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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão Conselho Especial

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL


Processo N.
0717826-02.2018.8.07.0000

CABIFY AGENCIA DE SERVICOS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS


ARGUINTE(S)
LTDA.

SECRETÁRIO DE ESTADO DE MOBILIDADE DO DISTRITO FEDERAL e


ARGUIDO(S)
DISTRITO FEDERAL
Relator Desembargador JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS

Acórdão Nº 1687569

EMENTA

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 14, LEI DISTRITAL N. 5.691/2016.


REGULAMENTADA PELO ART. 22 DO DECRETO N. 38.258/2017. SUPERVENIÊNCIA DO
DECRETO N. 42.011/2021. PRELIMINAR. PERDA DO OBJETO. CONTINUIDADE
NORMATIVA. REJEIÇÃO. MÉRITO. SERVIÇO DE TRANSPORTE PRIVADO
INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. COBRANÇA DE PREÇO PÚBLICO. COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA. DIRETRIZES ESTABELECIDAS EM NORMA FEDERAL. PRINCÍPIOS DA
ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA. LIVRE INICIATIVA. INTERVENÇÃO
SUBSIDIÁRIA NO DOMÍNIO ECONÔMICO. INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS
IMPUGNADAS.

1. A similitude entre as redações do art. 22 do Decreto n. 38.258/2017 e do art. 30 do Decreto n.


42.011/2021 indica que houve continuidade normativa, o que afasta a perda superveniente do objeto,
ainda que o primeiro regramento tenha sido formalmente revogado.

2. O art. 22, incisos IX e XI, da Constituição Federal define como competência privativa da União
legislar sobre as diretrizes da política nacional de transportes, sobre trânsito e transporte. No exercício
da mencionada competência legislativa, a União editou a Lei Federal n. 12.587/2012, que institui as
diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, não podendo o Distrito Federal suplementar a
matéria de modo contrário.

3. A cobrança de preço público por quilômetro rodado, como condição para o exercício da atividade
econômica, ultrapassa os limites estabelecidos pelo legislador federal, haja vista a inexistência de
previsão a esse respeito na lei federal de regência (art. 11-A, Lei n. 12.587/2012). Constatada, portanto,
a inconstitucionalidade formal das normas impugnadas.
4. O Estado não disponibiliza bem específico ou presta qualquer serviço que autorize a cobrança de
tarifa e, na espécie, o exercício do poder de polícia não indica circunstância suficiente a justificar a
imposição do pagamento de preço público, o que denota que a legislação incorre em
inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios da livre iniciativa e da intervenção subsidiária
no domínio econômico. Evidenciada a inconstitucionalidade material dos atos normativos.

5. Preliminar de perda superveniente do objeto rejeitada. Arguição acolhida para declarar a


inconstitucionalidade do art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por arrastamento, do art. 22 do
Decreto nº 38.258/2017 e do art. 30 do Decreto nº 42.011/2021.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS - Relator, FÁTIMA RAFAEL - 1º
Vogal, CESAR LOYOLA - 2º Vogal, SANDOVAL OLIVEIRA - 3º Vogal, ESDRAS NEVES - 4º
Vogal, GISLENE PINHEIRO - 5º Vogal, DIAULAS COSTA RIBEIRO - 6º Vogal, GETÚLIO
MORAES OLIVEIRA - 7º Vogal, WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR - 8º Vogal, J. J. COSTA
CARVALHO - 9º Vogal, JAIR SOARES - 10º Vogal, VERA ANDRIGHI - 11º Vogal, MARIO-ZAM
BELMIRO - 12º Vogal, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - 13º Vogal, SILVANIO BARBOSA
DOS SANTOS - 14º Vogal, SÉRGIO ROCHA - 15º Vogal e ANGELO PASSARELI - 16º Vogal, sob
a Presidência do Senhor Desembargador CRUZ MACEDO, em proferir a seguinte decisão: Declarada
a inconstitucionalidade formal e material do art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por arrastamento,
do art. 22 do Decreto nº 38.258/2017 e do art. 30 do Decreto nº 42.011/2021. Decisão unânime., de
acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 19 de Abril de 2023

Desembargador JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS


Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, suscitado nos autos do Mandado de


Segurança n. 0717826-02.2018.8.07.0000, em relação ao art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por
arrastamento, quanto ao art. 22 do Decreto n. 38.258/2017, que preveem a obrigação de pagar preço
público devido ao uso de bens públicos para o exercício da atividade de transporte individual de
passageiros.

No writ, o impetrante sustenta que o Distrito Federal teria extrapolado o seu poder regulamentar ao
editar a Lei Distrital n. 5.691/2016, o Decreto n. 38.258/2017 e as Portarias da Secretaria de
Mobilidade do Distrito Federal para disciplinar a prestação do Serviço de Transporte Individual
Privado de Passageiros Baseado em Tecnologia de Comunicação em Rede no Distrito Federal.

Afirma que os dispositivos normativos impõem requisitos e restrições além das diretrizes da norma
federal, interferindo em seu direito líquido e certo de exercer a atividade econômica.

A medida liminar foi deferida (ID 6136419) para suspender a exigibilidade da cobrança realizada pela
autoridade coatora, a título de preço público, em relação ao mês corrente e em relação aos meses
futuros, mantendo a autorização para o exercício da atividade econômica, sem que sejam aplicadas as
sanções previstas.

A e. 1ª Câmara Cível decidiu, por maioria (ID 18712093), acolher questão de ordem de suspensão do
julgamento do mandado de segurança para o exame da constitucionalidade dos atos normativos por
este e. Conselho Especial, sem prejuízo da medida liminar concedida.

Após o julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade (AI) n. 0000570-53.2019.8.07.0000, os autos


do mandado de segurança retornaram à 1ª Câmara Cível, a fim de averiguar possível correlação da
matéria ora sob exame com o dispositivo julgado inconstitucional naquela AI e, à unanimidade (ID
33251677), aquele Colegiado acolheu este incidente de arguição de inconstitucionalidade quanto ao
art. 14 da Lei n. 5.691/2016 e, por arrastamento, quanto ao art. 22 do Decreto n. 38.258/2017,
determinando a suspensão do feito originário até o pronunciamento acerca da constitucionalidade dos
referidos dispositivos.

O Distrito Federal suscita preliminar de perda superveniente do objeto, alegando que o art. 22 do
Decreto n. 38.258/2017 foi revogado pelo Decreto Distrital n. 42.011/2021. Defende que a revogação
superveniente da norma impugnada gera a prejudicialidade da análise constitucional.

No mérito, sustenta que a legislação local não adentra matéria de competência privativa da União, pois
trata de transporte urbano, sendo assunto de interesse local, cuja competência legislativa distrital está
respaldada nos artigos 30, I e 32, § 1º, ambos da Constituição Federal e no art. 14 da LODF. Menciona
doutrinadores e julgados do STF que, em tese, amparam os seus argumentos.

Afirma que o serviço de transporte objeto de análise somente pode ser prestado por quem detenha
autorização administrativa, mediante o preenchimento de uma série de requisitos, o que inclui o
pagamento do preço público específico. Argumenta que a exigência consiste em manifestação do poder
de polícia da Administração Pública distrital, nos exatos termos do art. 145, II, da CF, reproduzido no
art. 125, II, da LODF, e do art. 174 da CF e do art. 161 da LODF.

Acrescenta que a Lei federal n. 12.587/2012, ao instituir a Política Nacional de Mobilidade Urbana,
estabelece competência privativa aos Municípios e ao ente distrital para regulamentar e fiscalizar o
transporte privado individual de passageiros, autorizando o Distrito Federal a suplementar a legislação
federal no que couber.

