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AU L A 3

ARTIGO
Artigo
O artigo faz referência a toda uma classe ou espécie, seja de maneira

definida, determinada, precisa; seja de maneira indefinida, vaga, imprecisa.

No primeiro caso, usam-se os artigos o, a, os, as. No segundo, os

artigos um, uma, uns, umas.

O artigo antecede o substantivo e, na maioria das vezes, transforma

a palavra que o sucede em substantivo (quando, evidentemente, já não o

for), num processo de derivação imprópria. No poema de Cora Coralina, a

interjeição “ai” transforma-se em substantivo:

Meu pai

Nada lhe dei nas mãos.

Nem um beijo,

Uma oração, um triste ai.

Eu era tão pequena!...

E fiquei sempre pequenina na grande

falta que faz meu pai.

(Cora Coralina)

ESTILÍSTICA

Estilisticamente, pode o artigo ser de grande valia. O definido tem


como função primordial indicar indivíduos conhecidos ou já mencionados,

ao passo que o indefinido propõe indivíduos desconhecidos, não

mencionados.

No sermão da Sexagésima, Padre Antônio Viera se vale claramente

de tal recurso:

Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam o

Evangelho? Não pregam as Sagradas Escrituras? Pois como não pregam

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a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não

pregam a palavra de Deus. [...] As palavras de Deus, pregadas no sentido

em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregadas no sentido

que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras

do Demónio.

(Padre Antônio Vieira, Sermão da Sexagésima)

“A palavra de Deus” é insubstituível, não obstante possam os

pregadores distorcer seu sentido, e quem exprime linguisticamente essa

verdade incontornável é o artigo definido “a”.

Além de individualizar o ser, pode ainda o artigo definido indicar


proximidade, razão pela qual não é indicado diante de personalidades

célebres, especialmente quando forem históricas:

Ninguém resistia aos encantos de Cleópatra. (Não “da” Cleópatra)

Napoleão Mendes de Almeida contribuiu inestimavelmente para a

gramática de nossa língua. (Não “o” Napoleão Mendes de Almeida)

Mas:

A Mariana e o Pedro chegaram atrasados de novo? (Os artigos

ressaltam familiaridade – seu emprego é facultativo e depende da região.)

O necessário Napoleão Mendes Mendes de Almeida apareceu na hora

certa para fazer os questionamentos certos. (Ao se inserir um especificador

[“necessário”], o artigo passa a ser obrigatório.)

Enquanto a função primordial do definido é a individualização, a do

indefinido é a generalização ou a indeterminação.

Um bom rato precisa saber se proteger dos gatos. (Nota-se a

generalização de “bom rato”.)

Um homem abordou-me na rua hoje para vender lotes. (Nota-se a

falta de familiaridade.)

No último exemplo, caso se fosse falar novamente sobre a pessoa

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que fez a abordagem, usar-se-ia “o homem” (não mais “um homem”), uma

vez que já seria alguém conhecido do receptor, pois já foi introduzido no

discurso do emissor.

Além dos já mencionados, alguns usos dos artigos definido e

indefinido merecem registro. Comecemos pelo definido:

– Deve ser utilizado antes de pronome possessivo substantivo (que

substitui o substantivo), mas é facultativo diante de pronome possessivo

adjetivo (que acompanha o substantivo):

Ele disse palavras de consolo a (ou aos) meus pais, mas não aos seus.

Ele disse palavras de consolo a (ou às) minhas irmãs, mas não às suas.

– Indica a totalidade de uma espécie:

O pior cego é o surdo. Tirem o som de uma paisagem e não haverá

mais paisagem.”

(Nelson Rodrigues, “Flor de obsessão: as 100 melhores frases de

Nelson Rodrigues”)

– Não é usado quando se pretende sentido genérico de substantivo:

Não costumo ir a eventos de gala.

Não costumo ir a festas de gala.

– Pode aparecer em posições diferentes quando há estruturas

superlativas:

Hei de percorrer os caminhos mais retos na vida.

Hei de percorrer caminhos os mais retos na vida. (Cuidado: Não se diz

“os caminhos os mais retos”.)

– Diante de topônimos (nomes de lugar, como continentes, rios,

mares, desertos, países, regiões etc.), pode ou não aparecer, a depender do

que se consagrou:

Na Espanha, a sesta é cultural.

