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Sombras Do Passado - Primeiro Vo - Loren Santos
Sombras Do Passado - Primeiro Vo - Loren Santos
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.
1º Edição
Agosto de 2022
SINOPSE
SINOPSE
PLAYLIST
NOTA DA AUTORA
ÍNDICE
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPITULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
REDES SOCIAIS
PRÓXIMO LANÇAMENTO
CAPÍTULO 1 | ALOÍSIO
Abril
Atualmente...
De volta a academia, agradecia a Deus por Davi não ter tido
nenhum risco cardíaco, como ocorre com a maioria das pessoas com
Down. Todavia, o medo do desconhecido e do que ele poderia sofrer na
vida me engolfava.
Eu sabia que ele ainda poderia sofrer muito com pessoas más
que cruzassem o seu caminho. Contudo, não esperava que essa hora
chegasse tão cedo. Ele só tinha quatro anos, era um menino cativante e
bem quisto por todos. Não merecia passar por esse tipo de coisa.
Compreendia que não poderia tê-lo preso em uma bolha
eternamente e era por isso que eu tentava suprir tudo o que ele
precisava para crescer.
A cada soco, perguntava-me quem fez isso a ele. Eu sabia que
não havia sido outra criança, o tamanho da mancha deixava claro. Eu
iria descobrir o que aconteceu e não admitiria que saísse impune.
Os golpes foram perdendo força quando o rock pesado parou e
Sonata ao Luar de Beethoven começou a tocar. A raiva foi substituída
pela sensação de fracasso como pai.
Quando Carolina nos abandonou, senti-me sem chão, perdido.
Não conseguia entender como uma mãe negligenciava o filho desta
forma. Porra, eu não tinha ideia do que fazer para cuidar de um bebê
recém-nascido.
Mais que isso, questionava-me o tempo todo das consequências
psicológicas que aquilo poderia acarretar a ele. Querendo ou não, o
contato com a mãe no primeiro ano de vida era essencial para a saúde
emocional da criança.
Se não fosse pelo amor do meu pequeno e o apoio de minha
mãe, eu não teria conseguido. Dona Marta Albuquerque era a mulher
mais forte e incrível que eu conhecia.
Auxiliava-me com tudo referente ao Davi. Nos desdobrávamos
para dar o melhor a ele, em todos os sentidos. De amor ao
acompanhamento médico.
O pequeno havia se tornado o meu mundo. Era por ele que eu
levantava todos os dias.
As lágrimas começaram a cair e eu parei de bater. Relaxei os
braços e ombros deixando meu corpo cair sobre os joelhos dobrados,
permitindo-me ser fraco, como fazia somente quando estava sozinho.
Derrotado.
No dia seguinte, era sempre como se nada estivesse acontecido.
O homem forte e seguro voltava à tona. Implacável. Inabalável.
CAPÍTULO 5 | ALOÍSIO
Maio
Luiza
Eu poderia dizer com toda certeza que nunca estive tão feliz
em minha vida. Davi e Luiza tinham o poder de me fazer ficar mais
tranquilo e relaxado.
Conheci a família dela, fiz questão de ir até a sua casa
conversar com o senhor José Galvão. Ele era turrão, o bigode
grosso o tornava severo, circunspecto, mas no fim, aceitou nosso
relacionamento. Dona Dita parecia empolgada. Era uma mulher
forte,atenta a tudo que acontecia com os filhos,muito parecida com
a minha mãe. A família do Léo era linda, ainda que ele tivesse
ficado bastante enciumado quando sua irmã nos apresentou.
Saí do banheiro com a toalha rosa de Luiza enrolada na
cintura enquanto procurava as minhas roupas. Havíamos tido uma
rodada de sexo quente assim que chegamos em sua casa.
Tinha se tornado costume eu dormir ali algumas vezes. Em
outras, Davi ia comigo e passávamos um período com Luiza.
Normalmente, fazíamos alguma atividade para diverti-lo. Mas na
verdade, quem se divertia era ela. Uma moleca.
O cheiro de ervas chamou a minha atenção e só entendi que
se tratava de incenso quando a fumaça a passou diante o meu
rosto. Era tão a cara dela.
Um reggae com ritmo gostoso e leve tomava o ambiente. A
baixinha estava na cozinha da pequena casa, descalça, vestida com
um blusão branco na altura das coxas e os cabelos amarrados em
um coque frouxo, com alguns fios soltos.
