de saia não sairia por cima.
Eu poderia cair. Mas cairia atirando.
Até a última bala.
Tentei abstrair e segui meu caminho pela estrada.
A entrada da fazenda deixava clara a imponência daquele
lugar. Diferentedos sítios comuns em que o portão normalmente era
simples e, muitas vezes, trancado com correntes ou tramelas, a
porteira dos Albuquerque era de estrutura de ferro e portava
suntuosamente o brasão da família com as letras AQ entrelaçadas.
Ao lado, havia uma guarita de madeira rústica e com vidros escuros.
— Boa tarde! — A voz do outro lado do interfone saudou
quando parei o carro em frente à porteira.
Após instruções, direcionei minha habilitação e os
documentos do carro para a câmera ao lado do interfone. O
segurança deu-me as coordenadas da sede administrativa, abriu o
portão eletrônico e, finalmente,pude adentrar às terras Albuquerque
pela primeira vez.
No início daquela tarde, o céu estava em um tom de azul
claro sem nenhuma nuvem. Contrastava com o caminho, todo
enfeitado por palmeiras altas, e com o verde do campo. Era
absolutamente lindo e grande. Terras a perder de vista.
Fiquei imaginando como seria ver ao longe o meu Cerejinha
percorrendo aquele caminho. Deveria parecer uma joaninha.
Aquele pensamento idiota me fez rir e relaxar.
Passei por uma construção grande e opulenta à direita. Era
moderna, toda em madeira e com muito vidro. Ao lado, tinha dois
quiosques e uma piscina gigante com a água em um azul tão lindo
quanto o céu. Não tinha nada que não deixasse aquele lugar menos
que maravilhoso. Imaginei ser a casa da família.
Continuei fazendoo caminho de pedras e avistei uma grande
construção rodeada de cercas de madeira. Se tinha acertado na
explicação do segurança, era a sede administrativa. Eu tinha
imaginado que seria algo menor, composto por meia dúzia de salas
e algumas pessoas.
Estacionei na área destinada para carros e após travar o
Cerejinha, peguei minha bolsa, estiquei a blusa que tinha dado uma
leve amarrotada e me questionei se as sapatilhas pretas tinham sido
mesmo uma boa opção para vir à uma fazenda.
Meu relógio de pulso marcava 13:53. Faltavam sete minutos
para o horário combinado. Sem tempo para devaneios, dei uma
rápida conferida no horizonte e avistei, ao longe, um amontoado de
casas. Parecia uma pequena cidade.
Aquele lugar não me parecia tão ruim quanto tinha
imaginado.
Subi as escadas e fui recepcionada por uma moça jovem e
sorridente. Estava vestida de calça jeans, camisa xadrez com o
brasão da fazenda e botinas marrons.
— Olá, boa tarde. Sou Luiza. Tenho uma reunião com a Dona
Marta.
— Boa tarde, Luiza. Sou Brenda. Ela te aguarda, venha
comigo — cumprimentou-me com gentileza.
Viramos alguns corredores, ela abriu uma das portas à
esquerda e pediu que eu entrasse na sala.
— Boa tarde! — Saudei quando entrei no ambiente.
— Ah, que bom que chegou. Vem, Luiza! Entra. — Marta
convidou.
Voltei meu olhar para a senhora imponentemente vestida de
fazendeira, jeans, botas, uma blusa de botão branca e uma
gargantilha de couro marrom.
Ao caminhar até o sofá que ela havia indicado, reparei quão
ampla, bonita e bem decorada era sua sala. Era arejada, toda
envidraçada, com móveis e decorações claras. Ao fundo de sua
poltrona, a vista do pasto verde era incrível.
Em um quadro na parede, havia uma foto de Marta, o
esposo, os três filhos e Davi, todos vestidos a caráter com direito a
chapéu. Pareciam uma família unida e feliz. Sobre sua mesa, havia
um porta-retratos somente com a fotodela abraçada ao pequeno. O
amor transbordava naquela imagem.
— Após o almoço, sempre preciso do meu cafezinhopara me
despertar. Aceita? — perguntou ao caminhar até a bandeja de prata
com uma garrafa e algumas xícaras de porcelana brancas.
Assenti e ela me entregou. Serviu-se e sentou na poltrona ao
lado da minha. Percebi que ela havia construído um momento para
uma conversa um pouco mais informal. Senti-me grata por isso.
Talvez não fosse tão ruim quanto eu imaginava.
— Obrigada por vir — falou, bebericando um gole. — Soube
que não está mais trabalhando e que tem encontrado dificuldades
em se recolocar.
O que ela realmente sabia? Onde estava querendo chegar?
Repeti o mesmo gesto antes de dizer:
— Sim. E eu sei que a senhora é muito esperta e não teria
me chamado se não tivesse outras intenções. Então não quero ser
mal-educada, mas gostaria de saber o que estou fazendo aqui.
Segurando a alça da xícara com uma mão e apoiando o lado
oposto com a outra, vi suas bochechas mexendo-se levemente em
um sorriso contido. Terminou de beber o café depositando o objeto
na mesa de centro e falou:
— Gosto de você por isso, Luiza. É das minhas. Direta,
objetiva. — Ajeitou-se na poltrona e continuou: — Quero saber o
que aconteceu para terem te demitido e você não estar mais
conseguindo outro emprego.
Respirei fundo.
— Eu não sei se devo contar para a senhora, Dona Marta.
Querendo ou não, eu assinei um contrato de confidencialidade
quando comecei a trabalhar na escola.
— Eu sei. E sei também que está relacionado com as marcas
no corpo de Davi.
Arregalei os olhos. Aquela cobra de saia tinha machucado o
pequeno a ponto de deixar manchas.
Vaca desgraçada. Deixe estar.
— Dona Marta, eu não quero que a senhora pense que eu
tenha feito isso, mas eu não posso correr o risco de...
De modo fraternal, ela chegou o corpo para frente e tocou
meus joelhos antes de interromper-me:
— Eu garanto a você que nada vai te acontecer. Mas preciso
proteger o meu neto.
Ela e mamãe se conheciam há muitos anos e Marta sempre
teve fama de ser uma mulher guerreira e justa. Durante todo o
tempo que estava ali, avaliei todo o contexto e os possíveis riscos.
No entanto, a matriarca me passava muita segurança. Se fosse para
me fazer algum mal, ela já teria feito.
Soltei uma lufada de ar antes de resumir tudo o que tinha
acontecido, desde as maldades de Renata contra Davi até o meu
desligamento na escola e a falta de emprego.
Marta ouviu com atenção e parecia compreensiva com o que
eu relatava, embora pudesse perceber seu rosto se avermelhando
aos poucos.
— E é por isso que eu não tenho conseguido mais trabalhar
em nenhuma escola da região, Dona Marta. Porque não abaixei a
cabeça para aquela cobra de saias que é a filha do prefeito.
A senhora alta, de pele clara, com os cabelos cacheados em
uma mistura de loiros e grisalhos riu da minha fala. Em seguida,
expressou com o tom mais sério:
— Eu nunca gostei daquela menina. Alguma coisa nela
sempre me disse que era má e invejosa. Não me desce ela querer
ficardentro da minha casa e se jogar pra cima dos meus filhos.Mas
deixe ela comigo...
Marta caminhou até uma jarra d’água servindo um copo de
vidro.
— Eu conheço muito o seu trabalho, Luiza, e sempre confiei
na índole que sua mãe ajudou a formar. Por isso, gostaria de lhe
fazer um convite.
— Convite? — perguntei, surpresa.
— Não sei se sabe, mas eu sou responsável por toda a parte
social da Canto dos Pássaros. Isso inclui a estrutura das casas dos
funcionários, o acolhimento e direcionamento profissional em
situações extremas como alcoolismo e violência, garantia de
alimentação correta para as crianças e pela escola.
— Aqui tem escola? — eu parecia uma boba.
Marta assentiu.
— Ela já está em funcionamento, mas ainda estamos
estruturando muitas coisas. A ideia surgiu há alguns anos, contudo
priorizamos outras demandas. E é aí que o meu convite surge para
você. Gostaria de trazê-la para melhorar o que nós já temos e
ampliar a nossa estrutura. Hoje, atendemos a primeira e segunda
infância, até o quinto ano. Nosso objetivo é melhorar a nossa
educação infantil, trabalhar ações de inclusão social e implantar o
ensino de sexto ao nono ano e de jovens e adultos no turno da
noite.
Eu acho que não estava sabendo lidar com tudo que ela tinha
acabado de dizer. Era simplesmente o que eu amava fazer. À
medida que Marta foi falando, um milhão de ideias passavam pela
minha cabeça. Podia sentir que meus olhos estavam brilhando.
— Tendo em vista a distância da sua casa até a fazenda,
disponibilizaremos uma das casas destinadas para os funcionários
para que você passe a semana e volte para Estrela do Sul após o
expediente de sexta-feira ou aos sábados. Mas nada a impede de
voltar antes, é somente para sua segurança. — Marta pegou um
envelope sobre a mesinha e direcionou para mim. — Aqui estão o
salário e os benefícios propostos.
Abri o papel com os dedos levemente trêmulos. Não estava
acreditando no que ia lendo.
— Então, o que me diz? — questionou, ansiosa.
— Dona Marta... — parei, abaixando o papel e olhando para
seus olhos um tanto chocada. — Eu nem sei o que dizer...
Era quase o triplo do que eu ganhava juntando as duas
escolas anteriores, sem contar que os benefícios englobavam bolsa
educação. Eu não precisaria gastar um real para fazer os cursos
que tanto gostava e todas as especializações que queria.
Ouvimos duas batidinhas na porta e um furacãozinho loiro
entrou ainda um pouco cambaleante logo em seguida.
— Tcha Luiça! — Davi veio em minha direção e se jogou nos
meus braços.
Júlia apareceu próxima à porta logo em seguida, um tanto
envergonhada.
— Desculpe. Ele estava com a terapeuta ocupacional
próximo a sede administrativa quando reconheceu o carro de Luiza
e saiu correndo.
— Tudo bem, Ju. Pode ir. — Marta respondeu, não parecia
chateada.
O cheirinho de seu xampu entrou em minhas narinas
enquanto eu o abraçava com carinho. Eu me apegava muito aos
meus alunos, mas sem dúvidas, Davi era um dos meus preferidos.
Naturalmente, ele era muito amoroso. Mas não tinha dúvidas
que a ausência da figura materna somente contribuía para que se
apegasse com maior facilidade, principalmente às mulheres.
— Que saudades eu estava de você, meu pequeno! —
exclamei, beijando seus dedinhos enquanto ele se sentava em meu
colo.
— O Davi também tava... com saudade!
Aproximei as costas do pequeno do meu corpo e perguntei à
Marta:
— E como seria minha autonomia para poder trabalhar?
— Total. Um dos motivos pelo qual lhe chamei é por termos
decidido que o Davi estudará no colégio da fazenda. Assim, faço
questão que você esteja em sala, na turma dele, como professora
regente no turno da manhã. À tarde, seria seu momento de
estruturar as aulas e apoiar nossa equipe pedagógica na melhoria
dos nossos projetos.
Fiquei fazendo carinho no pequeno pensando em tudo.
Aquela proposta seria a realização do meu sonho profissional. Teria
a liberdade de continuar em sala, mas com a oportunidade de
auxiliar na construção de algo muito maior, além de poder impactar
muitas pessoas e casar com a minha dissertação de mestrado.
Eu estava radiante com a proposta, ainda que tivesse que
deixar meus pais já idosos, mas sabia que eles entenderiam.
— Então, o que me diz?
— Eu aceito. — Afirmei, sorrindo.
— Eu sabia que você não me decepcionaria — Marta falou,
convicta.
A seu convite, saímos de sua sala e caminhamos pela sede
administrativa. Só então descobri que o prédio era tão grande
porque também abrigava a escola em um espaço mais afastado e
separado. Mostrou-me que, a direita, era somente os assuntos
administrativos referente aos negócios da família, onde ficavam as
salas de Alfredo, Antônio e Aloísio, embora o filho do meio ficasse
mais em campo do que na sede.
A esquerda, ficava a escola. Estava em horário de aula. Por
isso, observei as salas a distância e alguns alunos em uma grande
quadra coberta fazendo ginástica sob supervisão do professor de
educação física.
A escola não era grande, até mesmo porque a maioria dos
funcionários da fazenda não tinha mais filhos na idade escolar. No
entanto, a possibilidade de poder contribuir para o crescimento do
que aquilo significava e na vida de tantos adultos que não tinham
sido alfabetizados faziam com que eu chegasse a minha realização
profissional.
Após conhecer tudo por ali e definirmosque eu começaria na
próxima semana, entramos na caminhonete da matriarca.
Acompanhadas de Davi na cadeirinha, andamos por toda a fazenda.
Marta me mostrou alguns pastos cheios de gado, o curral, o brete, o
riacho com uma cachoeira maravilhosa e, por último, uma das casas
em que eu ficaria.
Não era longe da escola. No entanto, era bem estruturada e
já mobiliada, composta por dois quartos, cozinha, banheiro,
garagem e quintal. Não era muito, mas era ótimo para mim.
Conseguia até me ver comprando algumas coisas para deixar com a
minha cara.
Ainda que sentisse por ter que deixar meus pais, sabia que
não estaria muito longe e, que se algo acontecesse a eles, eu
poderia chegar mais rápido do que o Léo.
Enquanto dirigia no caminho de volta, fiquei pensando no
quanto as coisas mudariam dali em diante.
Era isso. Eu que odiava peões, fazenda, bosta de vaca e
afins tinha acabado de aceitar morar em uma. Mas isso era o de
menos...
Agradecia aos céus por ter conseguido aquela oportunidade.
Emanava energias para que tudo ocorresse bem.
CAPÍTULO 9 | LUIZA

Durante aquele resto de semana, dediquei-me a comprar


alguns itens de decoração para o meu novo lar e alimentos –
embora tivesse direito a me alimentar no refeitório da fazenda.
Deixei organizado minhas roupas e itens pessoais. No domingo
após o almoço, rumei para o meu novo lar.
Estacionei na garagem, desci observando tudo em volta
antes de descarregar. Era uma vila bonitinha, bem organizada, com
todas as casas bem distribuídas e separadas. Eu teria vizinhos dos
dois lados e esperava que nossa convivência fosse bacana. Para
finalizar, eu teria uma bela lagoa bem em frente à minha casa.
Abri a casa com paredes claras, desci minha caixinha de
música e liguei minha playlist favorita de MPB. Coloquei um short
jeans curto, tirei os sapatos e então comecei a descarregar o carro.
Aos poucos, fui organizando cada coisa em seu lugar,
inclusive os artigos de decoração que havia comprado. Arrumei o
meu novo guarda-roupas, deixei a casa limpa e cheirosa. Na mesa
do outro quarto, separei todos os meus materiais de trabalho e o
que levaria para o meu primeiro dia amanhã.
Havia saído do banho e caminhava para a cozinha quando
ouvi a campainha tocar. Ao abrir, deparei-me com Marta segurando
a mão do pequeno e alegre Davi. Em instantes, senti-o se jogando
contra meu colo.
— Tcha Luiiiça!
— Oi, meu amor — peguei-o, beijando sua bochecha.
— Boa noite, Luiza! — ela saudou. — Viemos desejar as
boas-vindas. — Finalizou direcionando-me uma cesta de sisal
repleta de compotas de doces e algumas cápsulas de café especial.
Era um gesto muito bonito e de uma delicadeza sem
tamanho. Senti-me acolhida.
Com o braço livre, peguei a cesta.
— Ela é linda e agradeço muito pela receptividade. Entrem —
convidei, abrindo passagem.
— Agradecemos e ficará para um outro momento. Na
verdade, viemos convidá-la para jantar conosco.
Eu não estava preparada para um convite desses. O primeiro
pensamento foi que seria obrigada a ver Aloísio e um arrepio subiu-
me pela espinha. Será que ele achava que eu tinha feito algum mal
a Davi? Todavia, Marta vinha sendo uma lady e senti-me
envergonhada de recusar.
Após confirmar, eles se foram dizendo que me esperavam
mais tarde.
Fiquei ansiosa. Era tudo novo, com muita gente que eu não
conhecia. Eram os fazendeiros mais poderosos da região. Por que
mesmo eu tinha aceitado?
Fui para o quarto pensando no que vestir e, quando vi estava
me trocando pela terceira vez. Uma irritação me subiu e decidi ir
com a roupa que estava: calça jeans, uma T-shirt preta com uma
estampa alegre e sapatilhas da mesma cor. Estava ótimo. Por ser
noite, optei por ir de carro. Ainda não estava habituada ao local e
tinha pavor de cobras.
Estacionei próximo ao casarão deparando-me com a
imponência daquele lugar. Era bem maior do que parecia. A
construção em dois andares contava com uma grande varanda
cheia de bancos de madeira escura e puffs. Bati palmas sinalizando
minha chegada.
Fui recepcionada na porta por Davi que segurou minha mão
puxando-me para o interior da casa:
— Oi, tcha Luiça... Vem conhece a minha casa.
Em seguida, Marta aproximou-se me guiando para dentro. A
decoração tinha uma mistura rústica e moderna, cores claras e tons
marrons. O madeiramento era predominante no ambiente. Numa
finesseque dava até medo de derrubar algo só de olhar.
Na imensa sala, um senhor grisalho e mais velho estava de
pé e caminhava em nossa direção. Era bem charmoso com o belo
par de olhos azuis claros, ombros largos, jeans escuros e camisa
branca. É o tipo de homem que deveria ter sido muito bonito na
juventude.
Da família Albuquerque, conhecia apenas Davi, Aloísio e
Marta. Seria então meu primeiro contato com Alfredo, Antônio e
Artur.
— Esse é Alfredo, meu marido.
— É um prazer, senhor Alfredo— saudei, estendendo a mão.
Ele repetiu o gesto, sua mão era firme, de alguém
acostumado a fechar grandes negócios. No entanto, ainda que
sério, parecia ser leve.
— Ah não, de velho eu só tenho a cara e nome. Me chame
de Alfredo — brincou, gentil.
— Claro, Alfredo.
Fui guiada para o interior ao passo que Aloísio vinha do outro
lado da sala e o mais novo levantava do sofá. Ser alto parecia ser
pré-requisito para fazer parte desta família.
— Olá, Luiza. Como vai? — O mais velho foi mais formal,
fitando-me com intensidade, como se conseguisse descobrir até o
meu tipo sanguíneo somente com os olhos.
Aloísio era muito bonito. Aparentava estar de banho recém-
tomado, cabelos molhados e um cheiro gostoso de loção masculina.
Além de alto, seus ombros eram largos, imponentes e fortes.
Ele era todo assim, das omoplatas às pernas bem marcadas na
calça jeans justa. Seus olhos eram azuis em tom piscina, bem claros
e chamativos. Tinha os cabelos loiros quase escuros e mais
compridos, aquele arrumado-bagunçado que, somado a barba cheia
e pouco alinhada, ficava com um ar rústico, selvagem.
No entanto, era sério, introspectivo, de pouquíssimos
sorrisos. Para falar a verdade, eu nunca nem vi esse homem
sorrindo. Não que o conhecesse de longa data, mas ele já tinha
participado de algumas reuniões de pais. Sempre austero, chamava
a atenção da maioria das mães. Não era muito o meu estilo, mas eu
também não era imune a sua beleza.
Aloísio parecia carregar uma carga muito pesada. Na região,
sua vida era um mistério, mas especulava-se que ficou assim após
a partida da mãe de Davi. Todavia, nunca foi grosseiro ou mal-
educado comigo. Era somente o seu jeito.
Apertei sua mão, mas seu olhar estava mais intenso do que o
habitual, como se cogitasse a possibilidade de eu ter feito mal ao
seu filho. Não dei vazão. Se estivesse com dúvidas, ele que
resolvesse com a própria mãe.
Após cumprimenta-lo, o mais novo se aproximou, sem
rodeios:
— Me pergunto até hoje como foi possível eu não conhecer
você se temos praticamente a mesma idade e, com certeza, muitas
coisas em comum. Prazer, sou Artur. — falou, pegando minha mão
e beijando-a.
Coisas em comum?
Pelo jeito, Artur era bem despojado e desenvolto.
— Prazer em conhecê-lo. — Retribuí o sorriso.
— Esse pirralho não perde a oportunidade de jogar esse
charme meia boca.
Outro rapaz tão bonito quanto os outros se aproximou,
dando-me um abraço de lado.
— Prazer, o irmão mais bonito dessa família. Antônio, a seu
dispor.
Ele sabia muito bem usar a sedução a seu favor. E eu, uma
maluca sem noção, fiquei envergonhada com a intimidade que ele
se deu.
— Olá, Antônio.
Percebendo o meu desconforto,Marta convidou para que nos
acomodássemos, pois, o jantar já seria servido. Ela era uma
excelente anfitriã e, ao redor da grande mesa de madeira, não
deixou que me sentisse incomodada. Davi, por sua vez, contribuiu
muito para isso. Sentou-se ao meu lado e conversava de diversos
assuntos, principalmente do que estava aprendendo durante esses
dias que estivemos longe.
Ao final daquela noite, senti que havia criado uma conexão
gostosa com a família. Embora muito afamados na região, eles
eram acolhedores e fizeram-me sentir bem.
CAPÍTULO 10 | LUIZA

Naquela noite eu mal dormi. Acordei antes do relógio


despertar, arrumei-me, conferi se todo o meu material estava pronto
e fui para a escola cheia de expectativa. Sabia que seria uma fase
incrível e estava ansiosa para isso.
O local não era longe da minha nova casa, mas optei por ir
de carro por estar cheia de coisas. No entanto, havia prometido a
mim mesma que no dia seguinte passaria a ir caminhando. Além de
ser um lugar lindo para admirar, eu precisava manter minha
bundinha no lugar.
Sim, eu tinha consciência que não tinha muitos atributos
físicos. Era baixinha e bem magra, mas gostava da
proporcionalidade de todo o conjunto. Sabia que era importante ter
uma vida saudável e agora, morando em um lugar que a beleza
estimulava a prática de atividade física, me esforçaria.
— Bom dia! — Saudei ao entrar na sala dos professores.
— Bom dia, Luiza. Chegou cedo — Marta saudou, sorridente,
apresentando-me a algumas pessoas. Na última delas, frisou: —
Está é Clara, a professora de apoio[7]da sua turma.
— É um prazer, conhecê-la, Luiza. Seja bem-vinda —
estendeu a mão em cumprimento.
Marta havia realmente explicado que ela me auxiliaria, mas
não fomos apresentadas porque ela não estava no dia em que fui à
fazenda.
— Clara, apresentei um pouco da escola para Luiza na outra
semana, mas gostaria que você a orientasse até ela se adaptar.
— Pode deixar Dona Marta. Cuidarei bem dela. — A
professora garantiu.
— Você está em boas mãos, Luiza. Qualquer coisa, estou à
disposição na minha sala. No final da tarde, nos encontramos na
reunião de alinhamento. — A matriarca falou, despedindo-se.
Clara foi minha anfitriã no colégio apresentando-me a todos
os profissionais dali, assim como macetes do dia a dia até
chegarmos à nossa sala.
Quando aceitei o convite de Marta, preparei toda a minha
primeira semana de aula, basicamente com atividades para
conhecer meus alunos e seus pais. Foi por isso que, quando
cheguei na sala colorida e cheia de vida, já estava com tudo
preparado para recebê-los.
Enquanto me auxiliava a dispor os materiais didáticos sobre a
mesa, Clara contou que morava na fazenda e este era o seu
primeiro ano como professora de apoio. Logo que deixamos o
ambiente pronto, ouvi a movimentação de crianças e dos pais.
Ainda era bem cedo. Possivelmente, eles deixariam os filhos na aula
e seguiriam para o trabalho.
— Oi! — abaixei-me, alegre, para ficar à altura da pequena
garotinha que chegava agarrada a mão da mãe. — Eu sou a
professora Luiza. Qual o seu nome?
Ela me encarou desconfiada e depois olhou para a mãe. A
mais velha também parecia um tanto ressabiada, mas encorajou a
filha a se comunicar.
— Fala seu nome para ela, filha.
Aos quatro anos, era natural que as crianças ficassem
reticentes no primeiro contato, ainda mais quando havia troca de
professores. No entanto, eu já estava acostumada a ganhar a
confiança delas.
— Sou Ana — a garotinha falou baixo.
— Que nome lindo, assim como você! — expressei,
empolgada. — Ana, eu preparei uma história beeeem legal para te
contar. Você topa? — Estendi a mão.
Com o dedinho na boca, ela olhou para a mãe novamente e,
depois de fitar, concordou.
— Ah que legal. A professora Clara vai ficar com você
enquanto eu recebo os seus colegas e já já a gente começa, tudo
bem?
A menina concordou. Levei-a para dentro da sala observando
com atenção seus movimentos ao passo que Clara auxiliava a se
acomodar no tatame. Conversei rapidamente com a mãe que
pontuou algumas considerações e depois foi embora.
Fiz o mesmo com outros alunos até que ouvi um grito
conhecido:
— Tcha Luiiiçaaa!
No corredor vi Davi segurando a mão de Aloísio, tentando
correr e o pai falando alguma coisa para ele com o semblante sério.
O fazendeiro se destacava na multidão pela altura e o porte.
Os demais pais trajavam roupas simples de trabalho no campo. Já
ele, estava moldado em uma camisa preta de botões e mangas
dobradas nos antebraços, calça jeans escura, fivela com o brasão
da fazenda e botina de couro preto. A roupa escura contrastava com
os cabelos e barba claros, ficava um pecado.
— Oi, meu pequeno! Bom dia! — Abaixei-me e precisei firmar
o corpo para não cair com a intensidade do seu abraço caloroso.
Sorrindo, levantei com ele no colo e fitei Aloísio encarando- me.
Era uma sensação horrível achar que ele duvidava de mim o
tempo inteiro. Ontem, no jantar, o clima ficou ameno devido a todos
conversando ao nosso redor. Porém, ali eu me sentia como uma
criminosa.
— Bom dia, Aloísio — cumprimentei, sentindo os olhares dos
outros pais sobre nós.
— Tcha Luiça... hoje tem histoinha? — Davi puxou meu rosto
com as duas mãozinhas fazendo com que eu olhasse para ele.
— Claro, eu preparei uma suuuper legal para você —
respondi, enérgica.
— Ebaaa!
— Agora eu preciso que você se sente lá com a professora
Clara e as outras crianças que eu já vou, pode ser?
Ele concordou, desceu do meu colo e falou rápido para o pai
antes de caminhar até os demais:
— Tchau, papai.
— Boa aula, filho.
Voltei-me para Aloísio que olhava o filho caminhar para longe.
— Você não vai levá-lo até a roda? — indagou, parecendo
zangado.
— Ele consegue caminhar sozinho e precisa ter a sua
autonomia estimulada. A Clara vai entretê-lo enquanto não
começamos as nossas apresentações — respondi, segura com meu
olhar preso ao dele.
Eu já havia percebido que, quando Davi estava com Júlia ou
Marta, costumava ser mais independente e livre. Todavia, o pai o
superprotegia e isso não era benéfico para ele.
No que dependesse de mim e do meu trabalho, Davi seria o
mais autônomo que conseguisse.
Eu não tinha medo de Aloísio, ainda que ele fossebem maior
e ameaçador do que eu, mas senti-me engolir em seco quando notei
seu olhar indecifrável atento até no ritmo da minha respiração.
— Ele precisa de cuidado e atenção. — respondeu,
circunspecto.
— Fique tranquilo, meu objetivo é sempre o bem dele.
O caubói encarou-me por alguns instantes, achei que fosse
responder. Mas assentiu e começou a se virar. Em um impulso,
chamei seu nome fazendo-o me olhar. Notei que o movimento nos
corredores havia dispersado. Falei, baixo, com o olhar fixo ao seu:
— Eu não sei o que você pensa sobre o acontecido na outra
escola, mas quero que saiba que eu nunca seria capaz de
machucar o Davi. E tanto quanto você, eu quero vê-lo bem.
Vi um brilho intenso passar pelos seus olhos. Sem dizer
nada, ele acenou com a cabeça e se afastou.
Eu estava com a consciência tranquila e sabia que não
poderia fazer mais do que isso em relação a Aloísio. Com o tempo
ele perceberia. No entanto, se tinha conseguido deixar seu filho
novamente comigo era porque, de certo modo, confiava.
Dei de ombros, certifiquei que não havia mais crianças para
serem recepcionadas e juntei-me a eles na roda.
Fiz algumas atividades me apresentando e estimulando que
eles fizessem o mesmo. Consegui captar a essência daquelas
crianças e sabia que teria muito trabalho pela frente, principalmente
sobre respeito e inclusão.
Bia tinha paralisia do braço esquerdo. Estava acostumada
aos colegas de sala, mas era perceptível que não estava totalmente
inserida no meio. Contudo, quando Davi chegou, alguns olhares
diferentes se voltaram para ele e isso ficou mais evidente quando,
em meio a nossa conversa de roda, um dos alunos levantou a mão
e questionou:
— Tia Luiza, por que o Davi tem o rosto diferente?
Em todos esses anos trabalhando com educação inclusiva
havia aprendido que as crianças eram extremamente inteligentes e
que, enquanto educadores e pais, deveríamos ser verdadeiros com
elas. Era um momento de descoberta. Por isso, respondi, de modo
delicado:
— O Davi é um menino tão esperto e amoroso quanto todos
nós. Porém, ele tem uma condição chamada Síndrome de Down...
— Dome dedaun? — o pequeno repetiu, confuso,
interrompendo-me.
— Isso, chama Síndrome de Down — repeti —, ela faz com
que você tenha algumas diferenças como os olhinhos — com os
indicadores, afastei o cantinho dos meus olhos —, o rostinho e o
jeito de falar.
Davi sorriu, fazendo questão de mostrar os dentinhos de leite.
Era lindo. Olhei para cada um dos pequenos na roda, continuando:
— No entanto, cada um de nós tem alguma diferença,não é
mesmo? Por exemplo, eu sou pequena e tenho o cabelo bem
escuro — passei a mãos pelos fios. — Mas eu adoro ser assim. É o
que me faz ser diferente e especial.
— O meu cabelo é alaranjando e todo mundo me reconhece
por causa dele — Clara entendeu o que eu estava fazendo e
complementou.
— Eu...
— Eu...
— Eu...
Logo todos eles estavam falando juntos algo pelo qual se
orgulhavam e se diferiam. Sentindo-se confiante e acolhida, Ana
expressou:
— Eu não consigo mexer o meu bracinho — apontou — igual
as outras crianças, mas a mamãe falou que isso não me impede de
ser o que eu quiser quando crescer.
Era sobre isso. Abrir um espaço acolhedor para que cada um
se sentisse confortável para ser o que verdadeiramente eram.
— Muito bem, crianças! Eu adorei conhecer um pouquinho
mais de cada um de vocês e quero fazer um combinado. Nós
sempre devemos respeitar a diferença do nosso coleguinha, ter
paciência e apoiá-lo se ele não conseguir fazer alguma atividade.
Posso contar com as melhores crianças do mundo?
— Podeee...
— Ééé...
— Siiim...
Naquele momento, eu estava firmando com aquelas crianças
o compromisso de respeitar as diferençasem qualquer uma de suas
vertentes: física, intelectual, raça, classe social e diversas outras.
Milhares de ideias para atividades educativas e inclusivas estavam
borbulhando na minha mente. A possibilidade de ajudar a formarum
mundo melhor fazia-me amar a minha profissão.
— Excelente poder contar com vocês. Agora, o que acham
de a gente escolher um nome bem bonito para essa turma?
— Ebaaaa!
CAPÍTULO 11 | ALOÍSIO

Brenda repassou a minha agenda do dia assim que cheguei.


Em seguida, acomodei-me em minha sala sorvendo um copo de
café enquanto o computador ligava. Aquela semana seria bem
cheia.
No período da manhã, fiqueiatolado com a análise de alguns
relatórios e ligações com clientes. Só percebi que as horas haviam
passado quando ouvi Davi me chamando do outro lado da porta.
— Papai, o Davi... chegou!
Com um pequeno sorriso de canto, desliguei tudo e rumei até
a porta, encontrando-o ao lado de mamãe. Abaixei para pegá-lo
dando um beijo na cabeça soada.
— Oi, filho! Oi mãe.
— Oi, meu filho. Me dá uma carona até em casa? — Dona
Marta pediu.
Em alguns dias, ela vinha com o meu pai ou um de nós.
Então, era rotina voltar conosco. Assenti e começamos a andar para
a saída da sede.
— Como foi o primeiro dia na escola nova? — perguntei ao
Davi durante o caminho.
— Muuuito legaaal... — falou, elétrico. — O Davi apendeu...
que é muito... especial.
Franzi o cenho ouvindo-o falar e estacionando na entrada do
casarão.
— Você é muito especial, meu amor. Mas quem te falouisso?
— mamãe questionou.
— A tcha Luiça.
Olhei para a minha mãe intrigado, mas não dei brecha para
falarmos daquilo naquele momento.
— Vamos lavar as mãos e durante o almoço você conta o
que aconteceu — comuniquei, entrando em casa e levando-o ao
lavabo.
Todos estavam a postos ao redor da mesa enquanto eu
conciliava em dar comida na boca do pequeno e me alimentar. Ele
tinha dificuldade na mastigação e, por isso, comia devagar.
Conversávamos amenidades quando ele soltou empolgado:
— O Davi... tem... dome dedaun.
Antônio engasgou com o suco. Mamãe arregalou os olhos.
Eu olhei preocupado.
— Como assim, filho? Onde você aprendeu isso?
— Na escola — explicou, terminando de deglutir — Davi tem
dedaun, tcha Clala tem... o cabelo alanjado, tcha Luiça... tem o
cabelo peto e... a Ana não... mexe o bacinho — dobrou o braço
esquerdo. — O Davi... gosta delas e elas... do Davi.
Um bolo se formou na minha garganta quando entendi que a
professoraescancarou a deficiênciadele para toda a sala. Como ela
teve a audácia de expor meu filho daquele modo?
— O que os colegas falaram, filho?
— Nada, papai. Depois, a gente... escolheu o... nome.
— Nome de quê, meu amor? — mamãe questionou.
— Dos super-heóis — fechou as duas mãozinhas e levou na
altura da cintura em uma pose confiante.
Os adultos se entreolharam sem entender ao certo o que
estava acontecendo.
— O que é super-heróis, Davi? — Artur inquiriu.
— A sala... sala dos super-heóis.
— O nome da sua sala é Sala dos Super-heróis, meu amor?
— mamãe pareceu entender.
— É, vovó... O Davi é... heói azul.
Estávamos um pouco confusos, mas a minha irritação não
passou.

Após o almoço, deixei o pequeno com Júlia e voltei para a


sede administrativa, determinado.
Caminhei até a escola e a encontrei sozinha na sala dos
professores. Estava sentada atrás de um notebook escrevendo em
um caderno, concentrada.
Entrei sem muita delicadeza e fui direto:
— Como você falapara o meu filhoque ele tem Síndrome de
Down sem conversar comigo antes? — inquiri, em um tom firme.
No susto, a professora deu um leve sobressalto, derrubando
a caneta e levando a mão ao peito.
— Vai assustar a avó desse jeito — soltou alto e só então se
deu conta de que eu tinha ouvido, arregalando os olhos. No entanto,
não se desculpou. Encarou-me, levantando-se e caminhando até
uma jarra d’água, servindo-se. Bebeu para só então me responder,
encarando-me.
Desaforada.
— Boa tarde, Aloísio. O objetivo de o Davi estar na escola é
justamente a socialização com outras crianças. Neste sentido, é
natural que ocorram questionamentos por parte das outras crianças
e é o meu papel como professora explicar a eles a realidade de um
modo cuidadoso. Foi assim que aconteceu.
— É inadmissível que você não tenha conversado comigo
antes — mantive-me sério.
Sem se abalar, a professora continuou:
— Esse é o tipo de situação que não tem como eu pedir uma
pausa para as crianças e poder te procurar. O meu modo de educar
os meus alunos sempre foi transparente e cuidadoso, como eu
acredito que você saiba desde que sou professora do Davi.
— Não estou questionando seus métodos. No entanto, eu
precisava prepará-lo para isso, não poderia ter sido jogado deste
modo.
— Posso garantir que não foi assim. E como educadora,
observo o quanto o Davi é inteligente e esperto. Não deve ter a sua
condição escondida.
Passei a mão pela barba em um gesto nervoso com o
atrevimento dela.
— O Davi não é enganado. Ele só tem quatro anos e não
entende o que tem.
— É aí que você está equivocado — contradisse, encostando
o quadril na mesa, cruzando os braços sem desprender o olhar do
meu. — O Davi precisa crescer enxergando a condição que ele tem
como algo natural.
“— Eu sei que para os pais pode ser complicado entender
isso, já que a superproteção causa a sensação de ser o melhor
caminho. Mas não é. Na tentativa de proteger os filhos do mundo,
os pais acabam cometendo, mesmo sem se darem conta, o primeiro
ato de exclusão da criança. Quando eu estimulo que todas elas
abram espaço para conversar sobre as diferenças, estou
possibilitando que vejam com neutralidade as condições de cada
uma. É um modo natural de inseri-las nos conceitos de típicas e
atípicas.
Aquela mulher estava começando a ter o poder de me fazer
sair do sério. Era como se o homem sensato e controlado que
sempre fui desse espaço a um moleque irritadiço. Tudo o que ela
falava parecia soar como uma alfinetada ou um modo de dizer que
eu era um pai ruim.
— Você está chamando meu filhode atípico na minha frente?
— expressei, exasperado.
Luiza respirou fundo e respondeu tranquila:
— Aloísio, veja bem, eu não estou discriminando o Davi. Eu
sei que você é um homem culto e inteligente, mas talvez
desconheça o significado disso. Basicamente estou dizendo que é
um termo que designa o desenvolvimento atípico esperado para a
idade dele. Em nenhum momento tem conotação pejorativa.
Encarei-a sério, com a respiração agitada não acreditando na
ousadia daquela menina. Luiza retornou à jarra d’água servindo
outro copo.
— O que eu preciso que saiba é que o meu método de
trabalho é deixando claro para as crianças as potencialidades e
diferençasde cada uma. Assim, como os trabalhos que fazemos no
cotidiano, estimulamos os pontos fortes de cada uma e elas
aprendem a ter a sensibilidade de apoiar nas dificuldades das
outras. — Caminhou até a minha direção, estendendo o cálice. —
Deste modo, trabalhamos a inclusão não só sobre as deficiências,
mas social, racial, cultural e assim por diante. Caso não se sinta
seguro, você tem total liberdade para observar as aulas e estou à
disposição para conversarmos a respeito. Contudo, eu posso
garantir que este é o melhor para o desenvolvimento do Davi.
Estimular a autonomia dele, em todos os âmbitos.
Caminhei devolvendo o objeto para o local após beber, virei e
fitei a garota. Estava um pouco confuso e irritado, sem saber direito
o que fazer e pensar. Em todos esses anos, eu aprendia um pouco
a cada dia sobre o mundo de inclusão. No entanto, nunca tinha
presenciado alguém que me peitasse de tal modo sem medo de
ensinar.
— Devo admitir que fico impressionado com a sua coragem
em me enfrentar desse jeito. Diferente daquelas outras duas da
antiga escola. — Caminhei até a porta e dei uma última encarada na
professora antes de dizer: — Presumo que o meu recado tenha
ficado claro. Daqui para frente, espero que saiba o que comenta ou
não com o meu filho.
O rosto de Luiza assumiu uma expressão de desagrado, que
nunca tinha presenciado até então. A passos firmes, caminhou até
mim me encarando e batendo o indicador direito no meu peito,
falando brava:
— Pois eu acho que não ficou claro para você. Eu não vou
mudar o meu jeito de ensinar os meus alunos porque você quer. Se
está insatisfeito, converse com a sua mãe já que foi ela quem me
contratou por acreditar no meu profissionalismo.
— Você é muito petulante, menina! — afirmei, com o cenho
franzido.
— Se lutar pelo que eu acredito é ser petulante, eu sou
mesmo. E faço gosto de ser.
Luiza permaneceu em posição de ataque, mas agora não me
encostava. Balançava o dedo no ar, cheia de razão:
— E você não venha me comparar aquelas duas cobras
peçonhentas e fedorentas, porque se tem uma coisa que eu não
admito é abaixar a minha cabeça por medo de alguém.
— O que você quer dizer com isso?
— Exatamente o que eu disse. Não pense que vai me
intimidar porque eu não tenho medo, nem de você nem de ninguém.
Nossos olhares estavam fixose a impressão que se tinha era
que a qualquer momento perderíamos a civilidade. Eu estava bravo
porque não sabia o que pensar sobre a professora.
Eu não tinha descartado a ideia de que tivesse sido ela a
fazer aquilo com Davi. No entanto, a segurança de mamãe e a
informação obtida por Maria a isentavam de qualquer suspeita.
Eu deveria somar isso ao fato de que Luiza sempre foi muito
profissional e amável com Davi, além de ele adorá-la. Todavia,
existia algum tipo de barreira que não me deixava confiar em
nenhuma mulher além de minha mãe.
Com a professora, especificamente, tinha algo que me fazia
ter a constante vontade de esganar o pescocinho fino. Talvez a
coragem de me encarar de igual para igual.
Eu não tinha soberba de me achar superior a outras pessoas.
Entretanto, estava acostumado a não ter ninguém batendo de frente
comigo além de papai ou mamãe. Quando me dei conta que isso
estava acontecendo com uma menina mal saída das fraldas, senti-
me perdido. E colérico.
Enrijeci a mandíbula, ajeitei o chapéu sobre os cabelos e saí
pisando duro, me controlando para não voltar lá e colocar aquela
potra no colo e dar uns tapas merecidos.
CAPÍTULO 12 | LUIZA

Quando Aloísio saiu pela porta, soltei o ar dos pulmões e


sentei-me novamente. Não demonstrei, mas a presença dele era
intimidante. Talvez eu possa ter causado a impressão de ser
petulante e ter assustado o caubói, mas não permitiria que ele
achasse que poderia se impor sobre mim.
Esperei até que a respiração normalizasse e voltei a me
concentrar no planejamento que estava fazendo.
No final da tarde, fui até a sala de Marta e conversamos a
respeito do meu primeiro dia. Preferi não contar sobre a visita, no
entanto, ela conhecia o filho mais velho ao falar:
— Eu imagino que Aloísio tenha vindo aqui e conhecendo a
personalidade do meu primogênito, acredito que não tenha sido uma
conversa tranquila.
Eu não sabia o que ela queria. Além de minha chefe, Marta
era mãe dele. Eu não me comprometeria, não era boba.
— Está tudo bem, fique tranquila.
— Peço que releve alguns comportamentos de Aloísio, não
tem sido fácil para ele ser pai solo e ter que suportar todas as
pressões da fazenda. Ainda mais depois do ocorrido na escola. Vai
demorar até que ele consiga confiar plenamente em alguém de
novo.
Ela se referia a ter sido abandonado pela mãe de Davi?
— Não se preocupe. Mas se você não estiver concordando
com o meu método de ensino, peço que converse comigo.
— Ah, Luiza... tenha certeza que se lhe convidei para esse
desafio comigo é porque vejo muito mais que talento e
profissionalismo. Você é o alento que precisamos.
O quê?
Talvez meu semblante tenha demonstrado minha curiosidade,
já que ela mudou de assunto repentinamente e continuamos por um
bom tempo traçando estratégias para a escola.

No decorrer daquela semana, explorei atividades lúdicas que


pudessem me auxiliar a entender o nível de conhecimento das
crianças. Era por isso que eu havia pedido para que elas
escolhessem um objeto e levassem na sexta-feira.
— Quem vai começar? — perguntei.
Estávamos no pátio da escola aproveitando o calor daquele
final de manhã e uma série de gritos dizendo eu quero começou a
ecoar.
— Vamos iniciar com a Valentina.
Chamei a pequena garotinha de cabelos cacheados
amarrados em duas marias-chiquinhas. Ela veio até mim com um
pequeno objeto em mãos. Eu havia preparado um recipiente grande
com água para trabalhar com eles conceitos de grandezas: grande,
pequeno, leve, pesada, mais, menos, maior que, menor que e assim
por diante.
— A bonequinha da Valentina vai afundarou flutuarquando a
gente a mergulhar na água? — questionei, antes de auxiliar a
garota.
Os gritos começaram em diferentes opiniões e, em seguida,
incentivei que ela colocasse o objeto na água. A euforia aumentou
quando flutuou.
Assim fizemos com todos os objetos que eles haviam levado
e foi divertido. Como previsto, no final da brincadeira, enchemos
várias bexigas d’água e jogamos uns contra os outros. De longe era
possível ouvir a algazarra.
Eu estava encharcada, cabelos molhados, blusa colada ao
corpo e sorria, radiante, vendo aqueles pequenos se divertirem ao
mesmo tempo que aprendiam conceitos importantes e o respeito
presente na socialização. No entanto, meu sorriso murchou quando
vi Aloísio vindo rápido e com o semblante fechado em nossa
direção.
— Davi, vai para o carro agora! — exclamou alto, furioso,
assustando a todas as crianças. Vi quando o pequeno se
sobressaltou e seu rosto se transformou de um sorriso lindo para
expressão de choro.
— Ei, você não pode interromper minha aula assim — falei,
colocando-me em sua frente.
O caubói desceu o olhar fumegante em minha direção, suas
pupilas estavam dilatadas, intensas.
— A errada aqui é você que não pode submeter meu filho ao
risco de uma infecção. Sabe bem o quanto ele é mais propenso a
isso e estimula atividades como esta, sem contar o risco de se
afogar.
Naquele instante, Aloísio parecia ter o dobro do meu tamanho
e viria com tudo para defender o filho. No entanto, eu não me
deixaria abater, não estava errada.
— Não seja exagerado, é uma brincadeira supervisionada.
Eu sei muito bem sobre cada um dos meus alunos e foipor isso que
encaminhei um bilhete para a autorização e o do Davi estava
assinado. Então, você não pode chegar aqui assim e passar por
cima da minha autoridade.
— Eu não assinei bilhete nenhum. Sou o pai e sei o que é
melhor para ele. Se agora eu estou dizendo que ele vai embora, ele
vai embora.
— E eu sou a professora. Aqui, mando eu — declarei, com o
peito estufado, lutando de igual para igual, com a diferença que ele
tinha uns 30cm a mais e era um dos donos da fazenda.
Coragem? Temos!
Medo de ficar desempregada outra vez?Temos também, mas
em menor quantidade.
— Você não pode fazer isso, Luiza — bradou.
Caminhei até a mochila de Davi que estava junto as demais
no corredor, peguei o caderno de recados, parei a sua frente com
ele aberto em uma mão e, com o indicador, dava batidinhas
impacientes sobre o bilhete.
— Está vendo isso aqui? É o que me respalda para que ele
esteja brincando com água. Sendo assim, se não tiver outro motivo
mais plausível, ele só vai embora no final do turno. Agora eu peço
que dê licença, pois você está atrapalhando a minha aula.
— Você é desaforada, garota! Não pode me expulsar assim
das minhas terras — esbravejou.
— E você se acha o maioral, não é? Então porque diabos
não vai atrás daquela cadela da Renata, a filha do prefeito, que
todos acham que é boa moça, mas que na verdade é uma cobra da
pior espécie.
Porra! Quando vi, já tinha soltado.
— De que você está falando, Luiza? — indagou, perdido.
O que era um peido pra quem já estava cagado, não é
mesmo? Agora que eu comecei, iria até o fim.
— É isso mesmo que você entendeu. Vive jogando na minha
cara que eu façomal para o Davi seja com palavras ou com o olhar.
Mas de quem realmente merece você não vai.
— Então foi ela quem maltratou o Davi na escola e causou
aquilo tudo? — inquiriu, nitidamente puto. Suas narinas tremiam e
os olhos chamuscavam ódio.
— Se você não sabia, agora está sabendo.
Empurrei o caderno contra o seu peito, levantando uma
sobrancelha sabichona. Virei-me segurando a mãozinha de Davi, o
acalmando e voltando para a brincadeira.
Estava puta, mas se ele achava que iria se criar comigo,
estava muito enganado. Se fosse pelo bem de Davi, eu enfrentaria
qualquer coisa. Até o pai estúpido dele e aquela cobra de saia.
CAPÍTULO 13 | ALOÍSIO

— Dia, seu Loísio!— Francisco cumprimentou ao passar por


mim enquanto eu entrava na sede administrativa.
— Bom dia, Chico!
Eu havia acabado de chegar de uma reunião com um cliente
quando, ao passar pela porta da escola, ouvi risadas e barulho de
água. A gargalhada inconfundívelde Davi fezcom que eu parasse e
fosse até o pátio. Não era possível que aquela irresponsável da
professora dele estava permitindo com que brincasse com água.
Assim que passei pelo portão, vi o alvoroço de bexigas
d’água voando e crianças correndo. Clara em um canto, com
algumas crianças e Luiza, toda ensopada, se divertindo com elas.
Olhando de longe, era até difícil saber quem estava cuidando de
quem ali.
A irritação me subia ao passo que notava Davi ser atingido.
Era como se eu pudesse ver a infecção de ouvido nascendo
naquele momento. Me dava calafrios a mera possibilidade.
— Davi, vai para o carro agora! — vociferei.
A abusada da professorinha colocou-se à minha frente e deu
início a um embate que, no início, pareceu ridículo. No entanto, não
conseguia não me envolver tamanha a minha preocupação com ele.
Observei-a andar até a mochila de Davi. Por um mísero
segundo, em um lampejo rápido, a fúria deu lugar a uma
observação detalhada. A roupa de Luiza estava colada ao corpo,
nada vulgar ou algo do tipo, mas consegui visualizá-la como mulher,
não como a professora do meu filho ou a menina em corpo de
mulher.
Luiza era mirrada, tinha o corpo pequeno, mas proporcional.
No entanto, o que mais chamava atenção era o seu rosto adornado
pelos cabelos escuros, longos, lisos no comprimento e enrolado nas
pontas. Contrastava com a pele pálida, delicada, o nariz bem
desenhado e boca rosada em um perfeito formato de coração, com
o lábio inferior ligeiramente mais grosso.
A baixinha era franzina, mas demonstrava uma força
inesperada. Era bonita, mas não parecia ter mais do que 25 anos.
Foi engraçado tê-la visto com outros olhos, já que não tinha esse
tipo de pensamento há algum tempo.
Balancei a cabeça em negação e ironia, dando-me conta de
que isso era ridículo. Além de eu não ter o mínimo interesse em me
envolver com alguém, seria impossível qualquer tipo de coisa com a
garota.
Mais do que isso, eu poderia até ser notado quase como o
pai dela já que parecia ter muito mais do que os meus 32 anos,
principalmente, emocionalmente. Havia me tornado um homem sem
vida, carrancudo e a única alegria que tinha era meu filho. Isso me
envelheceu. Muito.
Quando esfregou o bilhete assinado na minha cara, jogou
aquela informação e deu as costas, fiquei ainda mais furioso.
Caminhei a passos largos até a sala de minha mãe, entrando sem
ter o mínimo sequer de educação.
— Como a senhora não me contou que a filha do prefeito fez
aquilo com o Davi?
Dona Marta parou de digitar, levantou a cabeça, olhando-me
por cima dos óculos na ponta do nariz. Falou, sem se abalar:
— Por que eu sabia que você ficaria assim.
— É claro que eu ficaria, mãe. Olha o que ela fez com o meu
filho. A senhora acha mesmo que vou deixar isso barato?
Marta levantou-se dando a volta na mesa e aproximou-se,
tentando pacificar o animal que habitava em mim.
— Ísio, não tem o que você fazer agora, filho. Acha que já
não fui atrás disso? — Serviu um copo de água me entregando. —
A menina é esperta, quando soube que Luiza vinha para a fazenda
deu um jeito de sumir do país. De acordo com o que soube, ficará
alguns meses fora até que sua raiva diminua.
— Não vai diminuir — garanti.
— Sei que não, mas ela foi inteligente em tirar o time de
campo por enquanto.
A tal Renata era famosa na região por ser mimada e fútil.
Embora tivesse se formado, não era segredo para ninguém que o
único trabalho que tinha era gastar o dinheiro que o pai roubava dos
cofres públicos e correr atrás do Antônio.
Se ela estava longe, não tinha o que fazer, mas o que é dela
estava guardado quando retornasse. Eu não poderia deixar uma
situação como aquela passar. No entanto, a minha irritação não era
só devido a tal Renata.
Fitando a senhora imponente à minha frente, indaguei em
uma afronta:
— Por que a senhora assinou esse bilhete autorizando o Davi
a participar daquela brincadeira sabendo dos riscos para a saúde
dele e o medo que eu tenho dele se afogar?
Sem se abalar, deu a volta na mesa e se sentou, pousando
as duas mãos sobre a mesa.
— Porque o medo é seu, não dele. Davi é uma criança
saudável e, com os cuidados certos, ele pode brincar do que quiser.
Não preciso que você concorde ou não. É pai, mas às vezes tem
umas neuras completamente desnecessárias.
— A senhora não pode estar falando sério.
— Estou falando muito sério. E se daqui para frente eu
precisar passar por cima da sua autoridade, em alguns momentos,
para fazer o melhor para o meu neto, eu farei.
— A senhora sabe muito bem que eu prezo pelo bem do meu
filho e nunca me desrespeitou. Por que está fazendo isso agora? —
perguntei, agitado, andando pela sua sala.
Ela me olhou como se estivesse me enxergando por dentro.
Com um tom ameno, respondeu:
— Porque eu estou vendo a sua dor, meu filho. Você não é
mais o meu Aloísio alegre e amoroso de antes. A cada dia, se fecha
em uma bolha de dor e sofrimento que te exaure e eu não quero te
ver assim. Por isso, farei de tudo para te tirar dela.
Eu odiava como ela me conhecia e o poder que tinha sobre
mim. Irritado, fitei seus olhos e falei firme:
— Mãe, eu estou falando do meu filho, não de mim. Quero
saber por que a senhora me afronta trazendo aquela menina
desaforada que parece ter prazer em me enfrentar
.
Lentamente, Marta abriu um sorriso maquiavélico ao servir
café em sua xícara.
— Se você está tão incomodado com a presença da garota, é
porque de algum modo ela está te tirando da zona de conforto e
talvez isso seja bom. Então ela vai ficar. Agora, preciso que me dê
licença pois tenho um assunto importante para resolver.
Olhei-a incrédulo. Era como se ela não tivesse ouvido nada
do que eu falei.
— Já que a senhora está tão preocupada com a garota, é
bom saber que se ela me afrontar de novo, e na frente dos
funcionários, se verá comigo — finalizei, abrindo a porta.
— Se implica tanto com a menina, por que não observa como
ela trata o seu filho?Tenho certeza que mudará de opinião — ouvi-a
dizer enquanto fechava a porta atrás de mim.
Antes de ir para a minha sala, parei no corredor encostando
na grade de proteção, observando o Davi pulando e desviando dos
balões, feliz.
Minha cabeça fervilhava. Uma mistura de irritação, temor e
angústia sendo equilibradas com o prazer de ver o meu filho alegre
e saudável. Era como se a dor e o medo que eu sentia lutassem
para se manterem firmes contra alguma outra sensação que eu
ainda não sabia explicar.
Em meio a esses pensamentos, notei quando Luiza abriu os
braços protegidos por uma toalha azul e Davi correu para dentro do
seu abraço, sendo enrolado pelo tecido e tendo a cabeça coberta
pelo capuz de focinho. A professora percorreu as mãos pelo tronco
do pequeno para secar e esquentar seu corpinho que tremia.
Luiza abraçou meu filhocom tanto afetoque aquilo fezminha
garganta embargar e o sentimento horrível de abandono ressurgir.
Eu me martirizava por ele ter sido abandonado. Se Davi não tinha
tido uma mãe de verdade, que proporcionasse a ele todo o carinho
e afeto que merecia, era porque eu não soube escolher a mulher
certa para isso, ainda que a gravidez dele tenha sido inesperada.
Tudo ficava ainda pior quando esse carinho vinha de uma
pessoa que era paga para lhe ensinar, mas que, mesmo eu não
querendo admitir, parecia gostar dele de verdade.
Davi começava a projetar na professora sentimentos muito
maiores do que deveria existir em uma relação professor/aluno. E
isso me deixava muito preocupado. Como seria no próximo ano,
quando mudasse de professora ou quando Luiza decidisse sair da
fazenda? Porque isso iria acontecer uma hora.
Ainda que não a conhecesse em profundidade, era mais do
que nítido que ela era urbana, gostava da agitação das cidades e
tinha uma vida inteira pela frente, para crescer e voar.
Aquela ainda era a primeira semana de Luiza na fazenda e,
por algum tempo, seria legal para ela porque era novo e diferente.
Mas quando tudo isso perdesse a graça, ela iria voar e como o meu
filho ficaria? Abandonado outra vez. Eu estava apenas o
protegendo.
Fiquei o restante do dia ruminando aquela preocupação e o
sentimento de não conseguir suprir tudo o que Davi precisava.
CAPÍTULO 14 | ALOÍSIO

Naquela noite, nos sentamos ao redor da grande mesa de


madeira para jantar. Papai na ponta, mamãe e Artur a sua direita;
eu, Davi no assento elevado, e Antônio a sua esquerda.
Coloquei a comida no prato do pequeno e preparava-me para
começar a servi-lo quando um lampejo me tomou.
Inconscientemente, a voz da baixinha atravessou a minha mente
“estimular a autonomia dele, em todos os âmbitos.” Ainda que
contrariado, forcei-me a fazer o que ela aconselhou, para o bem
dele.
Coloquei o prato sobre a mesa e estendi a colher à sua
frente. Todos me olharam sem entender o que eu estava fazendo,
até que Davi expressou a dúvida em palavras:
— Pa que isso... papai?
— Que tal se hoje você começar a comer sozinho? — sugeri.
— Ebaaa... o Davi qué — comemorou, empolgado.
— Isso vai fazer a maior bagunça — Antônio queixou baixo,
do outro lado, em tom zombeteiro.
— Shhh... fica quieto, Antônio — mamãe repreendeu. — Isso
meu amor, a vovó quer ver você comer tudo, hein?
— Se limpar esse prato, o vovô leva você para andar a
cavalo amanhã — meu pai incentivou.
— Ebaaa... — falou, começando a comer.
— Moleque, se você sujar a minha roupa, eu vou dar um
peteleco na sua cabeça. Eu já estou prontinho para sair à caça das
gatinhas, sacou? — brincou, fazendo um gesto de entendido com a
mão.
— Tá deitada lá... de foa— Davi falou, de boca cheia.
— O quê? — Antônio perguntou, sem entender.
— A xaninha ... tá com os... gatinhos... lá de foa...
O pequeno ficou sem entender quando todos nós rimos.
— Não, Davi... gatinhas são as garotas, as meninas...
— Não, titio.... — respondeu indignado — gatinhas são... as
animalzinhas que faz... miaus — fez a última palavra imitando um
miado.
Gargalhei. Davi em sua inocência era o melhor de mim.
Aquele pequeno serzinho tinha um poder incrível de desanuviar as
minhas preocupações ao mesmo tempo que era a maior delas.
— Você ainda é muito pequeno para entender, mas uma hora
o titio vai te ensinar sobre mulheres... vai arrasar com todas elas —
Antônio se gabou.
Jantamos em um clima ameno, mas eu ainda me sentia
inquieto, agitado. Observei o pequeno comendo sozinho pela
primeira vez. A sua coordenação motora fina ainda era pouco
desenvolvida. Por isso, tinha muita dificuldade em segurar a colher,
juntar a comida no prato e levar à boca.
Era muito mais fácil servi-lo, confesso. Porém, vê-lo se
esforçarao perceber que eu depositava confiançanele, fezcom que
eu desse razão à professora. Eu poderia tentar confiar um pouco
mais no meu pequeno.
Após o jantar, ajudei Davi a descer enquanto ele pedia:
— Papai, a gente... pode tocar música?
— Podemos, filho. Vamos para o estúdio.
— Toquem aqui — papai falou ao se levantar e caminhar
conosco até a sala. — Gosto de apreciar meus músicos em sintonia.
— O Davi... gosta, vovô... de fazer tanananan — o pequeno
enfatizou o som o som do instrumento com os dedinhos.
— O que você quer que a gente toque, filho? O violão? —
perguntei, porque era o que normalmente ele gostava.
— Não, papai... Hoje o Davi... qué ano.
— Você consegue falar melhor do que isso. Tenta de novo —
estimulei.
— Iano.
— Outra vez.
— Piano.
— Muito bem! Toca aqui — comemorei, fazendo-o bater sua
mão na minha.
Aproveitei para levá-lo para lavar as mãos e escovar os
dentinhos. Normalmente, dormia rápido quando estávamos ouvindo
música. Em seguida, nos acomodamos na banqueta do piano.
— Você quer que eu toque ou que eu te ensine? — perguntei,
quando ele estava se posicionando ao meu lado de maneira
confortável.
— Toca, papai. O Davi... gosta de... escutá.
Beijei o topo de seus cabelos antes de perguntar:
— Qual você quer ouvir?
— Baby shark.
— Ah não, isso é música de criancinha — Antônio falou, no
final da escada enquanto pegava a chave do carro sobre o
aparador. — Pede uma música pra macho, rapaz.
— O Davi é... quiança, titio. Agoa tchau... vai pocuá as
gatinha — Davi dispensou.
— Nunca me senti tão rejeitado — Antônio se divertiu — Até
amanhã. Fui.
Depois que ele saiu, alonguei os dedos e o pescoço vendo
meus pais sentados no sofá. Ela com os pés descalços sobre o
estofado e a cabeça sobre o ombro dele. Ambos com uma taça de
vinho nas mãos.
Iniciei de um modo mais sombrio, quase como cenas de
filmesde tubarão e olhei para Davi, que sorria em meio a carinha de
espanto. A música foi adquirindo notas mais velozes e divertidas,
quando senti Davi dançando na banqueta e cantando:
Baby shark, doo doo doo doo
Baby shark, doo doo doo doo
Baby shark, doo doo doo doo
Baby shark![8]
Sorri e continuei fazendo meu filho feliz. Quando acabou,
toquei algumas outras que ele pediu até que foi ficando sonolento e
encostando o corpinho no meu.
— Vamos parar, você já está cansado. Vamos para a cama —
falei.
— Não papai... tá gostoso... toca só mais um pouquinho —
pediu, deitando a cabeça na minha perna.
— Só mais uma e a gente vai para a cama.
— Tá bom, toca aquela que eu gosto das teis letinhas.
— S.O.S? — questionei, já que ele sempre pedia.
— É.
— Amor, vem deitar aqui no sofá com a vovó — mamãe o
chamou.
— Não, vovó. O Davi... gosta de... ficar... com o papai.
Acariciei seus cabelos aproveitando aquela conexão incrível
entre nós dois. Davi tinha o poder de me acalmar e fortalecer.
Iniciei a melodia e, quando terminei, sentia-me leve a
relaxado. Sem todo o peso das inquietações daquele dia.
Olhei para baixo e o pequeno dormia abraçado a minha coxa.
Olhei para os meus pais e notei que mamãe estava com os olhos
cheio d’água enquanto o velho exibia um olhar orgulhoso.
— Vamos, vou te ajudar a colocá-lo na cama — ela falou ao
se levantar e caminhar até o quarto de Davi preparando a cama.
Com cuidado, o peguei, beijei seus cabelos e fomos até o seu
cantinho. Depositei com carinho, cobri, fitei-o por alguns instantes
deixando meus pensamentos vagarem.