Sustenta que os dispositivos questionados são materialmente compatíveis com a LODF e com a CF,
argumentando que a instituição de preço público específico para o uso de bens públicos associado ao
exercício da atividade econômica não prejudica a liberdade de iniciativa e se compatibiliza com o art.
170, IV, da CF. Destaca que o exercício de qualquer atividade econômica se sujeita à obediência dos
requisitos legais e dos ditames impostos pela Administração Pública no exercício do seu poder
regulamentar.

Ressalta que, desde 2014, o art. 83 da Lei Distrital n. 5.323/14 prevê a possibilidade de cobrança de
preço público sobre a atividade dos táxis e, assim, deve ser observada a igualdade de condições de
concorrência entre os segmentos prestadores de serviço de transporte individual urbano de passageiros.

Aduz que os dispositivos impugnados não impõem ônus excessivo, insuportável ou incompatível com
os riscos inerentes às atividades econômicas afetadas, considerando que o preço público estipulado é
proporcional aos quilômetros percorridos.
Ao fim, postula que o incidente processual seja julgado improcedente, por não haver
inconstitucionalidade no art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/16, e que seja julgada prejudicada a análise
quanto ao art. 22 do Decreto n. 38.258/17.

A parte interessada (CABIFY AGÊNCIA DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE


PASSAGEIROS LTDA), por sua vez, manifesta-se (ID 37918546), informando que o débito referente
ao preço público em questão ainda pode ser exigido, mesmo após a revogação do Decreto Distrital nº
38.258/2017, devido aos fatos geradores ocorridos durante a vigência do dispositivo legal. Conclui que
não há que se falar em perda de objeto.

Defende que o Distrito Federal extrapolou o seu poder regulamentar, considerando que o caso dos
autos não trata de um interesse local peculiar que justifique a suplementação legislativa, não podendo o
ente distrital fixar uma exigência pecuniária como condição para a prestação dos serviços de
intermediação de transporte individual privado.

Afirma que não estão presentes os requisitos para legitimar a cobrança de preço público, pois o serviço
de transporte individual de passageiros não é prestado pelo Distrito Federal, cabendo-lhe apenas
disciplinar a atividade à luz das regras fixadas por lei federal, não podendo contrariá-las, o que tornaria
ilícita a cobrança de preço público.

Salienta que, mesmo que o montante exigido pela Fazenda do Distrito Federal não represente ônus
excessivo ou insuportável, isso não descaracteriza seu caráter inconstitucional e a violação ao princípio
da livre iniciativa econômica.

Explana que as empresas de intermediação de transporte privado em nada se relacionam com os


governos municipais ou distritais para a prestação de seus serviços, a contrário dos táxis.

Pontua julgados em favor de suas teses.

Requer que, aplicando-se o mesmo entendimento dos precedentes, seja reconhecida a


inconstitucionalidade do art. 14 da Lei Distrital nº 5.691/2016 e, por arrastamento, do art. 22 do
Decreto Distrital nº 38.258/2017.

A d. Procuradoria de Justiça oficia pelo acolhimento da arguição para que seja declarada a
inconstitucionalidade do art. 14 da Lei Distrital nº 5.691/2016 e, por arrastamento, do art. 22 do
Decreto Distrital nº 38.258/2017 e do art. 30 do Decreto nº 42.011/2021 (ID 39304503).

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS - Relator

Conforme relatado, cuida-se de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, suscitado nos autos


do Mandado de Segurança n. 0717826-02.2018.8.07.0000, em relação ao art. 14 da Lei Distrital n.
5.691/2016 e, por arrastamento, quanto ao art. 22 do Decreto n. 38.258/2017, que preveem a
obrigação de pagar preço público devido ao uso de bens públicos para o exercício da atividade de
transporte individual de passageiros.

No writ, o impetrante sustenta que o Distrito Federal teria extrapolado o seu poder regulamentar ao
editar a Lei Distrital n. 5.691/2016, o Decreto n. 38.258/2017 e as Portarias da Secretaria de
Mobilidade do Distrito Federal para disciplinar a prestação do Serviço de Transporte Individual
Privado de Passageiros Baseado em Tecnologia de Comunicação em Rede no Distrito Federal.

Afirma que os dispositivos normativos impõem requisitos e restrições além das diretrizes da norma
federal, interferindo em seu direito líquido e certo de exercer a atividade econômica.

A medida liminar foi deferida (ID 6136419) para suspender a exigibilidade da cobrança realizada pela
autoridade coatora, a título de preço público, em relação ao mês corrente e em relação aos meses
futuros, mantendo a autorização para o exercício da atividade econômica, sem que sejam aplicadas as
sanções previstas.

A e. 1ª Câmara Cível decidiu, por maioria (ID 18712093), acolher questão de ordem de suspensão do
julgamento do mandado de segurança para o exame da constitucionalidade dos atos normativos por
este e. Conselho Especial, sem prejuízo da medida liminar concedida.

Após o julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade (AI) n. 0000570-53.2019.8.07.0000, os


autos do mandado de segurança retornaram à 1ª Câmara Cível, a fim de averiguar possível correlação
da matéria ora sob exame com o dispositivo julgado inconstitucional naquela AI e, à unanimidade (ID
33251677), aquele Colegiado acolheu este incidente de arguição de inconstitucionalidade quanto ao
art. 14 da Lei n. 5.691/2016 e, por arrastamento, quanto ao art. 22 do Decreto n. 38.258/2017,
determinando a suspensão do feito originário até o pronunciamento acerca da constitucionalidade dos
referidos dispositivos.

O Distrito Federal suscita preliminar de perda superveniente do objeto, alegando que o art. 22 do
Decreto n. 38.258/2017 foi revogado pelo Decreto Distrital n. 42.011/2021. Defende que a revogação
superveniente da norma impugnada gera a prejudicialidade da análise constitucional.

No mérito, sustenta que a legislação local não adentra matéria de competência privativa da União,
pois trata de transporte urbano, sendo assunto de interesse local, cuja competência legislativa distrital
está respaldada nos artigos 30, I e 32, § 1º, ambos da Constituição Federal e no art. 14 da LODF.
Menciona entendimentos doutrinários e julgados do STF que, em tese, amparam os seus argumentos.

Afirma que o serviço de transporte objeto de análise somente pode ser prestado por quem detenha
autorização administrativa, mediante o preenchimento de uma série de requisitos, o que inclui o
pagamento do preço público específico. Argumenta que a exigência consiste em manifestação do
poder de polícia da Administração Pública distrital, nos exatos termos do art. 145, II, da CF,
reproduzido no art. 125, II, da LODF, e do art. 174 da CF e do art. 161 da LODF.

Acrescenta que a Lei federal n. 12.587/2012, ao instituir a Política Nacional de Mobilidade Urbana,
estabelece competência privativa aos Municípios e ao ente distrital para regulamentar e fiscalizar o
transporte privado individual de passageiros, autorizando o Distrito Federal a suplementar a legislação
federal no que couber.

Sustenta que os dispositivos questionados são materialmente compatíveis com a LODF e com a CF,
argumentando que a instituição de preço público específico para o uso de bens públicos associado ao
exercício da atividade econômica não prejudica a liberdade de iniciativa e se compatibiliza com o art.
170, IV, da CF. Destaca que o exercício de qualquer atividade econômica se sujeita à obediência dos
requisitos legais e dos ditames impostos pela Administração Pública no exercício do seu poder
regulamentar.

