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Likastía III

Olhos divinos

Rubi A. Elhalyn
DEDICAtória
Para Aline ‘Fell’ que ama as fofocas sobre a vida dos meus bebês felinos tanto quanto
amo escrever.
ÍNDICE
Capítulo 01 ..................................................................................................................... 4
Capítulo 02 ..................................................................................................................... 6
Capítulo 03 ................................................................................................................... 10
Capítulo 04 ................................................................................................................... 15
Capítulo 05 ................................................................................................................... 20
Capítulo 06 ................................................................................................................... 26
Capítulo 07 ................................................................................................................... 33
Capítulo 08 ................................................................................................................... 41
Capítulo 09 ................................................................................................................... 49
Capítulo 10 ................................................................................................................... 56
Capítulo 11 ................................................................................................................... 64
Capítulo 12 ................................................................................................................... 69
Capítulo 13 ................................................................................................................... 77
Capítulo 14 ................................................................................................................... 86
Capítulo 15 ................................................................................................................... 95
Capítulo 16 ................................................................................................................. 103
Capítulo 17 ................................................................................................................. 111
Capítulo 18 ................................................................................................................. 126
Capítulo 19 ................................................................................................................. 136
Capítulo 20 ................................................................................................................. 144
Futurepílogo .............................................................................................................. 155
Pretéribônus .............................................................................................................. 159
Bônus da Autora ........................................................................................................ 163
Likastía 03|4

Capítulo 01
Você fala, mas nem sempre te ouvem. Ou ouvem, mas nem sempre escutam... E eu
posso provar.
~o ⭐ o~
Mais um dia, mais um segredo...
- Mais um dia.....mais um segredo... Ah, pelo amor de Kallisti, as vezes acho que você é
adotada!
- Mãe! - Ane fechou o caderno e se virou na cadeira para encarar sua mãe. - Se não
gosta do que escrevo, porque fica espiando?
- Esperança, filha. Vai que um dia você se torne mais audaciosa e menos dramática.
Ane riu e balançou a cabeça. Apesar de tão diferentes, elas eram mais amigas do que
mãe e filha e sempre tinham esse tipo de conversa.
- Cadê o papai?
- Com seu tio na fonte. Vamos passear e encontrar alguns namorados pra você?
- Mãe! - Ane escondeu o rosto envergonhada. - Eu não quero "namorados". Quando
eu encontrar alguém, o amor da minha vida, será o primeiro e único...
- Ok. É oficial. Você é adotada. Vou procurar quem trocou meu bebê depois do parto.
- Do que estão falando? - Arman se aproximou tentando controlar o riso. Era sempre
engraçado a relação daquelas duas.
- Nada. - Ane disse, olhando pro chão.
- Macho. - Sua mãe respondeu ao mesmo tempo.
- Mãe!
- Ciara, calma. Se continuar assim sua filha vai entrar em combustão espontânea de
tanta vergonha. – Arman brincou.
Ane acabou se distraindo ao passar pela estátua que amava. A estátua da divindade
mais poderosa do panteão, abençoando os gêmeos que dariam fim a antiga rixa entre os
reinos.
- Acorda, miga. – Jana, melhor amiga de Ane, era uma jovem gentil, meio estabanada e
que muitas vezes parecia não perceber a própria beleza. – Oi, tia Ciara.
- Oi, querida. Me faça um favor?
- Claro. – Jana respondeu.
- Leva sua amiga pra se divertir um pouco e não deixa ela parar pra ficar lendo o
tempo todo, pelo amor de Kallisti. Não aguento mais ver essa menina estudando. – Ciara
disse praticamente empurrando Ane para a amiga.
Jana riu e puxou a amiga para longe, meio saltitando e falando pelos cotovelos.
- Fala. – Arman, conhecendo bem a amiga, sabia que algo a incomodava.
Ciara se virou com o semblante muito sério. – Aqui não. Vamos entrar.

~o ⭐ o~
Likastía 03|5

Sunny estava pronta para sair de casa, antes que seu tio abusivo acordasse e... Bem,
fizesse o que sempre fazia.
- kuitikiiii.
Era a hora. Sem pensar duas vezes, Sunny pulou a janela e caiu no lago. Ela não nadava
muito bem. Mas não precisava. Uma mão amiga que a puxou da água e a cobriu com uma
manta grossa.
- Você está bem?
- Não. Odeio frio. Mas vou ficar. – Sunny respondeu, grata, mas temerosa demais
sequer para ter esperanças.
Horas mais tarde os dois entraram no temido pântano a caminho do lugar mais lindo e
mais sagrado do mundo. Sunny acendeu uma chama esverdeada na mão direita, aliviada
por não precisar mais esconder seu precioso dom.
- Sunny! – Alart parecia chocado. – Não se deve usar magia pra atravessar o...
- Me polpe, Alart! Isso serve para quem está na iniciação. Nós não estamos e tenho
certeza que Kallisti não vai me condenar por esse momento de felicidade.
Alart não discutiu, ocupado em se livrar de mais uma das muitas feras do pântano. O
dia começava a clarear quando os dois finalmente chegaram a famosa fonte oculta dentro
da caverna, as Fontes Termais Sagradas.
- É incrível.... Finalmente estou aqui....
- Você quer dizer fisicamente ne. Porque duvido que haja alguém que esteve aqui mais
vezes do que você. – Alart comentou, apaixonado pela visão daquele lugar mágico que
deixava a maioria sem fôlego.
- Vocês demoraram... Uau! Oi.
- Oi. – Sunny respondeu meio sem graça. – É bom finalmente te conhecer....
Pessoalmente, no caso.
- A semelhança é assustadora. – Ciara comentou.
Alart se afastou para trás de uma rocha e começou a trocar as roupas simples e
rasgadas de servo por sua farda militar. - E agora? – Ele perguntou.
- Seu pai está ansioso para encontra-la, obviamente.
- Eu... – Sunny se sentiu subitamente insegura. O futuro tinha tantas possibilidades
agora.... E isso a assustava.
Ciara se aproximou com calma. – Não se preocupe, querida. Vamos cuidar bem de
você.
Alart balançou a cabeça afirmativamente, exibindo um sorriso calmo.
- Certo. – Sunny respirou fundo, estufou o peito e disse: - Que Kallisti me guie.
E eu guiaria.... Mas ela me ouviria?
Likastía 03|6

Capítulo 02
Um lindo arco-íris que uso ao redor de um dedo costuma ser um sinal bem claro nos
céus dos meus povos... A interpretação deles, porém, é tããão falha que às vezes me
entedia...
~o ⭐ o~
Arman estava sentado em uma poltrona imóvel. Por vezes isso assustou muita gente,
pois ele parecia uma estátua, de olhos abertos, sem piscar, respirando tão lentamente que
era quase imperceptível, porém atento à tudo e com a mente trabalhando a todo vapor. A
porta se abriu e finalmente ele se moveu, levantando da poltrona calmamente.
- Aqui estamos. – Ciara disse alegremente, direcionando um olhar sutil para Arman
enquanto os dois jovens entravam no cômodo.
Alart que ajudou a arrumar aquele cômodo a quase um ano, observava sua amiga um
tanto ansioso pela reação dela. Sunny olhava para todos os lados curiosa, mas
extremamente cautelosa com medo de quebrar alguma daquelas coisas chiques só por
olhar pra elas, tamanho era seu trauma de uma vida sendo agredida por bobagens.
- Gostou? – Alart perguntou.
- Mas é claro que ela gostou, garoto! Quem não gostaria de um lugar desses? – Ciara
respondeu, se aproximando de Arman. – Sunny, minha querida, este é o Rei Arman. Arman,
esta é a famosa Sunny. Mas e claro que vocês sabem disso. Estou apenas sendo educada.
- Oh. – Sunny finalmente voltou seu foco para o que importava. – Majestade. – Ela fez
uma reverência perfeita.
- Vamos, minha jovem, já no conhecemos intimamente demais para essas tolices de
etiqueta. – Arman se aproximou, gentilmente abraçando a jovem. – Mas confesso que é
muito bom finalmente poder tocar em você.
Sunny sorriu levemente e concordou.
- Não vai dar um abraço no seu pai, garoto?
- Err. Oi, pai, majestade, errr... – Alart estava emocionado por voltar para casa e,
aparentemente, ainda confuso. Arman deu um abraço apertado no filho seguido de alguns
tapinhas nas costas.
- Que meigo. Agora, ao que interessa. – Ciara cortou o momento.
- Sim. – Arman concordou e fez sinal para os dois jovens se sentarem à sua frente,
tomando seu lugar na poltrona enquanto Ciara mexia no armário ao lado. – Agora me conte
tudo, minha jovem. Quero saber cada detalhe.
Sunny respirou fundo e começou sua história.

~o ⭐ o~
Likastía 03|7

- Você acha que isso pode dar bons frutos? Não é alguma armação... – Téo perguntou,
recostado na cama enquanto Ciara se vestia.
- É claro que é armação, criatura. Mas sim, acho que pode dar bons frutos ou não
teríamos nos dado todo esse trabalho.
- E o garoto?
- Alart é um bom rapaz, para nossa sorte, e parece gostar da jovem Tiger. – Ciara se
abaixou e deu alguns beijos preguiçosos em Téo. – A garota é tão talentosa quanto o Rei
Dreyfus. Talvez até mais. Imagine como isso vai ser bom.
- Sim. – Téo respondeu, tentando segurá-la na cama, mas falhando. – O Rei já tinha
comentado o quanto as aparições dela eram poderosas. Mas, vindo de você, acredito muito
mais.
- Oooown. Você me aaama. – Ciara brincou.
- Sabe que sim. – Téo respondeu sério.
- Melhor irmos. Tenho que encontrar minha filhota para dar uma volta naquela
maldita loja de novo.
- Ela é inteligente e uma pesquisadora nata. Devia se orgulhar.
- Eu me orgulho, sério. Mas queria que ela focasse um pouco mais em viver e menos
em ler. Bem, enfim. É melhor você ir. O Rei não consegue trabalhar tão bem sem seu
conselheiro lindo.
Téo riu, beijou ela mais uma vez e Ciara foi embora. Como sempre ia.

~o ⭐ o~
- Você está bem mesmo aqui? – Alart perguntou pela milionésima vez.
- Sim. Relaxa, meu amigo. Você viu como eu vivia. Isso aqui é o paraíso.
- Sim...Mas... Ah, sei lá, Sunny! Você ficar escondida aqui, sem poder sair pra ver o
céu....
- Não exagera, Alart. Como aqui é o cômodo mais alto e o único no topo do palácio, eu
saio de vez em quando pra ver o céu e respirar. Além do mais, olha quanta coisa eu tenho
pra ler, estudar, praticar meus dons....
- Mesmo assim! Não queria que você continuasse presa...
- Não seja ingrato, Alart, porque eu não sou. – Sunny olhou séria pra ele. – Olha, eu sei
que você se preocupa comigo e agradeço. É bom ter alguém que finalmente se preocupa
com a gente. Mas eu estou bem e isso aqui é temporário. Você conhece os riscos tão bem
quanto eu. Você viveu um ano naquele inferno comigo, sabe bem como era. Eu estou feliz e
devo isso ao Rei, mas principalmente a você que se arriscou, se rebaixou de príncipe
herdeiro a um mero servo em um palácio infernal para planejar meu resgate e me apoiar. E
eu nunca vou esquecer isso, meu amigo.
Likastía 03|8

Alart estava ainda meio emburrado, mas com os braços cruzados e olhando para o
lado, super sem graça. Sunny tocou seu queijo, o fazendo olhara para ela.
- Vem comigo.
Até a droga do inferno. Alart pensou e a seguiu para fora do quarto.
O quarto ficava bem no meio da laje do palácio, um antigo refúgio de um mago da
família real, a muito falecido, um Tiger lendário. Ao redor, várias plantas e flores, um
pequeno altar e um armário de pedra onde centenas de objetos para prática mágica
ficavam guardados. O céu estava limpo, apesar da chuva leve que havia caído a alguns
minutos, fazendo um aroma suave de várias plantas diferentes dominar o ar. Não era
possível ouvir os sons da capital Leonina abaixo ou mesmo vê-la, pois a localização daquele
pequeno santuário foi pensada justamente para criar um local de paz e calma para as
práticas mágicas, sendo possível ver a cidade apenas se aproximando da borda da laje. Algo
que Sunny sabia que não devia fazer para não colocar tudo em risco. Eles se deitaram no
chão, cada um para um lado, mas com a cabeça ao lado uma na outra.
- Vejo que gostou daqui. – Alart comentou.
- Eu adorei! Dá pra entender porque o mago irmão da lendária Rainha Tiger amava
este lugar. É um verdadeiro santuário.
- Sim. Ninguém, exceto com permissão do Rei pode vir aqui. Isso desde a morte do
mago. Mas, quando eu era pequeno e meus dons começaram a surgir encontrei a
passagem para este lugar e com magia consegui entrar. Eu vinha aqui muitas vezes quando
queria ficar sozinho.
- Seu pai não ficou bravo?
- Ele nunca soube. – Alart sorriu. – Como aqui só se pode entrar com magia e a
passagem é muito bem escondida, acho que ninguém esperava me encontrar aqui. Sempre
que eu sumia as pessoas achavam que eu estava na floresta brincando.
- Ora, ora, ora. O responsável Alart tem um passado obscuro. – Os dois riram. – Sou
muito grata por tudo, Alart, O Obscuro. – Sunny brincou.
Alart enrijeceu. A brincadeira dupla pelo seu segredo e por sua pelagem
completamente negra perdeu a graça quando Sunny, sem querer, o fez desistir de revelar o
que vinha permeando seus inúmeros pensamentos recorrentes.
Não. A gratidão vai sempre atrapalhar. Nunca vou te contar Sunny. Nunca. Alart
pensou tomando uma decisão.
- Uau! – Sunny parecia encantada e Alart logo percebeu o motivo. Um lindo arco-íris,
logo acima de suas cabeças, atravessava o céu.
- O anel de Kallisti... – Alart murmurou fascinado e um tanto triste.
- É tão bonito....
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- Sim. – Uma lágrima sutil escorregou por um dos olhos de Alart. Parece que Kallisti
concorda comigo. Nunca devo contar.

~o ⭐ o~
Não falei?
Entediante.
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Capítulo 03
Hoje acordei de bom humor... Ah, é mesmo! Eu não durmo. KKK!
Mas meus vivos de estimação dormem e sonham. Ah e eu adoro brincar com os sonhos
deles....

~o ⭐ o~
Era madrugada. O silêncio imperava no reino Tiger. Mais uma noite em que Calíope,
rainha Tiger, não conseguia dormir. O sono apenas fugia dela com tanta frequência que ela
se acostumou a viver mais acordada do que a maioria dos seres vivos. O fato de ter
encontra Ismir mais cedo, um dos nobres do reino, não ajudava. Ele era um bom homem,
mas solitário, viúvo depois de um casamento com uma mulher estéril, irritante, tão
intragável que raramente frequentava as reuniões e eventos que ele precisava ir. Sempre
que podia, Calíope chamava o Tiger mais velho para um jantar ou alguns dias fazendo
algum trabalho para ela no palácio. A verdade é que ela tinha pena dele e temia que um
dia, não aguentando a solidão, ele fizesse algo contra si mesmo.
- Eu preciso parar de me preocupar com coisas que não posso resolver. – Calíope
falou, voltando seu foco para o bordado que fazia como hobby.
- Falando sozinha de novo? – Ismir chamou da porta, pedindo permissão para se
aproximar, com uma bandeja de chá na mão.
- Sim. Deve estar no sangue. Dizem que minha bisavó tinha esse péssimo hábito
também. – Calíope riu e sinalizou a cadeira ao seu lado.
- Isso que é uma boa fofoca. A lendária rainha Carya falava sozinha. – Eles riram.
- Não consegue dormir?
- Não. – Ismir colocou o chá em sua xícara e, como de costume, deixou que a rainha
colocasse o dela. Apesar dos tempos de paz, sem desconfiado e pronto para uma guerra era
parte dos genes dos Tiger.
- Tem certeza de que quer voltar amanhã? Sabe que não me importo de ter um bom
geógrafo por perto.
- Sim. Não quero me descuidar do meu povo. – Ismir disse, mas algo em seus olhos
acenderam um alerta estranho na rainha.
No entanto, ela não tinha como segurá-lo ali por mais tempo, então não pressionou.
Ismir tinha um certo ar de mistério, mas era leal à ela e ao reino e nunca se envolveu nem
mesmo em um escândalo na juventude. Assim, ela aprendeu a respeitar seu jeito taciturno,
meio distante, mas dedicado aos seu trabalho.
- É lindo. – Ismir pareceu genuinamente fascinado pelo borbado representando um
local bonito e desconhecido com um lindo céu cortado por um magnífico arco-íris. – Uma
verdadeira obra de arte.
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- Você acha? – Ela estudou o próprio trabalho mais de perto.


- Nunca vi esse lugar... Foi inspirado em algum ou apenas fruto da imaginação de Sua
Majestade?
- Não sei ao certo. Sonhei com isso outro dia e me deu vontade de bordar.
- Seus sonhos sempre trazem algo lindo, digno de uma obra de arte mesmo. – Ismir
sorriu.
No dia seguinte, Ismir partiu para seu lar onde provavelmente permaneceria recluso
com sua coleção de obras de arte e sua solidão.
Se ele ao menos aceitasse minha oferta de procurar um noiva para ele... A solidão não
é boa conselheira. Calíope pensou, mas, como seu pai costumava dizer, não dava pra
resolver problemas de todos os seres do mundo.

~o ⭐ o~
- Você tem mesmo que usar isso? – Ciara cruzou os braços.
- Mãe!
- Ane, pela deusa! Você é linda, jovem, tem um corpo de fazer inveja, pelos
brilhantes... Porque esconder isso com essa....essa...coisa!
- É um macacão, mãe. E eu gosto.
- Ciara, amor, deixa a menina...
- Obrigada, papai. – Ane respondeu, fechando até o penúltimo botão de cima em sua
blusa embaixo do macacão.
- Ah não! Isso é demais pra mim. – Ciara caminhou até a filha e abriu mais 3 botões da
blusa, deixando um decote muito profundo que passava da linha do macacão.
- Mãe!
- Mãe nada! Se vai sair com essa coisa horrorosa, pelo menos alivia com a blusa. Agora
vá. – Ciara beijou a testa de uma Ane bem emburrada. – Sua amiga já deve estar lá fora
esperando.
Ane saiu soprando forte, de mau humor, decidida a fechar a blusa assim que saísse do
campo de visão de sua casa.
- Amiga! Adorei o decote com o macacão. Ficou linda. – Jana deu um tapinha na bunda
de Ane.
- Jana! Você acha mesmo que ficou bom? Parece tão....ousado.
- Ane, minha gata, você precisa se soltar mais. Não precisa andar sempre se
escondendo. Esse estilo sexy e fofa combinou bem com você.
As duas seguiram fofocando e Ane até que gostou de como uma mudança sutil na
roupa lhe fez bem, ao invés das roupas excessivamente sedutoras que sua mãe lhe
comprava.
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- Querida, é o jeito dela...


- Se deixar, essa menina nunca vai crescer. Mulheres precisam aprender como
valorizar seus belos corpinhos, meu lindo marido. – Ciara abraçou o marido, fazendo seu
charme.
- Bom, você sabe o que é melhor nessas coisas de mulher. – Ele beijou sua esposa, a
mulher que tanto amava, e suspirou cansado por ter de se afastar dela. – Tenho que ir.
Meu irmão raramente pede ajuda com alguma coisa e ele não sabe planejar a construção
nem mesmo de uma parede.
- Sim. É melhor você ir. Meu cunhado é meio monótono e sem graça, mas é seu irmão
e temos que dar valor a família. Quando você acha que a reforma na casa dele termina?
- Vai demorar um pouco. Mas não se preocupe, meu amor. Voltarei com energia para
cuidar da minha fofinha. – Ele beijou a esposa e saiu antes que perdesse a vontade de
trabalhar.

~o ⭐ o~
- Algum problema no pulso, pai? – Alart perguntou, preocupado com o pai alisando a
região sutilmente de tempos em tempos.
- Uma pequena torção por ficar muito tempo manejando....espada. – Arman
respondeu. – Nada sério. O progresso dela é fantástico. Em breve poderemos lhe dar
alguma tarefa digna no reino.
Alart notou a mudança de assunto brusca, mas estava sempre disposto a falar de
Sunny. – E quanto a apresentação dela aqui? Já pensou em algo?
- Temos tempo para isso. – Arman respondeu simplesmente.
- Sim...
- Algum problema? – Arman perguntou.
- Nada demais, só um sonho estranho e....incômdo... – Alart se calou quando o
conselheiro se aproximou.
- Majestade, Alteza. – Téo se curvou.
- Pode ir, filho. Conversaremos mais tarde. – Arman dispensou o filho.
Sempre “mais tarde”. Pelo menos não precisei contar esse sonho... Alart pensou e
tratou de apagar a lembrança do sonho que tivera com o pai. Ele achava que não teria
coragem de contar nem para Sunny, mas também era só um sonho. E um definitivamente
muito longe da realidade.
Depois que Alart sumiu do campo de visão, ele entrou no gabinete e se sentou em seu
lugar habitual.
- Machucou o pulso? – Téo perguntou fechando a porta dupla, enquanto o rei passava
gelo ao redor do pulso.
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- Só um incômodo leve. – Arman disse enquanto Téo pegava o gelo e segurava


gentilmente a mão do rei, passando o gelo na região dolorida. – Mas valeu a pena.
Téo sorriu, espelhando o sorriso de seu rei. – Eu disse que não precisava fazer aquilo
por tanto tempo...
- Acho que estou viciado nisso.
- Eu também acho. – Os dois sorriram.
Mais tarde Ciara estava saindo do palácio, muito tarde, depois das aulas de etiqueta
que vinha dando a Sunny. As ruas estavam desertas, mas em Jubay ninguém atacaria uma
mulher, especialmente a famosa Ciara, amiga do Rei, da falecida Rainha, com tantos
contatos na nobreza. No entanto...
A alguns metros do palácio, uma mão a puxou para um beco escuro, a empurrando
contra a parede fria, de costas para seu captor que colocava a mão em seu decote
descaradamente.
- É melhor não dar nenhum pio. – Uma voz masculino sussurrou em seu ouvido. – Você
não quer que alguém venha te salvar, não é?
- Então é melhor parar de conversa fiada e me dar o que eu quero, Téo. – Ela
respondeu em seu habitual deboche.
- Shh! – Os dois congelaram ao ouvir alguém se aproximando cantando uma música
antiga.
- Também ouvi. – Ciara se soltou, arrumou a roupa e, com o som a poucos passos, os
dois se beijaram apaixonadamente. – Vai ficar me devendo essa.
Relutantemente, Téo a deixou ir, sabendo bem que o próximo encontro seria ainda
melhor. Sempre era.
Ciara andou alguns passos controlando a respiração para se acalmar até ser vista.
- Oi, meu amor. Vim buscar minha linda esposa. – Hieron abraçou e beijou a mulher.
- Oi, querido. Senti tanto a sua falta hoje.

~o ⭐ o~
Na tarde seguinte...
- Bom dia, irmão. Obrigado pelo convite.
Hieron deu um abraço apertado em seu irmão, sempre tão ocupado que dias como
aquele eram difíceis de conseguir.
- Oi, tio. – Ane cumprimentou educadamente.
- Oi, Ane. Trouxe isso para você.
Ao ver o livro grosso e visivelmente antigo, Ane quase pulou de alegria. – Não
acredito! Obrigada, tio! – Ela lhe deu um abraço e saiu correndo para desfrutar do livro que
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tanto queria e que achava que seu tio nem lembrava mais da prmessa de lhe conseguir uma
cópia.
- Nem vou perguntar quem deu isso. – Ciara comentou ao ver a filha passar com o
livro. – Aposto que foi aquele seu tio pedante.
- Ai, mamãe... Eu te dou um quando eu for mais velha e independente. – Ane sorriu.
- Prefiro maquiagem. – Ciara riu e deixou a filha em paz.
O almoço foi tranquilo como sempre. Nada de novo, nada de extraordinário. Ane foi
passear com Jana em um evento que Jana queria muito ir. Hieron, depois de se despedir do
irmão que estava muito ocupado como sempre, saiu para encontrar um fornecedor de
ferramentas necessárias ao seu trabalho. Assim, Ciara ficou sozinha em casa. Ou assim se
pensou.
No quarto do casal, no segundo andar, vestindo um vestido curto, florido e rodado,
com a janela aberta, o vento soprou pela janela e um baque se ouviu. Ela não virou. Não
precisava. O barulho da janela sendo fechada trouxe um sorriso travesso em seus lábios.
- Sabia que, depois da cerimônia do seu casamento, - aquela voz sempre lhe dava
arrepios – enquanto o trouxa do seu marido e suas famílias fofocavam lá embaixo, eu estive
neste mesmo quarto com uma vadia, ainda vestida de noiva, nesta mesma cama?
Braços a cercaram por trás, puxando seu decote para baixo dos seios.
- É mesmo?
- Sim... E ela gostou muito do que fizemos aqui...
- Meu marido não vai demorar...
Ele a jogou na cama sem nenhum toque de gentileza. – A gente inventa algo. Aquele
trouxa não perceberia que você é minha nem se a gente transasse na frente dele.
- Mas ele vai querer que eu fique com ele... – Ciara provocou.
- Com o fogo que você tem, isso não vai ser um problema. – Téo tirou toda a roupa,
com um olhar faminto para sua amante e cunhada. – Além do mais, mesmo sem saber, o
trouxa do meu irmão está acostumado a comer o resto que deixo pra ele.