No dia seguinte, acordei com Davi deitadinho sobre a minha


cama, olhando-me dormir.
— Você demoou a acodá — acusou assim que me viu
desperto.
— E por que não me chamou? — questionei, espreguiçando.
— O Davi ficou... com dó.
— Ah rapaz... — fiz cosquinha enquanto ele ria.
— Papai...hoje a gente pode i na piscina?
— Nós estamos em qual dia da semana? — perguntei,
estimulando-o.
— Sábado — respondeu rápido, sem titubear. — Tá calô e
você não tabaia.
— Você está ficando muito esperto.
— É.
Levantei-me, caminhando até o banheiro para fazer a minha
higiene matinal e auxiliando-o a fazer o mesmo.
— Mais tarde nós podemos, filho.
— Eba... e a gente pode chamá a tcha Luiça?
O Davi estava tão apegado àquela menina que seria difícil
ensiná-lo os limites disso e me preocupava de um modo absurdo.
Respirei fundo antes de dizer:
— Filho, a Luiza é sua professorae, forada escola, ela tem a
vida dela. Além disso, não pode ficar o tempo todo com você.
Precisa entender isso, ela é apenas a sua professora.
— Mas o Davi gosta... da tcha Luiça, papai... Ela dá cainho e
abaço quentinho.
Aquele tipo de conversa com Davi me desassossegava. Era
horrível ter que mostrar para ele que não podia se apegar à
professora ou projetar naquela o amor que deveria ter recebido da
sua mãe.
— Eu sei que você gosta, filho. Mas precisa ir com calma.
Sobre carinho e abraço quentinho, o papai e a vovó podem te dar.
Além disso, por ser sábado, talvez ela esteja na casa dos pais em
outra cidade.
Seu semblante e os ombros caíram.
— A gente... não pode i... até a casa dela e... vê se ela... tá
lá? — pediu, esperançoso.
Soltei uma lufada de ar.
— Tudo bem. Nós vamos resolver as nossas coisas agora
pela manhã e, mais tarde, nós podemos ir na casa dela. Pode ser?
— Ebaaa!
CAPÍTULO 15 | LUIZA

No final daquela primeira semana, eu estava morta de


saudade dos meus pais e doida para voltar para casa. No entanto,
no meio da tarde de sexta-feira, mamãe avisou-me que precisou ir
para Uberlândia com urgência porque o Edu havia passado mal e o
Léo estava preso no aeroporto devido ao mal tempo na cidade em
que havia feito escala.
Tranquilizando-me, mamãe comentou que agora estava tudo
bem e que eu não me preocupasse. Pensei em ir até lá e ficar com
eles, mas a casa da minha cunhada já estava cheia. Ao invés de
ajudar, eu poderia atrapalhar mais.
Sendo assim, preferi permanecer na fazenda e terminar de
arrumar algumas coisas que não havia conseguido naquela
semana.
Aproveitei que o espírito de empreguete havia encarnado no
meu corpo, coloquei uma blusa preta de alça fina e um short jeans
curto, e me dediquei a organização. Já havia deixado o interior da
casa em perfeito estado e esfregava a área externa fazendo do
cabo de vassoura o meu microfone e a varanda de palco.
Quem foi Elis Regina na fila do pão quando Luiza Galvão
começava a cantar?
Vez ou outra eu precisava firmaro corpo para não escorregar
no sabão, mas a minha interpretação bafônica não passava
despercebida pelos vizinhos que passavam pela rua me achando
louca.
Dei de ombros e continuei minha interpretação de olhos
fechados. Nunca liguei para a opinião dos outros e não seria agora
que faria.
Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos como os nossos pais[9]

Estava tão concentrada no meu desempenho que só notei


que tinha companhia quando ouvi aplausos e os gritos eufóricos de
Davi.
— Viu, papai? A tcha Luiça... não foiemboa.
Abri os olhos assustada e me desequilibrei quando o chinelo
escorregou no sabão. Como uma barata tonta, comecei a sacolejar
os braços em busca de equilíbrio e, ao não o encontrar, estatelei no
chão logo depois da vassoura vendo os olhos de Aloísio arregalados
acompanhando a cena.
— Ai, caramba! — resmunguei, levando a mão ao cóccix
sentindo-o doer. Não sabia o que era pior, o ardor da região ou a
vergonha de ter o fazendeiro me observando tão intensamente.
— Davi, fica aqui — ele falou, ao caminhar até onde eu
estava estendendo a mão. — Consegue levantar?
Concordei, aceitando sua ajuda e subindo devagar. Estava
toda ensaboada e molhada. Uma vergonha.
— Se machucou? — questionou.
— Eu estou bem. Obrigada.
Fitei o fazendeiro de um jeito mais cuidadoso. Estava vestido
de um modo que nunca o tinha visto. Estava de short de banho,
camisa regata branca, chinelos e boné preto. Eu odiava admitir isso,
mas o ranzinza era uma delícia!
Ele notou. Era raro acontecer, mas naquele momento senti
minhas bochechas quentes. Logo disfarcei, dizendo enquanto
olhava para Davi, vestido de modo semelhante:
— Você precisa parar de me assustar desse jeito, minhas
consultas cardiológicas não estão em dia.
Seu olhar em mim era forte, mas difícil de decifrar. Todavia,
eu poderia jurar que vi um ensaio de sorriso em seus lábios.
— Não temos culpa se durante o seu espetáculo não
conseguiu notar o barulho da caminhonete — o adulto explicou,
andando até o pequeno e o colocando sentado sobre a mureta.
Dei de ombros.
— O que fazem aqui? — questionei, pegando a mangueira e
enxaguando o chão antes que secasse daquele jeito e piorasse
tudo.
— Tcha Luiça, você qué... nadá com o Davi?
Olhei surpresa para o pequeno ao entender o convite e mais
ainda quando Aloísio pegou o rodo escorado na pilastra e começou
a puxar a água.
Acho que fiquei tão impressionada que não consegui fazer
mais nada além de ficar pensativa tentando entender o que o
famoso Aloísio Albuquerque, futuro administrador da Canto dos
Pássaros estava me ajudando a lavar a área da minha humilde
casa.
Eu estava em um universo paralelo?
Quando percebi que não, fui em um rompante até ele
tentando pegar o objeto de sua mão.
— Pelo amor de Deus, solta isso!
— O que você está fazendo? — inquiriu, desviando do meu
contato.
— Você é o dono da fazenda, nunca deve ter feito uma
atividade doméstica na vida e não vai ser na minha casa que
começará. Por misericórdia, larga isso e vai sentar lá perto do Davi.
— Continuei tentando pegar. — O que as pessoas vão pensar?
— Achei que não se importasse — respondeu, estendendo o
braço para cima me obrigando a pular.
— Eu não me importo, mas quando se referea mim. Você é o
meu chefe, o fodão da fazenda. Visto por todo mundo como
intocável. Se as pessoas te virem como um humano normal, vai
perder o pedestal de Deus da fazenda!
Surpreendendo-me, Aloísio sorriu. Algo que eu nunca tinha
visto nele.
— Engraçado, até ontem você batia no peito e dizia que sua
chefe era a minha mãe...
Provocou, mas não dei ouvidos.
A minha preocupação era verdadeira. Não sabia explicar ao
certo o porquê, mas na minha cabeça ele tinha a posição de
intocável e eu gostava disso, mesmo que nunca fosse admitir.
Todavia, ele sorria de um modo tão sincero e verdadeiro que
aquilo me prendeu como eu nunca imaginei. Talvez tenha percebido
já que seu olhar estava preso ao meu. Para disfarçar, brinquei:
— Olha só, ele sabe sorrir!
Como se só então percebesse aquilo, Aloísio fechou a cara,
voltando a ficar sem expressão. Era como se auto recriminasse por
fazer aquilo. Não satisfeita, continuei:
— Você tem um sorriso bonito, deveria fazê-lo mais.
Ele não se mexeu. Vi que tinha se fechado no casulo outra
vez.
— Tudo bem — fingi que estava vencida, voltando ao que
estava fazendo.
— Viemos te convidar para passar a tarde conosco na
piscina.
— Vamos, tcha Luiça? — Davi pediu, empolgado. — Nadá,
bincá... com a Çalana e a Mataca...
Dei um sorriso pequeno para o Davi e faleibaixo para que só
o seu pai ouvisse:
— Não quero ser invasiva. Se você não se sentir confortável
com isso, eu posso inventar uma desculpa para ele.
— Está tudo bem, eu e ele já conversamos sobre isso.
Eu já não tinha muito o que fazermesmo naquele restante de
dia. Qual o problema em aceitar?
— Então eu vou — falei alto para o Davi.
— Ebaaaa!
— Encontro vocês no casarão.
— Não, a gente te espera.
— Eu prefiro que vocês vão na frente, ainda preciso terminar
aqui.
Ele não deu ouvidos, continuou raspando onde a água caía.
Dei de ombros. Se ele queria me ajudar, eu não recusaria. O clima
ficou um pouco pesado, já que ele voltou à sua introspecção de
sempre.
Já tínhamos tirado o sabão do piso e Alceu Valença cantava
Anunciação quando, em um lapso de criancice, joguei a água para
cima como se fosse chuva. Aloísio me olhou assustado e bravo,
mas foi o suficiente para Davi gritar eufórico e descer da mureta,
juntando-se a nós e pulando nas poças.
— Você não tem filtro, né menina? Nem de fala, nem de
comportamento. — Queria fingir que ainda estava zangado, porém,
em questão de segundos seu olhar se amainou.
— Pra quê? — questionei, ainda apontando a mangueira
para cima. — A vida já é regrada demais para que eu me adeque
aos padrões dela. Eu gosto de ser assim.
— Vem, Davi! — peguei em sua mãozinha dançando e
cantando — Tu vens, tu vens... Eu já escuto os teus sinais[10]...
CAPÍTULO 16 | ALOÍSIO

Davi e eu estávamos sentados sob o sol na mureta da casa


de Luiza enquanto a aguardávamos se arrumar. Ele balançava as
perninhas no ar chupando um pirulito enquanto eu olhava para a
lagoa à frente tentando entender tudo o que estava acontecendo.
Há pouco mais de uma semana tudo estava normal na minha
vida. As responsabilidades pela fazenda, os cuidados com o
pequeno e a minha solidão noturna.
No entanto, as mudanças me pegaram de surpresa. A
possível parceria com um grande frigorífico da América Latina
estava fazendo com que Alfredo exigisse mais de mim do que de
costume.
Além disso, por mais que fosse estranho admitir, depois da
chegada de Luiza eu já não me sentia tão solitário ainda que
nenhum hábito tenha mudado. Não sei explicar, apenas sentir.
A baixinha me deixava possesso a maioria do tempo,
principalmente, quando me enfrentava. Todavia, algo em mim
gostava da presença dela. Um ensaio de sorriso quis surgir quando
lembrei da maluca molhando a gente. Uma parte de mim quis ficar
brava, brigar e dar as costas. Porém, outra gostou e queria se
divertir, e foi a ela que eu ouvi.
Não era como se eu tivesse interesse romântico na garota,
até porque era inconcebível nós dois, mas gostava da leveza que a
energia dela emanava. Ainda me perguntava como cedi aos desejos
de Davi em buscá-la para passar o dia conosco quando ele falou,
todo lambrecado de doce e um pouco molhado:
— A tcha Luiça... é legal... né, papai?
— Ela é, filho — admiti. Mais do que eu gostaria.
Eu me recriminava pelo modo como aquela menina entrou na
minha vida e a facilidade que tinha em me fazer sorrir
.
— Tarde, seu Loísio. Tá percisano de arguma coisa? —
Chico perguntou, ao notar a minha caminhonete estacionada e me
ver parado nas casas dos funcionários, algo que nunca tinha
acontecido antes.
Não era à toa que dava para ouvir um ou outro fuxico e uma
movimentação de mulheres incomum por ali.
Todos querendo saber o que o poderoso Aloísio Albuquerque
fazia, naqueles trajes atípicos, parado em frente à casa da
professora recém-chegada na fazenda. De certo, para eles, Luiza e
eu já estaríamos na beira do altar quando, na verdade, nunca tinha
– e nem aconteceria – nada entre nós.
— Tarde, Chico. Tudo certo. Bom sábado — dispensei, não
dando abertura para fofocas.
— Tá certo, patrão. Quarquer coisa, é só falar — assentiu,
levando a mão ao chapéu e abaixando a cabeça.
Instantes depois, Luiza saiu vestida com um shortinho de
tecido mole preto, blusa de alças finas clara e, por baixo, era
possível ver as amarras do biquíni rosa pink e o boné do mesmo
tom. Os fios escuros presos pela peça formavam um movimento
sedutor, mesmo que não fosse intencional. O conjunto final era
formado pelo chinelo de tirinhas também rosa e os pés pequenos e
claros, com unhas pintadas de esmalte claro.
Era só uma menina no corpo de uma mulher.
— Você tá... de boné! — Davi também notou.
— É claro — ela passou a mão pelos cabelos — você achou
que eram só vocês que podiam? — brincou — mas o meu é da
pantera cor de rosa, você percebeu?
Davi balançou a cabeça em confirmação ao mesmo tempo
em que eu o prendia no assento. Luiza entrou pela porta do
passageiro enquanto eu fechava a minha e dava partida. Em
segundos, o som das violas ecoou fortes dentro do veículo.
— Isso era tão previsível — Luiza revirou os olhos em um
tom jocoso.
— O quê? — indaguei. — Não gosta?
— Misericórdia! Isso é coisa de velho. Meu pai gosta desse
tipo de música.
— Você está me chamando de velho? — fingi indignação. —
Isso é um clássico: Composição do Tião Carreiro com interpretação
de Chitãozinho e Xororó e Almir Sater.
— Clássico... — riu — Aff...
— Até o Davi gosta! Canta pra ela ver, filho.

— O iiiio de Piacicaba... vai jogar água pa foa[11].... — o


pequeno entrou na onda e a professora levou a mão ao peito, em
falso ultraje.
— Não acredito, Davi! Até você?
O pequeno riu, sapeca, expondo todos os dentinhos.
— Ele não nega o sangue que tem — falei.— E se você veio
morar aqui, acho melhor ir trabalhando os seus gostos, não só
musicais. Uma hora ainda vou te ver de botina, chapéu e fivela.
— Ah tá... é mais fácil eu pegar a Lua com a mão.
— Luiza, não cospe pra cima que cai na testa — avisei.
— Eca! Que nojento! — o pequeno falou com escárnio.
Rimos.
Naquele clima gostoso, acelerei até o casarão vendo a poeira
subir através do retrovisor enquanto o pequeno e eu continuamos
cantando para provocá-la.
— Quando chegar a água...dos olhos de alguém que chora...

Ao descermos do carro, Davi segurou uma de minhas mãos e


fez o mesmo com Luiza. Andamos pelo caminho de pedra que
levava até a varanda, onde percebi Dona Marta em pé de braços
cruzados nos fitando.
— Vovó... o Davi... touxe a tcha Luiça... pa muçar...
— Estou vendo, meu amor. Muito bem — mamãe falou. Logo
em seguida, abraçou Luiza. — Que bom que veio, fico muito feliz
em tê-la aqui.
Caminhamos até o rumo da churrasqueira e papai estava
preparando os espetos e conversando com Artur.
— Davi, vamos passar o protetor e esperar um pouco antes
de ir para o sol — ela chamou ao mesmo tempo em que Antônio
surgia com cara de sono.
— Cria vergonha nessa cara, Antônio. Quase uma hora da
tarde e você acordando agora.
— Shhh, fala baixo, velho. Tô com uma ressaca violenta.
Ontem foi brabo —ele respondeu. Olhou para Luiza de pé e se
animou: — Oi, bonitinha. Que surpresa, não esperava te ver aqui. —
Sorriu, galante.
Meu irmão do meio não tinha um pingo de decência quando
se falava da sua vida pessoal. Era um puto.
— Problema seu. Agora liga um Tião Carreiro e põe esses
espetos para assar — foi a resposta de Alfredo.
— Por que eu se o Aloísio e Artur estão aqui e inteiros? —
resmungou.
— Cala a boca e faz, moleque.
— Liga não Luiza, a civilidade dessa famíliaé do casarão pra
fora. Aqui dentro a coisa muda de figura — Artur brincou.
— Relaxa... a família de vocês é até normal. A minha, quando
estou perto, é bem pior.
— Ah eu vou adorar essa baixinha aqui em casa. Ela é das
nossas! — Antônio falou de longe, com os espetos em mãos.
Vê-los interagindo escancarava o quanto ela tinha a ver com
eles. Era brincalhona, despojada, moleca e jovial.
Mais tarde, entrei na água com Davi e ele aproveitou. Eu
ficava preocupado quando ele estava sozinho, mas comigo e com
os meus irmãos, ele se esbaldava. Luiza veio até nós, tirando
apenas a blusa para entrar na água, permanecendo com a parte de
cima do biquíni, short e boné. Juntos, ela e Davi brincaram, riram,
cantaram, se abraçaram e fizeram bagunça.
— A Çaana vai pular... — Davi gritou, vendo a cadela correr e
se atirar na água. Adorando o mal feito, gargalhava enquanto
Matraca repetia o gesto e as duas nadavam alegres e felizes ao
nosso lado.
Confieio pequeno a ela e mamãe enquanto ia até o quiosque
pegar mais bebidas.
— Há muito tempo não vejo o Davi tão confortável na
presença de outras pessoas — papai falou, enquanto bebia sua
cerveja e observava Luiza rindo com Davi na piscina e minha mãe
conversando com os dois.
— Ela é uma baita gostosa, isso sim — Antônio, idiota como
sempre, disse cortando a carne.
— Eu a acho bonita e divertida — foi a vez de Artur.
— Vocês dois, respeitem a moça — falei.
— Ah, qual é, Ísio? Vai dizer que a baixinha não te encantou?
— A peste do meu irmão provocou.
— Eu não tenho que achar nada. Primeiro, porque ela é
professorado meu filhoe eu preciso respeitá-la. Segundo porque eu
não estou aberto a relacionamentos.
— Cara, você precisa tocar a sua vida e esquecer o passado
— Artur comentou, levando um pedaço de carne à boca.
— Seu irmão tem razão, filho. O tempo de reclusão já
passou. Está na hora de se abrir para o amor.
— Eu não preciso disso nessa altura do campeonato. Não
preciso de ninguém entre mim e o Davi.
— Ninguém está falando isso. Estamos falando que ela viria
para somar na relação de vocês, dar vida e um toque feminino —
papai defendeu. — Uma mulher é importante para edificar um
homem, filho. Para os seus irmãos vai chegar a hora, mas para
você, está batendo à porta.
— Não diga besteira, pai. Estou muito bem assim, não
preciso de ninguém.
— Ele tá em fasede negação, gente — Antônio continuou. —
Acha que a gente não percebeu os três chegando de mãos dadas.
Uma perfeita família.
— Cala a boca, espertão! Vocês botam pilha, mas como seria
quando ela fosse embora? Porque uma hora ou outra, ela vai —
falei, irritado abrindo o freezer e tirando as cervejas e um suco.
— Eu ainda vou ver um casamento nessas bandas e não vai
demorar muito — Alfredo afirmou.
— Vocês estão precisando arrumar o que fazer e parar de
conversar besteira — respondi, indo até a piscina.
O clima estava descontraído ali. Entreguei uma cerveja para
Luiza e mamãe, e o copo de suco para Davi. Não demorou muito
até que Antônio fosse até a 4x4 dele e a colocasse de ré para onde
estávamos.
— Vai começar — resmunguei.
— Começar o quê? — Luiza questionou.
Não precisei nem responder quando o volume alto de um
menino falando “toca o berrante seu moço” seguido por um som de
berrante e o batidão começou.
Antônio desceu todo animado, gritando:
— Vamo animar essa bagaça! Davi, o turbarão vai te pegar
— avisou, antes de se jogar na piscina fazendo o pequeno gritar e
tentar se proteger atrás de mim.
— O tubaão, papai... o tubaão.
A tarde passou naquele clima ameno, como há tempos não
via. Foi gostoso e diferente.

— Vou subir com o Davi, já está esfriando — mamãe avisou


quando o tempo começou a mudar.
— Bom, eu também vou indo nessa. Muito obrigada pelo
convite e pela tarde maravilhosa.
— Eu levo você — falei. Se eu tinha buscado, nada mais
justo que levasse de volta.
Ela não se opôs e, com muita dificuldade, conseguiu se
despedir de Davi que ficou emburrado. Seria complicado explicar a
ele tudo o que acontecia se até para mim não estava fácil de
entender.
Luiza entrou no carro calada, o que era peculiar.
— Está tudo bem? — perguntei, antes de estacionar em
frente à sua casa.
— Sim. Só estou achando estranho ter que entrar em casa
agora e sozinha, sem a minha família e sem o Davi.
— Você é muito apegada?
— Um pouco, nunca tinha ficado tanto tempo longe deles.
Assenti, desligando o motor. Ajeitei o corpo olhando para ela,
encolhida no banco, com os cabelos úmidos e um pouco trêmula. O
lábio inferior batendo levemente no de cima.
Luiza me causava sensações que até então eu só tinha
vivenciado com Davi, mas eram em proporções completamente
diferentes. Um paradoxo entre leveza e instinto de proteção.
Naquele momento, senti uma vontade pungente de puxá-la para o
meu colo e tocar seus lábios com os meus. Mas era errado, muito
errado.
Concentrando-me em fitar seus olhos, expressei:
— Obrigado por ter aceitado o convite do Davi. Foi muito
importante para ele.
— Não precisa agradecer. Eu adorei.
Tirou o cinto e abriu a porta. Quando achei que fosse descer,
Luiza se virou e depositou um beijo rápido na minha bochecha.
Talvez ela tenha ficado tão surpresa com o gesto quanto eu, já que
arregalou os olhos ao se dar conta. Com agilidade, entrou em casa
fechando a porta atrás de si.
Confuso, liguei o carro outra vez e manobrava para voltar ao
casarão quando João Carreiro e Capataz pareciam entender as
perguntas que eu me fazia.
Tamanha beleza, parece uma flor
E o que essa moça fez aqui?
O que essa moça fez aqui?
Remoendo saudade, ruminando dor
Vivo sofrendo, esperando esse amor
Fez um estrago no meu coração
Bagunçou, bagunçou, a vida desse peão.[12]
CAPÍTULO 17 | LUIZA

Entrei em casa tremendo e com a pulsação acelerada, quase


não consegui trancar a porta. Encostei-me nela olhando para o nada
e pensando o que era aquilo que estava acontecendo?
Aqueles dias estavam sendo bem diferentes do que eu
estava acostumada. No entanto, hoje tinha fugido totalmente do
esperado.
Foi incrível, eu amei cada segundo que passei com Davi e a
família Albuquerque. Só que nada havia me preparado para os
últimos segundos que vivi com Aloísio dentro daquela caminhonete.
Fiquei o caminho todo sofrendopor antecipação sabendo que
teríamos que nos despedir. Não deixei que ele percebesse e era
foda admitir, mas era gostoso aquela sensação de borboletas no
estômago.
Balancei a cabeça me recriminando. Era ridículo me sentir
daquele jeito. Eu nem sabia nominar o que estava acontecendo. Só
sabia que ao mesmo tempo em que era bom, era horrível. Uma
merda!
Caminhei até o banheiro tentando me autossabotar, dizendo
que era besteira da minha cabeça. Tomaria um belo banho e, depois
ligaria para a minha mãe. Estava morrendo de saudade deles.
Despi-me e entrei sob a água quente, contrastando com a
friagemdos cabelos ainda molhados. Um arrepio me subiu e eu não
sabia dizer se era pela contradição ou por lembrar do corpo do peão
tão próximo do meu dentro daquela piscina.
Tudo ficou ainda pior quando fechei os olhos ao mesmo
tempo que levava as mãos aos cabelos lembrando da barba macia
contra meus lábios. Que porra tinha dado em mim para que eu
agisse tão impulsivamente?
Eu estava delirando, era isso. Apenas carência por estar há
muito tempo sem alguém. Acariciei meu corpo todo eriçado tentando
me convencer que estava assim porque era sábado, dia que
normalmente eu tinha alguém ao menos para dar uns beijos.
Que caralha! Eu tentava, mas não conseguia me enganar.
Não. Eu não podia estar balançada por aquele fazendeiro
com alma de velho.
Inteiramente arrepiada, tomei banho lutando contra os
calafrios que percorriam o meu corpo ao lembrar dos pequenos
momentos daquele dia. Eu estava sufocada, parecia que para cada
pedaço de chão que olhava, me remetia a ele.
No dia seguinte, liguei para mamãe pois pensava seriamente
em ir até à casa dela, mesmo que fosse um bate-volta. No entanto,
ela me sinalizou que ainda estava na casa do Léo. Até pensei se
compensaria ir até lá, mas além de desgastante, não conseguiria
aproveitá-los já que teria que estar de volta antes do escurecer.
Ficar naquela casa o dia todo assistindo TV não seria uma
opção. Eu odiava me sentir sozinha.
Decidida, passei meu filtro solar fator vampiro, coloquei uma
roupa de ginástica, o mesmo boné de ontem e fui caminhar. Ia
conhecer uma pouco da fazenda.
Fechei a porta de casa olhando para a lagoa e pensando
para onde iria. A fazenda era enorme e as chances de eu me
perder, maiores ainda. Precisava ficar atenta, ainda que contasse
com a ajuda do GPS.
Alonguei-me ainda na varanda, acoplei os fones de ouvido,
respirei fundo e comecei a caminhar na estradinha onde havia
bastante movimento de pessoas. O sol não estava tão a pino, mas à
medida que andava, já conseguia sentir minha lombar e o vão dos
meus seios começando a suar.
A Canto dos Pássaros tinha estrutura de uma cidadezinha.
Assim, passei em frentea pracinha, a escola e a charmosa igrejinha
branca e azul. Era início da missa e a entrada estava bem
movimentada. Algumas pessoas me reconheceram e recebi até uns
olhares indiscretos.
Eu odiava como sofríamos pelo simples fato de sermos
mulheres. No entanto, eu não me intimidava. A meia dúzia de peões
que me olharam daquele modo, respondi sem usar uma única
palavra. A minha expressão de poucos amigos e ‘vá se foder’
deixava clara minha insatisfação.
— Bom dia, Luiza!
Ouvi a voz de Júlia. Durante aquela semana, havia a
conhecido um pouco melhor. Ela morava na fazenda com os pais e
também finalizava Pedagogia, seu sonho era se tornar professora
da escola rural.
— Oi, Ju! Bom dia!
— Fiquei surpresa em te encontrar por essas bandas. Achei
que estivesse nos seus pais.
— Esse final de semana não consegui voltar, mas no
próximo, com certeza estarei lá. — Sorri. Olhei ao redor,
continuando: — Aqui é bem bonito.
— Ah, sem dúvidas! Essa fazenda é um dos lugares mais
incríveis que já vi. Se continuar por essa estradinha, dará na
cachoeira. Não é perto, mas vale muito a pena a caminhada.
— Jura? Eu amo cachoeiras! — exclamei. Tinha lembranças
maravilhosas da infância e adolescência.
— Só cuidado com as pedras. São escorregadias e você
pode se machucar.
— Tranquilo, Ju. Já estou acostumada.
Nos despedimos e ela seguiu para a missa.
Conforme eu caminhava, sentia que meu calor e suor
aumentavam. Não consegui explicar a felicidade que me tomou
quando comecei a ouvir o barulho da água.
Com cuidado, fui explorando o caminho que Júlia havia
faladoe, realmente, era cheio de pedras. O lugar era lindo! Cercado
de vegetação verdinha, água limpinha e mansa. Era um lugar
tranquilo e seria perfeito para um mergulho relaxante.
Tirei os tênis e a camiseta de ginástica, mas permaneci de
calça e top. Vai que aparecesse alguém, né?
Com cuidado, caminhei até a água sentindo o contraste frio
com os meus pés quentes. Agachei-me molhando a mão e
passando na nuca suada, fechando os olhos e contemplando aquele
pequeno prazer.
Andei mais adiante e mergulhei. Como uma boba, permaneci
um tempo entre mergulhos e flutuações. Eu adorava boiar
observando a beleza daquela vegetação e céu azul.
Um período depois, ouvi passos quebrando os pequenos
galhos caídos no chão. Quase que concomitante, escutei uma voz
conhecida:
— Olha, papai... a tcha Luiça!
Ajeitei-me rapidamente vendo o pequeno querer correr em
direção à água, mas Aloísio contendo-o com ênfase.
— Davi, já falei que na água não — repreendeu, sério.
— Por favor, papai... igual ontem.
— Aqui não é a piscina. Você não vai entrar.
Davi começou a espernear, em uma atitude claramente
pirracenta. Aloísio bufou irritado.
— O Davi qué... — gritou.
— Para com isso agora, ou eu te coloco em cima daquele
cavalo e você ficará de castigo uma semana — Aloísio murmurou
entredentes, segurando seu braço, com o olhar severo.
Davi não parecia se intimidar. Continuou encarando o pai na
mesma intensidade e a testa franzida.
Em alguns momentos, era possível ver uma queda de braço
entre os dois Albuquerques.
Calmamente, caminhei até eles, sentindo a calça
extremamente colocada nas minhas pernas.
— Ei! — falei, abaixando-me na frente de Davi — pra quê
você está fazendo isso?
— O Davi qué nadá... com você — respondeu, agitado,
sapateando.
— Não precisa disso, Davi. A tia Luiza já te ensinou que isso
é muito feio — adverti, sem me alterar.
Ainda que bravo, o pequeno me encarou com atenção.
— Você tem que respeitar o seu papai. Primeiro, tenta
conversar. Se ele disser que não, é não.
— O Davi qué nadá! — repetiu.
— Luiza, ele não vai nadar — Aloísio expressou, firme.
Levantei-me, encarando-o. Com o desnível do solo, eu ficava
ainda menor. Mas nem por isso me abati. Em um sussurro, para que
só ele ouvisse, falei:
— Se não ia deixar o menino entrar na água, por que trouxe
ele aqui?
— Você é desaforada, hein baixinha? — inquiriu, no mesmo
tom.
— Não é desaforo,Aloísio, é lógica. Olha o quanto esse lugar
é lindo e convidativo, é claro que o menino iria querer nadar.
— O Davi... qué nadá!
Abaixei-me novamente na altura de Davi e buscando toda a
paciência que seu pai me tirava, disse:
— Davi, que tal você tentar conversar com o seu pai sem
precisar se comportar desse jeito? Você sabe que nem eu e nem o
papai gostamos quando você age assim.
Davi era de opostos. Comum em crianças com Down, emitia
comportamentos de extremos. Às vezes exageradamente carinhoso,
outras vezes, muito pirracento e manipulador. No entanto, cabia a
nós, como adultos, ensiná-lo a não fazer isso.
— Olha para o seu pai e fala, sem gritar e espernear: “Papai,
eu quero – frisei, pois estávamos ensinando a tratar a si mesmo na
primeira pessoa – nadar, por favor.”
Desconfiado,ele olhou para cima encarando o pai, expressou
baixo, ainda com o vinco entre as sobrancelhas:
— Papai... o Davi qué... nadá.
— Quase isso, Davi. Agora fala: “eu quero” — incentivei.
— Papai, eu queio... — o estimulei com o olhar — nadá, pu
favor.
— Muito bem!
Fitei Aloísio, ainda agachada, como se dissesse “sua vez”.
No entanto, percebi que o caubói parecia um tanto aéreo, olhando-
me com intensidade.
Olhei para baixo e percebi que meus mamilos estavam
túrgidos, sem que eu percebesse. Dá um desconto, a água estava
fria pra cacete!
Fulminei-o e levantei irritada:
— Você pode parar de olhar pra cá e olhar pra cá? Brigada!
— apontei do seio para o meu rosto, debochada.
Eu odiava que me assediassem. Mas estranhamente, com
ele eu não me senti violada. Mas sim atiçada, muito mais do que
fiquei no banho de ontem. Todavia, não deixaria transparecer.
Nunca!
Aloísio sacudiu a cabeça, encabulado por ter sido pego no
flagra.
— Desculpe — falou baixo, arranhando a garganta e
recompondo-se em seguida. — Ele não pode entrar, Luiza. A água
está gelada e ficaria com o corpo molhado até chegarmos em casa.
— É por isso que você é pai, bonitão — falei, sarcástica —
Deixa ele entrar só de cuequinha e depois você o seca com a sua
camisa.
Meu olhar era como se dissesse: “não é óbvio?”
— Deixa, papai — o pequeno, implorou, mais calmo.
Aloísio soltou uma lufada de ar, como se tivesse perdido a
batalha.
— Eu vou deixar desta vez porque soube pedir. Se voltar a
fazeresse tipo de birra, além de não entrar, vai ficarno seu cantinho
do pensamento refletindo sobre o seu comportamento.
— Tá bom, papai — Davi comemorou, já tirando a roupinha.
— Me espera, Davi — o pai alertou.
Só então reparei que o peão estava a caráter, de camisa,
jeans, chapéu, botas e fivelas.
Ele me olhou um tanto sem graça, na certa pensando em
como entraria. Desfez-se das botas e, enquanto desabotoava a
camisa, não consegui não secar seu corpo.
Puta que pariu! Ele era muito gostoso!
Ontem o vi sem camisa, mas com aquele tanto de gente ao
nosso redor e Marta tão próxima, não consegui observar com tanta
riqueza de detalhes como agora.
Seus ombros eram largos, braços fortes e definidos, assim
como o abdômen. Destacando todo o conjunto, havia uma tatuagem
belíssima sobre o peito, no mesmo lugar do coração, em que uma
mão de adulto se encontrava com a de um bebê, em um gesto de
cumplicidade e apoio. Era linda!
Deixa mais do que evidente o amor que aquele pai tinha pelo
filho.
Continuei fitando a barriga bem definida, sem músculos
exagerados e poucos pelos dourados. Logo abaixo, a fivela prata
chamava atenção no cinto de couro marrom. Vê-lo descalço, de
chapéu e só com aquele jeans fez com que um calor gostoso se
alojasse nas minhas partes.
Ainda bem que a minha calça estava molhada, ou então
ficaria agora! Um pensamento reprovador me percorreu. Desde
quando eu gostava de homem de jeans, fivela e chapéu?
Repreendi-me instantaneamente, mas nada fez com que eu
mudasse meu pensamento.
Ele caminhou até a margem e, num ímpeto, falei:
— Vai ser desconfortável nadar com essa calça pesada. Se
quiser, fico de costas para que você entre na água mais à vontade.
Aloísio levantou uma sobrancelha, desconfiado e, em
seguida, deu um micro sorriso de canto, quase imperceptível.
— Está querendo me ver seminu, Luiza?
— Cria vergonha na sua cara, você é meu chefe.
— De novo essa história de chefe? Se insistir, vou usá-la
como argumento para demiti-la quando discordar de algo que você
fizer.
— Aff... não sabe nem brincar.
— Você apela muito fácil, baixinha — provocou.
— Baixinha é a sua avó — respondi, grossa.
— Aí que você se engana, baixinha — frisou. — Ela era bem
alta.
— Só... fecha o bico e entra logo nessa água — falei, me
segurando para não xingar na frente do pequeno. Virei-me de costa
e, em poucos instantes, ouvi Aloísio conversando com Davi levando-
o para a água.
Contive o desejo de virar e matar a curiosidade de olhar
aquela bunda e saber qual era o tipo de cueca que ele usava.
Segurei o bolo na garganta vendo a calça dobrada sobre os
sapatos, assim como as de Davi.
Minha nossa senhora das mulheres com vontade de dar, me
segura para não fazer uma besteira. Amém!
Me benzi e caminhei para a água.
CAPÍTULO 18 | ALOÍSIO

No domingo, logo após o café da manhã, Davi e eu saímos


para cavalgar. Um dos nossos momentos preferidos da semana.
Muito além da questão motora, naqueles momentos nós
estreitávamos nossos vínculos.
— Mais rápido, papai — pediu, quando começamos a trotar
um pouco mais veloz.
— Não, senhor. É perigoso.
— Só um pouquinho... — fez um bico pidão.
— Segura firme aqui.
Direcionei suas mãos na rédea e certifiquei que ele estava
bem protegido. Bati os pés no Alazão e, quando ele começou a
ganhar velocidade, Davi dava gargalhadas altas segurando o
chapéu com uma das mãozinhas.
Passamos por várias regiões da fazenda até que ele me
pediu para irmos ao riacho. Cedi, com a condição de que não
entraríamos na água, seria uma passada rápida.
No entanto, meus planos caíram por terra quando, assim que
chegamos, notei alguns objetos femininos no chão. Qual não foi a
minha surpresa ao constatar que era a professorinha briguenta?
Eu assumo que, enquanto ela lidava com o Davi, eu
apreciava seu corpo molhado. Luiza estava com uma calça colada
cinza, que naquele momento, parecia indecentemente provocante,
marcando perfeitamente o V pequeno entre as pernas. Recriminei-
me pelo desejo que estava começando a sentir por ela.
Tudo piorou quando, vergonhosamente, ela notou que eu não
tirava os olhos dos seios pequenos e eriçados. Engoli em seco a
reprimenda, mas principalmente, a vontade que fiquei de senti-los
na minha boca.
Respirei fundo, focando novamente em Davi. Eu era o mais
velho e, precisava manter-me centrado.
Foi impossível não sorrir de lado quando notei que ela queria
me ver de cueca.
A ideia era instigante? Era.
Eu tinha outra opção? Talvez.
Gostei? Sem dúvidas!
Entrei na água segurando a mão do Davi enquanto ele
gritava feliz e pelo gelo da água.
— Vem, tcha Luiça!
A baixinha se virou, com os braços cruzados protegendo o
corpo trêmulo do vento frio. Provocando-a, afirmei:
— Você é muito teimosa.
Luiza revirou os olhos num gesto claro de “dane-se”, mas
respondeu, brincalhona:
— E deixar minha primeira experiência com esse lugar lindo
ser incompleta? Nunca!
Luiza era mesmo uma menina. Não parava quieta, nadava de
um lado para o outro, mergulhava, brincava com Davi, ensinou ele a
boiar de costas e o incentivou que subisse nos meus ombros. O que
ele adorou, claro. As gargalhadas do pequeno só não eram mais
altas do que o barulho da queda d’água.
— Olha o que eu consigo fazer, Davi — Luiza disse, antes
mergulhar e plantar bananeira, levantando os pés brancos e
enrugados para fora da água. Suas pernas eram finas, mas bem
torneadas e bonitas.
— O Davi qué... também! — o espertinho se alegrou.
— Luiza, sua moleca... não dá ideia pro menino — adverti,
quando ela voltou à posição normal tirando a água dos olhos.
O manto de cabelo escuro, encharcado, somado àquelas
sobrancelhas marcantes obtendo toda a minha atenção.
— Qual o problema?
— Você sabe que ele não consegue fazer isso na água.
— Ele pode muito bem fazer no seco, ué. Vem Davi, eu te
ensino.
— O Davi... qué... — falou empolgado.
— Eu quero, Davi — Luiza corrigiu.
Pegou-o do meu colo, levando com cuidado até a margem.
Ela juntou os cabelos molhados com as mãos e percorreu por todo o
comprimento ajudando-o a escorrer.
— Eu queio.
Caminhei até mais à frente, com a água batendo um pouco
acima do meu umbigo, indeciso se saía ou não.
— Eu vou fazer uma vez, depois eu te ensino como faz.Tudo
bem?
— Tá.
Luiza levantou os braços esticados, pegando impulso e, em
questão de milésimos, estava de cabeça para baixo e as pernas
para o alto, andando com as mãos.
Davi pulava, eufórico, dizendo que queria fazer igual.
— Sua vez — ela falou, indo até a água e lavando as mãos
sujas de terra. — Você vai fazer igual eu fiz. Vai colocar as
mãozinhas no chão e eu vou te ajudar a levantar as perninhas, tá
bom?
Preocupado onde aquela molequice iria parar, levantei-me,
sem atentar a mais nada que não fosse estar lá para segurá-lo se
Davi caísse. O pouco tônus muscular dele me preocupava e as
chances de aquilo acabar mal eram grandes.
Cheguei no instante em que ela levantava as perninhas dele
do chão e ele gargalhava, meio engasgado, da brincadeira. Luiza
colocou uma mão na barriga e outra nas costas de Davi
estabilizando seu corpo. Segundos depois, ele perdeu as forçasnos
bracinhos e ela o ajudou a descer. O que, por impulso, eu fiz
também.
Só então Luiza percebeu que eu estava próximo. Seu olhar
congelou no meu corpo, fitando com cobiça a minha cueca boxer
preta.
— Não cobiçarás o corpo alheio, Luiza — murmurou,
deglutindo, de olhos fechados. Porém, eu ouvi.
— Você tem uma mania estranha de conversar sozinha.
— Eu não converso sozinha — respondeu, evitando me olhar.
— Converso com as minhas personalidades e todas elas me
respondem. — Falou séria, mas naquele instante eu não consegui
evitar a gargalhada que veio de dentro das minhas entranhas.
Eu já falei que ela é maluca?
— Não tem graça, para de rir — brigou. — Em vez de encher
o meu saco, por que não vai guardar esse negócio aí? —
questionou, aprontando para a minha pelve.
Levantei uma sobrancelha. Não queria me igualar a sua
infantilidade, mas naquele instante, não consegui me conter.
— Tem razão. A água está realmente muito gelada e acabou
deixando-o tímido.
Luiza arregalou os olhos. Parecia encabulada e eu ri da cara
dela.
— Você está falando sério?
— Totalmente — respondi pegando a minha calça e a
vestindo. — Vamos embora, o almoço deve estar quase pronto.
— Não, papai... Eu queio de novo.
— Faça só mais uma vez e venha aqui para eu te secar. Não
se fala mais nisso.
Instantes depois, estávamos vestidos e fomos até o Alazão,
amarrado sob uma árvore.
— Você veio caminhando? — perguntei a ela.
— Sim, estava conhecendo a fazenda.
Coloquei Davi sobre a sela, garantindo que ele estava firme.
— Não solta — afirmei, ele assentiu.
— Bom — ela começou — foi legal passar esse tempo com
vocês. A gente se vê amanhã, Davi.
— Não vou te deixar voltar sozinha — falei, segurando as
rédeas e começando a caminhar ao seu lado.
— Não precisa fazer isso, Aloísio.
— Mas eu quero — finalizei o assunto.
Era um caminho longo, entretanto pareceu mais curto à
medida que conversávamos amenidades. Claramente Luiza era
muito apegada à família e estava sentindo falta de estar com eles.
Por isso, convidei para almoçar novamente conosco. Ela
negou. Parecia um tanto reticente em estar na nossa casa
novamente, mas com uma facilidade incrível, Davi a fez prometer
que iria depois que passasse em casa e tomasse um banho.

Eu não conseguia entender tudo o que me atingia quando se


tratava daquela garota.
Há muito tempo eu não tinha contato com o cara que me
tornava quando estava perto dela. O cara alegre e descontraído.
Tinha a sensação de que toda a armadura que havia construído
naqueles anos estava terrivelmente abalada. E isto me deixava
agitado.
Luiza tinha uma facilidade descomunal de me fazer voltar
atrás nas minhas ações, contradizendo, totalmente, a pessoa
decidida que sempre fui. Sem contar a habilidade em me arrancar
sorrisos inesperados.
Era assustador.
— Vocês demoraram — mamãe falouassim que entramos na
sala. Todos já estavam aguardando o almoço.
— Encontramos Luiza na cachoeira, voltei caminhando com
ela.
— Hum... ele está todo romanticozinho — Antônio provocou,
fazendo careta e mexendo os ombros.
— Não enche — cortei.
— Papai, a tcha Luiça vem... né? — o pequeno perguntou.
— Como assim vem? — Dona Marta sapeou.
— A convidei para almoçar.
— Aí! Eu tô falando. Aloísio foi rendido — Antônio berrou,
jogando a almofada em mim. — Cara, ai de você se eu não for o
padrinho!
— Ai de você se não parar de falar besteira, moleque. Me
respeita, sou seu irmão mais velho.
— Dane-se!
— Ei, vocês dois. Sem bobagens na frente do Davi — Marta
intercedeu. — E cadê a Luiza que ainda não vi?
— Foi para casa tomar um banho.
A matriarca não falou nada, mas era nítido um olhar alegre.
— Bom então, subam vocês dois que vou pedir que a Neide
coloque mais água no feijão.
Levei Davi para o banheiro e tomamos banho juntos.
Descemos, mas a Luiza ainda não tinha chegado. Olhei a hora e já
se passara um bom tempo desde que a deixamos em casa. Será
que ela não viria?
— Acho que o peão precisará buscar a donzela — Antônio
provocou.
— Não queria concordar com o seu irmão, filho, mas
conhecendo a menina, acho que ela não vem.
Parei no meio do caminho, pensando no que fazer. Eu
deveria buscá-la? Se o fizesse,estaria alimentando uma expectativa
infundada?
— Cara, é possível ver a fumaça saindo das suas orelhas.
Não pensa, só vai — Artur encorajou.
Não, eu não iria atrás dela. Era o mesmo que assinar o meu
querer. Eu não podia.
— Esquece isso, ela não quer vir. Vamos almoçar — declarei.
— Mas tu é frouxo, hein, Aloísio? Assume logo que está
interessado e vai atrás dela, velho! — Antônio exclamou.
— Fica na tua, Antônio — falei, sério.
O idiota se levantou, passou por mim pegando a chave do
carro no aparador, expressou:
— Eu vou buscar a garota. Se ela me der moral, vou me
esbaldar e esfregar na tua cara, só pra escancarar o fracote que
você é.
Era provocação, pura e simples. Mas um ódio tremendo me
tomou ao imaginar ele investindo na baixinha.
— Tá, você ganhou, porra! — xinguei baixo, para Davi não
ouvir. Mas o paspalho do meu irmão escutou, e assim como meus
pais, que sorriram satisfeitos da minha rendição.
Antônio bateu no meu ombro rindo, deixando a chave no
lugar jogando-se no sofá:
— Ainda bem que você caiu. Estava morrendo de preguiça
de sair de casa.
Meu pai e Artur gargalharam. Davi estava no sofácom alguns
brinquedos.
— Ah e não demora, viu? Nada de parar pra lanchar,
estamos famintos de almoço.
Dei de ombros, preferindome abster da resposta. Destravei o
carro pensando o belo papel de marionete que eu estava me
prestando por causa daquela garota.
É Luiza, eu não admitiria para ninguém, mas você estava
mexendo com a cabeça desse peão.
Quando ela abriu a porta, um cheiro marcante de xampu me
invadiu. Estava com uma toalha enrolada nos cabelos, um vestido
florido soltinho e parecia um tanto surpresa ao me ver.
— O que está fazendo aqui?
— Garantindo que você cumpra a promessa feita.
— Aloísio... — titubeou, abrindo um pouco mais a porta — é
melhor eu não ir. Eu já passei o dia com vocês ontem, hoje
passamos a manhã juntos. Durante a semana estarei todos os dias
com Davi. Pode ser confuso para ele.
— Você quer convencer a mim ou a você com esse discurso?
— Não é uma tentativa de convencimento. É uma
constatação.
Soltei uma lufada de ar.
— Não vai me deixar entrar? Estou chamando atenção aqui
de fora.
Só então Luiza pareceu se dar conta que eu ainda estava na
varanda. Deu-me passagem.
— O almoço está quase pronto e todos te aguardam para
comer, principalmente, o Davi.
— Não finge que sou só eu que estou percebendo uma coisa
diferente entre nós — falou, virando-se de costa.
— Não, não é só você. Acredite, é muito mais difícilpara mim
do que parece.
— Então é melhor a gente dar um basta, seja lá no que for,
aqui e agora. Eu não quero um relacionamento.
— Nem eu estou te chamando para um, Luiza.
— Porra, então por que você não vai embora? — inquiriu,
confusa.
— Porque eu ainda estou tentando entender o que é isso.
Além do mais, você fezuma promessa ao Davi e não apareceu, vim
te buscar.
— Inventa uma desculpa, fala que eu passei mal. Sei lá... —
andou pela sala — só não dá para eu me sentar à mesa em frenteà
sua família com todos me olhando cheios de expectativas.
— Não dá — confessei.
— Por quê?
— Porque eu não consigo — admiti, fitando sua boca
carnuda se mexendo, sem conseguir prestar atenção no resto.
— Como assim você não consegue?
Por alguns instantes, a voz de Luiza ficava longe ao mesmo
tempo que sua imagem estava cada vez mais perto.
— Aloísio... responde, caralho! — exclamou alto, trêmula, ao
passo que caminhava para trás.
Só me dei conta do que fazia quando percebi que ela estava
encurralada entre a parede e o meu corpo.
— Não sei que poder é esse que você tem, baixinha, mas me
atinge como um raio — decretei, antes de tomar sua boca em um
beijo ardente.
No primeiro momento, Luiza gemeu, como se esperasse
aquele momento tanto quanto eu. Em seguida, segurou minha nuca
com força,impondo voracidade. Há muito tempo que eu não sentia
uma boca contra a minha e não sabia dizer se o prazer que me
tomava tinha a ver com isso ou simplesmente por ser a Luiza e toda
a bagunça de sentimentos que eu tinha por ela.
Peguei-a no colo, imprensando com o meu corpo e
prendendo suas pernas ao meu redor. Um urro tomou minha
garganta quando senti a bunda roçando sobre a minha ereção.
Percorri as coxas firmes sem afastar minha boca da dela.
Alisei as nádegas macias, movimentando o corpo pequeno contra a
minha pelve. O beijo não era mais só intenso. Era erótico e tudo
piorou quando deslizei os polegares pela virilha, e um deles em seu
clitóris, por cima da calcinha. Luiza rebolou, gemendo como uma
gatinha, levando meu tesão ao espaço.
Estávamos a ponto de cometer uma loucura, mas ela se
afastou, assustada, quando uma buzina ecoou. A toalha que estava
em seus cabelos caiu no chão, mas ela sequer percebeu. Desceu,
limpando a boca e virando-se de costas.
— Isso não deveria ter acontecido — falou sem me encarar.
— É melhor você ir embora. Inventa que eu estou passando mal.
— Luiza... — tentei falar, mas não conseguia organizar as
palavras ou sequer o que poderia dizer. Estava confuso.
— Por favor, Aloísio. Querendo ou não, você é meu chefe e
eu não quero tomar nome de interesseira por aí. Então eu prefiro
que a gente se afaste.
— Eu já disse que não estou te pedindo um relacionamento
— abaixei pegando meu chapéu no chão. — Foi só um beijo, Luiza.
E você tem razão, é melhor pararmos por aqui.
Virei as costas e saí batendo a porta. Bravo.
Diaba de mulherzinha teimosa e irritante. Ela achava o quê?
Que por causa daquele beijo eu tinha caído de amores?
Precisaria de muito arroz com feijão para chegar lá.
Era distância que ela queria?
Era distância que ela teria.
Saí de frente à casa dela cantando pneu e deixando um
rastro de poeira para trás. Furioso.
A minha raiva atingiu níveis estratosféricos quando Antônio
percebeu que eu havia chegado sozinho e ficou me zombando de
frouxo.
CAPÍTULO 19 | LUIZA

O que foi isso que aconteceu?