Voltei minha atenção para a figura que dançava empolgada
com os braços abertos, segurando uma taça de vinho, olhos
fechados e uma leveza impressionante nos movimentos. Parecia
verdadeiramente envolvida pelo som, mexendo o pescoço de um
lado para o outro, cantando:
São só lembranças
Suas tranças por entre as minhas mãos
A dança, quadris, movimento, explosão
Éramos crianças esperando anoitecer
Marionetes conduzidas pelos fios do prazer[20]
Não me sentia tão bem desde que Luiza tinha vindo para
Portugal. Vê-la correndo por aquele saguão com imensa alegria fez-
me entender ainda mais o quanto aquela menina tinha se tornado
especial na minha vida.
Eu nunca tive nenhum relacionamento à distância, nem
quando estava na faculdade e, antes de Luiza aparecer, eu seria
categórico em afirmar que jamais viveria algo assim. No entanto,
aquela pequena chegou metendo os dois pés na porta e me deixou
sem qualquer possibilidade de reagir. Eu não achava ruim. Por ela,
eu enfrentaria qualquer coisa.
Muitas vezes eu me questionava se o que sentia por ela era
real, ainda mais pelo modo como tudo aconteceu. No entanto, todo
aquele questionamento caía por terra quando eu a via ou ouvia sua
voz.
Todas as vezes que olho para a minha pequena me sinto
completo, cheio de vida. Luiza me faz querer enxergar um futuro
longo ao seu lado, se assim ela quiser e eu torço muito para isso.
Passei os olhos pelo apartamento pequeno e organizado.
— Vem, deixa eu mostrar a minha casinha para vocês.
A vista da sacada da sala dava diretamente para a orla da
praia bem ao fundo. O dia estava se pondo e começava a esfriar
bastante, pois o outono se aproximava. O lugar estava vazio, mas
era possível ver algumas pessoas circulando pela orla.
— Olha, papai... que bonito!
Ele tinha razão. A água contrastava com o céu e a areia.
Incrível.
— Não é tão perto quanto parece, mas podemos visitar
durante o período que estiverem aqui — ela falou, contornando os
braços pelo meu abdômen.
Recebi aquele contato gostoso recordando de quantas vezes
desejei por ele. Luiza nos guiou até o seu quarto, onde era bem o
seu estilo. Ao lado da porta havia uma escrivaninha com o seu
computador e cheia de livros, mas o que me deixou encantado foi
notar que havia diversas fotos de nós três juntos, assim como só eu
e ela abraçados. Em quase todas, algum espaço da fazenda era o
plano de fundo.
— Gostou? — indagou, colando os lábios nos meus. — Eu
posso tirar qualquer coisa daqui, menos elas. Toda vez que as vejo,
sinto como se vocês estivesse aqui comigo.
— E nem eu quero que as tire daqui — Encostei meu corpo no
móvel e puxando minha baixinha para ficar entre as minhas pernas.
Aproveitei que Davi tinha ido ao banheiro e fiz o que senti tanta
vontade estando longe dela: beijei seus lábios com ânsia e volúpia.
— Estou louco para ficar sozinho com você.
— Eu também, ursão.
Ficamos ali trocando carinhos por alguns instantes até que
Davi apareceu.
— Pronto, papai... eu acabei — falou, terminando de levantar
a calça enrolada na cueca.
Rimos enquanto minha menina se abaixou para ajudá-lo.
— Você não pode ficarmostrando sua cuequinha por aí, Davi.
Tem que esconder bem — orientou, com amor.
Saímos do apartamento de Luiza e deixei que ela nos guiasse
pelos locais que havia conhecido nesses dias. Após nosso jantar em
um restaurante aconchegante e muito saboroso, fomos para o hotel
em que eu e Davi estávamos hospedados.
Ele chegou praticamente dormindo. Estava cansado da
viagem e a mudança de horários.
— Tcha Luiça, conta historinha hoje? — ele pediu com o olhar
pesado.
— Você falouhistorinha, com o som perfeito do R?
— É — ele respondeu — o papai tá ensinando.
— Eu não dou conta dessa criança! — Luiza brincou, fingindo
que arrancaria um pedaço da bochecha dele enchendo-o de beijos.