Ressalta que, desde 2014, o art. 83 da Lei Distrital n. 5.323/14 prevê a possibilidade de cobrança de
preço público sobre a atividade dos táxis e, assim, deve ser observada a igualdade de condições de
concorrência entre os segmentos prestadores de serviço de transporte individual urbano de
passageiros.

Aduz que os dispositivos impugnados não impõem ônus excessivo, insuportável ou incompatível com
os riscos inerentes às atividades econômicas afetadas, considerando que o preço público estipulado é
proporcional aos quilômetros percorridos.

Ao fim, postula que o incidente processual seja julgado improcedente, por não haver
inconstitucionalidade no art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/16, e que seja julgada prejudicada a análise
quanto ao art. 22 do Decreto n. 38.258/17.

A parte interessada (CABIFY AGÊNCIA DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE


PASSAGEIROS LTDA), por sua vez, manifesta-se (ID 37918546), informando que o débito
referente ao preço público em questão ainda pode ser exigido, mesmo após a revogação do Decreto
Distrital nº 38.258/2017, devido aos fatos geradores ocorridos durante a vigência do dispositivo legal.
Conclui que não há que se falar em perda de objeto.

Defende que o Distrito Federal extrapolou o seu poder regulamentar, considerando que o caso dos
autos não trata de um interesse local peculiar que justifique a suplementação legislativa, não podendo
o ente distrital fixar uma exigência pecuniária como condição para a prestação dos serviços de
intermediação de transporte individual privado.

Afirma que não estão presentes os requisitos para legitimar a cobrança de preço público, pois o
serviço de transporte individual de passageiros não é prestado pelo Distrito Federal, cabendo-lhe
apenas disciplinar a atividade à luz das regras fixadas por lei federal, não podendo contrariá-las, o que
tornaria ilícita a cobrança de preço público.

Salienta que, mesmo que o montante exigido pela Fazenda do Distrito Federal não represente ônus
excessivo ou insuportável, isso não descaracteriza seu caráter inconstitucional e a violação ao
princípio da livre iniciativa econômica.

Explana que as empresas de intermediação de transporte privado em nada se relacionam com os


governos municipais ou distritais para a prestação de seus serviços, a contrário dos táxis.

Pontua julgados em favor de suas teses.

Requer que, aplicando-se o mesmo entendimento dos precedentes, seja reconhecida a


inconstitucionalidade do art. 14 da Lei Distrital nº 5.691/2016 e, por arrastamento, do art. 22 do
Decreto Distrital nº 38.258/2017.

Eis a suma dos fatos.

1. Da preliminar de perda superveniente do objeto

O Distrito Federal suscita preliminar de perda superveniente do objeto quanto ao art. 22 do Decreto n.
38.258/17, alegando que o dispositivo normativo foi revogado pelo Decreto Distrital n. 42.011/21, de
sorte que a análise de sua constitucionalidade estaria prejudicada.

Razão não lhe assiste.

O art. 22 do Decreto Distrital n. 38.258/17, cuja constitucionalidade é questionada na presente


arguição, por arrastamento, encontra-se redigido nos seguintes termos:
“Art. 22. A prestação de serviços no STIP/DF fica condicionada ao recolhimento de preço público
relativo ao uso de bens públicos para exercício de atividade privada remunerada.

§ 1º O valor do preço público de que trata o caput deve guardar relação com a distância percorrida
durante a prestação dos serviços e ter sua forma de cálculo e sua periodicidade de recolhimento
definidas em ato próprio da SEMOB/DF.

§ 2º O preço público de que trata o caput deverá ser recolhido pela Empresa Operadora em uma das
seguintes formas:

I - antecipadamente, mediante aquisição de créditos a serem compensados à medida da


contabilização dos dados relacionados à prestação dos serviços;

II - posteriormente, mediante pagamento do valor consolidado.

§ 3º A SEMOB/DF pode estabelecer variações de valor do preço público de que trata o caput, de
acordo com as políticas públicas definidas.

§ 4º As receitas obtidas com o recolhimento dos preços públicos devem ser repassadas ao Fundo do
Transporte Público Coletivo do Distrito Federal.”

O Decreto Distrital n. 42.011/21, por sua vez, ao regular a mesma matéria, embora tenha formalmente
revogado o Decreto n. 38.258/17 (art. 71), assim estabeleceu em seu art. 30:

“Art. 30. A prestação de serviços no STIP/DF fica condicionada ao recolhimento de preço público
relativo ao uso de bens públicos para exercício de atividade privada remunerada.

§ 1º O valor do preço público de que trata o caput deve guardar relação com a distância percorrida
durante a prestação dos serviços e ter sua forma de cálculo e sua periodicidade de recolhimento
definidas em ato próprio da SEMOB/DF.

§ 2º O preço público de que trata o caput deverá ser recolhido pela Empresa Operadora em uma das
seguintes formas:

I - antecipadamente, mediante aquisição de créditos a serem compensados à medida da


contabilização dos dados relacionados à prestação dos serviços;

II - posteriormente, mediante pagamento do valor consolidado.

§ 3º A SEMOB/DF pode estabelecer variações de valor do preço público de que trata o caput, de
acordo com as políticas públicas definidas.”

Denota-se, de forma clara e inequívoca, a similitude entre as redações dos dispositivos


supratranscritos, indicando que, nesse quesito, houve continuidade normativa, o que afasta a perda
superveniente do objeto.

Nesse sentido, o col. STF já elucidou a questão:


“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL DE
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA QUE ATRIBUI AO ÓRGÃO PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA A
COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DOS PREFEITOS PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(ART. 29, X, DA CF). EMENDA PARLAMENTAR A PROJETO DE LEI DE INICIATIVA
EXCLUSIVA DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DO AUTOGOVERNO DA MAGISTRATURA
(ART. 96, I, ALÍNEA “A”, E II, ALÍNEA “D”). AÇÃO PROCEDENTE.

1. A modificação da norma impugnada, desde que observada a continuidade normativa do conteúdo


questionado, além do oportuno aditamento da petição inicial, não impede o conhecimento da ação
direta. Precedentes.

(...)

5. Ação direta julgada procedente.”

(ADI 3915, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2018,


ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 27-06-2018 PUBLIC 28-06-2018)

Ademais, conforme destaca a empresa interessada, em sua manifestação (ID 37918546), a


exigibilidade da cobrança da verba relativa aos dispositivos questionados encontra-se suspensa por
meio da decisão liminar proferida nos autos do Mandado de Segurança n. 0717826-02.2018.8.07.0000
(ID 6136419), em curso na 1ª Câmara Cível. Dessa maneira, em caso de denegação da segurança
pretendida, o ente distrital poderá cobrar os respectivos valores dos fatos ocorridos sob a vigência do
Decreto Distrital n. 38.258/17.

Sendo assim, subsiste o interesse jurídico na análise da constitucionalidade dos dispositivos objeto da
arguição, não havendo que se falar em prejudicialidade da matéria.

REJEITO, pois, a preliminar.

2. Do mérito

Ultrapassada a preliminar e presentes os pressupostos de admissibilidade, acolho a arguição, cujo


cerne é a constitucionalidade do art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por arrastamento, do art. 22
do Decreto n. 38.258/2017, que dispõem sobre a cobrança de preços públicos no Serviço de
Transporte Individual Privado de Passageiros Baseado em Tecnologia de Comunicação em Rede no
Distrito Federal.

Para melhor compreensão da matéria, colaciono os dispositivos questionados:

LEI DISTRITAL N. 5.691/2016

“Art. 14. Fica autorizada a cobrança de preços públicos por créditos de quilômetros rodados, na
forma do regulamento.