Era a pergunta que eu me fazia desde que Aloísio tinha ido
embora. Eu estava uma confusão de sentimentos. Não sabia se feliz
ou colérica.
Devo admitir que a pegada do caubói ultrapassou as minhas
expectativas e o seu cheiro parecia ter impregnado em meus
sentidos.
Depois que ele saiu, joguei-me no sofá e fiquei algum tempo
olhando para o nada e pensando no efeito que ele tinha sobre mim.
No entanto, não dava para ser. Não menti quando falei que não
queria tomar nome de interesseira. Se as pessoas já comentavam
de suas visitas naquele finalde semana, imagina se soubessem que
estava rolando uma pegação entre nós.
Não queria isso. Não que eu não quisesse repetir, mas não
podia.
Aquele restante de domingo foi uma merda. Mal arrumei
alguma coisa para comer. Até pensei em sair e conhecer os
barzinhos da Alta Colina, mas a vontade era zero. Por isso, dormi
cedo.
Aquela semana foi de muito trabalho. As crianças estavam
cada vez mais adaptadas comigo, ainda que alguns pais e mães me
olhassem atravessado. Não sabia se por minha relação com Aloísio
ou se porque eram desconfiados de qualquer novato. Bem, foda-se,
eu não podia fazernada a respeito além de executar o meu trabalho
da melhor forma.
Por falar no caubói, Aloísio havia atribuído à Marta ou Júlia
levar o Davi na escola. No único dia que o fez, deixou o pequeno a
uma certa distância e o observou entrar na sala.
Alguém tinha levado meu aviso para se afastar a sério.
Era engraçado como eu sentia falta dele. Mais do que eu
desejava, essa era a verdade. Durante aqueles dias, revivi por
várias vezes o nosso beijo na minha casa. Vergonhosamente,
confesso que precisei me masturbar pensando nele, para ver se
aplacava um pouco do meu fogo.
Naquela sexta-feira, eu estava estranhamente irritada, com
vontade de bater até na minha sombra. Poderia ser atribuído à
minha falta de sexo. No entanto, a minha companheira mensal de
três letras bateria à porta em breve.
Não soube explicar a gana que me tomou quando, no final
daquele dia, encontrei Aloísio no estacionamento da sede
administrativa e fui completamente ignorada quando,
educadamente, o cumprimentei.
— Filho de uma rapariga! — xinguei alto, acelerando o
máximo que o Cerejinha conseguia responder. A raiva daquele
idiota borbulhando. — Aaaahhh... — gritei, batendo no volante, puta
da vida.
Saindo das terras da fazenda, precisei passar no centro de
Alta Colina para conseguir pegar a rodovia.
A noite já caía e na praça principal, os bares já estavam
começando a ficar movimentados. Era grande o número de peões
que estacionavam seus carros e caminhavam direto para os
botecos. Revirei os olhos e senti nojo ao pensar que alguns sequer
deveriam ter tomado banho para estarem ali considerando que não
havia passado muito tempo da jornada de trabalho.
Aumentei o som enquanto Maneva cantava Saudades do
tempo e acelerei. Cheguei em Estrela, algum tempo depois, já
estava mais calma.
Quando acionei o controle, vi o portão descortinando o carro
do Léo. Um sorriso bobo me atingiu ao saber que além dele e de
Manu, eu poderia matar a saudade dos meus sobrinhos.
Quanta saudade eu senti de casa e da minha família!
Estacionei logo atrás e desci rápido, deixando tudo no carro,
pegaria depois.
— Cadê a princesa da tia Luiza? — perguntei, alto, quando
cheguei na porta da sala. Ao me ver, Ciça levantou do meio de
tantos brinquedos espalhados pelo tapete, veio arriscando
pequenos passinhos e alguns tombos. Soltou gritinhos empolgados
ao me ver. Peguei-a enchendo de beijos enquanto ela ria e babava
no meu cabelo.
— Iza...— balbuciou.
— É princesa, a tia Luiza... Como você está? — Cheirei o
corpinho e os cabelos perfumados.
Segundos depois, perdi a graça e ela quis descer. Chamei a
atenção do Edu batendo palmas e falando alto:
— Cadê o meu principezinho? Não vai dar um beijo na titia?
O pequeno se empertigou no colo de mamãe e engatinhou
até onde eu estava, vestido em um conjuntinho azul, parecia
totalmente recuperado. Coisinha mais linda!
Após enchê-lo de amor, cumprimentei meus pais, Léo e
Manu. Jantamos e ficamosaté tarde colocando as novidades em dia
e aproveitando a casa cheia. A seu modo, cada um de nós sentia
muita falta de estarmos juntos.

— Que cara azeda é essa, Poly?


Era noite de sábado e estávamos em um barzinho bem
badalado em Uberlândia. O ambiente era gostoso, cheio de gente
bonita e já tinha visto ao menos meia dúzia de caras pelos quais
toparia investir e percebi a reciprocidade pelos olhares.
No entanto, Polyana estava em clima de velório, não parava
de olhar para o celular e estava bebendo mais que carro velho.
— O Rafael não me responde — explicou, ansiosa e agitada.
— E como estão as coisas entre vocês?
Levou o copo de chopp à boca, soltando uma lufada de ar
antes de dizer:
— Tudo na mesma, Lu. A gente sai, transa e depois vai cada
um pro seu lado.
Fiz sinal para que o garçom trouxesse outro copo.
— E por que essa cara de cachorro que caiu da mudança
você não está feliz com isso.
— Eu não sei, amiga. — Seus ombros caíram. — Eu gosto
dos momentos que passamos juntos, mas sei lá, sinto que ele não
está feliz assim e vem me dando um gelo desde então.
— Hm... alguém está apaixonada — sibilei, bebericando o
copo geladinho.
— Deus que me livre! — Bateu três vezes com os dedos na
mesa. — Eu só gosto do que a gente tem, mas não quero me
amarrar. Ainda mais a um libertino como o Rafa.
— Vocês se merecem... São igualmente teimosos e não dão
o braço a torcer que estão se gostando. Mas cuidado, Poly, para
não o perder.
Após algumas canecas, Polyana já estava mais soltinha e a
convenci de dançar em frente ao palco da banda que tocava
sertanejo.
— Ei, que surpresa boa te encontrar aqui!
Voltei meu olhar para a voz masculina que falava alto próximo
ao meu ouvido.
— Ah, oi, Antônio! Realmente, não esperava encontrá-lo aqui.
Ele aproximou-se beijando meu rosto e vi Poly me olhando
curiosa, bem atiçadinha. Nem parecia que estava mal há alguns
segundos.
— Essa é Polyana, minha amiga. Poly, esse é Antônio, meu
patrão.
Após cumprimentá-la com um beijo no rosto, ele se afastou
em tom brincalhão:
— Ah não! Sua patroa é a minha mãe. Eu sou seu amigo. Me
chame de Toni. — Piscou.
A vaca que me acompanhava ficou me lançando olhares
sugestivos.
— Estou com alguns amigos. Podemos nos juntar a vocês?
Que merda! Tudo que eu não precisava era do filhoda minha
chefecuriando[13] a minha noite.
— Claro, quanto mais gente, melhor. — Polyana não deu
tempo para que eu respondesse.
— Excelente, vou chamá-los — Antônio respondeu e se
afastou.
— Hm... gostosão seu novo amigo, hein? Por que não me
contou dele?
Revirei os olhos. Tudo que eu precisava era de Polyana
fantasiando.
— Porque não tem nada para contar. Conversei com ele
poucas vezes. Nada demais.
— Não está a fim dele? — perguntou.
— Claro que não, bicha. Estou fugindo de problema. Se
quiser, é todo seu.
— Ai, eu quero um problemão desse na minha cama — deu
um sorrisinho bandido.
Observei-o de longe.
Como um legítimo Albuquerque, Antônio era alto, corpo
musculoso, bem definido, da pele clara embora bronzeada do sol
quente da fazenda. Seus cabelos eram loiros escuros, em corte
baixo. Os olhos eram de um azul límpido, com alguns rajados
próximos as pupilas. A barba bem rente a pele, dava todo um
charme másculo no queixo quadrado, com um leve vinco no centro.
Antônio era um homão da porra. Bruto, rústico e parecia ter uma
pegada desgraçada.
Estava vestido de calça jeans escura, uma camisa branca de
botões e com mangas dobradas nos cotovelos, botina e cinto pretos.
Não fazia meu estilo, mas se fizesse e não fosse meu chefe, com
certeza estaria na minha mira.
Até porque, dos Albuquerque, havia um infeliz que
predominava meus pensamentos nos últimos dias. Idiota.
Ele e os amigos aproximaram-se após os cumprimentos,
ficamos próximo ao palco cantando, dançando e bebendo. Estava
um clima leve, tranquilo e, por enquanto, de amizade. E eu não
queria que passasse disso.
— Achei que não gostasse de sertanejo — ele comentou,
bem próximo a mim.
— Não é o meu estilo preferido, confesso. Mas como uma
boa mineira, é um pouco complicado não saber uma ou outra
música chiclete e acompanhar os amigos.
— Compreendo. Contudo, realmente foi uma surpresa te
encontrar aqui.
— Digo o mesmo. Achei que fosse mais provável te ver nos
bares de Alta Colina.
Ele fez careta antes de beber sua cerveja.
— Respirando novos ares.
— Entendi. Não é perigoso enfrentar tantos quilômetros para
voltar?
Negou com um aceno.
— Quando vimos para Uberlândia aos finais de semana,
ficamos em um de nossos apartamentos aqui. A Dona Marta
enfartaria se voltássemos.
Era compreensível, já que seria de muita irresponsabilidade
dirigir alcoolizado.
Antônio era uma pessoa legal. Talvez ele soubesse da rixa
entre mim e o seu irmão, e agradeci quando ele não foi um babaca
forçando algo. Continuou ali se divertindo conosco e jogando
conversa fora. Dançamos, rimos, bebemos, comemos e brincamos.
— Ai, inferno! — murmurei ao ver Rodolfo caminhando na
minha direção.
— O quê? — Antônio perguntou sem entender.
— Finge que é meu namorado — falei rápido, passando
meus braços ao redor de sua cintura. Foi o tempo exato para que o
pseudo-caubói se aproximar.
— Ei, gatinha... anda sumida, não responde minhas
mensagens — Rodolfo aproximou-se fitando meu contato com
Antônio. — Entendi, já tá em outra.
— Oi, Rodolfo — cumprimentei apertando meu abraço ao
redor do caubói.
Compreendendo o recado, ele enlaçou meus ombros, me
puxando contra seu corpo.
— E aí, cara! — Ele foi educado.
Rodolfo balançou a cabeça, levando a mão ao chapéu,
dizendo:
— Bom te ver, Luiza. Nos vemos por aí.
Quando ele se foi, respirei fundo afastando-me de Antônio.
— Obrigada.
— Não por isso. Mas queria entender o que acabou de
acontecer.
— Ficamos algumas vezes, mas ele não entende que não
quero mais. Precisou de um choque de realidade.
Antônio riu. Se nossa amizade realmente fluísse,ele seria um
bom amigo.
CAPÍTULO 20 | ALOÍSIO

— Concentra, Ísio, foco e força. — Artur incentivava a cada


golpe que eu desferia contra do saco de pancada que ele segurava
— Vai... vai... para não...
O rock estava alto na academia e cada movimento, sentia o
suor escorrer, mas nada diminuía o meu aborrecimento.
Aquela semana estava sendo uma merda e eu estava mais
estressado do que o normal.
No escritório, vários problemas surgiram, um atrás do outro.
Problemas nos contratos, clientes indecisos e Alfredo me
pressionando como nunca. Em casa, Davi insistia para que
chamássemos Luiza para jantar conosco e, de quebra, Antônio
entrava na mesma pilha. Outra criança.
Por falar na professora, lembrar do gosto daquela garota
tinha conexão direta com a minha irritação. A cena que
protagonizamos em sua sala me atingia nos momentos mais
inoportunos, fossem no escritório, durante meu convívio com a
família e, principalmente, durante os meus banhos ou sonhos.
— Eu queio também, titio... — Davi se empolgou assim que
terminou de calçar o par de luvas azuis.
— Vem cá, campeão — Antônio chamou estendendo as
mãos — bate aqui, assim. Isso, muito bem — o tio incentivou
quando ele começou. Tudo era diversão. Cada golpe era uma
gargalhada.
Saí do nosso treino mais leve, deixando ali a maioria dos
meus pensamentos negativos.
Na sexta, decidi levar o Davi na escola. Não era como se eu
estivesse fugindo de Luiza, nunca fuihomem disso. No entanto, não
suportava a ideia de vê-la e rememorar tudo outra vez.
Foi exatamente o que aconteceu quando a vi recebe-lo
sorridente e com um abraço carinhoso. Luiza me fitou de longe,
meneou a cabeça e não tentou contato. Diferente do que fez
naquela tarde, quando carregava seu material até a saída da sede.
— Boa tarde, Aloísio! — cumprimentou.
Em um gesto ridiculamente infantile arrogante, passei por ela
como um trator e não respondi.
— Seu grosso, sem educação — devolveu, pisando duro até
o seu carro.
Recriminei-me por isso, mas não era distância que ela
queria?
Fui pego de surpresa quando cheguei em casa algum tempo
depois e encontrei mamãe afoita no quarto de Davi.
— O que está acontecendo? — questionei ao vê-la encerrar
uma chamada.
— Davi está com febre e se queixando de dor no ouvido —
ela respondeu, pegando-o no colo. — Acabei de falar com a
pediatra dele, ela estará nos aguardando para uma consulta.
Peguei o pequeno em meus braços acariciando seus cabelos
e pousando sua cabeça em meus ombros. Estava quente e
gemendo.
— Dói, papai... — reclamou, levando a mãozinha na orelha.
— Eu sei que dói, filho.Mas a gente está indo para o hospital
e assim que a tia Paula der o remedinho vai passar, tá bom? Mas
você precisa ser forte.
Olhei minha mãe:
— Os documentos dele estão ali — apontei —, vou acomodá-
lo no carro.
— Já desço. Vou com vocês.
Enquanto colocava Davi na cadeirinha, vi mamãe
despontando na varanda com a bolsa infantil. Nessas ocasiões,
sempre carregávamos uma troca de roupa, documentos e seus
remédios. Nunca sabíamos quanto tempo passaríamos no hospital.
A saúde dele requisitava cuidados e atenção. No menor sinal de
febre, nos preocupávamos porque o risco de infecção em crianças
com Down é muito maior.
Ficamos algum tempo no hospital aguardando o resultado
dos exames do pequeno. Como imaginávamos, era início de uma
infecção de ouvido e requeria cuidado para não se transformar em
algo pior.
Já de madrugada, retornamos para a fazenda e passei o dia
todo com Davi colado em mim. Estava enjoadinho e manhoso.
Era final da tarde e estávamos brincando de jogo da memória
na sala. Para ele, foi uma festa já que papai e Artur entraram na
onda e faziam a maior cena ao perderem para ele, e mamãe o
ajudava a encontrar as cartas.
— Filho, sua vez — sinalizei, ao notar que ele estava
distraído olhando para a porta de vidro.
Acompanhei o seu olhar focadona gata que passava na área
externa sendo seguida pelos filhotes.
— Davi — chamei outra vez.
O pequeno fitou-me com o dedo indicador sobre os lábios e
uma expressão pensativa, questionou:
— Papai, o que é... mamães?
Sua perguntou deixou-me tenso, com o maxilar rígido. Davi
era uma criança esperta e, em algum momento, a curiosidade sobre
a mãe viria. Respirei fundo,virei o corpo para ele enquanto pensava
na melhor maneira de responder.
— Mamães são pessoas ou animais que dão a vida e que
cuidam dos filhotes.
— A Xaninha é... mamãe dos... gatinhos, né? E a Mimosa...
dos bezerrinhos?
— Sim, filho— respondi, observando onde ele queria chegar.
Voltou seu olhar para a avó, depois fitou a mim e ao Artur.
— E a vovó é... mãe de você... tio Artur e... do tio Antônio?
— Isso... A sua avó é a minha mãe e dos seus tios.
Seu semblante parecia confuso, pensativo.
— As mamães ficam...sempe com os... filhotes?
Olhei para minha mãe, extremamente agoniado com aquela
conversa. Era importantíssima para ele, mas para mim, uma tortura.
Ele continuou:
— Lá na escola, o Davi vê... um monte de mamães... levando
os filhotesna sala... Cadê a minha mamãe?
— Filho, nem sempre as mamães podem ficar com os seus
filhos — frisei. — No entanto, mamãe é quem cuida, dá amor,
carinho e se preocupa. A sua mãe não pôde estar aqui agora, mas
você é muito amado por mim, a vovó, o vovô e o titio Artur e
Antônio.
— Eu queia... uma mãe igual a tcha Luiça.

No domingo pela manhã, eu estava com a aparência horrível.


A noite anterior tinha sido péssima.
Depois do questionamento do Davi, não consegui dormir e
passei a madrugada praticamente em claro no estúdio de música
pensando nos rumos da minha vida. A falta da figura materna, a
bagunça que Luiza estava fazendo e o que fariadali para frente.Fui
para o quarto próximo ao amanhecer e não demorou até que ele
acordasse.
Achei melhor não o levar para cavalgar ainda que ele
estivesse um pouco melhor e bem insistente. Optei por irmos para a
varanda brincar no pebolim.
Próximo ao horário do almoço, ouvi som de carros e quando
olhei para a estrada, vi o de Luiza sendo seguido pela 4X4 de
Antônio. Davi também notou e gritou:
— A tcha Luiça!
Era insensato o pensamento que me atingiu naquele
momento e o gosto amargo que tomou minha boca. Eles tinham
passado a noite juntos?
Antônio buzinou quando virou à direita vindo para casa e
Luiza repetiu seguindo para a vila. Ao nos ver, abaixou o vidro e deu
um tchauzinho após buzinar. Davi ficou eufórico. E eu, puto.
Antônio entrou na varanda assobiando, tranquilo e sereno.
— Bom dia, família! — saudou, aproximando da mesa e
bagunçando o cabelo de Davi. — O ouvido melhorou, moleque?
— Para titio... — reagiu irritado, afastando a mão do maior.
— A noite foi boa? — papai perguntou, ajudando Davi a
movimentar os bonecos.
— O senhor nem imagina o quanto — respondeu, com um
sorriso sacana. — Vou dar um beijo na mamãe, tomar um banho e
já desço para almoçar.
Descontraído, ele seguiu para dentro. Fiquei remoendo a
chegada dos dois até que, impulsivamente, deixei Davi ali e subi ao
quarto de Antônio.
Estava vazio e com a porta destrancada. Entrei, ouvi o
chuveiro ligado. Fui para a varanda admirando a vista e me
perguntando que diabos eu estava fazendo ali prestes a tirar
satisfaçõescom meu irmão por uma mulher que havia deixado bem
claro que não me queria. E o que era pior ainda, eu não sabia definir
o que estava sentindo por ela.
Respirei fundo e entrei no ambiente outra vez, decidido a ir
embora. No entanto, foi o tempo perfeito para Antônio deixar o
banheiro com uma toalha preta enrolada na cintura.
— Puta que pariu, cara. Quer me matar do coração? — Pulou
para trás massageando o peito. — O que faz aqui?
— Você passou a noite com ela? — inquiri, sem rodeios. Já
que ele me viu ali, ia tirar aquela história a limpo.
O bastardo sorriu de lado, irritante.
— Por que quer saber? Está com medo de que eu cumpra a
promessa de pegá-la e esfregar na sua cara?
Fechei o semblante ao passo que uma vontade ardente de
quebrar a cara dele me acometia. Era meu irmão, mas tinha hora
que merecia.
— Vi vocês chegando. Onde estavam? Passaram a noite
juntos?
Antônio tinha um ar sarcástico inato. Um jeito malandrão e
cafajeste. E quando ele abriu aquele sorriso de lado como se
anunciasse as sacanagens que fez durante a noite, a minha vontade
de lhe dar uma coça triplicou.
— Sim e não — provocou, caminhando até uma gaveta e
catando uma cueca. — Na verdade, eu estou bem tentado a te
deixar no escuro para ver se você vira logo homem e pega ela de
jeito.
— Não enrola e me responde. Eu não quero ver seu pau —
afirmei, quando começou a tirar a toalha.
— Então sai do meu quarto.
Virei as costas fechando os olhos e arrepiando. Sentia o
estômago repugnar só de imaginar um outro cacete que não o meu.
No máximo o do meu filho e enquanto ele fosse pequeno.
Que caralhos eu estou fazendo aqui? Questionei-me outra
vez.
— Anda, cara, me responde: vocês estão juntos?
— Acho que essa irritação toda com a baixinha está se
tornando uma paixão avassaladora, hein? — provocou, irônico. —
Pode se virar.
Antônio tinha vestido uma bermuda de tecido leve e colocava
uma regata preta. Passou a mão nos cabelos ajeitando de qualquer
jeito.
— Luiza é legal, divertida e impulsiva, mas saquei que não
está a fim de romance. É do tipo que pega e não se apega.
— Por que diz isso? — Estava curioso. — Onde vocês
estavam?
— Nos encontramos coincidentemente num bar de
Uberlândia e Luiza sempre deixou muito claro a sua falta de
interesse. E eu não sou fura olho, né, cara? Não ia cobiçar a mina
do meu irmão. — Riu, como se lembrasse de algo. — Acredita que
ela teve coragem de me usar para dar o fora em um cara e, quando
eu menos esperava, estava aos beijos com outro? — Foi ao
banheiro estendendo a toalha.
Não queria nem imaginar ela ficando com outra pessoa.
— E por que chegaram juntos?
Ele caminhou em direção à porta do quarto abrindo-a e
sinalizando para que eu saísse.
— Outra coincidência. Encontrei com o carro dela na estrada.
— Hm...
— É peão — bateu em meu ombro — a professorinha só
apresenta fragilidade, mas é uma das pessoas mais intensas que já
conheci. Se tem alguma coisa aí que acordou e a quer, sugiro que
invista pesado, porque ela é osso duro de roer.
CAPÍTULO 21 | LUIZA

Na terça-feira eu estava muito preocupada com a ausência


de Davi. Naquela semana ele ainda não havia ido à escola e era por
isso que, no final daquele dia, ainda que o tempo estivesse fechado,
eu fui até o casarão.
Fiquei um pouco desconcertada de chegar assim, sem avisar.
No entanto, Brenda me informou que Marta não tinha ido trabalhar e
Aloísio estava viajando. Então, eu não conseguiria ter notícias do
pequeno já que os demais também não estavam.
Não precisei sequer chamar, já que Chalana e Matraca me
anunciaram. Marta apareceu na varanda e abriu um pequeno sorriso
ao me ver.
— Desculpe não ter avisado, mas estou preocupada com o
Davi. Ele está bem?
— Fez bem em vir, querida. Entre.
Ela me deu passagem e um abraço carinhoso. Direcionou-me
até a ampla sala e vi o pequeno deitado no sofá assistindo desenho
na enorme TV.
— Ele está bem? — perguntei, baixo.
— Tcha Luiça! — Davi se animou ao me ver. Ainda assim,
parecia um pouco abatido e sem a empolgação de sempre.
Aproximei-me dele sentando ao seu lado e trazendo-o para o
meu colo. Estava quente, com o rostinho vermelho e os olhinhos
pesados.
— Como você está, meu amor? — perguntei, trazendo sua
cabeça para o meu peito, beijando os cabelinhos lisos e acariciando
o seu rostinho.
— Dodói — respondeu simplesmente.
Marta sentou-se na poltrona lateral, dizendo com um tom
amável.
— Davi teve uma infecção de ouvido na sexta-feira e desde
então sua imunidade caiu. Está gripadinho, tendo alguns episódios
de febre e, por isso, não foi para a escola. Desculpe não tê-la
avisado, querida. Mas Alfredo, Aloísio e Antônio precisaram fazer
uma viagem de emergência, então fiquei um pouco atribulada.
— Não precisa se desculpar, Dona Marta. Só fiquei
preocupada com esse garotinho. Se tiver algo que eu possa fazer
para ajudá-la, é só dizer.
— Fique tranquila, está tudo bem. Só o fatode ter vindo vê-lo
já é muito importante para nós.
Davi agarrou-se a mim e acabou pegando no sono naquela
posição. Permaneci algum tempo ali conversando com a Marta,
aproveitando para atualizá-la sobre as novidades da escola.
Ela era uma mulher inspiradora. Forte, destemida, guerreira.
No entanto, não deixava de ser amorosa e preocupada. Até mesmo
comigo. Questionou como estava a nova vida sozinha, se eu
precisava de algo e se colocou à disposição.
Aproveitei mais um pouquinho do pequeno em meu colo. Eu
adorava o cheirinho dele, assim como ele todo.
Eu não pensava em ter filho por enquanto, mas quando
tivesse, gostaria muito que fosse parecido com ele. Esperto,
amoroso, carinhoso e incrível.
Eu estava me preparando para levantar quando um trovão
ecoou alto e ele se agarrou ainda mais em mim.
— Eu preciso ir antes que essa chuva caia — falei, tentando
soltar a mão de Davi da minha roupa, mas ele não facilitava. —
Ainda mais que vim andando.
Marta deu um pequeno sorriso ao responder:
— Jante conosco. Aposto que não tem ninguém esperando
por você em casa — brincou. — Será um prazer e depois, peço para
alguém levá-la em casa.
Naquele momento, outro trovão cortou o céu seguido por
uma chuva que já começou forte.
Não tinha muito o que fazer. Eu me sentia bem ali e devo
admitir que estava gostoso aproveitar do calor do pequeno em meus
braços.
— Tudo bem.
Luzes de faróisatingiram a parede da sala e instantes depois
o pai e os dois filhos surgiram com os ombros emborcados,
molhados e falando alto:
— Que chuva é essa! Quase que a gente não chega —
Alfredo afirmou, ao passo que Marta caminhou até ele o recebendo
com uma bitoca.
— Bença, mãe — Antônio pediu, dando um beijo em sua
bochecha. — Oi, baixinha! Bom vê-la! — Acenou de longe.
— Olá! — Acenei com a mão direita, enquanto a esquerda
apoiava o Davi.
Aloísio foi o último a entrar, cumprimentou a mãe do mesmo
modo do irmão e parou o olhar intenso em mim, principalmente
quando percebeu o filho nos meus braços. Caminhou com cuidado
até o sofá, fitou novamente meus olhos e falou, antes de abaixar
beijando a cabeça do filho:
— Oi, Luiza!
— Oi — respondi sentindo o cheiro do seu perfume.
Eu não sabia como lidar com ele ali. Se a raiva já tinha
passado ou não. Por isso, fui sucinta:
— Vão os três para o banho. A Neide já vai liberar o jantar e
vou acordar o Davi para comer conosco.
Aloísio se virou na direção dela ao questionar:
— Como ele está? — parecia preocupado.
— Está melhorando, ainda que um pouco molinho e febril,
mas estou seguindo as recomendações da doutora Paula.
Os quatro homens desceram de banho tomado, já que Artur
tinha chegado pouco depois.
Marta e eu tentamos acordar o Davi, mas ele parecia bem
cansadinho, talvez pelos remédios. No entanto, ele precisava comer,
e foi por isso que a matriarca insistiu para que o insistíssimoss.
Aloísio se aproximou, vestindo uma calça de moletom cinza e
camisa branca, e começou a tocar o pequeno. Eu gostava cada vez
mais de vê-lo em suas diversas nuances.
— Filho, o papai chegou. Acorda.
O pequeno não reagiu.
— Davi, acorda meu amor, você precisa ver o papai e encher
a barriguinha — tentei ajudar Aloísio enquanto levantava o corpinho
do pequeno.
— Não, mamãe... eu queio domi.
O silêncio que tomou aquela sala foi sepulcral. Arregalei os
olhos fitando Aloísio que engoliu em seco. Seu olhar se tornou
indecifrável, entre algo como estar perdido ou com raiva. Marta
ouviu, mas não falou nada, assim como os demais.
— É a tia Luiza, Davi — falei, passando a mão em seu rosto.
— Acorda.
Com muita dificuldade, fizemos ele despertar. Estava
sonolento quando foipara o colo do pai e onde permaneceu durante
o jantar. Não comeu quase nada e assim que acabamos, Aloísio já
saía com ele para colocá-lo na cama.
— Tcha Luiça... dome com o Davi?
— O seu papai vai fazer isso com você, meu amor.
— Eu queio...os dois — disse, com os olhinhos quase
fechados.
Encarei Aloísio que apenas balançou a cabeça. Pedi licença
e os segui. O quarto de Davi era a carinha dele, refletia bem o
espírito de futuro fazendeiro apaixonado por animais.
O adulto ainda conseguiu fazê-lo seguir com a higiene
noturna e, quando finalmente o deitou na cama, Davi bateu a
mãozinha na cama:
— Deita aqui...
Eu estava encabulada, era essa a verdade, sob o olhar
atento de seu pai e me sentia no dever de fazer o que o pequeno
queria. Não poderia mentir, eu ficava com dó da sua carência e
queria ajudar como pudesse, ainda que a presença de uma mãe
jamais pudesse ser substituída.
Fiz o que ele pediu. Tirei as sapatilhas e deitei de lado.
— Papai, aqui — bateu do outro lado.
Foi desconfortável, mas deitamos os dois na pequena cama
com o Davi no meio.
Aloísio me encarou como se pudesse enxergar os meus
órgãos internos, mas não falou nada.
— Conta a histoia da cachoinha?
— A cachorrinha Lilica? — perguntei.
Ele assentiu e eu modelei a voz para um tom ameno. Alisei
suas costas enquanto ele se virava para mim e agarrava ao meu
vestido. Contei a história de uma cadelinha que adorava correr e
pular, mas que não tinha uma patinha.
Era uma das tantas que eu havia criado para trabalhar a
inclusão com os meus alunos e o Davi adorava. Em questão de
segundos ele adormeceu.
O clima do quarto estava tão gostoso que eu preciso admitir
que a vontade de tirar um cochilo junto com ele foi grande. No
entanto, o semblante intenso do pai me encarando não abria espaço
para nada. Não que eu fosse dormir de verdade, longe de mim.
Mas uma descansadinha rápida de olhos não seria nada mal.
CAPÍTULO 22 | ALOÍSIO

A última coisa que eu esperava encontrar ao chegar em casa


depois daquela viagem desgastante era o Davi dormindo aninhado
no colo de Luiza. Era uma cena linda na mesma proporção que me
deixava temeroso.
Durante aqueles dias, questionei-me o que realmente estava
sentindo pela garota. Não ter tido contato com ela foi importante
para que eu pudesse entender que Luiza despertava em mim
sensações que me eram prazerosas. Não podia dizer que a amava,
mas gostava dela. De sua presença, o seu jeito leve e,
principalmente, do quanto o seu sorriso me fazia sorrir também.
Analisei bastante, pesei os prós e contras. Já não era um
garoto inconsequente e poderia ter muito a perder com um passo
em falso. Eu tinha medo de me machucar outra vez, mas não se
comparava a preocupação que eu sentia de ver o meu filho sofrer
.
A todo momento estas questões martelavam na minha
cabeça sem nenhum tipo de alívio. O que só aumentou quando Davi
a chamou de mãe. Outra vez aquele sentimento ruim me tomou,
além do medo de ferir meu filho de modo muito mais intenso, já que
antes ele não tinha nenhum tipo de referência de figura materna. O
meu receio de ele projetar tudo isso em Luiza e nós não darmos
certo só aumentava.
Luiza era uma garota jovem, com 26 anos, cheia de planos e
sonhos. Em algumas de nossas conversas, contou que fazia
mestrado e havia prestado uma prova para tentá-lo em modalidade
sanduíche em Portugal[14].
Como se tudo isso já não fosse o bastante, Luiza havia
deixado claro que não queria envolvimento com os patrões. Mas até
que ponto ela se manteria firme se eu investisse pesado?
Vendo-a tão confortável na cama ao lado de Davi, fui invadido
por um sentimento bom que não soube explicar o quanto me fazia
bem. Algo como completude e satisfação. Luiza tentava não me
olhar, mas não era preciso. O amor que ela destinava ao meu filho
deixava-me cada vez mais prostrado por ela.
Durante toda a história, mantive-me firme contra a vontade de
tocá-la. No entanto, quando Davi estava em sono profundo, não
pude evitar. Apoiando uma mão sob a cabeça, toquei seu rosto de
modo suave.
Pela reação de Luiza, o contato foi totalmente inesperado,
pois arregalou os olhos e afastou-se sutilmente, mas não desviou.
Continuei acariciando a bochecha macia, deslizando os
dedos suavemente por seus cabelos.
— O que você está fazendo? — murmurou, segurando meu
pulso.
— Shhh... — toquei seus lábios com os meus dedos. — Você
vai acordá-lo. Só aproveite.
Luiza mexeu inquieta. Com delicadeza, tirou a mão de Davi
que prendia a sua roupa e se levantou. Fiz o mesmo, cobrindo-o
bem e deixamos o quarto. Ela caminhou rápido para o corredor e
parou abruptamente, inquirindo:
— O que foi isso, Aloísio?
Cruzei os braços fitando-a perdida.
— Você não podia ter feito isso!
— Por quê?
— Porque não — respondeu, nervosa. — Eu vou embora.
— Não me convenceu — afirmei, descendo as escadas atrás
dela.
A sala estava estranhamente vazia para aquele horário e algo
me dizia que era armação para me deixar sozinho com ela.
— Eu não preciso te convencer de nada.— Pegou sua bolsa
e abriu a porta, porém a chuva e o vento estavam ainda mais fortes.
— Ai caralho! Eu preciso ir embora.
— Eu levo você.
— Eu não preciso que me leve. Me viro sozinha.
— Ah é? Percebi que não veio de carro. Vai embora como,
nadando?
Luiza bufou irritada coçando a cabeça como um gesto
irritadiço.
— Ai, tá bom! Odeio quando você tem razão.
Peguei as chaves do carro e fomos até a garagem coberta.
Luiza estava com um bico enorme.
— Desemburra — provoquei, dando partida e começando a
andar. A chuva estava forte, os limpadores trabalhavam na
intensidade máxima.
— Não estou emburrada — cruzou os braços.
— Ah não? E o que é esse bico do tamanho de uma
semana?
— Não me torra. Já basta o que fez no quarto do Davi.
— Por que isso te incomodou tanto? — questionei, com a
atenção redobrada na estrada. Ainda que os desembaçadores
estivessem ligados, a visibilidade era baixa.
—Eu não entendo você, Aloísio. Na maioria do tempo parece
que quer me esganar, me ignorou vários dias e agora vem, do nada
cheio de carinho? Qual o seu problema?
— Conta a história direito, Luiza. Se eu te afastei foi porque
você queria distância. Só fiz o que me pediu.
— E precisava ter levado tão a sério? Se eu pedir para você
pular da ponte, você pula? — Seu tom era debochado. — O que
você está fazendo? — perguntou alto, quando eu parei o carro.
— Não dá para seguir. Não consigo enxergar nada.
— E você acha que eu vou ficar aqui, presa com você?
— Tem ideia melhor? — levantei uma sobrancelha. — Vai
descer e encarar esse temporal sozinha e a pé?
— Dá licença, que eu mesma dirijo — falou, empertigando
como se fosse trocar de lugar comigo?
— Não, senhora. No meu carro você não toca.
Luiza fez uma careta antes de responder:
— Posso saber por quê? Se você não tem coragem de
enfrentar esse temporal, eu tenho.
— Ninguém além de mim, pilota o meu carro.
Era verdade. Todo mundo sabia que eu não gostava que
encostassem na minha caminhonete. Não que eu fosse soberbo ou
algo assim, mas era uma particularidade desde que aprendi a
dirigir.
— Aff... não estou ouvindo isso não. Sério mesmo que você
daqueles homens que tem ciúme de carro?
Não respondi, mas ficou claro que ela não dirigiria.
— Aaah... puta que pariu! — exclamou tirando o cinto e
levando as mãos aos cabelos. — Tudo que eu preciso é ficar aqui
sabe-se lá por quanto tempo.
— Para de reclamar, baixinha. Por que não aproveitamos
que estamos aqui e conversamos sobre nós?
— Não tem “nós” para a gente conversar.
Fiquei calado, com o cotovelo apoiado no encosto do banco
dela, apenas a observando no escuro do veículo, somente com a
pouca luz que vinha do painel. Luiza se mexia a todo momento,
desconfortável, agitada com a bolsa no colo.
— Fala alguma coisa!
— Não foi você quem disse que não temos nada para falar?
Acho bom pensar melhor no que pede, Luiza. Uma hora você pode
se arrepender — falei baixo, quase em um sussurro, colocando seus
cabelos atrás da orelha delicada e enfeitadapor um brinco pequeno
e outro na parte superior.
— Ah que ódio, você me tira do sério, peste! — bateu no meu
ombro.
Aproximei meu rosto do dela, vendo os lábios mexerem com
agilidade. Uma vontade crescente de sentir o doce deles
novamente.
— Está com raiva? — questionei a poucos centímetros da
sua boca.
— Estou. Muita.
— Por que não desconta toda essa fúriaem mim? — inquiri,
antes de tomar seus lábios.
Seu gosto era incrível e toda vez que a sentia assim, eu
queria mais. E mais intenso. Meus dedos embrenharam em seus
cabelos enquanto nossas bocas duelavam. Em segundos, a
temperatura estava abrasadora e o nosso beijo havia se tornado
fogo na gasolina.
Desci beijando seu pescoço, deslizando as mãos pelos
ombros pequenos, seguidas pelos lábios. Luiza jogou a cabeça para
trás sentindo meu contato, agarrando meus cabelos e puxando-os.
— Você pode lutar contra, pequena, mas isso que temos é
mais forte que nós dois — sussurrei, voltando a atacar seus lábios e
deslizando a mão pelo seio.
— Cala a boca. Só me beija.
Montei Luiza em meu colo, abaixei a alça do vestido delicado
e desci meus lábios pelo seio, até chegar no biquinho intumescido.
Seus gemidos eram altos, de muito desejo.
Saboreei aquela garota como não fazia há muito tempo.
Enquanto chupava e lambia, subi as mãos pelas coxas até chegar
na virilha. Deslizei o polegar na lateral da calcinha e acariciei os
grandes lábios e o clitóris.
— Hum... que delícia!
Sorri com a sua entrega, sentindo o meu membro duro sob o
moletom. Roubei novamente sua boca quando enfiei dois dedos
dentro dela e Luiza gritou, empurrando o tronco para cima,
involuntariamente.
Ela agarrou a minha cabeça com as duas mãos, gemendo
ensandecida e rebolando. Acelerei as dedadas, disposto a lhe dar
um orgasmo daquele jeito. Luiza gozou, de olhos fechados e
sorrindo. Uma cena incrivelmente sexy que eu recordaria por muito
tempo.
Ela não se fez de rogada. Desceu a mão do abdômen para o
pau, livrando-o da cueca dizendo enquanto mordia os lábios, com
uma cara de safada, e espalhava meus líquidos por ele:
— Você não mentiu quando disse que ele estava tímido na
cachoeira. Agora que o vi em sua plenitude, algo me diz que eu vou
adorar escalar essa tora.
Joguei a cabeça contra o encosto do banco, apertando os
olhos e sentindo aquela masturbação gostosa. No entanto, levantei
o pescoço frustradoquando dei-me conta de algo. Não era possível!
— Porra, estou sem preservativo aqui.
Luiza revirou os olhos e afastou-se sutilmente pegando a
bolsa no assoalho. Revirou por alguns instantes até tirar algo da
carteira e balançar em minha direção.
— Bobinho.
Entregou-me a embalagem enquanto se afastava para tirar
toda a roupa sob meu olhar questionador.
— Não adianta me encarar desse jeito. Sou uma mulher
sexualmente ativa e dona das minhas vontades. Ao contrário de
alguém aqui, falta de proteção nunca foi um impedimento.
Não falei nada e era bom saber que ela se protegia. Mas lá
no fundo, foi um gosto ruim imaginá-la com outro cara.
Cobri-me e tirei a camisa. Luiza voltou a ficar montada em
mim e deslizou devagar, fazendo com que eu fosse a loucura ao
ouvir seus gemidos e sentindo-me abri-la.
Acelerei as estocadas sentindo-a contrair ao meu redor.
Firmei as mãos na bunda redonda e conciliei os movimentos dela
com os meus. Seu cabelo solto e com cheiro de plantas caiu sobre
nós, me deixando ainda mais louco à medida que abria os olhos e
os via entre mim e a garota que se contorcia enlouquecida em meu
colo.
Ela gozou outra vez jogando a cabeça para trás. Agarrei os
fios longos na nuca, mordi seu queixo e esporrei em seguida,
urrando alto.
Luiza permaneceu encostada em meu peito até que nossas
respirações se normalizassem. Era gostosa a sensação de tê-la ali,
quietinha, deslizando as unhas carinhosamente pelo meu peito.
Todavia, não durou o quanto eu esperava. Luiza tentou se
afastar, mas segurei sua coxa, pedindo baixo:
— Fica!
Ela balançou a cabeça em negativa, levantando-se com
cuidado para não tirar a camisinha do lugar, retornou para o banco
do passageiro colocando novamente o vestido e jogou a calcinha na
bolsa.
Notei que enquanto eu tirava o preservativo e o amarrava, a
baixinha evitou me olhar, passando as mãos pelos cabelos. Ajeitei a
roupa e vesti a camisa. O clima havia mudado para algo totalmente
desconfortável.
Depois da satisfação do gozo, fui acometido pelo caos
interno. Foi gostoso, mas como eu havia me deixado ser levado
deste modo? O que essa garota tinha que me fazia voltar a
juventude, agir impulsivamente e ser suscetível? Há quanto tempo
eu não tinha vontades carnais e não me permitia viver aventuras
assim? Por que aconteceu justamente com a Luiza? Por que tinha
algo em mim que lutava para confiarnela enquanto outra parecia ter
força redobrada para não confiar?
Eu estava confuso. Muito confuso.
— Não deveríamos ter feito isso — falou, sem me encarar
.
— Você tem razão — concordei, ligando novamente o carro.
O tempo não tinha melhorado, mas não dava para ficarmos ali,
naquela situação.
Fizemos o caminho inteiramente em silêncio, ouvindo
somente a música que tocava e as gotas fortes batendo contra o
veículo.
Parei o carro em frente à sua casa e ela apenas murmurou
um “obrigada” antes de descer. Eu me sentia como um adolescente
sem saber o que fazer.
Assim que abri a porta de casa, vi mamãe na escada me
observando com olhos de águia. Ela me conhecia muito bem a
ponto de saber que eu não queria conversar. Fechei a porta,
passando por ela, desejando-lhe boa noite e subindo para o meu
quarto.
O cheiro da baixinha estava enraizado em mim. Tomei outro
banho para tentar ver ser conseguia me livrar dela, mas foi em vão.
À medida que a água quente caía, eu recordava do seu beijo, cheiro
e de como cavalgou como uma amazona.
Porra!
CAPÍTULO 23 | ALOÍSIO

No dia seguinte, o tempo ainda estava chuvoso e o meu


humor igualmente nublado. Não tinha conseguido dormir nada,
revivendo inúmeras vezes a noite anterior.
Pulei cedo da cama, fiz a minha higiene e fui ao quarto de
Davi, que ainda dormia como um anjo. Hoje ele também não iria para
a escola. Em ocasiões assim, era preferível deixa-lo melhorar.
Desci para tomar café com os demais que já se acomodavam
à mesa, falantesa respeito de como seriam suas programações para
aquele dia. Mantive-me circunspecto, como de costume.
— Filho, você irá na cidade hoje? — mamãe me questionou.
— Sim, tenho um assunto para resolver — respondi após
morder um pedaço de queijo fresco e café fresquinho. — Por quê?
— O remédio do Davi está acabando, preciso que passe na
farmácia.
— Tudo bem.
Continuamos o café e como não podia faltar
, Antônio impeliu:
— Mas e então, como terminou a noite com a baixinha ontem?
Fitei-o por cima da xícara sorvendo o líquido fumegante,
ganhando tempo antes de responder:
— Normal.
— Normal? Conta outra, Ísio... você demorou pra caramba.
— Você não tem uma produção inteira de gado para tomar
conta não ao invés de abelhudar a minha vida?
— Eu até tenho, inclusive o serviço está bem atrasado. Mas
não posso negar que a sua saga com a professorinha está muito
mais interessante — foi sarcástico, levantando e dando um tapa no
meu ombro. — Essa conversa não acabou, mas agora preciso ir.
Mãe, a senhora vai comigo?
— Não, filho. Pode deixar que pego uma carona com seu
irmão.
— Espera aí que vou com você — Artur anunciou bebericando
o último gole pegando o chapéu e se levantando.
Eles saíram e Dona Marta aproveitou que papai tinha saído
para escovar novamente os dentes e sentou-se ao meu lado,
perguntando baixo:
— Está realmente tudo bem entre você e Luiza?
Assenti com um gesto.
— Não se preocupe, mãe. Está tudo sob controle.
Ela passou a mão com carinho pela minha perna, e falou,
amável:
— Te conheço bem demais para saber que essa sua cabeça
deve estar confusa e trabalhando a mil por hora. Mas quero que
saiba que, enquanto mãe, eu faço questão que se abra novamente
para o amor, filho. Você merece. E eu não tenho dúvidas que a Luiza
veio justamente para derreter essa camada protetora que você
construiu para se proteger.
— Não diga bobagens, mãe. Ela chegou a menos de quinze
dias é só a professora do Davi.
Dona Marta levantou uma sobrancelha que dizia muito mais
do que mil palavras. Era do tipo: “você acha que eu nasci ontem,
menino?”
— O amor não precisa de tempo para tomar conta, Ísio. Não
tente se enganar. — Passou a mão pelo meu rosto, olhando com
intensidade e disse: — Eu quero que você seja feliz, meu amor. E
fareio que forpreciso para isso. — Deu um beijo na minha testa e se
levantou. — Vou pegar a minha bolsa e já vamos.
Chegamos na garagem e Alfredo saiu com o seu carro para
uma reunião que teria com o prefeito. Destravei o meu e mamãe
entrou pelo banco do passageiro. Girei a chave na ignição quando
ela raspou a garganta chamando a minha atenção.
Olhei para o lado notando que segurava um tecido delicado,
vermelho e de renda pela tira lateral. Só então percebi que era a
calcinha de Luiza.
Puta que pariu!
Ela não tinha colocado aquilo na bolsa?
Senti-me como um adolescente pego no flagra, era notável o
quanto meu rosto ficou quente.
— Mãe...
— Você não me deve explicações sobre isso — afirmou, com
um sorriso de canto. — Só tomem cuidado como o que está
acontecendo entre vocês vai impactar o Davi.
Balancei a cabeça pegando a peça de sua mão e colocando
no bolso.

Descemos na sede administrativa e nos despedimos indo


cada um para a sua sala. Algum tempo depois, fui até Alta Colina
resolver algumas questões burocráticas e, ao finalizar, lembrei sobre
os remédios de Davi.
Saí do balcão com a cestinha em mãos, caminhando distraído
para o caixa, passando pelo setor masculino. Olhava alguns
desodorantes quando meus olhos bateram na gôndola de
preservativos.
Desde que mergulhei de cabeça na solidão, não tinha mais
comprado aquele tipo de item, até mesmo porque nem saía de casa.
Fiquei alguns segundos encarando os produtos que pareciam me
olhar de volta, pensando se levava ou não.
Eu não tinha pretensões de transar de novo por enquanto,
nem com Luiza nem com ninguém. Contudo, eu não podia confiarno
moleque impulsivo que me tornava perto dela. Se acontecesse, eu
não poderia estar desprevenido novamente.
Analisei algumas opções rapidamente e joguei na cesta.
Entrei no carro lançando a sacola no banco do passageiro.
Levei a mão ao bolso tirando a renda que ainda estava lá. Abri a
peça sobre a minha coxa vendo o quanto era bonita e delicada.
Fechei os olhos e recordei a garota tirando o vestido e usando a
pequena peça, ainda que tivesse sido por poucos segundos.
Levei o tecido ao nariz notando que ainda era possível sentir o
cheiro dela, de fêmea excitada.
Era um tanto quanto pervertido fazer aquilo? Era.
Mas já estava me habituando deixar de ser guiado pela razão
quando se tratava de Luiza.
Conduzido pelo desejo de tê-la novamente, abri um dos
pacotes com os combos de camisinhas e deixei algumas na carteira
e outra em pontos estratégicos do carro. Difícil o suficiente para
ninguém indesejado encontrar e fácilo bastante para estar à mão em
caso de necessidade.

Luiza

Catei minha bolsa de qualquer jeito no assoalho do carro de


Aloísio e encarei as gotas grossas do lado de fora sem me atentar a
elas. Entrei em casa molhada e recriminando-me por ter me deixado
levar.
Havia sido uma transa deliciosa, como há algum tempo eu
não tinha. Mas puts... eu não deveria ter cedido. Das pessoas com
as quais eu poderia me envolver, Aloísio estava nas últimas
colocações, assim como os dois irmãos.
Eu queria ser reconhecida como a professora que fez a
diferença na educação daquela escola e que era bem quista por
todos, e não por ter me relacionado com os chefões. Eu odiava ter
minha imagem associada a qualquer coisa que eu efetivamente não
era, principalmente, me passar por interesseira.
Durante aquela noite, revirei algumas vezes na cama e,
quando o sono chegou, já estava quase na hora de acordar. Uma
merda!
Levantei-me cansada e sonolenta. Após o meu cafezinho,
cheguei à escola e tentei ser a professora alegre de sempre, mas
estava um tanto quanto difícil, já que o corpo estava pesado e lento.
No final daquela manhã, encontrei Otávio, o professor de
educação física, nos corredores. Gentilmente, ele me ofereceu ajuda
para carregar uma série de livros até o meu carro enquanto
conversávamos amenidades. Tínhamos a mesma idade e ele era
gente boa, curtíamos bandas e lugares parecidos. Assim como eu,
residia na fazenda no meio da semana, mas voltava para Alta Colina
aos finais de sexta-feira.
Despedi-me dele sorrindo e voltei para a minha sala buscando
a minha bolsa. Quando voltava, encontrei Marta parada na saída da
sede, mexendo no celular como se estivesse esperando algo ou
alguém.
— Bom dia, Dona Marta.
A matriarca levantou a cabeça, fitando-me com intensidade
como se tentasse me ler. Estava começado a ficar desconfortável
quando surgiu um sorriso de canto em seus lábios e ela
cumprimentou, polida.
— Olá, Luiza!
— O Davi amanheceu melhor? — questionei, ainda que
tivesse sentido uma leve vontade de sair correndo.
— Ah sim, imagino que amanhã ou depois ele já venha para
aula.
— Que notícia boa. Vou indo nessa, já já preciso estar de
volta.
Não deu tempo de virar quando ouvi passadas fortes atrás de
mim. Olhei para trás e vi Aloísio fitando-me de cenho franzido.
Desviou o olhar para Otávio que já caminhava ao longe, sentido ao
refeitório da fazenda, e soltou uma lufada de ar pesada.
Eu não havia feito nada de errado, mas pensa numa pessoa
sem graça diante dos olhares penetrantes da mãe e do filho...
— Bom, então espero ver o Davi em breve. Tchau — despedi-
me, levantando a mão em um aceno rápido.
Caminhei para o carro como o diabo fugindo da cruz.
CAPÍTULO 24 | LUIZA

No dia seguinte, topei com Aloísio novamente, mas apenas


cumprimentei com um aceno e segui meu caminho. Nenhum dos
dois tinha coragem de se aproximar, pedir desculpas ou repetir a
dose. Parecíamos dois adolescentes inexperientes. Mas era bom
assim.
A parte ruim de trabalhar na fazenda, era que encontros
assim eram inevitáveis.
Eu estava confusa sobre o que estava rolando com ele, mas
tinha a certeza que não queria me envolver com ninguém naquele
momento, principalmente daquela família.
Na sexta-feira, fiquei radiante quando ouvi a voz de Davi no
corredor da escola. Aquele garotinho fazia uma falta imensa.
— Tcha Luiça! — gritou, soltando a mão do pai e correndo na
minha direção.
— Oi, meu amor! Que saudade eu estava de você —
declarei, abaixando-me e abraçando-o com força. — Você está
melhor? Sem dor?
Ele balançou a cabecinha em afirmativo:
— Tava com saudade...
— Ah, nós vamos fazer muitas coisas legais e matar essa
saudade, o que acha? — levantei a mão aberta.
— Eu queio! — bateu com a sua mãozinha na minha, feliz.
— Então vamos entrar — disse, ficando de pé e colocando a
mão em seus ombros.
Aloísio me entregou a pequena mochila e senti os pelinhos
da nuca se arrepiaram quando seus dedos tocaram nos meus.
— Bom dia! — saudei, educada.
— Bom dia! — respondeu, sem tirar os olhos dos meus.
Atrás dele, outros pais aguardavam para deixar as crianças
agitadas, quebrando a nossa troca de olhares. Ele movimentou a
cabeça, despediu-se brevemente e foi embora.

No final do turno da manhã, Júlia havia buscado o Davi e


todos tinham ido embora, inclusive a Clara. No entanto, eu
permaneci na sala separando os materiais que usaria à tarde.
Estava de costas para a porta aberta, cantarolando distraída,
escolhendo as cores que usaria. Senti um calafrio estranho, como
se tivesse sendo observada.
Virei o rosto devagar e quase enfartei quando vi o loiro
parado, de braços cruzados e ombros apoiados no batente da porta,
fitando cada movimento meu.
— O que está fazendo aqui? — inquiri, parada no mesmo
lugar, normalizando as batidas do meu coração. — O Davi já foi
embora.
— Eu sei — respondeu endireitando o corpo. — Vim te
mostrar algo.
Sabe aquele meme que diz “Vem aí... uma coisa” e a outra
responde “mas o que que vem aí?”. Era quase como eu e a minha
ansiedade naquele instante.
O que ele ia me mostrar? Será que era aquele pau
maravilhoso que não saía da minha cabeça desde aquele dia no
carro?
No caso, eu iria correr. Correr e pular em cima!
Contrariando toda a maluquice que passava na minha
cabeça, respondi de modo quase impessoal:
— Mostrar o quê?
Como se fosse dono daquele espaço, o que não deixava de
ser, Aloísio caminhou seguro pela pequena sala de aula. Ao parar a
poucos centímetros de distância, tirou algo do bolso e balançou no
ar.
Quando finalmente entendi o que era, levei a mão para pegá-
la, mas ele desviou.
— Da próxima vez, garanta que não deixará provas do que
fizemos para serem encontradas pela minha mãe, ou pior, pelo Davi.
Senti meus olhos quase saírem das órbitas com a mera
possibilidade.
— Não me diga que sua mãe...
— Por que acha que ela te deu aquela encarada no último
encontro? — perguntou, irônico.
— Puta que pariu, Aloísio! Você deveria ter conferido o chão
do carro quando chegou — falei, andando de um lado para o outro.
— Como você deixa uma coisa dessa acontecer? Merda, que
vergonha da sua mãe!
— A calcinha não é minha — devolveu, continuando com o
objeto no ar.
— Esconde isso. Alguém pode ver — tentei tomar de suas
mãos novamente. — Me dá.
Ele negou e guardou novamente no bolso, declarando,
sarcástico:
— Não vim te devolver. Vim só mostrar.
Encarei-o incrédula:
— Você nem pense em coar café na minha calcinha, Aloísio.
Me devolve ela agora — falei alto, brava.
A cara que ele fez foi impagável. Não saberia dizer se era
cômica ou incrédula.
— De onde você tira tanta criatividade, menina? Para que eu
faria isso?
— E pra que você quer ficarcom ela então, porra? Foi cara, é
uma Intimissimi, das poucas que eu tenho. Pode devolver.
— Quer dizer que não usa uma daquelas todo dia? —
perguntou baixo, curvando o rosto para próximo do meu.
— Claro que não, meu filho. Aquele dia você deu foi sorte.
Pro dia a dia, mulher gosta é de peça confortável, de algodão —
reagi, falando sem pensar. — Mas por que diabos eu estou falando
disso com você?
O rosto de Aloísio tinha uma pitada de sensualidade. No
entanto, depois da minha fala, expressou um sorrisinho bem-
humorado.
— E por acaso é uma dessas que você está usando hoje? —
inquiriu, num sussurro.
— É o quê? Cria vergonha na sua cara, esse é o meu local
de trabalho.
Aloísio não respondeu com palavras, mas desceu o nariz em
meus fios de cabelos, tornando a respiração bem audível, inalando
com força. Deslizou os dedos com gentileza por eles, aproximando
com suavidade a pelve da minha.
A cobra já parecia espertinha, pronta para dar o bote.
Era delicado e devasso ao mesmo tempo. Uma mistura
gostosa que me fez jogar a cabeça para o lado, sentindo-me
arrepiar inteira. Um calorzinho gostoso no ventre.
— Para, Aloísio. Alguém pode ver.
Desceu a mão pela minha cintura, encostando meu corpo ao
dele de modo sutil e safado ao mesmo tempo, mordiscando meu
lóbulo.
— Diz pra mim que você não quer isso tanto quanto eu.
Fiquei calada, tentando conter as reações do meu corpo.
— Diz — murmurou, deslizando a mão para a minha bunda.
— Não, quero!
Ouvi o sorrisinho debochado quando ele percebeu que eu
confessei que o queria. Por isso, corrigi:
— Quero dizer: não quero.
Deixando-me atônita, Aloísio colocou a calcinha de volta no
bolso, se afastou em direção à porta. Achei que ele ia embora, mas
ao contrário, a trancou com a chave e foi até as cortinas fechando-
as também.
— O que você está fazendo? — perguntei, aérea.
— Matando a vontade que fiquei desde aquele dia no carro.
Sem mais palavras, ele avançou em minha direção, pegando-
me no colo e tomando meus lábios como um selvagem. Beijava,
mordia e sugava deixando-me melada e fora de mim. Apoiou-me no
armário ao lado, pegando minha mão direita e colocando sobre a
tora que me cutucava.
— Olha o que você faz comigo, garota — sussurrou no meu
ouvido.
— Aloísio, aqui é o meu trabalho. Alguém pode chegar —
choraminguei, tentando ser racional. Contudo, o estrago que ele
fazia comigo era maior.
— Shhh... — tapou a minha boca de modo bruto. — Só
aproveita.
Comigo ainda no colo, Aloísio arrastou com os pés algumas
mesinhas de madeira das crianças e só consegui ouvir as
cadeirinhas caindo aleatoriamente. Deitou-me sobre elas, olhando
com um tesão que resplandecia em seus olhos. O pau parecia que
ia furar a calça.
Era diferente e admito que tinha adorado a impressão de ser
subjugada.
Aloísio ajoelhou-se na minha frente,desabotoou minha calça,
descendo-a junto com a calcinha. Observou a peça e novamente me
encarou.
— As peças são lindas, mas nenhuma delas terá realmente
beleza se não estiver em você — declarou, passando o polegar
espalhando os fluidos até o clitóris.
Massageou levemente e desceu os lábios, controlando meus
gemidos com a mão livre. Quanto mais alto eu choramingava, mais
ele apertava a minha boca e o meu clitóris, penetrando um dedo e
depois o outro.
Socorro! Eu ia morrer ali.
Eu me preparava para um orgasmo homérico, tamanha a
intensidade que vinha das minhas entranhas.
Estava quase liberando quando ele se afastou, levantando-
se.
— Ei, onde você vai? — perguntei, sentindo a cabeça girando
e uma frustração imensa de ter sido interrompida.
— Quer gozar, pequena? — inquiriu, chupando os dedos.
— É claro que eu quero.
— Então nós vamos terminar isso em um local apropriado.
— Você só pode estar de brincadeira com a minha cara —
reagi, estarrecida.
— Não estou — ajeitou o negócio e caminhou até a porta. —
Te mando mensagem com os detalhes.
— Você está louco se acha que vai me deixar com tesão
reprimido. Eu sou uma mulher livre, querido. Gozo quando eu quiser
— estava falando alto, quase descontrolada, enquanto levantava e
arrumava a minha roupa.
— Pois pode até se masturbar sozinha ou transar com outro
cara. Mas aposto que não vai conseguir liberar tudo isso que eu te
causei se não for comigo.
— Seu idiota! — gritei, jogando o apagador do quadro perto
dele, recriminando por não ter acertado.
Aloísio estava vestido de um personagem que jamais
imaginei nele. Era como se quisesse me provocar e me forçar a ir
atrás.
Ah coitado! Estava muito enganado. Depois dessa, a
probabilidade de isso acontecer era nula.
Com um sorrisinho sacana, destrancou a porta e disse, antes
de sair:
— A propósito, não devolvo a calcinha porque é a ela que eu
recorro todas as vezes que quero te ter e você não colabora.
— Pois a pegue o enfie no seu rabo.
CAPÍTULO 25 | LUIZA

Aquele resto de sexta-feira foi um dos piores dias que já tive.