Fiquei na porta do quarto anexo ao meu observando ela
colocar o Davi para dormir. Quando a história acabou, ouvi ele
confessar, baixinho.
— Tcha Luiça, eu queria que você fosse a minha mamãe de
verdade.
— Você é um garotinho incrível, meu amor. E seria uma honra
ser a sua mamãe — ela sussurrou —, agora dorme porque amanhã
a gente vai conhecer a praia.
Assim que ela encostou a porta deixando apenas um
espacinho, abracei seu corpo pequeno e caminhamos em direção a
cama.
— Quando você voltar, eu quero dar um passo adiante no
nosso relacionamento.
— Como assim? — perguntou, enquanto eu deitava seu corpo
sobre o colchão.
— Você é nova e tem passado por muitas mudanças
importantes na sua vida, mas se quiser, eu quero te tornar a minha
noiva e futura esposa.
Luiza abriu um sorriso lindo.
— Vamos com calma. Porém, eu ficaria muito feliz.
Tirei a roupa da minha menina com calma, querendo apreciar
cada momento que eu teria com ela. Acariciei seu corpo com
cuidado, mas ansioso para estar dentro dela. Fitei o corpo delicado
passando pela barriga, seios, pescoço e finalmente o rosto fino.
— Você está diferente — constatei.
Luiza franziu o cenho.
— Diferente como?
— Não sei... sua pele parece mais macia, um pouco mais
inchada. Está com uma energia ainda mais contagiante. Cada dia
mais linda!
Colocou a língua para fora em um gesto infantil e debochou:
— Esse foi o jeito que você encontrou de dizer que eu
engordei?
— Pelo contrário, parece até um pouco mais magra. Mas
muito, muito gostosa! — falei, tomando seus lábios e deslizando com
cuidado em suas dobras quentes fazendo-a gemer.
Amei Luiza de um modo saudoso, depois com veemência
externando todas as sacanagens que mantive presas naquele
período.
Infelizmente a viagem passou mais rápida do que eu gostaria.
Durante aquela semana, ela conseguiu organizar a sua agenda e
pudemos aproveitar para conhecer o autódromo, as piscinas naturais
de Tamariz, a piscina oceânica e uma visita rápida à Bélgica.
No entanto, prometi para a Luiza que quando eu voltasse,
provavelmente na última semana do ano, aproveitaríamos para
visitar outros países da Europa.
Nossa despedida não foi fácil, mas eu sabia que em breve nos
veríamos novamente.
CAPÍTULO 36 | ALOÍSIO
Carolina
Aloísio
Davi estava cada dia mais apegado a ideia de ter uma mãe.
Falava disso todos os dias, sempre que podia. Em uma das visitas
de Carolina, ele pediu que mostrássemos alguns lugares da fazenda
para ela.
Ele apresentava o potro que tinha ganhado de presente
quando meu celular tocou. Afastei-me deles os observando de longe
enquanto atendia uma ligação de São Paulo. Quando retornei, os
olhos de Davi brilharam, cheio de expectativas, mas não me contou o
que era, nem mesmo quando eu perguntei ao estarmos sozinhos.
Olhei o relógio grande que adornava meu pulso constatando
que Davi já deveria estar saindo da escola. Não demorou para que
ele batesse na porta do meu escritório e estivéssemos seguindo para
casa.
— Papai — ele chamou enquanto eu dirigia — quando a
mamãe Caolina vai... morar com a gente?
Aquela pergunta não deveria ter me pegado de surpresa, mas
pegou. Tinha certeza que ela tinha plantado aquilo na cabeça dele.
— Por que pergunta isso, filho?
Pela visão periférica, notei ele balançando as perninhas
brancas adornadas por um tênis preto e bermuda de uniforme azul.
Voltei minha atenção para a sua voz enquanto ele respondia como
se fosse óbvio:
— Ué, as famílias não moram juntas?... Papai, mamãe e os
filhinhos.
— Nem sempre isso acontece. Hoje em dia, muitos casais
criam seus filhos separados.
— Ela não pode viver... com a gente? Eu quero a mamãe me
colocando pra dormir... igual você faz.
Era ruim ter aquela conversa, mas não daria para tê-la na
fazenda. Praticamente, insustentável.
— Não, Davi. Sua mãe continuará te vendo algumas vezes.