~o ⭐ o~
Ah como amo a complexidade dos sonhos. Mortais nunca sabem como lidar com eles,
até que seja tarde.
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Capítulo 04
Às vezes me pergunto se as pessoas sabem o quão perto da verdade ou de suas mortes
elas chegam com uma frase. Será que quando a morte delas chega elas se lembram do que
disseram e da relação com a morte? Ser uma divindade faz a gente pensar cada bobagem
ne....

~o ⭐ o~
- Odeio essas matérias teóricas demais. – Janna resmungou.
- Você odeia qualquer coisa que envolva ler demais, Jan. – Ane riu.
- Exatamente! Um dia essa coisa de teorias vai me matar, An! – Janna disse
dramaticamente.
- Haha! Exagerada. Olha, sério, é melhor você estudar. Faz assim, vou pra casa ajudar o
papai a fazer o jantar surpresa que ele quer fazer pra mamãe. Você agiliza as coisas indo
para a biblioteca real e eu te encontro lá.
- Ok! Obrigada amiga do meu coração! Te amo! – Janna deu um beijo no rosto da
amiga, quase beijando a boca sem querer, num impulso, mas acabou lembrando. Apesar de
a amar, Ane não tinha interesse nela desse jeito. Janna se afastou, feliz, apesar de tudo.
Ane podia até não amá-la do mesmo jeito que Janna a amava, mas amizade também era
um amor poderoso e ela valorizava isso.
- Jan! – Ane correu até ela. – Olha, você é muito desfocada, então nada de mesa
comum tá. Aluga uma sala privada.
- Mas, An... A biblioteca central vive com essas salas cheias a esta hora. Não vou
conseguir uma tão cedo.
- É mesmo. – Ane pensou um pouco. – Você lembra onde tinha aquela loja de roupas
chiques que fechou a dois anos?
- Sim.
- Recentemente abriu uma biblioteca lá. É menor, pouca gente conhece e sempre tem
salas vazias. Toma. – Ane entregou um cartão amarelo pequeno. – É um cartão cortesia que
ganhei lá na inauguração. Mostre isso na recepção e eles vão te dar uma sala legal.
- Obrigada, minha gatinha de biblioteca. Te amo!
- Também te amo, Jan. Agora vá logo e foco viu!
Janna não sabia como Ane encontrava esses lugares, mas ficou feliz. A biblioteca era
pequena, distante do centro, silenciosa, com salas com barreiras mágicas anti-ruído. Era
perfeito para uma pessoa com zero foco para estudar. Quase perfeito. As duas
recepcionistas pareciam mais preocupadas com uma discussão boba entre elas do que em
lhe dar atenção. Finalmente uma lhe deu a chave de sua sala. Janna queria ficar para ver o
final da discussão, mas seu espírito fofoqueiro foi vencido pela lembrança do “foco, viu!” de
Ane.
- Tá, An. Foco...entendi... – Janna resmungou. Com um suspiro, segurando sua bolsa
no ombro, três livros em uma mão e a chave na outra, ela seguiu o caminho indicado.
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- Ta faltando uma chave extra da racepção. A chave da sala 19. – Uma das
recepcionistas reclamou e Janna não conseguiu entender a reclamação da outra.
Decidida a evitar qualquer mínima distração, ela subiu os lances de escada, achou a
porta de sua sala e abriu. O baque dos livros no chão pareceram algo vindo de outra
dimensão, algo muito distante.

~o ⭐ o~
- Sua mãe era muito bonita. Agora sei de onde você herdou os pelos negros. – Sunny
comentou.
Alart tinha uma foto de sua mãe com ele bebê nos braços que ele usava dentro de um
relicário em uma pulseira. – Sim. Ela passou mal, algum problema cardíaco não detectado.
- Sinto muito, Alart. – Sunny disse sinceramente. – Mas, veja por esse lado, pelo menos
ela teve uma morte rápida e relativamente mais tranquila, não foi violenta sabe.
- Sim. Quando você contou sobre sua mãe e o que seu pai fez com ela... Pensei
justamente nisso, o quanto minha mãe pelo menos teve uma vida feliz e uma morte rápida,
natural. – Alart nunca mais olhara para uma escada sem lembrar da morte da mãe de Sunny
que tinha sido empurrada da escada principal da mansão.
- Enfim. – Sunny mudou de assunto. Falar de sua mãe sempre a deprimia. – Quem era
a menina com você lá embaixo?
- De vozinha parecendo irritante? Era a Ane, filha da Ciara. – Alart respondeu. – Não é
má pessoa, só que a gente nunca se deu bem. Gênios muito diferentes, acho. Ela estava
procurando o tio, o conselheiro do Rei.
- Ciara falou dela uma vez. Pensei que vocês fossem amigos, seus pais e a mãe e tio
dela sempre foram amigos, não é?
- Isso. Meu pai e Hieron, o pai de Ane, eram amigos desde a infância. Téo vivia nas
terras dos Tiger mais do que aqui, estudando e aprendendo com os melhores conselheiros
e guerreiros. Quase não via a família. Pelo que entendi, Téo só chegou na cerimônia de
casamento do irmão com Ciara, pelo que entendi. Não sei como, mas Hieron e meu pai se
afastaram um pouco e Téo era o melhor amigo e já considerado futuro conselheiro dele.
Ciara era muito amiga da minha mãe. Acho que a única. Minha mãe era como eu, difícil pra
fazer amizades. Quando ela morreu, Ciara ficou doente com a notícia. Até o Téo que não se
dá muito bem com ela foi ajudar a trata-la. Meu pai assumiu o trono e, como esperado, Téo
se tornou seu principal conselheiro, Ciara ajudou a cuidar de mim e do palácio e, quando
Ane nasceu, meu pai deu um título de nobreza para Ciara em reconhecimento por tudo que
ela fez por nós e pensando no futuro de Ane. Mas nós nunca nos demos bem. Não tenho
nada contra a garota e acho que ela também não tem contra mim. Só realmente não temos
uma ligação, sabe.
- E você não fez nenhuma amizade aqui?
L i k a s t í a 0 3 | 17

- Não. Eu passava muito tempo em viagem, nas aulas de espionagem e nas missões
depois. Quando estava em casa era para as aulas relacionadas ao reino que só meu pai
podia passar, etiqueta, eventos sociais que eu era obrigado a ir... Não sobrava muito tempo
para fazer amizades reais, um ou outro nobre eu tinha mais proximidade, mas só. Meu
melhor amigo foi meu colega de espionagem durante anos. Um dia te apresento.
- Seu pai deve ter sentido muito sua falta.
- Acho que sim. Nós temos um respeito mútuo, mas não diria que é um carinho de pai
e filho, algo profundo assim. Praticamente cresci longe dele, afinal de contas. Mas ele é um
bom homem e sempre me deu valor. Acho que ele tenta se aproximar de mim, mas
nenhum de nós sabe bem como reagir.
- Ele quer que eu treine o foco da minha magia onírica para aumentar a projeção de
outros. O que você acha?
- Acho que é importante você aprender todos os aspectos da sua magia. E você é
claramente muito poderosa em projeção astral ou nunca teríamos descoberto sua
existência.
- É. – Sunny respondeu simplesmente, ainda incomodada com algo, sem saber ao certo
o que.

~o ⭐ o~
- Ela está se segurando. Eu sei disso. – Arman disse.
- O senhor contou isso para Ciara? Ela é meio tola, mas pode ajudar. A garota confia
nela. – Téo perguntou.
- Não. Sabe que não quero que ela saiba muito. É melhor manter apenas entre nós. Eu
só confio em você. – Arman disse.
- Então o senhor terá que convencer a garota a colaborar. Ciara não pode ajudar sem
saber disso. O príncipe Alart está fora de questão...
- Obviamente. O rapaz é inteligente, até gosto dele, mas não sei se posso confiar
ainda. E o pai dela?
- Já retornou. Não deve demorar a começar as buscas. – Téo respondeu.
- Ainda não sei se ele vai procurar ela. Tomara que não, mas não devemos contar com
a sorte. – Arman terminou de fechar os botões do casaco e se preparou para sair. – Está
dispensado. – Téo se curvou e se dirigiu até a porta. – Téo.
- Sim, meu rei?
- Não esqueceu de nada?
Téo olhou sério para o rei e se aproximou para se despedir corretamente de seu rei.

~o ⭐ o~
L i k a s t í a 0 3 | 18

- Não se preocupe. – Ciara disse, abraçada a Téo. – A garota gosta do rei, o vê como
um amigo e salvador, e Arman é encantado. Ela vai ceder.
- Espero que não demore. – Téo respondeu. – O pai dela já deve saber de sua fuga. Ela
precisa ter domínio de seu dom o quanto antes.
- Você está muito tenso, meu amor. – Ela se soltou de seu abraço, focou a audição
para ter certeza que não tinha ninguém na sala privada da biblioteca, se ajoelhou e abriu o
cinto dele. – Vou te fazer relaxar.
Téo focado em guiar a cabeça da amante e Ciara focada demais no que tinha na boca
não perceberam o suave click na porta. Quando o som de algo batendo no chão chamou a
atenção deles. Janna, amiga da filha de Ciara, estava na porta com os pelos eriçados, olhos
arregalados e uma cara de quem tinha visto... Bem, o que ela realmente tinha visto. A mãe
de sua amiga e amor platônico dando um oral épico no cunhado que também era o
segundo homem mais poderoso do reino.... Um guerreiro.... De repente Janna percebeu o
perigo que corria e despertou de seu torpor. Mas, infelizmente para ela, Téo também havia
despertado. Janna se virou e foi tudo o que pôde fazer. Téo deu um pulo, deixando suas
calças no chão, agarrou Janna pelo pescoço, a derrubou de cara no chão, quebrando um de
seus dentes da frente.
- Se der um pio eu te mato. – Téo sussurrou em seu ouvido e ela acenou
afirmativamente. – Vou te colocar de pé, você vai entrar quietinha como uma boa menina e
vamos conversar.
Ela acenou de novo e Téo a levantou e virou de frente. Janna aproveitou sua chance,
deu uma joelhada entre as pernas de Téo que se encolheu de dor. Janna se virou pronta
para correr, fez menção de gritar, mas uma mão firme a puxou pela cauda, com a porta
logo se fechando enquanto ela caía de bunda no chão. O pânico começou a aflorar e Janna
não parava mais de gritar, porém a magia de abafamento de ruído tornava seus sons
inúteis. Ciara deu um tapa tão forte no rosto da menina que ela caiu de lado.
- Cala a boca, sua estúpida! – Ciara rosnou, seus olhos pareciam queimar de raiva.
Furioso, Téo deu um chute nas costelas da jovem que soltou um som semelhante a um
urro, um som disforme e assustador. – Vadia burra! Vou te fazer pagar caro por isso!
- Calma, Téo. Janna é um pouco inteligente. Eu gosto dela. Tenho certeza que ela não
vai falar demais, não é Jan?
- SUA TRAIDORA NOJENTA! Eu vou contar pra Ane que você não vale nada! Que se
gaba tanto de ser um exemplo que ela devia seguir, mas não passa de uma imunda que
engana o senhor Hieron com o irmão dele, só Kallisti sabe desde quando! – Janna cospiu
sangue, a revolta dominando todos os seus sentidos.
L i k a s t í a 0 3 | 19

- Que pena, Janna. – Téo vestiu a calça calmamente, dobrou seu manto e colocou
arrumado no canto mais distante. – E eu que estava pensando em te ajudar a conquistar
sua amada Ane com o apoio da mãe dela.
Ciara olhou para ele, claramente surpresa. – O que? Você é apaixonda pela minha
filha? Você realmente é estúpida. Se tivesse me pedido ajuda eu teria ajudado. Eu gostava
de você. Mas, você não facilitou as coisas aqui.
- Eu não quero o apoio de alguém como você! – Janna cospiu sangue.
- Fico feliz em ouvir isso. – Téo disse e se voltou para a amante. – Amor?
- À vontade, querido.
Téo deu um soco no rosto da jovem que gritou de um jeito estranho com sua
mandíbula deslocando. Sem pausa, ele deu golpes com o punho em formas diferentes,
aparentemente atingindo locais aleatórios. Em algum momento, Janna desmaiou, mas Téo
não parou os golpes enquanto Ciara estava sentada de pernas cruzadas comendo uma
maçã que achara na bolsa de Janna. Algum tempo depois, com Janna praticamente morta,
Téo a levou para o telhado do prédio e a jogou 9 andares abaixo. Ao voltar para a sala, Ciara
terminava de limpar o chão com a poção que sempre carregava e jogou um pouco no
amante. Não foi o suficiente para limpar toda a sujeira em sua roupa, mas o manto dele
cobriria o resto. Téo agarrou a amante em um beijo apaixonado.
- Vá. Você tem um trabalho a fazer e eu tenho que voltar para a estrada. – Ciara disse.
– Vamos compensar o tempo desperdiçado com essa tola outra hora.
- Logicamente. Por enquanto, contente-se com o merdinha do meu irmão.

~o ⭐ o~
Mortais.... Às vezes são minha melhor criação, nobres, criativos, inteligentes... Outras
vezes me irritam e despertam o pior de mim. Mas, para esses últimos, eu sempre tenho um
mortal nobre para ser meu agente da vingança... Sempre.
L i k a s t í a 0 3 | 20

Capítulo 05
Não gosto de interferir na vida dos mortais diretamente, mas deixar pistas para eles é
quase um vício. E, algumas vezes, meus bebês finalmente entendem minha mensagem.

~o ⭐ o~
Ane estava sentada no meio-fio, apática, gelada, com olhos vidrados. Hieron viu sua
filha de longe e correu até ela, ignorando a multidão do lad de fora da biblioteca.
- Minha florzinha? – Ele chamou enquanto se aproximava cautelosamente, temendo
assustar a menina.
- Ela não acordou....Eu...eu falei...ela não...não acordou... – Ane estava em choque.
Hieron a cercou com seus braços fortes, com o coração em frangalhos. – Shh... Calma
florzinha. O papai está aqui. Vamos pra casa, querida. Você precisa tomar banho e...
- Não...não quero deixar ela sozinha, pai... Ela....ela não acordou....
- Meu amor, eles já levaram ela. Você precisa vir. A mamãe deve chegar em breve e
vamos cuidar de você. Te dar muito carinho e amor...
- Ela disse que me amava...porque ela não acordou...?
Vendo que não adiantava conversar, ele pegou a filha no colo como se não pesasse
nada e a levou para casa.
Era noite quando Ciara chegou apressada.
- Oi, amor. – Hieron a recebeu com um beijo, atento a filha no sofá que parecia meio
apática.
- Recebi seu recado ainda na estrada. – Ciara disse com lágrimas nos olhos, parecendo
chocada. – Era a garotinha mesmo?
- Infelizmente, sim. Ane viu uma pequena multidão se formando do lado de fora, se
aproximou e viu a amiga no chão. Me disseram que ela ainda pegou a amiga no colo e os
curandeiros tiveram que tirá-la a força dos braços da nossa filha que não queria soltar de
jeito nenhum. Quando cheguei a roupa e o rosto dela estava repleta de sangue. – Ele
cochichou. – Dei um banho, mas não consegui fazer ela comer nem beber nada. Não sei o
que fazer...Ela parece em outro mundo.
- Oh, querido. – Uma lágrima rolou de seus olhos e Hieron secou com um beijo. – Ela
era tão adorável... Vou tentar falar com nossa bebê.
Ciara deu um beijo rápido no marido, entregou a bolsa a ele, se ajoelhou ao lado da
filha deitada no sofá. – Bebê? Vem aqui, minha linda. – Ela estendeu os braços e Ane só
moveu a cabeça em direção a mãe, mas parecia não ter forças para mais do que isso. Ciara
levantou um pouco a cabeça da filha, sentou no sofá, colocou a cabeça da menina no colo e
começou a fazer cafuné. Ane começou a chora copiosamente, soluçando, com o rosto
L i k a s t í a 0 3 | 21

virado para o colo da mãe, agarrando a saia dela como um bote salva-vidas. – Eu sei, bebê,
dói. Sinto muito, meu amorzinho. Chora que vai te fazer bem.
Ane chorou até praticamente desmaiar num sono profundo. Em algum momento, ela
sonhou com Janna, caída entre as pedras amarelas da calçada, com o corpo numa posição
naturalmente impossível, o rosto irreconhecível, ossos à mostra em fraturas horríveis. No
sonho, Ane pegou a cabeça da amiga no colo e tentou acordá-la, como se sua mente se
recusasse a aceitar a morte de Janna, lágrimas molhando o rosto da falecida enquanto ela
dizia que a amava. Um grito, que de tão rouco, doloroso e estranho, nem parecia ter saído
da garganta de Ane, ecoou. Hieron não dormiu naquela noite, angustiado pelo choro da
filha durante o sono, se sentindo o ser mais inútil do universo naquele momento.

~o ⭐ o~
- Bom dia, Sunny. – Alart entrou, parecendo um tanto triste.
- Eu perguntaria o que houve, mas acho que não precisa. – Sunny disse, pegando a
bandeja com seu desjejum da mão dele, colocando na mesa e o puxando pela mão para
sentar no sofá ao seu lado.
- Como assim?
- A amiga daquela menina, filha da Ciara, morreu não foi?
- Como você sabe?
- Tava paticando esta madrugada e sem querer captei um sonho da filha da Ciara. Pelo
nível do sofrimento e força da lembrança ficou óbvio que era mais uma memória do que
um sonho. – Sunny disse, acariciando a mão do amigo. – Sinto muito. Sei que vocês não
eram próximos, mas uma morte assim é sempre dolorosa para todos.
- Sim. – Alart levantou e pegou duas xícaras de chá, oferecendo uma para Sunny.
Incapaz de ficar quieto, ele começou a andar pelo cômodo. – Ane viu a amiga naquele
estado... Não é um visão fácil pra ninguém, muito menos uma menina frágil e protegida
como ela.
- Foi um acidente?
- Aparentemente, não. Pelo nível das lesões e suas localizações, os curandeiros
acreditam que ela se jogou. – Alart disse.
- Mas você não acredita. – Não era uma pergunta. Pelo olhar surpreso de Alart, Sunny
respondeu a pergunta não feita. – Você tem uma ruga entre as sobrancelhas e aquele olhar
de “tem algo aqui que não fecha”.
Alart se surpreendia sempre que percebia o quão bem eles se conheciam. Ele sentou
do lado dela e disse: - É que...Janna era uma garota até legal, impetuosa, divertida, curiosa,
L i k a s t í a 0 3 | 22

meio preguiçosa quando o assunto era estudos, mas se esforçava. Ela era “secretamente”
apaixonada pela Ane.
- Como você...
- Sunny. Eu sou espião, lembra? Ter informações sobre todos é parte da essência do
meu trabalho. – Alart disse. – Enfim. Ela não tem perfil suicida ou motivações,
especialmente porque, pelo que apurei, ela ia se encontrar com a Ane naquele lugar. E,
superprotetora como era com a amiga, ela nunca se mataria em um lugar onde as chances
de Ane vê-la morta daquele jeito eram enormes.
- É. Faz sentido. Mas então você acha que alguém a matou ou que foi um acidente?
- É isso que mais me intriga. Ela tem ferimentos que só podem ser compatíveis com
uma queda. Para alguém matar ela daquela jeito, teria que ser um gênio em certas artes
mágicas e físicas, um militar com amplo conhecimento mágico e uma motivação enorme. E
não temos ninguém assim no reino, muito menos alguém que odiasse a Janna a esse ponto.
Acidente não tem como. Ou ela tomou impulso para se jogar ou alguém fez isso.
- Ou seja, as chances de suicídio são as mais fortes até agora.
- Sim. Mas meu instinto está gritando que não foi isso.
- Confio no seu instinto.
- E tem isso. – Alart tirou um dente do bolso e mostrou para a amiga que não precisou
de mais explicações. – Achei na porta da sala onde ela esteve.
- Mas, o que dá pra fazer agora sobre isso?
- Nada. – Ele suspirou. - Esse é um daqueles momentos em que a gente chega em um
beco sem saída e precisa contar com o tempo e a bênção de Kallisti para conseguir alguma
pista.
- Então mantenha os olhos abertos e espere. Não adianta sofrer pelo que não se tem
ferramentas para resolver. – Sunny disse. – Mas tem uma coisa que podemos e acho que
devemos fazer. Mas é segredo e preciso da sua ajuda.

~o ⭐ o~
Algumas semanas depois da morte de Janna, Ane voltou para a escola, mas parecia
ainda mais calada do que antes, triste, mas conformada. Os pesadelos pareciam não deixa-
la em paz com imagens de Janna desfigurada, com o corpo deslocado a perseguindo
sempre a acordavam no meio da noite aos gritos.
Alart pediu a Ciara que lhe permitisse visita-la. Ele sabia que ela não negaria. Ciara
nunca fez questão de esconder o quanto ficaria feliz com uma amizade entre sua filha e o
príncipe, às vezes até forçando um pouco a barra. Ane, por apatia mais do que qualquer
coisa, não se importou em aceitar a visita do príncipe.
L i k a s t í a 0 3 | 23

- Oi, Ane. – Alart a cumprimentou e Ciara deixou os dois sozinhos com uma desculpa
esfarrapada qualquer. – Sinto muito pela Janna.
- Alteza. – Ane cumprimentou com a perfeita etiqueta que sua mãe lhe ensinara. –
Obrigada.
Eles trocaram algumas frases sobre coisas bobas que nenhum deles realmente se
importava e Alart decidiu ir logo direto ao assunto porque ficar perto de Ane era sempre
monótono e chato demais para ambos. – Não vim aqui apenas para dar meus pêsames.
Afinal, fiz isso no velório, embora você provavelmente não se lembre.
- Não. Minha mãe tinha me dado algo pra ficar mais tranquila. Foi um dia em que eu
parecia mais um fantasma vendo a mim mesma em uma situação irreal. – Ane disse,
cabisbaixa.
- Entendo. Não consigo imaginar o que você está passando. Mas sei que você não tem
dormido. Pesadelos, quase posso apostar.
Ane olhou surpresa e um tanto irritada para a pessoa que sempre a surpreendia e
irritava ao mesmo tempo. – Como você sabe? Andou me espionando?
- Eu espiono muita gente, Ane. Mas uma garotinha colegial não está na minha lista de
importância máxima. Seus olhos estão fundos e sem brilho, suas notas estão caindo e sua
mãe está preocupada. Não precisa ser um gênio para somar isso tudo. – Ele deixou de fora
a principal fonte que lhe informara sobre os pesadelos: Sunny. – Olha, você é filha de uma
grande amiga do meu pai, melhor amiga da minha mãe e alguém que considero muito. Sei
que nunca fomos amigos, mas você é uma boa moça e ninguém deveria ter que passar pelo
que você passou.
- Mesmo assim, aconteceu.
- Sim. Não posso mudar isso, mas posso ajudar com os pesadelos.
Isso atraiu a atenção de Ane que estava visivelmente esgotada. – Como?
Alart tirou um amuleto do bolso, um pequeno pingente com uma flor laranja no
centro, cercada por um invólucro cristalino.
- A flor dos Tiger. – Ane ofegou.
- Também. Mas é na verdade a flor das Fontes Termais Sagradas de Kallisti. Um amigo
que é mago me deu isso para te dar. Este amuleto funciona como um alívio ao trauma e
afasta pesadelos. Você só não deve revelar a ninguém. Algo relacionado a magia dentro
dele. Use sempre que quiser, mas principalmente para dormir. Vai te ajudar neste
momento difícil. – Alart ofereceu, mas Ane pareceu indecisa. – Não faça isso.
- O que?
- Se punir. Eu sei como é isso. Você acha que precisa sofrer e que se buscar ajuda ou
algum alívio pra sua dor, vai estar traindo sua amiga. Mas, Ane. É da Janna que estamos
falando. Qualquer um neste reino sabe que ela tocaria fogo no planeta se fosse necessário
L i k a s t í a 0 3 | 24

para te proteger até das menores dores possíveis. Se punir por estar viva enquanto ela não
está é o que mais iria magoar ela.
Ane não percebeu que estava chorando. Decidida, ela pegou o pingente e colocou no
bolso de seu macacão na frente do peito. Algo pareceu substituir aquela dor sufocante que
ela vinha sentindo, por uma dor mais suportável.
- Preciso ir. – Alart se levantou. – Melhoras.
Grosso e nada gentil. Ane pensou. Mas... – Alteza.
- Sim? – Alart parou na porta.
- Obrigada.
- Não me agradeça. Eu só entreguei. Mas vou transmitir sua gratidão ao mago. – E
saiu.
- Idiota. – Ane murmurou, mas um pouco grata apesar de tudo.