Como se não bastasse o cansaço da semana e a ansiedade de
voltar para a casa dos meus pais, a visita de Aloísio foi o suficiente
para me fazer deixar a ponto de esganar o primeiro que passasse
na minha frente.
A sorte era que para aquele período eu havia reservado para
começar a preparar algumas peças juninas já que a festa estava
quase chegando. A irritação aumentava quando eu tentava recortar
os materiais e errava ou ficava torto. Foi uma tortura. Porém, fui
profissional o suficiente para conseguir trabalhar com os demais
colegas sem nenhum tipo de problema.
Notei Marta caminhando pelos corredores enquanto
conversava com Brenda e tive vontade de me esconder debaixo da
mesa.
Como a felicidade do pobre dura pouco, em instantes ela
abriu a porta da sala em que eu e os demais professoresestávamos
e pediu para conversar comigo em sua sala.
Entrei naquele ambiente amplo e arejado, mas sentia-me
enclausurada e com uma vergonha absurda.
— Aceita uma água ou um café? — A senhora ofereceu
gentilmente.
— Uma água, por favor.
Peguei o copo e notei meus dedos levemente trêmulos. Ela
sentou ao meu lado, no sofá ao canto da sala, e manteve o tom
acolhedor.
— Eu imagino que esteja tensa devido a uma coisinha que
achei no carro do meu filho — disse, com um sorrisinho sapeca. —
Mas direi a você o mesmo que falei para ele: Vocês não me devem
satisfaçõese aquilo foiapenas uma obra do acaso. O que eu peço é
para que vocês se atentem é o como isso vai impactar o Davi.
Respirei fundo e soltei uma lufada de ar pesada, morta de
vergonha.
— Dona Marta, fique tranquila que não vai se repetir. Até
porque eu não estou atrás de relacionamento, ainda mais com os
patrões.
Ela pegou minha mão dando tapinhas afetuosos, dizendo em
seguida:
— Fique tranquila, querida. Eu conheço a sua essência e se
a convidei para trabalhar aqui, foi porque sabia que muito além da
sua capacidade profissional,você seria a melhor pessoa para ajudar
meu filho a sair do sofrimento que ele se encontrava. Então, não se
apegue a isso. Eu e Alfredo fazemos gosto desta possível relação.
— Nós não temos nada, mas ainda que tivesse, não quero
ser reconhecida porque me envolvi com os chefes, mas sim pela
minha capacidade profissional.
— Querida, fiquetranquila. Aqui na fazendao pessoal é meio
ressabiado[15] mesmo, mas todos sabem o quanto você é uma
professoraexcelente e é por isso que atua como o meu braço direito
referente a tudo da escola.
Dei um sorriso pequeno, ainda assim era desconfortável.
— O importante, Luiza, é que você se sinta bem em todas as
esferas da sua vida. E, se por acaso estiver gostando do que tem
com o meu Aloísio, vá fundo, porque sei que é verdadeiro. Só peço
cuidado como isso chega para o Davi.
Acenei em concordância e logo mudamos de assunto. No
final daquela reunião, saímos empolgadas com os preparativos da
festa junina que seria a maior que a fazenda já vira.
Saí de sua sala já no horário de ir embora. Enquanto
caminhava para o carro, ouvi passadas e o meu nome ser chamado.
— Ei, baixinha! Como está? — perguntou, alcançando-me.
— Oi, Antônio! — Dei um pequeno sorriso, ele era legal. —
Agora eu estou ótima, sextou!
— Quais os planos?
— Volto para a casa dos meus pais agora e amanhã devo
sair com a Poly, aquela minha amiga que você conheceu.
Ele levantou a sobrancelha em um olhar malicioso. Já vi que
eu iria penar fazendo a ponte entre esses dois safados.
— Sua amiga é bem... especial.
Bati em seu ombro descontraída, não queria nem pensar o
que poderia acontecer se ela ficassecom Antônio estando envolvida
com o Rafa. Dois touros bravos e até com algumas semelhanças
físicas. O ponto crítico era que um andava armado.
Misericórdia! Tinha até arrepio de pensar em algo assim,
embora soubesse que o Rafa era centrado e não faria uma coisa
passional assim.
— Ela é sim, muito especial. Mas para o seu bem, fica longe
— alertei, dando uma piscadinha.
— Ela é comprometida?
— A história é longa e um pouco confusa. Mas como sua
colega, fica a dica.
Ele fez uma careta engraçada, tirou a chave do bolso e
desativou o alarme da caminhonete, falando:
— Recado recebido, baixinha. Nos vemos por aí...
Concordei e nos despedimos, entrando cada um em seu
carro e seguindo direções opostas.
Aquele final de tarde foi até mais leve do que eu esperava,
mas no fundo tinha uma irritação chata.

Cheguei em casa como o de costume, amassei meus pais


até falar chega, mas dessa vez sem a presença do meu irmão,
Manu e os bebês.
Cortava as verduras para a salada, um tanto calada e
pensativa no que havia acontecido no final daquela manhã. Meu
corpo ainda estava sensível e com um tesão absurdo. Durante o
banho, o simples fato da água quente cair sobre o mamilo deixou-
me com vontade de me masturbar.
No entanto, eu era pirracenta. Só de raiva não me daria
aquele gostinho. Era como se eu estivesse cedendo aos efeitos
dele. E isso eu não aceitaria.
Quando saí do chuveiro, notei que havia uma mensagem de
Aloísio me provocando e com o nome de um lugar. Pois ele que
fosse até lá e desse com a cara na porta. Coloquei o celular no
silencioso e joguei sobre a cama.
— Desembucha, filha!O que está acontecendo que te deixou
amuada[16]desse jeito?
— Nada, mamãe. Está tudo bem.
Dona Dita levantou uma sobrancelha desconfiada enquanto
batia a colher de pau na mão e provava o tempero da comida.
— Ahan... eu nasci ontem, né Luiza? Essa raiva toda que
está colocando na faca, a ponto de cortar o dedo é o quê?
Deixei os ombros caírem, não dava para ter segredos com
ela. Fiz um resumo rápido da história, sem contar as partes quentes,
claro. Ao finaldo meu relato, ela desligou o fogoda panela de feijão,
cruzou os braços apoiando os quadris na pia e proferiu:
— Você é dona do seu juízo, minha filha. É meio doidinha e
desbocada, mas sabe o caminho que quer e as decisões que
precisa tomar para isso. Conheço o Aloísio desde garoto e sei o
quanto a vida dele mudou quando a mãe do Davi foi embora. Acho
que vocês podem formar um casal bonito contanto que você tenha
certeza de que é isso que quer, até mesmo porque temos a vida do
pequeno Davi no meio disso e a carga emocional dos dois é bem
pesada.
CAPÍTULO 26 | ALOÍSIO

Eu estava atolado de serviço. Estressado com as revisões de


contrato e negociações comerciais desgastantes. Por esta razão,
havia pedido a Júlia que naquela sexta-feira levasse o Davi direto
para casa.
Como se não fosse o bastante, eu não tirava a Luiza da
cabeça desde o momento que tivemos no carro. Tudo piorou
quando a vi cheia de sorrisos com o tal professor. Era mais do que
óbvio que o garoto estava a fim de conquista-la e isso me deixou
puto.
Vê-la tão linda e sorridente ao receber o meu filho só fez
aumentar tudo o que eu estava sentindo.
Para fechar com chave de ouro, eu havia adquirido um hábito
esquisito de andar com a calcinha da garota no bolso. Em
momentos de raiva como este, o simples fato de tocá-la parecia me
acalmar. Outras vezes, usava para aplacar o desejo de tê-la
novamente.
Saí da minha sala e a sede já se encontrava completamente
vazia. Passava do horário de saída dos alunos e, de certo, os
professores estavam no refeitório da fazenda ou em suas casas
almoçando. Caminhei até a sala dela e senti-me um sortudo quando
a encontrei distraída, cantarolando.
Nada foipremeditado e quando a percebi ali, senti um desejo
quase sádico de fazê-la sentir um pouco da raiva que borbulhava
em mim. Se para isso eu poderia aproveitar e sentir o gosto dela,
melhor ainda.
A vontade de terminar o que eu havia começado naquela sala
foi gigantesca, mas eu precisava me controlar. Saí com um tesão
violento e torcia para não encontrar ninguém pelo caminho, ou
passaria uma grande vergonha.
Entrei na caminhonete respirando fundo tentando fazer meu
amigão voltar ao normal, mas foi impossível. O desejo por aquela
garota era absurdo e eu não conseguiria entrar em casa assim.
Dirigi até uma estrada deserta, desliguei o motor, tirei o tecido
delicado do bolso, rememorei a sua dona deitada nas mesinhas
toda aberta ao meu bel prazer. Cheirei os dedos que estiveram há
poucos minutos dentro dela e com a outra mão liberei meu cacete.
Alisei da base até a ponta babada, espalhei ao longo da extensão e,
de olhos fechados, dei-me o êxtase que prendi estando com ela.
Mais leve, limpei a mão em um pano que havia deixado
estrategicamente ali e segui para casa como se nada tivesse
acontecido.
O final daquele dia transcorreu normalmente. Mandei
mensagem para provocar Luiza, mas ter sido ignorado foi o
suficiente para saber que ela não iria.

No dia seguinte, Antônio e Artur passaram o dia todo me


infernizando para sair com eles à noite, como se não soubessem
que não fazia isso há anos.
— Cara, já te falei: o tempo de lamber as feridas já passou.
Agora é hora de deixar o passado lá e viver o futuro — Antônio
falou, terminando de abotoar a camisa vermelha.
Estávamos na sala e Davi assistia desenho deitado no meu
peito, quase dormindo.
— Não sei porque você insiste, sabe que eu não vou —
disse, alisando os cabelos do pequeno.
— Você é muito teimoso, Ísio.
— E você persistente.
— Mano, só hoje, vamos lá! — Artur tentou do outro lado.
— Vá filho, aproveite a vida. Você é novo, cheio de coisa pra
viver ainda — papai incentivou.
— Eu cuido do Davi, filho — mamãe embarcou na ideia.
Olhei todo mundo pensando se aquilo era um complô contra
mim ou se simplesmente eles resolveram me atentar em conjunto.
Vencido, cedi. Esperei até que Davi pegasse no sono
realmente para então colocá-lo na cama. Arrumei-me rapidamente
com um jeans escuro e uma camisa de botão azul petróleo. E
estava passando de bom para quem nem queria sair de casa.
Decidi ir no meu carro, não pretendia demorar. Xinguei meia
dúzia de palavrões quando percebi que eles estavam indo para
Uberlândia. Porra! Era muito mais longe para voltar.
Ao som de uma moda antiga, decidi que, se havia saído de
casa, estava disposto a fazer ser uma noite amena. Ninguém
merecia ficar na companhia de uma pessoa amarga e turrona. Não
ia esbanjar sorrisos. Nem carrancas. Tentaria ficar na minha.
Estacionei em frente um barzinho que não conhecia. Tentei
ler o estilo do lugar, já que era espaçoso, todo no madeiramento,
mas tinha uns balões iluminados com luzes, como os do filme
Enrolados.
Pois é, eu era pai de uma criança, sabia mais de desenhos
do que a maioria.
O local tinha uma vibe legal. Sentamos ao redor da ampla
mesa de madeira redonda junto a alguns amigos dos meus irmãos.
Todos homens, solteiros e de bem com a vida.
Pedimos algumas cervejas e petiscos. Eu estava um tanto
quanto deslocado, mas quando comecei a tomar o segundo copo,
sentia-me mais relaxado, observando o movimento do lugar e
conversando com os rapazes. No palco, uma dupla cantava um
repertório bacana de pop rock,.
Estava distraído quando ouvi uma voz feminina e bastante
sensual dizendo:
— Oi, Toni. Que bom te ver aqui.
Galante, meu irmão levantou para cumprimentá-la com um
beijo no rosto. Ela era alta, pele bronzeada, corpo escultural e tinha
cabelos loiros abaixo dos ombros. Entretanto, minha atenção foi
completamente desviada quando notei Luiza parada ao lado dela,
fitando-me assustada como se só tivesse me notado ali naquele
momento.
Talvez o espanto dela fosse tão ou até maior que o meu ao
encontrá-la ali. Ela vestia um conjunto branco de top e saia de
cintura alta, assim como a sandália de salto. O olhar estava bem
marcado pela maquiagem, assim como os lábios rosados. Os
cabelos estavam presos de um modo despretensioso, com alguns
fios soltos.
Ela estava absolutamente linda. Uma mescla de inocência
com sensualidade.
Merda! Eu estava muito ferrado.
Elas cumprimentaram os demais, Luiza tentou forçar um
sorriso amarelo, mas ao me encarar, estava com um semblante
fechado.
A personalidade da baixinha era leve e divertida. Por isso, era
absolutamente estranho vê-la daquele modo.
— Sentem-se conosco — Antônio ofereceu.
— Obrigada, Antônio — ela interpelou —, mas hoje estamos
na noite das garotas.
Piscou divertida, como se deixasse no ar “para falarmos mal
dos homens”.
— Nossa, fomos rejeitados — ele brincou e logo elas foram
para outra mesa ao longe.
Olhei Luiza caminhando com delicadeza sobre os saltos
finos. Parecia uma anja do mal.
Fiquei a noite acompanhando cada movimento que a danada
fazia,sendo totalmente ignorado por ela. As duas riam, se divertiam,
conversavam ao pé do ouvido, bebiam drinks, pediam músicas e
dançavam.
— Se está tão fissurado na garota, investe, Ísio — Artur falou
próximo ao meu ouvido notando que eu estava distraído.
Permaneci interagindo com os demais, mas de olho nela. Já
era tarde e acabei ficando muito mais do que eu esperava.
Levantei-me com o intuito de ir ao banheiro e percebi que as
garotas pareciam se preparar para ir embora. Quando saí, vi Luiza
entrando sozinha na área destinada ao público feminino.
Esperei até que retornasse e imprensei-a na parede entre os
meus braços, mas sem tocá-la propriamente. Fitei seus lábios, louco
para mergulhar neles e soube que ela também queria quando
observou demoradamente os meus.
— Me solta agora — pediu, com a voz falha e rouca.
— Ou o quê? — murmurei.
— Não pague pra ver do que sou capaz.
— Você está linda e não sabe a vontade que me deixou de
terminar o que começamos ontem — sussurrei em seus lábios.
— Você nem tente, porque tudo que eu quero é distância —
disse, em tom baixo, incerto.
— Então me convença — desafiei, atacando sua boca.
Luiza lutou, bateu em meus ombros, chutou minha perna e
mordeu meus lábios. Eu não queria que aquilo soasse como uma
agressão ou algo do tipo, meu objetivo era que ela quisesse tanto
quanto eu. Por isso, a soltei, pousando as duas mãos na parede,
acima de sua cabeça. Se ela quisesse fugir, o momento era aquele.
Soltei o ar com a respiração descompassada, louco de
desejo por ela. Encarei o seu olhar quente por alguns segundos e
ela parecia perdida tentando controlar a respiração. Fixou o olhar
nos meus lábios e castigou o seu inferior. Subiu até os meus olhos
murmurando um “foda-se” antes de tomar a minha boca e me puxar
contra seu corpo.
Apertei seus seios por cima do tecido, aprofundei o beijo
sorvendo tudo dela, inclusive os gemidos que tentava segurar.
Estávamos em um local um pouco mais escuro, mas ainda
assim era possível ouvir a movimentação de pessoas.
— Vamos sair daqui — determinei, baixo, guiando-a para fora
dali.
— Eu não vou — disse, empacando no lugar.
— Não seja teimosa, Luiza. Você quer tanto quanto eu.
— Eu ir com você pra quê? Pra me deixar a ver navios de
novo? — inquiriu, vermelha e brava.
Olhei Luiza com cuidado e sinceridade, antes de afirmar:
— Eu agi de modo infantil, mas queria causar em você ao
menos um pouco da raiva que senti vendo aquele professor
tentando te seduzir.
— Não acredito que foi por isso, Aloísio — reagiu, pousando
as mãos nos quadris.
— Podemos conversar e discutir o que você quiser, mas
vamos sair daqui?
A baixinha era tinhosa, mas finalmente consegui convencê-la
a sair daquele lugar. Ela se despediu da amiga enquanto eu dava
um tchau rápido para os meus irmãos e acertar a minha parte da
conta.
De lá, eles iam estender para outro lugar. Ficou acertado que
hoje não usariam o nosso apartamento de sempre.
Tentei passar o braço ao redor da cintura de Luiza enquanto
saíamos do bar e recebi um tapa na mão.
Baixinha teimosa!
Luiza caminhou para a porta do passageiro quando destravei
o carro. Porém, antes que entrasse, abri a porta de trás e a coloquei
lá dentro.
— O que você está fazendo? — indagou, assustada.
— Te dando uma amostra de como será a nossa noite —
respondi, fechando a porta atrás de mim, sentindo o cheiro gostoso
do seu perfume.
Aproveitei o estacionamento escuro e os vidros fumês do
carro para começar a nossa brincadeira ali.
Invadi a boca de Luiza sem dar tempo para sequer respirar.
Com agilidade, puxei suas pernas fazendo-adeitar, encostando uma
delas no banco dianteiro e outra no banco traseiro.
A visão daquela mulher aberta no meu carro, sobre o manto
de cabelos escuros, com a saia embolada na barriga, a calcinha
delicada de renda branca, as sandálias altas e o olhar devasso me
deixaram louco.
Arrastei o tecido para o lado caí de boca na pequena boceta,
sentindo o quanto estava desejosa. Chupei os lábios delicados,
espalhei os fluidos, mordi e lambi o clitóris inchado. Luiza gemia
alto, puxando meus cabelos e mordendo a mão para não gritar.
— Que gostoso! — exclamou, baixo.
Penetrei os dedos devagar, vendo-a conter os urros e
movimentar contra a minha mão. Acelerei os golpes conciliados com
as chupadas e lambidas. Luiza gozou intensamente, a ponto de
liberar um jato forte de ejaculação feminina.
Com a respiração pesada, jogou a cabeça para trás,
estampando um sorriso satisfeito.
— Espero que esteja preparada, porque é só o começo da
noite — sentenciei, deixando um beijo sobre o monte de vênus e
colocando a calcinha no lugar.
CAPÍTULO 27 | LUIZA

Aloísio queria me foder


. Literalmente.
Depois de tê-lo encontrado estranhamente no bar, tirei
satisfação com a Poly e ela confessou que havia comentado com
Antônio onde iríamos. Quer dizer, ele estar ali tinha sido armação,
bastava saber se estava ciente disso.
Claro que precisei contar a ela o que estava acontecendo.
Polyana ficou eufórica e estava louca para me empurrar para cima
do loirão.
Depois de me dar um orgasmo daquele dentro do carro,
Aloísio me levou para o apartamento luxuoso e espaçoso da família
Albuquerque. Não foi o nome que usou, mas eu tinha a impressão
que seria um motel particular dos irmãos.
Sabia que ele não deveria usar aquele lugar há algum tempo
e não me importava.
Ali a brincadeira ficou séria. No quarto dele, Aloísio me virou
do avesso.
— O que você quer? — perguntou com o olhar cerrado e a
boca próxima a minha enquanto segurava meus cabelos pela nuca.
Estávamos no box depois de termos transando na cama, no
chão, na poltrona e agora, no banheiro.
— Seu gosto na minha boca — pedi, safada, colocando a
língua para fora. Estava ajoelhada, segurando em suas coxas duras,
sentindo todos os lábios inchados.
Ele estocou outra vez antes de esporrar. Eu estava
extremamente sensível e bastou tocar outra vez no clitóris para
gozar novamente, acompanhando-o.
Tinha sido uma noite maravilhosa.
Aloísio ajudou-me a levantar, passando o polegar pelo canto
dos meus lábios com delicadeza. Com a outra mão, colou seu corpo
suavemente.
— Você é linda — declarou, sorrindo.
Fiz uma careta e ele deu uma batidinha com o polegar sobre
o meu nariz.
— E muito moleca também — finalizou,encostando os lábios
nos meus.
Era gostoso o clima em que estávamos. Nem parecia que
estava tenso um pouco antes.
— E você, de extremos.
— Por que diz isso? — questionou, afastando-se e fitando o
meu rosto.
— Porque há um minuto estava com o modo devasso
ativado, me tratando como uma vadia. E agora, está todo meigo e
amável.
— Você não gosta? — perguntou, sério, alisando meus
cabelos.
— Pelo contrário, não sou nenhuma santa entre quatro
paredes. Só acho diferente vir de você, ainda que consiga ser
grosso e carinhoso em questão de segundos.
— Desculpe, eu fui um idiota infantil que estava tentando
descobrir o que estava sentindo por você e cometeu algumas
burradas no caminho.
— E descobriu? — questionei.
Sua resposta foi um beijo quente, cheio de entrega e
sentimentos. Era intenso e eu não sabia muito como reagir, mas
gostava. Gostava mais do que deveria.
— Sim. E tentei lutar contra a vontade de estar com você o
tempo todo e a montanha de sensações que isso me causa —
confessou, mergulhado em meus olhos e alisando meu rosto.
Alisou meu rosto, continuando:
— Mas você me invadiu com uma vivacidade que eu não
esperava, Luiza. Eu sei que o que está acontecendo entre a gente
é forte na mesma medida que confuso. Além disso, a minha
bagagem pode ser muito pesada para uma garota como você —
beijou meus lábios com carinho. — Mas a senhorita tem roubado o
meu juízo e, ainda que seja difícil para mim admitir, eu estou
gostando de você, pequena.
Engoli em seco com a sua declaração. Não que eu não
esperasse, mas havia sido muito impactante e sincera.
— E eu quero ficar com você — finalizou.
— Aloísio — falei reticente, pegando em seu pulso —, eu
gosto dos momentos que passamos juntos, principalmente como
esses ou quando estamos com o Davi, mas não quero ser chamada
de interesseira ou julgada pelos moradores da fazenda.
Ele beijou minhas mãos e questionou:
— O problema é esse? Você também quer viver isso que
surgiu entre nós?
Assenti.
— Então eles não precisam saber por enquanto. Vamos
vivendo a nossa vida, sem mentir e sem escancarar. Quanto ao
Davi, podemos ir com calma. Também é confuso para ele.
Poderia ser uma grande furada, mas eu gostava muito do que
ele me fazia sentir. Do que adiantava gritar aos quatro ventos que
não queria relacionamento sendo que, na verdade, eu estava doida
para ficar com ele o tempo todo?
Eu já estava envolvida demais por ele e o pequeno para
querer pular fora.
— Está com fome? — perguntou quando terminei de
desembaraçar os cabelos.
Concordei e fomos para a cozinha procurar alguma coisa.
Como um casal de namorados, vesti a camisa que ele estava
usando mais cedo enquanto ele caminhava pela casa só de cueca.
Era um espetáculo!
Encontramos alguns morangos e uvas na geladeira.
Devoramos tudo acompanhado de leite condensado. É claro que
aquela alegria toda terminou em mais uma rodada de sexo.
CAPÍTULO 28 | ALOÍSIO

Tentei virar para o lado estranhando o colchão e o calor em


minhas pernas restritas de movimento. Abri os olhos ainda
sonolento deparando com o sol entrando no quarto e o corpo
pequeno preso ao meu.
Há quanto tempo eu não dormia assim com alguém?
Fechei os olhos novamente lembrando da noite passada. Abri
meu coração para Luiza como talvez nunca tenha feito para
nenhuma mulher. Ainda era muito difícil confiar, mas eu tentava me
libertar dessas amarras aos poucos.
Luiza dormia relaxada, de bruços, com o semblante tranquilo
e a perna sobre a minha. Alisei seu rosto com cuidado pensando em
como seriam as coisas dali para frente, principalmente no que se
referia ao Davi.
— Pequena, acorda! — falei, baixinho, descendo o lençol e
beijando suas costas. — Já está tarde.
— Hm... — reclamou. — Só mais um pouquinho.
— Nem mais um pouquinho — respondi, deixando o tecido
de lado e descendo os beijos pela lombar. Mordi a nádega pequena,
abrindo suas pernas com o meu joelho.
Com uma pegada firme, abri os dois globos e espalhei beijos
molhados por toda a região até atingir o seu centro do prazer. Notei
que ela finalmente havia acordado quando gemeu, esticando o
pescoço para trás.
Dediquei-me a lhe dar um bom dia especial.
— Eu adoro dormir, mas se for para acordar desse jeito
sempre, posso rever esse conceito — gracejou, ofegante após o
orgasmo matinal.
Sorri beijando seus lábios e a levei para o banho.

— Achei que nós íamos jantar e você ainda não teria


chegado.
Foi a primeira provocação que ouvi de Antônio naquele
domingo. Realmente eu havia chegado bem tarde, mas ainda a
tempo do almoço.
— Onde você tava, papai? Demoou — Davi questionou,
antes de levar a colher cheia à boca.
— Precisei resolver algumas coisas, filho — respondi,
beijando seus cabelos e indo lavar as mãos.
O almoço de domingo estava farto e meu estômago
reclamou. Servi-me e comecei a comer sob o olhar atento de cada
um deles por cima dos seus talheres.
— A noite foi boa, Ísio? — papai perguntou.
— Claro que foi, pai. Olha a cara de bobo dele — a peste do
meu irmão respondeu.
Fiquei apenas ouvindo e comendo enquanto eles discutiam e
levantavam hipóteses.
— Conta logo, filho... vocês se acertaram? — Dona Marta
questionou, inquieta.
Assenti em um movimento de cabeça, não querendo expor
mais que isso.
— Ah que alegria! — ela comemorou como um final de copa
do mundo. — Eu faço gosto de vê-los juntos.
Sorri, eu também estava feliz. Por muito tempo meu peito foi
preenchido apenas por mágoa e dor. Contudo, já não reconhecia
esses sentimentos há alguns dias.
— Mas vá com calma, Dona Morta — alertei. — Vamos
devagar e mantendo a discrição.
— Eu sou um túmulo — afirmou, passando um sinal de zíper
nos lábios.
Davi observava tudo atento, mas não perguntou nada e eu
preferia assim. Queria me estabilizar primeiro com a Luiza para só
então contar a ele, o que não significava que não o incluiríamos em
alguns de nossos planos.
Foi pensando nisso que Luiza teve a ideia de o levarmos no
parque que estava em Colina mais tarde. Por falarnela, a levei até a
casa da amiga para pegar o seu carro e voltei atrás dela na estrada.
O que a bichinha tinha de pequena, tinha de pé de chumbo.
Gostava de correr. Não sei como o seu celta 1.0 dava conta.
Ri ao lembrar disso e uma vontade danada de beijá-la
retornou. Desde que nos despedimos, era como se eu sofresse por
antecipação ao saber que teríamos que ficar longe por algumas
horas.
Finalizamos o almoço, levei o Davi para higienizar a boca
conversando com ele:
— Filho, sabe o que o papai pensou em fazermos?
— O que, papai? — respondeu, cuspindo a água na pia.
— Assistirmos a um filme bem legal juntos e, depois que você
acordar do seu sono da tarde, darmos um passeio bem bacana —
disse, deslizando a toalha pelos seus lábios.
Ele fez o que me quebrava de amores toda vez que repetia.
Sorriu, mostrando os dentinhos brancos.
— Eu queio — comemorou, pulando.
— E tem mais. Pensei em levar uma pessoa com a gente.
— Quem, papai? — indagou, curioso.
— A tia Luiza.
— Ebaaa! Eu adoo a tcha Luiça, papai.
— Eu sei, espertinho. — Fiz cosquinha, o colocando sentado
em meus ombros ouvindo suas gargalhadas, andando até a minha
cama.

— Tcha Luiça, eu tô bonito? — Foi a primeira pergunta que


Davi fez quando ela entrou no carro. Estava linda e delicada com
um vestido claro com flores rosadas na altura dos joelhos.
Ela olhou para trás observando ele vestido de bermuda jeans,
camisa polo azul e sapatênis.
— Você está lindo, um charme de menino — sorriu de volta,
fazendo cosquinhas em sua barriga. Davi ficou todo alegre.
Um sorriso genuíno brotou em meus lábios. A energia que
aquela garota trazia para a minha vida somada a do meu filho
faziam com que eu reencontrasse o Aloísio de anos antes.
Luiza aproximou delicadamente beijando meu rosto, com as
duas esferas castanhas e brilhantes. Senti um arrepio gostoso
percorrer meu corpo trazendo a vontade de ficar sozinho com ela
novamente.
— Oi — disse, faceira.
— Oi, pequena — retribuí, fitandoa boca colorida de rosa e o
lábio inferior chamativo.
— Vamos? Estou empolgadíssima! — ajeitou-se no banco
colocando o cinto. — Davi, escolhe uma música.
— Os menino da pecuáia — ele nem duvidou. Eu gargalhei
da cara que ela fez.
— Ah não, Davi! É sério isso? — brincou, com falsa
indignação. — Vou precisar passar mais tempo com você para te
ensinar a gostar de umas músicas legais.
Ele gargalhou.
— Já que eu não posso dirigir o seu carro, posso ao menos
mexer no som?
Balancei a cabeça estendendo a mão:
— Vá em frente.
Em instantes, a voz do garotinho ecoou e Davi se empertigou
no banco cantando junto enquanto eu acelerava pela estrada.
Os menino da pecuária, oh oh
Não para
Senta que aqui nois tem dinheiro
Mas usa chapéu de paia
Não para
Senta que aqui nois tem dinheiro
Os menino da pecuária[17]

— Cara, o Davi não nega o fazendeiroque ele vai ser quando


crescer — ela afirmou, vendo a empolgação dele. Não demorou
muito até que ela gravasse o refrão e se juntasse.
— As coisas parecem estar mudando por aqui, não é
pequena? — insinuei.
Ela deu de ombros e continuou, sem retrucar.
Antes de chegarmos, Davi enxergou a roda gigante e ficou
em polvorosa, falante.
Quando descemos, o desejo de segurar a mão de Luiza veio
com força, mas me contive. Já estávamos dando muita bandeira
saindo juntos, então era melhor nos segurarmos.
Pegamos nas mãozinhas do Davi e seguimos a diante com
ele eufórico.
— Olha! A oda gigante, o cainho de bate-bate, o caoessel,
aquele de giar — fez o movimento circular com o dedinho referindo
ao kamikaze — eu queio...
— Claro que vamos, Davi... e comer muitas guloseimas
também... Algodão doce, pipoca, cachorro-quente... hum... — ela
completou, entusiasmada.
Comprei o passaporte para os brinquedos, reconhecendo
alguns rostos na fila do caixa, mas não liguei para os olhares
curiosos.
— Vamos no carrinho de bate-bate? — Luiza perguntou,
enquanto dividia um algodão doce com o Davi.
— Já vi você dirigindo e confesso que me deixou
preocupado. Não sei se tenho coragem de disputar que seja uma
brincadeira contigo.
Luiza fez uma careta e colocou a língua vermelha para fora.
Davi riu. Eu fiquei indeciso quanto a rir e querer mergulhar naquela
boca.
— Se você soubesse a vontade que fiquei de sentir o gosto
doce dos teus lábios não me provocaria desse jeito, pequena —
falei, baixo.
Ela era tão terrível que ao invés de se comportar, incitou
ainda mais:
— Posso pensar em uma ou duas maneiras de resolvermos
seu problema mais tarde.
— Luiza... Luiza...
Ela sorriu, pegando na mão de Davi andando em direção aos
carrinhos. Perdi a cumplicidade do meu filho quando de livre e
espontânea vontade ele preferiu se juntar a ela.
Fitei com atenção quando a garota passou o cinto de
segurança no corpinho dele, garantindo que estava bem preso.
— Juízo, hein, moça? Você está transportando o bem mais
precioso da minha vida — alertei, batendo o dedo de leve na ponta
do seu nariz.
— Ah, pode deixar — ela respondeu, com olhar travesso. —
Né, Davi? Se segura, porque o negócio vai ser doido!
Acomodei-me no outro carro e os brinquedos foram ligados.
Luiza era maluca. Fazia questão de ser agressiva e bater nos outros
brinquedos, não só no que eu dirigia. A cada acidente, uma
gargalhada. Dela e, principalmente, dele.
— Eu queio de novo... — Davi pediu quando o tempo acabou.
— Vamos nos outros... tem a roda gigante, a montanha russa
e muito mais. Qualquer coisa a gente volta depois — ela explicou.
Fomos em cada um deles e foi um final de tarde incrível,
como eu nunca havia tido com ele.
Estávamos caminhando para a saída quando Luiza viu o tiro
ao alvo.
— Vamos finalizar com ele antes de irmos? Eu quero tentar
aquele urso branco.
— É uma garota mesmo — falei, baixo.
— Larga de ser um velho ranzinza — devolveu, caminhando
até a barraca. Luiza pediu a arma e começou a atirar.
— Você é muito ruim de mira — desafiei.
Desaforada como só ela era, estendeu o objeto me
entregando.
— Está achando ruim? Faz melhor!
— O que eu ganho se eu acertar? — indaguei.
— O urso.
— Não quero o urso. Quero algo que venha de você — disse,
próximo ao seu ouvido.
— Vai lá e ganha. Depois a gente decide.
— Você é esperta, garota.
— Nem imagina o quanto — devolveu, segurando o Davi em
frente ao seu corpo, ambos observando o que eu fazia.
Posicionei-me atrás da espingarda, mirando no patinho que
deslizava e com atenção total ali. Não precisei de outro tiro para
acertar o alvo.
— Ele acertou... ele acertou! — Ela e o pequeno começaram
a pular, empolgados.
— Papai, eu queio a apoza.
Assenti e paguei outra rodada. Repeti o mesmo processo e
Davi ficou vibrante quando acertei.
O funcionário me entregou primeiro o prêmio dele e, quando
entreguei em suas mãos, ficou eufórico. Em seguida, peguei o urso
de Luiza. Era claro, com um laço vermelho no pescoço.
Estendi em sua direção, ela o abraçou com carinho e
sorridente.
— Obrigada.
— Obrigada nada. Você me deve, e eu vou cobrar.
Já era mais de sete da noite quando saímos do parque.
Fomos a uma pizzaria e foi mais uma diversão, já que Luiza fazia
questão de brincar com o Davi o tempo todo.
Pegamos a estrada de volta e não demorou até que ele
dormisse abraçado à raposa que ganhou. Peguei a mão dela, sob
seu olhar atento, entrelacei os dedos nos meus e levei aos lábios. A
cumplicidade em nosso olhar dispensava qualquer palavra.
— O que está fazendo? — ela questionou, quando parei o
carro na estrada vazia e tirei o cinto.
— O que senti vontade desde que nos despedimos esta
manhã — anunciei, tomando seus lábios. Eu estava tão viciado no
gosto dela que não teve como ser um beijo suave.
Mergulhado no gosto doce daquela boca, não soube
distinguir se o gemido que ouvi era meu ou dela. Embrenhei meus
dedos em seus cabelos, puxando-a para mim, enquanto a outra
mão deslizava por baixo do vestido.
Queria muito trazê-la para o meu colo e lutei bravamente
contra essa vontade em respeito ao pequeno.
— Vai ser uma tortura ter que me privar de te tocar toda vez
que eu sentir vontade — confessei.
— Shhh... não pensa nisso, ursão. Só vamos aproveitar
enquanto podemos ficar assim.
— Ursão? — indaguei, levantando a sobrancelha.
— Claro. Eu estava procurando um apelido para te batizar,
mas não tinha encontrado um que mais se adequasse. Então, foi
perfeito ter me dado esse urso e casa plenamente. Você é grande,
bravo, sério, protetor e come como ninguém. E eu não estou falando
de comida — finalizou, com uma revirada de olhos sugestiva e um
sorriso descarado.
Gargalhei beijando seus lábios e afagando o topo de seus
cabelos.
— Se o Antônio descobre uma coisa dessas, eu serei
chacota até a geração dos meus tataranetos.
Ela sorriu.
— Não prometo, mas vou tentar não te chamar assim na
frente dele.
Permanecemos um bom tempo daquele jeito, entre beijos e
carinhos ao pé do ouvido. Ao notar que já estava tarde e Davi
desconfortável, deixei Luiza em casa, morto de vontade de entrar
com ela.
CAPÍTULO 29 | LUIZA

O final de semana tinha sido incrível!


Foi com esta constatação que desci do carro abraçada ao
meu urso. Ele teria um lugar especial no meu quarto.
Na segunda-feira, Davi chegou na escola espalhando alegria
e leveza. Contava para todos que tinha ido no parquinho e em
diversos brinquedos. Ao recebê-lo na porta, fui invadida pelo olhar
intenso do seu pai. Diferente dos outros dias em que ostentava um
semblante sério, hoje Aloísio sorria. Um sorriso lindo, diga-se de
passagem.
Dentre aulas, planejamentos e reuniões, o dia foi ótimo. No
entanto, no final daquela tarde eu já estava louca para ter aquelas
mãos firmes no meu corpo e a boca na minha.
Com a bolsa nos ombros, caminhei até o corredor executivo.
Era final de tarde e Brenda provavelmente tinha ido embora.
Respirei fundo, com a cara e a coragem. Qual desculpa eu
inventaria se topasse com ela ou qualquer outro funcionário da
fazenda, não fazia ideia. Mas fui...
Caminhava rápido e desconfiada até a sala de Aloísio quando
a porta ao lado se abriu, dando de cara com Antônio e Marta.
Ai caralho!
Mas eu queria estar com o ursão, não queria? Então era para
eu estar pronta para momentos como esses.
— Olha só se não é a cunhadinha — Antônio provocou.
Arregalei os olhos. Eles já sabiam?
— Oi, querida! — Marta sorriu.
— Éh... — limpei a garganta — Oi...
— Olha mãe, se não é maravilhoso ver a Luiza tímida — ele
continuou. — Fique tranquila, somos um túmulo.
Eu estava vermelha, com toda certeza. Sabia, porque sentia
as bochechas pegando fogo. Em situações como esta, eu
normalmente era quem provocava, mas ali, em frente a eles, não
consegui.
Marta fechou a porta, segurando o braço do filho:
— Fique tranquila, meu bem. Torcemos muito por vocês.
Agora deixe de perturbá-la e vamos, filho — virou-se andando com
o grandão.
Dei duas batidas na porta do escritório e abri quando ouvi a
voz de Aloísio autorizando. A sala era rústica, repleta de tons cinzas
e marrons. Ao lado de sua mesa, uma janela grande de blindex a
deixava arejada. Atrás de sua cadeira de couro preta, havia um
quadro com a vista panorâmica da fazenda entre duas estantes
embutidas de madeira do mesmo tom da mesa e cadeiras de visita.
Absolutamente linda.
— Oi, pequena! — Sorriu, levantando-se e caminhando na
minha direção. — Que surpresa inusitada vê-la aqui.
— Você contou para a sua família? — questionei, brava.
— Não foi necessário contar, baixinha. Eles souberam só de
olhar na minha cara quando cheguei para o almoço — afirmou,
tocando meu rosto e a cintura, puxando-me para um beijo gosto. —
Fique tranquila, eles não espalharão.
Não precisava ser um segredo de Estado. Por isso, deixei-me
desarmar quando senti o gosto mentolado de sua boca somado ao
cheiro do perfume amadeirado e a essência natural de homem
bruto.
— Eu estava com saudade — confessei, entre beijos.
— Eu também, pequena.
Aloísio pegou-me no colo, trancou a porta e deitou sobre o
sofá de couro preto. Seus beijos foram tomando proporções
maiores, fazendo meu sangue circular quente feito brasa. Livramos
de nossas roupas e ele se preparava para mergulhar entre minhas
pernas quando o impedi. Ele levantou uma sobrancelha confuso.
— Eu vou chupar você como nunca ninguém fez antes —
decretei, segura.
Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.
— Estou ansioso para saber como.
Devagar, ajoelhei-me sobre o tapete sem tirar meus olhos do
dele. Subi as unhas pelas coxas musculosas sentindo-o contrair os
quadríceps. Levou a mão com suavidade pelos meus cabelos, sem
forçar nada, mas fazendo-se presente em um ato de submissão.
Deslizei para a virilha, sorrindo, sem-vergonha ao chegar nas
bolas e o pênis duro. Segurei na cabeça levantando e sorvendo os
testículos. Ele gemeu. Seus olhos pareciam duas bolas de fogo.
Demorei-me ali, sugando e babando até deixá-lo louco.
Utilizei apenas a ponta da língua ao longo do pau. Espalhei a
lubrificaçãoque ele soltava e um pouco da minha saliva. Segurei na
base com uma mão e, com a outra, deslizei a palma em movimentos
circulares. Os sons emitidos por sua garganta se assemelhavam a
urros, ainda contidos.
Finalizava as rotações, descendo e subindo na carne rija e,
para deixa-lo ainda mais insano, girava os cinco dedos ao redor da
glande como se estivesse abrindo um pote de vidro.
Suas expressões faziam com que eu me sentisse muito
excitada e os meus fluidos escorressem pelas coxas. Aloísio
alternava entre me olhar com os olhos cerrados, jogar a cabeça
para trás e grunhir entre dentes.
— Me chupa, pequena!
Mordi a ponta da língua, safada, e me afastei. Olhou sem
entender o que eu fazia.
— Calma, ursão. Você vai gostar.
Deitei-me no sofácolocando as pernas para cima no encosto,
as costas no assento e a cabeça para fora.
— Vem, fode a minha boca do jeito que você quiser.
— Puta que pariu, pequena!
— Eu sou a puta. A sua puta — incitei. — Agora vem forte.
Aloísio flexionou os joelhos segurando a carne quente,
esfregou nos meus lábios de um modo sacana e entrou fundo de
uma vez. Engoli, massageando as bolas e correspondi a cada
estocada forte que ele dava. Estava toda babada e adorando a arte
feita.
A ideia era dar prazer a ele, mas estava amando tê-lo
daquele modo, tão entregue. Gritei com a boca empalada quando
ele mergulhou dois dedos na minha vagina. Aquela posição dava
uma profundidade que nunca tinha tido antes e tive certeza que ele
tocou meu útero.
Puxou minha perna em direção ao seu peito, deslizou a
planta do pé pela barba cheia e mordeu o meu dedinho, passando
por todos os outros.
Se existia um jeito bom de morrer, com certeza eu gostaria
que fosse com um prazer daquele.
Massageou a entrada do meu ânus me fazendo-me gemer.
Insinuou:
— Você está em débito comigo...
O arrepio me percorreu e, involuntariamente, contraí todo o
meu corpo. Sentia-me engasgada, com dificuldade para respirar
mas não queria que ele saísse da minha boca. Interrompendo meus
planos, tirou os dedos de mim e afastou o pau dos meus lábios,
ajudando-me a levantar.
Fiquei zonza, de prazer e pelo movimento.
— Sem dúvidas foi o melhor oral que já tive, mas eu quero
muito cobrar a dívida.
Colocou-me com a bunda empinada para ele e os braços
apoiados no encosto. Caminhou até a mesa pegando um
preservativo na carteira e voltou já encapado. Pôs o meu rosto no
sofáao passo que colocava meus dois braços para trás, segurando-
os com uma mão.
Resvalou a glande por um tempo na minha entrada apenas
para me fazer implorar para ser penetrada:
— Não me provoca desse jeito, ursão.
— Então pede o que você quer.
— Mete em mim... mete fundo... aaaahhh — gritei, sentindo a
carne me abrindo. — Que delícia!
Aloísio me comeu como um animal, metendo forte e ritmado.
— Já deu esse buraquinho, Luiza? — inquiriu, penetrando a
ponta do dedo. Deixando-me quente e desejosa.
— Sim... Oh... Aaaah... — clamei, sentindo o tapa forte na
nádega. — Porra, Aloísio...
— Se reclamar, tem mais... — avisou, entredentes.
— Ai inferno! Que merda! Que porra! Tá horrível — incitei,
louca, sedenta.
— Ah sua pequena provocadora — grunhiu, dando outros
dois tapas e eu berrei.
Direcionou o membro até meu anel, pedindo passagem.
— Ai caralho, vai devagar que você é grande!
— Fique tranquila, relaxa...
Aos poucos, ele se instalou. Permaneceu quieto até que eu
acostumasse ao seu tamanho. Quando me viu relaxada, voltou a
arremeter primeiro lento. No entanto, quando vi, estava louca
pedindo por mais e sendo comida com velocidade, sem o
movimento das minhas mãos e com a cara afundadano estofadodo
sofá.
Gozei forte e fui acompanhada por ele instantes depois.
Ofegante, Aloísio jogou-se ao meu lado, tirando a camisinha
e deixando no chão amarrada. Puxou-me para o seu colo onde
aninhei em seu peito como um filhote que busca sua mãe.
— Machuquei você? — indagou, afastando os cabelos
suados do meu rosto.
Seus fios estavam igualmente molhados e bagunçados. O
sorriso branco brilhava, feliz. A prova perfeita de uma foda bem
dada.
— Talvez tenha tirado minha coluna do lugar com os tapas,
mas o resto está perfeito. Só um pouquinho ardido, mas nada que
um carinho e chupes[18]bem dado não resolva — brinquei.
Ele riu dando batidinhas no meu nariz.
— Espertinha...
Ficamos calados por um tempo esperando até que nossas
respirações voltassem ao normal ao passo que ele alisava e beijava
meus cabelos. Inesperadamente, confessou:
— Você tem mexido bastante comigo, pequena. Sinto que
posso te amar muito e tenho até medo do que isso pode fazer
conosco.
As palavras dele me deixaram sem reação, não soube o que
responder. Por isso o beijei, demonstrando tudo o que sentia por ele
com ações.
Havia escurecido quando saímos da sua sala, tudo estava
apagado, exceto as luzes da varanda. Todos deveriam ter ido
embora.
Estava no penúltimo degrau da escada quando as cadelas
apareceram, correndo e latindo alto.
— Que susto! — exclamei, levando a mão ao peito. Puts, elas
iam chamar atenção. Sentia-me como uma criminosa fugindo da
cena. Falei, quase em um sussurro: — Cala a boca, Matraca.
Brigar pareceu ter efeitoreverso e ela latia mais. Pronto, todo
mundo ia saber que eu estava saindo dali àquela hora com o patrão.
Aloísio riu e deu a ordem. Finalmente elas se aquietaram.
Caminhamos juntos até nossos carros e, com carinho e os
olhos brilhantes, ele se despediu sem me tocar.
Tinha sido perfeito.
CAPÍTULO 30 | LUIZA

Nos dias seguintes, Aloísio e eu parecíamos dois


adolescentes empolgados. Não podíamos encontrar uma brechinha
em nossos horários ou longe das vistas de outras pessoas que nos
atracávamos.
Ainda que não quiséssemos escancarar, ficava um pouco
difícil, já que não conseguíamos lutar contra os nossos anseios.
Algumas pessoas começaram a me olhar diferente, meio de
canto de olho e até mesmo alguns cochichos. Nas primeiras vezes
me incomodou, mas depois liguei o jeito foda-se Luiza de ser. Dei
de ombros e mantive a pose educada que sempre tratei a todos.
A cada encontro com Aloísio, eu sentia que ficávamos mais
fortes. Então, por que vivermos escondidos?
Escutei o ronco da caminhonete dele quando terminava de
borrifar o perfume entre os seios. Conferi se tinha batom nos dentes,
dei uma piscadinha para o espelho jogando o cabelo de lado e saí
ajeitando a alça da bolsa no ombro.
— Você está encantadora! — Meu loirão elogiou,
aguardando-me em pé do lado de fora do carro.
Beijei seus lábios notando que duas vizinhas conversavam do
lado de fora de suas casas olhando discretamente em nossa
direção.
— Você também... E, como sempre, muito cheiroso.
Ele sorriu, tocando minha mão e auxiliando a entrar no carro.
Sentou em seu lugar, mas não ligou o motor. Virou o corpo para trás
e pegou uma caixa grande.
— Meu primeiro presente para você.
Eu adorava presentes. Peguei alegre, curiosíssima. Em
segundos tirei o embrulho deparando com uma marca cara. Olhei
para ele com os olhos arregalados:
— O que é isso?
— Termina de abrir. Acho que vai brigar comigo, mas espero
que goste.
Abri a caixa com cuidado, como se fosse um bicho que
pudesse pular. No entanto, a bota de montaria de couro marrom
chamou toda a minha atenção.
— Uau! Ela é linda!
— Sei que não faz seu estilo, contudo, agora você namora
um fazendeiro— explicou, sorrindo. — Observei que você não tinha
e, muito além da questão estética, é importante para a sua
segurança. Aqui tem muito bicho e quanto mais protegida, melhor.
Beijei seus lábios, abobalhada por tanto carinho e confessei:
— Realmente não faz meu estilo, mas já havia pensado em
comprar uma justamente por isso. Obrigada, ursão.
— Não pense que foi só por isso — soltou, ligando o carro e
manobrando — vou te ensinar a montar.
— É o quê?
Ele riu.
— É isso aí... sem escapatória.
— Aonde é que eu fui amarrar minha burra? — zombei.
Se fosse há algum tempo atrás, eu provavelmente ficaria
brava com o presente. No entanto, os ares campesinos estavam me
invadindo de um modo irreversível. A cada dia eu me sentia mais
ambientada aquela realidade.
Marta havia me convidado para jantar, agora como membro
da família Albuquerque.
Fui recebida em um clima leve e descontraído por todos.
Jantamos e depois Alfredo nos serviu a sua safra especial de
vinhos, um de seus hobbies. Marta era sorrisos para todos os lados.
Antônio como sempre brincalhão, cheio de gracinhas. Artur, mais na
dele, contido e extremamente educado.
Decidimos ir com calma em relação ao Davi, para ele eu
ainda era tia. Mas em breve contaríamos sobre o nosso
relacionamento. Era diferente e gostoso estar ali naquele papel.
— Tcha Luiça, vem ver... o papai tocar — ele convidou,
pegando minha mão e puxando-me para a sala.
— Tocar o quê, meu amor? — questionei.
— Filho, agora não. Depois a gente toca.
— Pu favor, papai... só um pouquinho — insistiu.
— Quero ver você tocar — pedi, achando que seria violão. —
Por favor.
Aloísio me olhou por alguns segundos e todos pareciam já
preparados para assisti-lo.
— Tudo bem — concordou, alongando o pescoço e os dedos.
Qual não foi a minha surpresa quando ele caminhou até o
piano e abriu a tampa, deslizando os dedos pelas teclas.
Davi sentou em meu colo, encostando as costas em meu
peito, observando o pai. Fiquei extasiada, compenetrada quando ele
sentou na banqueta e começou a tocar.
Reconheci a música como The Nights do Avicci. A melodia
começava lenta e ia se tornando agitada e alegre. Foi assim que
Davi dançou empolgado, fazendo-me chacoalhar junto com ele.
Quando finalizou, batemos palma saudando tamanha beleza.

— Filho, toca River Flows InYou[19] — Marta pediu, levando o


cálice de vinho à boca.
Eu estava inerte observando-o dedilhar o instrumento com
tanto domínio e suavidade. Jamais poderia imaginar que um
fazendeiro bruto e turrão como Aloísio pudesse ter tanta
sensibilidade para tocar piano.
Envolvida com a canção tão linda e triste, só percebi que
estava emocionada quando senti a mãozinha de Davi em minha
bochecha, pedindo:
— Não choa, tcha Luiça!
Tentei sorrir para confortá-lo, mas as lágrimas estavam
carregadas. Não sabia que precisava externar até que
simplesmente saiu.
— Não se preocupe, meu bem, é um choro bom.
— Bom? — indagou, com o semblante confuso.
— Sim, um choro feliz.
— Mas eu não choo quando eu tô feliz. Eu choo quando tô
tiste ou com dô.
Abracei seu corpinho com força, explicando:
— A gente chora quando está feliz também, príncipe. Mas
você vai aprender isso ao longo do tempo.
Mais tarde deixamos Davi dormindo com a avó e Aloísio
passou a noite comigo na minha casa. Aquela cena do piano tinha
feito com que alguma coisa mudasse e um sentimento grande e
poderoso se apossasse de mim.
— O que foi? — Aloísio questionou, nu, sobre mim, alisando
meus cabelos e fitando meu rosto com atenção.
— Não sei — devolvi, com o peito apertado. Uma miríade de
entrega e angústia. Prazer pelo que estava vivendo. Medo de que
algo pudesse acontecer.
— Eu estou aqui com você, sempre — finalizou, beijando
meus lábios e deslizando para dentro de mim com amor e carinho.
CAPÍTULO 31 | LUIZA

Confesso que eu estava vivendo uma fase muito diferente do


que estava acostumada. Às vezes, a intensidade do meu
relacionamento com o Aloísio me assustava. Com ele, eu estava
descobrindo um mundo completamente novo, do qual eu jamais
esperei fazer parte.
Na noite em que descobri seu dom com o piano, fizemos
amor de um modo especial, lento e cheio de sentimentos. Como se
não fosse o bastante, ele contou todo o seu passado com a mãe de
Davi, bem como o modo que tinha sido abandonado por ela. Fiquei
com tanto ódio daquela mulher, não conseguindo compreender sua
atitude.
Tudo aquilo, fez com que eu ficasse ainda mais balançada
com tudo. O sentimento forte que eu sentia por ele, meu amor e
cuidado por Davi e o como estava sendo acolhida por aquela
família.
Como prometido, o ursão estava me ensinando a montar. Era
divertido e eu tinha um total de zero jeito com cavalos e selas. Ele
fez questão de escolher uma égua manga-larga marchador, a mais
mansa da fazenda. Afrodite era linda, marrom, com um rajado
branco no focinho.
— Primeiro, você precisa se conectar com ela, pequena —
Aloísio explicou, colocando-se atrás de mim, pegando minha mão
aberta e auxiliando a passar no focinho da égua.
Respirei fundo,nervosa, com medo. Nunca tinha chegado tão
perto assim de um animal desse tamanho.
— Relaxe — falou, baixo, com a mão ainda sobre a minha e
a outra em meu braço solto ao lado do corpo. — Ela sente o que
você passar para ela e, neste momento, é medo e insegurança.
Os olhos castanhos e fortes da égua encontraram com os
meus e ainda no cagaço, soltei o ar outra vez até que me
acalmasse. Tive medo, mas aos pouquinhos consegui.
— Isso, muito bem. Agora vamos montar. Põe o pé aqui,
minha pequena — ele indicou o estribo. — Depois você pegará
impulso e passará a outra perna por cima da sela.
A égua era alta para caramba, o que me deu um trabalho
lascado para subir. Precisei da ajuda dele, mas deu certo.
Até que eu me acostumasse, Aloísio andou pela arena
puxando o arreio. Em instantes, eu estava um pouco mais confiante
para andar sem ele, mas sob sua supervisão.
Sentado sobre a cerca branca, ao lado de Antônio, com seu
chapeuzinho de caubói, Davi dava gargalhadas altas a cada vez que
eu errava ou me assustava com os movimentos dela.
— Já posso dar um tapa na bunda da Afrodite para ver se
você aprendeu mesmo, Luiza? — Antônio gritou.
— Você não ouse, seu palhaço. Se ela me derrubar, eu volto
do além para puxar o seu pé.
Ele gargalhou e vi o sorriso do meu caubói.
Como prêmio por ter sido uma boa aluna, meu ursão deixou o
Davi com o tio e sentou-se atrás de mim. Não sei transformar em
palavras a delícia que foi correr pelos campos segurando o chapéu
marrom que ele tinha me dado, sentindo a brisa gostosa no rosto, o
corpo tensionado e a respiração pesada dele no meu ouvido.
Chegamos à cachoeira sorridentes, suados e ofegantes. Ele
desceu primeiro, amarrou a égua na sombra e pegou-me no colo
para descer. Carregou-me até a margem, despindo-me com calma,
beijando cada parte que ficava a mostra. Segurou-me novamente e
entramos na água com nossas bocas enlouquecidas uma contra a
outra enquanto nossos corpos se uniam.
Naquela água fria, compartilhamos nossa alegria e nosso
amor.
Eu estava muito lascada!
Não sabia ao certo o que seria de nós dali em diante, mas
estava gostando de tudo aquilo de um modo intenso.
Nas semanas seguintes a escola estava em polvorosa.
Ensaios para a quadrilha, venda de rifa para rei e rainha da pipoca,
confecção de enfeites juninos, escolha de roupas... uma algazarra.
Soubera que nos anos anteriores as comemorações na
fazenda foram bem singelas. Contudo, eu adorava festividades e
estava dedicada a fazer o melhor que conseguisse. Chegava antes
do meu horário, saía mais tarde e levava material para terminar de
fazer em casa quando não estava com o Aloísio e Davi. Eu amava
esse fuzuê.
Acho que minha empolgação foi contagiante, já que Marta
estava animada e não poupou recursos para que a festa fosse
memorável. Reuni um pequeno mutirão de professores, auxiliares
da escola, mães de alunos e até peões que se dispuseram a ajudar.
Faríamos a festa no campo aberto ao lado da quadra, que
aproveitaríamos para alocar todas as barraquinhas de comida.
Na sexta-feira, Alfredo liberou alguns funcionários para nos
apoiar na montagem de toda a estrutura. Após o almoço, a área ao
redor da escola estava tomada por uma infinidade de pessoas se
movimentando de um lado para o outro: preparando estacas,
estendendo lona, montando barracas, prendendo bandeirinhas e
enfeites, buscando madeira para a fogueira, algumas crianças
brincando e outras auxiliando os pais. Sem contar as pessoas que
estavam na cozinha preparando as comidas que seriam servidas.
— Nunca tinha visto a fazenda movimentada desse jeito. O
pessoal parece estar gostando de ajudar — Júlia comentou
enquanto espalhávamos os adornos coloridos nas estruturas que
estavam prontas. Havia música, risadas, falatórios e até mesmo
alguns desentendimentos, mas fazia parte de qualquer evento. Ju
brincou, continuando: — Você é mesmo diferenciada.
Sorri. Tinha comigo que quando se amava o que fazia, a
energia positiva emanava sem esforço. Ainda que não fosse o
principal objetivo, queria deixar claro que estava fazendo tudo isso
porque eu gostava e tinha a confiançados donos da fazenda e não
porque estava com um dos filhos.
— Não creio... — ela falou com uma voz de espanto e virei-
me para ver todos os Albuquerque chegando.
— No que podemos ajudar? — Perguntou Marta, sorrindo.
— Oi! Que bom tê-los aqui. Pensei que os veria só amanhã
— afirmei.
— Achou mesmo que íamos perder essa energia gostosa que
está aqui? Claro que não. Inclusive trouxe quatro pares de braços
fortese prontinhos para ajudarque com o que você mandar — Marta
brincou batendo carinhosamente em um dos braços de Antônio e
Aloísio. Artur, Alfredo e Davi estavam próximos olhando em volta.
— Que bom que vieram. Serviço não falta. Preciso de um
aqui para me ajudar com essas decorações em locais que não
alcançamos já que todas as escadas estão ocupadas. Os demais
podem apoiar na montagem das barracas ou na passagem dos fios
de luz.
Durante as reuniões de planejamento da festadefinimosque,
devido ao porte da fazenda, aproveitaríamos para abarcar todos os
moradores dali e seria totalmente gratuito. O período da tarde seria
dedicado para as crianças com apresentações de quadrilha,
brincadeiras, gincanas, bingo e outras atividades. À noite, seria
estendido para os adultos com direito a fogueira, quentão e moda de
viola. Haveria até churrasco. O importante era que todos se
divertissem.
— Eu ajudo você, pequena — Aloísio informou, já se
aproximando e tocando a ponta do meu nariz.
— Que surpresa, não é mesmo? — Antônio brincou dando
um peteleco no chapéu do irmão. — De quebra ainda pegou a tarefa
mais fácil.
— Vai te catar — o mais velho respondeu. — Filho, quer ficar
aqui comigo?
— Não, papai... queio ver as bandeinhas.
Eles afastaram-se, com Davi de mãos dadas com a avó que
analisava com o esposo tudo que estava sendo feito e conversando
com algumas pessoas. Artur logo embrenhou-se em um grupo de
peões e Antônio foi provocar a Marcela.
— Minha mãe está me chamando. Preciso ir — Júlia se
despediu, claramente desconfortável de ficar tão próxima do patrão.
— Enfim, sós — brincou, muito próximo ao meu rosto. —
Estou viciado em beijar você.
Ri, tentando me afastar.
— Você é descarado! Passamos a noite toda juntos.
— Para você ver o estado que me deixa. Completamente
dependente da sua boca.
— Você está parecendo um adolescente — entreguei alguns
enfeites em sua mão. — Mais tarde compenso você. Agora tem
muita gente olhando.
— Isso ainda te incomoda?
— Sim. Me olham como se eu fosse uma interesseira que
pudesse dar o golpe do baú no patrão.
Ele gargalhou jogando a cabeça para trás.
— Eles não deixam de ter razão — falou, ainda rindo.
— O quê? Está doido? — inquiri, brava.
— Olha como eu estou, pequena, implorando um beijo seu.
Está me deixando tão vulnerável que pode fazer o que quiser
comigo que eu vou aceitar — finalizou,abraçando-me e encostando
os lábios nos meus. — Deixe o povo falar. Ninguém tem nada a ver
com a nossa vida.