Ele emburrou e ficou boa parte daquele dia com o semblante
fechadoe para poucos amigos. Desde então, questionamentos como
aquele estavam sendo frequentes na nossa rotina. Não era fácil. Eu
tentava ir com calma, sempre pisando no freio, mas as vezes ele me
tirava do sério. Até mesmo a relação dele com Luiza tinha ficado
diferente, mais fechada.
Estávamos conversando por vídeo chamada como fazíamos
sempre e ele estava na cama comigo ouvindo enquanto brincava
com alguns cavalos de plástico, mais sério e fechado do que o
normal.
— Como você está, minha pequena? — indaguei para Luiza.
Ela andava se queixando bastante de dores de cabeça e nas
costas, mas era teimosa, se recusava a ir ao médico. Já era mais de
onze da noite em Estoril e ela já estava pronta para dormir.
— Tudo normal, ursão. As dores quase não aparecem mais.
Acho que estou me adaptando — respondeu, ajeitando o travesseiro
atrás da cabeça. — O que aconteceu que você está tristinho, meu
pequeno?
Ele a observou por alguns instantes, como se estivesse
indeciso e então questionou:
— Tcha Luiça, você não gosta... de mim?
— Claro que eu gosto, meu amor. Eu te amo muito — afirmou,
com um sorriso conquistador. — Por que pergunta isso?
— Por que você... foi embora então?
— Filho, nós já conversamos sobre isso, lembra? — alertei. —
Ela foi estudar e em breve estará de volta.
— E é porque você namora ela... que a mamãe Caolina não
pode... morar aqui?
Respirei fundo tentando não me alterar com aquela conversa
novamente. Didaticamente e com toda paciência do mundo, Luiza e
eu explicamos novamente a história do cavalo-marinho.
A cada dia, ficava cada vez mais difícil dissuadi-lo. Parecia
que quando via Carolina, ele ficava pior. Despedi-me de Luiza
afirmando que ligaria para ela depois e fiquei com ele ali na cama
acolhendo a crise de choro até que dormisse.
— Nenhuma mamãe fica comigo... — choramingou, antes de
se entregar ao sono.
Era uma merda aquele tipo de situação e eu estaria disposto a
entregar tudo o que eu tinha para livrar o meu filho disso.
Abraçando seu pequeno corpo contra o meu com força,
passei na noite em claro procurando uma saída. Eu não poderia
deixa-lo sofrer se tivesse como ajudar. Além disso, eu precisava ter
condições de acompanhar tudo o que acontecia a ele.
Carolina
Número desconhecido:
“Suma da vida deles sem deixar rastros ou dê adeus a essa aberração.
Se qualquer um dos Albuquerque ou a polícia ficarem sabendo deste
recadinho, você e o menino estarão mortos.”
Número desconhecido:
“É o último aviso:
Afaste-se de Aloísio ou se encontrarão no inferno.”
Luiza
Carolina
Luiza
Aquela letra não tinha como ser mais real. Quando eu achei
que estávamos bem, tudo mudou e a mulher que me tinha nas mãos
foi embora.
Triste, andei até a cozinha quase em transe, como se
conseguisse ver a minha pequena dançando com aquele blusão
branco e descalça.
Sentia-me fracassado. Abandonado outra vez, agora pela
mulher que eu amava. A dor que eu sentia parecia ser infinitamente
pior. A saudade era como uma mão que sufocava o meu pescoço e
não me deixava respirar.
Um tempo depois, saí daquela casa sentindo o peito
apertado. Eu tinha prometido a Luiza que passaríamos a última
semana do ano juntos. Porra, era para Davi e eu estarmos lá agora.
Aquela noite de Natal seria uma merda.
Naquela época do ano, a Canto dos Pássaros fazia ações
que beneficiavam diversas instituições de assistência social, além
dos próprios funcionários que recebiam as melhores cestas que o
mercado ofertava assim como diversas peças de carnes.
Garantíamos um Natal farto para o maior número de pessoas que
conseguíamos.
Jantamos com uma ceia farta e bonita, mas o meu astral
condizia com um velório e não o nascimento de Jesus. Mamãe
conduziu a oração agradecendo por tudo o que tínhamos.
Após a ceia e abrir os presentes, principalmente os de Davi,
ela e papai se recolheram. Antônio e Artur saíram. Carolina fez o
mesmo alegando que visitaria uma tia. Se era mesmo verdade, eu
não dava a mínima, mas achei bom ter ido. Eu coloquei Davi para
dormir e desci para o estúdio.