~o ⭐ o~
- Envie o acordo assinado para o Rei leonino. Não quero que ele tenha nenhuma
desculpa desta vez. – Calíope dispensou o último ministro daquela tarde que agora já era
noite. – Finalmente, acabou!
- Sim, majestade. – Sven, principal conselheiro da rainha, esticou a coluna dolorida. –
O jantar de amanhã está completamente organizado, então o dia está livre para a senhora
descansar.
- Ismir confirmou a presença amanhã?
- Sim, senhora. A confirmação chegou esta tarde. – Sven disse, meio incomodado. Ele
não com a cara de Ismir e o sentimento era recíproco.
- Não faça essa cara, meu amigo. – Calíope disse, usando seu poder do anel real Tiger
para acender um charuto, um péssimo hábito que ela não largava por simples conforto. –
Sei que você tem uma birra com Ismir, mas tenha piedade. O homem não tem filhos, seu
único casamento foi um desastre com aquela insuportável, ficou viúvo e mergulhado na
tristeza. Temos que apoiar pessoas assim para evitar coisas como o que aconteceu em
Jubay com aquela jovenzinha. – Sem esperar por uma resposta, ela saiu para descansar.
Mais tarde, depois de poucas horas de sono, Calíope despertou sentindo uma
presença no quarto. Ela não precisava usar sua chama real para clarear o quarto e ver quem
era.
- Novidades? – Ela perguntou no escuro.
- Sim, minha rainha. – Uma voz firme a respondeu.
- Fale.
- É exatamente o que a senhora desconfiava e mais ainda.
- Tudo era mentira? – Calíope perguntou.
L i k a s t í a 0 3 | 25

- Absolutamente tudo, majestade. – O espião respondeu.


- Entendo. E quanto a prova?
- Na mão dele. Não temos como pegar sem atrair atenção para nós.
- Mantenha sua posição, mas não se revele de forma nenhuma. Não quero o menor
indício de alerta.
- Assim será feito.
- Bom trabalho. Quando terminar a missão, saberei recompensá-lo.
- Tudo pelo reino e pela rainha.
O espião foi dispensado e Calíope se levantou sabendo que não adiantava mais tentar
dormir.

~o ⭐ o~
A morte pode ser triste e dolorosa para os mortais. Mas às vezes é o momento em que
posso trazer de volta para mim minhas mais nobres criaturas e lhes dar paz, conforto e colo.
Porém, eu nunca esqueço quem fere os nobres de espírito. Nunca.
L i k a s t í a 0 3 | 26

Capítulo 06
Anh....? Ah, é você de novo? Quer que eu continue a história, não é? Certo, certo. Deixa
eu ver por onde continuar...

~o ⭐ o~
Ane esperava ansiosa pelo veredito de seus pais. Desde a morte de Janna, Ane não
suportava viver na cidade. Todos os lugares, sons, rostos, tudo trazia a lembrança de Janna
e isso era doloroso demais. Assim, Ane se inscreveu em projeto de estudos sociais na
Universidade Lhágua, uma antiga e lendária fazenda que abrigou as Tiger que fugiam do
terrível Tigresius e onde os gêmeos mais famosos da história nasceram. O lugar abrigava
qualquer um que quisesse ter uma chance de vida honesta e digna, indepentende de sua
raça. Mais tarde, o mago Seth a transformou em uma Universidade que focava nos estudos
de magia, história, finanças e organização. Graças a sua dedicação e espírito pesquisador,
ela foi aceita rapidamente. Agora, apesar de não precisar, ela queria a aprovação de seus
pais.
- Mas...querida...você ficaria longe de nós por...um ano... – Hieron sabia que era o
melhor, mas odiava a ideia de se afastar da sua princesinha.
- Eu acho uma ótima ideia. – Ciara disse e ignorou o olhar chateado do marido. – Seria
bom para você encarar o mundo longe de nossos braços um pouco. Amor, - ela se voltou
para Hieron – eu sei que dói. Mas é para o bem dela. Não podemos criar nossa filha sempre
a protegendo do mundo. Não é assim que funciona.
- Mas ela tem pesadelos... Quem vai ajudar ela a se acalmar?
- Pai... Eu não tenho pesadelos faz um tempo. – Ane mantinha o amuleto com ela o
tempo todo e parecia realmente estar funcionando já que ela nunca mais teve pesadelos.
- Eu.... Eu não quero que você vá. – Hieron disse meio bravo e meio segurando as
lágrimas, mas logo suavizou seu olhar. – Mas você tem minha bênção.
Ane correu e abraçou os dois. – Obrigada. Vocês são os melhores pais do mundo.
Dois dias depois, Ane partiu para a Universidade. O que ela não contou é que não
pretendia voltar. Nunca mais.

~o ⭐ o~
- Falamos disso mais tarde. – Ismir dispensou seu servo, respirando fundo e colocando
uma expressão educada no rosto.
- Escondendo algo, lorde Ismir? – Sven disse em um tom que facilmente poderia ser
confundido com uma brincadeira.
L i k a s t í a 0 3 | 27

- Não preciso esconder nada, lorde Sven. – Ismir respondeu com a mesma expressão
educada de sempre, mas um olhar frio inconfundível. – Minha vida é monótona demais
para ter qualquer segredo. Já o conselheiro...
- O conselheiro aqui não cochicha pelos cantos e detém apenas os segredos naturais
de um reino confiados por sua rainha.
- Se você diz...
- Sim. Eu digo. – Sven viu Ismir se afastar com aquele ar de arrogância que parecia que
apenas ele via. – Babaca. – Ele murmurou.
- Não deixe a rainha ouvir isso.
- DEMÔNIOS! – Sven deu um pulo com a mão no peito e os pelos arrepiados. – Um dia
você vai me matar de susto, sua peste.
- Também gosto de você, velho. – Aidoneus riu.
- Já falou com sua mãe?
- Sim. Eu quero dar um passo a mais... Se é que me entende. Mas parece que ela ainda
não confia em mim para isso.
- Não é isso, alteza. Sua mãe está apenas evitando um risco desnecessário para seu
único herdeiro. – Sven ponderou.
- Sven, tenha paciência. Eu sou um espião. Correr riscos é parte do meu trabalho! Pra
mim parece falta de confiança mesmo. Como se eu já não tivesse dado provas suficientes
de onde está minha lealdade.
- Meu rapaz, quando houver real necessidade de enviá-lo da forma que você deseja,
tenho certeza de que sua mãe o enviará. Até lá, que tal você ajudar seu velho amigo aqui?
- Ismir?
- Ismir.
- Já fiz isso, meu velho. – Aidoneus deu seu característico e charmoso sorriso.

~o ⭐ o~
Dois meses depois...
- Pai, isso não está certo. – Alart parecia cansado.
- Meu filho, sei que você tem um carinho especial por sua amiga. Eu também tenho.
Ela esteve em contato comigo por tantos anos durante suas projeções que é quase como
uma filha para mim. Mas ainda não é a hora...
- Nunca é a hora. – Alart disse. – Pai, entendo que o assunto exige cautela, mas não
podemos deixar a Sunny presa naquela parte do palácio por tanto tempo. Não é justo.
Prometemos a ela um lar, um lugar onde ela pudesse desenvolver e usar seus dons sem
medo, sem ser mantida presa, torturada e abusada constantemente. Ok, ela está sendo
bem cuidada, estuda e pratica bastante, é querida, mas ainda está presa de certa forma.
L i k a s t í a 0 3 | 28

- E o que quer que eu faça, Alart? Quer mesmo correr o risco de que o pai dela
descubra seu paradeiro e a leve de volta ou coisa pior?
Alart estava cansado daquele beco sem saída.
- E se ela se disfarçar?
- E como supõe que a gente disfarce uma Tiger com pelos laranja brilhantes e negros,
com uma magia extremamente poderosa e rara, surgindo absolutamente do nada, sem um
passado, uma família...?
- Vamos inventar algo. Mas não podemos deixar do jeito que está. Sunny não reclama,
mas é claro que ela quer poder correr, ver lugares, conhecer pessoas, fazer coisas normais
que ela nunca pôde fazer. E eu vou dar isso a ela pai.
Arman olhou para o filho de uma forma diferente, finalmente percebendo algo que
estava embaixo de seu nariz o tempo todo e ele não notara antes. – Entendo. Façamos o
seguinte. Elabore um plano cobrindo todos os pontos para que Sunny possa sair. Depois me
apresente e, se for realmente viável, terá meu apoio. Tenho apenas uma condição.
- Qual?
- Se algo acontecer a ela, a responsabilidade será toda sua.
- De acordo. – Alart precisou de todo seu treinamento para conter o sorriso idiota no
rosto.
- Ah, mais uma coisa, filho. A rainha Tiger concordou com os termos do acordo de
comércio e conhecimento. Ela enviará um diplomata para começar os trabalhos. Acho que
você vai gostar disso. – Arman entregou uma fina pasta. Desta vez Alart não se preocupou
em esconder o sorriso.
- Isso é bom. Ele é uma pessoa sensata e nobre.
- Quero que mantenha um olho nele. Como amigo, mas, principalmente, como espião.
- Claro, como desejar, meu rei. – Aquilo acendeu um alerta que Alart jamais iria
ignorar. Os Tiger eram aliados e até parentes, de certa forma, dos leoninos a gerações. Não
havia motivos para desconfiança entre os povos. Pelo menos...não deveria haver.

~o ⭐ o~
- Finalmente uma chance de dar um salto em nossos planos. – Téo disse.
- Sim, só que... Pena que tem que ser com alguém tão novinho. Sabe que não gosto de
inexperiência. – Ciara resmungou.
- Eu cuido da sua carência, amor. – Téo deu um beijo no ombro de sua amante, ambos
abraçados na cama. – Não podemos desperdiçar a chance.
- Eu sei. – Ela suspirou, acariciando o peitoral dela, descendo a mão preguiçosamente.
– Vamos tentar o plano A primeiro. Se der errado, algo que duvido, aí mudamos de tática.
L i k a s t í a 0 3 | 29

- Também duvido. – Téo suspirou quando a mão de Ciara alcançou seu alvo. – Mas é
melhor estar pronto para tudo. Vou deixar as poções preparadas.
- Cuidado. Faça com calma, querido. Não queremos que notem seus talentos ocultos. –
Ciara disse, se soltando do abraço e descendo abaixo do lençol.
- O mesmo vale para você. Estou mantendo um olho em sua filha, mas cuidado nunca
é demais.
Téo desistiu de falar quando a boca de sua amante se ocupou com outra parte dele.

~o ⭐ o~
- E então....? – Alart perguntou, mas, meio que já imaginava a resposta.
- É dela. – Sunny disse, com um olhar preocupado. – Lamento, Alart.
- Eu sabia. Sunny, você tem noção da gravidade disso?
- Infelizmente, tenho. Você não prefere levar para algum mago mais experiente e...
- Você tem alguma dúvida sobre o resultado do seu teste?
- Não.
- Então pronto. Além do mais, não posso confiar isso a ninguém. Se descobrirem que
encontrei e que sei de quem é isso, vão ter certeza de que sei a verdade, que a morte foi
forjada com técnicas impossíveis aqui. Não posso correr esse risco sem nem mesmo saber
quem é o inimigo.
- Você disse que ninguém aqui tem esses dons e prática.
- Ninguém que a gente saiba e isso não é nada fácil de esconder. – Alart esclareceu.
- Então, ou tem mesmo alguém com esses dons e astúcia aqui, o que sabemos que é
praticamente impossível... Ou foi algum Tiger com esse conhecimento.
- Por Kallisti! Isso poderia resultar em guerra facilmente.
- O que você vai fazer?
- Por enquanto, vou investigar o mais silenciosamente possível. Preciso ter todas as
informações antes de saber o que fazer.
- E quanto ao seu antigo parceiro? Ele seria de grande ajuda, não é?
- Não. Até eu ter mais informações, é melhor manter isso entre nós. – Alart disse.

~o ⭐ o~
Em poucos dias, uma festa acontecia no palácio real leonino em homenagem ao
diplomata que implantaria as mudanças práticas no comércio entre os reinos e cuidaria da
troca de conhecimentos culturais entre eles. Arman se levantou e caminhou elegantemente
até o centro do salão, com Téo e Alart um pouco atrás, cada um de um lado. O jovem e
charmoso Tiger entrou com passos firmes, silenciosos e uma expressão altiva, típica de seu
povo.
L i k a s t í a 0 3 | 30

- Rei Arman, é uma honra ser recebido tão calorosamente em seu lar.
- Seja bem vindo, príncipe. Fico muito feliz que você tenha sido o escolhido para este
importante trabalho entre nossos reinos. – Arman cumprimentou o jovem com um sorriso
gentil. – Creio que conheça se lembre de meu conselheiro, Téo, e de meu filho, o príncipe
herdeiro, Alart.
- Lorde Téo. É bom vê-lo novamente. Minha mãe manda seus cumprimentos e
agradece por sua ajuda para que este acordo fosse firmado.
Téo se curvou elegantemente. – Sua mãe é uma mulher gentil. Agradeço por suas
palavras.
Alart deu um passo à frente quando o príncipe Tiger olhou para ele. Ambos estavam
tão sérios e focados que um silêncio incômodo pairou no ar como se todos, até mesmo os
convidados e os servos, não estivessem respirando.
- Seu malandro, ladrão de apostas! Não vai dar um abraço no seu amigo e colega de
quarto, não? – Aidoneus disse com um sorriso enorme.
- Que eu me lembre, você é que roubava em todas as apostas, Done. – Os dois se
abraçaram sorrindo, o clima leve e divertido tomando conta do salão.
Momentos mais tarde, um barulho chamou atenção na porta do salão. Os guardas
entraram com uma jovem Tiger muito bonita, com um vestido simples e elegante, preto
com pontos brilhantes abraçando perfeitamente suas curvas. Alart respirou fundo,
disfarçou, mas a mudança no amigo não passou despercebido por Done ao seu lado. Arman
se aproximou, a mente trabalhando em inúmeras possibilidades ao mesmo tempo.
- Senhor. – O guarda enrijeceu. – Perdoe a intromissão, mas encontramos esta moça
na porta interna. Não sabemos como ela passou pela segurança lá fora ou seu nome, já que
ela não diz nada.
Done olhou para Alart e quando seus olhos se encontraram ele entendeu que o amigo
precisava de ajuda.
Arman ainda estava pensando em uma forma de resolver aquilo sem precisar dizer o
nome de Sunny ou dar uma explicação sobre a presença dela. Ele imaginou que a menina
estava entediada, experimentando as roupas chiques que ganhara para quando pudesse
sair e perdeu o controle com seu dom de se teleportar. Arman abriu a boca para dizer
qualquer coisa quando a voz de Done soou.
- Oh céus. Me desculpe por isso. Eu lhe dei o passe que recebi no caminho porque ela
fez questão de voltar no meio do caminho para comprar algumas coisas. – Done se
aproximou, beijou a mão de Sunny e enganchou seu braço no dela. – Majestade, esta é
minha namorada... – Done disse a primeira coisa que lhe veio a cabeça.
- Miranda. – Sunny completou com o nome que vinha ensaiando com Alart a algum
tempo, fazendo uma reverência perfeita.
L i k a s t í a 0 3 | 31

- Seja bem vinda a Jubay, lady Miranda. – Arman cumprimentou Sunny como se nunca
a tivesse visto antes.
O “casal” se afastou em meio a murmúrios de convidados admirados com a beleza e
elegância da jovem que parecia ter finalmente fisgado o príncipe Tiger.
- Calma. – Téo murmurou sutilmente para Ciara. – Ele só evitou um escândalo.
Sabemos que é mentira.
- Eu sei. Mas não gosto dessa garota fora da ala secreta. Precisamos dela sob controle.
– Ciara murmurou acompanhou atentamente com o olhar quando Alart escapou por uma
porta minutos depois do falso casal sair por outra porta. – Estou começando a achar que
isso não foi um acidente de prática mágica.
- Não acho, mas vou ficar atento. – Téo apertou a taça na mão quase a ponto de
quebra-la ao ver o irmão vindo em direção a eles, todo sorridente. – O corno vem ai. – Ele
disse com desdém ao mesmo tempo em que sorria para o irmão.
Ciara se controlou para não rir.

~o ⭐ o~
- Obrigada pela ajuda. – Sunny disse.
- Estou sempre pronto para ajudar uma moça bonita. – Done sorriu. – Eu não sei quem
você é, mas se meu amigo introvertido se arriscou o suficiente para trazer a namorada dele
aqui em segredo...
- O que? Não. Nós não... Quer dizer. – Sunny sentiu o rosto queimando de vergonha. –
Ele é meu amigo. Não somos...
- HAHAHAHA. Relaxa, moça bonita.
- Obrigado, Done. – Alart disse com uma expressão de quem poderia matar um a
qualquer segundo.
Done sorriu e deu um passo para o lado, se afastando um pouco de Sunny. – Qualquer
coisa por um amigo. Embora isso possa ser um problema.
- Como assim? – Sunny perguntou.
- Ele te apresentou como namorada. – Alart disse entredentes, os punhos fechados ao
lado do corpo, os pelos ficand eriçados. – Isso significa que você terá que se passar por
namorada dele por algum tempo.
- Exatamente. – Done disse e não conseguiu conter a vontade de provocar o amigo
sempre tão autocontrolado. – Então teremos que dormir na mesma cama, o que eu até
gosto porque uma moça bonita a gente não dispensa ne.
Sunny pareceu chocada. - Nem pensar!
- Não se atreva! – Alart disse ao mesmo tempo que ela.
L i k a s t í a 0 3 | 32

- HAHAHAHA! Vocês são o máximo. – Done começou a se afastar pelo jardim a alguns
metros. – Quando terminar, me chamem para eu voltar para a festa com a minha
“namorada” e mais tarde para irmos para nossa casa.
- Eu vou matar ele. – Alart murmurou. Respirando fundo, ele disse: – O desgraçado
tem razão.
- O que?! Como assim? Eu vou ter que namorar com ele?
- Você não é nem louca! – Alart explodiu e Sunny ficou paralisada no lugar sem
entender a raiva repentina do amigo sempre tão calmo e centrado. Ele fechou os olhos e
contou mentalmente até dez. – Mas sim você terá que ficar na casa dele na cidade. Fica a
alguns metros do palácio...
- Entendo... Não faria sentido a namorada do príncipe Tiger vivendo no palácio leonino
sem o namorado. – Sunny pensou alto.
- Ele não vai tocar em você. Done é um desgraçado provocador, mas é um poço de
cavalheirismo.
Mas...e se o desejar? ...Não! Preciso pensar em outra coisa. Alart chamou Done e
bolaram um plano para manter a farsa por algum tempo.

~o ⭐ o~
Mortais.... Sempre se enrolando em seus próprios sentimentos e ferrando consigo
mesmos...
L i k a s t í a 0 3 | 33

Capítulo 07
...Foi aqui que meu interesse por essa geração de mortais se intensificou. Ali eu sabia
como as coisas terminariam, o destino estava formando seus caminhos claramente para
mim... Mais tarde naquela noite...

~o ⭐ o~
- Que história é essa de namorada do príncipe? – Ciara falou muito baixo, apertando o
braço de Sunny, os olhos deixando bem claro a fúria incontida.
- Eu não sei... Só vim aqui passear um pouco, mas tudo fugiu do controle. – Sunny
respondeu com o cenho franzido, estranhando a explosão de Ciara que sempre a tratara
com gentileza.
Done que conversava a poucos metros, sutilmente observou a cena e não gostou
nada. Com seus passos sempre silenciosos e firmes, chegou do lado de Sunny de repente. -
Amor da minha vida! – Done disse, puxando Sunny pela cintura ao seu lado. – Minha
namorada é linda, não é, Lady Ciara?
Ciara colocou o sorriso mais sedutor e atraente no rosto, forçando-se a respirar com
calma. – Sim, estava justamente a elogiando por sua beleza.
- É mesmo? Não pareceu de onde eu estava. – Done disse em tom de brincadeira. –
Pareceu quase invejá-la. Mas a senhora sabe como a luminosidade confunde a gente as
vezes não é. Afinal, não há motivos para uma leonina tão bela invejar ninguém.
- Claro. – Ciara respondeu docemente, mas fervendo de raiva por dentro.
- Amor, vamos? Está na hora de ir. – Done começou a puxar Sunny para a saída, mas
foi barrado pelo Rei leonino.
- Já vão embora, rapaz? – Arman deu um olhar inquisidor para Sunny.
- Sim, majestade. Sabe como é. – Done se aproximou do Rei como se fosse contar um
segredo, com um sorriso enorme no rosto. – Estou louco para ficar sozinho com minha
linda namorada. Não vai querer atrapalhar isso, certo?
Sunny olhou para o Arman pedindo balbuciando um “me desculpe” e ele respondeu
sorrindo gentilmente. – Claro, claro. Vocês jovens precisam de privacidade. Venha nos
visitar em breve, senhorita. É sempre bom ver este palácio repleto de jovens.
- Eu agradeço, majestade. E virei sim, não se preocupe. – Sunny fez uma reverência,
aceitou o braço de Done e saiu se pergutando onde diabos estaria Alart.

Eu sei onde ele estava... Surtando nas sombras, vendo de uma varanda Sunny saindo
com Done, de braços dados, quebrando a taça de vinho na parede mais distante do quarto.
L i k a s t í a 0 3 | 34

- Ouviu algo? – Sunny perguntou ao ouvir um barulho distante estranho, antes de


entrar na carruagem.
- Sim. - Done disse sério, logo acrescentando com um sorriso cafajeste no rosto. – É
meu coração descompassado por sua beleza.
Sunny revirou os olhos. – Você é sempre tão...
- Sexy? Maravilhoso? Irresistível?
- Irritante. – Sunny completou e entrou na carruagem.
- HAHAHAHA. – Done entrou depois dela, cada vez mais intrigado e divertido com
aquela bela jovem.

~o ⭐ o~
No dia seguinte, logo cedo...
- O reizinho está me irritando. – Téo disse, recostando na árvore.
- É compreensível. Aquela escrava de merda está colocando tudo em risco. – Ciara
resmungou. – E pior que a idiota feia nem sabe disso. É burra naturalmente.
- Burra não é. Nem feia. – Teo disse.
- QUE?!
- Você é linda, minha paixão, mas não podemos menosprezar ou fingir que ela não é
bonita e inteligente. O que a torna perigosa. Ela pode atrair a atenção do príncipe Tiger e
atrapalhar nosso planos.
- Aff. – Ciara estava furiosa, mas Teo tinha razão e ela sabia disso. – Claro, ela é
jeitosinha e essa história de namorada falsa pode acabar fazendo o príncipe Tiger se
apaixonar realmente por ela. Precisamos de uma desculpa pra tirá-la do lado dele.
- Como? Ele disse publicamente que eles eram namorados. Vai ser esquisito se a
namorada do príncipe Tiger for morar no palácio leonino.
- Tem que ter um jeito! Como vou seduzir aquele Tiger idiota se ele já tiver uma
namorada e...
- E desde quando isso é empecilho para nós, querida? – Teo sorriu. – Qual o nosso
lema, amor?
- O que queremos, nós tomamos.
- Então tome o que nós queremos, amor. Seduza o principezinho e quando ele estiver
louco por você, faremos ele matar o Rei Arman, usamos o poder da Sunny a nosso favor.
- Está esquecendo do chatinho do Alart.
- Não esqueci. Ele vai onde a Sunny for, fará o que ela fizer.
- Isso não faz sent... – Ciara se calou e compreendeu imediatamente. – Nãããõ brinca...
Sério?
Teo apenas sorriu.
L i k a s t í a 0 3 | 35

- HAHAHAHA! Perfeito!