No dia seguinte, eu estava a mil por hora. Havia ido até a


escola dar os retoques finais e conferir se estava tudo certo. Em
seguida, voltei para casa e me arrumei. Coloquei um vestido caipira
preto e azul, com comprimento próximo ao joelho. Tinha espartilho
com amarração frontal destacando meu busto em que havia um
tecido branco. Separei o cabelo em duas partes e trancei,
amarrando com fitas de cetim rosa. Calcei as botas que o ursão
havia me presenteado. Finalizei com um batom rosinha e algumas
pintinhas na bochecha.
Quando cheguei, algumas crianças já me aguardavam,
correndo e brincando de um lado para o outro. Caminhei
observando se as brincadeiras estavam todas funcionando e os
prêmios à disposição. Estava tudo certo para começar. Vez ou outra,
algum aluno ou pai me parava no corredor elogiando ou
comentando sobre a festa.
— Lu, você está linda! — Júlia comentou ao me ver. — Que
vestido maravilhoso.
— Obrigada. Você também está perfeita.
Diferente do meu que tinha bastante forro e babados, o de
Júlia era um xadrez preto com vermelho de pouco volume.
— Tcha Luiça! — Davi veio ao me ver. — Tá bonita.
— E você está lindo com essa fivela e chapéu.
Ele ficava muito fofocom aquela vestimenta e os cabelos
loirinhos sob o acessório preto. Até o pequeno tinha a estirpe da
família dele.
Agachei-me para abraçá-lo e meus olhos foram direto para o
pai parado à minha frente.
Estava trajado como de costume, calça jeans escura, botas e
chapéu claro. No entanto, a camisa xadrez somada a calça justa o
deixavam indecentemente charmoso. Subi o olhar pelo seu corpo e
não houve como ser discreta. Ele deixou escapar um sorrisinho de
canto. Sabia que era bonito.
Levantei-me, abraçando-o enquanto Davi caminhava vendo
as brincadeiras.
— Você não acha que está muito bonito?
— Retribuo a pergunta. Inclusive, a senhorita não tem ideia
do quanto ficou atraente com essa roupinha de menina inocente.
Mais tarde quero te deixar apenas de botas e essas fitas nos
cabelos.
Arrepiei-me inteira com a promessa.
— Vai me colocar de quatro e bater na minha bunda porque
sou uma menina má? — sussurrei, próximo ao seu ouvido.
Gargalhei quando seu olhar queimou de desejo. Ele ficou tão
afetado quanto eu.
— Luiza...
Rindo, desvencilhei-me e fui acompanhar a festa.
No horário da quadrilha, como toda turma de educação
infantil, precisei intervir. Criança sem par, a outra chorando porque
não queria dançar e eu ter que repetir a coreografia para que eles
espelhassem. No final, ficou lindo e todos se divertiram,
principalmente na quadrilha improvisada para os adultos.
A tarde passou num piscar de olhos. Todos gostaram e se
divertiram.
— Parabéns, Luiza! Estava incrível. — Marta parabenizou-me
quando estávamos próximas à fogueira comendo uma espiga de
milho cozido. Era noite e já tinha esfriado bastante. Por isso, havia
trocado de roupa, escolhido um jeans e um suéter, mas mantive a
bota.
Os irmãos Albuquerque e alguns peões tocavam viola e
cantavam algumas músicas. Estava um clima gostoso.
— Não tem do que agradecer. É o meu trabalho.
— É muito mais do que o seu trabalho. Você direcionou todo
esse evento que tomou proporções muito maiores do que
esperávamos. Foi quase uma promoter.
Rimos do seu exagero, mas eu estava realizada. A maioria
das pessoas tinham gostado.
— Seus pais têm muita sorte em tê-la como filha — Afirmou
em tom afetuoso. — Você é dedicada, amorosa, cuidadosa... meio
maluquinha, mas é uma menina de ouro. — Sorriu e eu fiz o
mesmo. Era um elogio que eu gostava. — Eu amo os meus meninos
com toda forçaque há em mim, mas gostaria muito de ter tido uma
herdeira para compartilhar momentos de mulher. Há coisas que só
nós compreendemos, não é? — Lançou um sorriso cúmplice. —
Torço muito para que a sua história com o meu Aloísio seja longa e
linda.
Eu gostava muito de Marta e confesso que fiquei encabulada
com a sua declaração. Eu também não tinha dúvidas que queria
muito que aquela relação desse certo.
— Obrigada pelo acolhimento — agradeci. — A senhora é um
exemplo para mim.
— Ah menina — passou o braço pelos meus ombros — nós
ainda vamos ter muita convivência e história para contar. Não tenho
dúvidas.
CAPÍTULO 32 | ALOÍSIO
Dias depois...

Eu poderia dizer com toda certeza que nunca estive tão feliz
em minha vida. Davi e Luiza tinham o poder de me fazer ficar mais
tranquilo e relaxado.
Conheci a família dela, fiz questão de ir até a sua casa
conversar com o senhor José Galvão. Ele era turrão, o bigode
grosso o tornava severo, circunspecto, mas no fim, aceitou nosso
relacionamento. Dona Dita parecia empolgada. Era uma mulher
forte,atenta a tudo que acontecia com os filhos,muito parecida com
a minha mãe. A família do Léo era linda, ainda que ele tivesse
ficado bastante enciumado quando sua irmã nos apresentou.
Saí do banheiro com a toalha rosa de Luiza enrolada na
cintura enquanto procurava as minhas roupas. Havíamos tido uma
rodada de sexo quente assim que chegamos em sua casa.
Tinha se tornado costume eu dormir ali algumas vezes. Em
outras, Davi ia comigo e passávamos um período com Luiza.
Normalmente, fazíamos alguma atividade para diverti-lo. Mas na
verdade, quem se divertia era ela. Uma moleca.
O cheiro de ervas chamou a minha atenção e só entendi que
se tratava de incenso quando a fumaça a passou diante o meu
rosto. Era tão a cara dela.
Um reggae com ritmo gostoso e leve tomava o ambiente. A
baixinha estava na cozinha da pequena casa, descalça, vestida com
um blusão branco na altura das coxas e os cabelos amarrados em
um coque frouxo, com alguns fios soltos.
Voltei minha atenção para a figura que dançava empolgada
com os braços abertos, segurando uma taça de vinho, olhos
fechados e uma leveza impressionante nos movimentos. Parecia
verdadeiramente envolvida pelo som, mexendo o pescoço de um
lado para o outro, cantando:

São só lembranças
Suas tranças por entre as minhas mãos
A dança, quadris, movimento, explosão
Éramos crianças esperando anoitecer
Marionetes conduzidas pelos fios do prazer[20]

Fiquei preso naquela cena por alguns instantes, sentindo um


calor diferente no peito. Luiza tinha o dom de trazer leveza para a
minha vida pesada e amargurada.
O que eu estava sentindo por essa menina era tão forte que
me assustava. O paradoxo entre a intensidade do desejo, do querer
estar sempre juntos, e a leveza da energia que ela emanava.
Luiza era uma moleca linda que, de um modo impetuoso,
tomou cada espaço do meu peito. Podia ser cedo, mas ali vendo-a
tão linda e entregue, eu sabia que nunca tinha sentido e nem
sentiria por ninguém, um terço do que ela me despertava.
Ela abriu os olhos e ao me notar, mordeu a pontinha da
língua em um sorriso faceiro sem deixar de movimentar os quadris
de modo sensual. Caminhou até mim ficando na ponta dos pés e
tocou meus lábios com os seus, provocante. Senti o gosto do vinho,
pousei a mão em seu quadril e não me mexi mais, observando o
que ia aprontar.
Luiza passou os braços pelo meu pescoço, mordiscando
meus lábios inferior sem aprofundar para um beijo. Sem se mexer,
cantarolava em um sussurro:

A eternidade nos teus braços era pouco pra entender


Que o vermelho dos teus lábios era o sangue do meu ser
Nunca fomos perfeitos[21]

Tocou meus lábios com o dedo indicador e colou sua testa na


minha, fechando os olhos e continuando a música. Beijei seu dedo
enquanto ela o descia devagar.
Afaguei seus cabelos, segurando o rosto delicado com as
duas mãos fazendo com que ela me olhasse, declarei com toda a
certeza que tinha:
— Você é o que faltavaem mim, pequena. O meu lado leve e
descomplicado. — Luiza presenteou-me com um sorriso lindo e
doce. Antes que ela dissesse qualquer coisa, continuei: — Eu te
amo, minha baixinha, como nunca achei que pudesse amar
ninguém.
Algumas pessoas poderiam achar que todo o sentimento que
tínhamos um pelo outro pudesse ser repentino e passageiro, mas só
nós dois sabíamos o quanto era avassalador e nos tomava por
inteiro. Eu nunca achei que amar fosse desse modo. Gostoso e
assustador.
— Ai, ursão, não me faz chorar... — pediu, com os olhos
brilhantes. — Sabe, por mais que eu lutasse muito contra isso, eu
posso dizer, sem dúvidas, que a sua braveza fez acordar algo forte
em mim. É novo, eu nunca senti nada parecido por ninguém e... eu
acho que é amor.
Para outras pessoas, aquilo poderia soar como incerteza.
Mas para mim, era Luiza sendo absolutamente sincera sobre os
seus sentimentos. Beijei-a com devoção, pegando-a no colo,
caminhando até o quarto e depositando-a sobre a cama.
— Você ficou lindo com essa toalha rosa, ursão, mas prefiro
sem ela — brincou, maliciosa.
— Não quebra o clima, pequena — disse, deitando-me sobre
ela.
Luiza era assim, leve e brincalhona, até nas horas mais
impróprias.
Subi a mão por baixo da camisa, passando pela calcinha
pequena, tocando a cintura finaaté chegar nos seios redondos. Tirei
as poucas peças beijando seu corpo todo enquanto ela desatava o
nó da toalha, deixando-a de lado.
Apoiei-me sobre os cotovelos, acariciei seu rosto e cabelos
beijando-a com paixão e toda a intensidade que havia em mim.
Venerei seu corpo através de beijos e mordidas que oscilavam entre
leves e intensas. Quando a minha pequena já estava pronta para
mim, deslizei para dentro dela sentindo-a quente e receptiva.
Naquela noite, amei Luiza orando silenciosamente para que
ela sempre estivesse na minha vida. Agora que tinha descoberto a
grandiosidade de um amor cúmplice, não queria sequer imaginar a
possibilidade de não tê-la comigo.

— Vem, papai! Vai começar. — Davi chamou, deitado no


colchão que havíamos colocado na sala da casa de Luiza.
Eu estava na cozinha fazendoo suco enquanto ela preparava
a pipoca. Havíamos prometido ao pequeno que assistiríamos Red,
crescer é uma ferae desde então, o pequeno estava eufórico.
Há alguns dias, conversei com ele sobre o namoro com a sua
professora e a reação dele não poderia ter sido diferente. Uma
festa! Desde então, ações como essas haviam se tornado comuns
no nosso cotidiano, quase sempre na casa dela, onde se sentia
mais confortável.
— Calma, filho. Aperta pause e já vamos — alertei da
cozinha.
Deitamos ao seu lado e começamos a assistir o longa-
metragem que basicamente falava sobre auto aceitação e
adolescência. Coisa de Luiza, claro. Todavia, eu precisava admitir
que adorava as ideias dela e como a todo instante era didática com
o pequeno.
Deitado entre nós dois, ele gargalhava e se divertia. Já
próximo ao final da animação, ele estava quase dormindo, virado
com o corpo na direção dela segurando sua blusa e sentindo o
cheiro da minha garota.
— Tcha Luiça — disse, baixo.
— Oi, meu amor — ela respondeu, alisando seus cabelos
loiros em um gesto carinhoso.
— Se você namoa o meu papai... eu posso te chamar de...
mamãe?
O susto que levei com a sua pergunta fez com que eu
engasgasse com a pipoca, tossindo várias vezes.
Davi virou o rosto em minha direção, questionando:
— Você tá bem, papai?
Tossi outras vezes, bebendo o restante de suco do copo. Um
pouco mais recomposto, respirei fundo sentindo que os olhos
haviam ficado marejados pelo sufocamento.
Luiza me olhava com cuidado, preocupada com a minha
reação e a pergunta dele.
Puta que pariu!
Estava claro que ela era a figura materna a quem ele se
apegou. Sem dúvidas, me deixava receoso. Embora tenha
descoberto que o meu sentimento por ela é forte, a insegurança de
ser abandonado outra vez sempre estaria no ar.
Agora, Davi já era maior e, se tivesse apego por ela e fosse
abandonado outra vez, seria muito mais doloroso. Para ambos.
Ainda que o amor que ela nutrisse e demonstrasse por ele
me fizesse querer acreditar, Luiza era uma menina nova, com um
futuro inteiro pela frente e, quando se cansasse, poderia
simplesmente bater asas e voar. Eu não poderia permitir.
— Filho — chamei, engolindo o bolo preso na garganta e
encostando em seu braço com delicadeza —, a Luiza gosta muito
de você, mas ela não é a sua mamãe. Continue a chamando de tia
Luiza.
Ele me olhou sério, mas foi distraído quando ela tocou o seu
rosto com gentileza em um gesto de carinho e cumplicidade. Falou
com ternura:
— Meu amor, eu não sou a mamãe que te trouxe ao mundo,
mas eu amo você de todo o meu coração. — Olhou-me atenta,
tocando a minha mão e a dele, continuando: — Você pode me
chamar como preferir, mas em nada vai mudar o meu amor por você
e nem o seu por mim, tá bom?
Davi estava com o semblante desanimado, pareceu querer
falar algo, mas desistiu. Instantes depois, dormiu agarrado a ela.
Era um assunto pesado para aquela tarde e me deixou
pensativo e irrequieto.
CAPÍTULO 33 | ALOÍSIO
Agosto

Levei o copo de cerveja à boca observando a movimentação


atípica por ali. Nos últimos anos, comemoramos os aniversários de
Davi apenas para os membros da família com um bolo pequeno e
uma decoraçãozinha modesta.
Contudo, neste ano o furacão Luiza não aceitou quando eu
comentei que pretendia seguir este roteiro. Sutil como só ela,
comentou durante nossos debates:
“Cria vergonha, ursão. Você é podre de rico e ficasegurando
ninharia pro aniversário do menino? Ele merece algo maior e muito
melhor. Davi irradia energia, merece compartilhar com outras
crianças.”
Ela tanto fez até que me convenceu a estar com a área
gramada em frente a varanda tomada por mesas e crianças
correndo para todos os lados, aproveitando os brinquedos infláveis,
cama elástica e os jogos.
— Essa garota está conseguindo em pouco tempo o que nós
não conseguimos em quase cinco anos, não é filho? — Alfredo
questionou, parando ao meu lado e olhando a agitação.
Davi sorria a todo momento, vestido de Capitão América.
Corria com as crianças, caía algumas vezes e se levantava como se
nada tivesse acontecido.
Apenas assenti, não tinha muito o que dizer. Ele continuou,
puxando-me para um abraço de lado. Alfredo tinha minha altura,
então não foi difícil.
— Fico muito feliz em vê-lo se abrindo para o amor, Ísio. É
bom te ver leve e feliz assim.
— Obrigado, paizão — retribuí ao abraço.
— Agora vai lá cuidar da sua garota antes que aquele
professorzinho continue a cerca-la.
Até que realmente assumíssemos nosso relacionamento,
Otávio continuou com alguns olhares indiscretos para Luiza.
Entretanto, há alguns dias, eu tinha decidido buscá-la na escola e,
quando possessivamente, beijei seus lábios na frente de todos, ele
voltou para o seu lugar. Aparentemente, sem maiores problemas.
Despedi-me e procurei Luiza, parando algumas vezes para
cumprimentar os convidados que parabenizava pelo evento e não
escondiam a surpresa de me verem leve e sorridente.
De longe, avistei a minha pequena parada de pé ao lado do
jardim florido da minha mãe, parecia distraída. Há alguns dias, Luiza
estava assim, mais reservada e um tanto reticente comigo.
Mais cedo, ausentou-se um longo período com a Dona Dita,
que também havia sido convidada para a festa, assim como o
restante de sua família.Léo e Manu corriam de um lado para o outro
tentando acompanhar a agitação dos bebês que haviam aprendido a
andar.
Quando retornou, Luiza estava pensativa e com o rosto
vermelho. Sinais de choro. Acolhi-a em meus braços, perguntei se
queria compartilhar comigo e não forcei quando ela comentou que
falaria depois.
No início da festa, brincou com o Davi e as outras crianças,
mas agora tinha voltado aquele estado de introspecção, totalmente
estranho nela.
Com cuidado, aproximei-me, abraçando o corpo pequeno por
trás e beijando seus cabelos macios e cheirosos. Acariciei os braços
delicados, falando baixo:
— Conta para mim o que está acontecendo, minha pequena.
Não gosto de vê-la assim.
Luiza fungou, abaixando a cabeça.
— Não quero atrapalhar a festa do nosso pequeno.
Eu adorava quando ela se referia assim ao meu filho. Luiza
havia criado um laço forte com o Davi e, ainda que eu tivesse
pedido para que ele não a chamasse de mãe, isto não influenciou
no vínculo entre os dois.
Virei-a com carinho dentro de meus braços, notando os olhos
vermelhos. Acariciei a bochecha rosada, ainda úmida.
— Ele está se divertindo, graças a você, e nada vai
atrapalhá-lo. Agora eu quero que converse comigo e me conte o
porquê deste choro.
Luiza fechou as pálpebras, fitei com carinho os cílios
molhados e alguns fios unidos. Soltou uma lufada de ar pesada,
abrindo-os novamente para então dizer:
— Lembra da prova que te falei para o mestrado sanduíche
em Portugal?
Assenti. Ela havia mencionado há algum tempo, mas não
comentamos sobre isto desde então.
— Você não passou? — indaguei, secando suas bochechas.
Ela balançou a cabeça para os lados.
— Não fique assim, minha pequena. Em breve, podemos
estruturar um modo de você complementar a sua especialização
fora e...
— Não, ursão... — interrompeu-me. — Você não entendeu.
Eu passei!
Olhei-a confuso, depois abri um sorriso largo, cheio de
orgulho.
— Parabéns, minha linda! — Abracei-a, levantando do chão.
— Não estou entendendo o porquê dessa reação— afirmei,
voltando-a para o solo, tocando o queixo pequeno.
— Eu não quero ir — confessou baixo.
— Por que não, Luiza? É uma oportunidade de ouro para o
seu currículo.
— Eu não sei se consigo ficar tão longe assim das pessoas
que eu amo. É do outro lado do oceano, ursão. São cinco meses e é
muito tempo longe.
Acariciei seu rosto com as duas mãos, embrenhando meus
dedos pelos seus cabelos e tocando seus lábios com amor.
— Eu sei o quanto você é apegada, minha pequena, mas
pense que é pelo bem da sua carreira. Vai passar rápido.
Ela fechou os olhos abaixando a cabeça.
— Fico preocupada com o Davi, ele tem se apegado tanto a
mim. Não posso simplesmente abandoná-lo desse modo.
Luiza era uma garota incrível. Tinha um futuro imenso pela
frentea ainda assim se atentava como isso poderia afetarmeu filho.
A cada dia que passávamos juntos eu a conhecia melhor e ficava
mais encantado por ela.
— Não sabe o quanto fico tocado pelo cuidado que tem com
o Davi, mas não quero que abra mão de uma oportunidade única
como esta.
— Eu não sei se consigo, Ísio — chamou-me do mesmo
modo que meus irmãos faziam. Eu adorava ouvir como soava nos
lábios dela. — Tem o nosso relacionamento, a minha família, a
escola, a confiança que sua mãe depositou em mim...
Beijei seus lábios encostando minha testa na dela.
— Consegue, minha pequena. Tenho certeza que minha mãe
ficará extremamente feliz em vê-la ainda mais qualificada. Afinal,
você pode colocar em prática quando voltar — beijei seus dedos. —
Pelo que conheço da sua mãe, tenho certeza que ela torce para
você ir. Quanto a nós, podemos fazer chamadas de vídeos todos os
dias e prometo te visitar ao menos a cada 45 dias — finalizei,
sorrindo.
— Eu preciso pensar — disse, ainda com o semblante
abalado.
— Pode pensar, mas saiba que não vou deixar você perder
esta oportunidade. Você precisa ir em quanto tempo?
— Em três semanas.
Respirei fundo não demostrando que aquilo me abalava,
naquele momento ela precisava de apoio e era isso que eu faria.
Pelo bem dela. Sacudi a cabeça, sequei seu rosto, continuando:
— Então nós vamos aproveitar cada instante que você estiver
aqui. Agora você vai sacudir a poeira, voltar para a festa e alegrá-la
com o seu jeito irreverente como só você sabe fazer.
Luiza deu um sorriso pequeno passando a mão sob os olhos.
— Obrigada.
— Não tem que agradecer. Quero sempre o seu melhor,
minha pequena.
Voltamos para festa e a mantive próxima a mim. Eu havia
ficado feliz pela aprovação, sabia que ela conseguiria. Minha
menina era estudiosa, engajada e amava a área que escolheu
trabalhar. Nada mais justo do que passar.
Entretanto, era inegável me questionar se ela voltaria depois
disso. Seria a sua primeira experiência internacional. Ainda que
estivesse sozinha, seria uma chance única de alçar novos voos,
conhecer novas pessoas, até mesmo da sua idade. Existia sim uma
possibilidade de, ao final deste período, ela repensar se o que
vivemos não seria tão interessante para ela. Afinal, estávamos em
uma área rural. Qual benefício ela teria ficando aqui, não é?
Decidi tirar aquilo da cabeça por enquanto, era o quinto
aniversário do meu filho e eu queria poder aproveitar ao máximo
aquele momento com eles.
— Papai, tcha Luiça, binca comigo de pulá? — Davi pediu
quando chegamos próximo dele.
— Pular, meu amor? — Ela abaixou tocando o seu rostinho.
— É... na cama elástica.
— Filho, o papai é grande. Não posso pular lá. Estraga.
— Pu favor, papai... só um pouquinho...
— Não posso, filho, mas posso ficar lá do seu lado ajudando
você a pular.
— Eu queio bincar com os dois.
— Eu vou com você, tá? E a gente brinca — ela sinalizou,
ainda com o rosto vermelho.
As outras crianças desceram enquanto minha baixinha tirava
as sandálias. Os dois subiram na cama elástica sob olhares de
praticamente todos os convidados. Luiza era pequena, duvido que
tivesse o peso de três das crianças que estavam ali. Por isso,
brincaram e se divertiram. Ela o fezdeitar e pulou, fazendocom que
ele levitasse e ela o pegasse no colo durante as gargalhadas. Dois
peraltas.
Algum tempo depois, eles se recompuseram e fomos cantar
parabéns. A tarde de sábado passou em um piscar de olhos, alegre,
leve e divertida. Tempos depois, os convidados começaram a ir
embora.
Davi não parava de falaro quanto tinha gostado da festae de
tudo que tinha aproveitado naquele dia. Com certeza, seria a
primeira de muitas que eu faria para ele. Ele e Luiza me aguardaram
no quarto enquanto eu me lavava, já que ela já tinha feito sua
higiene.
Saímos do quarto de mãos dadas e não demoraria até que
ele dormisse. No entanto, ainda estava cedo para deixa-lo no
quarto. Caminhávamos descontraídos pelo corredor. Antes de
chegarmos na escada, ouvi um falatório acalorado. Era estranho, já
que mamãe odiava escândalo.
— Saia daqui, menina. Você não é bem-vinda nesta casa —
o tom de Alfredo era severo.
— Não entendeu, garota? Dá o fora! — Antônio também
estava alterado.
O que estava acontecendo?
Acelerei o passo, chegando no topo da escada. Algo em mim
dizendo que tempestade viria por aí. No entanto, nada me preparou
para ver a mulher ruiva de costas.
Por um instante, foi como se minhas vistas escurecessem
tamanho o susto. O que aquela mulher queria? Por que estava ali?
Os dedos de Luiza apertando os meus me trouxeram de
volta. Soltei sua mão descendo a escada rápido sem pensar em
mais nada que não fosse tirá-la dali.
— O que você está fazendo aqui, Carolina? — inquiri,
amargo.
A mulher se virou séria, mas aos poucos abriu um sorriso.
Fisicamente, ela era uma mulher muito bonita. Alta, longos cabelos
vermelhos e chamativos, além de um corpo moldado de academia.
No entanto, ao vê-la no meio da minha sala, chegando de surpresa,
eu não senti nada além de escárnio.
— Ter de volta o que é meu — disse como se tivesse perdido
algum tipo de objeto. Olhou para a escada e viu Davi segurando a
mão de Luiza, que parecia indecisa se descia ou não.
Na sala, toda a minha família estava de pé com os ânimos
agitados. Ninguém esperava a presença dessa mulher já que
quando foi embora, deixou claro que não nos queria ou voltaria.
— Não tem nada seu aqui — mamãe falou, austera.
A volta daquela mulher era o pior modo de acabarmos aquela
noite. Deixava-me temeroso o em como tudo terminaria.
Carolina não deu ouvidos. Simplesmente caminhou pela sala,
como se fosse dona dali, em direção à escada.
— Tem sim, eu voltei pelo meu filho.
No entanto, antes que terminasse a frase, Luiza colocou-se
na frente de Davi. Um gesto claro de proteção.
— Luiza, tire o Davi daqui — enfatizei.
Minha pequena virou-se na escada, pegando-o no colo,
acariciando seus cabelos e dizendo baixo:
— Meu amor, hoje nós vamos dormir na casa da tia Luiza,
tudo bem?
O pequeno olhava desconfiado, tentando entender o que
estava acontecendo. Luiza chamou sua atenção outra vez, já
descendo as escadas.
— Nós vamos jantar e ver Os Incríveis
de novo.
— O papai não vai? — ele questionou, enquanto eu lhe
entregava a chave do meu carro.
— Vai depois, meu amor.
Sem mais delongas, eles saíram para a varanda.
Carolina acompanhou a cena.
— Quem é esta mulher? Por que ela levou meu filho? —
indagou.
— Ele não é seu filho. Não foi isso que você deixou muito
claro quando o abandonou?
Meu tom era duro. Um ódio tão grande que, se eu não tivesse
tantos princípios, com certeza a jogava lá fora aos pontapés.
Deixando-me ainda mais furioso, ela caminhou até mim,
parando a poucos centímetros e fitou-me:
— A chave que você entregou era a do seu carro? O qual
você nunca me permitiu tocar?
— Cala essa maldita boca e vai embora da minha casa —
respondi, apertando os dedos com forçacontra as palmas das mãos
para não a agredir.
— Não vou, Aloísio. Eu quero o meu filho e voltei para ficar
.
— Você só pode estar louca — Antônio expressou,
perturbado.
— Quero recuperar o tempo perdido — disse, com a voz
amena, quase um choro.
— Por que voltou, Carolina? — inquiri, sentindo-me
extremamente tenso. Garganta travada. — É mais dinheiro que você
quer? Diga seu valor para sumir definitivamente das nossas vidas.
— Já disse, Ísio. Quero ter contato com o nosso filho.
— Meu filho — declarei entredentes. — E não me chame de
Ísio, você não tem esse direito.
— Nosso filho — repetiu, sem titubear. — Ele saiu de mim.
Eu sou mãe dele.
— Você nunca foi mãe dele, menina. No máximo, a
progenitora — Marta confrontou, severa.
— Eu quero, na verdade, preciso conviver com ele. Ensiná-lo
que a mamãe sou eu e não qualquer outra mulher que tenha tido
contato. Eu sei que em algum momento ele já perguntou por mim e
vocês não têm o direito de privar o convívio dele comigo — Carolina
falou baixo, quase em choro.
— Você perdeu esse direito quando foi embora, Carolina.
— Eu me arrependi, tá legal? — Deixou a primeira lágrima
cair. — Aloísio, vamos conversar em particular.
— Não temos o que conversar. Vá embora.
— Por favor, me escuta.
— Para o seu bem, garota, é melhor conversarem aqui —
Antônio avisou. Sabia que aquela situação era muito para mim.
— O que eu peço, por favor, é que me deixem ter contato
com o Davi. Ele precisa de mim.
— Escuta o que estamos falando, menina. Suma de nossas
vidas — Alfredo repetiu.
Carolina levantou a cabeça secando o rosto, dizendo por fim:
— Eu vou embora, sei que hoje pode ter sido demais. Mas eu
voltarei.
Sua ameaça não me abalou. Pelo meu filho, eu lutaria até o
fim.
— O recado está dado, Carolina. Você tomou a sua decisão
quando saiu daquele hospital. Agora suma desta casa e não volte
nunca mais.
Ela ajeitou a alça da bolsa sobre o ombro, engoliu em seco e
saiu pela porta pisando duro.
Na sala, todos estavam tão em choque quanto eu. Minha
fúria foi tão grande que tive vontade de quebrar tudo o que estava a
minha frente.Por isso, caminhei até a academia sentindo meu corpo
todo tremer.
A cada soco ou chute no saco de pancada, uma maldita
lembrança ruim daquela desgraçada. A sua frieza,o escárnio diante
a condição do filho, a ambição desmedida pelo dinheiro e status.
Por que Carolina retornava agora se o seu principal objetivo
era dinheiro e eu estava disposto a lhe dar para que sumisse de vez
das nossas vidas?
Em cinco anos, Carolina nunca tinha dado um mísero sinal de
vida. A fase em que Davi mais precisou, ela o renegou. Não era
possível que tivesse escolhido voltar justamente no momento em
que eu e ele vivíamos a melhor fase da minha vida.
tinha de levar a vida trouxe cor à minha tão insípida.
CAPÍTULO 34 | ALOÍSIO
Setembro

Certo alívio me atingiu quando algumas semanas se


passaram e não tivemos nenhuma notícia de Carolina.
Há algum tempo, Davi demonstrava sinais de que começava
a sentir falta das relações maternas que observava ao seu redor,
fosse com os colegas de escola ou entre os animais.
Esta sempre foi uma fase que eu temi que chegasse e,
quando pediu para chamar Luiza de mãe, agi de modo a protegê-lo
emocionalmente. Ainda que gostasse muito dela, o que tínhamos
era muito recente para envolvê-lo com tanta intensidade.
Além disso, um possível retorno de Carolina deixava-me
ainda mais preocupado com o quanto poderia impactá-lo. Para me
precaver, conversei com os meus advogados sobre como deveria
agir em qualquer possibilidade. Estava me resguardando, mas
esperava que não fosse preciso nos defender
.
O outro espaço apertado do meu peito era preenchido pelas
preocupações com a minha pequena. Embora tivesse feito todo o
trâmite da viagem, Luiza deixava claro o quanto estava dividida com
essa decisão. No entanto, sempre que levantava a hipótese de não
ir, eu não apoiava. Queria que minha baixinha pudesse desbravar o
mundo, conquistar os seus objetivos e, quando voltasse – se
voltasse – seria para vivermos em plenitude.
Naqueles dias que antecederam a sua partida, desdobrei-me
para ficar com ela o máximo que podia. Luiza decidiu que manteria
suas coisas na casa que destinamos a ela aqui na fazenda. A minha
pequena brincou dizendo que era a garantia que teria seu emprego
de volta ao retornar. Aquele simples gesto encheu meu coração de
esperança. Eu queria que ela voltasse. Queria muito.
Naquela sexta-feira, a levei para se despedir dos pais e
minha mãe fez questão de ofertar um jantar de despedida para a
minha pequena. Combinei com a minha mãe para que ela cuidasse
do Davi já que eu passaria um tempo com Luiza em casa e a levaria
no aeroporto de madrugada.
No quarto dela, uma moda apaixonada tocava baixo
enquanto eu fechava os olhos concentrando-me no prazer que
percorria meu corpo ao ter Luiza montada em mim, cavalgando de
um jeito deliciosamente lento e intenso.
Eu precisava do seu corpo junto ao meu, assim como os
lábios que eu não abandonava. O gosto da minha pequena era
incomparável e só eu sabia o quanto sentiria falta de tê-lo todos os
dias.

Você vai me vencer


Eu vou me apaixonar
Não há mais o que decidir[22]
Firmei seu quadril contra o meu, estocando profundamente
arrancando gemidos meus e dela. Estava submerso naquele mar de
sensações e despedida quando senti a lágrima quente tocando
minha bochecha.
Abri os olhos, deparando-me com o rosto avermelhado da
minha boneca ao passo que suas mãos estavam presas nos meus
cabelos e a testa colada a minha. Arquejando, Luiza gozou,
aprofundando o nosso beijo.
— Eu te amo, ursão. Vou sentir demais a sua falta —
declarou, beijando-me.
Não soube expressar tudo o que senti vendo a minha
pequena gozar tão entregue. Abracei o corpo delicado sobre o meu
com amor, sentindo a minha garganta embargada e liberando o
prazer que ela me proporcionava. De olhos fechados, desejando
que ela pudesse sentir o quanto me tinha nas mãos e voltasse logo.
— Não mais do que eu, minha pequena. Não mais do que eu.

A madrugada estava fria quando fechei a carroceria da


caminhonete ao terminar de guardar as malas. Observei Luiza se
despedir de sua casa com calma, encolhida, secando as lágrimas
nas mangas do pulôver de tricô.
— Cuida dela — pediu, chorosa.
— Não precisa pedir, pequena. Virei aqui sempre que puder.
A guiei até o carro e, quando se acomodou em seu banco,
segurei seu corpo trazendo-o para o meu colo.
— O que está fazendo? — perguntou, confusa.
— Quero aproveitar todos os segundos que tiver com você.
Minha menina deu de ombros, acomodando-se de lado no
meu colo. Permaneceu quietinha com o rosto no meu peito
fungando e secando as lágrimas na minha camisa enquanto eu
beijava seus cabelos e acariciava as pernas. Dirigi até Uberlândia
daquele jeito. Era imprudente, eu sabia, mas nada nos aconteceria.
Lembra quando falei da angústia?
Ela estava mais forte do que nunca. Se eu pudesse,
seguraria minha pequena aqui, mas não podia jamais fazer isso com
ela. Logo estaríamos juntos outra vez.
— Nos vemos em breve, minha pequena. Prometo passar o
final de ano com você aproveitando a semana de recesso que terá.
Além disso, nos falaremos todos os dias — anunciei, beijando seus
lábios antes dela entrar na sala de embarque. — Eu te amo!
Luiza tentou sorrir em meio as lágrimas.
— Eu te espero. E o nosso pequeno também.
Abraçou-me tocando meus lábios novamente e só então se
afastou.
Observei a garota que tinha colorido a minha vida caminhar
em direção ao seu futuro fazendo uma prece silenciosa para que o
tempo passasse rápido e ela voltasse para mim.
Permaneci ali até que o avião decolasse. Ainda que não
fosse o certo, eu tinha uma ponta de esperança de que ela não
embarcasse. Não era egoísmo tentar privá-la do seu futuro,mas sim
a última esperança que um cara apaixonado tinha de ficar com a
mulher que amava.
No caminho de volta, selecionei a playlist que ela mais
gostava. Eu, um homem do campo e sertanejo até o último fio de
cabelo, estava ouvindo reggae só para me sentir mais próximo da
minha garota.
Algo me dizia que esta não seria a primeira e nem a última
vez que isso aconteceria.
Não quero nunca não te ver
Não quero nunca te perder
Te quero nua pra te ter

Me olhe bem, veja as marcas do meu rosto


Nunca estarei disposto a perder você
Repare bem em mim, eu não sou menino novo
Não sou de fazer esboço numa obra assim[23]
CAPÍTULO 35 | LUIZA

Eu nunca tinha me afastado tanto de casa e ter que me


despedir das pessoas que eu amava era, sem dúvidas, uma das
coisas mais difíceis que eu já tinha feito.
Cogitei se aquilo realmente valeria a pena até o último
segundo antes de entrar no avião. Respirando fundoe decidindo que
eu reassumiria o controle da mulher forte que eu sempre fui, entrei
com o pé direito na aeronave prometendo que faria valer toda a
saudade que eu sentiria.
Fiquei encantada enquanto o táxi percorria as ruas da região
metropolitana de Lisboa em direção a freguesia de Cascais, mais
precisamente, Estoril, onde eu moraria.
O clima daquela noite era ameno. Troquei algumas
informaçõescom o motorista, tendo certa dificuldadepara entender o
que ele falava. Ainda que fosse português, a sonoridade era
diferente, um tanto quanto arrastada e cantada. Bom, esta seria a
primeira de muitas coisas das quais eu precisaria me adaptar.
As ruas eram charmosas, as pessoas caminhavam
tranquilamente conversando entre si e curtiam os bares. No entanto,
o que mais me encantou foram as praias e o forte, era muito
semelhante à vista do Farol da Barra em Salvador. O cassino foi
algo muito peculiar, eu nunca tinha visto.
Eu iria dividir um apartamento com outra pessoa que também
estava lá com o objetivo de estudar. Abri a porta empolgada notando
que era pequeno, estava vazio e tinha cheiro de maresia.
Embora estivesse curiosa para ver tudo ajeitado e começar a
me organizar para ir até à universidade na próxima semana, eu
estava me sentindo cansada. Organizei algumas coisas no meu novo
quarto, somente o suficiente para poder tomar banho e dormir. No
dia seguinte eu começaria a fazer todo o resto.
Mandei mensagem para minha mãe avisando que tinha
chegado bem e para que salvasse o meu novo número. Em seguida,
liguei por vídeo para o homem que tomava meus pensamentos
desde o momento em que me deixou no aeroporto.
Aloísio me surpreendeu quando me puxou para o seu colo
durante o trajeto e eu confesso que amei. Agarrada em sua blusa e
sentindo o cheiro do seu perfume, eu só conseguia pensar quando
seria a próxima vez que poderia fazerisso novamente que não fosse
com a peça que eu trouxe na mala.
Ele tinha acabado de levantar da cama para se arrumar e
vestia a calça antes de sairmos naquela madrugada. Ainda nua,
apenas com um lençol entre as pernas, sentei-me pegando a camisa
jogada sobre o colchão. Sem nenhum tipo de vergonha, peguei a
peça levando-a até o nariz e inspirando fundo. Foi inevitável que a
minha garganta não embargasse.
A dor antecipada da separação era uma bosta. Deixava a
gente fraca e emotiva.
Meu ursão fitou-me com um sorriso triste e não falamos nada
por alguns instantes. Caminhou com a imponência de um guepardo e
ajoelhou-se entre as minhas pernas. Tocou minha mão e o meu
queixo, puxando-me com delicadeza, dizendo antes de me beijar:
— Fique com ela. Quero que lembre-se sempre de mim.
— Não se preocupe, você não precisa deste recurso para
estar sempre nos meus pensamentos — confessei.
Eu estava tão imersa nesta lembrança que não reparei
quando a chamada foi atendida.
— Oi! Tem alguém aí?— brincou, balançando a mão na tela.
— Oi, ursão. Estou morrendo de saudades de você.
— E de mim, tcha Luiça? — Davi colocou o rostinho na tela,
surgindo do nada.
Sorri. A faltaera tanta que nem parecia que eu o tinha visto na
noite anterior.
— Claro que de você também, meu amor. Muita saudade.
Notei que Aloísio se abaixou pegando-o no colo e que as
paredes do corredor ficavam para trás enquanto a câmera focava no
rosto dos dois. Em pouco tempo eles entraram no quarto do meu
loirão e se deitaram na cama dele.
— Fiquei ansioso para que você entrasse logo em contato, já
estava preocupado. Como foi a viagem?
Comentei alguns detalhes da viagem e ficamos conversando
por algum tempo até que me despedi. O cansaço e o fuso-horário
estavam cobrando o seu preço.
Os primeiros dias foram de adequação. Conciliava meus dias
entre as aulas na academia e a pesquisa na CERCICA[24], principal
motivo pelo qual eu havia escolhido Portugal. Eu estava encantada
com a estrutura daquele lugar. Era a instituição que fomentava
inclusão em todas as fases da vida de seus usuários em diversas
áreas: atividades ocupacionais, educação, formaçãopara emprego e
diversas outras.
No apartamento, tudo estava fluindo bem. Ivete, a baiana
arretada que morava comigo, estudava fotografiae trabalhava em
alguns bares da região à noite e finais de semana. Foi ela quem me
guiou nos primeiros dias ensinando todos os macetes e desafiosdali.
O meu cotidiano estava bem agitado já que, além da rotina
acadêmica, eu havia começado a trabalhar de freelancerjunto com a
Ivete. O custo de vida ali era um pouco alto e toda grana extra que
entrasse era bem-vinda.
Eu não achava ruim, já que não me dava tempo de pensar na
saudade que eu sentia de casa e, principalmente, do meu caubói e
de Davi.
Durante aquele período, eu estava conhecendo tudo por ali e
ficava cada vez mais encantada. Além disso, todos na instituição
eram receptivos. Estava sendo uma época de muito aprendizado.
Milhões de ideias borbulhavam para adaptar a educação inclusiva na
fazenda. Até já podia me imaginar conversando com a Marta e
colocando em prática várias delas.
Outubro

Naquela segunda-feira, cheguei em casa louca de vontade de


tomar um banho e dormir, já que Aloísio havia comentado que não
poderia conversar naquele dia devido a uma viagem de negócios.
Estava cansada e parecia que a cada dia sentia mais
desconforto nas costas. Quanto as dores de cabeça, tinham dado
uma trégua desde que passei a trabalhar no bar apenas de sexta a
domingo. Graças a Deus!
Saí do banheiro prontinha para me jogar na minha cama e
comer qualquer besteira. Ivete havia ido para a casa do ficante e
passaria a noite por lá.
Eu tinha acabado de pôr as pernas para cima e escolhido uma
série para ver quando a campainha tocou.
Desde que eu morava ali ninguém tinha feito isso. Quem
poderia ser então? Arrastei-me até o interfone perguntando quem
era. Senti meus olhos arregalarem quando ouvi aquela pessoinha me
chamar de um jeito único, como só ele fazia.
— Tcha Luiça é o Davi!
Fiquei alguns segundos assimilando que eles tinham
atravessado o oceano e estavam ali.
— Amor, tá aí? — Aloísio perguntou com uma voz um tanto
quanto preocupada.
— Es..estou! — apertei o botão que liberava o portão já que o
nosso prédio não tinha porteiro.
— Estamos subindo — ele anunciou.
Soltei o interfone de qualquer jeito. Abri a porta e desci as
escadas correndo, descalça e descabelada, sem dar tempo para que
eles chegassem até o elevador.
De longe os vi caminhando em direção ao hall.
— Tcha Luiçaaaa!!! — Davi gritou ao me ver.
— Aaah eu não acredito que vocês estão aqui! — comemorei,
parando perto deles ofegante e pegando Davi no colo em um
rompante de alegria. Em seguida, joguei-me nos braços do pai dele.
E realmente não acreditava. Só naquele instante consegui ter
noção do quanto a saudade que eu estava deles tinha me
consumido. Sentindo-me acolhida e no meu lugar do mundo, dentro
do abraço do meu ursão.
Beijei seus lábios enquanto passava um braço sobre o seu
pescoço e segurava o Davi com o outro. Que saudade daquela boca.
Que saudade daquele corpo quente no meu. Que saudade dele! Eu
não podia crer que eles estavam ali, para mim.
— Vou ser recebido com esse fervor todo sempre que vier te
ver, minha pequena? — ele perguntou, sorrindo entre os beijos que
eu lhe dava.
— Sempre, sempre — falei enchendo ele e Davi de bitocas. —
Inclusive, por mim, vocês morariam aqui comigo.
Eles riram. Eu estava radiante por tê-los ali.
— Agora vamos subir porque não estou gostando da senhorita
desfilando pelo prédio com esse shortinho.
Olhei para baixo e só então notei que estava com um baby-
doll pequeno de algodão branco e justo. Bem indecente inclusive.
— Nossa, fiquei tão feliz com a chegada de vocês que nem
reparei na roupa que estava usando. Vamos.
Entramos no elevador, ainda com o Davi no colo. Olhei o seu
rostinho constatando que já tinha mudado alguns traços desde a
última vez que o vi.
— Você cresceu, mocinho. E está ficandocada dia mais lindo!
— exclamei, batendo a ponta do indicador em seu narizinho, assim
como seu pai fazia comigo.
— Eu quesceu. Vou ficar maior que... atcha Luiça.
— Eu cresci, filho — Aloísio corrigiu.
— Ah seu danadinho, é assim? — Fiz cosquinha em sua
barriga. — Então vou pôr você no chão.
Ele gargalhou enquanto chegávamos no nosso andar.
— Cadê as malas de vocês? — indaguei, só agora me dando
conta da ausência delas.
— Estão no hotel — o pai respondeu, dando-me passagem
com a mão na minha cintura. — Viemos te buscar para jantar e
passar a noite conosco.
— Ai que delícia! — brinquei, gostando daquela ideia.
Aloísio

Não me sentia tão bem desde que Luiza tinha vindo para
Portugal. Vê-la correndo por aquele saguão com imensa alegria fez-
me entender ainda mais o quanto aquela menina tinha se tornado
especial na minha vida.
Eu nunca tive nenhum relacionamento à distância, nem
quando estava na faculdade e, antes de Luiza aparecer, eu seria
categórico em afirmar que jamais viveria algo assim. No entanto,
aquela pequena chegou metendo os dois pés na porta e me deixou
sem qualquer possibilidade de reagir. Eu não achava ruim. Por ela,
eu enfrentaria qualquer coisa.
Muitas vezes eu me questionava se o que sentia por ela era
real, ainda mais pelo modo como tudo aconteceu. No entanto, todo
aquele questionamento caía por terra quando eu a via ou ouvia sua
voz.
Todas as vezes que olho para a minha pequena me sinto
completo, cheio de vida. Luiza me faz querer enxergar um futuro
longo ao seu lado, se assim ela quiser e eu torço muito para isso.
Passei os olhos pelo apartamento pequeno e organizado.
— Vem, deixa eu mostrar a minha casinha para vocês.
A vista da sacada da sala dava diretamente para a orla da
praia bem ao fundo. O dia estava se pondo e começava a esfriar
bastante, pois o outono se aproximava. O lugar estava vazio, mas
era possível ver algumas pessoas circulando pela orla.
— Olha, papai... que bonito!
Ele tinha razão. A água contrastava com o céu e a areia.
Incrível.
— Não é tão perto quanto parece, mas podemos visitar
durante o período que estiverem aqui — ela falou, contornando os
braços pelo meu abdômen.
Recebi aquele contato gostoso recordando de quantas vezes
desejei por ele. Luiza nos guiou até o seu quarto, onde era bem o
seu estilo. Ao lado da porta havia uma escrivaninha com o seu
computador e cheia de livros, mas o que me deixou encantado foi
notar que havia diversas fotos de nós três juntos, assim como só eu
e ela abraçados. Em quase todas, algum espaço da fazenda era o
plano de fundo.
— Gostou? — indagou, colando os lábios nos meus. — Eu
posso tirar qualquer coisa daqui, menos elas. Toda vez que as vejo,
sinto como se vocês estivesse aqui comigo.
— E nem eu quero que as tire daqui — Encostei meu corpo no
móvel e puxando minha baixinha para ficar entre as minhas pernas.
Aproveitei que Davi tinha ido ao banheiro e fiz o que senti tanta
vontade estando longe dela: beijei seus lábios com ânsia e volúpia.
— Estou louco para ficar sozinho com você.
— Eu também, ursão.
Ficamos ali trocando carinhos por alguns instantes até que
Davi apareceu.
— Pronto, papai... eu acabei — falou, terminando de levantar
a calça enrolada na cueca.
Rimos enquanto minha menina se abaixou para ajudá-lo.
— Você não pode ficarmostrando sua cuequinha por aí, Davi.
Tem que esconder bem — orientou, com amor.
Saímos do apartamento de Luiza e deixei que ela nos guiasse
pelos locais que havia conhecido nesses dias. Após nosso jantar em
um restaurante aconchegante e muito saboroso, fomos para o hotel
em que eu e Davi estávamos hospedados.
Ele chegou praticamente dormindo. Estava cansado da
viagem e a mudança de horários.
— Tcha Luiça, conta historinha hoje? — ele pediu com o olhar
pesado.
— Você falouhistorinha, com o som perfeito do R?
— É — ele respondeu — o papai tá ensinando.
— Eu não dou conta dessa criança! — Luiza brincou, fingindo
que arrancaria um pedaço da bochecha dele enchendo-o de beijos.
Fiquei na porta do quarto anexo ao meu observando ela
colocar o Davi para dormir. Quando a história acabou, ouvi ele
confessar, baixinho.
— Tcha Luiça, eu queria que você fosse a minha mamãe de
verdade.
— Você é um garotinho incrível, meu amor. E seria uma honra
ser a sua mamãe — ela sussurrou —, agora dorme porque amanhã
a gente vai conhecer a praia.
Assim que ela encostou a porta deixando apenas um
espacinho, abracei seu corpo pequeno e caminhamos em direção a
cama.
— Quando você voltar, eu quero dar um passo adiante no
nosso relacionamento.
— Como assim? — perguntou, enquanto eu deitava seu corpo
sobre o colchão.
— Você é nova e tem passado por muitas mudanças
importantes na sua vida, mas se quiser, eu quero te tornar a minha
noiva e futura esposa.
Luiza abriu um sorriso lindo.
— Vamos com calma. Porém, eu ficaria muito feliz.
Tirei a roupa da minha menina com calma, querendo apreciar
cada momento que eu teria com ela. Acariciei seu corpo com
cuidado, mas ansioso para estar dentro dela. Fitei o corpo delicado
passando pela barriga, seios, pescoço e finalmente o rosto fino.
— Você está diferente — constatei.
Luiza franziu o cenho.
— Diferente como?
— Não sei... sua pele parece mais macia, um pouco mais
inchada. Está com uma energia ainda mais contagiante. Cada dia
mais linda!
Colocou a língua para fora em um gesto infantil e debochou:
— Esse foi o jeito que você encontrou de dizer que eu
engordei?
— Pelo contrário, parece até um pouco mais magra. Mas
muito, muito gostosa! — falei, tomando seus lábios e deslizando com
cuidado em suas dobras quentes fazendo-a gemer.
Amei Luiza de um modo saudoso, depois com veemência
externando todas as sacanagens que mantive presas naquele
período.
Infelizmente a viagem passou mais rápida do que eu gostaria.
Durante aquela semana, ela conseguiu organizar a sua agenda e
pudemos aproveitar para conhecer o autódromo, as piscinas naturais
de Tamariz, a piscina oceânica e uma visita rápida à Bélgica.
No entanto, prometi para a Luiza que quando eu voltasse,
provavelmente na última semana do ano, aproveitaríamos para
visitar outros países da Europa.
Nossa despedida não foi fácil, mas eu sabia que em breve nos
veríamos novamente.
CAPÍTULO 36 | ALOÍSIO

Aqueles dias ao lado de Luiza fizeram com que um pouco da


minha saudade abrandasse. Contudo, a vontade de estar com ela
era cada vez maior.
Até mesmo Davi estava mais alegre e feliz. Desde que
chegamos ele só sabia falar de Luiza ou de tudo o que fez durante a
viagem. Estava extasiado com a visita ao autódromo. Cada vez que
ele via o avô ou os tios falava que queria aprender a dirigir para
correr igual os carros que viu.
Quando chegamos, meu trabalho estava todo acumulado. Por
isso, durante aquela semana, eu estava passando mais tempo no
escritório ou trabalhando em meu quarto até tarde. No entanto, nada
me privava do meu momento diário de conversar e ver a minha
pequena.
Naquele dia, estávamos ao redor da mesa almoçando e
conversando sobre o gado quando ouvimos uma batida de dedos na
porta da sala. Entreolhamo-nos desconfiados. Normalmente,
ninguém aparecia ali naquele horário, somente quando algo sério
acontecia.
— Tem uma moça na porta aguardando o Seu Loísio— Rute,
uma das nossas funcionárias, avisou.
— Quem é, Rute?
— Não sei, Seu Loísio. Mas é bem bonitona.
Agradeci, limpando a boca com o guardanapo e me
levantando. Boa notícia não era, eu tinha certeza.
— Davi, fique com a vovó — sinalizei. Mamãe sabia que em
situações estranhas, era sempre importante manter ele longe.
Cheguei até o ambiente reconhecendo a cabeleira ruiva e o
corpo esguio parado, segurando um porta-retratos. Soltei uma lufada
de ar impaciente e ela percebeu, se virando.
— O que você quer aqui, Carolina? — inquiri, sério.
— É uma família muito bonita. Me arrependo muito por não ter
participado dela quando tive a chance — falou, mansa. Mas não me
convencia.
— Realmente é. E não sabe o quanto sou grato pela sua
partida. Espero que continue assim.
Engoliu em seco.
— Você sabe muito bem que não é bem-vinda nesta casa.
Então responda: o que veio fazer aqui?
— Eu já disse que quero participar da vida do Davi.
— Eu não vou deixar, Carolina. Eu sei do que você é capaz e
não permitir.
Aquela mulher tinha voltado com um semblante muito pior do
que eu conhecia. Não me referia a beleza impecável. Mas a energia
que ela emanava era ruim, carregada.
A ruiva mexeu na bolsa, tirando um papel e estendendo em
minha direção.
— O que é isso? — questionei, intrigado.
— A ordem judicial que me garante o direito de visitar o meu
filho.
Se Carolina fosse uma mãe amorosa e presente que
estivesse lutando para ver o filho, eu jamais me oporia. No entanto,
eu conhecia bem o mundo superficiale fútilem que vivia, além de tê-
lo abandonado na fase mais importante para o Davi.
Passei meus olhos nas informações do papel atestando que
era realmente válido e assinado por um juiz conhecido. Segundo o
meu advogado, ela poderia usar deste recurso e eu não poderia
fazer muita coisa a não ser acatar.
Não podia ser verdade uma merda dessa.
Aquela imposição desceu como uma pedra pela minha
garganta. Eu preferia que qualquer dor que Carolina pudesse
ocasionar fosse em mim do que a mera possibilidade de ser no meu
filho.
— Por que está fazendo isso, Carolina? — cuspi, com raiva e
nojo dela.
— Você está sendo repetitivo, Aloísio, e me fazendo ficar
também. Eu já disse. Quero estar com ele.
Andei até o bar no canto da sala servindo uma dose de
conhaque. Precisava de algo forte para me ajudar a engolir aquela
bomba.
— Conta outra! Te conheço muito bem, sei que não tem
família e não gosta nem de você mesma. Seu único amor é o
dinheiro e eu realmente estou disposto a te dar uma bela quantia
para sumir de uma vez por todas — declarei, engolindo a dose.
— Eu mudei, Ísio — expressou, baixo, caminhando até mim.
— Esses anos todos longe me fizeram repensar no erro que cometi
abandonando o meu filho. Eu quero corrigir, ser uma boa mãe.
— Não acha que está meio tarde para isso?
Dei corda, fingindo que acreditava na historinha para boi
dormir.
— Eu sei que muito tempo se passou, mas estou disposta a
correr atrás do prejuízo.
Caminhei até ela, parando bem próximo. Abaixei meu rosto e
murmurei, em um tom seco:
— Não acredite, nem por um segundo, que eu caio nesse seu
papo. Então vou te perguntar pela última vez: quanto? Para ir para
outro país, Nárnia ou além?
— Assim você me ofende, Ísio.
— Já disse para não me chamar desse jeito — rosnei,
entredentes.
— Vou fingirque não escutei. Mas vim te avisar que quero vê-
lo sempre que eu puder.
— Negativo. Não pense que vai ser fácil assim — afirmei,
austero. — Não foi você quem procurou a justiça? Pois nós vamos
seguir essa ordem nos mínimos detalhes. Suas visitas serão em
finais de semana alternados com duração de uma hora. E eu estarei
presente em todas elas. Outra coisa, você não vai contar a ele sobre
o seu vínculo. Eu farei à medida que ver que não fará mal a ele.
— Você não pode fazer isso! — reivindicou.
— Não só posso como vou. Agora façao favorde se retirar da
minha casa e retornar somente no horário estabelecido na carta.
Furiosa, ela saiu batendo os saltos. Nervoso, virei outra dose,
trêmulo. Não podia acreditar que aquela desgraçada estava
realmente disposta a voltar.