Parágrafo único. As receitas obtidas com a cobrança de preços públicos de que trata o caput são
destinadas ao cumprimento das metas estabelecidas pelo Plano Diretor de Transporte Urbano e
Mobilidade do Distrito Federal, em especial a manutenção do serviço de transporte individual.”
DECRETO N. 38.258/2017

“Regulamenta a Lei nº 5.691, de 02 de agosto de 2016, que dispõe sobre a regulamentação da


prestação do Serviço de Transporte Individual Privado de Passageiros baseado em Tecnologia de
Comunicação em Rede no Distrito Federal - STIP/DF, e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100,
incisos VII e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, DECRETA:

(...)

CAPÍTULO IV

DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO

(...)

Seção II

Dos Preços

(...)

Art. 22. A prestação de serviços no STIP/DF fica condicionada ao recolhimento de preço público
relativo ao uso de bens públicos para exercício de atividade privada remunerada.

§ 1º O valor do preço público de que trata o caput deve guardar relação com a distância percorrida
durante a prestação dos serviços e ter sua forma de cálculo e sua periodicidade de recolhimento
definidas em ato próprio da SEMOB/DF.

§ 2º O preço público de que trata o caput deverá ser recolhido pela Empresa Operadora em uma das
seguintes formas:

I - antecipadamente, mediante aquisição de créditos a serem compensados à medida da


contabilização dos dados relacionados à prestação dos serviços;

II - posteriormente, mediante pagamento do valor consolidado.

§ 3º A SEMOB/DF pode estabelecer variações de valor do preço público de que trata o caput, de
acordo com as políticas públicas definidas.

§ 4º As receitas obtidas com o recolhimento dos preços públicos devem ser repassadas ao Fundo do
Transporte Público Coletivo do Distrito Federal.”

2.1. Da inconstitucionalidade formal

Como é cediço, o art. 22, incisos IX e XI, da Constituição Federal define como competência privativa
da União legislar sobre as diretrizes da política nacional de transportes e sobre trânsito e transporte, in
verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)
IX - diretrizes da política nacional de transportes;

(...)

XI - trânsito e transporte;

(...)

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas
das matérias relacionadas neste artigo.”

No exercício da mencionada competência legislativa, a União editou a Lei Federal n. 12.587/2012,


que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Os artigos 11-A e 11-B da Lei Federal n. 12.587/2012, acrescidos pela Lei n. 13.640/2018, tratam em
detalhes o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros, senão vejamos:

“Art. 11-A. Compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o
serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º
desta Lei no âmbito dos seus territórios.

Parágrafo único. Na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de


passageiros, os Municípios e o Distrito Federal deverão observar as seguintes diretrizes, tendo em
vista a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço:

I - efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço;

II - exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro


Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT);

III - exigência de inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do


Seguro Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de
1991.

Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X
do art. 4º desta Lei, nos Municípios que optarem pela sua regulamentação, somente será autorizado
ao motorista que cumprir as seguintes condições:

I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação


de que exerce atividade remunerada;

II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela
autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal;

III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV);

IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais.

Parágrafo único. A exploração dos serviços remunerados de transporte privado individual de


passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta Lei e na regulamentação do poder
público municipal e do Distrito Federal caracterizará transporte ilegal de passageiros.”
Ainda que as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios sejam atribuídas ao
Distrito Federal, nos termos do art. 32, § 1º, da Constituição Federal, competindo-lhe legislar sobre
assuntos de interesse local (art. 30, I, da CF), é inequívoco que o ente distrital, ao regular a matéria de
forma suplementar, deve observar as diretrizes e os limites estipulados pelo legislador federal.

Neste sentido, ao julgar a ADPF nº 449/DF, o Min. Luiz Fux, com propriedade, assinalou:

"A ratio dessa norma reside na necessidade de se estabelecer uniformidade nacional aos modais de
mobilidade, impedindo, assim, que a fragmentação da competência regulatória pelos entes federados
menores inviabilize a implementação de um sistema de transporte eficiente, integrado e harmônico.
Nesse contexto, afigura-se incompatível com a distribuição constitucional de competências a edição
de lei municipal que restrinja o exercício de atividade de transporte de natureza estritamente privada,
sob pena de transformar-se o modelo federativo em óbice ao pleno desenvolvimento do país,
considerada a profusão desordenada de legislações conflitantes.”

(ADPF 449/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, julgada em 8.6.19, DJe 2.9.19)

Depreende-se do parágrafo único do art. 11-A da Lei n. 12.587/2012 que o Distrito Federal deve
observar as seguintes diretrizes para o Serviço de Transporte Individual Privado de Passageiros
baseado em Tecnologia de Comunicação em Rede: "a efetiva cobrança dos tributos municipais; a
exigência de contratação de seguro APP e DPVAT; e a exigência da inscrição do motorista no INSS".

Sendo assim, a cobrança de preço público por quilômetro rodado, como condição para o exercício da
atividade econômica, ultrapassa os limites estabelecidos pelo legislador federal, haja vista a
inexistência de previsão a esse respeito na lei federal de regência.

O Distrito Federal sustenta, em defesa dos atos normativos impugnados, que a instituição da cobrança
de preço público decorre do exercício do poder de polícia, nos termos do art. 145, II, da CF. Todavia,
cumpre registrar que o preço público não se confunde com a taxa, não podendo ser tratado como
espécie tributária.

A esse respeito, assim leciona Roque A. Carraza (in: Curso de Direito Constitucional Tributário,
2015, p. 638/639):

“Se, no entanto, o Estado pretender remunerar-se pelos serviços públicos que presta ou pelos atos de
polícia que realiza (tudo vai depender de sua decisão política, expressa em lei), deverá,
obrigatoriamente, fazê-lo por meio de taxas (obedecido, pois, o regime jurídico tributário). Nunca
por meio de preços públicos (também chamados tarifas ou, simplesmente, preços).

Apenas para tangenciarmos o assunto, os preços possuem regime jurídico diverso das taxas, não
sendo dado ao legislador transformar estas naqueles, e vice-versa. De feito, enquanto os preços
(tarifas) são regidos pelo direito privado, as taxas obedecem ao regime jurídico público. Nelas não
há relação contratual, mas relação jurídica de conteúdo manifestamente publicístico.”

Logo, o art. 145, II, da CF, reproduzido no art. 125, II, da LODF, não ampara o exercício da atividade
legiferante, conforme realizada pelo ente distrital, havendo, de toda sorte, a invasão da competência
legislativa da União.
Reconheço, portanto, a inconstitucionalidade formal do art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por
arrastamento, do art. 22 do Decreto n. 38.258/2017 e do art. 30 do Decreto nº 42.011/2021.

2.2 Da inconstitucionalidade material

Na hipótese vertente, o art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e o art. 22 do Decreto n. 38.258/2017


autorizam e regulam a cobrança de preço público proporcional à distância percorrida no Serviço de
Transporte Individual Privado de Passageiros baseado em Tecnologia de Comunicação em Rede no
Distrito Federal - STIP/DF.

Com efeito, os direitos e as garantias fundamentais estão sujeitos à regulação, podendo o legislador
estabelecer limites ao seu exercício, a fim de compatibilizar os interesses individuais e os da
coletividade.

Todavia, a interferência estatal na ordem econômica deve ser mitigada, de modo a respeitar a livre
iniciativa e os valores sociais do trabalho, que constituem fundamentos da República Federativa do
Brasil, de acordo com o art. 1º, IV, da CF.