~o ⭐ o~
- Oi.
- Oi, meu amigo! – Done sorriu abertamente. – O que? Não vai dar um abraço em seu
parceiro de escola?
- Onde ela está? – Alart perguntou, sua paciência no limite.
- Você não dormiu nada, acertei? Está com uma cara péssima, amigão.
- Onde. Ela. Está?
- Sabe que minha mãe também dorme pouco? Claro que sabe. Todo mundo sabe. –
Done estava amando ver o impassível Alart fervendo de raiva mal contida.
- Done...
- Eu acho que posso ver com ela uma poçãozinha pra te ajudar...
- Done.
- Se bem que não sei se poção resolveria... Talvez eu possa te apresentar umas garotas
legais...
- Done.
- Ou garotos. Se bem que você sempre foi de poucas namoradas, mas nunca meninos.
Mas vai saber ne... Vai que você esteja mudando de gosto ou querendo explorar novas
experiências...
- DONE! ONDE PORRA ELA ESTÁ?! – O corpo negro de Alart começou a se dissolver em
uma fumaça no mesmo tom negro, sua magia saindo de trevas saindo do controle
levemente.
- Uau! – Dessa vez Done realmente estava surpreso. – Seu amorzinho está dormindo. –
Ele podia... Não. Ele DEVIA ter calado a boca aí. Mas a alma zombeteira de Done falava mais
alto. – No meu quarto.
- O QUE?! – O corpo de Alart se firmou novamente, dessa vez seus olhos brilhando
com uma luz branca quente, sua magia de luz assumindo o controle. Uma onda de luz
branca emanou de sua mão indo em direção a Done.
- Sozinha, irmão. – Done foi rápido ao criar um escudo mágico com uma energia
laranja, bloqueando o ataque. – Eu dei pra sua namorada o melhor quarto da casa e estou
dormindo do outro lado do corredor.
Alart respirou fundo várias vezes, procurando se acalmar. – Ela não é minha
namorada. É...uma amiga.
- Sei. E eu sou a encarnação de Kallisti. – Done sinalizou para Alart sentar no sofá e
pegou um chá para ele.
- É sério. Somos amigos.
L i k a s t í a 0 3 | 36

- Acredito. Mas você a ama. – Done afirmou, não perguntou. – Relaxa, irmão. Ontem
eu pensei que ela era só uma namoradinha que você levou para onde não devia e foram
descobertos. Mas agora... Você a ama e não tenho a menor dúvida disso.
- Eu não...
- Irmão, pare. Não precisa ser um espião como somos pra perceber isso. Você nunca
perdeu o controle de suas emoções, menos ainda de sua magia de luz e sombra. E
oportunidades pra isso nunca faltaram nas missões.
- Foi por isso que você se meteu no problema ontem?
- Claro. – Done sentou no sofá em frente, com o tornozelo direito sobre a perna
esquerda. – Ela é linda, mas nunca gostei muito das misteriosas. Prefiro as que falam tudo
na cara.
- Esse sorrisinho é novo... – Alart comentou. – Quem é ela?
- Uma encrenqueira birrenta que conheci no caminho para cá. – Done sorriu meio
bobo ao lembrar da jovem. – Mas não me deu chances. Na verdade, ela chutou meu joelho
quando tentei beijá-la e me chamou de “criatura inefável”.
- AHAHAHAHAHAHA! Criatura inefável?! – Alart quase engasgou com o chá.
- Mas eu vou conquistar aquela belezura e ela vai ser minha princesinha. Você vai ver.
- Boa sorte, criatura inefável.
Done riu e jogou uma almofada no amigo.
- Bom dia. – Sunny disse timidamente da porta.
- Sun... Miranda! – Alart se corrigiu.
- Relaxe, irmão. Vou fingir que não ouvi nada, SunMiranda. – Done sorriu e foi atender
seu mordomo. – Bom dia, meu velho. O que foi? – O mordomo sorriu e entregou uma
carta, dizendo algo em voz baixa.
- Você está bem? – Alart perguntou.
- Sim. Done me contou que foi seu parceiro na escola de espionagem e algumas
travessuras de vocês.
- Em minha defesa, o Done é que sempre me arrastou para as confusões dele. – Alart
sorriu.
- Preciso falar com seu pai e Ciara. Explicar tudo...
- Eu já falei com meu pai. Ele ficou irritado com sua aparição antes das ordens dele,
mas entendeu que foi um acidente.
- Gosto muito do seu pai. Anos entrando nos sonhos dele criou uma relação de
proximidade entre nós que eu gostaria de ter tido com... Não importa.
- Não se preocupe, Sunny. Está tudo bem. Meu pai é rígido, mas também gosta muito
de você. – Alart acariciou o rosto dela quase hipnotizado. – Algum problema, Done?
L i k a s t í a 0 3 | 37

Done voltou com seu sorriso cafajeste habitual, mas os dois se conheciam bem o
suficiente para praticamente sentir o que o outro sentia.
- Não. Só uma visita não tão agradável. Um aliado de minha mãe que vem me entregar
algumas alterações em documentos que preciso ver. – Done disse.
- É alguém que você não gosta. – Alart afirmou, levando Sunny para o sofá.
- Não. Não gosto e definitivamente não confio no Ismir. – Done disse pensativo.
Alart congelou e Sunny praticamente caiu sentada no sofá, sentindo um frio na
espinha se espalhando pelo corpo todo.

~o ⭐ o~
- Finalmente. – Calíope chamou.
- Majestade, o príncipe Done disse que é apenas uma história para ajudar um amigo. –
Sven ponderou.
- Eu sei, mas quem sabe ele não se encanta de verdade por essa jovem. Já passou da
hora do meu filho casar e gerar um neto pra mim. – Calíope disse. – Mas, algo não parece
certo. Quem é essa Tiger?
- Ele disse apenas que se chama Miranda, senhora. – Sven respondeu.
- Hmmm. Procure nos registros dos Tiger com licença para viver em Jubay. Quero
saber quem ela é, quem são seus pais, de onde vem... Se ela for uma jovem humilde
precisaremos enviar tutores de etiqueta, história da Coroa, práticas religiosas... Tudo para
que ela se torne uma princesa com todo o conhecimento necessário. Também preciso
começar a pensar em um título de nobreza para ela, assim ela se tornará elegível para ser a
esposa do meu filho. – Calíope andava agitada de um lado para outro. – Mas,
principalmente, precisamos saber se ela possui magia e de tipo.
- Acha que ela pode ser a assassina daquela menina leonina? – Sven perguntou.
- A possibilidade existe. Não posso ignorar. Mas confio na inteligência do meu filho. Ele
não escolheria uma jovem como namorada, mesmo que uma falsa, se desconfiasse que ela
era mau caráter.
- Irei investigar. Algo mais, senhora?
- Não. Pode ir, Sven.
- Majestade. – Ismir se curvou na porta, pedindo para entrar.
- Ismir, meu amigo. Entre. – Calíope dispensou Sven e sinalizou para Ismir se sentar. –
Já está indo?
- Sim, majestade. Saio em alguns minutos.
- Ótimo. Não demore. Quero você aqui para a reunião com aqueles abutres. Observe
bem a namorada do meu filho e me diga o que achou dela. Sei que o tempo é curto, mas
você é perspicaz. – Calíope disse.
L i k a s t í a 0 3 | 38

- Farei o melhor que puder, majestade.


- Mais uma coisa. – Calíope disse. – Vê aquele pequeno baú? Preciso que leve-o para
Lhágua.
- As medalhas de honra? – Ismir perguntou.
- Sim. Observe também se há algum jovem estudioso promissor. Bem, o de sempre.
Você sabe como encontrar essas mentes prodigiosas para trabalhar aqui futuramente.
- Soube de uma leonina que está chamando atenção na Universidade de Lhágua. Vou
procurar mais informações sobre ela. – Ismir disse e se despediu da Rainha.
Seria ótimo se essa jovem leonina atraísse Ismir e ele decidisse se casar de novo. Pobre
felino solitário. Calíope pensou.

~o ⭐ o~
A sábia gentil e solitária. Era assim que Ane era conhecida na Universidade Lhágua. Em
pouco tempo ela se tornou assistente do principal Mestre da Universidade por sua
inteligência, perspicácia e talento nato para a pesquisa acadêmica. Sempre disposta a tirar
dúvidas de seus colegas e ajuda-los, mas sempre distante, nunca aceitando a amizade de
ninguém. Apesar de não ter mais pesadelos, dormir era algo cada vez mais difícil, como se
sua mente estivesse sempre trabalhando, se recusando a descansar. Seu pai mandava
mensagens praticamente todos os dias no horário em que ele geralmente estava indo para
casa. Sua mãe, todo final de semana, falando de uma jovem Tiger perigosa que havia
aparecido recentemente. Ane não conhecia a jovem ainda, mas ela fazia sua mãe chorar e
isso já despertava sua antipatia pela Tiger.
Os Tiger podiam ser muito irritantes e ela sabia bem disso. Irritantes e insistentes.
Todos os dias, sem sua permissão, ela lembrava de um Tiger nobre idiota que a irritara
alguns dias quando ele estava de passagem e tentara fazer com que ela fosse sua nova
conquista. Sempre que lembrava disso ela ficava irritada de novo, mas não podia evitar. Era
como um hábito ruim difícil de perder.
Algum tempo depois, surgiu um outro Tiger nobre na Universidade, também de
passagem, que fizera muitas perguntas sobre ela. O Mestre lhe dissera que isso era bom,
que ele era uma espécie de olheiro da Rainha Tiger. Como se eu tivesse qualquer interesse
na nobreza de qualquer um dos dois reinos, ela pensou. Mas algo naquele Tiger-olheiro a
incomodava. Como olhar para um crocodilo-das-árvores prestes a atacar. Perigoso, cruel,
falsamente calmo. Ela queria ter um amigo para conversar agora, mas o medo da perda
ainda a afetava mais do que ela gostava de admitir.
- Jovem Ane. – O Mestre de Ane era um velho da época do reinado do avô de Alart. Ás
vezes Ane achava que ele era tão velho que ia cair morto e virar poeira na frente dela a
qualquer segundo. – Sente-se, mocinha.
L i k a s t í a 0 3 | 39

Ane sentou na cadeira na frente da mesa, com as mãos sobre o colo.


- Você se destacou muito em pouquíssimo tempo, menina. Já se tornou a recordista de
medalhas de honra Tiger na nossa Universidade, fez incríveis estudos sobre as Duas Coroas
Likastianas e criou a teoria mais interessante sobre a evolução da sociedade Tiger e a magia
onírica que já vi. E, acredite, menina, eu já vi muita coisa nessa vida.
- Só fiz o que qualquer um teria feito...
- Não seja modesta, minha jovem. O que você fez é fantástico.
- Nem tanto... Eu não descobri o elo que faltava na genealogia daquele pobre mago
onírico enlouquecido dos Tiger...
- Enfim. – O Mestre a cortou, cansado daquela conversa que se repetia sempre que
eles tocavam no assunto. Ele amava Ane como uma filha, admirava a menina, mas quando
ela começava a pesquisa de algo chegava a ser obsessiva. – Você irá para casa por alguns
dias. Ordens da reitoria.
- Mas, porque?
- Porque você precisa descansar e aqui você nunca faz isso, menina! Principalmente
agora.
- Como assim?
- Você irá para Tiger. A reitoria selecionou você para um trabalho de campo na capital
Tiger.
- Sério? – Ane estava louca para participar dessa pesquisa onde poderia também
investigar a genealogia do mago onírico que tanto a intrigava, mas só os mais experientes
iriam e ela, apesar de suas conquistas, ainda não alcançara o nível de Tutora.
- Não. – O Mestre sorriu diante da confusão estampada no rosto de Ane. – A própria
Rainha Calíope exigiu sua presença na equipe para permitir o acesso aos arquivos antigos.
Ane quase pulou da cadeira.
- Então eu vou pesquisar nos arquivos antigos?! E vou poder acessar todos os
arquivos? E...
- Eu acabei de dizer que você foi selecionada pela própria Rainha Tiger e você só pensa
nos arquivos? – O Mestre riu. – Menina, você deve ter sido uma biblioteca na outra
encarnação. Tem mais uma coisa. Você não vai como parte da equipe.
Ane parou, sentindo a decepção fluir. - Era bom demais pra ser verdade mesmo. O que
serei? Aprendiz de algum Sub-Tutor? Mas vou poder ver os arquivos?
- Claro que vai poder. Você será a líder da pesquisa. – O Mestre disse, rindo por
dentro.
- O que? Mas... Só um Tutor pode ser líder de pesquisa. – Ane sabia o que significava,
mas estava com medo de ser apenas uma confusão.
L i k a s t í a 0 3 | 40

- Que bom que você tem este anel de Tutoria, não é mesmo? – O velho sorriu
mostrando um anel com uma pedra vermelha enorme, com o nome de Ane gravado no
interior da joia, o símbolo mundial de um estudioso em nível tão alto que só perdia para os
Mestres.
Ane deu pulinhos de alegria, incapaz de manter a postura e aquecendo o coração do
velho Mestre.

~o ⭐ o~
O destino é um caminho de escolhas e consequências, um caminho caprichoso que não
aceita desculpas e ignorância. Vê? Não é culpa minha se os mortais escolhem bem ou mal
os caminhos de suas vidas. Escolha e assuma as consequências da sua.
L i k a s t í a 0 3 | 41

Capítulo 08
Você sabe porque sempre ensino que você não deve firmar sua vida em mentiras? Não
falo de mentiras do tipo “essa roupa está bonita em você” quando ela está horrível. Falo de
mentiras gigantes, que mostram você para o mundo de um jeito que você não é, que se
tornam a base da sua aparência para os outros. Sabe o porque? Não? Deixa eu te contar
uma coisa que aconteceu com os meus felinos meigos então...

~o ⭐ o~
- Quando sua filha chega? – Téo perguntou, observando tranquilo na cama enquanto
Ciara se vestia.
- Em algumas horas.
- E o progresso com o principezinho?
- Aff! Não mencione aquela coisa. O Tiger idiota não deve gostar de felinas ou já se
apaixonou pela tonta da Sunny.
- Ele ainda está resistindo?
- Não, amor. Ele está mais pra indiferente mesmo. Nada que eu tento parece surtir
efeito. – Ciara respondeu de mau humor.
- Então vamos pensar... Ou ele não se atraiu por você porque não te acha desejável, o
que duvido porque você sabe bem seduzir qualquer um. Ou ele realmente não gosta de
felinas. Ou ele já está apaixonado pela maga onírica chatinha. – Téo ponderou, seu cérebro
já avaliando as possibilidades. – Para nós o ideal seria a última opção.
- Sim. Também já pensei nisso. – Ciara disse. – Poderíamos jogar os príncipes espiões
um contra o outro. Alart parece bastante possessivo com a Sunny e com certeza isso nos
seria útil. Embora seja difícil abrir mão do nosso plano. Eu adoraria ser a nova Rainha Tiger.
Mas me contento em destruir aqueles dois e seguir nosso plano original.
- Vou investigar isso, mas mantenha a sedução. Infelizmente, usar magia para isso
seria arriscado demais e é melhor evitar.
- Sim. Achei que precisaríamos de magia pra evitar aquela catástrofe com o Ismir, mas
felizmente o babaca não desconfiou de nada. Pelo menos pra isso os principezinhos
serviram. – Ciara comentou e beijou Téo em uma despedida rápida.
- Cuidado, querida. Ismir é um idiota, mas não é burro. O melhor é que ele fique longe
e, por sorte, a garota não é conhecida pelo seu nome aqui. Do contrário, sua filhinha
poderia falar demais sem querer quando estiver na Corte Tiger.
- Não se preocupe. Estou mantendo Ane sob controle. Garanto que ela não vai querer
nem trocar duas palavras com a Sunny, muito menos o suficiente para ela entender a
genealogia que tanto procura.
L i k a s t í a 0 3 | 42

~o ⭐ o~
- Eu não entendo, papai. – Ane disse.
- Nem eu. Mas também só vi a jovem Tiger duas vezes. Me pareceu uma mocinha
gentil e educada, um tanto desconfiada do mundo, mas apenas isso. – Hieron respondeu,
focado em mexer o conteúdo da panela.
- Então deve ser só porque ela se sente melhor do que os outros. – Ane entregou as
folhas cortadas para o pai colocar na comida. – Tem nobres que são uns imbecis assim
mesmo.
- O príncipe Alart não é. Nem o príncipe Tiger, pelo que pude perceber. – Hieron se
virou para a filha, abandonando sua panela por um momento. – Filha, cuidado. Preconceito
justificado, ainda é preconceito. Não é porque você conhece mil nobres imbecis, como você
diz, que todos os mil e um vão ser imbecis. Nunca se esqueça que experiências ruins não
justificam a injustiça.
- Vou tentar lembrar disso na Corte Tiger. – Ane respondeu. Embora a experiência com
o nobre Tiger inefável não fosse necessariamente ruim, sendo mais irritante na verdade, ela
tentaria seguir o conselho difícil de seu pai, a criatura que ela mais admirava no universo.
Mais tarde, depois de ouvir sua mãe reclamar do quanto Ane precisava de roupas mais
sensuais pela milionésima vez, ela decidiu dar um passeio pela cidade, indo para o lado
oposto ao da biblioteca onde sua amiga morrera. Os anéis do planeta formavam um arco
lindo, brilhando mais forte pela luz do sol naquela época do ano, atraindo o olhar da moça
para cima, andando distraidamente.
BAM!
Ane trombou em algo enorme e sólido, porém um tanto macio e só não caiu de bunda
no chão porque mãos firmes com garras retraídas a seguraram pelos ombros.
- Obrig... – Ela começou, mas calou a boca ao reconhecer a voz que falava junto com
ela.
- Ora, ora. – Done pensou que seu peito ia explodir, seu habitual sorriso cafajeste
tomando conta de seu rosto sem que ele pudesse controlar. – Se não é a mais bela e
sincera felina deste planeta.
- Era só o que me faltava. – Ane suspirou e se afastou. – Oi, obrigada e tchau.
- Mas o que é isso? – Done entrou no “modo Done Debochado”. – Só “oi, obrigada e
tchau”? Nada de “criatura inefável”? – Ele colocou uma mão dramaticamente sobre o
peito. - Fiquei magoadinho. Mas se me der um beijo, passa.
- Você é irritante o tempo todo ou isso é só enquanto seus olhos fazem fotossíntese?
- Adoro falar com você, milady. Aprendo muito. Aprendi o que é “inefável” e agora
aprendi que olhos fazem fotossíntese. – Done tentou ficar sério, o que era uma tarefa
L i k a s t í a 0 3 | 43

quase impossível para ele. – Já que a senhorita parece atraída e até trombou em mim para
chamar a minha atenção, que tal um passeio para nos conhecermos melhor?
- Olha eu sei que você é bonito e deve ter milhares de jovens caindo aos seus pés o
tempo todo, mas não estou interessada.
- Ganhei meu dia. A bela sincera que não sai dos meus pensamentos me acha bonito. –
Done brincou, mas era a mais pura verdade.
Ane quase deu um gritinho feliz e involuntário e ficou surpresa e irritada em como
saber que ele não parava de pensar nela a afetava. – Eu tenho que ir. – Dizendo isso, Ane
virou as costas e saiu quase correndo de volta para casa.
Done, como o espião persistente que era, seguiu a moça e descobriu onde ela morava.
Ele percebeu que o modo agressivo da moça se devia mais a sua timidez do que ao fato
dela não desejar ele. Done não era burro ou inexperiente e viu nos olhos confusos dela algo
que talvez a própria moça não tinha notado ainda. Ela tinha uma queda por ele. Daquele
dia em diante, Done passou a enviar cartas para a moça que nem mesmo lhe dissera seu
nome. Quando ele perguntou na primeira mensagem, acreditando que ela nem
responderia, ela mandou o mensageiro de volta e respondeu a sua pergunta com um “não
vou dizer meu nome para um estranho metido a garanhão”. Aquilo fez Done rir. Na
mensagem seguinte ele disse que, quando eles não fossem mais estranhos um ao outro,
ambos diriam seus nomes naturalmente. Assim, ele passou a assinar como “Garanhão
Inefável” e ela como “Sábia Sincera”.

~o ⭐ o~
- Vocês vão me contar ou eu vou ter que descobrir sozinho? – Done estava tentando
respeitar a privacidade do amigo e da jovem que ele aprendeu a amar como amiga em
pouco tempo, mas estava difícil. Especialmente depois de suas pequenas investigações.
A bela Miranda parecia ter vindo do nada depois de um ano em que Alart estava
estudando algo que ninguém sabia o que era e nem onde. Estava na cara que aquilo tudo
era uma armação e que Miranda estava envolvida nisso. Devido aos documentos
verdadeiros sobre o tal estudo que Done encontrou, como cartas e permissões oficiais, ele
tinha certeza que o Rei Arman também estava envolvido. Mas o que mais o intrigava nisso
tudo era o pânico nos olhos de Miranda ao ouvir o nome de Ismir quando foi anunciado
que ele chegaria em pouco menos de uma hora e o olhar preocupado de Alart. Algo não
estava certo. Com aquela compreensão quase telepática entre os príncipes, Done pediu
para que Alart levasse sua “namorada” para um banquete na residência de uma nobre
leonina, a dias de distância da capital, dando como desculpa para Ismir que não podia adiar
isso e o tal banquete era dado em homenagem ao casal Tiger. Assim, minutos depois,
Miranda e Alart partiram para a casa de uma nobre que fora amiga de Marna, mãe de Alart.
L i k a s t í a 0 3 | 44