Eu não conseguia dormir direito desde a visita de Carolina. A


cama parecia ter espinhos. Revirava de um lado para o outro,
preocupado.
Luiza notou a minha expressão cansada e acabei
compartilhando com ela o que estava acontecendo. Minha pequena
se culpou por estar longe em um momento como esse, mas eu a
tranquilizei. Não há nada que ela pudesse fazer estando aqui, então
era melhor seguir a sua vida.
O sábado chegou e eu me sentia inquieto. Tinha estabelecido
que o encontro entre Carolina e Davi seria em um quiosque ao lado
da casa principal. Fiz minha higiene matinal e segui para o seu
quarto. Eu precisava explicar a ele o que estava acontecendo e faria
isso do modo mais sutil que pudesse.
— Bom dia, papai! — disse, espreguiçando-se.
— Bom dia, filhote. Dormiu bem?
Ele concordou com a cabeça. Sentei ao seu lado, trazendo-o
para o meu colo.
— Filho, depois do café o papai vai te levar para conhecer
uma moça.
Ele coçou os olhos e bocejou, indagando:
— Quem é, papai? Ela é legal... igual a tcha Luiça?
Crianças e suas manias de colocar a gente em situações
embaraçosas.
Engoli o bolo na garganta, não querendo mentir para ele e
nem dizer que a sua mãe era uma pessoa horrível que tinha o
abandonado quando nasceu. Jamais permitiria que ele soubesse,
ainda mais de um modo tão brusco.
— Por que você não a conhece primeiro e depois fala para o
papai o que achou? — sugeri, saindo pela tangente.
— Eu gosto de... fazer amigos.
Sorri com a sua inocência. Alisei seus cabelos e fizuma prece
mental para que nada de ruim pudesse surgir pela frente.
— Eu sei. — Levantei seu queixo fazendo com que me
olhasse atentamente, afirmando: — Davi, eu quero que você sempre
confieem mim e, se alguém te machucar ou você não se sentir bem,
vai me contar. Combinado?
Ele me olhou confuso. Também, pudera. Embora sempre
tivéssemos sido cúmplices, ele nunca tinha me visto falar tão
seriamente. Não que tivesse sido assustador ou ríspido, mas eu
queria que ele entendesse a importância daquilo.
— Combinado, papai — respondeu, um pouco confuso.
Ajudei-o com a rotina e, logo após o café, recebi o aviso da
portaria que Carolina tinha chegado. Conformeminha orientação, ela
estava proibida de entrar sem ser anunciada.
Segurava firme na mão de Davi ouvindo-o conversar
alegremente sobre a escola enquanto caminhávamos em direção ao
quiosque. No entanto, mantive parte da minha atenção nele, mas a
outra estava focada no quanto eu sentia meu estômago gelado e o
coração descompassado.
De longe, avistei Carolina vestida a caráter rural, com jeans,
bota e chapéu. Ao adentrarmos o espaço, ela se aproximou com um
largo sorriso.
— Oi, Davi! Oi, Aloísio — cumprimentou, sedutora.
— Oi — ele respondeu, desconfiado. Talvez, eu estava
apertando sua mão com mais forçado que deveria, mas era como se
eu pudesse protegê-lo de qualquer mal. Puxando-me para baixo,
sussurrou: — Eu lembro dela, papai... Do meu anivesário.
Movimentei a cabeça em concordância. Ele era extremamente
observador.
— Filho, essa é a Carolina. Ela veio para te conhecer.
Em geral, Davi era bem receptivo a outras pessoas. Contudo,
pareceu um pouco indeciso quanto a se aproximar dela. A ruiva
abaixou na direção dele esticando um embrulho. Sagaz, ela sabia
que o conquistaria com presentes, assim como toda criança.
— Trouxe para você, espero que goste.
Para quem não a conhecia, acharia que era a melhor pessoa
do mundo.
Ele me olhou como se pedisse autorização. Após o meu
consentimento, tirou o dedinho da boca e soltou a minha mão,
pegando e já rasgando a embalagem.
— Olha, papai! — exclamou, empolgado. — É igual os que a
gente viu... lá no tódomo.
Parecendo adivinhar o quanto ele estava na fase de carros,
Carolina lhe deu um mini carro de corrida azul com controle remoto.
— É, filho... igual aos que nós vimos — falei, forçando uma
animação que eu não tinha. Tudo que eu queria naquele momento
era sumir com ele dali. — Como a gente fala quando ganha alguma
coisa?
— Obrigado. Agora vem brincá comigo! — Ele convidou nós
dois. — Você gosta de... carrinho?
— Ah... Claro... — Carolina respondeu em um tom entre nojo
e falsidade.
— Eu adoro carrinhos e animalzinhos — ele declarou,
animado com o presente.
— Animaizinhos, filho — corrigi, testando a pilha do controle
enquanto ele olhava cada pequeno detalhe do mini veículo.
— É... animaizinhos.
Apertei o botão checando se estava funcionando e a roda do
carrinho girou na mão dele. Davi gargalhou, achando tudo uma
diversão. Tomou o objeto da minha mão e saiu apertando todos os
botões e correndo atrás do brinquedo.
Ele trocou algumas palavras com Carolina, mas era nítido que
além de não entender direito o que ele dizia, ela se esforçava para
tentar interagir.
Àquela hora inteira ao lado dela pareceu uma tortura para
mim, mas eu não abriria mão de estar com ele.
— Filho, se despeça de Carolina. Ela precisa ir agora —
afirmei, deixando claro para ela que seguiria rigorosamente a minha
palavra.
— Ah não, papai. Tá tão legal.
— Seu pai tem razão, Davi. Agora eu preciso ir, mas daqui
uns dias a mamãe volta.
— Carolina — reprendi, severo. Ela sabia que não era para
expor assim.
— Mamãe? — ele indagou, desconfiado.
Ela deu de ombros.
— É, Davi. Eu sou a sua mamãe e quero muito ficar perto de
você sempre.
— Mamãe igual dos coleguinhas... da escola?
— Carolina, vai embora. Conversamos depois. Davi, vem. —
Peguei ele no colo, caminhando furioso para a sede.
— O carrinho, papai — ameaçou a fazer birra.
— Depois a gente pega.
— Eu quero agora! — Chacoalhava as pernas contra o meu
abdômen.
— Quieto! — Sentenciei firme e ele começou a chorar.
Entrei em casa bravo como um touro ao mesmo tempo em
que ele gritava a plenos pulmões.
— Foi tão ruim, assim? — papai indagou enquanto ele e
mamãe entravam na sala.
Sentindo a testa suando e o coração acelerado, desci Davi
para o chão e ele correu na direção da avó.
— Eu quero o meu carrinho!
— O que você acha de a gente ir lá no meu quarto brincar
com a minha coleção, Davi? — Artur questionou ao notar aquele
tumulto quando saiu da cozinha.
— Eu quero o meu azul... que a mamãe Caolina me deu.
Vi que todos na sala ficaram apreensivos. Não era para
menos, ela passou o carro na frente dos bois.
Caminhei até a porta e pedi para um dos funcionários que
passava pegar o brinquedo ao mesmo tempo que via Carolina indo
embora ao longe.
— Suba com o seu tio. Logo o seu carrinho chega —
respondi ao voltar para a sala.
Finalmente ele concordou e eles subiram. Caminhei até o bar
servindo uma dose dupla de uísque sem gelo. Eu não gostava de
beber, principalmente naquele horário, mas a minha raiva era tanta
que não pude evitar.
— Como foi,meu filho?— mamãe perguntou, ao se sentar na
poltrona e cruzar as pernas.
— Estava indo tudo bem até aquela desgraçada soltar que era
mãe dele — informei, virando o copo.
— Ela fez tudo isso de caso pensado, não sabe?
— Claro que sei, mãe. Aquela mulher não dá ponto sem nó.
— Fique esperto, filho. Estaremos com você para o que
precisar — Alfredo informou, passando por mim e batendo no meu
ombro.
Soltei uma lufada de ar pensando que uma tempestade viria
por aí.
Aquele restante de sábado passou de um jeito estranho. Davi
ficou bastante tempo entretido com Artur e uma série de carrinhos,
aquilo o distraiu. No entanto, uma hora ou outra, ele falava de
Carolina.
Eu havia acabado de colocá-lo na cama e estava lendo uma
das histórias que ele gostava, quando ele me interrompeu:
— Papai?
— Oi, filho — respondi, abaixando o livro colorido.
— A Caolina... — pareceu um pouco indeciso ao perguntar,
mas não impedi. Era uma curiosidade e direito de ele saber. — é
mesmo a minha... mamãe? — perguntou, baixo.
Respirei fundo, endireitando as costas na cabeceira da
pequena cama. Nunca imaginei que esse momento pudesse ser tão
difícil. No mesmo tom, afirmei.
— Sim, meu pequeno, ela é a sua mãe.
— Igual a tcha Luiça?
— A tia Luiza não é sua mãe, filho — expliquei com calma. —
Ela é a namorada do papai e gosta muito de você, quase como um
filho. Mas a sua mamãe de sangue, a que ficou grávida de você é a
Carolina.
— Mas eu gosto muito... da tcha Luiça e queria que ela fosse
a minha mamãe — confessou.
— Eu sei. E não tem problema nenhum você gostar dela
assim. Mas é importante que você saiba que ela não é a mãe que te
carregou na barriga, mas sim a Carolina.
Era horrível ter que dizer isso a ele e só eu sabia o quanto era
amargo. Preferiamil vezes afirmarque poderia chamar Luiza de mãe
sem medo. Todavia, eu não podia mentir ou esconder algo assim
dele.
— Por que eu... não conhecia a mamãe Caolina? — fez a
pergunta de milhões.
Peguei-o no colo, alisando seus cabelos, pensando no melhor
modo de responder:
— Lembra daquela história do cavalo-marinho onde a mamãe
deixa os filhoscom o papai e precisa se afastarpara que ele gere os
filhotes? — indaguei, tentando ser o mais lúdico possível sem
magoá-lo. Davi assentiu e eu continuei: — Foi mais ou menos
daquele modo. Mas agora ela voltou.
— E a ela vai ficar comigopra sempre e vim me ver?
— O papai não pode te prometer isso, filho. Mas você vai
poder vê-la mais vezes.
Davi concordou com um movimento de cabeça. Estava com
sono, tinha sido um dia exaustivo emocionalmente. Por isso,
somente concluiu antes de dormir:
— Eu gostei dela, papai... e eu quero muito ter uma mamãe
comigo.

Carolina

Desde que saí da casa dos Albuquerque naquela noite,


praticamente enxotada, não fiquei quieta até ter o meu plano
arquitetado.
Com os meus meios nada católicos, descobri que aquela
mulherzinha sem graça que entrou na frente de Davi era a
professora dele e, para o meu espanto, namorada de Aloísio.
Fiquei desapontada com o quanto ele tinha descido o nível.
Deveria estar bem carente para ficar com uma xexelenta como
aquela. No entanto, não me prendi a isso. O destino tinha sido tão
maravilhoso comigo que se encarregou sozinho de mandar ela para
longe sem que eu precisasse agir. Isto não queria dizer que eu não a
observaria.
Um amigo especial me devia um pequeno favor e, como
pagamento, estava de olho nela em Portugal. Foi através dele que
soube tudo o que o idiota do Aloísio e aquele fedelho fizeram
enquanto estava por lá e acabou me dando uma ideia de como
começar a conquistar o menino.
Era inadmissível que ele tentasse colocar aquela mulher no
meu lugar. Eu não deixaria. Nunca. Cada lágrima ou raiva de Aloísio
era uma satisfação para mim, então eu iria até o fim, por prazer
.
Eu não podia dizer que estava feliz com aquele encontro. Na
verdade, aturar aquele moleque chato era um porre, mas fazia parte
do plano. Entretanto, estava satisfeita. Tinha conseguido me infiltrar
na cabeça dele até o nosso próximo contato.
Eu queria tudo de volta.
CAPÍTULO 37 | CAROLINA
Semanas depois...

Agora sim eu estava feliz com o rumo que as coisas estavam


tomando. Era tão fácil manipular aquele moleque quanto tirar doce
de uma criança. Ele era carente e pegajoso, então bastou algumas
demonstrações de carinho e atenção para tê-lo em minhas mãos.
Meu primeiro passo foifazê-lo sentir a minha falta.Tinha dado
muito certo, já que ele esperava ansioso por nossos encontros.
Progressivamente, eles passaram a ser semanais e agora
aconteciam nas quartas e sábados. Eu preferiaas visitas no meio da
semana, já que normalmente quem nos acompanhava era a velha
Marta ou a sonsa da babá, uma mosca morta. Eram naquelas visitas
que eu agia.
Com comentários despretensiosos como comparar a nossa
família a de animais fazia com que eu fodesse o emocional do
monstrinho. Eu tinha certeza de que agora ele importunava o pai
frequentemente com a ideia de me ter perto.
Montávamos um quebra cabeça bobo com figura de uma
família unida que eu tinha trago estrategicamente para aquela tarde.
— Sabe, Davi, nós dois e o seu pai poderíamos ser uma
família muito feliz se não fosse a Luiza.
— Eu gosto da tcha Luiça — falou, daquele jeito mimado e
meloso como se referia a ela.
— É mesmo? — Ele assentiu. — Mas eu acho que ela não
gosta de você.
— Por quê? — indagou, curioso.
— Porque ela roubou o papai da mamãe e vai roubar ele de
você também se a gente deixar.
Senti vontade de gargalhar alto vendo a expressão confusada
criança. Por isso, continuei:
— E se você não quiser que isso aconteça, precisa me ajudar
a ficar com o seu pai. Não seria maravilhoso se eu morasse aqui
com vocês para sempre e sermos uma família linda?
— Eu quero, mamãe — afirmou, com os olhos brilhantes.
— Maravilhoso! Então nós temos um combinado, mas o seu
pai e nem ninguém pode saber, combinado?
— Combinado.

Aloísio

Davi estava cada dia mais apegado a ideia de ter uma mãe.
Falava disso todos os dias, sempre que podia. Em uma das visitas
de Carolina, ele pediu que mostrássemos alguns lugares da fazenda
para ela.
Ele apresentava o potro que tinha ganhado de presente
quando meu celular tocou. Afastei-me deles os observando de longe
enquanto atendia uma ligação de São Paulo. Quando retornei, os
olhos de Davi brilharam, cheio de expectativas, mas não me contou o
que era, nem mesmo quando eu perguntei ao estarmos sozinhos.
Olhei o relógio grande que adornava meu pulso constatando
que Davi já deveria estar saindo da escola. Não demorou para que
ele batesse na porta do meu escritório e estivéssemos seguindo para
casa.
— Papai — ele chamou enquanto eu dirigia — quando a
mamãe Caolina vai... morar com a gente?
Aquela pergunta não deveria ter me pegado de surpresa, mas
pegou. Tinha certeza que ela tinha plantado aquilo na cabeça dele.
— Por que pergunta isso, filho?
Pela visão periférica, notei ele balançando as perninhas
brancas adornadas por um tênis preto e bermuda de uniforme azul.
Voltei minha atenção para a sua voz enquanto ele respondia como
se fosse óbvio:
— Ué, as famílias não moram juntas?... Papai, mamãe e os
filhinhos.
— Nem sempre isso acontece. Hoje em dia, muitos casais
criam seus filhos separados.
— Ela não pode viver... com a gente? Eu quero a mamãe me
colocando pra dormir... igual você faz.
Era ruim ter aquela conversa, mas não daria para tê-la na
fazenda. Praticamente, insustentável.
— Não, Davi. Sua mãe continuará te vendo algumas vezes.
Ele emburrou e ficou boa parte daquele dia com o semblante
fechadoe para poucos amigos. Desde então, questionamentos como
aquele estavam sendo frequentes na nossa rotina. Não era fácil. Eu
tentava ir com calma, sempre pisando no freio, mas as vezes ele me
tirava do sério. Até mesmo a relação dele com Luiza tinha ficado
diferente, mais fechada.
Estávamos conversando por vídeo chamada como fazíamos
sempre e ele estava na cama comigo ouvindo enquanto brincava
com alguns cavalos de plástico, mais sério e fechado do que o
normal.
— Como você está, minha pequena? — indaguei para Luiza.
Ela andava se queixando bastante de dores de cabeça e nas
costas, mas era teimosa, se recusava a ir ao médico. Já era mais de
onze da noite em Estoril e ela já estava pronta para dormir.
— Tudo normal, ursão. As dores quase não aparecem mais.
Acho que estou me adaptando — respondeu, ajeitando o travesseiro
atrás da cabeça. — O que aconteceu que você está tristinho, meu
pequeno?
Ele a observou por alguns instantes, como se estivesse
indeciso e então questionou:
— Tcha Luiça, você não gosta... de mim?
— Claro que eu gosto, meu amor. Eu te amo muito — afirmou,
com um sorriso conquistador. — Por que pergunta isso?
— Por que você... foi embora então?
— Filho, nós já conversamos sobre isso, lembra? — alertei. —
Ela foi estudar e em breve estará de volta.
— E é porque você namora ela... que a mamãe Caolina não
pode... morar aqui?
Respirei fundo tentando não me alterar com aquela conversa
novamente. Didaticamente e com toda paciência do mundo, Luiza e
eu explicamos novamente a história do cavalo-marinho.
A cada dia, ficava cada vez mais difícil dissuadi-lo. Parecia
que quando via Carolina, ele ficava pior. Despedi-me de Luiza
afirmando que ligaria para ela depois e fiquei com ele ali na cama
acolhendo a crise de choro até que dormisse.
— Nenhuma mamãe fica comigo... — choramingou, antes de
se entregar ao sono.
Era uma merda aquele tipo de situação e eu estaria disposto a
entregar tudo o que eu tinha para livrar o meu filho disso.
Abraçando seu pequeno corpo contra o meu com força,
passei na noite em claro procurando uma saída. Eu não poderia
deixa-lo sofrer se tivesse como ajudar. Além disso, eu precisava ter
condições de acompanhar tudo o que acontecia a ele.

No dia seguinte, levei Davi para a escola e rumei para a sala


de Alfredo, onde ele e mamãe me aguardavam preocupados.
— Ao que devemos essa reunião? — ele indagou, imponente,
recostando-se majestosamente na cadeira de couro marrom em
frente a um quadro com vista panorâmica da Fazenda.
Sentei ao lado de mamãe em uma das poltronas diante da sua
mesa e resumi os últimos acontecimentos e as reações de Davi.
— Eu realmente tenho percebido ele mais agitado e com uma
certa resistência em se abrir comigo — Marta declarou. — O que
pretende fazer?
Contei a ideia que tinha dominado o meu pensamento durante
aquela noite toda em claro. Poderia ser terrível para mim, mas se
meus pais estivessem de acordo, eu faria qualquer coisa para
descobrir o que estava acontecendo com o meu filho e lutar para vê-
lo melhor.
— Você tem certeza disso, Aloísio? — papai inquiriu,
preocupado.
— Tenho, pai. O Davi não está bem e eu tenho suspeitas de
que Carolina esteja fazendo algo com ele. Sob o nosso teto, é mais
fácil monitorar.
— Então nós te apoiamos e ficaremos de olho, filho. Conte
conosco para o que precisar.
Agradeci o apoio e saí da sala já sacando o celular para
resolver isso de uma vez.
Encontrei Carolina cerca de uma hora depois em um pequeno
café de Alta Colina. Ela aparentava ter sido acordada no momento
em que entrei em contato, mas tinha se enfeitado para amenizar.
— Fiquei muito surpresa quando me ligou — afirmou,
sorrindo.
— Não vou demorar, Carolina. Serei objetivo: Davi sente a sua
falta e vê-lo só duas vezes na semana não é o suficiente para suprir
a carência que ele sente. Por isso, estou te chamando para morar na
fazenda conosco — comuniquei, sentindo como se tivessem
escorpiões na minha boca.
A ruiva abriu um sorriso amplo, mantendo a postura de mulher
meiga ao afirmar:
— É tudo que eu mais quero, Aloísio. Quero reconquistar a
nossa família e...
— Pare por aí — interrompi. — Você está voltando na
condição de mãe do Davi, entretanto, jamais haverá nós dois.
Carolina se empertigou, recostou-se enquanto levava a xícara
à boca e colocava o cabelo atrás da orelha, afirmando:
— Tudo bem, faremos como você preferir
.
CAPÍTULO 38 | CAROLINA
Semanas depois...

Eu não poderia estar mais satisfeita. Desde que tinha chegado


àquela casa, as coisas estavam saindo exatamente do modo como
eu tinha planejado.
Davi estava emocionalmente dependente de mim e eu estava
fazendo com ele o que precisava para ter o seu pai em minhas
mãos. Havia percebido que era rotina Aloísio realizar chamadas de
vídeo com a sem sal todas as noites. Mas isso iria acabar e não
demoraria muito.
A rotina naquele lugar era entediante. Só mato e boi para
onde olhasse, estava quase tendo uma síncope sem nada para
fazer. O monstrinho era cheio de frescura. Tinha que levar e buscar
na escola, dar banho, cuidar e mais um monte de coisa que eu fiz
questão de jogar nas costas de Júlia.
Outra chata de galocha era a velha irritante. Marta ficava no
meu pé como se eu fosse uma criminosa, procurando qualquer
vestígio que pudesse usar para me tirar daquela casa. Mas eu era
esperta, não daria na cara tão facilmente.
Para não dizer que meus dias ali estavam tão enfadonhos, eu
gastava grande parte do meu tempo apreciando o pedaço de pecado
que eram os irmãos de Aloísio. Artur era bonitinho, mas não fazia o
meu estilo. Era certinho e careta demais.
Já Antônio... eu faria qualquer coisa para lamber aquele
tanquinho cheio de gomos e chupar aquele pau grande e gostoso.
Outro dia, o vi sem camisa na academia chutando o saco de
pancadas e, para o meu total vislumbre e satisfação, estava sem
cueca. Fui a loucura vendo aquela cabeça rosada e robusta
balançando a cada levantada de perna que ele dava.
Escondida e ajoelhada em um canto escuro, levei a mão para
dentro da calcinha e me masturbei imaginando aquilo tudo dentro de
mim.
Lembrar daquela maravilha fez um calor gostoso irradiar pelo
meu corpo. Estava sem transar desde que vim para a casa dos
Albuquerque. Para aplacar o fogo que eu sentia, precisaria de três
caras pausudos metendo em mim ao mesmo tempo, como eu
gostava.
— Mamãe — o purgante me chamou, tirando-me dos meus
devaneios eróticos.
Eu estava apenas de biquíni renovando a vitamina D naquele
dia de semana enquanto todos os otários daquela família
trabalhavam. Era até um milagre o pivete estar ali comigo. Não
porque eu quisesse, mas porque era quando eu usava daqueles
momentos para fazer a cabeça dele.
Aproveitei que a babá tinha ido ao banheiro, já que parecia
uma sombra atrás da criança. Se eles achavam que eu era amadora,
estavam muito enganados.
— Já falei para você me chamar de Carolina, menino! —
exclamei, irritada.
Eu odiava quando ele me chamava daquele jeito, forçava-me
a ter um vínculo que eu jamais teria.
— Mas eu gosto de... te chamar assim. Você é... a minha
mamãe — respondeu, com o lábio inferior trêmulo e os olhos
começando a ficarem marejados.
Eu me divertia tanto em vê-lo assim. Sentia vontade de rir alto
em regozijo.
— Mas eu não gosto. E se você me chamar assim outra vez
quando estivermos sozinhos, eu te afogo nessa piscina. Entendeu?
— vociferei, controlando o volume da minha voz.
Levantei-me de modo rude e para descontar a raiva que ele
me causou, chutei o gato que passava na minha frente. Observando
a cena catatônico, notei quando as lágrimas grossas escorreram
pelas bochechas vermelhas. Era bom mesmo que tivesse medo.
— É por isso que ninguém gosta de você, seu chorão!
No entanto, o bicho resmungou alto, talvez não tivesse
machucado tanto quanto eu queria porque ele avançou com as duas
patas na minha perna.
— Inferno! — bradei, sentindo o local arder e sangrar
enquanto ele corria.
— O que aconteceu aqui? — A voz de Marta soou logo atrás
de mim. Era só o que me faltava.
Fingindo-me a egípcia, entrei na personagem. Calmamente
falei:
— O gato me atacou.
— E por que o Davi está chorando?
— Ele caiu antes e, quando fui socorrer, o gato passou na
minha frente e eu tropecei.
Ela se aproximou de nós observando tudo em volta. Pegou o
monstrinho no colo, passando a mão pelos seus cabelos.
— Está tudo bem, amor.
Aquela cena era patética. O pior de tudo era que agora ele
não parava de chorar.
— Sabe que Aloísio não gosta do Davi perto da piscina,
Carolina. Por que insiste em trazê-lo?
— Eu não chamei. Ele que veio — defendi-me.
A velha deu uma risada de escárnio.
— Você é mãe dele, menina. Cabe a você ter voz de
autoridade e não dar exemplo contrário. Você está no meu radar e se
eu ver você machucando o meu neto, se prepare — ameaçou,
caminhando com ele para dentro.
— Inferno, inferno, inferno — resmunguei, baixo, passando a
mão pela área ferida. Aquilo ficaria cicatriz.
Luiza

Conversar com Aloísio todos os dias me causava duas


reações distintas: confortopor poder estar com ele e o sentimento de
ser uma traidora por estar longe em um momento como este. Tudo
que eu mais queria era poder estar perto e fazer alguma coisa para
amenizar a angústia dele e de Davi.
Me adaptar a Portugal estava demorando mais tempo do que
eu imaginava. O clima e a alimentação eram os principais fatores.
Nos últimos dois meses do ano, eu estava congelando com
temperaturas abaixo de zero. Além disso, eu não aguentava mais ver
bacalhau e azeite de oliva na minha frente.
Abri o portão trêmula, sentindo o alívio por estar chegando no
quentinho do meu apartamento. Ainda no hall do meu andar pude
notar o cheiro inconfundível do azeite de dendê. Ivete com certeza
estava fazendo moqueca de peixe e frutos do mar. A baiana
cozinhava como ninguém e eu era a primeira a provar o sabor
delicioso do que ela fazia.
Confesso que tinha sido um pouco difícil acostumar com o
tempero dela, achava muito forte, principalmente o cheiro do dendê e
o gosto do coentro. No entanto, logo aprendi a gostar.
— O cheiro está bom — comentei, quando abri a porta.
— Estou com vontade há alguns dias. Hoje consegui um
tempinho para fazer — ela explicou, abrindo a tampa da panela. —
Já está pronto, vem comer.
Após o jantar daquela segunda-feira, ficamos jogadas no sofá
vendo série. Aproveitei e liguei para o meu ursão e ficamos
conversando amenidades.
— O que foi? — ele questionou, notando minhas caretas.
Passei a mão pela barriga sentindo-a desconfortável.
— Acho que a moqueca que comi me fez mal.
Levantei com o celular em mãos caminhando até a cozinha
para pegar uma água.
— Comer um prato pesado desses à noite, pequena? —
repreendeu.
Contudo, foisó sentir a água descer para que o refluxoquente
voltasse. Corri até o banheiro jogando o celular de qualquer jeito
sobre o lavatório, ajoelhando no vaso e deixando tudo sair.
Ao longe, eu só conseguia ouvi-lo me chamando.
— Luiza! Luiza!
Deixei que todo aquele mal-estar saísse para só então ir até a
pia, lavar a boca e passar um pouco de água pelo pescoço.
— Minha pequena, você está bem? — indagou, preocupado.
— Sim, passou — expliquei, pegando o celular de volta,
dando boa noite para Ivete que me encarava preocupada e fuipara a
minha cama. — Foi só um aprendizado para nunca mais comer
moqueca antes de deitar.
Há algum tempo eu vinha me sentindo estranha, mas atribuía
a loucura que estava a minha vida. Se piorasse, eu procuraria um
médico. A expressão de Aloísio foiabrandando à medida que via que
eu estava melhor e já conversava bem e sem fazer caretas. Nos
despedimos como sempre, garantindo que nos falaríamos no dia
seguinte.
CAPÍTULO 39 | ALOÍSIO

— Ainda não está pronto, filho? — indaguei ao entrar no


quarto de Davi no domingo pela manhã e vê-lo deitado.
Normalmente, ele estaria empolgado e já teria até colocado o chapéu
para irmos cavalgar.
Desde que Carolina chegou, Davi tem tido algumas oscilações
preocupantes de humor. Em algumas vezes, está alegre e sorridente.
Em outras, triste amedrontado e apático. E isto tem me preocupado
muito.
— O Davi não qué, papai.
Conversei bastante com a equipe de profissionais que
cuidavam dele, principalmente com a psicóloga que o acompanhava.
Foi consenso entre todos que ele estava apresentando regressão em
alguns aspectos que tínhamos conquistado até agora. As mais
marcantes tinham sido na fala e algumas noites de xixi na cama.
— Por quê, Davi? Você adora andar a cavalo com o papai —
questionei, sentando ao seu lado no colchão.
— Tô com peguiça.
Virou-se na cama, cobrindo o corpo.
— E se a gente for brincar com algum jogo ou com os
carrinhos? — Tentei outra alternativa que não o deixar ali daquele
jeito. Ainda assim ele não quis acenando com a cabeça. — Filho,
lembra que você prometeu para o papai que me falaria se não
estivesse bem ou se alguém tivesse fazendo alguma coisa com
você?
Davi me olhou assustado. Ficou alguns segundos calados,
mas depois desconversou:
— A gente pode ir... na cachoeia?
Se ele se sentisse bem para me contar e se animasse, eu
faria o que quisesse.
— Podemos — afirmei com um sorriso pequeno.
Depois do cafée de arrumá-lo a caráter, fomosaté o estábulo.
Eu odiava ver o Davi triste e sabia que ele adorava correr. Por isso,
começamos com um trote lento e, à medida que vi ele relaxando, bati
os pés incentivando que Alazão acelerasse enquanto firmava o corpo
pequeno contra o meu. No entanto, a gargalhada que eu amava
ouvir não veio.
Chegamos na cachoeira e sentamos em uma pedra grande, o
coloquei em meu colo alisando seus cabelos.
— Eu adoro esse lugar, principalmente quando estou aqui
com você — falei despretensioso. — E eu sei que você também
gosta. Mas hoje você está triste e o papai queria muito saber o
porquê.
Davi abaixou a cabeça, deixando uma lágrima escorrer, mas
sem emitir nenhum som.
— Conversa com o papai. Eu sou seu melhor amigo e vou te
defender de qualquer coisa. Alguém te fez algum mal?
Acenou em negativa.
— A Carolina fez alguma coisa contra você? — insisti, mais
específico.
Ele arregalou os olhos, assustado, mas negou. Fechado como
uma concha, não permitiu que eu acessasse nada do que sentia.
A presença de Carolina naquela casa me fazia muito mal e
ninguém gostava de tê-la ali. Porém, a aturávamos enquanto fosse
para o bem de Davi. Todavia, os sinais que ele emitia deixavam
claro que não era exatamente o que estava acontecendo.
Em alerta, tive algumas ideias para descobrir o que era. Se
Carolina não deixava pistas claras para nós, não poderia esconder
das câmeras ocultaria por toda a casa.
Durante aquele dia, eu fiz o máximo que pude distraí-lo e
manter longe dos olhares dela. Surtiu efeito, já que ele estava um
pouco mais leve.
Deitado em minha cama, segurava o celular com uma mão
enquanto alisava as costas do Davi com outra. Enquanto eu
conversava com Luiza, ele pegou no sono.
— Ele está bem? — ela indagou com um semblante
preocupado.
— Na verdade, não. Mas estou cuidando de perto.
— Eu queria muito estar aí com vocês.
— Eu sei, minha pequena. Mas não se preocupe, já estou
providenciando a nossa viagem na semana do Natal. — Como
prometido, eu e Davi passaríamos essa data com ela.
— Estou muito ansiosa para isso. E tenho uma novidade para
te contar — disse com os olhos brilhantes.
— Ah é? Então diga.
Era tanta turbulência junto que tudo o que eu queria era uma
notícia boa.
— Não, senhor. Quero te contar pessoalmente.
— Isso não vale. Fez só para me deixar curioso — brinquei.
Luiza tinha o poder de me tranquilizar e deixar leve. Ficamos
mais algum tempo na ligação e nos despedimos. Levei Davi para o
quarto dele, o cobri e dei um beijo nos cabelos pensando no quanto
aquele carinha era tudo para mim.
Deitei na minha cama e não demorei até apagar. Estava
cansado e doido de saudade da minha pequena.
Sentia meu corpo mole e pesado, quando notei um movimento
embaixo das cobertas. Um corpo quente colando-se ao meu. Em
meus sonhos, eu via Luiza montando em mim. No entanto, o cheiro
extremamente adocicado me despertou.
Assustado e por um reflexo, joguei seja lá o que fosse no chão
ouvindo um barulho seco. Liguei o abajur e vi Carolina nua, caída no
chão.
— Ai, Aloísio! — reclamou, levando a mão ao cóccix.
— O que está fazendo aqui desse jeito? — indaguei,
exasperado, ficando de pé.
— Eu estava tentando te fazer relaxar, mas poxa... —
justificou, se levantando.
Caminhei até o banheiro procurando por um roupão e estendi
em sua direção.
— Cubra-se. Qual parte do não haverá nada entre nós você
não entendeu?
Sentia meu maxilar e ombros contraídos, tensos.
A ruiva pegou o tecido e jogou de lado com desdém. Andou
até minha direção e tentou passar a mão pelo meu peito, dizendo:
— Você continua tão lindo, Ísio... não sabe o quanto senti
saudades de tudo que a gente fazia junto.
Segurei seu pulso impedindo de me tocar, expressando com
desprezo:
— É um tempo que não voltará. Agora saia do meu quarto e
não tente me seduzir nunca mais.
— Quando foi que você ficou imune a mim? — questionou,
insultada.
— Quando você escolheu abandonar a mim e ao meu filho no
momento mais importante de nossas vidas. Agora suma da minha
frente.

Carolina

Saí daquele quarto furiosa. Eu até poderia imaginar que ele


tivesse alguma raiva de mim, mas não pensei que fosse resistir
quando eu investisse.
Além de ser uma etapa do meu plano, seduzi-lo aplacaria um
pouco do fogo que estou sentindo, afinal, o caubói sempre foi um
espetáculo na cama. E isso me deixava muito frustrada.
Eu era tão sortuda que aquele moleque irritante realmente era
filho dele. Ainda bem, ou estaria perdida se fosse de qualquer um
dos outros caras com quem eu me relacionava naquela época.
Se tivesse acontecido, provavelmente eu teria que abandonar
ou matar a criança. Porém, ser filho de Aloísio me garantiria poder de
barganha e muito dinheiro, então eu precisei levar aquela gravidez
até o final.
O ódio me invadiu quando ali ficou amplamente escancarado
o quanto o homem que era louco por mim no passado agora me
odiava. E pior, estava totalmente cadelinha daquela mulherzinha
xucra e sem graça.
Desde que cheguei e a vi se colocar na minha frente
protegendo aquele deformado sabia que seria um problema. Mas
agora eu percebo o domínio emocional que ela tem sobre ele.
Mais uma vez odiei-me por ter sido tão burra e ter deixado o
meu pote de ouro. Se eu tivesse ficado com ele naquela época, teria
feitoalgum esforço,mas tinha conseguido aturar aquele garoto chato
e pegajoso. Nunca estaria na maior enrascada da minha vida tendo
que me esconder.
No dia seguinte, tomei café tarde, como sempre fazia. Me
recusava a levantar junto com as galinhas para me adequar a rotina
deles. Entretanto, eu fazia questão de participar dos almoços, ainda
que sem fome. Era naquele momento que eu ficava por dentro de
tudo que estava acontecendo naquela família e nos negócios.
Comia calada, no papel de boa moça, quando eles
começaram a falarde uma tal viagem que Aloísio fariana semana do
Natal.
— Como estão os preparativos?
Algum deles perguntou, mas não prestei atenção já que me
questionava que viagem era essa.
— Tudo certo — Aloísio respondeu, não dando mais detalhes.
Provavelmente não queria comentar na minha frente.
— Pra onde você vai levar o Davi? — indaguei.
— Carolina, agora não — Aloísio falou baixo.
— Eu quero saber. Eu não vou deixar que você leve meu filho
para outro país — exasperei-me.
— Não preciso da sua autorização — explicou, levando o
garfo à boca.
— É claro que precisa, Aloísio. Eu sou a mãe dele — bradei.
Ele engoliu rápido, largou os talheres de qualquer jeito e
respondeu, sério:
— Você sumiu por cinco anos e nunca fez questão de ter
nenhum direito legal sobre ele. Desde que chegou aqui sequer
pensou em conversar comigo sobre isso, só te vejo curtindo a vida
de madame e um papel porco de mãe. Então, eu sou o único
responsável legal pelo Davi e estou dizendo que ele vai — vociferou,
levantando da mesa intempestivamente.
— Você não pode fazer isso, Aloísio. Vou procurar meus
direitos— informei, andando atrás dele.
— Faça isso. E não pense que eu não tenho visto suas
oscilações de tratamento com ele e dos seus sumiços repentinos. Se
quiser continuar morando nesta casa, eu sugiro que se esforce mais
enquanto mãe ou arrume suas malas e suma daqui.
Empertiguei o corpo, desconfortável. Mas retornei a postura
de mulher complacente.
— Como você tem coragem de dizer tal coisa sobre mim,
Aloísio?
Ele respirou fundo, como se invocasse toda a paz interior
possível para não cometer uma besteira.
— Vamos lá, Carolina, o seu retorno não tem surtido o efeito
esperado para o meu filho então eu estou disposto a te dar o que
você quiser para evaporar do mapa e nos deixar em paz.
— Você me ofende falando assim... — falei, ofendida.
Riu com escárnio.
— Ofendida... — repetiu, debochado, rindo outra vez — Não
gaste seu teatro. Ninguém aqui acredita seu joguinho. Diga: o que ou
quanto você quer para isso?
— Eu não posso acreditar que você esteja falando assim
comigo — sequei uma lágrima falsa e caminhei para a escada. —
Tudo bem, eu não vou fazer nada quanto essa viagem de vocês.
Porém, quando voltarem, eu quero ter o direito de estar presente na
certidão de nascimento dele.
— Pois eu sugiro que procure seu advogado, porque por
minha livre e espontânea vontade, você nunca será registrada como
mãe do Davi — esbravejou, colocando o chapéu na cabeça e saindo
da sala.
Se Aloísio pensava que era esperto, ele estava muito
enganado. Na escola que ele frequentava,eu era PhD. Estava sendo
muito benevolente até aqui. Se ele queria guerra, ele teria e eu
começaria por aquela professorinha cafona.
A historinha de amor a distância deles estava com os dias
contatos. Eu me encarregaria pessoalmente disto.
CAPÍTULO 40 | LUIZA

Acordei durante a madrugada sentindo sede. Sonolenta,


caminhei até a cozinha colocando o copo para encher e, ao olhar
para a mesa, notei o recipiente de vidro ostentando um maravilhoso
bolo de chocolate com calda. Senti a barriga reclamar e não resisti,
andando para o quarto comendo um pedaço.
Fui olhar a hora na tela do meu celular e estranhei uma
mensagem de um número desconhecido enviada enquanto eu
dormia. Abri a conversa senti minhas mãos tremerem quando
entendi do que se tratava.
Era uma foto do meu Davi dormindo abraçado com a sua
raposa ao lado de um revólver. Os dedinhos dele quase tocavam o
objeto. Eu não entendia de armas, mas se aquilo estivesse
destravado, eu não queria nem imaginar as consequências do que
poderia acontecer.

Número desconhecido:
“Suma da vida deles sem deixar rastros ou dê adeus a essa aberração.
Se qualquer um dos Albuquerque ou a polícia ficarem sabendo deste
recadinho, você e o menino estarão mortos.”

Senti minhas pernas bambearem enquanto as lágrimas


começavam a escorrer pela bochecha e o celular caía no chão.
Parecia uma realidade paralela. Não era possível que a
Carolina teria coragem de fazer mal ao próprio filho.
Não que estivesse escancarado, mas para ter acesso ao
quarto de Davi daquele modo, só poderia ser ela.
Fiquei apavorada, sem saber o que fazer. Passei o restante
daquela madrugada e o dia tentando pensar com clareza e
racionalmente. Era tenebroso, mas eu não poderia me deixar abater.
Naquela noite, ainda que eu estivesse me esforçando para
não demonstrar, Aloísio notou que eu não estava nada bem. Ele
questionou diversas vezes, mas eu teimei em dizer que estava
tranquila.
Enquanto ele falava do seu dia e sobre o meu pequeno, eu
só conseguia pensar no que aquela cobra poderia fazer com ele,
ainda mais enquanto eu estivesse longe.
Desde que a mãe chegou, Davi estava diferente comigo. Isto
me deixava temerosa. No entanto, durante as nossas conversas, eu
conseguia fazer com que ele relaxasse e até sorriso. Claro, com
muito carinho e cuidado. Davi era especial demais para mim e eu
faria tudo o que estivesse ao meu alcance para vê-lo bem.
Como seria se eu tivesse que me afastar?Como ele reagiria?
Pior, Aloísio se sentiria abandonado pela segunda vez. Ele
me odiaria.
— Luiza, você não está bem. Por que está chorando? — meu
namorado indagou durante a nossa chamada diária.
Só então notei que tinha deixado algumas lágrimas caírem.
Limpei rapidamente com as mãos, engoli o bolo que se formou e
modulei a voz.
— É só... han han... — limpei a minha garganta — uma
enxaqueca forte — menti, sentindo-me péssima por ter que fazer
isso.
— Você precisa fazer um check-up, pequena. Tem sentido
muitas coisas estranhas desde que foi embora — disse,
preocupado.
— Está tudo bem — falei para tranquiliza-lo.
— Sei que não está. Te conheço bem demais para saber
quando algo aconteceu com você. Mas procure um médico ou te
obrigarei a fazer isso assim que eu chegar aí — finalizou, sorrindo.
Se ele soubesse...
Eu queria muito a presença dele aqui, mas depois do que
aconteceu, não tinha mais tanto certeza de que ele realmente viria.
— Tudo bem, vou precisar desligar — disse, com o peito
apertado de angústia.
— Está certo, minha pequena. Tome um remédio e descanse.
Nos falamos amanhã.
— Ursão — chamei a última vez antes de desligar sentindo
uma vontade imensa de externalizar aquilo, talvez pressentindo que
seria importante. Para nós dois. — Eu te amo!
Aloísio sorriu tranquilo, como faziatodas as vezes em que eu
dizia que o amava. Um sorriso lindo que eu adorava e queria
continuar vendo todos os dias.
— Eu te amo mais, minha pequena. Amo muito! Agora vá
descansar.
Desliguei a chamada sentindo que tudo estava
desmoronando. O que eu poderia fazer naquela situação?
Torturei-me com milhares de pensamentos sentindo a cabeça
doer de verdade. Revirei de um lado para o outro. A luz do celular
acendeu, indicando outra mensagem.
Uma dúvida terrível se abria ou não. Mas não consegui ficar
imune.

Número desconhecido:
“É o último aviso:
Afaste-se de Aloísio ou se encontrarão no inferno.”

Sentia meu estômago contrair de nervoso, uma vontade


imensa de vomitar. Eu tremia e me sentia perdida.
A implicância de Carolina era comigo porque eu namorava o
Aloísio e tinha uma relação forte e protetora com Davi. Mas e se eu
saíssede campo e ela direcionasse essa raiva a outra pessoa? Pior,
ao pequeno?
Caminhei pelo quarto tentando organizar os milhares de
questionamentos que me atormentavam quando algo importante me
ocorreu.
Peguei o celular procurando o contato da única pessoa que
poderia me ajudar. Chamou algumas vezes até que finalmente ouvi
sua voz:
— Alô, Rafa?
No final daquela noite e mais tranquila já que tinha ouvido a
orientação de um amigo que sabia lidar com esse tipo de situação e
pessoas, eu havia tomado uma decisão motivada unicamente pelo
amor que eu sentia por Aloísio e Davi.
CAPÍTULO 41 | ALOÍSIO

Na noite anterior, eu havia notado que Luiza não estava nada


bem e isso me deixou em alerta, mas acatei quando quis desligar.
Ela estava diferentee minha preocupação com a sua saúde era real.
Por esta razão, mesmo sob suas recusas, eu tinha transferido um
bom valor para a sua conta para que pudesse fazer uma bateria de
exames.
Hoje tive que acompanhar um cliente nas cidades da região,
pois ele provavelmente fecharia um negócio milionário com a Canto
dos Pássaros então eu era o responsável por prestar o melhor
atendimento e garantir o contrato. Fiquei ainda mais agitado, olhando
diversas vezes no celular e vendo que não tinha tido retorno de
Luiza.
Ela sempre mandava mensagens de bom dia, já que seu
horário era bem adiantado ao do Brasil. Contudo, hoje esta rotina foi
quebrada e ela não respondeu às mensagens que mandei.
Considerei este pensamento durante todo o dia. No horário de
sempre, liguei para Luiza, mas ela não atendeu. Tentei algumas
outras vezes, mas não tive retorno. Eu já estava ficando
desorientado. Andei de um lado para o outro no quarto, quase
fazendo um buraco no chão, enquanto o telefone chamava
novamente.
Respirei aliviado quando ela atendeu. No entanto, a
preocupação cresceu ao notar seu rosto inchado e coberto por
lágrimas que ela tentava secar, sem sucesso.
— Eu já estava aflito com a falta de notícias, pequena. O que
aconteceu? — indaguei assim que sua imagem apareceu na tela.
Luiza ficou me observando calada enquanto os olhos
brilhavam, cheio de pranto.
— Fala, amor... O que aconteceu para você estar assim? —
inquiri, nervoso.
— Eu... han — limpou a garganta — eu quero terminar.
— Como assim? — questionei, espantado. — O que você está
falando, Luiza? Por quê?
Ela passou a mão novamente sob os olhos inchados.
— Eu... eu descobri que não quero um envolvimento sério.
Você pensa em casar, ter filhos e eu não quero nada disso agora.
Quero focar em mim.
Eu não podia acreditar que ela estava falando uma coisa
dessas. Naquele quarto de hotel ela parecia tão sincera ao afirmar
que queria. Respirei fundo, tentando ser guiado pela razão.
— Amor, escuta, você tem todo o tempo do mundo para se
dedicar a você e a sua carreira. Eu quero sim tudo isso, mas no seu
tempo. Pensa melhor e...
— Não, Aloísio... eu não quero mais um relacionamento. Eu
quero terminar, agora.
Sentei na beirada do colchão calado, sentindo meus olhos
arderem enquanto a fitava pelo celular. Seu rosto estava cada vez
mais vermelho e o lábio inferior tremia.
Eu queria muito ter Luiza comigo, só Deus sabia o quanto.
Contudo, eu não gostaria que fosse por obrigação ou forçada. Por
este motivo, mantive toda a minha atenção nela ao inquirir:
— É isto mesmo que você quer?
Ela assentiu sem verbalizar.
— Então você está livre para viver a sua vida como bem
entender. Espero que não se arrependa desta decisão.
Desliguei sentindo meu corpo todo arder. Em um ato de fúria
desmedida, joguei o celular contra a parede com toda força que eu
tinha. Perambulei pelo quarto sem enxergar um palmo na frente no
meu nariz. Joguei as luminárias no chão, chutei o móvel de
cabeceira, derrubei todos os livros e itens de decoração dos nichos
e, por último, atirei a cadeira contra a porta.
— O que está acontecendo aqui? — Antônio perguntou, a
abrindo e quase sendo atingido.
— Sai daqui, Antônio! Sai! — gritei.
Em instantes, minha mãe apareceu também. Eu não queria
que ninguém presenciasse o lixo que eu me sentia.
— Fora daqui — ordenei outra vez, dando um soco na parede.
Eles se entreolharam preocupados. Não era para menos, eu
nunca tinha ficado nesse estado.
— Meu filho... — ela entrou com cuidado.
— Sai, mãe. Não quero te machucar! — expressei, trêmulo,
apoiando as mãos na parede e abaixando a cabeça.
— Shhh, você nunca me machucaria — falou em tom
fraternal, abaixando meu braço e entrando na minha frente. Tocou
meu rosto com carinho, observando cada detalhe meu.
— Está acontecendo de novo — murmurei, sentindo a lágrima
cair e a dor tomar o meu peito.
Dona Marta me conhecia tão profundamente que não foi
necessário dizer mais nada. Ela sabia o tamanho do sentimento que
eu tinha construído por Luiza e o quanto o fim daquele
relacionamento poderia me machucar.
— Chore, filho. Deixe sair — aconselhou, incentivando que eu
deitasse o rosto em seu ombro.
Permitindo-me ser fraco, pendi a cabeça para baixo
extravasando o choro doloroso. Instantes depois, Antônio completou
o abraço triplo, querendo dizer, sem o uso de qualquer palavra, que
estaria comigo para qualquer coisa.

Luiza

Joguei o celular sobre a cama sentindo-me a pior mulher e


maior mentirosa do mundo.
Durante aquele dia, não consegui fazer nada além de pensar
em toda aquela situação. Em como seria doloroso ter que mentir
para o homem que eu amava. Foi horrível ter que ignorar todas as
suas mensagens e ligações, mas o medo do que eu tinha que fazer
era muito maior.
As lágrimas vieram como cachoeiras e meu corpo inteiro
tremia. Ver o olhar desolado e incrédulo de Aloísio quando eu menti
dizendo que não queria uma vida com ele deixou-me péssima. Foi a
maior barbaridade que já saiu da minha boca, quando na verdade,
eu pensava cada vez mais em um futuro com eles naquela fazenda.
Eu orava pedindo aos céus que não o deixasse sofrer tanto
quanto eu sabia ser possível para nós dois. Além do meu pequeno
menino que, sem sombra de dúvidas, sentiria muito a minha falta.
Assim como Davi me queria como mãe, eu o queria como filho. Só
eu sabia o quanto tudo isso estava sendo difícil e doloroso.

Carolina

Tinha acabado de fazer a minha tortura diária do dia: colocar


aquele monstrinho para dormir. Ele tinha uma mania irritante de pedir
história. Eu não sabia nenhuma e odiava ter que ficar inventando
todos os dias. Era por isso que eu sempre incentivava Aloísio a ter
esses momentos, mas nem sempre conseguia escapar.
Entretanto, tudo valeu a pena quando escutei toda a confusão
vinda do quarto ao lado. Sorri, vitoriosa. Meu plano estava dando
certo.
Eu precisava ser rápida. Sabiá estava no meu pé cobrando a
dívida exorbitante que eu tinha. O desgraçado foi quem me
apresentou o mundo do tapinha[25]há alguns anos.
A professorinha otária já era carta fora do baralho. Agora eu
precisava reconquistar o meu pote de ouro o quanto antes e me livrar
daquele doente que me chamava irritantemente de mãe.
A minha vontade, a cada vez que eu o olhava, era de bater
tanto nele até matar. Mas eu não faria isso tão grosseiramente,
haveria outras formas mais limpas.
CAPÍTULO 42 | ALOÍSIO
Alguns dias depois...

Cada novo dia era uma tortura diferente. Sentia-me sem


ânimo para nada. Trabalhei sem conseguir focar no que precisava e,
por isso, meu pai precisou assumir os negócios com os clientes que
eu estava conduzindo.
Forçava-me a ir para o escritório, mas não conseguia focar.
Tudo ficava ainda pior quando Davi tocava no nome de Luiza.
Eu não conseguia entender o que tinha desencadeado tal
reação nela se parecíamos estar bem. Repassava inúmeras vezes o
que vivemos e o que tinha acontecido de errado, mas não enxergava
absolutamente nada.
Era difícil acreditar na justificativa que me deu, ainda mais
lembrando do sorriso lindo que me deu quando contei meus desejos.
Movido por essa inquietação que me consumia, conversei
com a minha mãe sobre o Davi e voei para Portugal poucos dias
após o nosso término. Não sossegaria até tirar aquela história a
limpo olhando nos olhos dela.
Cheguei durante a madrugada, mas nem mesmo o cansaço
da viagem fez com que eu desistisse de ir atrás dela no início
daquela manhã. Dentro do carro que eu tinha alugado, fiquei
observando a movimentação do lado de fora de sua casa até que a
vi passar pelo portão.
Luiza usava um sobretudo e botas pretas, um gorro de lã
vermelho e estava encolhida como se sentisse bastante frio. Não
consegui ver direito o seu rosto.
Diferente do que eu havia imaginado, não desci no ímpeto
para falar com ela por duas razões. Primeira: queria aproveitar
qualquer segundo que pudesse com ela, mesmo que a distância.
Segunda: tinha medo de sair dali ainda mais machucado do que
cheguei.
Durante aquele dia todo a observei de longe. Na universidade,
na CERCICA e no bar. O mais estranho era que a rotina dela
continuava absolutamente igual, sem nenhum indício que pudesse
me ajudar a entender o porquê ela desistiu de nós.
Tinha chegado o grande momento.
Era noite quando Luiza caminhava na calçada de casa, quase
chegando no pequeno portão. Desci do carro sentindo o coração
galopar no peito como um menino que se aproximava da garota que
gostava e não como o homem feito que eu era.
— Luiza — chamei seu nome baixo.
Ela não escondeu a surpresa em me ver. A observei com
riqueza de detalhes.
O rosto pálido estava rosado e com a ponta do nariz vermelho
devido ao frio.Os olhos pareciam um pouco fundos.Luiza externou o
nervosismo que sentia fitando-me com espanto e mordendo o lábio
inferior que começava a ficar rubro. O lábio que eu adorava morder
.
De modo geral, sua face estava um pouco mais redonda.
Nunca esteve tão linda. Recriminei-me por estar desviando o foco
quando ela proferiu, quase como uma acusação:
— O que faz aqui?
— Não vai me chamar para entrar? — respondi a sua
pergunta com outra. Tudo que eu queria era mais tempo com ela.
— Não. Você não tem o que fazer aqui — disparou, na
tentativa de ser fria. No entanto, era mais do que claro que ela
estava abalada com a minha presença.
— Vim entender, olhando nos seus olhos, porque você não
me quer mais.
Luiza desviou o olhar como se não conseguisse me enfrentar.
Levou a mão ao ferro frio, mas eu o segurei. Não deixaria ela fugir
.
— Eu já te disse, Aloísio. Não quero um relacionamento sério.
Agora eu preciso entrar que eu estou congelando.
— Você tem outro? É isso?
— O quê? É claro que não — retrucou, reativa.
Ali consegui ter o vislumbre da menina pela qual me
apaixonei, aquela que não escondia suas emoções. Foi impossível
não conter um pequeno sorriso.
— Então por quê, Luiza? Eu não consigo entender que a
mesma mulher que se derreteu nos meus braços dizendo que ficaria
feliz em ter um futuro comigo termina o nosso relacionamento
usando justamente a desculpa contrária.
Notei quando ela engoliu o bolo que havia se formado em sua
garganta. Luiza era transparente como a água e eu sabia que aquela
decisão não era o que ela queria.
Aproximei-me dela até que nossos rostos ficassem a menos
de um palmo de distância, toquei seu queixo fazendo-a me olhar e
pedi baixo:
— Conversa comigo, pequena. Seja o que for, vamos resolver
juntos.
Seus olhos ficaram brilhantes por lágrimas que ela não
deixava cair e os lábios tremiam um contra o outro. Luiza pousou a
mão sobre a minha mordendo o canto interno da boca.
— Vai embora, por favor — pediu, sem me encarar.
— Vou se você me contar o que está acontecendo.
— Eu não posso, ursão. — Quase sorri quando ela me
chamou por aquele apelido horroroso, mas que ficava perfeito sendo
pronunciado por ela. — Para o seu bem e o de Davi, só vai embora e
não me procura mais.
— Diz, olhando nos meus olhos, que não me ama e eu façoo
que está pedindo.
Sua postura foi a resposta que eu esperava. Luiza não
conseguiu falar nada. Somente piscou, liberando as lágrimas presas
e mordeu os lábios abaixando a cabeça.
Toquei seu queixo fazendo-a olhar para mim novamente e a
beijei. Sua primeira reação foi permanecer imóvel, mas à medida que
eu pedia passagem, ela retribuía, com cada vez mais intensidade.
Naquela rua fria, senti o prazer ocasionado pelo calor da
mulher que eu amava. Ainda não sabia o que estava acontecendo,
mas prometi a mim mesmo que iria descobrir. Eu a queria. Ela me
queria. E eu lutaria até o fim por isso.
Não queria que acabasse. Por esta razão, beijei a minha
pequena com todo o amor e intensidade que havia em mim. Quando
ela se afastou, empurrando meu peito, dei um beijo rápido antes de
me distanciar.
— Eu vou. Darei o tempo que você precisa, mas não aceito
esse fim.