Sentei-me na banqueta do piano de cauda que ficava
naquela sala onde a acústica não deixava o som espalhar. Afundeio
dedo em uma tecla sentindo a nota ecoar pelo ambiente,
preparando-me para extravasar.
Iniciei tocando Sonata ao Luar de Beethoven, uma das
minhas preferidas, sentindo a profundidade que cada melodia
despertava, conseguindo manifestar todos os sentimentos que me
torturavam. Dor. Saudade. Angústia. Solidão. Medo. Abandono.
Eu tocava como um alucinado em busca de alívio, a droga
mais potente que pudesse aplacar aquela dor que não saía de mim.
Abaixei a cabeça e deixei que a emoção me invadisse como
ela quisesse, desde que amenizasse aquilo que eu sentia. Sem que
eu sequer me desse conta, meus dedos me conduziram para
Comptine d'un autre été de Yann Tiersen.
Finalizei a canção suado, sentindo meu rosto banhado em
lágrimas e respirando agitado, como se tivesse corrido uma
maratona. Os dedos estavam doloridos, sem descanso.
Assustei-me com um soluço que irrompeu o ambiente. Não
era meu. Olhei para trás com a absoluta certeza que tinha fechadoa
porta. Então o vi.
Davi estava sentado no chão com os joelhos e braços
dobrados e a testa apoiada neles enquanto seu corpinho sofria
espasmos durante o choro e os soluços. Aquilo me destruiu.
Caminhei até ele com cuidado tentando secar as minhas
lágrimas para que não notasse o quanto eu estava quebrado. Sentei
ao seu lado, trazendo-o para o meu colo, abraçando-o e
confortando-o o máximo que eu podia.
— Por que está chorando, filho? — perguntei, quando senti
que minha voz não sairia falha.
— Porque essa música é... muito tiste, papai.
Alisei seus cabelinhos lisos e expliquei:
— Filho, a música é feita para nos fazer sair da realidade e
nos emocionar. Às vezes a gente sorri, outras vezes a gente chora,
canta... Além de tudo isso, a música nos torna mais fortes.
— Mas você tá... choando.
Beijei seus cabelos e depois olhei seus olhos, falando com
amor.
— Estou filho, porque o papai escolheu uma música triste
para aliviar toda a tristeza que estava no meu coração — coloquei
sua mãozinha sobre meu peito.
— O tio Antônio... falou que homem nãochoa.
— Não ligue para isso, campeão. Todos nós choramos e isso
é importante para nos fortalecer. Não há nada de errado em chorar,
desde que você se volte a ficar forte depois.
Ele assentiu. Ficou alguns instantes em silêncio, parecia
incerto.
— Pode falar, filho — incitei. — Você pode conversar sobre o
que quiser com o papai. Sempre.
Davi me fitou sentindo toda a segurança que eu queria lhe
passar. Quase em um sussurro, indagou:
— Você não casou com a... mamãe Caolina por... causa de
mim?
Franzi o cenho, deslizei os dedos por suas costas,
expressando com firmeza, mas sem assustá-lo:
— Não, filho. Não acredite nas caraminholas que a sua mãe
tenta colocar na sua cabeça. O papai não casou com ela porque o
que eu sentia não era forte o suficiente para isso.
— Minhocas? — perguntou, confuso.
Dei um sorriso pequeno. Às vezes eu esquecia que estava
conversando com uma criança de cinco anos.
— Caraminholas, filho — repeti. — São bobagens, besteiras.
— Ah ta...
Chamei sua atenção novamente, frisando:
— Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida e eu
te amo muito. Então não acredite em qualquer coisa diferentedisso,
combinado?
Estendi o dedo mindinho, como um juramento em que vimos
em um filme.
— Combinado — afirmou, selando nosso acordo.
Limpei seu rosto enquanto ele repetia o gesto no meu. Em
seguida, deitou a cabeça no meu peito, expressando alguns
segundos depois:
— Eu queia a tcha Luiça aqui, fazendo cainho e contando
histoinha...
— Historinha, lembra? Você já estava falandocertinho. — Ele
assentiu meio perdido.
— É... historinha.
Eu continuei:
— O papai também queria muito, meu pequeno.