Os dois tinham retornado a alguns minutos e o príncipe Tiger decidiu colocar as cartas na
mesa.
Sunny e Alart tinham conversado muito durante esses dias. Apesar do Rei ser contra
qualquer revelação sobre Sunny a outros, eles tinham decidido que era muito perigoso ficar
perto de Done sem que ele entendesse o risco que Ismir representava para ela.
- É melhor se sentar. A história é longa. – Alart disse.
- Então me faça um resumo. Cansei de esperar. – Done disse, um pouco irritado
porque sua “Sábia Sincera” ainda não tinha mandado a mensagem daquele dia, embora já
fosse noite.
- Ismir é meu pai. – Sunny soltou.
- Sunny, querida, o que eu te disse sobre ser mais sutil? – Alart olhou pra ela e Sunny
apenas deu de ombros.
Done caiu sentado. – Espera. Ismir tem filha? Mas Bianca não podia ter filhos. Ele teve
filhos fora do casamento e não sabe?
- É um pouco pior do que isso. – Alart disse.
- Sunny, heim? – Done olhou para a moça. – Você realmente não tem cara de
“Miranda”. Que tal me contar quem é você, Sunny, e....bem...a história toda?
Sunny sentou no lugar oferecido por Alart que ficou de pé protetoramente em suas
costas. – Não fui gerada fora do casamento e Ismir sempre soube que existo. Embora eu
preferisse que ele nunca soubesse. Ele só não permitia que minha mãe falasse que eu
existia.
- Espera. Então Bianca não era estéril? – Done achou aquilo insano.
- Não. Nem era a pessoa insuportável que todos conheciam. – Sunny mal se lembrava
da mãe, apenas da imagem dela rolando escada abaixo. – Ismir era um terror em casa.
Desde que se casou ele obrigava ela a se portar da pior forma nos lugares pra que nunca
mais convidassem ela ou não estranhassem quando ele não a levasse. Os servos mais
antigos da casa me contaram que ela ficou grávida algumas vezes antes de mim, mas que
ele chutava a barriga dela, a deixava com fome e fazia coisas horríveis até ela perder o
bebê. Quando minha mãe soube que estava grávida de mim a gestação estava avançada e
ela conseguiu esconder por um tempo porque sua mãe, a Rainha, tinha enviado Ismir para
uma observação de alunos em um lugar distante que acabou demorando mais devido uma
inundação que tornou impossível atravessar as estradas.
- Sim, eu estudei um pouco sobre as tempestades que devastaram algumas regiões a
uns 17 anos. – Done lembrou.
- Quando Ismir chegou, eu já tinha nascido. Ele tentou me matar, mas eu já tinha uma
magia forte desde bebê e mergulhei no mundo dos sonhos fisicamente. Algo que nunca
mais consegui fazer. Eu voltei depois de algumas semanas aparecendo no colo da minha
L i k a s t í a 0 3 | 45

mãe. Talvez com medo de que minha magia pudesse ferí-lo naquela idade incontrolável, ele
não tentou mais me matar, mas cresci proibida de chama-lo de pai, minha mãe nunca
poderia mencionar minha existência e nem os servos podiam me tratar bem ou eram
punidos com surras até a morte. Depois de um tempo, quando os mais velhos morreram,
ninguém mais sabia que eu era filha dele. Eu era proibida de praticar magia ou mesmo falar
sobre isso. Eu era apenas a órfã que ele acolheu e servia na casa como empregada, apenas
porque chamar de escrava é crime. Minha mãe foi enlouquecendo aos poucos...ela mal me
reconhecia... – Sunny suspirou. – Um dia, em um dos muitos acessos de raiva com algo que
ele passou na rua, ele agrediu minha mãe de novo, mas dessa vez a jogou do topo da
escada. Eu tinha 8 anos e me escondi como sempre fazia quando ele chegava furioso
daquele jeito. Eu estava dentro de um dos móveis da sala abaixo e vi tudo. Ele nunca soube
disso. Minha mãe estava viva, mas ele não a socorreu e ela morreu ali mesmo. Tenho
certeza que ela me viu dentro do móvel enquanto sangrava até a morte.
- Por Kallisti... – Done estava tão chocado que mal lembrava de respirar.
- O pior veio depois. – Alart mantinha os punhos cerrados, controlando sua constante
vontade de sair e quebrar a cara de Ismir.
- Não sei o que minha mãe fazia para impedir que ele fosse pior comigo do que já era.
Mas ela fazia algo. Tenho certeza. Quando ela morreu, as surras e os períodos de fome
passaram a ser cada vez maiores. As tarefas mais pesadas. Os servos passaram a ganhar
bonificações por cada vez que me agredissem ou tratassem mal. Quando fiquei maior, ele
passou a dar bonificações maiores e promover empregados que abusassem de mim. Três
nesse tempo todo aceitaram. Um não conseguiu e foi morto. O segundo infelizmente
conseguiu. O terceiro... – Sunny olhou sutilmente para Alart, mas Done percebeu e
levantou num pulo.
- É melhor você não ser esse terceiro, irmão, ou eu juro que...
- Calma, Done. – Alart disse, envergonhado apesar de tudo. – Não me orgulho do que
fiz e daria minha cauda e meus braços se isso apagasse tudo o que a Sunny viveu. Mas
tivemos que encenar muita coisa hedionda para fazer Ismir abaixar a guarda por tempo
suficiente para eu tirá-la de lá.
Sunny levantou e colocou uma mão no peito de Done para impedí-lo de dar um soco
em Alart.
- Ele disse a verdade, Done. Alart se fez passar por um pobre rapaz sem família que
sempre tentava me agredir quando eu ia comprar na feira com outros servos, isso fez Ismir
se interessar por ele e o contratar como servo prometendo bônus por cada agressão que
me deixasse marcada. Alart usou várias poções para fazer tapinhas leves e falsas agressões
gerarem marcas terríveis no meu corpo. Mas um dia, não sabemos o motivo, Ismir
desconfiou da lealdade de Alart e fez a proposta de lhe dar um bônus alto e uma promoção
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enorme se ele abusasse de mim. Sabíamos que era um teste e pensei que Alart ia abusar
mesmo de mim. Não tivemos nem tempo de combinar nada, foi tudo muito rápido. Então
ele apenas sussurrou no meu ouvido para relaxar e tentou me acalmar o máximo possível.
- E me sinto o pior ser vivo por causa daquele dia até hoje. – Alart disse, a antiga culpa
corroendo.
- E eu já disse que aquela foi a primeira e única vez que me senti bem, ótima na
verdade, nessas relações. Pare de se culpar pelo que não tivemos escolha. Se você não
tivesse aceitado, teria sido morto ou teriam descoberto quem você era e teria gerado uma
guerra por um leonino agindo no reino Tiger, e eu estaria morta a essa hora com certeza. –
Sunny disse pela milionésima vez. – O fato, Done, é que se não fosse pelo Alart eu
provavelmente nunca teria saído de lá porque eu vivi tanto naquele ambiente que passei a
acreditar que aquilo era normal.
- E como Alart chegou lá?
- Rei Arman. – Sunny respondeu. – Lembra que eu disse que fui para outro lugar
durante o sono quando nasci? Pois fui parar justamente com o Rei Arman. Ele e a Rainha
Marna cuidaram de mim em segredo por um tempo. Depois da morte da minha mãe,
minha magia adormecida pela falta de prática despertou, talvez pelo trauma. Daí em diante
passei a invadir todos os sonhos do Rei sem conseguir me controlar. Mas o Rei é
descendente do Rei Dreyfus e sabe o potencial da magia onírica, então ele começou a ler
tudo que podia sobre o assunto e me passava todo o conhecimento teórico em sonho. Não
era muito porque magia sem prática não desenvolve tanto, mas ajudou a ter alguma base.
Então ele planejou meu resgate e enviou Alart, seu melhor espião e homem de confiança, –
Sunny disse dando uma olhada significativa para Alart que sempre duvidava da confiança
de seu pai nele mesmo – para se infiltrar no palácio de Ismir e me resgatar.
- A uns três anos Sven comentou algo sobre Téo fazendo perguntas aparentemente
inocentes sobre Ismir. – Done lembrou.
- Sim. Meu pai queria ter certeza sobre a relação de Ismir e da Rainha Calíope. – Alart
confirmou. – Sem provas e com ela sendo tão amiga dele, temíamos que ela sem querer o
alertasse sobre Sunny e meu pai, e Ismir acabasse matando e sumindo com seu corpo.
- Porque você não foi até minha mãe depois que fugiu desse verme?
- Porque eu só quero praticar e aperfeiçoar minha magia. Além do mais, Ismir pode
muito bem inventar qualquer história para a Rainha, forjar testemunhas por medo ou
comprando-as e me fazendo passar por mentirosa. Além do mais, não quero causar
nenhum problema entre os reinos por causa da atuação de um reino no território de outro,
contra um nobre desse segundo reino, ainda por cima sendo amigo da Rainha. Eu só quero
viver em paz, Done. Se ele ficar longe de mim, eu não tenho nenhum interesse nele.
L i k a s t í a 0 3 | 47

- Eu preferia que ela ficasse mais forte em sua magia e depois sim fôssemos atrás da
Rainha para expor aquele crápula, mas respeito a decisão dela. – Alart disse. – Você pode
não acreditar, mas...
- Eu acredito. – Done interrompeu. – Nunca confiei no Ismir, mas daí a cometer tanta
atrocidade contra sua esposa e sua única filha... Eu jamais teria desconfiado... Mas não
posso dizer que duvido disso. A algum tempo ele parecia bastante irritado ao voltar para
casa, colocando seus servos para fazer buscas pela cidade durante a noite, silenciosa e
implacavelmente.
- Como sabe disso? – Alart perguntou, já que Ismir fez isso secretamente por meses.
- Eu estava na cidade investigando outra coisa e quase fui descoberto uma vez pelos
servos de Ismir. Tive que matar dois deles. – Done respondeu. – Pela época, agora sei o
que, ou melhor, quem ele estava procurando.
- Cedo ou tarde ele vai descobrir que eu era o servo, mas meu pai disse que tem um
plano sobre isso. – Alart disse.
- Provavelmente algo para manter a boca de Ismir fechada e uma história qualquer
explicando que Sunny morreu. – Done ponderou.
- É minha aposta também, mas ele não me diz nada sobre isso.
- Eu preciso pensar nisso com calma. Não posso deixar uma víbora como Ismir tão
próximo da minha mãe. Dentre outras coisas. – Done disse, sentindo uma dor de cabeça
irritante depois de ouvir o que um pai era capaz de fazer com uma filha. – Vamos precisar
ter mais cuidado com essa história de namorada, de preferência que não dure muito
porque não quero ter problemas com o sonho da minha vida que está na cidade.
- Sua garota está aqui? – Alart perguntou.
- Sim. Encontrei pouco depois que vocês foram viajar. – Done não conseguiu evitar o
sorriso. – Ismir sondou muito sobre minha “namorada”, provavelmente a pedido da minha
mãe ansiosa por um neto. Consegui desconversar e dar as definições mais aleatórias
possíveis. O fato de nunca termos nos dado bem ajudou bastante. Mas não acho que ele vá
deixar isso de lado, até porque a Rainha não vai permitir.
- E você quer apresentar sua amada misteriosa como sua namorada quando a hora
chegar. – Sunny sorriu.
- Exatamente. – Done tentou sorrir, mas ao olhar para a mais nova amiga ele sentiu
uma louca vontade de abraça-la e tentar consolar Sunny.
- Pare. – Sunny disse.
- Parar o que? – Done perguntou.
- Esse olhar de pena. – Sunny respondeu.
- Desculpe, eu não quis....
L i k a s t í a 0 3 | 48

- Done, eu sei que você é uma pessoa boa, de caráter louvável, ou Alart não seria seu
amigo. Mas não precisa sentir pena de mim. Não me trate como vítima. Eu sou a mesma
Tiger que você conheceu durante esse tempo, a mesma que respondeu suas cartas com
aquelas piadas horrorosas que só nós dois achamos graça, a mesma que disse que ia te dar
um soco se você tentasse entrar no SEU quarto que você cedeu para mim. Me olhe como
uma pobre vítima de novo e vou colocar ácido na sua loção de limpeza para os pelos. –
Sunny deixou claro.
- Senti falta dessa moça meiga-violenta. – Done riu.

~o ⭐ o~
Você pode mentir. Mas a mentira quando não descoberta, fede e seu fedor não passa
despercebido. Sempre vai cheirar como mentira, sempre vai parecer que algo está errado.
Ficou claro agora ou vou precisar desenhar?
L i k a s t í a 0 3 | 49

Capítulo 09
Uma vez um mortal qualquer em algum lugar de qualquer universo disse que “toda
história tem uma moral, um ensinamento”. Não sei se tem, mas deixa eu te contar o que
aconteceu em um único dia e veremos que moral isso nos traz. Senta aí com sua bebida
preferida e escute com os olhos....

~o ⭐ o~
- Então você poderia ir comigo ver a cachoeira. Só nós dois... – Ciara disse com um
sorriso adorável.
Done estava de saco cheio das constantes investidar da leonina que estavam beirando
o ridículo. – Acho melhor n...
- Não precisa se preocupar. – Ciara acariciou o braço de Done e se aproximou
deixando seus seios roçarem nele. – Seremos discretos.
- Chega. – Done disse em um tom autoritário e afastou Ciara com firmeza. – Pare de
insistir. Eu não tenho nenhum interesse em você. Está perdendo seu tempo.
- Oh. Entendo. – Ciara disse com seu orgulho ferido. – Você prefere rapazes.
- Não. Só não quero você. Espero estar sendo suficientemente claro desta vez. – Done
saiu se sentindo um pouco culpado por ser tão grosso com uma dama, mas Ciara realmente
parecia não ter limites e isso já estava incômodo demais. Algumas pessoas só entendem
quando somos grossos.
- Algum problema? – Sunny perguntou quando Done entrou com cara de poucos
amigos.
- A mulher que falei continua me incomodando. – Ele disse, sempre evitando citar o
nome de Ciara para não manchar a reputação de uma mulher.
- Fale com o marido dela. – Sunny disse.
- E sujar a reputação de uma mulher? Não sou tão canalha. Fui bem claro com ela hoje.
Espero que ela se toque dessa vez. Do contrário, realmente terei que jogar sujo e falar com
o marido dela. – Done se sentiu pior só em pensar nessa possibilidade.
- Done, você é um cavalheiro, mas precisa ser sensato também. – Sunny lhe entregou
uma taça de vinho e o empurrou sentado no sofá sem muita gentileza. – Mas não seja
trouxa. Essa mulher pode acabar falando com o marido dela como se você que a
perseguisse.
- Acho que não. Mas tenho como provar que ela é quem me procura. – Done
respondeu. – Mas e você e Alart? Quando vão se acertar?
- Não sei do que está falando. Alart é um príncipe, meu amigo e se sente culpado por
tudo o que precisou fazer.
L i k a s t í a 0 3 | 50

- E é louco por você. Além do mais, isso de ser um príncipe e você uma plebeia não
importa. Duvido que o Rei leonino seria contra.
- Esqueceu do Ismir? Se eu fosse esposa do príncipe leonino, cedo ou tarde, aquele
monstro me encontraria.
- E você já seria a princesa leonina. Ele não seria burro para atacar a realeza leonina.
Também ele vai cair e não vai demorar. Estou cuidando disso.
- Fico feliz em saber disso. Mas não tenho nada com Alart. Somos apenas amigos. O
que ele sente por mim é só pena e culpa.
- Claro, claro, e eu sou um crocodilo-das-árvores.
Horas mais tarde, Sunny e Done caminhavam lado a lado por uma avenida de lojas
quando ele abriu um sorriso enorme olhando para frente. Apesar de ter uma criatura
irritante do lado, sua atenção focou apenas na jovem linda em sua simplicidade que sorriu
timidamente de volta. Percebendo e incomodada, Ciara apertou o braço de Hieron ao seu
lado.
- Alteza. É bom vê-lo. – Ciara disse e percebeu o incomum sorriso no rosto de sua filha.
Notando a expressão de bobo na cara de Done e a descrição que Ane havia dado sobre seu
“garanhão inefável” das cartas ela logo entendeu a relação entre ambos. Com a raiva
fervendo em seu interior perante a possibilidade de sua filha insossa ter conquistado um
príncipe que devia ser dela, ela pensou rapidamente em uma forma de comprovar sua
teoria e se vingar da rejeição dele.
- Lady. – Done respondeu sem nem dar uma olhada nela. Um erro, porque, se ele
tivesse olhado teria percebido a raiva que Sunny percebeu no rosto da outra mulher.
- Lembra-se de meu marido? – Ciara falou.
- Sim, claro. – Done desviou a atenção do rosto de Ane para o leonino mais velho. –
Senhor Hieron. É bom revê-lo.
Ane estava tão encantada em rever Done que nem ouvia ninguém ao redor. Apesar de
estranhar a presença de outra jovem com o misterioso Tiger, eles não estavam de braços
dados e ela preferia sempre não pensar o pior de todos. Na verdade, ela nem parecia
interessada nele.
- Esta é minha filha, Ane. – Ciara disse e Done abriu um sorriso maior ainda por
finalmente saber o nome da jovem. Ane por sua vez abaixou a cabeça pra esconder o
sorriso tímido.
- Senhorita Ane... – Done disse o nome quase como uma oração.
Mas Ciara estava pronta para estragar o momento com uma boa dose de seu veneno. -
Ah, filha. Esta é a lady Miranda. Namorada do príncipe Done. – Ela completou com um
sorriso tão venenoso quanto o olhar que direcionou ao príncipe.
L i k a s t í a 0 3 | 51

Namorada? Príncipe? O coração de Ane pareceu se quebrar, o ar faltou em seus


pulmões. Não só ele era um príncipe como também tinha namorada esse tempo todo e
ainda por cima era a garota insuportável que infernizava a vida de sua mãe.
O olhar de Ciara não passou despercebido por Done que, naquele momento, apesar de
toda a educação que sua mãe lhe dera, queria encher Ciara de porrada. Sunny tentou
amenizar as coisas, mas a antipatia de Ane por ela já tinha sido bem cimentada e Sunny
nem sabia disso.
- É um prazer conhece-la, Ane. Soube que você é fantástica na pesquisa acadêmica. –
Sunny cumprimentou gentilmente, apesar do olhar assassino de Ane. Sutilmente, Sunny
aproveitou o encontro para sentir se a magia do amuleto que dera a Ane estava
funcionando bem.
- Pois é. Algumas pessoas aproveitam bem o cérebro que tem ao invés de depender de
status e relacionamentos. – Ane respondeu.
- Ane! – Hieron olhou para a filha. – Desculpe-me, senhorita. Minha filha está cansada
de tanto andar.
- Não se preocupe, senhor. Eu entendo. – Sunny respondeu e uma ideia passou por
sua cabeça pela milésima vez. Odiando dúvidas, ela decidiu que era hora de testar. – Seria
interessante conhecer outra moça da minha idade com ideias firmes e conhecimentos bem
fundamentados. Estou treinando algumas culinárias novas e ficaria muito feliz se você
viesse provar em uma tarde, Ane.
- Não tenho vontade de... – O tom enojado de Ane era claro.
- Ela irá. – Hieron cortou com um olhar irritado para a filha. – Basta dizer quando.
Ciara não gostou nada da ideia, mas não conseguiu evitar o compromisso.
Done tentou dar algum sinal para Ane, mas a jovem não olhou para ele em nenhum
minuto. Então ele decidiu que seria melhor encontra-la depois com calma e tentar explicar.
Mas de uma coisa ele tinha certeza. Era melhor sair dali para não matar Ciara na frente de
todo mundo.

~o ⭐ o~
Alart pagou seu informante e saiu ainda mais preocupado. A velha nobre amiga de sua
mãe deixara claro que não confiava em Ciara e Téo e que suspeitava da morte de sua mãe,
lhe entregando uma prova irrefutável de que Téo estava construindo algo para canalizar a
magia como algum tipo de arma. O que não fazia sentido porque Téo não tinha uma gota
de magia. Mas duas possibilidades terríveis poderiam existir aqui. Ou Téo tinha magia e
conseguira esconder durante todos esses anos, o que além de ser muito difícil também
levantava a hipótese dele ser o mago envolvido na morte de Jana; ou a canalização poderia
ser feita para a magia de Sunny que, sem dúvida, não concordaria com isso. Agora as coisas
L i k a s t í a 0 3 | 52

só pioravam com a informação recebida que confirmava a criação dessa arma. Porém, não
era para canalizar magia apenas... Era pra prender um mago dentro dela como fonte de
energia para a arma. Isso só fizera Alart desconfiar ainda mais que a arma era feita para
prender Sunny como fonte. Alart decidiu que precisava de ajuda, mas não sabia se devia
falar com seu pai que, apesar de ser seu rei, ele não confiava no velho leonino.
- Eu vou matar aquela cobra! – Alart ouviu Done no jardim claramente furioso.
- Done, se você não se acalmar vai ter um infarto. – Sunny disse.
- Acalme-se mesmo porque precisamos conversar. – Alart entrou se sentando, cansado
e preocupado.
- Eu não... – Done parou ao ver a expressão tenta no rosto do amigo. – O que
aconteceu?
- Téo. Estou investigando ele a algum tempo. – Alart aceitou um copo oferecido pelo
amigo. – Desconfio que ele seja um...
- ...mago secreto. – Done completou atraindo os olhares dos dois amigos.
- Você sabia? – Sunny perguntou.
- Desconfiava antes de vir pra cá. Também estou investigando ele a algum tempo. –
Done sentou de frente para Sunny e Alart. – Irmão, eu lamento dizer isso porque sei que
Téo praticamente ajudou a criar você, mas desconfio que ele teve um papel fundamental
na morte daquela jovem na biblioteca.
- Por Kallisti. – Sunny colocou uma mão na boca.
- Você tem provas? Se tiver, vamos agora falar com meu pai. Eles podem ser amigos,
mas ele não poderá ignorar...
- Não. – Done cortou. – E mesmo se tivesse, não entregaria ao seu pai.
- Porque não? – Alart questionou.
- Primeiro porque minha mãe está de olho no Téo a algum tempo. Foi ela que
desconfiou da morte da menina, Jana que agora sei era amiga da minha lindinha, e me
enviou para procurar provas. Só encontrei resquícios de magia ilusória, nada concreto o
suficiente. Depois, er... Eu não sei como dizer isso...
- Pode falar, Done. – Alart segurou a mão de Sunny instintivamente.
Done abaixou e pegou uma pequena pedra azul escondida em um bolso interno na
bainha da calça e o entrou para Alart. – Não tem um jeito gentil de dizer isso, então.... Seu
pai e Téo são amantes desde antes dele ser rei.
Alart olhou para ele como se o amigo tivesse enlouquecido. Mas a centelha de dúvida
começou a brilhar em sua mente.
- Use o código que usávamos na escola para ativar as imagens no cristal. – Done
orientou.
L i k a s t í a 0 3 | 53

Sunny apertou a mão de Alart em um apoio silencioso. Alart sussurrou o código para a
pedra e a imagem começou a se formar em seu interior. Téo e seu pai juntos em vários
momentos, alguns Alart reconheceu pelas roupas e locais, conversas entre eles eram
bastante obscenas algumas vezes, em outras haviam citações de locais e épocas em que
eles tinham ficado juntos, mas uma frase fez o cenho de Alart franzir:
- Quando Ciara descobrir que ela não será minha rainha nunca e que é você que
realmente conhece meus planos, terá coragem de matar sua cunhada? – Arman perguntou
com Téo sentado em seu colo.
- E ainda duvida? Eu não suporto aquela mulher. Apesar de ser graças a ela que não
preciso dividir você com Marna. – Téo respondeu.
- Ela pelo menos foi útil para me livrar daquele casamento ridículo. – Arman riu.
- A velha Leonora tinha razão. – Alart murmurou, ficando de pé.
- Como assim? – Done perguntou.
- Ela disse pra gente que desconfiava da morte da mãe do Alart. – Sunny disse depois
que Alart olhou para ela em um pedido silencioso de ajuda. – Parecia surreal demais...
- Meu pai ter um caso não me incomoda. Mas ele ter feito isso enquanto ainda era
casado com a minha mãe e ter orquestrado a morte dela... Não duvido que ele também
esteja por trás da arma que vai usar... – Alart se calou e olhou para Sunny.
- O que? – Sunny perguntou.
- Eu queria aquele pingente emprestado. Aquele que você usa para controlar seu sono.
– Alart disse.
- Ah sei. E você acha que vou acreditar nessa desculpa esfarrapada por qual motivo
mesmo? – Sunny cruzou os braços.
- Irmão, se vai mentir pra sua linda amiga, sugiro que capriche um pouco mais. A
listradinha aqui é tão esperta quanto linda. – Done piscou.
- Eu não quero te assustar. – Alart suspirou.
- Lala, você acha mesmo que vou me assustar com palavras depois de tudo que passei?
– Sunny ergueu uma sobrancelha.
- Lala... Pfft.... – Done engasgou para controlar o riso com o olhar fulminante do amigo.
- Certo... – Alart sentou de novo, virando a cadeira de frente para Sunny e segurando
suas mãos. – Téo está liderando a criação de uma versão deturpada do cristal de
suspensão. Ele é...
- Eu sei o que é. – Sunny disse. – É usado para manter felinos vivos dentro de um
cristal quando estão perto da morte ou quando não se sabe como trata-los e precisamos de
tempo para encontrar uma cura. Uma ancestral sua passou por isso a décadas.
L i k a s t í a 0 3 | 54

- Sim. Mas a versão que está sendo criada é usada para focalizar e direcionar o poder
de um mago dentro dele como uma arma. – Alart suspirou. – E sou capaz de apostar como
você seria o mago usado nessa arma.
- Merda! – Done deixou escapar.
- Isso é terrível... – Sunny murmurou.
- Sim, amo..amiga. – Alart concordou. – O alcance da arma é enorme pelo que
consegui apurar e desconfio que foi criada sob ordens do meu pai. Saber que ele pode ter
planejado seu resgate, tudo para prender você e te usar como arma é terrível.
- Sim. Isso também, mas não é disso que estou falando. – Sunny disse. – Você não vê,
Alart? A simples criação de algo nessa escala só pode significar uma coisa: guerra. Se Téo
fez isso por conta própria ele deve planejar tomar o trono de seu pai em uma guerra. Se ele
fez sob ordens de seu pai, o Rei Arman está se preparando para uma guerra. E só existe um
alvo plausível para ele planejar atacar.
- Meu reino. – Done completou.
- Por Kallisti... Outra guerra entre as Duas Coroas... – Alart sentiu o chão sumir sob
seus pés.
- Precisamos confirmar isso. – Sunny disse.
- Sim. – Done completou. – Desculpe, irmão, mas você sabe que preciso defender meu
povo e minha rainha.
- Não se desculpe, Done. – Alart disse. – Eu também preciso defender meu povo. Uma
guerra agora que nos recuperamos e estamos crescendo... Não posso permitir. Precisamos
confirmar isso e a autoria. Se meu pai estiver por trás disso...que Kallisti me ajude...mas não
vou hesitar em tirar meu pai do trono.
- Espero que não chegue a isso, mas se chegar, temo que você assumir o trono seja a
única opção para evitar um ataque Tiger. Meu povo tem muitas qualidade, Alart, mas
ignorar uma chance de guerrear não é uma delas. Preciso alertar a Rainha Calíope sobre
isso. – Done disse.
- Done. – Sunny chamou. – Eu sei que você precisa fazer isso, mas nos dê um tempo.
Pelo menos até a gente confirmar quem realmente está no comando dessa coisa.
Done olhou para Alart.
- Não vou pedir isso, amigo. Sei a posição delicada em que você se encontra. Se me der
esse tempo, agradeço de coração. Mas se não puder, peço apenas que me consiga uma
chance de negociar com a Rainha antes que ela tome qualquer decisão ou procure meu pai.
– Alart disse.
- Vou pensar, mas garanto que quando eu relatar, seja isso quando for, você será o
primeiro que irá conversar com ela. Minha mãe sempre respeitou muito sua diplomacia e
inteligência. Tenho certeza que ela vai preferir falar com você antes. – Done confirmou.
L i k a s t í a 0 3 | 55

- É melhor começar a investigar logo. – Sunny disse.