Luiza

Quase não consegui destrancar a porta de casa tamanho o


meu nervosismo e as lágrimas que borravam minha visão. Meu
coração batia descompassado e novamente aquela sensação de ser
a pior pessoa do mundo me invadiu.
Eu não podia contar a verdade para homem da minha vida.
Pior ainda: eu escondia um grande segredo. Aloísio tinha
atravessado o oceano para estar comigo e a dor de não poder estar
com ele como eu queria me dilacerava.
Enquanto ele se afastava, sentia-me quebrar à medida que
observava cada detalhe dos ombros largos cobertos por um
sobretudo preto que o deixava ainda mais imponente e másculo. Um
medo gigantesco de que ele nunca me perdoasse quando soubesse
de tudo.
Entretanto, eu não podia ser fraca agora. Muita gente
dependia de mim, inclusive ele, e por elas eu daria a minha vida se
fosse necessário. Era doloroso para todos nós, mas eu deveria
continuar exatamente com o que fazendo.
Jogada na minha cama em meio a lágrimas e sensações
novas, assustei-me quando o visor do meu celular acendeu. Em um
primeiro momento, fiqueireticente em atender, mas se Aloísio estava
ali, só poderia ser uma coisa.
— Antônio? Aconteceu alguma coisa com o Davi? —
Indaguei, preocupada.
— Oi, Luiza. Está podendo falar?
— Sim, pode falar — respondi, secando o rosto e me
ajeitando nos travesseiros.
Ouvi ele soltar uma lufada de ar e ao longe pude ouvir o
cantar dos pássaros. Uma saudade imensa da fazenda me atingiu
enquanto eu o escutava falar.
— Olha, peço desculpas se estou te incomodando, mas tenho
algo sério para dizer. Eu nunca vi o meu irmão do modo como ele
tem estado desde que vocês terminaram e...
— Você não incomoda, mas sobre eu e o Aloísio...
— Calma, me escuta — interrompeu-me. — Não quero falar
sobre o relacionamento de vocês ainda que eu e todos aqui em casa
façamos muito gosto. Mas estou entrando em contato porque
algumas coisas estranhas têm acontecido com o Davi e, como você
gosta muito dele e eu sei que o seu término com o meu irmão não
impacta nisso, acho que nós podemos nos ajudar. Por que não
escuta o que eu tenho a dizer e depois toma uma decisão?
CAPÍTULO 43 | ALOÍSIO
Dezembro

Segurei o volante encostando o cotovelo na porta enquanto


apertava a peça delicada entre os dedos e levava ao nariz
inspirando profundamente.
Se antes eu andava com a calcinha de Luiza no bolso, agora
eu tinha aprendido a cheirá-la quando me sentia inquieto ou com
saudade. O que acontecia sempre. Era doentio, eu sei. Mas foi o
jeito que encontrei para senti-la comigo ao longo daqueles meses
longe da minha pequena.
Estacionei o carro em frente ao lugar onde eu tinha sido tão
feliz. Não pisava ali desde que tudo aconteceu. Doía demais lembrar
daqueles momentos.
Logo na varanda, subi os poucos degraus observando tudo
ao redor. Sorri triste quando recordei de Luiza esfregando o chão e
interpretando Elis Regina. Abri a porta notando que tudo ainda
estava em seu devido lugar, mas que o cheiro de plantas e ervas
que ela gostava não estava mais ali.
Caminhei até o local em que ela guardava os incensos
colocando um para queimar. Liguei a pequena caixinha de som na
mesma música que tocava quando eu disse que a amava. Peguei o
porta retrato sobre o rack sentindo o embargo na garganta com
aquela foto tirada no dia em que fomos ao parque. Nós três ali,
abraçados como uma família. Fazendo caretas como ela sempre
provocava.

Sem aviso a vida dá, sem aviso a vida tira


Aproveite com prazer enquanto o amor ainda brilha
Não seja só lazer, não se perca pela trilha
Aproveite um bem querer mesmo que for na despedida
Dentro de um velho quarto tentando me convencer
Que o seu rosto no retrato não vai mais envelhecer[26]

Aquela letra não tinha como ser mais real. Quando eu achei
que estávamos bem, tudo mudou e a mulher que me tinha nas mãos
foi embora.
Triste, andei até a cozinha quase em transe, como se
conseguisse ver a minha pequena dançando com aquele blusão
branco e descalça.
Sentia-me fracassado. Abandonado outra vez, agora pela
mulher que eu amava. A dor que eu sentia parecia ser infinitamente
pior. A saudade era como uma mão que sufocava o meu pescoço e
não me deixava respirar.
Um tempo depois, saí daquela casa sentindo o peito
apertado. Eu tinha prometido a Luiza que passaríamos a última
semana do ano juntos. Porra, era para Davi e eu estarmos lá agora.
Aquela noite de Natal seria uma merda.
Naquela época do ano, a Canto dos Pássaros fazia ações
que beneficiavam diversas instituições de assistência social, além
dos próprios funcionários que recebiam as melhores cestas que o
mercado ofertava assim como diversas peças de carnes.
Garantíamos um Natal farto para o maior número de pessoas que
conseguíamos.
Jantamos com uma ceia farta e bonita, mas o meu astral
condizia com um velório e não o nascimento de Jesus. Mamãe
conduziu a oração agradecendo por tudo o que tínhamos.
Após a ceia e abrir os presentes, principalmente os de Davi,
ela e papai se recolheram. Antônio e Artur saíram. Carolina fez o
mesmo alegando que visitaria uma tia. Se era mesmo verdade, eu
não dava a mínima, mas achei bom ter ido. Eu coloquei Davi para
dormir e desci para o estúdio.
Sentei-me na banqueta do piano de cauda que ficava
naquela sala onde a acústica não deixava o som espalhar. Afundeio
dedo em uma tecla sentindo a nota ecoar pelo ambiente,
preparando-me para extravasar.
Iniciei tocando Sonata ao Luar de Beethoven, uma das
minhas preferidas, sentindo a profundidade que cada melodia
despertava, conseguindo manifestar todos os sentimentos que me
torturavam. Dor. Saudade. Angústia. Solidão. Medo. Abandono.
Eu tocava como um alucinado em busca de alívio, a droga
mais potente que pudesse aplacar aquela dor que não saía de mim.
Abaixei a cabeça e deixei que a emoção me invadisse como
ela quisesse, desde que amenizasse aquilo que eu sentia. Sem que
eu sequer me desse conta, meus dedos me conduziram para
Comptine d'un autre été de Yann Tiersen.
Finalizei a canção suado, sentindo meu rosto banhado em
lágrimas e respirando agitado, como se tivesse corrido uma
maratona. Os dedos estavam doloridos, sem descanso.
Assustei-me com um soluço que irrompeu o ambiente. Não
era meu. Olhei para trás com a absoluta certeza que tinha fechadoa
porta. Então o vi.
Davi estava sentado no chão com os joelhos e braços
dobrados e a testa apoiada neles enquanto seu corpinho sofria
espasmos durante o choro e os soluços. Aquilo me destruiu.
Caminhei até ele com cuidado tentando secar as minhas
lágrimas para que não notasse o quanto eu estava quebrado. Sentei
ao seu lado, trazendo-o para o meu colo, abraçando-o e
confortando-o o máximo que eu podia.
— Por que está chorando, filho? — perguntei, quando senti
que minha voz não sairia falha.
— Porque essa música é... muito tiste, papai.
Alisei seus cabelinhos lisos e expliquei:
— Filho, a música é feita para nos fazer sair da realidade e
nos emocionar. Às vezes a gente sorri, outras vezes a gente chora,
canta... Além de tudo isso, a música nos torna mais fortes.
— Mas você tá... choando.
Beijei seus cabelos e depois olhei seus olhos, falando com
amor.
— Estou filho, porque o papai escolheu uma música triste
para aliviar toda a tristeza que estava no meu coração — coloquei
sua mãozinha sobre meu peito.
— O tio Antônio... falou que homem nãochoa.
— Não ligue para isso, campeão. Todos nós choramos e isso
é importante para nos fortalecer. Não há nada de errado em chorar,
desde que você se volte a ficar forte depois.
Ele assentiu. Ficou alguns instantes em silêncio, parecia
incerto.
— Pode falar, filho — incitei. — Você pode conversar sobre o
que quiser com o papai. Sempre.
Davi me fitou sentindo toda a segurança que eu queria lhe
passar. Quase em um sussurro, indagou:
— Você não casou com a... mamãe Caolina por... causa de
mim?
Franzi o cenho, deslizei os dedos por suas costas,
expressando com firmeza, mas sem assustá-lo:
— Não, filho. Não acredite nas caraminholas que a sua mãe
tenta colocar na sua cabeça. O papai não casou com ela porque o
que eu sentia não era forte o suficiente para isso.
— Minhocas? — perguntou, confuso.
Dei um sorriso pequeno. Às vezes eu esquecia que estava
conversando com uma criança de cinco anos.
— Caraminholas, filho — repeti. — São bobagens, besteiras.
— Ah ta...
Chamei sua atenção novamente, frisando:
— Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida e eu
te amo muito. Então não acredite em qualquer coisa diferentedisso,
combinado?
Estendi o dedo mindinho, como um juramento em que vimos
em um filme.
— Combinado — afirmou, selando nosso acordo.
Limpei seu rosto enquanto ele repetia o gesto no meu. Em
seguida, deitou a cabeça no meu peito, expressando alguns
segundos depois:
— Eu queia a tcha Luiça aqui, fazendo cainho e contando
histoinha...
— Historinha, lembra? Você já estava falandocertinho. — Ele
assentiu meio perdido.
— É... historinha.
Eu continuei:
— O papai também queria muito, meu pequeno.
CAPÍTULO 44 | ALOÍSIO

Na segunda-feira bem cedo cheguei no escritório soltando


fogo pelas ventas. A minha vida parecia ter virado de cabeça para
baixo.
A minha noite tinha sido um inferno. Depois do jantar, Davi
entrou em uma crise de choro que eu nunca tinha visto. Meu filho
tremia e parecia inerte enquanto eu tentava acalmá-lo, mas nada
surtia efeito.
Ninguém lá de casa conseguia fazer com que a crise
passasse e fiquei desesperado à noite toda com ele nos braços o
acalentando enquanto me perguntava que diabos tinha acontecido.
Davi só conseguiu se render ao cansaço e dormir quando o dia
amanhecia.
Durante toda aquela movimentação, Carolina sequer saiu de
seu quarto. Meu ódio por ela era alimentado a cada vez que ela agia
de modo indiferente como esse. Minha paciência tinha acabado.
Não bastasse tudo isso e o meu término com Luiza, Antônio
vinha agindo de um jeito estranho há alguns dias, como se me
escondesse algo.
Pilhado, joguei o chapéu no sofá de qualquer jeito e segui
ligando o meu computador. Pareceu uma eternidade até que o
sistema de segurança que eu tinha instalado há alguns dias no
quarto de Davi abrisse. Puxei as imagens da noite passada e um
misto de incredulidade e ira me consumiam à medida que a cena se
desenrolava a minha frente.
Imagens de Carolina abaixada conversando perto dele com
um olhar maldoso enquanto o dele era de puro espanto. Aquela
tortura psicológica já me deixou possesso, mas nada me segurou
quando a vi o agredindo. Beliscões embaixo da axila, tapas e
empurrões.
Dei um soco forte na mesa e derrubei a cadeira ao me
levantar furioso. Passei pelo corredor como um raio não enxergando
absolutamente nada a minha frente. Eu provavelmente seria preso
porque faria a maior merda da minha vida, mas naquele momento
eu não pensava em mais nada além de acabar com aquela
ordinária.
— Onde vai desse jeito? — Antônio atravessou o meu
caminho, provavelmente indo para a sua sala. Não respondi,
continuei andando a passos largos até a escadaria. Ouvi o som dos
seus sapatos atrás de mim, mas nem liguei. Segurou meu braço me
forçando parar. — Calma aí, cara.
— Sai da minha frente, Antônio. Eu vou matar aquela
desgraçada! — Forcei o braço, me soltando.
— Não vai não, Aloísio. Não vou deixar sair daqui desse jeito.
— Quero ver você me impedir — encarei seus olhos sentindo
o meu sangue todo virar lava.
Antônio não falou mais nada. Entrou na minha frente,
imobilizou meus braços e me empurrou para dentro da sua sala.
Puto, revidei e, por alguns instantes, tivemos um confronto corporal.
Dois touros bravos, igualmente altos e fortes. Enquanto eu lhe dava
um mata-leão, ele conseguiu trancar a porta e guardar a chave no
bolso, se soltando em seguida.
— Por que está fazendo isso? — inquiri, alto, mas relaxando
os braços ao ver que já estava preso ali.
Antônio passou a mão pelo pescoço voltando a cor normal, já
que o rosto claro tinha ficado vermelho pela privação do ar.
— Seja lá o motivo pelo qual você está assim, não vou deixar
você estragar a sua vida. Se acalme e depois você age. Não
esquece que se você for preso, o Davi ficará sem pai e com uma
mãe louca.
— Não vai, porque eu vou matar ela — resmunguei.
Entretanto, aquela afirmação me fez parar e pensar por
alguns segundos, mas não amenizou a minha raiva. Antônio foi até
o minibar, jogou uma garrafad’água em minha direção e abriu outra,
bebendo em um só gole.
— Agora fala, o que aconteceu?
Soltei todo a ar dos pulmões enquanto abria a tampa.
— Vi as gravações de Carolina batendo no Davi, por isso a
crise de ontem — respondi, após engolir o líquido gelado, esfriando
um pouco da minha confusão.
Ele não ficoutão espantando quanto eu achei que ficaria.Por
isso, interpelei:
— Desembucha. O que você sabe que eu não sei?
O grandão a minha frente engoliu um bolo seco, coçou a
cabeça e falou baixo, como se conversasse consigo mesmo:
— Luiza vai me matar se eu te contar.
— Do que você está falando? Por que está de segredos com
a minha mulher? Vocês estão juntos?
— Não viaja, Aloísio! — exclamou, exasperado. — Sou
mulherengo, mas nunca vou sacanear um irmão.
Realmente, tinha falado besteira. Estava nervoso demais.
— Desculpe, falei merda. Mas não fuja do assunto.
Antônio andou até a mesa de madeira, encostando o quadril
nela com os braços cruzados. Soltou uma lufada de ar e
confidenciou:
— Luiza terminou o relacionamento de vocês porque está
sendo chantageada. Na verdade, a ameaça é direcionada ao Davi.
Ela tem recebido mensagens e ligações com fotos dele,
intimidações graves, alegando que se vocês não se separassem,
atentariam contra a vida dele.
Andei desorientado pela sala enquanto ouvia aquela
barbaridade.
— Carolina — constatei em voz alta o primeiro pensamento
que surgiu.
— Exatamente.
— Abre essa porta, Antônio. Eu vou resolver isso agora.
— Calma, tem mais.
— Mais? — questionei, incrédulo. Não era possível!
— Sim, mas a Luiza não está parada. Antes de terminar com
você, ela pediu orientação de um amigo dela, policial rodoviário
federal. Pelo que soube, ele tem contato de gente importante na
polícia federal e já está por dentro do caso. A polícia está
arquitetando uma operação porque a coisa é muito maior do que a
gente imagina, Ísio.
Soltei uma risada rápida, totalmente desprovida de humor.
Quando diziam que desgraça pouca era bobagem, estavam
totalmente certos. Fui até o bar no canto de sua sala e enchi um
copo com uísque. Foda-se quantas doses tinham ali. Eu só
precisava de algo forte que me ajudasse e engolir aquilo tudo
enquanto Antônio continuava o relato:
— Por trás de Carolina há duas organizações extremamente
perigosas. A primeira é de Milão, a qual ela deve uma grana alta.
Por não ter como pagar, pediu a ajuda de uma outra daqui do Brasil
e agora deve muito mais. Então, Luiza precisou acatar e ficar
reclusa em Portugal, porque enquanto Carolina estiver sob os
nossos olhos, significa que Davi corre menos riscos.
Meus olhos tremiam e eu poderia arriscar que a qualquer
momento sofreria um ataque cardíaco tamanha ira que me
assolava. Joguei o copo contra a porta, esbravejando:
— E vocês pretendiam me poupar de uma merda dessa?
Ainda mais com o meu filho no centro?
— Íamos te contar na hora certa. Porque sabíamos que a sua
reação seria essa e poderia pôr tudo a perder.
— Eu vou resolver isso agora.
— Pela milésima vez, Aloísio, se acalma. Se você fizer
qualquer coisa agora, pode colocar uma operação inteira a perder.
— Estou me fodendo para isso, Antônio! A minha
preocupação é a segurança do meu filho e da mulher que eu amo.
Fui até a janela a abrindo. Ele não me manteria enclausurado
ali.
— Tá... porra! Espera, não vai sair por essa janela igual um
ladrão — desistiu, abrindo a porta. — Não posso deixar você
sozinho desse jeito.
Dei de ombros e saí da sala. Destravei o carro e Antônio se
jogou no banco do passageiro. Dirigi sem enxergar absolutamente
nada a minha frente. Parei o carro de qualquer jeito e entrei como
um raio dentro de casa.
— Carolina! Carolina! — berrei, subindo as escadas.
— Ela saiu ainda a pouco, seu Loísio — Rute informou,
surgindo na sala com um pano nas mãos.
— Pra onde ela foi?
— Não sei não, patrão. Ela não disse.
Aquela mulher passava o dia todo ali poluindo a energia
daquela casa. E justamente quando eu precisava, ela tinha saído.
Ótimo. Pensei, irônico.
Durante um bom tempo naquela manhã mobilizei todos os
seguranças organizando uma varredura em busca de Carolina. As
câmeras não tinham captado ela saindo, então ela estava dentro da
fazenda e eu não sossegaria até tê-la em minhas mãos.
Eu sentia ódio, revolta e culpa por Carolina ter feito tudo isso
bem debaixo do meu nariz e ter sido um risco tão grande para o
meu filho.
Por outro lado, o alívio me atingia como um bálsamo.
Primeiro por ter descoberto e agora a manteria bem longe dele.
Segundo, por saber que Luiza não me abandonou por falta de amor,
mas sim por amar demais a mim e ao Davi.
Aquela menina me surpreendia a cada momento. Todo
altruísmo, forçae renúncia que ela demostrou só me fizeram amá-la
ainda mais.
Ao passo que eles agiam, Davi desceu a escada com cara de
sono, vestindo um pijama com estampa de bicho. Eu já tinha vivido
tanta coisa turbulenta naquele dia enquanto ele dormia um sono
tranquilo. Por incrível que possa parecer, aquilo me acalmou um
pouco ainda que um mar de emoções distintas de invadisse.
Fui até ele pegando-o no colo e inalando o cheirinho dos
seus cabelos.
— Como você está, filho? — perguntei, ameno.
— Bem, papai — respondeu ao esfregar os olhinhos
oblíquos.
Senti meus olhos marejaram ao me dar conta de que tudo o
que ele passou foi culpa minha. Em algum momento, eu fui
negligente e isso me deixava péssimo.
— Filho — chamei com a voz embargada —, o papai pede
perdão por tudo o que você passou e promete que nunca mais nada
de ruim vai acontecer com você.
— Não choa, papai — passou a mãozinha pelo meu rosto. —
Tá tudo bem.
Apertei seu corpo com ainda mais força contra o meu
aproveitando da calma que ele me transmitia.
Minha cabeça estava um turbilhão, muitas coisas para pensar
e resolver ao mesmo tempo, mas primeiro eu daria um jeito em
Carolina. Não permitiria que aquela mulher ficasse solta, nem que
eu tivesse que usar meu sobrenome para isso.
Em seguida, me dedicaria a cuidar do meu pequeno. Quanta
maldade ela deveria ter feito a ele sob os meus olhos e eu não vi.
Sem sombra de dúvidas, haveria mais desde que instalei os
equipamentos de monitoramento.
A última coisa, mas não menos importante, seria procurar
Luiza. Agora que eu sabia de tudo, não tinha porque continuarmos
rompidos. Mas faria isso com mais calma e quando meu filho
estivesse bem.
CAPÍTULO 45 | ALOÍSIO

Nenhum sinal de Carolina.


Essa foi a única informação que tive no decorrer daquela
semana. De algum modo, aquela maldita soube que eu estava a sua
procura e sumiu antes. Mas isso não significava que eu desistiria.
Pelo contrário, agora eu estava ainda mais obstinado.
Contratei uma equipe de investigação, acionei meus advogados
fornecendo todas as provas das atrocidades que ela fez com o
próprio filho e as ameaças ainda que o caso estivesse sendo
investigado pela polícia.
Carolina nunca mais chegaria perto do meu filho,nem que eu
tivesse que dar a minha vida por isso.
Porém, isto foi o mais fácil.
Desafiador mesmo era ver o meu filho amedrontado, tendo
dificuldade em sequer dar um sorriso lindo como era tão fácil antes.
Algumas palavras ou atitudes mais intempestivas acionavam
gatilhos e, além de tomarmos cuidado redobrado com coisas antes
banais, eu trabalhava para que minha conexão com ele estivesse
ainda mais forte.
Procurei ajuda com os melhores profissionais de saúde
mental da região e aumentamos as sessões de terapia com a sua
psicóloga, a quem ele já tinha um bom vínculo.
No entanto, só isso não bastou. Tirei alguns dias de férias e
fomos para Santa Catarina, só eu e ele. A princípio, pensei em ir de
avião, era mais rápido e confortável. Mas a ideia, não era ganhar
tempo e sim fazê-lo relaxar. Por isso, decidi ir de carro, sem roteiro
específico ou hora para chegar. Foi uma viagem e tanto.
Paisagens deslumbrantes ao longo do trajeto, paramos e
conhecemos vários locais diferentes – de hotéis a zoológicos. Além
das belas praias, já que fiz questão de passar pela maior quantidade
que pudéssemos. Naqueles dias, vi meu filho retomando o brilho no
olhar e o sorriso cativante.
Não foi algo rápido. Havia dias em que ele amanhecia mais
triste, distante e sem ânimo. Nessas horas, eu faziade tudo para ele
se sentir bem, até malabarismo eu tinha aprendido a fazer com um
rapaz na orla só para vê-lo gargalhar quando eu, desajeitadamente,
derrubava tudo.
O nosso destino era o Beto Carrero World e Davi adorou as
atrações: brinquedos de altura, personagens dos seus desenhos
favoritos, o cinema 4D e o principal, as manobras radicais dos
carros da Hot Wheels. Eu não tirava a sua razão, porque também
achei incrível o que os pilotos faziam.Ri ao me dar conta que aquilo
era a cara de Antônio. O que mamãe não diria se soubesse do que
ele faz naquela caminhonete dele?
— Do que você... ta rindo, papai? — o pequeno perguntou,
ao me ver com um sorriso de canto.
— Que o seu tio Antônio iria adorar ver isso.
— Vamo ligar pa ele? — perguntou com os olhinhos
brilhantes.
Entreguei meu celular e Davi foi direto no aplicativo do
Whatsapp, clicou na foto dele e na câmera.
— Oi, Ísio... — disse, ao atender. Ao fundo, notei que estava
em um dos laboratórios da fazenda.— Ah moleque, é você? Espero
que esteja gostando do passeio...
— Titio, olha que maneio...
Davi virou a câmera e mostrou os carros passando um bem
ao lado do outro apenas em duas rodas e depois dando cavalo de
pau até levantar uma fumaça preta.
Ele e todo mundo dali pareciam em frenesi.
— Que irado, cara. Quando vocês voltarem, o titio vai fazer
isso com você, só que na lama.
— Mas não vai mesmo — declarei, categórico.
Eles ficaram mais alguns instantes na ligação e, após a
apresentação, fomos para o carrinho de bate-bate. Dirigi o
brinquedo comedido, mas não era como ele queria.
— Bate mais, papai... igual a tcha Luiça...Pah! — pediu rindo.
Não pude evitar o pequeno sorriso. Lembrar da minha garota
me arremeteu as loucuras que ela fez no parque em Alta Colina.
Eu estava morrendo de saudades, mas esperaria ela voltar
daqui a menos de um mês, eu preferia me aproximar falar. Para
quem já aguentou tanto tempo longe, não seria alguns dias que faria
a diferença.
— Papai, seiá que a... tcha Luiça pode...convesá comigo? Eu
tô com muuuita saudade dela — ele falou, enquanto comia um
algodão doce e abria os braços enfatizando o tamanho da sua
saudade.
Eu não sabia como ela iria reagir a um possível contato, por
isso preferi ser cauteloso.
— A vida da tia Luiza está bem movimentada em Portugal,
mas o papai vai tentar falar com ela. Pode ser?
— Pode ser. Mas agoa, eu posso comer outo?

Aloísio:
Oi, minha pequena! Como você está?
Sei que as coisas não estão exatamente resolvidas entre nós, mas
assim que você voltar, vamos consertar isso. No entanto, o Davi insiste em
falar com você. Está com muitas saudades, assim como eu.
Você pode fazer uma chamada de vídeo?

Mandei a mensagem e fiquei aguardando ansiosamente pelo


seu retorno. Passamos o restante do dia no parque e tínhamos
acabado de jantar no belo restaurante quando meu celular vibrou.
Luiza:
Oi, Ísio! Estou bem, com muitas saudades também.
Eu adoraria, mas só posso por chamada normal.

Era estranho essa formalidade toda entre nós, sentia falta da


nossa descontração. Achei esquisito também ela não querer falar
por vídeo chamada, eu estava louco para vê-la. Contudo, não falei
nada. A câmera dela poderia ter dado algum defeito ou algo assim.
Combinamos os detalhes, eu e Davi voltamos para o quarto.
Apertei para chamar e coloquei no viva-voz. Um frio bom no
estômago me tomou por saber que estaria um pouco mais próximo
dela em instantes.
— Tcha Luiçaaa — Davi gritou quando percebeu que a
ligação foi atendida.
— Oi, meu príncipe! Que saudades de você! — Sua voz
ecoou pelo ambiente.
— Tcha Luiça... hoje eu vi váios carros... andando só em
duas rodas... e andei no carrinho de bate-bate... e... comi algodão
doce e... — ele despejou, afoito.
Luiza riu do outro lado da linha e eu não soube explicar o
prazer que me percorreu em ouvir aquele som outra vez.
— Calma, meu amor. Eu quero saber tudo o que você fez,
mas respira e conta devagar pra tia Luiza, tá bom? Mas antes, conta
para mim, seu papai está aí?
— Oi, minha pequena. — Minha voz saiu mais grave do que
eu previa.
Ouvi sua respiração pesada do outro lado, como se soltasse
todo o ar dos pulmões.
— Oi, ursão! Estou com saudades de você também. Muita!
Dei um sorriso pequeno. Parecia que as coisas começavam a
se encaixar novamente. Ficamos por um bom tempo naquela
chamada já que havia muito papo para ser colocado em dia. Luiza e
eu não falamos de nós.
CAPÍTULO 46 | LUIZA
Janeiro

Através da pequena janela do avião eu observava o


amanhecer sobre as nuvens enquanto os fones tocavam River
Flows InYou[27]. Nem conseguia acreditar que estava voltando para
o meu país.
O período que passei em Portugal parecia ter sido muito mais
do que cinco meses. Poderia arriscar que naquele intervalo, eu vivi
mais emoções do que na minha vida inteira.
Quando Aloísio me encontrou na porta da minha casa, eu
quis muito contar tudo o que estava acontecendo. No entanto, as
ameaças apenas aumentaram e era uma pior que a outra. Eu tinha
a constante sensação de estar sendo vigiada de perto e isso só
aumentava o meu pavor.
Há algumas semanas, soube da fuga de Carolina e da ira de
Aloísio. Podia imaginar o quanto aquilo tinha mexido com ele. O
meu desejo de ligar e poder acolhê-lo era enorme, mas eu ainda
não podia.
No entanto, não consegui resistir quando ele tomou a
iniciativa do contato e confesso que estava adorando aqueles
momentos que conversávamos. Infelizmente não era sempre,
porque com a data de retorno cada vez mais próxima, eu estava
atoladíssima com a minha dissertação.
Desci da aeronave sentindo uma alegria imensa por poder
estar de novo na minha terrinha, no calorzão que eu amava do meu
país.
Parei de repente, engolindo em seco, quando cheguei na
área de desembarque. Uma pequena aglomeração me aguardava.
Passei os olhos com calma notando a presença dos meus pais, Léo,
Manu e os meus sobrinhos. No entanto, não imaginei que a Família
Albuquerque estaria ali.
Meus olhos prenderam-se aos dele. O meu ursão segurava a
mão de Davi do lado direito e mantinha a esquerda no bolso. Vestia
uma camisa de botão preta, assim como o chapéu. Consegui vê-lo a
tempo de notar seu sorriso ao me ver. Contudo, fechou-se em um
semblante sério ao olhar fixamente o meu abdômen.
Forcei-me a respirar fundo e fazer minhas pernas
funcionarem já que pareciam ter virado gelatina. Aproximei-me deles
arrastando as malas ouvindo a minha mãe ralhar ao me acolher em
um abraço caloroso.
— Eu não acredito que você escondeu isso de mim, Luiza
Galvão!
— Também senti sua fala, Dona Dita — falei, sentindo o
coração em paz ao estar perto das pessoas que eu amava.
Afastei-me com cuidado, levando a mão ao canto dos olhos
secando o rosto molhado. As expressões eram de felicidade e
susto. Nenhum deles sabia da minha gravidez, temia que, de algum
modo, chegasse no ouvido do Aloísio ou da família Albuquerque.
— Depois quero saber direitinho que história é essa de
engravidar e não me contar, hein? — Manu brincou ao me dar um
aperto de urso. Ela remetia ao que eu falei para ela quando nos
contou da vinda dos meus sobrinhos.
Sorri e repeti a troca de carinho com todos eles, exceto com o
meu caubói e Davi, até então contido pelo pai.
Parei na frente deles fitando os olhos azuis claros e
brilhantes. Eles me contavam o quanto o seu dono estava lutando
contra todos os sentimentos que lhe tomaram.
Ajoelhei fitando o meu pequeno que eu tanto senti falta.
— Você cresceu e está tão lindo, meu amor! — declarei,
deslizando a mão por sua face. Tê-lo ali novamente só me fez ter a
certeza de que o amor que eu sentia por ele era tão intenso quanto
pelo bebê que estava no meu ventre.
O abracei com todo carinho e saudade que havia em mim. Ao
me distanciar, ele olhou para baixo, me encarou, olhou para a
barriga outra vez e então perguntou, confuso:
— Tcha Luiça, você engoliu uma melancia?
Gargalhei alto, puxando-o novamente para os meus braços
ouvindo os demais rirem também. Davi era puro, singelo e
espontâneo.
— Não, meu príncipe. É um bebezinho —afirmei,passando a
mão pela barriga. — Quer sentir?
Ele concordou. Peguei sua mãozinha e pus sobre o ventre.
Davi estava com uma expressão desconfiada, mas afastou a mão
com pressa e riu quando sentiu mexer.
— É estranho... — fechou os olhinhos, levantou os ombros e
sacudiu a cabeça como se tivesse arrepiado. — Mas é legal.
Sorri, tentando firmar a mão no chão para me erguer. No
entanto, contrariando toda a rigidez que ele aparentava, Aloísio
estendeu a mão de um modo extremamente gentil e me ajudou a
levantar.
Fitei seus olhos sentindo a boca seca. Ele sequer piscava,
tamanha intensidade que aqueles olhos me consumiam.
— Precisamos conversar — anunciou e eu assenti.
Virei-me para os outros, mas escutei a voz de Manuela
interpelar:
— Então nós aguardamos vocês lá em casa. Não demorem,
hein? Se não, a comida esfria.
— Vem, Davi. Você vai adorar brincar com os novos
amiguinhos — Marta disse, pegando a mão do pequeno.
— Ah vovó, eu queio ficar com atcha Luiça.
— Você terá muito tempo para ficar com ela. Agora é a vez
do seu papai ter uma conversa de adulto com ela.
Eles saíram na frenteenquanto Artur levava uma das malas e
Aloísio a outra. Caminhei a passos curtos sentindo-me tensa,
contraída.
CAPÍTULO 47 | ALOÍSIO

A saudade que eu sentia dessa garota era tão grande que


durante a semana de sua chegada, eu não me aquietei até saber de
todos os detalhes com a Dona Dita que sugeriu fazermos um
almoço de boas-vindas.
Não consegui pregar os olhos naquela noite, ansioso. Louco
de vontade de tê-la nos meus braços. Minha vontade era de roubá-
la para mim por, no mínimo, uma semana.
Minhas mãos suavam frioquando eu soube que o avião tinha
pousado e eu quase corri para a área de desembarque para esperá-
la. Sorri quando vi uma mulher pequena, de longos cabelos negros
e vestido florido caminhando para a saída. Entretanto, senti meu
semblante voltar a ficar sóbrio quando notei a barriga protuberante.
PUTA. QUE. PARIU!
Não sei dizer o que senti ao vê-la ser abraçada pela mãe.
Alegria e felicidade por saber que seria pai outra vez, ou raiva e
inconformismo por não ter sido avisado antes. Eu não tinha dúvidas
que era meu.
Observei cada micro movimento dela, assim como todas as
nuances do seu corpo. Ainda que um pouco inchada, continuava
bem magra e o destaque era para a barriga salientada pelo corte do
vestido. Os cabelos estavam mais longos e os quadris mais largos
A face delicada. As sobrancelhas bem marcadas. Os olhos
castanhos e brilhantes moldurados pelos cílios longos. Os lábios
carnudos e naturalmente rosados que adorava devorar. A pele
sempre tão macia agora tinha algumas manchinhas ocasionadas
pela gestação e só a tornava mais linda.
Luiza emitia uma energia pura, que exalava amor, delicadeza
e beleza. Estava deslumbrante!
Após todos os abraços, fomos para o estacionamento e
ajudei para que subisse na caminhonete alta e senti o seu cheiro tão
característico. Uma nostalgia gostosa me percorreu.
Assim que chegamos no apartamento que passamos uma
noite há algum tempo, primeira coisa que ela fez foi correr para o
banheiro.
— Desculpe — falou, sentando-se no sofá —, mas agora
minha bexiga vive sendo nocauteada — finalizou com um sorriso.
Eu era tão louco por ela que qualquer coisa boba que Luiza
fazia me neutralizava.
— Por que não me contou antes? — indaguei, de pé a sua
frente.
Seus olhos estavam marejados. Passou a mão pelo ventre e
engoliu em seco antes de dizer:
— Lembra quando eu falei que tinha uma surpresa, antes de
tudo acontecer? — Assenti, me recordando que ela me contaria na
semana do Natal. — Eu tinha planejado uma surpresa. Você não
imagina o quanto eu quis ter te contado, porque sabia que você iria
gostar e seria um pai maravilhoso, como você já é para o Davi.
Era uma notícia maravilhosa, mas o atraso com o qual ela
chegou me deixou confuso. Acenei, abrindo a porta e me apoiei na
sacada. Precisava respirar.
Luiza veio em seguida, entrelaçou os braços pelo meu peito,
colou a barriga e a cabeça nas minhas costas.
— Me perdoe por não ter te contado, ursão. Era muita coisa
acontecendo ao mesmo tempo e, para nos proteger, eu precisei te
privar disso. No entanto, não quer dizer que foi fácil.
— Você poderia ter contado assim que voltamos a nos falar.
— Poderia. Mas faltava tão pouco para voltar e eu queria te
falar pessoalmente.
Senti seus lábios beijando por cima da minha camisa
enquanto os dedos continuavam deslizando pelo abdômen. Afastei
suas mãos e me virei, ficando de frente para ela.
— Eu fui privado de acompanhar a gestação do meu filho, por
sei lá, no mínimo quatro meses? Sabe o quanto isso tem peso para
mim? Eu não sou um pai omisso, Luiza. Eu faço questão de estar
presente em tudo o que se refere aos meus filhos.
— Eu sei, amor. E não tiro, nem por um segundo o seu direito
de estar magoado e eu respeitarei. Mas só quero que você saiba
que não teve um dia em que eu não me recriminasse por estar
omitindo isso de você.
Eu a entendia, sabia que ela não tinha feito por mal e que o
meu ressentimento passaria. Acariciei o ventre que abrigava meu
mais novo amor e com a outra mão acariciei o rosto de Luiza.
— Você está com quantos meses?
— Seis — respondeu, baixo. — A nossa garotinha foi feita
antes de eu viajar.
Minha garganta estava seca, um bolo preso que não me
ajudava a respirar.
— É uma menina? — indaguei, abobalhado.
— Sim, a nossa princesa. — Luiza sorriu, convidando-me
para um abraço.
Eu aceitei. A melhor sensação que eu poderia ter era o
abraço caloroso da minha pequena, que eu senti tanta falta. Era
engraçado porque pareceria que até o seu corpo estava mais
quente do que o normal.
Sentir o corpo de Luiza contra o meu, assim como o cheiro
gostoso de seus cabelos fez com que eu me sentisse em casa.
Inalei profundamente, ligando todos os meus sentidos nela.
— Foi o melhor presente que você poderia ter me dado,
minha pequena —declarei, antes de tomar sua boca com desejo.
Foram quatro meses de saudade que eu queria reverter
apenas naquele beijo. Intenso, molhado, nostálgico. Ela
correspondeu com um desespero tão grande quanto o meu, me
apertando em seus braços com mais força.
Quando ela já estava sem fôlego, se afastou ofegante.
Prendeu seu olhar ao meu enquanto deslizava os dedos delicados
pela minha barba, me admirando com amor.
— Diga que me aceita de volta, amor — murmurou.
Passei os polegares sobre suas bochechas secando suas
lágrimas enquanto me sentia embargado.
— Eu não tenho que te aceitar de volta, Luiza. Nós nunca
terminamos, só tivemos uma pequena pausa — toquei seus lábios
novamente. — Agora, mais do que nunca, eu quero tudo com você,
minha pequena. No seu tempo, se assim você quiser.
Ela me presenteou com um sorriso lindo e radiante:
— É tudo que eu mais quero.
A peguei no colo devorando sua boca com sofreguidão.
Sentindo-a puxar meus cabelos e, embriagado pela excitação,
caminhei com ela até o meu quarto, sentando-me na cama a
deixando montada em mim.
Desci meus lábios pelo seu pescoço, enlaçando o corpo
pequeno cada vez mais contra o meu. Ela se ergueu e levantou os
braços me ajudando a tirar o vestido delicado, em seguida, abrindo
os botões da minha camisa. Joguei as peças em um canto qualquer
e voltei minha atenção inteiramente para a obra-prima à minha
frente.
Os seios estavam cobertos por uma renda preta e o abdômen
distendido, gerando e protegendo a nossa filha.Era diferenteamá-la
assim, mas igualmente incrível.
Voltei minha atenção aos dois montes observando o
contraste da pele clara, volumosa e com algumas veias em
destaque. A boca salivou.
Distribuí lambidas e mordidas por toda a região, subindo o
sutiã. Quando as aréolas um pouco mais escurecidas e com
mamilos pontudos apareceram, fiquei louco. A ereção tornou-se
mais potente roçando contra o tecido grosso da calça. Tenho
certeza que Luiza sentiu também já que rebolou sobre ela jogando a
cabeça para trás.
Passei a ponta da língua e, sem dar tempo para ela pensar,
abocanhei com veemência. A minha pequena gemeu, delirante:
— Ai, ursão, que delícia! Hum... — exclamou, prendendo as
pontas dos dedos nos meus ombros na pele exposta.
Dei atenção a um e depois ao outro, com a mesma gana até
não aguentar mais aquela tortura. Deitei Luiza sobre os
travesseiros, beijei sua boca descendo até a barriga, fazendo
carinho, confessando:
— Oi, minha princesa. Eu sou o seu papai — finalizei,
deixando um beijo delicado.
Não demorei ali, sentindo o tesão a mil. Eu ainda teria muitos
momentos com ela e aproveitaria cada segundo.
Enganchei os dedos na lateral da calcinha de Luiza e ver o
seu prazer escorrendo pelo tecido, deixou-me babando. Livrei-me
da peça, deslizando meus lábios pela planta do pé, panturrilha, atrás
do joelho e coxa. Luiza era uma massa sôfrega sobre os lençóis,
miando como uma gatinha:
— Não me tortura assim, ursão. Só me fode, pelo amor de
Deus!
Um sorriso libidinoso escapou de meus lábios. Percorri a
ponta do polegar na pele quente e macia entre o meio das pernas
até chegar à vulva molhada. Esfreguei o dedo do clitóris aos lábios
vaginais e vice-versa, alternando intensidades, forte, fraco e forte
novamente. Passei a língua em uma lambida firme e bem molhada.
— Ai, caralho, Aloísio! — choramingou. — Você quer me
matar!
— Só se for de prazer, pequena — sussurrei, afundando dois
dedos dentro dela de uma vez.
— POOORRA!!! — gritou, descontrolada. Suas pernas
tremiam, a respiração estava descompassada. Gemia cada vez
mais alto agarrando os lençóis e arqueando o corpo — ai meu Deus,
como eu senti falta disso!
Intensifiquei meus movimentos com o único objetivo de fazê-
la gozar.
— Tira essa merda dessa calça e mete em mim, ursão...
Socorro, eu vou morrer!
Sua fala seria engraçada, se eu não tivesse enxergando só
tesão. Livrei-me do restante das peças que usava, alisei o pau que
já batia próximo ao umbigo, rodeei a cabeça pela entrada molhada e
meti fundo.
— Puta que pariu! — exclamou, ensandecida.
Urrei sentindo o quanto minha pequena estava muito mais
quente e escorregadia do que o normal. Apoiei meu peso sobre os
cotovelos e inclinei sobre ela roubando seus lábios de modo
animalesco. Luiza rodeou os braços pelas minhas costas
começando a suar, firmou os pés sobre o colchão e levantou a
pelve, proporcionando uma penetração muito mais funda.
Era um misto de saudade, desejo, intensidade, tesão e raiva
guiando nossos movimentos. Luiza se contraiu, trêmula, gozando
em um grito abafado em meus lábios. Eu estava prestes a fazer o
mesmo quando ela descolou nossas bocas, fitando-me com o olhar
semicerrado, cansada. Murmurou, ofegante:
— Eu quero que você coma o meu cu.
Ok. Por essa eu não esperava.
Desde que estávamos juntos, tínhamos feito sexo anal
somente duas vezes, não era a preferência dela. Por isso, o meu
espanto em ouvir aquele pedido. Levantei uma sobrancelha em
questionamento e ela riu, revelando:
— Não sabe o que essa gravidez faz comigo. Pensei em
tantas coisas desde que nos afastamos que você vai penar muito
para conseguir me satisfazer.
Gargalhei, beijando seus lábios.
— Se todos os seus desejos forem como este, tenho certeza
que posso te ajudar.
Saí de dentro dela com cuidado, todo lambrecado com fluidos
meus e dela. Abri a gaveta ao lado em busca de uma camisinha e
lubrificante, ainda que estivéssemos muito molhados. Para o sexo
anal, essa dupla era indispensável.
Vesti-me observando Luiza se virar na cama, ficando de
joelhos e apoiada nos cotovelos com a bunda bem empinada.
Posicionei-me atrás dela espalhando os fluídosdos lábios até
a segunda entrada, a sentindo contrair.
— Tem certeza que é isso mesmo que você quer? —
indaguei, quando ela sugou a ponta do meu polegar.
— Absoluta. Só vai devagar até eu me acostumar.
Espalhei um pouco de gel, lubrifiquei bem e direcionei a
cabeça do pau. Ela gemeu e retesou. Esfreguei a mão aberta de
sua bunda até o arco das costas.
— Relaxe... respira fundo e abra a boca.
Técnica básica para sexo anal. Se o maxilar estiver
contraído, automaticamente o ânus também estará.
— Isso, muito bem, pequena — incentivei, à medida que
conseguia espaço dentro dela.
— Cacete! Queima, mas é gostoso — admitiu, mordendo a
fronha do travesseiro.
Conquistei todo o terreno, explorando devagar até que ela se
sentisse confortável. Quando Luiza relaxou, acelerei entre
estocadas intermediárias e rápidas. Puxei seu dorso contra o meu
peito segurando os cabelos esparramados com uma mão e
tampando a boca da minha mulher com a outra, notando lágrimas
de prazer escorrendo por elas.
Gozamos juntos, urrando feito dois animais. Sem dúvidas,
tinha sido a transa mais intensa que já tivemos.
— Vocês estão bem? — questionei, puxando o corpo mole
para o meu peito.
— Ahan... — murmurou — só procurando a placa do
caminhão que me atropelou.
Ri, alisando seus cabelos com a mão que estava sob o corpo
dela. Com a outra, acariciava a barriga.
— Como e quando descobriu que estava grávida?
— Alguns dias após vocês terem voltado para cá. Eu comecei
a passar muito mal, sentia ânsias constantemente, mas achava que
era pela mudança. Algumas outras coisas rotineiras começaram a
me fazer mal como o cheiro da comida da Ivete e de sabonete. Até
que um belo dia eu tive uma vertigem muito forte enquanto estava
cuidando de um aluno. Fiz o exame só para confirmar, mas algo em
mim já dizia que era positivo.
Eu entendia os motivos dela e não a julgava, mas era difícil
demais aceitar que fui privado dos primeiros meses da gestação,
assim como de estar presente na descoberta do sexo dela e todos
os outros ultrassons. Ela percebeu pela minha expressão.
— Desculpe, Ísio. Você não sabe o quanto foi difícil olhar nos
seus olhos a última vez que me procurou e não poder contar a
verdade, mas eu não podia. Não quando a segurança do nosso
pequeno e a sua estavam em risco — confessou, passando os
dedos nos pelos do meu peito.
Coloquei seus cabelos atrás da orelha fazendo com que me
olhasse.
— Não sabe o quanto você mexe comigo quando chama o
Davi assim.
Luiza deu um sorriso cúmplice.
— Pretendo voltar em definitivo e, se você permitir, gostaria
de ter um papel mais atuante na vida dele. Não sabe o quanto ele
me fortaleceu.
— E você a ele. O fato de voltarem a falar foi muito
importante para o processo de recuperação dele. Davi está voltando
a ser o menino alegre e doce de sempre.
Uma lágrima triste desceu pelo rosto de Luiza, talvez por
estar se culpando.
— Não quero que fique assim. Você já tem um papel
fundamental na vida dele e, se aceitar casar comigo, não irá
demorar até se tornar mãe dele.
Seus olhos se arregalaram ao mesmo tempo em que ela
engoliu em seco. Luiza levantou o tronco apoiando em meu peito,
indagando:
— Isso quer dizer que...
— Sim, não é o melhor jeito, na verdade eu nem tenho um
anel aqui, mas eu desejo muito ser o homem da sua vida assim
como você é a mulher da minha. Aceita casar com esse velhote de
espírito e ser a futura senhora Galvão Albuquerque ou Albuquerque
Galvão?
Em um ímpeto, Luiza se jogou sobre mim gritando e beijando
meus lábios:
— Eu seria louca de recusar depois de todo o sofrimento que
passei longe de você. É claro que eu quero.
Sorri, feliz, tomando sua boca carnuda. Carinhoso, amei a
minha noiva feliz por tê-la reencontrado naquela manhã.
Depois do nosso banho, Luiza passou a mão sobre a barriga
– hábito que ela tinha adquirido e eu achava lindo –, declarando:
— Preciso comer. Alguém aqui dentro está agitada por ter
conhecido o papai e faminta.
Caminhei até ela, ainda sem camisa e com os cabelos
molhados. Ajoelhei-me à sua frente, tocando meus lábios na pele
volumosa, conversando com ela:
— O papai ficou muito feliz com a sua chegada, princesa.
Prometo que eu, seu irmão e seus tios seremos muito ciumentos
com você.
Luiza puxou meu cabelo, fazendo uma careta.
— Se apresenta direito para a nossa filha, nada de ameaçá-la
assim. Eu vou criá-la para ser uma mulher livre.
— Ela vai ser uma mulher livre, não estou dizendo o
contrário. Poderá muito bem sair e namorar quem ela quiser... —
Luiza deu um sorriso satisfeito,então eu completei sabendo que ela
ficaria brava: — depois dos 30, né filha?
Minha pequena colocou as duas mãos no quadril em uma
pose nítida de confronto. Se agora, mais madura, ela tinha
características de uma pessoa barraqueira, eu ficava imaginando
como foi quando adolescente[28].
— Você tente fazer isso com ela pra ver, Aloísio Albuquerque.
Eu te coloco na linha — brigou com o dedo em riste movimentando
o pescoço.
Ri, mas voltei a ficar sério subindo o olhar da barriga até o
rosto de Luiza:
— Eu prometo, minha boneca, ser o melhor pai do mundo
para você. Terei meus momentos de chatice e ciúmes, mas será
sempre por te amar demais. Você, o seu irmão e a mamãe são os
bens mais importantes desse papai babão — finalizei, abraçado ao
seu quadril e beijando a minha sementinha.
Luiza deu um sorriso brilhante, pegando minha mão,
colocando com carinho em cima da pele que tinha leves espasmos.
— Ela reconheceu o papai dela. Sempre fiz questão de deixar
claro o quanto ele é um homem incrível e o quanto a mamãe o ama.
Fiquei de pé, passando os dedos no rosto de Luiza.
— Você é maravilhosa, e eu não digo só pela beleza. E está
ficando muito chorona. Nunca imaginei ver a durona Luiza Galvão
chorando tão fácil.
Sorriu, entre lágrimas.
— Fiquei mesmo, uma manteiga derretida.
Aproximei os lábios de sua testa, segurando suas mãos com
gentileza.
— Me incomoda chamar a nossa filha de modo tão
impessoal. Ela ainda não tem nome?
— Não, quis esperar para escolhermos juntos.
Essa mulher era perfeita!
— Então, faremos um bom trabalho em equipe, tenho
certeza.
CAPÍTULO 48 | ALOÍSIO

Sentia minhas mãos suarem frio enquanto ajudava Luiza a


subir na mesa de exame. Eu mal tinha conseguido dormir naquela
noite ansioso para conhecer a minha princesa e saber como estava a
gestação da minha mulher.
— Está nervoso, papai? — A médica brincou ao ver minha
apreensão.
— Muito.
— Fique tranquilo, chegou a hora de conhecer essa mocinha
— disse, gentil.
De pé ao lado da minha pequena, segurei uma das mãos
enquanto a outra alisava seus cabelos sedosos.
A mulher de meia idade deslizou o aparelho pelo ventre
volumoso e, no instante em que o som do coração da minha filha
ecoou pela sala senti o meu quase sair do peito, tamanha emoção.
Engoli com dificuldade percebendo meus os olhos nublarem e
a imagem nítida da nossa bonequinha aparecer na tela à nossa
frente.
— Essa vai ser brava — Luiza falou, brincalhona.
Sorri e era verdade. O narizinho era igual ao da mãe, mas o
queixo parecia com o meu. No entanto, a cara fechada era uma
mistura dos dois quando estávamos irritados.
— Acho bom que seja mesmo. Afasta marmanjo — falei,
satisfeito.
— A gente já conversou sobre isso, ursão — Luiza provocou,
sabendo que aquele apelido me deixava constrangido quando dito na
frente de outras pessoas.
Lancei um olhar que ela entendeu muito bem. Quando
estivéssemos sozinhos, ela se veria comigo.
Focando no que realmente importava, voltei-me para a médica
que continuava com as medições e análises.
— Como ela está doutora? Há alguma alteração que
precisamos saber? — perguntei, atento.
— A gestação é considerada saudável e não há nenhum sinal
de alerta. Mantendo os cuidados que Luiza tem feito e as vitaminas,
acredito que não teremos nenhuma intercorrência até o parto.
Assenti e não demorou muito até sairmos do consultório.
— Está feliz? — Luiza indagou, doce, ao andarmos pelo
corredor.
— Demais. E vou ficarmais ainda quando te ensinar a não me
chamar de ursão em público — meu tom soou baixo e rouco.
— Ai, eu vou adorar. Deu até um calorzinho — brincou,
sapeca.
Carolina

No dia seguinte ao espetáculo de Davi, eu fiquei em alerta.