A esse respeito, o art. 170 da CF estabelece como princípios da ordem econômica e financeira a livre
concorrência, a defesa do consumidor e a busca do pleno emprego. O parágrafo único do referido
dispositivo enfatiza que “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Nesse diapasão, o uso de aplicativos desenvolvidos para comunicação em rede para contratação de
serviço de transporte individual revela inovação tecnológica bem recebida pela sociedade e, a partir de
então, diante da profusão da prática, surgiu a necessidade de regulamentação e fiscalização da
atividade econômica, a fim de buscar a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação
do serviço (art. 11-A, parágrafo único, Lei n. 12.587/2012).

A cobrança de preço público, em sentido contrário, impõe restrição a uma contratação essencialmente
privada, em que um particular acessa uma plataforma digital para contratar um motorista que o
transporte.

Dessa forma, o Estado não disponibiliza bem específico ou presta qualquer serviço que autorize a
cobrança de tarifa e, na espécie, o exercício do poder de polícia não indica circunstância suficiente a
justificar a imposição do pagamento de preço público, o que denota que a legislação incorre em
inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios da livre iniciativa e da intervenção
subsidiária no domínio econômico.

O interesse patrimonial do Estado, a despeito de sua relevância, não pode prevalecer sobre valores
constitucionais primários, como a livre iniciativa, a liberdade de exercício profissional, a defesa do
consumidor e a busca do pleno emprego.

Registre-se, por oportuno, que a relevância coletiva de um serviço não transmuta sua natureza em um
serviço público. Destarte, embora o transporte de passageiros seja de interesse comunitário, a
interferência do Estado não pode se sobrepor à liberdade dos prestadores e dos usuários do serviço,
sobretudo em relação ao transporte individual privado.

A intervenção estatal no domínio econômico deve ser para reprimir o abuso do poder econômico que
vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (CF,
art. 173, § 4º), ou, ainda, quando necessário preservar outros valores e princípios, o que não se
evidencia no presente caso.

A eventual possibilidade de cobrança de tarifa, semelhante às corridas realizadas por táxis, não é
capaz, por si só, de autorizar a arrecadação de preço público em contrato de transporte entabulado
entre particulares, em que não pode haver tabelamento de preços e não se exige a concessão de
autorização administrativa. Logo, não se pode equiparar situações fático-jurídicas distintas, como se
iguais fossem.

Ainda que o ônus financeiro imposto não seja excessivo, diante da proporcionalidade em relação aos
quilômetros percorridos, é inegável que a cobrança representa o aumento dos custos para o
desenvolvimento da atividade de transporte, que certamente serão repassados ao consumidor, sem que
haja qualquer contraprestação por parte do Estado.

Nesse sentido, ainda que se argumente que o Estado passa a exercer maior fiscalização no trânsito,
devido ao maior fluxo de carros devido ao transporte individual dos passageiros, a cobrança de preço
público é medida indevida, que ofende os direitos do consumidor, de acordo com a melhor doutrina
(CARRAZA, R.; in: Curso de Direito Constitucional Tributário, 2015, p. 642):

“Muito bem, retornando à trilha principal, se o legislador quiser fazer ressarcir, pelos usuários,
serviços públicos específicos e divisíveis efetivamente prestados ou postos à disposição, só poderá
fazê-lo por meio de taxa (de serviço, no caso). Do mesmo modo, se o legislador desejar que os
administrados remunerem as despesas dos atos ou diligências de polícia que os alcançaram, deverá
criar uma taxa (de polícia). Em síntese: serviço público específico e divisível e ato de polícia
endereçado a alguém só podem ser remunerados por meio de taxa.

(...)

Enfim, exige o art. 145, II, da Carta Magna que, se a pessoa política que presta um serviço público
ou pratica um ato de polícia quiser obter dinheiro por isto, deverá fazê-lo por meio de taxa (de
serviço ou de polícia, conforme a hipótese), sempre observado o regime jurídico tributário.

Este é um direito do contribuinte – no mais das vezes esquecido – de só ser compelido a pagar pelo
serviço público ou pelo ato de polícia que o alcança se a importância dele exigida for uma taxa
(criada por lei, acatados os princípios da anterioridade, da igualdade, da reserva de competências
tributárias etc.).”

Sobre o tema, assim já se manifestou o STF, no julgamento da ADPF n. 449:

“DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E REGULATÓRIO. PROIBIÇÃO DO LIVRE


EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS.
INCONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES. PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO (ART. 1º, IV),
DA LIBERDADE PROFISSIONAL (ART. 5º, XIII), DA LIVRE CONCORRÊNCIA (ART. 170,
CAPUT), DA DEFESA DO CONSUMIDOR (ART. 170, V) E DA BUSCA PELO PLENO EMPREGO
(ART. 170, VIII). IMPOSSIBILIDADE DE ESTABELECIMENTO DE RESTRIÇÕES DE ENTRADA
EM MERCADOS. MEDIDA DESPROPORCIONAL. NECESSIDADE DE REVISÃO JUDICIAL.
MECANISMOS DE FREIOS E CONTRAPESOS. ADPF JULGADA PROCEDENTE.

(...)

4. A União possui competência privativa para legislar sobre “diretrizes da política nacional de
transportes”, “trânsito e transporte” e “condições para o exercício de profissões” (art. 22, IX, XI e
XVI, da CRFB), sendo vedado tanto a Municípios dispor sobre esses temas quanto à lei ordinária
federal promover a sua delegação legislativa para entes federativos menores, considerando que o art.
22, parágrafo único, da Constituição faculta à Lei complementar autorizar apenas os Estados a
legislar sobre questões específicas das referidas matérias. Precedentes: ADI 3136, Relator(a): Min.
Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2006, DJ 10/11/2006; ADI 2.606, Rel. Min.
Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ de 07/02/2003; ADI 3.135, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, DJ de 08/09/2006; e ADI 3.679, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de
03/08/2007; ARE 639496 RG, Relator(a): Min. Cezar Peluso, julgado em 16/06/2011; ADI 3049,
Relator(a): Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2007.

5. O motorista particular, em sua atividade laboral, é protegido pela liberdade fundamental


insculpida no art. 5º, XIII, da Carta Magna, submetendo-se apenas à regulação proporcionalmente
definida em lei federal, pelo que o art. 3º, VIII, da Lei Federal n.º 12.965/2014 (Marco Civil da
Internet) e a Lei Federal n.º 12.587/2012, alterada pela Lei n.º 13.640 de 26 de março de 2018,
garantem a operação de serviços remunerados de transporte de passageiros por aplicativos.

6. A liberdade de iniciativa garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição brasileira
consubstancia cláusula de proteção destacada no ordenamento pátrio como fundamento da República
e é característica de seleto grupo das Constituições ao redor do mundo, por isso que não pode ser
amesquinhada para afastar ou restringir injustificadamente o controle judicial de atos normativos
que afrontem liberdades econômicas básicas.

7. O constitucionalismo moderno se fundamenta na necessidade de restrição do poder estatal sobre o


funcionamento da economia de mercado, sobrepondo-se o Rule of Law às iniciativas autoritárias
destinadas a concentrar privilégios, impor o monopólio de meios de produção ou estabelecer
salários, preços e padrões arbitrários de qualidade, por gerarem ambiente hostil à competição, à
inovação, ao progresso e à distribuição de riquezas. Literatura: ACEMOGLU, Daron; ROBINSON,
James. Por que as nações fracassam – As origens do poder, das prosperidade e da pobreza. Trad.
Cristiana Serra. 1ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

8. A teoria da escolha pública (public choice) vaticina que o processo politico por meio do qual
regulações são editadas é frequentemente capturado por grupos de poder interessados em obter, por
essa via, proveitos superiores ao que seria possível em um ambiente de livre competição, porquanto
um recurso político comumente desejado por esses grupos é o poder estatal de controle de entrada de
novos competidores em um dado mercado, a fim de concentrar benefícios em prol de poucos e
dispersar prejuízos por toda a sociedade. Literatura: STIGLER, George. “The theory of economic
regulation”. in: The Bell Journal of Economics and Management Science, Vol. 2, No. 1
(Spring,1971).