CAPÍTULO 44 | ALOÍSIO
Aloísio:
Oi, minha pequena! Como você está?
Sei que as coisas não estão exatamente resolvidas entre nós, mas
assim que você voltar, vamos consertar isso. No entanto, o Davi insiste em
falar com você. Está com muitas saudades, assim como eu.
Você pode fazer uma chamada de vídeo?
Luiza
Não acreditei quando vi Aloísio tocando aquela música tão
linda para a marcha nupcial. O meu caubói observava pequenas
nuances do dia a dia e tinha o dom de coloca-las em prática me
surpreendendo, e essa foiuma delas. Chorei durante todo o caminho
com a sensibilidade que seus movimentos suaves e sua emoção me
passavam.
Ouvimos a emocionante mensagem sobre a construção e
manutenção diária do amor, os desafios e o respeito as diferenças
dentro de um matrimônio. Logo em seguida, foia vez de trazerem as
alianças.
Meu coração se encheu de orgulho quando Davi, o meu tão
amado filho, empurrar um carrinho especialmente enfeitado para o
casamento carregando a minha filhota em um vestidinho bem
quentinho e branco.
Os dois eram o meu coração que batia fora do peito.
— Não chora, mamãe... é um momento feliz — Davi
comentou, nos entregando a caixinha de alianças.
— É choro de felicidade, meu amor.
Com a ajuda de minha mãe e dona Marta, eles foram até elas
e começamos os nossos votos.
— Aloísio, você é o contrário de tudo que eu imaginei para
mim — comecei, fazendo ele e os convidados rirem. — Primeiro que
eu nem pensava em casar e odiava toda e qualquer espécie de
agroboy. Mas aí, o destino se encarregou de me fazer vir trabalhar
exatamente em um local lotado deles e justamente ser professorado
filho do mais ranzinza. — Ele fez uma careta, eu sorri e continuei: —
Nós vivemos muita coisa no último ano e, todas elas, me mostraram
que o amor que cultivei por você é inabalável, contrariando todas as
expectativas de que um dia pudéssemos estar aqui, casando e com
dois filhos maravilhosos. Obrigada por tudo o que você representa na
minha vida. Te amo.
Meu ursão sorriu, emocionado. Deslizei a aliança grossa por
sua mão grande e máscula constatando o quanto ficava linda com
aquele adereço que eu não deixaria nunca que tirasse. Finalizei com
um beijo delicado e olhando em seus olhos.
— Acho que você elevou o padrão da declaração e agora eu
vou ter que me virar para não fazer feio — brincou também,
arranhando a garganta. — O destino e mais umas duas ou três
pessoas foram muito importantes para que estivéssemos aqui hoje
— olhou para Davi, Marta e Antônio —, e eu sou tão grato a elas
quanto a Deus por ter colocado você no meu caminho. Sim, eu sou
ranzinza, velho de espírito. E você sempre foi a professora chata,
destemida e cheia de vida que, com seu jeito intenso e maluco de
ser, coloriu o que antes era tão cinza e cheio de sombras. Ainda
teremos muitos embates pela frente,isso não nos resta dúvidas, mas
eu tenho certeza que o amor sempre prevalecerá porque o que
temos um pelo outro nada é capaz de fragmentar.
Limpei uma lágrima que escorreu e assim que ele terminou de
pôr a aliança, pulei em seu pescoço beijando a boca quente sem ser
muito discreta.
— Ahan... — o padre limpou a garganta. — Bom, a noiva pode
beijar o noivo.
Todos riram e eu abanei a mão no ar, como se mandasse ele
deixar o discurso para lá enquanto desfrutava do meu ursão.
No decorrer daquela tarde, todos aproveitaram a grande festa
comendo, bebendo e se divertindo. Estava incrível.
— Juro que nunca te imaginei casando com um fazendeiro e
morando feliz no meio do mato e vários gados — Polyana falou.
Ela e Manuela tinham subido comigo enquanto eu
amamentava de novo a pequena Bia e aproveitaria para me trocar.
— Nem eu, amiga, mas a vida tem dessas coisas, né? Nunca
achei que fosse amar tanto Davi e Aloísio a ponto de estar
extremamente feliz na minha nova realidade.
— E como vai ser quanto a sua profissão? — Manu indagou,
jogando a fralda suja fora.