Moro em Goiás. (Não no Goiás)

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Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal! (Não do Portugal)

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

(...)

Para aprofundar o estudo, veja o que diz o site do Senado:

Nomes de cidades: em geral, não se usa artigo com nomes de

cidades e ilhas: Brasília, Buenos Aires, São Paulo, Florianópolis, Ilha Grande.

Nomes derivados de substantivos comuns mantêm o artigo: o Rio de

Janeiro, o Porto, o Cairo. Com Recife, o artigo é facultativo. A Secom adota

o Recife, no Recife.

Está em dúvida?

Dica: pesquise no dicionário o adjetivo gentílico (mato-grossense

ou recifense, por exemplo). O verbete dirá “... procedente de” (sem artigo)

ou “procedente do” e “da”; relativo “a” (sem artigo) ou relativo “à” e “ao”. O

Dicionário Aurélio, por exemplo, define “do Recife”.

Também mantêm o artigo algumas ilhas, como: a Sicília, a Sardenha,


a Madeira, a Groenlândia, a Córsega.

Nomes de estados brasileiros: o nome de alguns estados brasileiros

não aceita artigo. Antes de Alagoas e Minas Gerais, o artigo é facultativo. A

Secom adota sem artigo.

Use sem artigo: Alagoas, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,

Minas Gerais, Pernambuco, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo

e Sergipe.

Não use: O senador elogia balança comercial do Mato Grosso.

Use: O governador de Mato Grosso vem ao Senado.

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Os demais estados exigem o artigo: o Acre, o Amapá, o Amazonas,

a Bahia, o Ceará, o Espírito Santo, o Maranhão, o Pará, a Paraíba, o Paraná,

o Piauí, o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Norte, o Rio Grande do Sul, o

Tocantins. Também use artigo com o nome do Distrito Federal.

Nomes de países, regiões e continentes: geralmente são

acompanhados de artigo definido: o Afeganistão, a África do Sul, a Albânia,

a Alemanha, a Arábia Saudita, a Argélia, as Bahamas, o Brasil, o Butão, o

Canadá, o Chade, o Chipre, o Djibuti, os Emirados Árabes Unidos, os Estados

Unidos, a Guatemala, a Guiana, a Guiné, a Guiné-Bissau, a Guiné Equatorial,

o Iêmen, o Kiribati, o Kuwait, o Laos, o Lesoto, o Malaui, o Mali, o Níger, o

Senegal, a Suazilândia, a Região Sul, a Região Serrana, os Andes, a Antártida,

a Oceania.

Alguns países, porém, não aceitam o artigo.

Use com as preposições de e em: Andorra, Angola, Antígua e Barbuda,

Bangladesh, Barbados, Belize, Benin, Botsuana, Brunei, Burkina Fasso,

Burundi, Cabo Verde, Camarões, Cingapura, Comores (Ilhas Comores),

Cuba, Dominica, El Salvador, Eritreia, Fiji, Gâmbia, Gana, Granada, Honduras,

Israel, Liechtenstein, Luxemburgo, Macau, Madagascar, Malta, Marrocos,

Maurício, Mianmar, Moçambique, Mônaco, Montenegro, Nauru, Omã, Palau,

Papua-Nova Guiné, Portugal, Ruanda, Samoa, San Marino, Santa Lúcia, São

Cristóvão e Névis, São Tomé e Príncipe, São Vicente e Granadinas, Seicheles,

Serra Leoa, Sri Lanka, Taiwan, Timor Leste, Tonga, Trinidad e Tobago, Tuvalu,

Uganda, Zâmbia, Zimbábue.

CRE aprova indicações para embaixadas no Azerbaijão e no Cabo Verde

CRE aprova indicações para embaixadas no Azerbaijão e em Cabo Verde

Indicações para embaixadas na Hungria e Dominica são aprovadas

pela CRE.

Indicações para embaixadas na Hungria e na Dominica são aprovadas

pela CRE.

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Comissão examina indicações para embaixadas brasileiras em

Botsuana e Eslováquia.

Comissão examina indicações para embaixadas brasileiras em

Botsuana e na Eslováquia.