- Não está esquecendo de nada? – Done perguntou.
- Pelos anéis! A reunião com sua amada! – Sunny disse e a ficha caiu na mente de
Alart.
- Espera. Você disse que ela era amiga de Jana. Quem é? – Pelo olhar que Sunny lhe
direcionou ele entendeu. – Não brinca.... Ane?
- Ane.... Lindo não é? – Done sorriu bobo. Mas logo ficou sério e narrou o bizarro
encontro na rua.

~o ⭐ o~
E a moral é: cuidado com os espiões de Likastía... Não, acho que não é bem isso... Que
tal essa? Um movimento de rotação do planeta pode trazer mais revelações do que um de
translação. Sim, acho que esta vai servir.
L i k a s t í a 0 3 | 56

Capítulo 10
Beba água, senta ai e concerta essa coluna! Pronto. Agora sim, deixa eu continuar
contando isso antes que você comece a me perguntar coisas aleatórias. Onde eu parei
mesmo?....

~o ⭐ o~
- Sim, você vai. – Hieron disse baixo, mas firme.
- Se ela não quer ir, não deve ir mesmo. – Ciara disse.
- Ciara!
- O que? Ela não é obrigada a aturar esse Tiger metido...
- Filha, - Hieron ignorou a esposa e se virou para a filha – eu não te criei assim.
- Mas, pai... – Ane cruzou os braços.
Hieron ergueu uma mão sinalizando para ela se calar. – Me escute, filha. Você sempre
foi inteligente e sábia. Sempre te ensinei a ser justa. Não se pode ser justo sem ouvir ambas
as partes, sem dar uma chance para alguém se explicar. Eu entendo sua mágoa, mas
também entendo que vocês nunca conversaram séria e abertamente. Vá, ouça, observe e
depois se você quiser quebrar um prato na cabeça dele, quebre.
- Hieron! Quer causar um problema diplomático também? – Ciara reclamou.
- Não me importo de lutar com minha faca de cozinha contra ele e até todo reino Tiger
pela minha filha ou por você, amor. Mas me importo em saber que criei uma mulher justa
de quem me orgulho.
Golpe baixo, pai. Ane pensou.
- Então, querida, vá e seja a mulher que educamos. – Hieron disse, sabendo que Ane
iria mesmo fazendo birra. Afinal o maior exemplo que ele sempre se preocupara em dar pra
filha era em ser uma pessoa justa, a característica mais notável dele.
- Não acho isso... – Ciara começou a falar, mas foi cortada por Ane.
- Certo. Eu vou.
- O que?! – Ciara quase gritou.
- Muito bem, lindinha do papai. – Hieron disse e a abraçou. – Sabia que minha
florzinha ia fazer a coisa certa.
Mais tarde, Ane foi recebida por Sunny na porta da mansão de Done. Ver a gritante
diferença de estilos entre elas só fez Ane sentir ainda mais aquela coisa irritante que ela
vinha sentindo desde o encontro mais cedo: ciúme. Enquanto Sunny era linda sem esforço,
com um quadril largo do tipo que fazia os felinos suspirarem, olhos com delineados negros
naturais que pareciam lhe dar uma maquiagem perfeita de nascença, uma voz aveludada,
modos de uma perfeita princesa, uma roupa azul clara elegante e sexy; Ane era mais baixa,
simples, uma roupa mais larga no busto e com pouco decote quadrado, uma calça de tecido
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simples, ambas as peças pretas com pequenas flores amarelas bordadas aleatoriamente,
tinha pelos castanhos quase amarelos, olhos de um azul que ela achava esquisito, magra
com seios grandes demais, garras sempre roídas (um hábito que ela não conseguia largar),
olheiras fundas e escuras, voz excessivamente doce quase infantil, além de ser meio
desastrada.
- Vamos para o jardim. Você vai adorar. É meu lugar preferido aqui. – Sunny disse com
um belo sorriso perfeito, guiando Ane para o tal jardim como se recebesse uma irmã na
casa.
- Eu não vou demorar...
- Bobagem. Você vai gostar. Tenho certeza. Pedi para prepararem aquele suco que
você mais gosta. – Sunny disse de propósito porque estava meio que se divertindo com o
óbvio ciúme de Ane.
Aquele....canalha inefável! Ele contou pra ela nossas conversas?! Ane só não se virou e
foi embora por lembrar dos sermões do seu pais sobre ouvir os dois lados. Eu vou matar
aquele príncipe metido a besta!
- Eu mesma decorei. Você gostou? – Sunny disse, orgulhosa de seu trabalho.
Quando Ane viu aquele mirante com uma mesa bem arrumada, uma decoração com
suas cores e flores preferidas, um delicioso cheiro de manjar branco, tudo tão perfeito que
parecia ter sido organizado por sua mãe, ela quis gritar. AAAAARH! A Tiger perfeitinha,
quase uma princesinha... Além de tudo tinha que ser bonita. Respire, Ane. Respire. Ane
pensou, racionalmente pensando que a jovem Tiger queria humilhá-la, afinal ela era uma
pessoa terrível e insuportável segundo sua mãe. Mas intuitivamente, talvez pela postura e
pelo jeito da outra jovem, Ane começou a duvidar que fosse isso mesmo. Na verdade, a tal
mulher parecia mesmo querer ser gentil e fazê-la se sentir em casa.
Assim que as duas se sentaram, Ane abriu a boca para dizer que ia embora, mas nem
conseguiu falar nada.
- Eu não sou namorada do Done. – Sunny soltou de uma vez e notou o olhar confuso e
chocado de Ane. – Oh, desculpe. Alart sempre diz que preciso aprender a ser mais sutil. –
Ela deu de ombros. – Mas, enfim. O que importa é que você não precisa se preocupar.
Done está apenas sendo um bom amigo e ele é louco por você. Assim como você
obviamente é por ele.
- Eu...Er...Não...Éééé..Bem... O que? Não! Eu não gosto... – Ane sentiu seu rosto
esquentar e seus olhos se voltaram para todos os cantos do jardim, mortinha de vergonha.
- Não precisa disfarçar. Dá pra ver até das luas o quanto vocês se gostam. Apesar de
que não sei o que você vê naquele felino bobalhão que baba horrores enquanto dorme. Se
você visse a marca que tem no braço do sofá de tantas babas ali... Eca. – Sunny disse e Ane
riu mesmo sem perceber.
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- Mas vocês dois...Todo mundo acha...


- Que somos um casal? Sim. E peço que, por enquanto, você guarde isso em segredo.
Não posso dizer muito, apenas que Done me ajudou inicialmente por causa do Alart que
também é meu amigo. Depois a gente acabou ficando amigos também. Olha, Ane, - Sunny
disse olhando nos olhos de Ane e a menina quase podia jurar que a Tiger mergulhava em
sua alma naquele momento – eu nunca tive uma família muito, digamos, tradicional.
Também não tenho irmãos. Mas se eu pudesse escolher uma pessoa como meu irmão
nesta vida seria o Done. Apesar dele ser metido a galã e isso ser meio irritante, ele é uma
cara legal que fala tanto de você com tanto carinho...Sabe... Eu nunca me perdoaria se ele
perdesse a chance de estar com a garota que ele ama por minha culpa.
- Ele me ama tanto que nem teve coragem de vir falar comigo. – Ane disse.
- Ah mas ele teve. Só que eu menti pra ele e disse que o nosso encontro seria daqui a
uma hora. Queria falar com você antes. Sabe como é... Nós mulheres somos mais práticas e
inteligentes pra resolver qualquer coisa. Principalmente assuntos do coração. – Sunny deu
uma piscada para Ane. – Agora o “galã” está cuidando da beleza pra te ver. Na verdade ele
está nisso a duas horas.
As duas riram.
- Quero que seja honesta comigo. – Ane disse.
- Eu sempre sou honesta. Só não sou boa em revelar segredos. – Sunny disse e Ane
guardou aquilo como uma informação útil para o futuro, embora ainda não tivesse ideia do
motivo.
- Certo... Porque você não gosta da minha mãe? – Ane perguntou.
- O que? A senhora Ciara é sua mãe, se entendi direito, certo?
- Sim.
- Não sei de onde você tirou esse absurdo. Ciara é uma pessoa que tenho muito
carinho, gratidão e respeito. Ela foi muito importante para mim aqui. Saber que a filha dela
é o amor de um amigo tão querido foi maravilhoso. – Sunny disse. – Nunca entendi porque
ela não nos apresentou...
- Mas... Você é sempre tão má com minha mãe, sempre a humilhando.
- Eu? Mas eu nunca humilhei ninguém. Nem mesmo quem merecia isso de mim. Ane
sei que sou uma Tiger e os Tiger são famosos por não rejeitar uma guerra nunca. Mas eu
nunca tive motivos para ser má com sua mãe. E posso ter muitos defeitos, mas a injustiça
não é e nunca será um deles.
Ane sentiu que era verdade, mas a mãe dela nunca mentiria para ela. Então a jovem
Tiger devia ser muito boa mentirosa...
- Ane? – A voz chocada de Done quase fez Ane pular de alegria, mas logo ela lembrou
que ainda estava brava com ele. – Mas... O que... Como que... Por que...
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- Done, você vai terminar alguma dessas frases? – Sunny perguntou, mal contendo o
riso.
- Você disse que ela só viria...
Atrás de Done, Alart olhou para Sunny e balançou a cabeça sorrindo sutilmente. –
Você podia ter me contado.
- Podia, mas ver a cara de bobo de vocês é impagável demais pra resistir. – Sunny
disse. – Done, não fica aí parado feito um bocó! Vem sentar pra conversar com a Ane! Eu
contei pra ela que nunca namoraria um mané que nem você.
Sunny se levantou e foi para o lado de Ane e abraçou os ombros dela. – Seja legal um
pouco com ele. Ele é meio tapado, mas tem bom coração. – Ela sussurrou no ouvido de Ane
e se afastou com Alart para um mesa do outro lado do jardim.
- Eu...sinto muito. – Done colocou a cadeira ao lado da de Ane, virado para ela, e
puxou a cadeira da moça para ficar de frente pra ele. – Eu sei que você está chateada, mas
juro. Miranda não é minha namorada. Infelizmente não posso contar tudo. Não ainda, pelo
menos. Mas ela é uma amiga...
- Eu sei que ela não é sua namorada. – Ane disse. – Ela é bonita demais pra você.
- Ui. – Done colocou a mão sobre o peito fingindo estar magoado, com um sorriso
esperançoso no rosto. – Essa doeu no meu ego.
- Que bom. Seu ego precisa diminuir um pouco mesmo. – Ane disse tentando
continuar brava com ele. – Além do mais, nem toda felina no mundo te acha irresistível. E
tá na cara que ela prefere os silenciosos e misteriosos. – Eles olharam disfarçadamente pro
outro casal mais distante que, embora não estivessem fazendo nada demais, tinham
pequenos gestos e a simples forma de olhar bem claros de que se gostavam e talvez nem
soubessem disso.
- Eu tento unir esses dois faz tempo. Dois lerdos e teimosos. – Done riu. – Ane... É o
nome mais lindo que já ouvi.
- Done é um nome... Legal. – Ane se chutou mentalmente. Ela nunca conseguiria ser
sexy por mais que tentasse.
- Haha. Eu amo esse seu jeitinho tímido e letal. Sabe, Ane, a gente devia começar a..
- Eu vou para Tiger daqui a pouco tempo, lembra?
- E daí? Eu sou o príncipe Tiger, lembra? Olha, não estou te pedindo em casamento,
embora se quiser a gente casa hoje mesmo.
- Você é maluco. – Ane riu.
- Minha mãe acha a mesma coisa. Mas não estou brincando. Ane eu sei bem o que eu
quero. Sou fascinado por você desde a primeira vez que te vi e, conforme fui te
conhecendo, passei a gostar cada vez mais de você. Eu não sou do tipo que finge não sentir
algo ou luta contra o que sente. Eu sei que te amo e sei também que você não é
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indiferente. Mas também sei que você precisa de tempo pra me conhecer e aceitar o que
há entre nós. Então vamos fazer do seu jeito. Se você aceitar este humilde Tiger, claro.
- Humilde? Você? HAHA! Mas, eu, eu não sou boa com essas coisas....
- Basta dizer se quer ou não este delicioso Tiger aqui. – Done brincou para esconder o
medo que sentia de ser rejeitado por ela.
Ane abaixou a cabeça sem graça... – Ta...Ta bom.
Done não se conteve, a tirou da cadeira e ergueu no ar. – EEEEEEEEIIIIBAAAAAAR!
- Done, me coloca no chão! – Ane gritou em meio a risos.
- Eibar? – Sunny riu. – Que diabos de expressão de felicidade é essa?
- Querida, Done é maluco. Não percebeu ainda? – Alart brincou, tirando um farelo de
bolo do queixo dela.
Depois de algumas horas, os quatro se reuniram para se despedir de Ane.
- Não se preocupe. Prometemos manter a relação de vocês em segredo se é o que
querem. – Alart disse.
- Eu preferia gritar para todos ouvirem, mas se é o que minha sábia quer... – Done
falou.
- Não se preocupe que já estamos planejando o fim do nosso falso namoro. – Sunny
reforçou o que sabia que Done já tinha contado para tranquilizar Ane. - Espero que sejamos
boas amigas, Ane.
- Eu não.
- Ane... – Done tentou entender.
- Desculpa, Done. Mas não posso ser amiga de uma pessoa ruim que odeia minha mãe
sem motivos.
- Mas eu disse que não é nada disso. – Sunny tentou esclarecer.
- E sei que era mentira. – Ane disse, apesar de algo dentro dela gritar que estava
errada. Ela não podia duvidar da palavra de sua mãe.
- Pode parar, garota boba. – Alart disse. – Você não sabe o que está falando.
- Irmão... – Done queria defender Sunny, mas não queria que Ane fosse maltratada.
- Claro que sei.
- Sempre te achei chatinha, mas nunca burra. – Alart disse. – Sunny te recebeu mal?
- Não... – Ane relutou em admitir.
- Claro que não!
- Mas ela...
- Sua mãe e Sunny sempre se entenderam muito bem e toda Jubay é testemunha
disso. Sua mãe foi rigorosa com ela em algumas aulas que lhe dava, mas Sunny sempre
entendeu e sempre foi grata à ela. Não sei quem enfiou essas besteiras na sua cabeça, mas
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essa pessoa mentiu. Se duvida, investigue, seja justa como seu pai é conhecido por ser. – O
olhar frio de Alart feria muito mais do que qualquer coisa que ele dizia.
- Chega, irmão. – Done interferiu. – Ane, querida, pode perguntar a qualquer um aqui.
Sunny e sua mãe foram várias vezes em lojas de roupas e essas coisas femininas juntas.
Qualquer um vai poder te falar sobre a relação delas.
- Ela pelo visto é melhor mentirosa do que pensei. – Ane não conseguia aceitar que sua
mãe pudesse ter mentido esse tempo todo. – Até enganou vocês. Alguém assim não pode
ser boa pessoa.
Sunny achou melhor se calar e ignorar as lágrimas que queriam brotar de seus olhos,
afinal Tigers não choram não é?
- É claro. Muito má. Ela é tão má que se preocupou em fazer um amuleto pra uma
garota boboca que ela nem conhecia não ter mais pesadelos depois da morte da amiga. –
Alart disse e olhou para a blusa de Ane na direção onde estava escondido o amuleto.
- Alart! – Sunny deu uma cotovelada nele.
- Como? – Ane olhou em choque. – Mas.... Você é uma maga onírica? E....Espera.
Nessa época você e o Done já estavam aqui?
- Eu não. Miranda sim. – Done esclareceu.
Ane se soltou do braço de Done e deu um passo ficando na frente de Sunny. Algo no
formato dos olhos dela, os traços do queixo, pareceram estranhamente familiar para Ane. –
Eu não sei quem é você, porque está aqui ou porque minha mãe inventou essa história,
também não tenho amigos desde Jana, mas... – Ane deu um abraço apertado nela. – Eu
quero sim ser amiga de alguém tão generosa e altruísta como você.
Naquele momento todos os três pensaram a mesma coisa: Ciara tentou colocar Ane
contra Sunny? Porque?

~o ⭐ o~
- Aquela pirralha não pode ter evaporado no ar. Encontre-a! – Ismir estava no limite da
paciência. – Pelo menos vou poder me divertir com aquela delicinha devoradora de textos.
- A moça que vai conduzir as pesquisas? – O servo perguntou, massageando os ombros
de Ismir.
- Sim. Ela não é aquela pirralha louca que pensa que é maga, mas vai servir por
enquanto. Pelo menos por umas duas ou três noites vai dar para aliviar meu tesão pela
pirralha da Sunny.
- Nós vamos encontrar a garota, chefe. – O servo disse.
- É bom mesmo. Ou você sabe o que vai te acontecer.
Sim, ele sabia. Nos últimos meses, quase um ano, todos os líderes das buscas eram
mortos e seus corpos serviam de alimentos para sopas de carnes que todos eram obrigados
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a comer e Ismir degustava como se fosse um alimento dos deuses. Para um braço direito
ter esse final trágico e bizarro, bastava a equipe de busca voltar sem nenhuma pista de
Sunny, a escrava de Ismir que tinha fugido e por quem ele tinha uma atração sexual
conhecida, embora ainda não tivesse tocado nela. Ser promovido ao cargo de braço direito
de Ismir era motivo de alegria antes da fuga. Era um aumento garantido de reconhecimento
e poder na região. Mas, ultimamente, era quase uma maldição.
- Vou viajar para encontrar com a Rainha. Quando eu voltar é melhor você trazer
minha piranhazinha de estimação. Ou terei mais uma sopa de carne deliciosa para o jantar.
- Sim, meu lorde. – O servo engoliu em seco.

~o ⭐ o~
O clima de desconfiança pairava no ar. Ciara desconfiava que Ane não tinha ficado só
na amizade com Done como ela dizia. Done desconfiava que Ciara não era só uma mulher
entediada com o casamento e tola. Téo desconfiava que Arman estava escondendo algo
dele. Arman desconfiava do repentino interesse de Alart por sua companhia. Sunny
desconfiava de Arman e Téo. Só Hieron parecia o mesmo felino bom e justo de sempre,
constantemente procurando notícias do irmão ocupado e cuidando de seu trabalho de
construção.
- Hieron. – Arman saudou.
- Majestade. – Hieron largou o martelo e ajoelhou.
- Levanta, criatura. Estamos sozinhos e você já foi meu melhor amigo. Não precisa
disso.
- Como quiser, meu rei. – Hieron se levantou. Embora não fosse do tipo que guarda
mágoas e realmente não estivesse magoado com Arman, eles se afastaram naturalmente
com o passar dos anos, bem antes de Arman se tornar rei, quando Téo acabou se tornando
mais próximo de Arman do que Hieron. Agora eles eram apenas um bom rei e um súdito
que o respeitava.
- Está ótimo. – Arman disse. – Você é realmente o melhor construtor de Likastía.
- Fico feliz que tenha gostado. Embora fosse mais fácil se eu soubesse para que serve
este lugar.
- Você é ótimo em seu trabalho. Não precisa saber o que não deve saber para fazer
seu trabalho. – Arman disse encerrando o assunto. – Quando acha que ficará pronto?
- Já está pronto, majestade. – Hieron disse. – Verifiquei os arremates hoje. Pode usar
quando quiser.
- Obrigado, Hieron. Nunca vou esquecer sua contribuição.
Hieron se curvou e saiu com algo o incomodando. Não era incomum ele criar objetos e
salões para o Rei sem saber para o que eles serviriam. Ele entendia muito bem que haviam
L i k a s t í a 0 3 | 63

coisas sigilosas no reino e se sentia grato por ser considerado o melhor em seu trabalho e
digno de confiança para essas coisas. Mas alguma coisa ainda o incomodava desta vez.
- Acho que eu estou ficando velho e chato. – Hieron murmurou para si mesmo.
- Falando sozinho, irmão? – Téo apareceu repentinamente ao seu lado. – O rei te
colocou em algo sigiloso de novo?
- Sabe que não posso comentar, irmão. Que tal um almoço amanhã lá em casa? Ane
vai para Tiger e estamos fazendo uma reuniãozinha de família. – Hieron mudou de assunto.
- Vou ver se consigo. – Téo disse e saiu.
Done, escondido nas sombras e silencioso como sempre, observou Téo entrar em um
escritório e fez anotações mentais sobre a porta de onde Hieron viera. O plano de Alart
teria que ser colocado logo em prática se a suspeita de Done estivesse certa.
Como a vó Caria diria, isso aqui vai ferver. Done pensou.