Sabia que Aloísio poderia desconfiarde alguma coisa e vir para cima
de mim. Preocupada, deixei uma bolsa pronta para o caso de eu
precisar fugir e foi exatamente o que aconteceu.
Depois que eles saíram, fuiaté a sede administrativa observar
a movimentação, saber se a minha barra estava limpa. No entanto,
ao notar a sala de Aloísio com a porta aberta e alguns móveis
revirados e o som abafadovindo da sala de Antônio fizeram-mecolar
o ouvido na porta.
Merda! Eles já sabiam de tudo e eu precisava dar no pé.
Se eu saísse pelo portão, daria muita bandeira. Então fiz o
impensável, me escondi em uma carroceria coberta por fenos.Fiquei
um bom tempo ali até que o carro finalmente começasse a se
movimentar. Quando ele parou, aguardei alguns segundos até abrir
uma pequena fenda e ver se a barra estava limpa.
Ao chegar na cidade, eu estava fedida a mato e toda suja,
ainda assim segui para o meu pequeno esconderijo naquela cidade
de bosta. Aquela espelunca estava longe de ser o ideal para mim,
mas era melhor do que não ter para onde ir.
Passei alguns dias sem sequer pôr a cara na janela, tinha
certeza que Aloísio fariaum infernoaté me encontrar. Bati a porta do
armário possessa ao constatar que aquele era o último miojo que eu
tinha.
Porra! Eu precisava arranjar uma saída, não dava para
permanecer daquele jeito.
Olhei meus contatos no celular pensando em quem eu poderia
usar para me tirar daquela. Sorri quando encontrei. A parte ruim era
que além de velho, Deodato Moreira era nojento, pelancudo e
gostava de umas coisas esquisitas no sexo, mas era o único que
gostava de encontros discretos e poderia me tirar dessa, já que eu
tinha várias provas de suas falcatruas.
Depois de uma noite asquerosa que eu não me orgulhava, o
motorista do prefeito me deixou na porta do kitnet que eu alugava.
Destrancava a pequena porta e via o carro se afastar quando uma
voz me fez travar.
— Se não é a modelete servindo de puta do prefeito.
Arregalei os olhos sentindo os pelinhos do meu corpo se
arrepiarem e o corpo todo tencionar.
— Abre, vagabunda. Temos que ter uma conversinha — Sabiá
falou próximo ao meu ouvido.
Trêmula, custei a destrancar a porta e seguir pelo corredor até
chegar no meu apartamento.
— Olha só como a vadia fica linda com medo! — O imundo
exclamou, ao me arrastar e empurrar para dentro do pequeno
espaço. — Cadê a minha grana?
Meus dentes de baixo começarem a bater contra os de cima e
um medo absurdo me varreu.
— Estou levantando, preciso de tempo — respondi,
respirando descompassadamente. Nunca senti uma dor tão intensa
quanto a que irradiou pelo meu rosto quando ele me deu um soco
que me derrubou e deixou zonza.
— Não ache que vá me enganar, cadela nojenta — rosnou,
com um mau hálito tenebroso.
— Espera — supliquei, antes dele me bater novamente. — Se
você me ajudar, eu tenho o plano perfeito para levantar a sua grana.
Expliquei rapidamente no que pensei e, quando achei que ele
iria me liberar, falou:
— Talvez eu acredite no seu papinho, mas só pra garantir, vou
cobrar o meu o meu preço antecipado.
Puxou meus braços para cima novamente fazendo com que
eu me levantasse e deu um soco no meu rosto. Doeu tanto que achei
que tinha quebrado meu maxilar. Em seguida, chutou-me várias e eu
poderia ter certeza que depois daquela surra ficaria com uns bons
ossos quebrados.
Eu já tinha vivido muita merda, mas sem dúvidas aquela tinha
sido a pior delas.
Quando finalmente foramembora, eu estava toda machucada,
a roupa rasgada, sangrando e com um dente quebrado. Sentia-me
um lixo humano.
Arrastei-me pelo chão nojento tirando o resto de minhas
roupas e entrando sob a água quente. Tudo doía.
O que aconteceu só aumentava o meu ódio para descontar
tudo isso em Aloísio, naquele moleque defeituoso e na desgraçada
da Luiza. Soube que ela tinha voltado para a fazenda e ainda estava
grávida.
Uma fúria sem tamanho me dominava quando eu pensava
que agora ela poderia ter todo o dinheiro que era para ser meu.
Durante o banho, eu me agarrei a certeza de que a minha vez
tinha chegado. Aproveitaria quando todos eles estivessem reunidos e
me vingaria. Aquele fazendeirozinho de bosta pagaria muito caro.
CAPÍTULO 49 | LUIZA
Março

Eu não poderia estar vivendo melhor fase. Quando cheguei


na fazenda,foiuma sensação incrível! Eu nunca pensei que sentiria
falta do cheiro do mato, a vista da lagoa, o cantar dos pássaros e
até de algumas vizinhas curiosas.
Fui recebida pelos funcionários da fazenda com um festão,
com direito a churrascada e tudo. Senti-me amada e acolhida,
mesmo com alguns olhares julgadores. Com certeza, estariam
pensando que eu tinha dado o golpe do baú. Bom, foda-se! Quem
realmente importava sabia que não tinha sido, então eu não liguei.
Entrei na minha casinha linda suspirando, mas Aloísio foi
categórico ao afirmar que moraríamos no casarão após o nosso
casamento. Não discuti, ele estava certo.
Porém, tudo isso tinha ficado para trás. O grande dia havia
chegado e se me perguntassem a pouco mais de um ano atrás se
eu me veria casando hoje, com certeza eu iria gargalhar. No
entanto, olha só onde eu estou agora.
Em um dos vários quartos do casarão, eu me olhava no
grande espelho oval à minha frente. Ele refletia a imagem de uma
noiva sorridente, acarinhando a barriga de quase nove meses
totalmente destacada pela fita que ficava logo abaixo dos meus
seios. Eu tinha escolhido um vestido de alças finas e tecido bem
leve. Não queria passar mal justo no dia do meu casamento devido
ao calor.
Pela janela, era possível ver o quanto a decoração tinha
ficado singela e magnífica naquele fim de tarde ensolarado. Eu até
queria que fossem poucos convidados, mas era impossível já que
fizemosquestão de convidar todos os funcionáriosda fazenda,além
de alguns figurões importantes para os negócios. Aquilo era
indiferente para mim, desde que as pessoas mais importantes da
nossa vida estivessem presentes.
Eu estava pronta fazendo um panorama de tudo o que tinha
acontecido dentro daqueles onze meses. Ainda que a odiasse, eu
precisava ser grata à Renata, a filha do prefeito. Se não fosse ela,
eu jamais teria sido demitida e ido trabalhar justamente na fazenda
do meu ursão.
Por falar nela, soube que ainda não tinha voltado do exterior.
Certamente, tinha consciência de que quando Aloísio soubesse que
tinha sido ela, não sossegaria até colocá-la em seu devido lugar. E
ele não estaria sozinho, pois eu faria questão de ensiná-la a nunca
mais judiar de ninguém, principalmente do meu pequeno.
Eu estava tão ansiosa para ser logo do meu ursão, de papel
passado e tudo. Além disso, estava preocupada se tudo estava
fluindo bem. Por esta razão, tinha colocado o meu celular no viva-
voz e guardado no decote para que Polyana me ouvisse melhor
enquanto eu terminava de ajustar o grampo que estava soltando.
Exigente, ela estava acompanhando todos os detalhes do cerimonial
e me repassando por chamada. Tudo corria como esperado.
Sorri ao escutar a maçaneta girando, papai tinha chegado
para me levar ao altar. Marta, Davi e mamãe tinham saído há pouco
tempo para se posicionarem em seus lugares. No entanto, senti
meu sorriso morrer e um gelo subir pela minha espinha quando vi,
através do espelho, Carolina entrando.
Como ela tinha conseguido passar pela segurança?
Fiquei nervosa, mas tive sangue frio o suficiente para checar
se o celular estava bem escondido.
Virei-me cautelosa, indagando sem demostrar o medo que eu
sentia:
— O que faz aqui, Carolina?
— Achou mesmo que eu deixaria a maravilhosa Família
Albuquerque ter o tão felizes para sempre? — questionou, irônica e
com raiva. — Claro que não, sua vagabunda.
Ainda que estivesse bem vestida, Carolina parecia ter
envelhecido uns dez anos. A face estava sem vida, mas o olhar era
de ódio e fogo puro.
Caminhou até mim fazendo questão de destacar a arma que
carregava. Antes que eu pudesse me defender, deu um tapa forte
no meu rosto. Sem me dar tempo, colocou-se a um passo atrás de
mim e firmou o cano gelado nas minhas costas.
— Eu vou dar as ordens de como vai ser, sua professorinha
de quinta — falou, próximo ao meu ouvido. — Se não quiser morrer
agora, você vai fazer tudo o que eu mandar quietinha e sem dar
bandeira. Quem sabe assim eu até permita que o Aloísio tenha
outro filho, porque mulher, pode ter certeza que ele não terá.
A tensão percorreu todo o meu corpo e quase me paralisou.
Foi extremamente difícil,mas eu precisei me manter racional. Engoli
em seco e concordei, assentindo com a cabeça.
Andamos pelo corredor vazio, todos deveriam estar a postos
para a cerimônia. Estávamos na saída dos fundos quando ouvi uma
voz que me fez fechar os olhos e pedir para que nada de ruim
acontecesse.
— Luiza, filha... aonde vai?
Sem que eu pudesse responder, Carolina se virou e disparou.
— Paaai! — berrei ao vê-lo caindo no chão com os olhos
arregalados.
— Calada, ou o próximo será em você — ela ameaçou,
forçando-me a andar rápido.
O som do disparo deve ter chamado atenção, uma vez que
algumas vozes foram se aproximando.
— Merda! — Carolina exclamou, parecendo perdida. Olhou
para vários cantos, nervosa. — Porra, cadê aquele desgraçado com
o carro?
A cada movimento dela, eu sentia arma pressionando mais
contra a minha pele. Eu só pedia para que Deus não deixasse
aquela louca disparar aquela arma.
— Carolina, as pessoas perceberam que alguma coisa está
errada e logo virão atrás de nós. Seja esperta e fuja.
— Cala a boca, sua piranha! — gritou, desorientada. —
Inferno!
Saímos pela área aberta e vários convidados ficaram
chocados ao me verem arrastada por Carolina nitidamente
descontrolada. Aquilo não era só ódio, sem dúvidas ela estava sob
efeito de alguma substância.
— Fiquem aí! — gritou, apontando o revólver para eles,
mantendo meus cabelos firmemente puxados pela raiz. Sentia a
pele arder, mas aquele era o menor dos meus problemas.
— Por favor, façam o que ela está pedindo. Para o bem de
vocês.
Eufórica, ela me forçou a caminhar até o estábulo. Foi
desesperador ver o Aloísio chegando correndo e assustado junto
com os demais Albuquerque.
— Carolina — gritou, chamando a atenção dela ainda no
portal. — Solta a Luiza, vamos conversar! O que você quer?
— Eu quero te ver chorando sangue, seu desgraçado! —
berrou, balançando os meus cabelos com raiva. — Está vendo essa
putinha, aqui? Dê adeus a ela.
— Não faça besteira. Eu troco de lugar com ela — Aloísio
continuou, levantando as mãos como se estivesse mostrando que
estava desarmado para fazer uma troca.
— Eu não quero você, seu idiota de merda. Sempre foi um
trouxa, zero à esquerda que se acha alguém fodão.
Meu homem estava tenso, nervoso, fitando a todo instante o
revólver que não parava de sacudir.
— Se acalme, Carolina. Sou Rafael Bragante, policial
rodoviário federal e quero negociar com você. Mas se alguma coisa
acontecer com a refém, você não tem como sair dessa.
Só então notei ele de pé, falando firme, com um semblante
sóbrio.
— Pra porra todos vocês! — Ela apontou a arma para a
minha cabeça pressionando incessantes vezes. — Vocês querem
negociar, então eu quero 50 milhões na minha conta e um carro a
minha disposição. AGORAAA!
— Ok, você está indo bem — policial elogiou. — Nós
podemos conseguir o que você pediu, mas para isso preciso que
solte a Luiza.
— Você acha que eu sou idiota, gostosão? — bradou. —
Essa sonsa é o meu bilhete premiado. Se eu a entregar, não recebo
nada disso e ainda vou para a prisão.
— Acredite no que estou dizendo, Carolina. A melhor
alternativa que você tem é solta-la.
— Não vou cair nessa história... Vocês têm meia hora para
conseguir o que eu mandei. Caso contrário, podem preparar o
funeral dessa mosca morta e do monstrinho dentro dela.
Fui empurrada para dentro do estábulo ouvindo a agitação
dos cavalos.
— Piranhazinha de quinta — disse com escárnio — eu
amaldiçoo essa criança no seu ventre. Que ela nasça tão defeituosa
quanto aquele monstro que eu gerei.
Carolina veio na minha direção com a intenção de bater na
minha barriga, mas eu a impedi segurando seu pulso. Sabia que ela
podia atirar, mas não deixaria machucar a minha filha.
— Não encoste em mim, Carolina — encarei seus olhos
febris com igual intensidade. — Se causar algum mal à minha filha,
eu mato você.
— Sua idiota, eu estou com a arma — esgoelou.
— Eu sei, mas tenta fazeralgum mal a nós duas que você vai
ver o que é uma mãe de verdade.
Ela viu que eu não estava para brincadeira. Tinha medo?
Sim. Mas não deixaria absolutamente nada acontecer com a minha
bebê.
— Saia da minha frente se quiser continuar viva, sua roceira
— gritou.
Sentei-me sobre o um monte de feno ao lado da baia de
Afrodite, tentando pensar no que fazer para sair dali viva e bem.
Meu desespero aumentava a cada minuto que passava e
Carolina andava de um lado para o outro, desorientada. Era o quinto
cigarro que ela fumava durante o período que estávamos ali e eu
tinha perdido totalmente a noção do tempo.
Tudo piorou à medida que as sirenes da polícia ficavam mais
altas e eu sentia as minhas contrações aumentando.
Elas começaram assim que vi Carolina, mas achei que era
apenas apreensão pelo que aconteceria. No entanto, agora eu me
desesperava notando que elas ficavam mais intensas. Eu não
poderia entrar em trabalho de parto agora. Abaixei a cabeça não
querendo que ela notasse as minhas caretas.
— Aonde aquele otário foi parar? — indagava a si mesma,
perdida em sua confusão. — Se ele tiver dado no pé, como eu vou
sumir daqui?
— Carolina, aceite o acordo — disse, baixo. — Me libere,
saia com o seu dinheiro e suma do país.
— Cala a boca, sua vagabunda! — berrou. — Acha mesmo
que vou cair nessa mentira? Aloísio quer o meu couro, ele jamais
permitiria que eu saísse assim.
— Ele não vai poder fazernada, você está negociando com a
polícia.
— Deixe de ser burra, garota! — Aproximou-se puxando
meus cabelos pela nuca, ficando a centímetros do meu rosto. — E
eu faço questão de matar você. É uma realização pessoal. — Sorriu,
maléfica. — Estou só aguardando o melhor momento.
Eu estava perdida, esta era a verdade. E se eu não agisse,
com certeza ela me mataria.
Aproveitei que a arma não estava em sua mão e a empurrei,
jogando terra em seu rosto em seguida. Carolina caiu para trás,
soltando o cigarro sobre os fenos que estavam no chão. Montei em
cima dela dando alguns tapas e socos em sua cara, exorcizando
todo o ódio que sentia por ela e vingando todo mal que ela tinha
feito. Antes de me levantar, estiquei os dedos indicador e médio
enfiando nos olhos dela, cheia de raiva.
Em questão de segundos, o lugar estava tomado por chamas
e, desesperada, ergui-me com dificuldade ouvindo os animais
atormentados pelo incêndio. Eu não podia deixar uma tragédia
daquele tamanho acontecer.
Trêmula e correndo, consegui liberar todas as baias ficando
aliviada a cada animal que saía galopando. Faltava apenas a de
Alazão, quase na saída do estábulo, quando ouvi um tiro ecoando
alto.
Em um primeiro momento, arregalei os olhos pensando que
pudesse ter acertado em mim. No entanto, Alazão ficou
extremamente agitado e começou a relinchar e dar coices dentro da
baia. Por mais que eu tentasse abri-la, parecia ter emperrado com
as pancadas que ele dava. Quando o segundo tiro ecoou, vi
Carolina andando cambaleante na minha direção e uma dor intensa
atingir a minha nuca.
Foi tudo muito rápido, mas antes de apagar notei que a
portinhola finalmente tinha sido aberta e um Alazão extremamente
nervoso dando um coice forte na megera, a jogando na direção do
fogo antes de sair correndo.
CAPÍTULO 50 | ALOÍSIO

Vestido tradicionalmente em um terno preto, sentia minhas


mãos suarem a cada vez que eu me recordava que estava levando
a minha garota ao altar. Finalmente eu tinha encontrado a mulher da
minha vida, aquela que me proporcionaria um amor tão sincero e
belo quanto ao dos meus pais.
Observava a grande quantidade de pessoas começarem a se
acomodar e Rafael, o amigo de Luiza, andar em minha direção. Pelo
que conheci dele, era um cara leve, então vê-lo tão circunspecto
chamou minha atenção.
— Preciso que você mantenha a calma, seja discreto e venha
comigo — falou, ao se aproximar. O que diabos tinha acontecido?
Continuou: — Já chamei reforços, mas a Luiza está sendo
sequestrada pela Carolina.
Meu Deus, minha mulher e minha filha!
Senti minha garganta travar e o corpo contrair ao pensar que
eu não me perdoaria se algo acontecesse com elas. Sem pensar em
mais nada, saí a passos largos para o casarão. Eu precisava
encontra-las e garantir que ficassem bem.
Sabia que a fuga de Carolina poderia ser uma ameaça e era
por isso que eu tinha reforçado toda a nossa segurança. Mas pelo
jeito, não tinha sido suficiente. Eu temia pela vida da minha mulher
sob a ameaça daquela desequilibrada.
— Elas ainda estão na fazenda?— indaguei enquanto Rafael
mantinha o ritmo acelerado ao meu lado e o celular no ouvido.
— Sim, mas precisamos ser rápidos porquê...
Ao mesmo tempo que ele afastava o objeto do ouvido e
interrompia a sua fala, um tiro ecoou alto. Corri em direção ao som
sentindo que a qualquer momento meu coração poderia sair pela
boca em um desespero latente.
Não... eu não encontraria o corpo de Luiza alvejado,
mentalizava repetidas vezes como um mantra.
Avistei meu sogro caído e sangrando. Respirei aliviado.
Aproximei-me rapidamente para constatar se estava vivo, mas
angustiado para encontrar Luiza.
— Estou bem, mas aquela louca fugiucom a minha filhapara
lá... — José apontou na direção do estábulo.
Começava a escurecer, mas foi possível ver o vestido branco
de Luiza como um ponto claro ao longe. Corri, temeroso do que
aquela louca poderia fazer com as duas.
Carolina estava totalmente desajustada e eu só queria tudo
aquilo acabasse bem, nem que para isso eu precisasse trocar de
lugar com Luiza.
— Eu vou entrar! — afirmei, depois de vários minutos sem
nenhuma notícia das duas lá dentro. Já era praticamente noite e
tudo só piorava.
Perturbado era pouco se comparado a como eu me sentia.
— Fique aqui, Aloísio — Rafael alertou, incrivelmente calmo.
— Carolina está encurralada e, se não ouvimos nada até agora, é
porque está tudo bem. Se você entrar, ela pode se assustar e atirar
em um de vocês.
Uma onda violenta de fúriapercorria meu corpo. Eu não tinha
o que fazer e isso me desorientava. Dei um soco na cerca sentindo
a dor irradiar pelo meu pulso, mas não liguei.
Quando vi algumas cores semelhante a fogotomarem o local
e gritos de Luiza eu não pensei, só corri.
A distância parecia ser muito maior do que realmente era e
eu só pedia que Luiza e nossa filha estivessem bem. No caminho,
quase fui atropelado por Afrodite e vários outros cavalos da fazenda.
Consegui chegar na entrada do estábulo a ponto de ver Luiza
levando uma coronhada e caindo no chão, e Alazão dando um coice
no tórax de Carolina antes de passar como um raio por mim.
Acelerei até Luiza notando todo o galpão tomado pelo fogo e
o ar extremamente difícilde respirar. Peguei minha pequena no colo
sentindo o vestido molhado, mas não liguei. Só queria vê-la bem e
longe dali.
Corri com Luiza nos braços e, quando os socorristas a
examinaram constatando que ela tinha entrado em trabalho de
parto, fomos encaminhados direto para o helicóptero que nos
aguardava. Ainda que estivesse agitado, pedi ao Antônio que
cuidasse do meu filho e entrei na aeronave preocupado.
Durante o trajeto, ouvi o gemido da minha pequena e soltei
uma lufada de ar aliviado quando ela abriu os olhos levando a mão
até a nuca.
— Dói — choramingou.
— Oi, amor. Nem acredito que você acordou. — Sorri,
acariciando seus cabelos com o penteado desfeito e alguns fenos.
Ainda assim, estava incrivelmente linda. — Não se mexa, você está
com acesso no braço.
Luiza começou a assentir, mas logo uma onda de contração a
atingiu, fazendo com que ela fechasse os olhos com força, gritasse
e apertasse a minha mão.
— Aaaaahhh.... que dor do cacete! — berrou.
— Eu sei que dói, amor, mas já estamos chegando no
hospital.
— Foda-se o hospital... aaaaaahhhhhh... — gritou outra vez
jogando a cabeça para frente.
— Vamos pousar.
Dali em diante, tudo passou como um borrão. Uma cadeira
de rodas já a esperava no heliponto e seguiu direto para a sala de
parto. Não demorou até que nossa filhacomeçasse a coroar e Luiza
optasse pelo parto natural em uma banheira.
— Senta aqui — ela pediu, cansada.
Observei a cena meio desorientado com ela sentindo dor e
gritando, mas queria passar todo o conforto que ela necessitava e
esperava de mim. Com a calça do terno e sem camisa, sentei atrás
da minha pequena prestei todo o suporte que ela precisava
enquanto faziaforçae me apertava. Luiza se virou diversas vezes e,
por fim, nossa filha nasceu com a mãe ajoelhada apoiando os
braços nos meus ombros e a testa na minha.
Com ajuda Luiza voltou a se sentar na minha frente e nosso
pacotinho foi colocado sobre o seu colo ofegante. Minha pequena
tinha demonstrado uma força inesperada e proporcionou um dos
momentos mais incríveis da minha vida.
Cansada, sorria em meios as lágrimas, toda boba alisando os
cabelos da cria. Só me dei conta que fazia o mesmo quando Luiza
virou o rosto em minha direção, me olhou emocionada e sussurrou:
— Obrigada por ter me dado os maiores amores da minha
vida.
Beijei sua testa sentindo-me emocionado demais para dizer
qualquer outra coisa que não agradecer por tudo de especial que
ela tinha trazido para a minha vida.
Depois de toda aquela confusão, foi mágico poder pegar a
minha pequena nos braços pela primeira vez. Era impossível não
lembrar de tudo que senti quando fiz aquilo com o Davi.
Acolhida entre os braços do pai e da mãe, a nossa princesa
dormia serena, talvez nem se dando conta que tinha chegado ao
mundo. Seus cabelinhos eram lisos e escuros, a pele clarinha,
bochechas e boca rosadas. Eu estava ansioso para saber se seus
olhinhos seriam azuis ou castanhos.
Tomado pela emoção, senti uma lágrima de felicidade
escorrer enquanto admirava com cuidado a obra mais pura e
delicada fruto do meu amor por Luiza.
— Eu imagino o que você deve estar pensando, ursão. Mas
saiba que tudo o que você vivenciou não vai acontecer de novo. Eu
jamais abandonaria vocês — Luiza declarou, alisando a pequena
enquanto meu queixo estava em seu ombro.
Fitei o seu olhar cansado, já completamente sem
maquiagem, mas incrivelmente radiante. O que eu sentia por aquela
mulher estava além do explicável.
Com uma mão sob a dela ajudando a firmar nossa filha e o
outra alisando sua bochecha, externei baixo a emoção que sentia.
— Obrigado por tudo o que significapara mim, Luiza. A força,
a cor, a vida, o cuidado e a delicadeza. Eu nunca vou poder te
agradecer o suficiente pelo que fez por mim e pelo meu filho e,
agora ainda mais, por esse momento sublime. Eu amo você demais,
pequena.
— Acredite, vocês fizeram muito mais por mim — ela sorriu,
deitando a cabeça na minha palma. — Mas que tal a gente para de
chamar de “ela” e chamá-la pelo nome que o Davi escolheu?
Na verdade, o nome vencedor.
Quando contamos para a nossa família que seria uma
menina, as opiniões de nomes foram muitas. Eu queria Daniela.
Luiza escolheu Vitória. E Davi, bom... Davi escolheu o nome
vencedor.
Naquele impasse sem nenhuma decisão, o crianção daquela
casa, chamado Antônio Albuquerque, deu a ideia de fazermos uma
disputa. Assim, em uma bela manhã ensolarada de domingo, meus
pais, Luiza e Davi assistiram da varanda os três filhos Albuquerque
em uma corrida de cavalos.
Na linha de chegada, a diferença entre nós três foi ínfima,
Antônio em primeiro, eu em segundo e, Artur, defendendo o nome
escolhido por Luiza, em terceiro.
Tudo não passou de uma grande brincadeira e foi
extremamente divertido, diferente eu diria. Nem por um momento
fiquei triste por ter perdido para ele. Não era para menos, Antônio
ficava o dia todo trotando pela fazenda para cima e para baixo.
— Seja bem-vinda ao mundo, minha pequena e doce Beatriz
— saudei, tocando meus lábios na pequena testinha.
Algum tempo depois, elas foram para o quarto. Nossa filha
acordou, Luiza estimulou a amamentação com o auxílio de uma
enfermeira e depois as duas acabaram pegando no sono.
Já eu, estava com muita adrenalina percorrendo o corpo.
Inquieto e preocupado, liguei para o Antônio. Ele falou que Carolina
tinha sido resgatada em estado grave com o corpo bastante
queimado e meu pai estava cuidado da parte burocrática, já que ela
não tinha parentes. Já Dona Marta e Artur estavam agradecendo e
dispensando os convidados e, por isso, não tinham ido para o
hospital, mas que na manhã seguinte estariam ali.
Na verdade, a minha preocupação maior era com o meu filho.
Aquela movimentação toda deveria ter mexido com a cabecinha
dele. Por esta razão, eu fiz questão de ligar por vídeo e ver como
ele estava.
— Papai, você viu o licoptero e o barulho da polícia?
Uiu..uiu...uiu... — perguntou, agitado, deitado em sua cama ao lado
do tio.
Sorri da inocência dele. Davi não estava nem aí com a
bagunça daquele dia. O que era um incêndio, sequestro, Luiza e a
irmã dele correndo perigo de vida comparado ao fato de ver as
sirenes e o helicóptero pousando tão perto dele?
Ficava aliviado por isso, menos um trauma para ele. Segundo
Antônio, durante toda aquela tensão, Artur tinha o mantido longe de
tudo.
O caçula era de poucas palavras, mas tinha um instinto
protetor maior do que qualquer outra pessoa que eu conhecia.
— Vi sim, filho— respondi baixo. — A Beatriz nasceu, sabia?
— Eu quero ver, papai...
Levantei-me do pequeno sofá ao lado da cama de Luiza e
caminhei em direção ao pequeno bercinho. O hospital tinha
providenciado outra roupa para mim já que a minha estava toda
molhada devido ao parto. Abaixei o volume do áudio para se caso
ele gritasse, não acordaria a pequena. Apontei a câmera traseira na
direção dela e a expressão de Davi foi de total encantamento.
— É uma boneca, papai! — afirmou, categórico.
— É a nossa bonequinha, filho.
Eu estava babando por aquela mocinha e ver a reação de
meu filho me fez ficar ainda mais abobalhado.
— Tira o cabeção da frente, moleque... Deixa eu ver essa
princesinha do titio — Antônio provocou.
— Ah não titio... é minha — o pequeno brigou, possessivo.
Os dois trocaram mais algumas farpas e finalmente Davi
deixou o tio ver a pequena. A expressão de machão e alegre deu
lugar a um tiozão bobão e terno.
— Parabéns, mano! Sua princesa é linda.
— Obrigado. Em breve serão os seus — agradeci, voltando
ao sofá e deixando Bia quietinha.
— Deus me livre! Ainda vem muita coisa na minha vida antes
de ser pai.
Ri permanecendo com ele na linha mais algum tempo.
Antônio e Artur tinham o mesmo desejo em construir um
relacionamento tão bonito quanto ao dos nossos pais. No entanto, o
mais velho ainda tinha muito a aprender até estar preparado.
Deitei no estofado pensando em tudo e nada ao mesmo
tempo. Aquele dia tinha sido marcado por emoções intensas e eu
era muito grato a Deus por tudo ter terminado bem.
Não passou despercebido que a data que escolhemos para
ser especial pelo nosso casamento, acabou sendo ainda mais
devido ao nascimento da nossa filha.
Além disso, eu estava muito orgulhoso de Davi que, após o
retorno de Luiza, tinha evoluído bastante quanto a dicção e
vocabulário. Com aquilo em mente, acabei deixando o cansaço me
dominar com a sensação de estar sorrindo.
Depois de vários cochilos interrompidos por um chorinho fino,
fuiacordado por uma voz muito conhecida entrando no quarto como
um furacãozinho.
— Acorda, papai... eu quero conhecer a Bia.
Abri um dos olhos com preguiça, sentindo que não tinha
descansado nada. Mas eu estava tão feliz por ter a minha família
bem que não dei a mínima. Abracei o meu pequeno com força
beijando seus cabelos com carinho.
— Bom dia, filhote! O papai já te mostra, espera um
pouquinho, tá bom?
—Tá bom.
Vi minha mãe e meu pai logo atrás, entrando com cuidado e
desejando bom dia. Fui até o banheiro seguindo a rotina matinal e
vestindo a peça de roupa que eles tinham trazido.
— Bom dia, minha princesa — passei pelo bercinho da minha
filha ao lado da cama da mãe e beijei seus cabelos. Graças a Deus
não foi necessário que ela ficasse na incubadora.
Luiza espreguiçou, letárgica cumprimentando a todos. Ela
também tinha passado boa parte da madrugada acordada. Ajudei
quando quis ir ao banheiro, embora já estivesse bem.
Davi me olhava inquieto, perguntando a todo instante se eu ia
demorar. Sorri de sua ansiedade, não era para menos. Peguei ele
no colo levando até onde ela descansava.
Sapeca, Davi deu uma risada gostosa e feliz.
— Ela é pequenininha! — disse, estendendo a mãozinha para
acaricia-la.
— É sim, filho. E é por isso que todos nós temos que protegê-
la, viu? Eu, você, o vovô, e os titios.
— A vovó, a mamãe Luiça, a Rute, a Neide... — continuou
falando o nome de todas as pessoas da nossa casa.
— Amor — Luiza estendeu a mão para que ele fosse até ela.
Após a minha ajuda, sentou-se ao seu lado encostando a cabeça
nos seios fartos. — Do que você me chamou?
Davi abaixou a cabeça, sem graça. Tinha soado tão natural
que ele nem sequer tinha percebido. Por isso, continuou calado.
Minha menina segurou nas suas mãozinhas, incentivando.
— Pode falar, meu príncipe. Eu quero muito ouvir.
— Mamãe Luiça — falou quase em um sussurro.
Senti minha garganta embargar. Luiza estava emocionada.
Meus pais viam tudo de longe sentados no sofá.
— Você quer que eu seja a sua mamãe de verdade? — ela
perguntou, doce e carinhosa.
— Pra sempre?
— Para sempre — garantiu.
— Eu quero.
Luiza puxou o meu pequeno para o colo e garantiu, beijando
os seus cabelos:
— Então a partir de hoje, eu sou a sua mamãe e prometo
cuidar sempre de você e te amar do mesmo modo que amo a sua
irmãzinha.
Davi chorou ao ser acolhido. Eu chorei por poder
proporcionar a ele a mãe que tanto sonhou. Luiza chorou porque ela
era isso: intensidade, força, coragem e delicadeza.
CAPÍTULO 51 | CAROLINA

Abri meus olhos com dificuldade não sabendo onde eu


estava. Confusa, analisei o local notando que eu estava em um
quarto de hospital de quinta.
Só então consegui recordar de tudo o que aconteceu. Aquela
desgraçada, o estábulo, os cavalos, o incêndio...
Meu Deus, o incêndio!
Estendi mãos e vi que elas estavam protegidas por faixas. O
desespero me tomou ao imaginar como o meu rosto poderia estar.
Procurei a primeira coisa que pudesse me servir de espelho e, ao
tentar pegá-la, senti uma dor alucinante no tórax.
Aquele cavalo maldito tinha quebrado as minhas costelas.
Respirei fundo, mas não desisti de pegar a bandeja ao meu
lado. Consegui alcançá-la com muita dificuldade. Derrubei tudo o
que estava sobre ela no chão e ao trazê-la novamente para a minha
direção, levei um susto ao notar eu estava toda enfaixada e fedia a
queimado.
Tremendo de medo e de dor, consegui ir desenfaixando aos
poucos entre uma soltada de ar e outra. Joguei o tecido de lado
sentindo meu coração acelerar ao dar de cara com o monstro
naquele reflexo.
— Aaaaaahhhh — gritei, em desespero levando a mão sobre
a pele queimada.
Meu cabelo antes longo e sedoso, agora estava totalmente
queimado, com várias falhas.Eu estava praticamente careca. Como
se não fosse o bastante, meu rosto estava em carne viva, podendo
ver perfeitamente a musculatura. A boca era uma coisa disforme e
horrorosa.
Eu estava completamente deformada.
Em choque, deixei minhas lágrimas caírem enquanto eu
sentia uma dor horripilante e ardida.
A minha vida tinha acabado.
Tudo por causa daquela família desgraçada. Eu não poderia
deixar isso barato, nunca! Na primeira oportunidade que eu tivesse,
eu os mataria sem pensar duas vezes.
Em meio ao meu desalento e raiva, ouvi a porta abrir. Achei
que fosse a equipe médica, mas para o meu desespero, o homem
alto e mal encarado a minha frente não veio me ajudar.
— Caralho, tu tá horrorosa, hein modelete? Daqui para frente,
o máximo que conseguiria seria papel de múmia ou para filme de
terror.
— O que... o que você veio fazer aqui? — perguntei, me
cagando de medo.
— Se você ainda estivesse bonita, provavelmente te foderde
novo. Mas agora que parece a versão feminina do Freddy Krueger,
cobrar a dívida que você tem comigo, agora com o acréscimo de eu
ter perdido alguns dos meus homens pra polícia.
— Por favor, não faz isso! — implorei.
Apavorante, Sabiá parou ao lado da minha cama, falando
cheio de ironia:
— Tu até era gostosinha, tinha uma boceta e um cu gostoso,
mas agora nem o mais corajoso dos homens teria coragem de te
comer. Então, eu vou fazerum favorpara a humanidade — pegou o
travesseiro atrás de mim, segurando entre as duas mãos. — Nos
vemos no inferno, ruivinha.
Sem me dar tempo, pressionou o objeto contra o meu rosto.
Desesperada, tentei me soltar, arranhando seus braços e sacudindo
minhas pernas. Uma dor absurda a cada movimento que eu fazia.
Ele era forte e, por mais que eu lutasse, não conseguia fazê-
lo se afastar. Aos poucos, fui parando de sentir dor, perdendo o ar e
a consciência.
O que eu tinha feito da minha vida?
CAPÍTULO 52 | ALOÍSIO
Junho

Caminhei pelo tapete esticado sobre a grama observando o


contraste da grama com aquele céu límpido e sem nuvens. Passei os
olhos pelos convidados vendo se acomodarem, mas o pensamento
me levava para longe.
Era curioso que há três meses eu estava no mesmo local de
frente ao mesmo padre e praticamente as mesmas pessoas, no
entanto, o que eu sentia naquela manhã era muito além.
Estava ansioso para ver Luiza entrando vestida de noiva e
para ser enfim marido dela. Hoje, não havia preocupações com
possíveis fantasmas do passado ou qualquer outra coisa que não
fosse abrilhantar o nosso dia.
Mas por segurança, antes de vir para o altar, dei batidinhas na
porta do quarto em que ela se arrumava só para garantir que ela
estava bem. Seu grito lá de dentro sinalizando que estava
amamentando a nossa filhame deixou tranquilo para seguirmos para
a nossa vida de casados.
Sorri ao lembrar que o nascimento de Beatriz tinha sido um
marco para que tudo se resolvesse em nossas vidas. A minha
boneca tinha a mesma personalidade pirracenta da mãe. Só chorava
quando não conseguia mais ficar com a fralda molhada ou com muita
fome. Quando sentia cólicas, fechava as mãozinhas gritando com
força e seu olhar era raivoso. Tinha até medo do que aquele
pequeno fenômeno da natureza se tornaria quando crescesse.
Davi estava muito melhor e tinha voltado a ser integralmente o
garoto doce e radiante que sempre foi. Não deixava a Bia sozinha
nem por um instante, era o primeiro a ajudar nos cuidados com ela e
a defendê-la. Um verdadeiro irmão mais velho e me enchia de
orgulho por isso.
Luiza e eu não poderíamos estar em melhor momento.
Quando voltamos do hospital, ela tinha pedido para que tivéssemos
a nossa casa separada dos demais. Não queria nenhum sinal das
maldades de Carolina rondando a nossa família. Como um bom
apaixonado, eu acatei sem sequer argumentar. Eu era louco por ela
e faria qualquer coisa que a minha pequena quisesse.
Tínhamos escolhido uma região próxima ao casarão principal,
mas distante o suficiente para nos dar privacidade. Em breve nossa
casa estaria finalizada e nos mudaríamos.
Após toda a confusão do sequestro, fiz questão de oferecer
um jantar especial em agradecimento ao Rafael e uma amizade
começou a se formar ali. Ele nos contou com calma que estava ao
lado de Polyana enquanto ela e Luiza conversavam e, quando
percebeu a ação de Carolina, agiu antevendo a tentativa de fuga. Eu
não queria nem imaginar o que poderia ter acontecido se eles
tivessem deixado a fazenda.
Astuto e treinado, Rafael conseguiu neutralizar e prender o
capanga que dirigiria o carro para a fuga. Isto deixou Carolina sem
saída. Além disso, a prisão dele acarretou no desmonte de boa parte
da quadrilha que estava por trás de Carolina.
Era péssimo ficar aliviado com a morte de alguém, mas
quando soube que ela tinha sido internada com mais de setenta por
cento do corpo queimado e não resistiu, foiisso que senti. Sabia que
se Carolina sobrevivesse, nós nunca teríamos paz.
Com a ajuda da psicóloga e a postura didática de Luiza,
contamos para o Davi sobre o falecimento de sua mãe biológica.
Surpreendendo a todos nós, ele deu de ombros e continuou
brincando com o trem que tinha ganhado, após dizer:
— Não gostava dela... Carolina é má.
Observamos os dias seguintes de perto, mas ele estava
realmente bem. Encantado com tudo o que estava acontecendo.
Além disso, o tiro do meu sogro tinha sido de raspão e em
pouco tempo ele já estava totalmente recuperado.
— A baixinha vem aí — Antônio afirmou,me tirando dos meus
pensamentos. — Tem certeza que vai conseguir fazer isso?
Pisquei, balançando a cabeça e concordando.
— Então vai e não cai duro — brincou, dando uns tapinhas
nas minhas costas.
Minha pequena não escondia o quanto gostava de me ver
tocando piano e, além disso, era um dos modos preferidos que
Beatriz tinha para dormir, principalmente quando estava agitada ou
com dor.
Foi pensando nisso que quis surpreendê-la. Com a desculpa
que contrataríamos músicos para a sua entrada, consegui driblá-la
para instalar o piano próximo ao altar.
Senti um nervosismo gostoso percorrer o meu corpo e as
mãos suarem. Sorri, percebendo que era tão fácil para mim fazer
isso para a minha família ou quando estava sozinho, mas na frente
de toda aquela gente e prestes a ver a mulher da minha vida entrar
para juntos termos um dos momentos mais especiais das nossas
vidas fazia com que meus dedos parecessem rígidos.
Abri e fechei as mãos várias vezes fazendo o sangue circular.
Mamãe entrou de braços dados comigo, sorrindo e extremamente
alegre.
— Muito me orgulha te trazer ao altar e te entregar para uma
menina como a Luiza, filho — disse, beijando minha testa. —
Desejamos que vocês e os nossos netos sejam muito felizes.
— Obrigado — falei baixo, sentindo a garganta embargada.
Após beijar suas mãos, sentei-me na banqueta, respirei fundo
e comecei a melodia de Hallejuah.
Eu sabia que se olhasse Luiza entrando, provavelmente iria
derramar as lágrimas que custei a segurar, mas não poderia perder
um momento inesquecível como aquele.
— Cadê o Aloísio? — perguntou, nervosa, quando chegou de
braços dados com o Seu Zé Galvão e não me viu a postos.
De cabeça baixa sorri do seu modo espontâneo de ser. Eu
amava cada maluquice que compunha aquela mulher. Cada mínimo
detalhe, cada surto e cada delicadeza. Olhei para o lado vendo seu
pai tocar a mão dela com cuidado e apontar na direção do piano.
— Ah meu Deus, ursão! — exclamou, levando a mão à boca.
Ainda que estivéssemos longe, pude notar o quanto ficou
emocionada.
A cada passo dela sentia meu coração acelerar no peito, uma
emoção pungente eletrizar todo o meu corpo. Assim que eles
chegaram próximo ao celebrante, levantei-me sem pressa e
caminhei até eles.
— Prometo cuidar sempre desse presente que o senhor me
deu, Seu José. Obrigado. — Peguei sua mão dando um abraço
apertado, em seguida, beijei a testa de Luiza notando seus olhos e
nariz avermelhados. — Pronta, minha pequena?
— Eu quase tive um troço quando não te vi nesse altar. Se
você não estivesse aqui, eu juro que te caçaria só para trucidar —
murmurou.
— Podem me chamar de louco, mas o que mais quero nessa
vida é casar com uma maluca como você.
Luiza fechouo semblante, mas depois sorriu. Toquei seu nariz
com a ponta do indicador, me declarando:
— Te amo demais, pequena. Mais do que um dia eu imaginei
ser possível.

Luiza
Não acreditei quando vi Aloísio tocando aquela música tão
linda para a marcha nupcial. O meu caubói observava pequenas
nuances do dia a dia e tinha o dom de coloca-las em prática me
surpreendendo, e essa foiuma delas. Chorei durante todo o caminho
com a sensibilidade que seus movimentos suaves e sua emoção me
passavam.
Ouvimos a emocionante mensagem sobre a construção e
manutenção diária do amor, os desafios e o respeito as diferenças
dentro de um matrimônio. Logo em seguida, foia vez de trazerem as
alianças.
Meu coração se encheu de orgulho quando Davi, o meu tão
amado filho, empurrar um carrinho especialmente enfeitado para o
casamento carregando a minha filhota em um vestidinho bem
quentinho e branco.
Os dois eram o meu coração que batia fora do peito.
— Não chora, mamãe... é um momento feliz — Davi
comentou, nos entregando a caixinha de alianças.
— É choro de felicidade, meu amor.
Com a ajuda de minha mãe e dona Marta, eles foram até elas
e começamos os nossos votos.
— Aloísio, você é o contrário de tudo que eu imaginei para
mim — comecei, fazendo ele e os convidados rirem. — Primeiro que
eu nem pensava em casar e odiava toda e qualquer espécie de
agroboy. Mas aí, o destino se encarregou de me fazer vir trabalhar
exatamente em um local lotado deles e justamente ser professorado
filho do mais ranzinza. — Ele fez uma careta, eu sorri e continuei: —
Nós vivemos muita coisa no último ano e, todas elas, me mostraram
que o amor que cultivei por você é inabalável, contrariando todas as
expectativas de que um dia pudéssemos estar aqui, casando e com
dois filhos maravilhosos. Obrigada por tudo o que você representa na
minha vida. Te amo.
Meu ursão sorriu, emocionado. Deslizei a aliança grossa por
sua mão grande e máscula constatando o quanto ficava linda com
aquele adereço que eu não deixaria nunca que tirasse. Finalizei com
um beijo delicado e olhando em seus olhos.
— Acho que você elevou o padrão da declaração e agora eu
vou ter que me virar para não fazer feio — brincou também,
arranhando a garganta. — O destino e mais umas duas ou três
pessoas foram muito importantes para que estivéssemos aqui hoje
— olhou para Davi, Marta e Antônio —, e eu sou tão grato a elas
quanto a Deus por ter colocado você no meu caminho. Sim, eu sou
ranzinza, velho de espírito. E você sempre foi a professora chata,
destemida e cheia de vida que, com seu jeito intenso e maluco de
ser, coloriu o que antes era tão cinza e cheio de sombras. Ainda
teremos muitos embates pela frente,isso não nos resta dúvidas, mas
eu tenho certeza que o amor sempre prevalecerá porque o que
temos um pelo outro nada é capaz de fragmentar.
Limpei uma lágrima que escorreu e assim que ele terminou de
pôr a aliança, pulei em seu pescoço beijando a boca quente sem ser
muito discreta.
— Ahan... — o padre limpou a garganta. — Bom, a noiva pode
beijar o noivo.
Todos riram e eu abanei a mão no ar, como se mandasse ele
deixar o discurso para lá enquanto desfrutava do meu ursão.
No decorrer daquela tarde, todos aproveitaram a grande festa
comendo, bebendo e se divertindo. Estava incrível.
— Juro que nunca te imaginei casando com um fazendeiro e
morando feliz no meio do mato e vários gados — Polyana falou.
Ela e Manuela tinham subido comigo enquanto eu
amamentava de novo a pequena Bia e aproveitaria para me trocar.
— Nem eu, amiga, mas a vida tem dessas coisas, né? Nunca
achei que fosse amar tanto Davi e Aloísio a ponto de estar
extremamente feliz na minha nova realidade.
— E como vai ser quanto a sua profissão? — Manu indagou,
jogando a fralda suja fora.
— Desde que voltei, Marta e eu temos pensado em várias
possibilidades para a escola. Estamos em fase de planejamento e,
assim que a Bia estiver um pouquinho maior, vou mergulhar de
cabeça para a implantação do ensino de jovens e adultos noturno.
— Parabéns, Lu, ficamos tão felizes em te ver assim — Poly
comentou.
— Mas não me engane, bonitona. E o seu e do Rafa, quando
sai?
— Ai, Luiza... — bufou. — Tem horas que eu acho que nós
dois não é para acontecer, sabe? Dois cabeças duras que gostam de
se pegar, mas possuem aversão a relacionamento.
— Ai...ai... ainda tem muito pano pra manga nessa história,
hein? — Manu soltou, quase que despropositadamente.
Naquele clima tranquilo, vesti uma calça jeans clara, blusa de
botões branca, botina e chapéu bege. Queria só ver a cara do ursão
me vendo vestida daquele jeito.
Ao chegarmos no campo, uma música alta e bem caipira
conduzia a animação de vários casais dançando juntinho e
levantando o poeirão, inclusive meus pais, Dona Marta e Alfredo.Era
bonito ver como, mesmo com muitos anos de casados, o amor deles
era bonito cheio de respeito, cumplicidade e carinho.
Meu sogro conduzia a esposa de um modo firme, possessivo
ao mesmo tempo que sussurrava algumas coisas em seu ouvido e
dava beijos no pescoço lhe roubando risadas faceiras. Eu tinha
certeza que era sacanagem. Ri sozinha, não tinha nada a ver com
isso, mas eu apostava que esses dois tinham sido fogo quando
jovens.
Nunca imaginei que fosse gostar daquela realidade e me
sentir completamente em casa com aquilo.
O pequeno veio correndo em minha direção e pulou no meu
colo, abismado.
— Mamãããe, você tá tão... bonita!
Beijei seus cabelos, com um braço segurando suas pernas e o
outro segurando sua mãozinha dançando uma música que ele
adorava e vivia cantando.

Mais lá no meu ranchinho a mulher e os filhinhos


Tem franguinho na panela[29]
— Eu sabia que um dia ainda te veria assumindo o seu lugar
de fazendeira — Aloísio falou, aproximando-se de nós, fazendo um
abraço sanduíche.
— Ainda estou pensando se gosto disso — brinquei.
— Uma vez nessa vida, não há mais como fugir, minha
pequena. Davi, vai brincar com os coleguinhas, filho.
Ele nem se importou, desceu e saiu correndo. Estava
adorando ter a casa cheia.
Aloísio me envolveu nos braços quentes e fortes, continuando
nossa dança, só que bem mais lenta.
— Está feliz? — indagou, entre beijos.
— Como eu nunca imaginei que pudesse estar — devolvi,
mordiscando os lábios gostosos.
— Você sabe que a partir de hoje é minha posse, não é?
Minha mulher?
— Não ache que vai me subordinar, ursão. Sabe que entre
quatro paredes, eu sou o que você quiser, mas fora delas, sou dona
do meu nariz.
Ele gargalhou, mordendo meu queixo:
— Não seria a minha Luiza se dissesse o contrário.
— Seu bobo... Mas sabe que eu adorei a sonoridade do
“minha mulher” em seus lábios.
— Ah é?... Então vou falar sempre, principalmente quando
estiver bem enterrado em você, de preferência de quatro enquanto
puxo seus cabelos.
Senti uma fisgada gostosa no meio das pernas com a
promessa sacana. Eu queria... queria muito.
— Será que alguém liga se a gente der uma escapadinha?
Ele gargalhou me pegando no colo e levando para um canto
sem que fôssemos vistos.
— Somos os noivos... podemos o que a gente quiser.
É como Aloísio tinha me dito certa vez: “não cospe para cima
que cai na testa”. E tinha caído, com toda certeza porque eu não
conseguia me ver mais longe de tudo aquilo.
EPÍLOGO | ALOÍSIO
Algum tempo depois...

Enxaguava os cabelos distraído sob a água morna quando


ouvi o box ser empurrado com brutalidade. Abri os olhos
observando Luiza nua, parecendo com pressa e antes que eu
dissesse qualquer coisa, ela falou:
— A Bia dormiu. Se você for rápido, dá tempo de você me
comer bem gostoso.
Ri do jeito Luiza de ser. Desde que se recuperou do parto,
minha garota tinha voltado com tudo para a nossa vida íntima,
sempre que dava. Com dois filhospequenos, era difícilter uma noite
tranquila, mas dávamos um jeitinho, como naquele momento.
— Quem te vê desse jeito, acha que seu marido não dá a
assistência que você precisa — brinquei, puxando sua pelve contra
a minha.
— Muito pelo contrário, ele me dá até demais... só que
ultimamente, meu desejo de ficar montada o dia todo nesse pau
gostoso está sendo muito maior — disse, já deslizando a mão pelo
membro ficando esperto.
— Eu não acharia ruim se isso acontecesse — afirmei,
tomando seus lábios e me deleitando do gosto delicioso que a
minha mulher tinha.
Luiza arfou, mole. Largou a minha boca e desceu beijando
meu peitoral e antes de se agachar, murmurou:
— A cada vez que olho essa tatuagem, me encho de amor.
Mas agora, ela me deu muito mais tesão.
Logo após o nascimento de Bia, eu tinha completado a figura
em meu peito. Abaixo do desenho da mão de adulto e bebê, eu
tinha desenhado uma mulher no centro segurando as mãos de um
menino e uma menina em cada lado.
Luiza caiu em prantos quando viu pela primeira vez. Mas
agora, deslizou os lábios e os dedos com rapidez sobre ela e se
abaixou engolindo o meu pau sem delicadeza. Minha pequena
estava afoita. Ao longo daquele período juntos, Luiza tinha
descoberto exatamente o que fazer para me deixar louco,
principalmente durante o sexo oral.
Após a garganta profunda e o carinho especial na glande,
puxei seu corpo para o meu colo sabendo que ela já estava
pingando. Ela gostava muito de se masturbar enquanto me faziaver
estrelas com aquela boca quente.
— Está molhadinha pra mim? — murmurei contra seus
lábios.
— Sempre, ursão — devolveu, abafando um grito em meu
ombro quando a penetrei fundo.
Suas mãos agarraram meus cabelos e seus murmúrios
aumentavam à medida que eu arremetia mais intenso. Abaixei a
cabeça mamando os seios fartos e deliciosos. Não é porque
estávamos em uma rapidinha que eu faria de qualquer jeito.
— Eu adoro quando você me fode assim, bruto, forte —
declarou ao explodir em um orgasmo forte e eu fui logo em seguida.
Após recuperada, beijei seu ombro e coloquei Luiza no chão
sentindo que suas pernas ainda não estavam totalmente
recuperadas.
Quando descemos para o café,ela estava mansa e satisfeita.
Comíamos tranquilos conversando amenidades e Bia dormia
serena no carrinho ao nosso lado quando Antônio entrou pisando
duro.
— O que aconteceu, filho? — mamãe perguntou,
estranhando o comportamento dele.
— Não sei como você consegue trabalhar com a Marcela,
Artur! Mulherzinha teimosa e arrogante. — Sentou, servindo o café
displicente.
Marcela era a nova chefe dos veterinários que havia
retornado há algum tempo para a fazenda após muitos anos longe.
Era uma mulher forte, determinada e deixava muito homem no
chinelo. Pelo que havia notado, ela não gostava de Antônio e talvez
por isso o embate entre eles era constante, já que as áreas de
ambos trabalhavam juntas.
— Engraçado, ela pensa exatamente o mesmo de você — o
caçula respondeu tranquilo, sem se afetar com a rixa dos dois.
— Toda vez que eu me aproximo, ela me trata mal ou foge
como o diabo fugindo da cruz — rosnou.
— Antônio — repreendi, já que Davi e Bia estavam
presentes. Eu não gostava e nem admitia qualquer tipo de palavrão
ou algo pejorativo na frente deles.
— Esquece que você ouviu isso, Davi — falou, tomando o
gole de café de uma vez.
— Ai, ai... acho que mais um Albuquerque vai ser laçado
durante uma briga de gato e rato — Luiza soltou, plácida enquanto
levava um pedaço de mamão à boca.
— O leite materno mexeu com os seus neurônios? — o outro
caiu no jogo de Luiza — Tá pra nascer a mulher que vai me laçar.
— Pois eu acho que ela já nasceu e além de te enfrentar de
igual para igual não está nem aí pra você. — Riu, maléfica. — Vai
ter que suar pra conquistar, hein, peão?
— Não viaja, Luiza — respondeu, irritado.
Ela riu, continuando:
— Ai, cunhadinho, vocês homens são tão bobinhos! — Virou-
se, dando tapinhas nas costas de Bia que começava a resmungar.
— Você já está arriado, espertão. Senão, não estaria bravo desse
jeito.
— Nooossa! Eu teria dormido sem essa — Artur provocou. —
Eu quero estar no camarote assistindo a Marcela jogar o Antônio na
lona.
— Fica na tua, lobinho.
— Lobinho? — Meu irmão mais novo indagou.
— É... depois tu vai entender o porquê.
— Não mesmo. Pode falar.
— Não, falo. Isso é pra tu aprender a não me desafiar —
Antônio finalizou.
— Quando eu digo que os homens são todos bobos... Mas
aqui, então já temos o lobinho e o ursão, agora você será o quê,
Antônio?
— Ursão? — indagou com uma sobrancelha erguida.
Luiza ficou calada, provocadora, e olhou para mim. Antônio
gargalhou alto.
— Tá que pariu que ela te chama de ursão, Aloísio. Essa eu
não posso perdoar — riu outra vez, secando o canto dos olhos. —
Luiza, sério, ele é selvagem? — imitou um som que mais pareceu
um tigre e fez sinal de ataque com a mão.
— Vai zoando, Antônio... Vai zoando... Eu quero ser o
primeiro a rir da tua cara quando alguém te fazerronronar igual uma
gatinho.
— Tá repreendido! — fez o sinal da cruz com os dedos. —
Dessa água não beberei! — declarou.
— Quero só ver o tombo que você vai levar, filho — Alfredo
falou, bebendo seu café preto.
Nós rimos da discussão sem sentido na mesa, mas Davi não
entendeu. Pareceu verdadeiramente preocupado em estar na
mesma categoria dos tios bobalhões. Deixou o copo sobre a mesa e
perguntou com o bigode de leite com achocolatado:
— Mamãe, eu sou bobo?
Minha mulher pegou um guardanapo limpando seus lábios
com delicadeza ao dizer:
— Não, meu amor. A mamãe vai te criar para ser para ser um
homem muito forte e esperto.
Senti meu peito transbordar amor. Cenas como aquela se
tornavam cada vez mais comuns entre os dois. A relação de Luiza e
Davi era, sem sombra de dúvidas, regida pelo amor materno.
Luiza cuidava, ensinava, dava amor e carinho. Contudo,
corrigia, educava, colocava de castigo e todas as outras coisas que
mães reais, que amam verdadeiramente seus filhos, fazem.
Eu não conseguia enxergar diferença de sentimento ou
tratamento no seu jeito de cuidar de Davi e de Bia. Quando ela me
dizia que o amava como um filho de sangue, eu tinha certeza que
era genuíno.
Minha pequena, aquela garota atentada e teimosa que
invadiu a minha vida insípida sem nenhuma permissão, trouxe em
sua confusão as cores, os cheiros e os movimentos que eu sequer
tinha noção que precisava. Luiza tinha despertado em mim
sentimentos e sensações desconhecidas, mas que hoje eu não
conseguiria viver sem.
Uma vida antes pesada e permeada por sombras do passado
tornou-se leve, descomplicada e cheia de luz graças a mulher que
me fez ser não só um pai melhor, mas um homem completo, em
todos os sentidos.
FIM.
AGRADECIMENTOS

Não poderia deixar de agradecer às pessoas tiveram papéis


importantes para esse lançamento, principalmente para a
construção de Luiza, Aloísio e Davi. Em primeiro lugar, ao meu
esposo por ser a minha base e possibilitar que eu sonhasse e
lutasse. Além de ter contribuído muito para o meu processo criativo
através dos nossos debates e brincadeiras.
Em seguida, à Fabi por estar comigo durante todo o processo
e ter surtado horrores... haha... miga, sua louca, obrigada pelos
papos e contribuições. Às minhas betas, Lilia, Marília e Nádia pelo
apoio e cooperação. Vocês são maravilhosas!
O meu muito obrigada às minhas parceiras que me ajudam
muito a possibilitar que este livro chegue até você. Aline, Anna
Luiza, Baby, Eva, Karen, Karol, Lisandra, Luana e Mirian, sei que
suas rotinas são corridas e ainda assim vocês conseguem algum
tempo para divulgarem. Andriela, obrigada pelo suporte nas horas
de perrengues além de toda a divulgação hehe...
Não menos importante, a você leitor(a) por chegar até aqui.
Espero que tenha gostado e conto com você para embarcar na
história de Antônio. Esse caubói vai te fazer pirar!
Se não gostou, tudo bem. Quem sabe eu consiga te conquistar
em outras histórias?
De todo modo, avalie o livro na Amazon e me conte o que
achou. Sua opinião é muito importante para mim. Não deixe de
recomendar para um(a) amigo(a).
Obrigada pela sua companhia! Até a próxima
Beijos, Loren.
REDES SOCIAIS

Me mande sua mensagem nas redes sociais. Será um prazer


te conhecer.
PRÓXIMO LANÇAMENTO

O trecho a seguir é uma amostra da obra em revisão: Rastros


do Passado | Irmãos Albuquerque: Volume Segundo. Caso você
encontre alguma incoerência, fique tranquilo(a), pois os ajustes
serão feitos para o lançamento.

Antônio Albuquerque
Anos antes...

Tentei abrir os olhos, mas a claridade era forte demais para


me fazer arriscar outra vez. Meu corpo estava pesado. A boca,
amarga. A cabeça, explodindo.
Havia passado da conta na bebida novamente. Dona Marta
tinha razão de ficaruma feracomigo. Ainda bem que eu teria tempo
de me recuperar até encontra-la.
Esperei alguns instantes para que meus olhos se
acostumassem com a claridade enquanto tentava recordar o que
tinha acontecido durante madrugada.
Lembro-me de ter ajudado na festa de arrecadação fundos
para o diretório acadêmico das agrárias (Agronomia, Medicina
Veterinária e Zootecnia). Havia ficado no bar auxiliando na
distribuição de cerveja, canelinha e pinga.
Eu não era de ferro. Entre as doses servidas, eu tomava
uma. E assim fui até o final da festa, que acabou cedo devido
normativa da universidade. De lá, os meus colegas sugeriram de
irmos para uma outra festa.
Lembro-me apenas de ir, inconsequentemente, dirigindo. Eu
estava ficando cada dia pior e precisava parar com esse tipo de
coisa urgentemente. Uma hora eu ainda ia morrer ou matar alguém.
Meus pais não mereceriam tal tragédia, independentemente das
opções anteriores.
O que aconteceu da hora que cheguei na festa até o abrir de
olhos ainda a pouco era um completo borrão. Sabia que estava no
apartamento que morava na cidade. Virei-me na cama e senti um
corpo quente e macio. Uma bela morena estava nua em minha
cama, mas eu não fazia ideia de em que momento ela foi parar ali.
Peguei meu celular caído no chão para ver a hora e deparei-
me com uma mensagem de André, um de meus colegas:
“É muito bom fazer negócios com um otário como você. Segue o
número da conta. Aguardo a minha grana até o final da tarde”.

Negócios?
Tentei buscar qualquer informação que pudesse ser útil
naquele momento, porém não consegui encontrar nenhum vestígio.
Exceto uma memória olfativa. Um cheiro doce, delicado... inocente.
Que merda eu tinha feito?
Avaliação:

Apoie e incentive os autores nacionais na Amazon, avalie


este livro e ajude a literatura brasileira.

[1]
Pancada dada com os nós dos dedos na cabeça.
[2]
São pequenos pontos brancos presentes na periferia da íris do olho
humano. Estes pontos são normais em crianças, mas também são uma
característica da síndrome de Down.
[3]
É um método terapêutico e educacional realizado em cima de cavalos
que visa o desenvolvimento físico, psicológico e social de pessoas com
deficiência.
[4]
Termo pejorativo para pessoa muito magra e alta.
[5]
Expressão utilizada para playboy sertanejo. Aqui, abrange para alunos
de cursos de agrárias.
[6]
Pessoa muito magra, franzina.
[7]
Os professores de apoio são profissionais responsáveis pela adaptação
curricular do aluno com deficiência, auxiliando-os e facilitando o entendimento das
atividades escolares.
[8]
Baby Shark.
[9]
Como nossos pais, Elis Regina.
[10]
Anunciação, Alceu Valença.
[11]
Rio de Lágrimas (Rio de Piracicaba), Chitãozinho e Xororó & Almir
Sater.
[12]
O que essa moça fez aqui, João Carreiro e Capataz.
[13]
Bisbilhotar.
[14]
Pós-graduação que permite ao estudante mesclar o mestrado no Brasil
com outra universidade no exterior.
[15]
Desconfiado.
[16]
Aborrecida.
[17]
Os menino da pecuária, Léo e Raphael.
[18]
Mesmo que chupada.
[19]
Yiruma.
[20]
Lembranças, Maneva.
[21]
Lembranças, Maneva.
[22]
Nada normal, Victor e Leo.
[23]
Me olhe bem, Maneva.
[24]
Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados
de Cascais.
[25]
Drogas.
[26]
Lembranças, Maneva.
[27]
Yiruma.
[28]
Luiza tem detalhes da sua adolescência contada no livro CEO:O preço
de um sonho. Disponível na Amazon.
[29]
Franguinho na Panela, Moacyr Dos Santos / Jose Plinio Trasferetti.
Versão Guilherme e Santiago.

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