— Desde que voltei, Marta e eu temos pensado em várias
possibilidades para a escola. Estamos em fase de planejamento e,
assim que a Bia estiver um pouquinho maior, vou mergulhar de
cabeça para a implantação do ensino de jovens e adultos noturno.
— Parabéns, Lu, ficamos tão felizes em te ver assim — Poly
comentou.
— Mas não me engane, bonitona. E o seu e do Rafa, quando
sai?
— Ai, Luiza... — bufou. — Tem horas que eu acho que nós
dois não é para acontecer, sabe? Dois cabeças duras que gostam de
se pegar, mas possuem aversão a relacionamento.
— Ai...ai... ainda tem muito pano pra manga nessa história,
hein? — Manu soltou, quase que despropositadamente.
Naquele clima tranquilo, vesti uma calça jeans clara, blusa de
botões branca, botina e chapéu bege. Queria só ver a cara do ursão
me vendo vestida daquele jeito.
Ao chegarmos no campo, uma música alta e bem caipira
conduzia a animação de vários casais dançando juntinho e
levantando o poeirão, inclusive meus pais, Dona Marta e Alfredo.Era
bonito ver como, mesmo com muitos anos de casados, o amor deles
era bonito cheio de respeito, cumplicidade e carinho.
Meu sogro conduzia a esposa de um modo firme, possessivo
ao mesmo tempo que sussurrava algumas coisas em seu ouvido e
dava beijos no pescoço lhe roubando risadas faceiras. Eu tinha
certeza que era sacanagem. Ri sozinha, não tinha nada a ver com
isso, mas eu apostava que esses dois tinham sido fogo quando
jovens.
Nunca imaginei que fosse gostar daquela realidade e me
sentir completamente em casa com aquilo.
O pequeno veio correndo em minha direção e pulou no meu
colo, abismado.
— Mamãããe, você tá tão... bonita!
Beijei seus cabelos, com um braço segurando suas pernas e o
outro segurando sua mãozinha dançando uma música que ele
adorava e vivia cantando.
Antônio Albuquerque
Anos antes...
Negócios?
Tentei buscar qualquer informação que pudesse ser útil
naquele momento, porém não consegui encontrar nenhum vestígio.
Exceto uma memória olfativa. Um cheiro doce, delicado... inocente.
Que merda eu tinha feito?
Avaliação:
[1]
Pancada dada com os nós dos dedos na cabeça.
[2]
São pequenos pontos brancos presentes na periferia da íris do olho
humano. Estes pontos são normais em crianças, mas também são uma
característica da síndrome de Down.
[3]
É um método terapêutico e educacional realizado em cima de cavalos
que visa o desenvolvimento físico, psicológico e social de pessoas com
deficiência.
[4]
Termo pejorativo para pessoa muito magra e alta.
[5]
Expressão utilizada para playboy sertanejo. Aqui, abrange para alunos
de cursos de agrárias.
[6]
Pessoa muito magra, franzina.
[7]
Os professores de apoio são profissionais responsáveis pela adaptação
curricular do aluno com deficiência, auxiliando-os e facilitando o entendimento das
atividades escolares.
[8]
Baby Shark.
[9]
Como nossos pais, Elis Regina.
[10]
Anunciação, Alceu Valença.
[11]
Rio de Lágrimas (Rio de Piracicaba), Chitãozinho e Xororó & Almir
Sater.
[12]
O que essa moça fez aqui, João Carreiro e Capataz.
[13]
Bisbilhotar.
[14]
Pós-graduação que permite ao estudante mesclar o mestrado no Brasil
com outra universidade no exterior.
[15]
Desconfiado.
[16]
Aborrecida.
[17]
Os menino da pecuária, Léo e Raphael.
[18]
Mesmo que chupada.
[19]
Yiruma.
[20]
Lembranças, Maneva.
[21]
Lembranças, Maneva.
[22]
Nada normal, Victor e Leo.
[23]
Me olhe bem, Maneva.
[24]
Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados
de Cascais.
[25]
Drogas.
[26]
Lembranças, Maneva.
[27]
Yiruma.
[28]
Luiza tem detalhes da sua adolescência contada no livro CEO:O preço
de um sonho. Disponível na Amazon.
[29]
Franguinho na Panela, Moacyr Dos Santos / Jose Plinio Trasferetti.
Versão Guilherme e Santiago.