~o ⭐ o~
Ferver é pouco, querido Done. Sente esse cheirinho de catástrofe chegando? Porque eu
sinto.
Pronto. Agora você pode ir dormir, mas coluna reta vale pra hora de dormir também
viu!
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Capítulo 11
Você ama a verdade? Não digo radicalmente, tipo ‘sempre a verdade’, até porque isso
é burrice. Digo a verdade quando ela tira o poder de quem não o merece. Quando ela vem
acompanhada da justiça....
Sei que eu amo. Mas estou divagando, coisas da imortalidade. Vamos ao que
interessa: fofoca

~o ⭐ o~
Alguns dias se passaram. Done e Sunny deixaram claro que haviam terminado sua
relação por razões particulares. Os fofoqueiros de plantão diziam que o término tinha
acontecido porque um dos dois estava interessado em outra pessoa. Não deixava de ser
verdade. Como todos acreditavam que a jovem Tiger tinha chegado ali com Done e não
pertencia a região, ele a colocou em uma casa de hóspedes anexa ao seu palácio com todos
os luxos dando uma desculpa qualquer para a impossibilidade de seu retorno ou reino
Tiger. Ane escondeu de todos sua relação com Done. Bem... Ela tentou. Seu pai não
demorou a descobrir, mas guardou o segredo de sua adorada filha. Hieron também não
tinha ideia do porque Ciara mentira sobre a jovem Tiger, o que apenas aumentou a
frustração e desconfiança de Ane.
Enquanto isso, a amizade entre Ane e Sunny apenas crescia. As duas se viam todos os
dias e Sunny era a desculpa preferida de Ane para disfarçar seus encontros com Done. Na
primeira noite que o casal passou junto, Sunny tinha convidado Ane para passar a noite na
casa dela por não se sentir bem e não querer ficar sozinha. Além dos quatro amigos e de
Hieron, a única pessoa que sabia de tudo isso era Calíope com as constantes mensagens de
Done que, sem sombra de dúvidas, estava apaixonado. Quanto a Ane, bem, ela não tinha
certeza se o amava ou se era apenas uma paixão avassaladora. Mas ela iria aproveitar o que
quer que fosse. De qualquer forma, tudo mudaria na manhã seguinte.
- Aqui, prove este. – Sunny ofereceu um salgado que estava tentando aprender a
fazer.
Alart provou e este, o vigésimo nono, pelo menos não estava salgado, queimado, cru
ou com uma tampinha assada junto na massa por acidente como os outros. – Está bom.
Então você vai com a Ane até os portões da cidade?
- Sim. Você também vai?
- Claro. Não vou te deixar sozinha. Principalmente agora que sabemos o quão
avançado está o maldito projeto. Sunny...
- Não.
- Mas eu ainda nem disse nada.
- Mas sei o que você vai dizer e pela milésima vez minha resposta é não.
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- Aqui não é seguro, Sun. Pelo menos até eu e Done descobrirmos quem está
realmente por trás do projeto, não podemos te colocar em perigo.
- Lala, - Alart odiava apelidos e aquele era ridículo, mas ouvir Sunny chama-lo assim
sempre aquecia seu coração constantemente torturado pela culpa – eu nasci literalmente
correndo perigo. Acha mesmo que viajar com Ane pro território Tiger, onde Ismir está, é
menos arriscado do que ficar aqui onde tenho você, Done e, até que se prove o contrário, o
Rei para me apoiar?
- Então vamos viajar. Qualquer lugar no reino. A gente pode usar qualquer desculpa...
- Eu não vou fugir, Alart. E, vamos supor que seja o Rei ou Téo realmente por trás
desse projeto... Não existe lugar no reino leonino que eles não tenham poder pra me
encontrar.
- Sunny, eu não vou correr o risco de perder você. Nem que eu tenha que pedir a
própria Calíope pra te esconder do mundo!
Sunny acariciou o rosto dele com gratidão e carinho pelo amigo. – Eu sei e agradeço,
mas você precisa relaxar. Surtar antes de algo ruim acontecer é sofrer duas vezes.
Por simples impulso, Alart puxou Sunny e a beijou. Quando ela retribuiu o beijo, tudo
ao redor deles escureceu em uma névoa negra densa, a magia dele cercando os dois em
total privacidade que durou a noite toda.
Na manhã seguinte, Alart entrou no palácio calmo como sempre.
- Onde você estava? – Arman perguntou, sentado em um canto da sala.
- Cuidando de algo importante.
- Concordo que Sunny seja importante, mas não com a sua forma de “cuidar”. – Arman
disse com uma raiva mal contida.
- Não sei do que está falando, majestade. – O instindo espião de Alart estava gritando
para ele se manter alerta.
- Não me trate como idiota, menino. – Arman levantou e, por um segundo, Alart achou
que ele ia partir para cima dele. – Eu entendo a amizade de vocês e até apoio, mas não se
apegue demais a ela.
- E porque não? Pretende enviá-la para algum lugar? – O jovem jogou verde.
- Porque eu estou mandando e ainda sou seu rei, caso tenha esquecido. – Arman foi
embora e Alart percebeu que sua suspeita definitivamente não era infundada.

~o ⭐ o~
Sven coçou a nuca como sempre fazia quando estava preocupado.
- Queria que meu filho estivesse aqui. – Calíope murmurou olhando os resultados. –
Tem certeza então?
- Sim, majestade.
L i k a s t í a 0 3 | 66

- Sven, sei que não gosta dele, mas também sei que é um felino sensato e não vai
deixar emoções o guiar. Então, me diga, acha que devemos pedir ajuda de Ismir?
- Não, majestade. Acho que não devemos pedir ajuda de ninguém daquela região. –
Sven disse. – Até porque, se esses desaparecimentos de servos não são fruto daquela lenda
absurda de monstro subterrâneo e mesmo assim não temos restos mortais, pode ser algo
realizado por alguém da nobreza ou rico o suficiente para pagar por algum método menos
acessível para sumir com tudo.
- Sim. Poderia ser um felino louco sem recursos, mas ele deixaria vestígios, restos
mortais, qualquer coisa. Mas alguém com mais recursos... Você se lembra da lenda do
monstro pelado? Acho que todas as mães deste mundo já assustaram seus filhos com isso.
- Sim, um ser que não tem pelos ou cauda, que anda sobre duas patas como nós, mas
é mais magro e com um focinho estranho parecendo uma pequena pirâmide no meio da
cara. Algo semelhante a uma das imagens de Kallisti, mas sem os poderes divinos dela.
- Que devora e destrói, que mata rindo, que transforma todo felino em algo menor e o
faz de seu animal doméstico para depois fazer churrasco com ele. – Calíope riu. – Sempre
achei que isso era uma lenda tola para fazer crianças obedecer a seus pais. E ainda acho.
Coloque os melhores espiões no caso, Sven. Precisamos descobrir quem é esse monstro
que se esconde por trás de uma lenda boba para matar pobres servos. Eles devem se
reportar diretamente a você.
- Assim será feito, majestade.
- Quando ela chegar, leve-a ao jardim. Estarei esperando.

~o ⭐ o~
Ane se despediu de Sunny com um abraço apertado. Done precisou se controlar para
não beijá-la ali onde qualquer um podia ver. Alart manteve-se ao lado de Sunny
protetoramente enquanto Ciara e Hieron se despediam da filha. Quando Ciara se virou para
tentar falar com Sunny, Alart já estava longe com a jovem ao seu lado.
Isso é incomum. Ciara pensou. Mas não importa.

~o ⭐ o~
- Bem vinda, milady. – Ane aceitou o cumprimento do nobre Tiger, mas não gostou do
olhar dele. Parecia....errado.
- Obrigada, lorde...
- Ismir, à seu dispor. – Ismir sorriu.
Ane tirou a mão da dele, já incomodada. – Eu...
- Milady, é uma honra conhece-la. – Sven apareceu e Ane não pôde deixar de notar o
olhar venenoso entre os dois. – Espero que sua viagem tenha sido tranquila.
L i k a s t í a 0 3 | 67

- Sim. Foi bem rápida, embora eu não goste muito desses portais de transporte. Me
deixam enjoada.
- Eu entendo, passo sempre por isso. – Sven sorriu e o sorriso dele pareceu sincero pra
Ane. – Queira me acompanhar, por gentileza. A Rainha deseja vê-la. – Ismir começou a
acompanha-los, mas Sven o parou. – A sós, milorde.
- Claro. – Ismir disse, mas sua vontade de socar a cara de Sven e tirar o sorriso
vencedor do rosto dele era quase insuportável.
Sven acompanhou Ane pelo palácio até um salão aconchegante enquanto uma chuva
torrencial começava a cair lá fora. Ele parecia um erudito, como ela, lhe apresentando
todas as pinturas, objetos históricos e curiosidades sobre o palácio Tiger. – A Rainha logo
estará aqui. Sinta-se a vontade, milady.
Sven tinha saído a poucos minutos, deixando Ane curiosa com a moldura de um
espelho na parede, quando a porta se abriu e uma voz gentil chamou. – Então, finalmente
conheço a mais promissora e famosa das Sábias da atualidade. – Calíope sorriu e quase
engasgou.
- Majestade. – Ane fez uma reverência perfeita, quase ouvindo a voz de sua mãe na
memória ensinando como se portar como uma princesa.
- Ora, levante-se, minha jovem. Sente-se e vamos comer alguma coisa enquanto você
me conta seus projetos e interesses. – Calíope sentiu uma pontada entre boa e dolorosa.
- Si..sim. Obrigada. – Ane logo sentiu sua timidez evaporar, ficando a vontade, rindo e
trocando ideias com a rainha que era incrivelmente linda e inteligente.
Calíope mandou cancelar todas as reuniões que tinha naquela noite, até mesmo seu
chá com Ismir, só para ficar mais tempo com a jovem mais linda, doce e inteligente que
conhecera.

~o ⭐ o~
Naquela noite, Alart cumprimentou Done no palácio e foi atrás de Sunny na casa. Os
três jantariam juntos no jardim para dar apoio a Done que já sentia falta de sua amada.
Quando Sunny não atendeu a porta, nem mesmo a jovem que Done colocara aos serviços
dela, um mal presságio arrepiou todos os seu pelos. Alart arrombou a porta e tropeçou em
algo no chão, quase caindo. Invocando uma luz branca em sua mão, ele iluminou o
ambiente e deu de cara com a jovem serva caída morta no chão. O pânico foi inevitável.
Alart procurou por toda a casa e nada de Sunny em lugar nenhum. Na cozinha havia farinha
por todos os lados, panelas queimadas, molho derramado, o habitual caos de quando ela
tentava cozinhar. Mas nada de Sunny. No palácio Done sentiu um arrepio gelado e,
segundos depois, ouviu um grito de raiva e dor.
L i k a s t í a 0 3 | 68

Alart. Ele pensou, pulou da cadeira e correu para a casa. Quando Done o encontrou
socando uma parede na cozinha furioso, precisou usar sua magia para segurar o amigo e
evitar que as juntas de seus dedos ficassem mais feridas do que já estavam.
- Calma, irmão.
- Eles levaram ela, Done! Eu vou matar quem estiver com ela! EU VOU MATAR TODOS
ELES!

~o ⭐ o~
A fofoca pode ser um grande agente da verdade. Não falando a verdade, mas
plantando a semente da dúvida que uma hora vai levar a verdade. Não entendeu ainda?
Calma que uma hora você entende.
L i k a s t í a 0 3 | 69

Capítulo 12
Oi de novo, criatura curiosa. Não precisa me olhar como se estivesse lendo um livro. Já
sei o que você quer. Vamos direto ao assunto então.

~o ⭐ o~
- Só precisamos de alguns dias para quebrar a resistência dela.
Sunny sentia os olhos pesados, como se estivessem colados a impedindo de os abrir.
Está tão escuro... Ela pensou e lembrou de outro momento onde tudo ficara escuro assim,
sem nenhum resquício de luz mínima em nenhuma direção, porém era um “escuro” bom
que lhe deu tanto prazer, onde ela não sentiu medo e definitivamente não esteve
paralisada. Alart... Ele fora tão carinhoso na noite....anterior? Ela não sabia a quanto tempo
estava ali ou onde exatamente era “ali”. Se ela ao menos conseguisse abrir os olhos, se
mover, usar sua magia, qualquer coisa!
- Resolva isso de uma vez! Quanto mais rápido drenarmos a magia dela, mais rápido e
letal será o ataque ao palácio Tiger e mais cedo teremos o controle sobre as Duas Coroas de
Likastía!
Atacar...Por Kallisti! Vão matar a Rainha Calíope! Eu tenho...que.... sair...
Mas era inútil. Quanto mais ela se esforçava para se mover, abrir os olhos, ter
qualquer controle de seu corpo, mais cansada ela se sentia. Sunny tentou reconhecer as
vozes pelo menos, mas ela se sentiu tonta, enjoada e acabou perdendo a consciência de
novo. Esse ciclo se repetiu tantas vezes que ela perdeu a conta. De vez em quando sentia-se
acordada, apesar de não poder fazer nada ou mesmo pensar com clareza, mas logo caía na
insconciência novamente. Nada parecia ter algum resultado. Era inútil.

~o ⭐ o~
Em Tiger, Calíope e Ane se tornaram tão próximas que era quase impossível encontra-
las separadamente. Calíope mantinha Ane sempre atualizada sobre as buscas a Sunny em
Jubay e o segredo sobre a jovem Tiger, embora a rainha não soubesse o motivo disso,
apenas seguindo um pedido de seu filho e de Alart. Ane usava o tempo livre em seu
trabalho para focar ainda mais na pesquisa sobre o mago onírico do passado que a intrigava
e na companhia da rainha que se tornara quase um vício. Todas as noites Ane e Calíope se
encontravam na varanda dos aposentos da rainha para conversar em mais uma noite de
insônia ou cochilos curtos, já que ambas dormiam pouco.
Só Ismir não estava gostando nada daquela relação. Principalmente porque ele
desconfiava que não era tão inocente assim. E ele não era o único.
- Majestade, senhorita Ane. – Sven anunciou naquela noite.
L i k a s t í a 0 3 | 70

- Sente-se, minha querida. – Calíope disse com um olhar que sempre causava o mesmo
efeito em Ane. Porém naquela noite algo parecia preocupar a Rainha. – Sven, meu amigo,
vá descansar. Alguém aqui precisa ter um sono normal.
Sven se curvou em uma reverência, escondendo um sorriso travesso, se despediu de
Ane e saiu. Parece que aquele idiota do Ismir não vai ter chance nenhuma com a menina
mesmo. Sven sentiu-se duplamente alegre por sua Rainha e pelo óbvio interesse de Ismir
ser estragado.
- Algo a preocupa. – Ane afirmou.
- Done virá amanhã. – Calíope disse sem rodeios com um gosto amargo na boca, afinal
ela sabia da relação entre seu filho e Ane.
- Oh. – Ane se sentiu um pouco incomodada, mas preferiu não encarar a realidade. Na
verdade, ela nem pensava no assunto para evitar um problema. Mas estava ficando cada
vez mais difícil. A vinda de Done pode ser algo bom. Com ele eu vou esquecer ideias
absurdas. Ela tentou se convencer. – Quantos dias ele vai demorar para chegar ou já saiu?
- Nenhum. Ele virá pelo portal e passará apenas uma noite. – Calíope forçou um
sorriso. – Ele não quer abandonar as buscas e preciso que ele fique de olhos abertos em
Jubay. Se não fosse necessário, nem viria agora.
- Entendo. – Ane disse forçando um sorriso empolgado que mas pareceu uma careta.
- O que é isso? – Calíope mudou de assunto.
- Um arquivo rasgado que consegui remontar. É minha última aposta para tentar
encontrar o elo que falta na genealogia de Laos.
- Hum. – Calíope pegou o fragmento de papel grosseiramente colado. – Minha avó
tentou ajudar esse pobre coitado, mas ele era muito instável. Depois que ele sumiu muitos
boatos e relatos de avistamentos surgiram, mas nem minha avó e nem minha mãe
conseguiram confirmar nada. Só o fato de saber que ele realmente viveu por muitos e
muitos anos já me faz feliz.
- Sim, mas acredito que achei uma descendente dele nesse arquivo.
Calíope olhou esperançosa e admirada. – Ainda viva?
- Não sei. Eu vi um nome, mas ainda não achei informações sobre ela e o resto da
descendência não tem como ver porque é o pedaço rasgado que não encontrei. – Ane
disse. – O estranho é alguém ter rasgado um documento desses e ainda ter escondido. Se
eu não tivesse tão focada em me afundar nos estudos nunca teria encontrado a primeira
pista que acabou me trazendo a isso.
- Sim. E, como já prometi, vou investigar a fundo quem fez isso.
- Eu sei que sim.
Calíope tentou ler, mas a escrita parecia codificada, o que era esquisito já que esses
documentos nunca eram codificados. – O que é isso?
L i k a s t í a 0 3 | 71

- Alguém escreveu um código por cima das letras do nome para atrapalhar a leitura. Só
decifrando o código é possível entender.
- E você conseguiu. – Calíope sorriu para Ane, com olhos brilhando de carinho,
admiração e....algo mais.
Ane desviou o olhar envergonhada e feliz. – Sim. É um código bobo e meio infantil.
Qualquer um que brincou de palavras-enroladas na infância conhece. Quem fez isso não é
um gênio. O nome é Olívia e a referência de nascimento é uma casa nobre do litoral.
- Olívia... – A rainha pensou um pouco, sentindo algo familiar, mas logo deixou de lado,
dando lugar a admiração pela jovem.
Calíope ficou tão feliz que puxou Ane para um abraço a felicitando pela descoberta.
Mas o clima de alegria rapidamente mudou para outra coisa quando o olhar de ambas,
abraçadas se cruzaram. Lentamente, mas quase como em uma hipnose, seus rostos se
aproximaram, seus corações bateram descompassadamente...
- Majestade? – Ismir chamou do lado de fora da porta fechada quebrando o clima.
As duas se afastaram como se um balde de água gelada caísse sobre suas cabeças. Ane
fez menção de seguir até a porta para ir embora, mas Calíope a segurou pelo pulso.
- Entre. – Calíope disse e sua voz não sou nem um pouco gentil.
- Majestade, eu não sabia que... – Ismir começou a dizer quando viu Ane e seus olhos
brilharam com a luxúria como sempre.
- O que você quer? – Calíope soou grossa como nunca tinha sido com Ismir,
surpreendendo tanto ele quanto Ane. Mas o ciúmes que ela vinha sentindo pela forma
como ele olhava para Ane era tão violento a ponto do poder de fogo dela ferver em suas
veias.
- Eu vim... err... – Ismir pigarreou e se recompôs. – Vim ver como estão as c...
- Ótimas. Amanhã nos falamos, Ismir. Preciso dormir. – Calíope disse.
- Sim. Claro, majestade. – Ele respondeu contendo sua raiva e olhou para Ane como se
visse um bife suculento. – Com licença.
- Eu...eu também vou...
- Sente-se Ane. – Calíope disse e Ane obedeceu para não piorar o humor da rainha.
A rainha pegou uma xícara de chá para ela e outra que entregou para Ane e se sentou
ao lado da moça. Em geral, a rainha sempre sentava em frente ao seu convidado. Uma
prática típica de qualquer Tiger acostumado a manter os olhos alertas a qualquer
movimento de outro felino. Afinal, Tigers sempre pensavam estrategicamente, prontos
para um combate e nunca se sabia de onde um ataque iria surgir. Mas com Ane era
diferente. Calíope sempre se sentava ao lado da moça, inconscientemente abaixando a
guarda e buscando proximidade.
L i k a s t í a 0 3 | 72

Ane tomou um gole do chá, sentindo um formigamento pelo corpo pela proximidade
com a Rainha. Segundos depois ela levantou num pulo e colocou a xícara na mesad e
centro. – Eu vou... A senhora precisa dormir...
- Fique Ane. – Calíope pediu.
- É melhor não. É... Ismir foi embora para a senhora descansar.
Aquele senhora estava começando a irritar Calíope pela formalidade. Ismir... Algo deu
um click no cérebro da rainha e a ficha finalmente caiu. – Ismir! Ane, é isso! Por isso o nome
no fragmento pareceu familiar!
- O que?
- Ismir foi casado com uma mulher chamada Bianca.
- Mas o nome é Olivia, do Litoral.
- Sim, mas a mãe de Bianca era Olivia, cuja família era nobre do litoral e o pai
aparentemente era alguém que a família não aprovava. Foi um escândalo abafado na
época.
- Então essa Bianca é descendente do mago onírico Laos que enlouqueceu na época da
Rainha Carya!
- Sim! Pena que ela não teve filhos ou teríamos um descendente de Laos atualmente e
o desejo de minha avó seria finalmente cumprido. Bianca morreu a anos.

~o ⭐ o~
- Uma carga dessa já pode fazer estrago.
- Sim. Mas ainda precisa de mais para uma destruição total.
- Qualquer destruição, fatal ou não, já será o suficiente.
- Claro. A guerra vai enfraquecer os dois e será mais fácil.
- Seria melhor se eles se matassem.
- E o outro basta dar esperança de achar essa aí viva e pronto. Acabamos com ele
também. Nunca daquele príncipe mesmo.
- Só mais um pouco e seremos donos do mundo.
- Só mais um pouco.
Quem são? Kallisti...me ajude a sair daqui...Alart... A fraqueza parecia maior e Sunny
perdeu a consciência de novo.

~o ⭐ o~
- Bom dia, Ismir. – Sven disse com um sorriso enorme.
- Sai da frente! – Ismir passou por ele parecendo um furacão de raiva.
A fofoca sobre a rainha ter expulsado ele dos aposentos dela na noite anterior corria
entre os servos do palácio e naquela manhã, Calíope parecia ainda mais mal humorada
L i k a s t í a 0 3 | 73

depois do desjejum com seu filho e Ane. Ismir não conseguiu nem ser recebido e nada
deixava Sven mais feliz do que ver Ismir se dando mal.
Mas ele não seria o único a se dar mal naquele dia... Ou noite.
Naquela noite, Done e Ane se encontraram às escondidas em um quarto. Ane passou o
dia tentando e estava disposta a continuar tentando naquela noite, até porque ela estava
precisando mesmo extravasar aquele desejo que a enchia de culpa, mas ela não conseguiu
ir longe.
- Pare. – Ela disse suavemente enquanto Done começava a desamarrar o vestido dela.
Done parou. O pressentimento ruim que ele tentava ignorar esse tempo todo voltou
com força agora. Ao olhar pro rosto cabisbaixo dela, seu coração apertou. – A verdade, Ane.
Sempre amei sua sinceridade.
- Eu...não quero magoar você, Done. Eu gosto de você....
- Mas não me ama. – Ele completou, sentindo seu mundo cair.
- Não.... Eu...Eu... – Ane começou a chorar. – Desc...
- Shhh.... Não se desculpe, minha linda. – Doeu, mas vê-la sofrer assim doeu muito
mais. Ele secou as lágrimas dela e ergueu seu queixo com um dedo. – Você ama outra
pessoa?
Ela balançou a cabeça afirmando.
- Então sabe como é amar alguém. A gente só quer ver a felicidade da outra pessoa. –
Ele disse secando mais lágrimas dela. – E eu só quero te ver feliz, Ane. Só, por Kallisti, não
me diga que é o Ismir...
- ECA! Não... – Ela sorriu timidamente, mas a culpa a impediu de revelar o nome. –
Mas não posso ter quem quero.
- E por isso você queria dormir comigo hoje?
- Não! Sim...Eu não sei... Done eu... Acho melhor a gente terminar.
Done só queria se encolher em um canto e chorar. Mas Tiger não chora. E a dor de
Ane era quase pior do que o término. Ele a abraçou. – Eu...Eu quero você como nunca quis
ninguém, minha sábia. Se você não pode ter quem você ama... Não. Não vou prender você
a mim. Mas... Fica comigo esta noite, querida? Só mais uma vez? – Done se sentiu
sufocando, com olhos embaçados.
- Só mais uma vez... – Ane cedeu. Aquela era a despedida que ela queria, que
precisava. E Done também. Ele a beijou como se o mundo estivesse acabando e uma
lágrima teimosa escorreu de um olho de Done.

~o ⭐ o~
- Vamos drenar uma quantidade um pouco menor hoje.
L i k a s t í a 0 3 | 74

- Ontem você exagerou, não foi? Eu disse que era demais. Se não drenar sabiamente,
vamos matar nossa fonte antes da hora.
- Eu sei, mas hoje é só equilibrar.
- Os relatórios estão bons... O príncipe voltou.
- Entendo. Ficarei atento a ele.
- Ótimo. Nos vemos mais tarde.
- Vai sair sem nem me dar um beijo.
- Óbvio que não.... Cuidado com ela. E com ele também, claro.
- Sempre.
Está tão escuro.... Alart.... A esperança de Sunny estava no fim. Não parecia ter jeito de
se salvar e ela não reconhecia as vozes, não se movia, nada dava certo. Eu só queria ser boa
na minha magia...Ser feliz...Alart, eu queria sentir seus braços de novo.... Onde você está?
ALART! Ela teria chorado se seus olhos pudessem pelo menos fazer isso. Mas Tigers não
choram, não é? E agora ela não conseguia de qualquer forma.