9. O exercício de atividades econômicas e profissionais por particulares deve ser protegido da


coerção arbitrária por parte do Estado, competindo ao Judiciário, à luz do sistema de freios e
contrapesos estabelecidos na Constituição brasileira, invalidar atos normativos que estabeleçam
restrições desproporcionais à livre iniciativa e à liberdade profissional. Jurisprudência: RE nº
414426 Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011; RE 511961,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2009.

10. O sistema constitucional de proteção de liberdades goza de prevalência prima facie, devendo
eventuais restrições ser informadas por um parâmetro constitucionalmente legítimo e adequar-se ao
teste da proporcionalidade, exigindo-se ônus de justificação regulatória baseado em elementos
empíricos que demonstrem o atendimento dos requisitos para a intervenção.

11. A norma que proíbe o “uso de carros particulares cadastrados ou não em aplicativos, para o
transporte remunerado individual de pessoas” configura limitação desproporcional às liberdades de
iniciativa (art. 1º, IV, e 170 da CRFB) e de profissão (art. 5º, XIII, da CRFB), a qual provoca
restrição oligopolística do mercado em benefício de certo grupo e em detrimento da coletividade.
Ademais, a análise empírica demonstra que os serviços de transporte privado por meio de aplicativos
não diminuíram o mercado de atuação dos táxis.

12. O arcabouço regulatório dos táxis no Brasil se baseia na concessão de títulos de permissão a um
grupo limitado de indivíduos, os quais se beneficiam de uma renda extraordinária pela restrição
artificial do mercado, de modo que o ativo concedido não corresponde a qualquer benefício gerado à
sociedade, mas tão somente ao cenário antinatural de escassez decorrente da limitação
governamental, sendo correto afirmar que os princípios constitucionais da igualdade (art. 5º, caput),
da livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170) e da livre concorrência (art. 173, § 4º) vedam ao Estado
impedir a entrada de novos agentes no mercado para preservar a renda de agentes tradicionais.
Jurisprudência: ADI 5062, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2016.

13. A proibição legal do livre exercício da profissão de transporte individual remunerado afronta o
princípio da busca pelo pleno emprego, insculpido no art. 170, VIII, da Constituição, pois impede a
abertura do mercado a novos entrantes, eventualmente interessados em migrar para a atividade como
consectário da crise econômica, para promover indevidamente a manutenção do valor de permissões
de táxi.

14. A captura regulatória, uma vez evidenciada, legitima o Judiciário a rever a medida suspeita,
como instituição estruturada para decidir com independência em relação a pressões políticas, a fim
de evitar que a democracia se torne um regime serviente a privilégios de grupos organizados,
restando incólume a Separação dos Poderes ante a atuação dos freios e contrapesos para anular atos
arbitrários do Executivo e do Legislativo.

15. A literatura do tema assenta que, verbis: “não há teoria ou conjunto de evidências aceitos que
atribuam benefícios sociais à regulação que limite a entrada e a competição de preços” (POSNER,
Richard A. “The Social Costs of Monopoly and Regulation”. In: The Journal of Political Economy,
Vol. 83, No. 4 (Aug., 1975), pp. 807-828). Em idêntico prisma: SHLEIFER, Andrei. The Enforcement
Theory of Regulation. In: The Failure of Judges and the Rise of Regulators. Cambridge: The MIT
Press, 2012. p. 18; GELLHORN, Walter. “The Abuse of Occupational Licensing”. In: 44 U. Chi. L.
Rev. 6 1976-1977.

16. A evolução tecnológica é capaz de superar problemas econômicos que tradicionalmente


justificaram intervenções regulatórias, sendo exemplo a sensível redução de custos de transação e
assimetria de informação por aplicativos de transporte individual privado, tornando despicienda a
padronização dos serviços de táxi pelo poder público. Literatura: MACKAAY, Ejan. Law and
Economics for Civil Law Systems. Cheltenham: Edward Elgar, 2013.

17. Os benefícios gerados aos consumidores pela atuação de aplicativos de transporte individual de
passageiros são documentados na literatura especializada, que aponta, mediante métodos de
pesquisa empírica, expressivo excedente do consumidor (consumer surplus), consistente na diferença
entre o benefício marginal na aquisição de um bem ou serviço e o valor efetivamente pago por ele, a
partir da interação entre a curva de demanda e o preço de mercado, por isso que a proibição da
operação desses serviços alcança efeito inverso ao objetivo de defesa do consumidor imposto pelos
artigos 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição.

18. A Constituição impõe ao regulador, mesmo na tarefa de ordenação das cidades, a opção pela
medida que não exerça restrições injustificáveis às liberdades fundamentais de iniciativa e de
exercício profissional (art. 1º, IV, e 170; art. 5º, XIII, CRFB), sendo inequívoco que a necessidade de
aperfeiçoar o uso das vias públicas não autoriza a criação de um oligopólio prejudicial a
consumidores e potenciais prestadores de serviço no setor, notadamente quando há alternativas
conhecidas para o atingimento da mesma finalidade e à vista de evidências empíricas sobre os
benefícios gerados à fluidez do trânsito por aplicativos de transporte, tornando patente que a norma
proibitiva nega “ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente”, em contrariedade ao
mandamento contido no art. 144, § 10, I, da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº
82/2014.

19. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada procedente para declarar


inconstitucional a Lei Municipal de Fortaleza nº 10.553/2016, por ofensa aos artigos 1º, IV; 5º, caput,
XIII e XXXII; 22, IX, XI e XVI; 144, § 10, I; 170, caput, IV, V e VIII; e 173, § 4º, todos da Carta
Magna.”
(ADPF 449, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2019, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-190 DIVULG 30-08-2019 PUBLIC 02-09-2019)

Destarte, tendo em vista a ofensa aos valores constitucionais mencionados, impõe-se o


reconhecimento da inconstitucionalidade, também material, do normativo distrital impugnado.

Ante o exposto, CONHEÇO da arguição e, no mérito, DECLARO a inconstitucionalidade formal e


material do art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por arrastamento, do art. 22 do Decreto nº
38.258/2017 e do art. 30 do Decreto nº 42.011/2021.

É como voto.

A Senhora Desembargadora FÁTIMA RAFAEL - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador CESAR LOYOLA - 2º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador SANDOVAL OLIVEIRA - 3º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ESDRAS NEVES - 4º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora GISLENE PINHEIRO - 5º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO - 6º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador GETÚLIO MORAES OLIVEIRA - 7º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR - 8º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO - 9º Vogal

Cuida-se de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, instaurado no julgamento do Mandado de


Segurança nº 0717826-02.2018.8.07.0000, em votação unânime, pela egrégia Turma Cível, em face
do art. 14 da Lei Distrital nº 5.691/2016 e, por arrastamento, do art. 22 do Decreto Distrital nº
38.258/2017, que assim dispõem:

LEI DISTRITAL N. 5.691/2016

“Art. 14. Fica autorizada a cobrança de preços públicos por créditos de quilômetros rodados, na
forma do regulamento.

Parágrafo único. As receitas obtidas com a cobrança de preços públicos de que trata o caput são
destinadas ao cumprimento das metas estabelecidas pelo Plano Diretor de Transporte Urbano e
Mobilidade do Distrito Federal, em especial a manutenção do serviço de transporte individual”.