Nomes de acidentes geográficos: em geral, pedem artigo nomes de

rios, lagos, oceanos, mares, montanhas, serras, desertos, vulcões: o Rio São

Francisco, o São Francisco, o Atlântico, o Mediterrâneo, o Mar Vermelho,

o Titicaca, a Serra do Cipó, o Himalaia, os Andes, o Saara, o Puyehue, o

Villarrica. Use o mesmo critério para constelações: o Cruzeiro do Sul, o

Triângulo Austral.

– Usa-se diante de dias da semana e de horas, nas expressões

adverbiais de tempo:

Aos sábados, hei de descansar.

Ao meio-dia, a cidade parou.

Às sete horas, começa a reunião.

Ressalta-se, no entanto, que é comum a supressão de artigo e

preposição nesse tipo de caso: Sábado, hei de descansar.

– É usado depois de “ambos”, quando há elemento posterior:

Ambos os meus alunos são candidatos à presidência.

– Usa-se após o pronome “todo” para indicar inteireza; sem o artigo,

“todo” significará “qualquer”:

Toda a sala estava cheirando mal. (=A sala inteira)

Toda sala desta casa é decorada com fotografias. (=Quaisquer salas

que se observem nesta casa)

“Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si


mesma.” (Nelson Rodrigues)

“Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade

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não precisa pensar.” (Nelson Rodrigues)

Abordemos alguns usos de artigo indefinido:

– Pode indicar depreciação:

Ah! Esse cara tem me consumido

A mim e a tudo que eu quis

Com seus olhinhos infantis

Como os olhos de um bandido

Ele está na minha vida porque quer

Eu estou pra o que der e vier

Ele chega ao anoitecer

Quando vem a madrugada ele some

Ele é quem quer

Ele é o homem

Eu sou apenas uma mulher

(Caetano Veloso, Esse cara)

Nos dois últimos versos, note a força semântica da contraposição do

artigo definido com o artigo indefinido. O indefinido marca depreciação.

– Pode indicar ênfase (positiva ou negativa):

Ele tem um jeito para tratar de assuntos delicados!

– Pode indicar aproximação:

Chegaremos umas oito e meia.

Por fim, convém fazer três pontuações sobre esta classe gramatical:

1) Não se faz contração com preposição quando há sujeito de infinitivo:

Está na hora de o rapaz ir.

No caso de o assunto ser abordado, desconversarei.

A probabilidade de a candidata ser eleita é pequena.

2) Caso o artigo faça parte do título de alguma obra, pode-se evitar a

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contração com a preposição antecedente ou usar apóstrofo (caso previsto

pelo Novo Acordo):

Li tais versos n’Os Lusíadas.

Li tais versos em Os Lusíadas.

2) É fundamental atentar ao papel expressivo do artigo, pois sua

presença ou ausência eventualmente pode comprometer o que se pretende

com o texto. Veja:

Foi premiado o cinema argentino e japonês.

Da maneira como se escreveu, dá-se a impressão de estar falando

a respeito de um único cinema, o qual ao mesmo tempo é argentino e

japonês. Para evitar possíveis mal-entendidos, há formas de reescrita, como:

Foi premiado o cinema nipo-argentino. (Com o emprego do adjetivo

composto, fica evidente que há, entre Japão e Argentina, colaboração para a

produção de filmes, ou seja, o cinema em questão tem duas nacionalidades.)

Foram premiados o cinema argentino e o japonês (Note a repetição

do artigo. No segundo caso, a presença de “o” subentende a palavra “cinema”,

ou seja, o [cinema] japonês.)

Foram premiados os cinemas argentino e japonês.

3) Ao contrário do que se costuma pensar, é plenamente possível

haver contração de artigo indefinido com preposição:

Saí dum quarto cheio de gente.

Numa das vezes em que ele me ligou, eu não estava em casa.

Mas de repente fiquei fria: tinha entendido. A mulher continuava

a falar. Então tirei da bolsa os dois mil cruzeiros e com horror de mim

passei-os à mulher. Esta não hesitou um segundo, pegou-os, meteu-os

num bolso invisível entre o que me pareceram inúmeras saias, quase

derrubando na sua rapidez o menino-menina.

(Clarice Lispector, As caridades odiosas)

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