DECRETO N. 38.258/2017
“Art. 22. A prestação de serviços no STIP/DF fica condicionada ao recolhimento de preço público
relativo ao uso de bens públicos para exercício de atividade privada remunerada.

§ 1º O valor do preço público de que trata o caput deve guardar relação com a distância percorrida
durante a prestação dos serviços e ter sua forma de cálculo e sua periodicidade de recolhimento
definidas em ato próprio da SEMOB/DF.

§ 2º O preço público de que trata o caput deverá ser recolhido pela Empresa Operadora em uma das
seguintes formas:

I - antecipadamente, mediante aquisição de créditos a serem compensados à medida da


contabilização dos dados relacionados à prestação dos serviços;

II - posteriormente, mediante pagamento do valor consolidado.

§ 3º A SEMOB/DF pode estabelecer variações de valor do preço público de que trata o caput, de
acordo com as políticas públicas definidas.

§ 4º As receitas obtidas com o recolhimento dos preços públicos devem ser repassadas ao Fundo do
Transporte Público Coletivo do Distrito Federal”.

O Distrito Federal suscita preliminar de perda superveniente do objeto do presente incidente, em


virtude da revogação do art. 22 do Decreto Distrital nº 38.258/2017 pelo Decreto Distrital nº
42.011/2021.

Entretanto, ainda que o art. 71 do Decreto Distrital nº 42.011/2021 tenha sido formalmente revogado o
Decreto nº 38.258/2017, verifica-se que em seu art. 30 não houve alteração substancial no conteúdo
normativo do art. 22 do Decreto nº 38.258/2017. Na verdade, constata-se verdadeira semelhança entre
os textos de ambas as normas, tudo a indicar evidente continuidade normativa, não havendo que se
falar, portanto, em perda superveniente do objeto.

Persiste, também, o interesse jurídico na análise da constitucionalidade dos dispositivos legais em


comento, uma vez que a exigibilidade da cobrança das verbas ali tratadas está suspensa, conforme
decisão liminar proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 0717826-02.2018.8.07.0000 (Id.
6136419), sendo incabível falar-se em prejudicialidade da matéria, impondo, portanto, o avanço
quanto à análise do mérito.

O art. 22, incisos IX e XI, e parágrafo único, da Carta Magna preleciona que é de competência
privativa da União Federal legislar sobre as diretrizes da política nacional de transportes e sobre
trânsito e transporte, podendo a lei complementar autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas das matérias ali tratadas.

Com suporte nisso, a União editou a Lei Federal nº 12.587/2012, no que se refere às diretrizes da
Política Nacional de Mobilidade Urbana, sendo que em seus arts. 11-A e 11-B detalhou o serviço de
transporte remunerado privado individual de passageiros.

Por sua vez, o parágrafo único do art. 11-A da referida Lei Federal dispõe que o Distrito Federal deve
observar as diretrizes traçadas para o serviço de transporte remunerado privado individual de
passageiros, dentre elas, a efetiva cobrança de tributos municipais.

Sendo assim, a cobrança de preço público (que não tem natureza de tributo) por quilômetro rodado,
como condição para o exercício da atividade econômica, excede os limites estabelecidos pelo
legislador federal, havendo verdadeira invasão de competência legislativa da União Federal.

A legislação em comento, de mais a mais, ao impor a cobrança de preço público para uma contratação
essencialmente privada, ofende os princípios da livre concorrência, da defesa do consumidor e da
intervenção subsidiária no domínio econômico, tendo em vista que a interferência estatal na ordem
econômica de respeitar a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho, já é cuidada pelo que dispõe
o art. 1º, inciso IV, da Carta Magna.

Em face disso, conclui-se que os dispositivos legais impugnados são inconstitucionais, tanto sob o
manto formal, quanto material, impondo, em consequência, o acolhimento do vertente incidente.

Ante o exposto, sem mais delongas, julgo procedente o presente incidente de inconstitucionalidade e
assim o faço para o fim de declarar a inconstitucionalidade formal e material do art. 14 da Lei Distrital
nº 5.691/2016 e, por arrastamento, do art. 22 do Decreto Distrital nº 38.258/2017 e do art. 30 do
Decreto Distrital nº 42.011/2021, acompanhando, portanto, o eminente Relator.

É como voto.

O Senhor Desembargador JAIR SOARES - 10º Vogal


Com o relator
A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI - 11º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador MARIO-ZAM BELMIRO - 12º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - 13º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS - 14º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA - 15º Vogal

Acompanho o voto do e. Relator, para acolher a arguição e declarar, incidenter tantum, a


inconstitucionalidade formal e material do art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por arrastamento,
do art. 22 do Decreto nº 38.258/2017 e do art. 30 do Decreto nº 42.011/2021.

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA PELA CABIFY

Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade suscitado pela impetrante CABIFY


Agência de Serviços de Transporte de Passageiros Ltda.

A Colenda Primeira Câmara Cível admitiu o incidente e promoveu a remessa dos autos a este E.
Conselho Especial, nesses termos:
“MANDADO DE SEGURANÇA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 14 DA LEI Nº
5.691/2016 E, POR ARRASTAMENTO, DO ARTIGO 22 DO DECRETO Nº 38.258/2017.
OBRIGAÇÃO DE PAGAR PREÇO PÚBLICO RELATIVO AO USO DE BENS PÚBLICOS PARA O
EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. NECESSIDADE
DE EXAME DA MATÉRIA PELO CONSELHO ESPECIAL. QUESTÃO DE ORDEM. ARGUIÇÃO
DE INCONSTITUCIONALIDADE. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO.

1. A necessidade de apreciação da constitucionalidade do Artigo 14 da Lei n.º 5.691/2016


(regulamentação da prestação do Serviço de Transporte Individual Privado de Passageiros Baseado
em Tecnologia de Comunicação em Rede no Distrito Federal) e, por arrastamento, do Artigo 22 do
Decreto nº 38.258/2017 (Regulamenta aLei nº 5.691), os quais preveem a obrigação de pagar preço
público relativo ao uso de bens públicos para o exercício da atividade de transporte individual de
passageiros, possibilita a instauração de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, nos termos
do Regimento Interno do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a fim de
preservar a Cláusula de Reserva de Plenário prevista no artigo 97 da Constituição Federal e na
Súmula Vinculante número 10 do Supremo Tribunal Federal.

2. Suscitado Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade e determinada a suspensão do presente


Mandado de Segurança até o pronunciamento do Egrégio Conselho Especial e da Magistratura desta
Corte de Justiça sobre o tema, qual seja: a inconstitucionalidade ou não do Artigo 14 da Lei nº
5.691/2016 e, por arrastamento, do Artigo 22 do Decreto nº 38.258/2017, após o qual será
examinado o mérito da questão submetida a julgamento, nesta Câmara.

3. Questão de ordem suscitada. Reserva de plenário. Julgamento suspenso.”

(Acórdão 1403306, 07178260220188070000, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 1ª


Câmara Cível, data de julgamento: 7/3/2022, publicado no PJe: 22/3/2022. Pág.: Sem Página
Cadastrada.)

A arguente sustenta, em síntese, 1) que o Distrito Federal extrapolou o seu poder regulamentar ao
impor restrições que excedem as diretrizes da norma federal; 2) que o art. 14, da Lei nº 5.691/2016 e o
art. 22, do Decreto nº 38.258/2017 acabaram por impor obrigações ilegais às empresas prestadoras do
STIP/DF; 3) a cobrança imposta pelo Distrito Federal não pode ser caracterizada como preço público,
já que não corresponde a uma cobrança associada ao uso especial de bem público.

Com razão a arguente.

INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS E MATERIAIS DO ART. 14 DA LEI Nº 5.691/2016,


DO ART. 22 DO DECRETO Nº 38.258/2017 E DO ART. 30 DO DECRETO Nº 42.011/2021

Conforme relatado, as normas impugnadas preveem a obrigação de pagar preço público relativo ao
uso de bens para o exercício da atividade de transporte individual de passageiros.

Transcrevo seu teor:


LEI DISTRITAL N. 5.691/2016

“Art. 14. Fica autorizada a cobrança de preços públicos por créditos de quilômetros rodados, na
forma do regulamento.

Parágrafo único. As receitas obtidas com a cobrança de preços públicos de que trata o caput são
destinadas ao cumprimento das metas estabelecidas pelo Plano Diretor de Transporte Urbano e
Mobilidade do Distrito Federal, em especial a manutenção do serviço de transporte individual”.

DECRETO N. 38.258/2017

“Art. 22. A prestação de serviços no STIP/DF fica condicionada ao recolhimento de preço público
relativo ao uso de bens públicos para exercício de atividade privada remunerada.

§ 1º O valor do preço público de que trata o caput deve guardar relação com a distância percorrida
durante a prestação dos serviços e ter sua forma de cálculo e sua periodicidade de recolhimento
definidas em ato próprio da SEMOB/DF.

§ 2º O preço público de que trata o caput deverá ser recolhido pela Empresa Operadora em uma das
seguintes formas:

I - antecipadamente, mediante aquisição de créditos a serem compensados à medida da


contabilização dos dados relacionados à prestação dos serviços;

II - posteriormente, mediante pagamento do valor consolidado.

§ 3º A SEMOB/DF pode estabelecer variações de valor do preço público de que trata o caput, de
acordo com as políticas públicas definidas.

§ 4º As receitas obtidas com o recolhimento dos preços públicos devem ser repassadas ao Fundo do
Transporte Público Coletivo do Distrito Federal”.

DECRETO Nº 42.011, DE 19 DE ABRIL DE 2021

“Art. 30. A prestação de serviços no STIP/DF fica condicionada ao recolhimento de preço público
relativo ao uso de bens públicos para exercício de atividade privada remunerada.

§1º O valor do preço público de que trata o caput deve guardar relação com a distância percorrida
durante a prestação dos serviços e ter sua forma de cálculo e sua periodicidade de recolhimento
definidas em ato próprio da SEMOB/DF.

§2º O preço público de que trata o caput deverá ser recolhido pela Empresa Operadora em uma das
seguintes formas:

I - antecipadamente, mediante aquisição de créditos a serem compensados à medida da


contabilização dos dados relacionados à prestação dos serviços;

II - posteriormente, mediante pagamento do valor consolidado.

§3º A SEMOB/DF pode estabelecer variações de valor do preço público de que trata o caput, de
acordo com as políticas públicas definidas.”
Como é cediço, compete privativamente à União legislar sobre diretrizes da política nacional de
transportes e sobre trânsito e transporte, in verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...) IX - diretrizes da política nacional de transportes;

(...) XI - trânsito e transporte”.

Em âmbito federal, a matéria é regulada pela Lei nº 12.587/2012, que dispõe sobre diretrizes da
Política Nacional de Mobilidade Urbana e regula o serviço de transporte remunerado privado
individual de passageiros.

A lei federal mencionada impõe as diretrizes que devem ser seguidas pelos demais entes, tendo em
vista a eficiência, a segurança e a efetividade na prestação do serviço, sendo certo que não prevê a
cobrança de preço público por créditos de quilômetros rodados.

Assim, fica evidenciada a inconstitucionalidade formal das normas impugnadas, uma vez exorbitaram
o poder regulamentar delimitado pela União.

Há também inconstitucionalidade material da norma, por restringir de forma desproporcional a


atividade de transporte individual de passageiros, o que acaba por violar os princípios da livre
iniciativa e livre concorrência.

A matéria não é nova no âmbito deste E. Corte, que assim tem decidido:

“(...) 1 - No julgamento do RE 1054110/SP, em que reconhecida repercussão geral, o c. STF fixou a


seguinte tese: ‘No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte
privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os
parâmetros fixados pelo legislador federal (CF/1988, art. 22, XI).’ (Tribunal Pleno, relator o em.
Ministro Roberto Barroso; julgado em 9.5.19, DJe 6.9.19)

2 - A L. 12.587/12, editada pela União dentro de sua competência privativa, nos arts. 11-A e 11-B, ao
atribuir aos municípios e ao Distrito Federal competência para regulamentar e fiscalizar o serviço de
transporte remunerado privado individual de passageiros, indicou as diretrizes que devem ser
seguidas, tendo em vista a eficiência, a segurança e a efetividade na prestação do serviço, não
incluindo a obrigação de licenciamento do veículo no município em que será prestado o serviço.

3 - Como não incluiu, referida lei, obrigações outras, lei do Distrito Federal que impõe o
licenciamento do veículo nesta unidade federativa como condição para cadastramento é
inconstitucional, máxime se a finalidade é unicamente arrecadar o imposto que incide sobre a
propriedade do veículo.
4 - Consoante o c. STF ‘as normas que proíbam ou restrinjam de forma desproporcional o transporte
privado individual de passageiros são inconstitucionais", entre outros motivos, porque a
"possibilidade de intervenção do Estado na ordem econômica para preservar o mercado
concorrencial e proteger o consumidor não pode contrariar ou esvaziar a livre iniciativa, a ponto de
afetar seus elementos essenciais’ (RE 1054110/SP; Tribunal Pleno, relator Ministro Roberto
Barroso; julgado em 9.5.19, DJe 6.9.19).

5 - Na esteira do que decidiu o c. STF: ‘é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre
exercício de atividade econômica ou profissional quando utilizada como meio de cobrança indireta
de tributos.’ (ARE 914045-RG, Tribunal Pleno, relator o em. Ministro Edson Fachin; julgado em
15.10.15, DJe 19.11.15).

6 - E a exigência de licenciamento do veículo no DF - desproporcional, que não serve para melhorar


a eficiência e nem a segurança do serviço -- cria reserva de mercado, o que contraria o art. 158,
incisos IV, V e IX da LODF, e afronta o princípio da livre iniciativa (CF, arts. 1º, IV, e 170).

7 - Arguição de inconstitucionalidade julgada procedente.”

(Acórdão 1296119, 00005705320198070000, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Relator


Designado: JAIR SOARES Conselho Especial, data de julgamento: 20/10/2020, publicado no DJE:
25/11/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

“(...) É ilegal a cobrança de preço público pelo uso normal de bem público de uso comum do povo,
por sociedade empresária na prestação de serviço de transporte privado individual de passageiros,
quando não há individualização do bem utilizado nem restrição de acesso da coletividade ao uso.”

(Acórdão 1099950, 07023727920188070000, Relator: ESDRAS NEVES, 2ª Câmara Cível, data de


julgamento: 21/5/2018, publicado no DJE: 6/6/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

DISPOSITIVO

Ante o exposto, acolho o incidente de inconstitucionalidade para declarar incidentalmente a


inconstitucionalidade formal e material do art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por arrastamento,
do art. 22 do Decreto nº 38.258/2017 e do art. 30 do Decreto nº 42.011/2021, acompanhando o voto
do e. relator.

É como voto.

O Senhor Desembargador ANGELO PASSARELI - 16º Vogal


Com o relator

DECISÃO

Declarada a inconstitucionalidade formal e material do art. 14 da Lei Distrital n. 5.691/2016 e, por


arrastamento, do art. 22 do Decreto nº 38.258/2017 e do art. 30 do Decreto nº 42.011/2021. Decisão
unânime.

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