~o ⭐ o~
- Ela não está nas florestas... – Arman comentou com seu general, todos debruçados
sobre mapas marcados com tachinhas vermelhas para locais já verificados e verdes para
possíveis locais de busca.
- Claro que não! Acabei de vir de lá com a equipe! – Alart nem conseguia ficar parado.
Arman lhe direcionou um olhar severo, mas não disse nada e retomou o assunto. –
Aqui, aqui e aqui – ele sinalizou em pontos vermelhos no mapa – também não.
- Claro que não. Óbvio! Sabemos onde ela não está. O que quero saber é ONDE PORRA
ELA ESTÁ! – Alart explodiu.
Arman se endireitou e olhou para o filho com autoridade. – Sugiro que você se
controle, príncipe. Ou pode se retirar das buscas se não conseguir agir como um leonino
adulto.
- VOCÊ NÃO PODE...
- Não “posso”? – Arman deu alguns passos. Ele e o filho ficaram um de frente para o
outro, ambos prontos para uma briga. – Eu POSSO muita coisa, garoto. Sou o Rei e você é
só um dos meus SÚDITOS. Eu mando. Você obedece. Ou devo também entender que você
não é capaz de obedecer ao seu rei?
Done se aproximou cautelosamente por trás do amigo. – Irmão, calma. – Alart ouviu
Done como se falasse de algum lugar ao longe, sua raiva e frustração ameaçando explodir.
– Majestade, perdoe-o. Estamos todos tensos. Se me permitir, vou levar Alart para tomar
um ar.
L i k a s t í a 0 3 | 75

- Faça isso, Done. Aproveite e tente colocar um pouco de bom juízo na cabeça do meu
filho que parece ter perdido o dele nessas noites sem dormir. – Arman se virou, dando as
costas para o filho.
- Eu não vou sair daqui... – Alart começou, mas Done segurou seu braço enquanto o rei
leonino lhe direcionava um olhar mortal.
- Vamos, irmão. – Done guiou o amigo para fora evitando uma guerra. Desde o sumiço
de Sunny, Alart e Arman viviam discutindo, mas naquele dia Arman obviamente tinha
perdido a última gota de paciência. No mínimo, Alart seria enviado para uma prisão se
Done não tivesse controlado os ânimos a tempo. Pelo menos essa tensão toda serviu para
distraí-lo da dor que foi perder Ane na noite anterior. Alart estava andando de um lado para
o outro na sala enquanto Done estava sentado tomando um drink alcoólico forte, com uma
garrafa e outro copo na mesa à frente. – Irmão, somos amigos e tal, mas se você não parar
com esse vai-e-vem vou dar um soco na sua cara.
- Ela está desaparecida, Done!
- Acho que isso não é mais novidade, irmão. Mas você abrir um buraco do mármore de
tanto andar não vai fazer ela aparecer. Senta ai e se acalma.
- Como vou me acalmar?
- Alart você está enlouquecendo todo mundo. Não vai conseguir nada assim. Senta!
Alart sentou e respirou algumas vezes. Ele realmente se sentia fora de controle,
brigando com todo mundo, descontando sua raiva até em vendedores de rua que nada
tinha a ver com o assunto. Ele não se sentia bem com isso, mas também não conseguia
evitar. Perder Sunny foi com perder o ar e a alma ao mesmo tempo. Pensar nisso o fez se
sentir o pior dos amigos.
- Desculpa, irmão. Você perdeu sua amada e eu nem te dei nenhum abraço, não
perguntei como você está... – Alart disse.
- Não vai me beijar, ne? – Done disse sério com seu eterno deboche.
- Você é um idiota, parceiro. Nem sei porque ando com você. – Alart quase sorriu, se
serviu e virou o copo de bebida em um único gole. O líquido desceu queimando como se o
próprio poder de fogo Tiger estivesse no copo.
- Porque eu sou lindo e irresistível. – Done brincou. – Quanto ao assunto Ane... Estou
ocupado demais para pensar nisso. O que é bom ou já teria enlouquecido.
- Quando tudo isso terminar, vamos descobrir quem é o cara que roubou o coração
dela. – Alart disse, sabendo que era exatamente o que seu amigo pretendia fazer. Os dois
se conheciam bem demais e, se fosse com a Sunny, ele sabia que faria exatamente a
mesma coisa.
L i k a s t í a 0 3 | 76

- Sim. E é melhor ele ser um lorde com ela ou a morte vai ser o maior desejo dele. –
Done disse sério com aquele ar assassino que ele só demonstrava quando realmente
pretendia matar alguém.
Alart ergueu o copo brindando a isso e direcionou aos lábios, mas o copo caiu no chão
se estilhaçando quando uma dor de cabeça intensa o atingiu. Foi tão forte que, por um
segundo, sua magia de luz brilhou tornando seu corpo de pelos negros totalmente branco-
brilhantes. Done ergueu seu escudo mágico, mas logo o desfez quando a luz branca sumiu.
Ele correu para o amigo que tinha caído no chão encolhido.
- Irmão, ei cara! Você está bem? – Done checou a pulsação dele.
- Eu...eu to bem... – Alart mergulhou na escuridão da insconciência.

~o ⭐ o~
Alguém se candidata pra consolar o Done esta noite?
L i k a s t í a 0 3 | 77

Capítulo 13
O problema de quem se acha esperto é achar que todo mundo é tolo.

~o ⭐ o~
- Irmão! – Done sentiu a pulsação fraca de Alart. Ele parecia esgotado, mas vivo.
- Alteza. – O mordomo chamou.
- Agora não. Preciso...
- Perdoe-me, alteza. Mas é urgente. A Rainha está tentando falar com o senhor e não
consegue. Mandou que eu lhe desse o recado.
- Providencie para Alart ser colocado no quarto de costume e um sábio de cura para
atende-lo. – Done dispensou o mordomo e correu para seu comunicador. – Majestade.
- Filho, você precisa falar com seu contato na Universidade Lhágua. Houve uma
explosão e estão todos em pânico. – Calíope disse em tom de urgência.
- Quando?
- A poucos minutos.
- Feridos?
- Não que eu saiba. – Calíope suspirou. – Só soube logo porque Ane estava em contato
no momento do ataque com seu mestre e ela está no jardim comigo.
De novo? Done estranhou, mas manteve o foco. – Vou verificar. Retorno assim que
tiver um relatório completo.
- Antes. Me avise qualquer pequena informação. Ane está preocupada demais. –
Calíope disse.
- Entendido.

~o ⭐ o~
O cristal explodiu, lançando pedras brilhantes para todos os lados, um grande rombo
feito em uma parede exibia um pôr do sol iniciando por trás dos anéis Anuin no céu. Dois
felinos estavam mortos no chão com grandes fragmentos do cristal sobre eles. Passos
corriam em direção a sala manchada de sangue.
Sunny desceu do pedestal onde o cristal estivera, seus joelhos tremendo de cansaço.
Preocupada, ela procurou sob sua blusa e encontrou o cristal de mágico, a fonte de saúde e
energia de todo mago. Nenhum mago sobrevivia com a mente sã à quebra do cristal.
Mesmo se afastar dele era perigoso e enfraquecia qualquer um. Por sorte, o dela estava ali,
possivelmente porque, estando presa em um cristal enorme de suspensão física, não havia
motivos para afastar o pequeno crista dela, diminuindo seu poder. Sunny tentou correr
para a abertura, mas suas pernas pareciam tão fracas... Ela respirou fundo e usou toda sua
L i k a s t í a 0 3 | 78

força de vontade para correr. Assim que ela alcançou a abertura ouviu um grito e agora sim
reconheceu as vozes. Olhou para trás triste e incrédula.
- Não deixe ela escapar! – Arman gritou.
- Vamos! – Téo correu seguido por seu rei.
Sunny se viu em uma área montanhosa, repleta de árvores e arbustos. Correndo
desesperada, pôde sentir quando uma adaga passou voando pela lateral de sua perna
direita. Estavam tentando impedí-la de correr, mas não queriam mata-la.
- Pare, Sunny! Vamos conversar! – Arman gritou de cima, provavelmente correndo
sobre os galhos das árvores enquanto Téo tentava alcança-la pelo solo.
A visão de Sunny escurecia e voltava ao normal intermitentemente devido a fraqueza,
mas ela continuou. Tropeçando em uma pedra, ela rolou por uma ribanceira, se ferindo
entre pequenas pedras e galhos caídos, sem controle, até parar em um lamaçal nojento. Ela
nadou até a outra margem do lamaçal e parou, ofegante, no solo firme, vendo a altura da
qual caíra. Seus olhos ficaram pesados, mas ela se recusou a ceder ao cansaço. Se levantou,
limpou o melhor que pôde seus ferimentos e entrou na floresta densa.
Depois de sabe-se lá quanto tempo andando, ela ouviu o som de muita água e o
seguiu até avistar uma linda cachoeira em um rio aparentemente tranquilo. Sunny se
limpou, bebeu água vorazmente e pensou em suas opções. Era perigoso o que pretendia
tentar, mas poderia ser sua única opção. Assim, ela esperou a noite passar, calculando o
tempo entre o pôr do sol que se lembrava quando acordou e a hora que acreditava ser a
madrugada, e rezou para que desse certo.

~o ⭐ o~
- O mestre não responde a comunicação. Ele é tão velhinho... – Ane roía as garras
nervosamente.
- Querida, ele pode só ter ficado longe do comunicador ou ele ter quebrado. – Calíope
abraçada Ane de lado com o coração apertado.
- Eu sei, mas a mente felina tende a teorizar os piores cenários em momentos de crise.
– Ane respondeu, apoiando a cabeça no ombro da rainha, a vontade de chorar quase
incontrolável. – E minha amiga que também não aparece...
- Desculpe, querida. Com isso tudo acabei esquecendo de perguntar se Done tinha
novidades.
- Eu só queria que ele me dissesse se devíamos contar para Ismir sobre a esposa dele e
a descendência de Laos. Agora não sei nem se ele está vivo, não sei se Miranda está bem,
não posso bei... – Ane parou. – Cuidar das coisas em casa.
Calíope sorriu, apesar de tudo. – Uma hora vamos ter que encarar a verdade. – Ela
disse, mas não forçou nada. Não era o momento.
L i k a s t í a 0 3 | 79

Do outro lado do jardim, com uma raiva quase palpável, escondido parcialmente por
uma coluna, Ismir entendia finalmente que seu alvo não seria tão fácil de levar para a cama.
Não com Ane o tempo todo grudada na rainha que obviamente estava interessada na
mesma menina. Se pelo menos a vadia da Sunny aparecesse... Ismir se virou e saiu,
pensando em como afastar Ane de Calíope por tempo suficiente para arrastá-la para a
cama. Claro que depois ele teria que dar um sumiço nela, afinal ele não ia querer a fúria da
Rainha Tiger sobre ele.

~o ⭐ o~
- Ele acordou, alteza. – O mordomo disse assim que Done entrou em casa.
- Obrigado, Lial! – Done gritou enquanto subia a escada para o andar superior de dois
em dois degraus. – Irmão! Você acord... Que demônios você está fazendo?
Alart tentava fechar os botões de sua camisa, mas suas mãos tremiam demais. – Me
vestindo.
- Deita aí. Você não vai sair dessa cama até amanhã. – Done disse.
- Nem morto. Preciso ir. Aliás, você também. – Alart arrumou a juba para trás como
sempre. – Sabe se estão todos bem na Universidade ou se alguém se feriu?
- Estão todos bem. O ataque atingiu uma área em obras que estão paralisadas e...
Espera. Como você sabe do ataque?
- Foi Sunny. Quer dizer, não exatamente ela, mas usaram o poder dela. Conseguimos
desviar do alvo planejado, uma cidade leonina nas proximidades. – Alart pegou sua capa e
colocou sobre os ombros.
- E como...
- Sei disso? Ela conseguiu me alertar em sonho quando desmaiei e usamos meu poder
também para ajudar a soltá-la. Ela fugiu. Vamos buscar minha Sunny. Ela me mostrou onde
está.
Done saiu do quarto, entrou no quarto ao lado, trocou de capa e desceram as escada.
– Espere aqui. – Ele foi até a cozinha, pegou uma sacola de tecido usada para compras na
parede, colocou pedaços de bolo, pães, frutas e saiu com duas maçãs-flores na mão. Ao sair
jogou uma para Alart que a pegou no ar e entregou a sacola para ele. – Ela deve precisar
disso.
Alart acenou e deu uma mordida na maçã-flor. Done tinha um sorrisinho no rosto que
Alart sabia que significava uma piada a caminho. – Lá vem...
- O que? – Done se fez de desentendido.
- Fala, Done. Eu sei que você está quase se coçando por dentro pra falar.
Done sorriu. – “Minha Sunny” heim? Hmmm.... A Sunny deeele.
- Você as vezes é um pirralho.
L i k a s t í a 0 3 | 80

- Hmmm.... Ain Alart, você é tão másculo. – Done fez uma imitação ridícula de Sunny
enquanto andavam. – Ain me beija, Alart, seu princeso delicioso... OOOOh.
- Grande Kallisti. – Alart colocou uma mão na testa. – Porque eu ando com essa
criatura?

~o ⭐ o~
O frio parecia tão constante mesmo naquela caverna que Sunny chegou a pensar que
nunca mais se sentiria aquecida. Frio, escuro, úmido.... Isso a fez lembrar de seus anos
vivendo na mansão que deveria ser sua, seu lar, em um quarto sem janelas, com inúmeros
buracos e goteiras, ratos, insetos nojentos, sem uma cama, muitas vezes sem nem uma
coberta... Mas então algo quente a cercou e ela acordou de seu cochilo.
- Alart...? – Ela murmurou, rouca pelo tempo sem usar as cordas vocais. – É outro
sonho depois de tantos pesadelos?
Alart sempre fora considerado insensível, implacável em seu trabalho, tão
autocontrolado que parecia não ter sentimentos. Mas nada, nenhum treinamento o havia
preparado para aquilo. Ele sabia que Sunny tinha pesadelos de vez em quando com sua
antiga vida, mas saber que ela teve de novo, naquele lugar, naquele estado tão parecido
com a forma como ele a via na casa de Ismir, foi quase insuportável demais.
- Você está comigo, querida. Está segura agora. – Ele disse com a voz embargada, a
pegou no colo e levou para fora onde Done montava guarda.
- Não estou segura, Alart. – Sunny disse ao ser colocada no chão e cercada pelo abraço
de Done.
Levou menos de 15 segundos para Alart afastar Done de Sunny com um leve toque no
ombro e uma cara amarrada.
- Não precisa ter ciúmes, irmão. Sunny é linda...
- Já entendi, Done. Cala a boca. – Alart disse emburrado.
- Inteligente. – Done nunca iria perder essa oportunidade.
- Chega, Done. – O ciúme de Alart era cômico.
- Gostosa...
- Done. Pare.
Sunny colocou uma mão na boca para esconder o sorriso.
- Incrível que é gostosa mesmo suja de terra assim.
- Done....
- Uma delícia de deixar qualquer um dur...
- DONE, CALA A PORRA DESSA BOCA! – Alart chegou a rosnar.
L i k a s t í a 0 3 | 81

- HAAHAHAHAHA! – Done riu feito o idiota zombeteiro que era. – Calma, irmão. Sunny
é linda, mas não tem bom gosto para felinos bonitões. Se tivesse, teria escolhido o mais
bonito de nós dois ne.
- Hmmmpf. – Alart cruzou os braços. - Idiota.
- Também te adoro irmão. – Done riu.
- É tão bom ver vocês sendo...vocês. – Sunny riu aliviada, mas não tanto ainda. – Alart.
Alart se aproximou dela, se ajoelhou ficando na altura de seus olhos e segurou suas
mãos. – Eu sei que você está assustada e com razão, querida, mas eu prometo que vou te
manter segura...
Sunny balançou a cabeça de um lado para o outro. – Não. Não estou segura aqui.
Alart. Seu pai estava lá. Ele e Téo me prenderam e usaram minha magia. Acredito que ainda
tem um pouco dela armazenada lá.
- Filho de uma piranha choca! – Done praguejou. – Desculpa, irmão, sei que ele é seu
pai...
- Eu vou matar ele. – Alart apertou os dentes até quase doer. – Como...porque...
- Eu sei porque. Ele planejava atacar a aldeia leonina e culpar o reino Tiger pelo
ataque, atrair a Rainha para uma tentativa falsa de reunião diplomática organizada pelo
Done e matar os dois, iniciando uma guerra com Tiger que não teria um herdeiro oficial
para assumir o trono. Seu pai acredita que isso enfraqueceria os Tiger na guerra, sem um
rei, e ele venceria tomando o trono Tiger para ele.
- Por Kallisti... Preciso avisar minha mãe. – Done disse. – Desculpa, irmão...
- Não, Done. Faça o que precisa fazer. Temos que parar meu pai antes que felinos
morram à toa. – Alart se levantou.
- Mas não é só isso. – Sunny disse atraindo o olhar dos dois. – Seu pai pensa que é
esperto, mas é um tolo.
- Sinto que vou gostar disso... – Done brincou, deixando seu lado vingativo tomar
conta de seu humor.
- Téo está ajudando ele e tem mesmo um caso com seu pai, mas o odeia.
- Agora fiquei confuso. – Alart admitiu e Done concordou.
- É tudo parte do plano dele e Ciara. Seu pai não sabe, mas ela esteve no local do meu
cativeiro várias vezes e ficou bem claro que ela e Téo eram amantes. Eles planejaram tudo a
anos, Alart. Eles sabem que seu pai não tem como vencer os Tiger. Eles pretendem causar
uma guerra entre os reinos pro seu pai ser morto, você ser enlouquecido e depois eles dois
surgirem como heróis acabando com a guerra e assumindo o trono. Juntos. Só não sei
como eles pretendiam enlouquecer você. Ah e Ciara tentou seduzir Done para ser a esposa
e futura rainha Tiger, em uma forma de agilizar a vontade dela em ser rainha e aumentar
sua influência para quando eles fossem conseguir um acordo de paz entre os reinos no
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futuro. Tem algo mais que eles começaram a discutir sobre mortes, no plural, mas eu
acabei apagando de novo e não entendi.
Quando Sunny calou a boca com um bocejo, Done estava boquiaberto de forma
cômica ao lado de um Alart silencioso, de braços cruzados e um olhar assassino capaz de
gelar a alma do felino mais corajoso.
- Vamos. – Alart ofereceu a mão para Sunny se levantar, a apoiou no caminho, mas
não disse uma palavra.
Sunny sofreu por ter mentido, mas não se arrependia. Ela não queria, mas ela também
não conseguiria dizer a verdade para ele. Pelo menos, não ainda.

~o ⭐ o~
Assim que chegaram em casa, com os primeiros raios de sol surgindo no horizonte,
Done se fechou em seu escritório. - Mãe, preciso falar algo, mas poderia dar um recado pra
Ane...
- Ela está aqui, filho, pode falar. – Calíope respondeu com Ane alerta ao seu lado no
sofá.
À essa hora? De novo? Eu sei que minha mãe quer que eu me case, mas ficar grudada
na minha ex não vai ajudar. Parecem até um casal apaix... Ahahaha! Que besteira, Done.
Ele respirou algumas vezes se controlando e focou no que importava. – Ane, a Miranda
apareceu.
- Por Kallisti! Duas boas notícias em tão pouco tempo! – Ane abraçou Calíope em um
impulso que estava ficando cada vez mais comum. Ainda bem que Done estava usando o
comunicador apenas no modo áudio ou sua desconfiança iria aumentar significativamente.
– Primeiro meu mestre sem nenhum arranhão, agora a Miranda voltou! Espera. Ela está
bem?
- Sim, amo...er...Ane. Ela só está com alguns pequenos ferimentos e muito esgotada.
Mas vai ficar bem. A garota é forte como uma montanha.
- Obrigada, Kallisti. Vou até fazer uma oferenda no templo amanhã. – Ane suspirou e
secou uma lágrima de alívio.

Eu agradeço, Ane. Um café seria ótimo... Se existisse em Likastía, claro.

- Mãe, preciso dizer algo sigiloso. Ane, por favor, poderia...


- Pode falar, filho. Eu confio na Ane.
Oi? Minha mãe, a cautelosa e desconfiada como qualquer Tiger, a RAINHA, vai deixar
eu passar um assunto sigiloso na frente de alguém que ela conhece a pouco tempo? Que
porra está acontecendo aqui? Done cerrou o punho, mas narrou todas as descobertas em
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um tom perfeitamente vazio de emoções, como qualquer espião que se prezasse. – Temos
fragmentos de cristal que tiramos nos cabelos e na pele de Miranda. O mago de cura de
nossa confiança já avaliou e confirmou que ela teve a magia drenada, além da ponta de
uma adaga com a energia mística do Rei Arman presa na roupa dela.
Calíope estava séria e furiosa de tal modo que as chamas de velas na mesa dentro do
quarto dançavam violentamente, mesmo sem vento no ambiente. – Você encontrou o
lugar?
- Sim. Ela nos mostrou a direção onde ficava e eu fui até lá. Não precisei entrar. O Rei e
seu conselheiro chefe estava saindo do local, discutindo sobre o que fazer com ela e... Mãe,
Arman quer atacar o palácio como retaliação pelo ataque à Unversidade.
- Ele vai nos culpar justificando a guerra e atraindo a opinião pública a seu favor. Filho
de mil vulgívagas!
Ane colocou as mãos na boca, surpresa pelo xingamento, algo que ela não estava
acostumada a ouvir.
- Devo voltar? – Done perguntou.
- Não. Continue aí por enquanto. Mas a jovem Tiger não pode continuar aí. Não com
sua vida correndo perigo. Afinal, sendo uma Tiger, ela também é minha responsabilidade.
Quero um plano concreto em menos de 24 horas para o envio dela até seu lar. – Calíope
disse. – O que será curioso, já que essa moça parece ter surgido do nada.
Claro que ela investigou a minha falsa ex namorada. Done revirou os olhos. – Tem um
pequeno problema.
- Qual?
- Ela não pode ir para casa. A família dela é tão ou mais perigosa do que as tramas do
rei leonino.
- Por enquanto, traga-a para o palácio. – Calíope ordenou.
- Isso também não seria muito prudente. – Done disse, pensando no quanto poderia
revelar sobre Sunny.
- Done, meu filho, não teste minha paciência.
- Mãe, é perigoso. Eu contarei pessoalmente tudo com calma e com ela do lado. Mas
só posso adiantar que o palácio seria uma sentença para ela.
- Sei para onde ela pode ir. Mas você terá que trazê-la de qualquer forma. E rápido.
Ah, Done, mantenha um olho em Alart. Gosto do rapaz, mas não vou arriscar outra traição
como a do pai dele. A reunião que ele solicitou continua de pé. Se ele não aparecer,
considere qualquer possibilidade de acordo inválida.
- Eu entendo. E quanto a Arman?
- Deixe aquele piolho anêmico comigo.
- Done. – Ane chamou.
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- Ane. – Done quase perdeu a compostura com um suspiro.


- E minha mãe? Ela está bem? Pode cuidar dela, por favor? Eu sei que você não está
muito contente com ela, mas minha mãe vive no palácio leonino e tenho medo por ela,
inocente nesse meio.
- Ah, Ane... – Done sentiu um aperto no coração.
- O que? – Ane teve um mau pressentimento. – Ela se feriu?
- Sua mãe está ótima, Ane. Melhor do que todos nós juntos. – Done parou antes que
falasse demais. – Mas não se preocupe. Eu vou cuidar dela sim. Em breve. – Ele mudou o
foco para sua mãe, não querendo continuar com aquela conversa. – Algo mais, majestade?
- Não, filho. Vá descansar.
- Obrigado, mãe. Mande um abraço para Sven e diga pra aquele velho sem vergonha
não comer todo o doce de flor da cozinha. – Done se despediu.
- Mãe... O que você fez? – Ane murmurou.
- Aquele.....aquele....tolo! Idiota! Burro! Gatinho de merda! – Calíope estava
espumando. Nenhum Tiger aturava uma ofensa, nem a menor que fosse, sem buscar feliz
por uma guerra. Mas traição era algo muito pior. O ar ao redor de seu corpo ondulava com
o calor das chamas prontas para irromper em segundos. Ane segurou a mão da rainha e só
então ela percebeu que a moça mais nova estava falando com ela a algum tempo. – Ah,
Ane....
Sem pensar, ela cortou a distância e beijou Ane, esquecendo de sua raiva, seu corpo
quente, mas desta vez não era o poder Tiger agindo. Era a retribuição de Ane agindo no
corpo da Rainha Tiger que, naquela manhã, pela primeira vez desde sua coroação, a quase
20 anos, chegou tarde na reunião com o Conselho.

~o ⭐ o~
- Essa garota deve ser uma maga de fugas, porque não é possível! – Ciara esbravejou. –
Como ela conseguiu quebrar o cristal? Isso não é impossível?
- É. – Téo respondeu massageando as têmporas, uma dor de cabeça o irritando.
Ciara se aproximou por trás e começou a massagear as têmporas dele. – Então como
ela quebrou?
- Ela não quebrou. – Téo disse. – A energia não era dela. Haviam três resquícios de
energia mágica no cristal quando voltei com o idiota do rei.
- Sunny e....quem?
- Alart.
- Ele achou o esconderijo? – Ciara correu para frente de Téo que a puxou para coloca-
la em seu colo.
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- Não. Era fraca e distante. Meu palpite é que a chatinha conseguiu contactar ele em
sonho. Só que pra isso ela teria que estar pelo menos um pouco consciente dentro do
cristal. O que é bem difícil, quase impossível. Exigiria um poder muito grande.
- Céus... Se ela estivesse um pouco consciente ela...poderia ter...sei lá....escutado algo?
- Com certeza. – Téo respondeu.
- Mas que merda! – Ciara tentou se levantar, mas Téo a segurou firme em seu colo,
acariciando sua coxa.
- Por isso preciso encontrar aquela merdinha antes do rei e colocar ela de volta em
suspensão.
- Ela não tem para onde ir. Tiger é arriscado demais. Vamos encontra-la. Mas e quanto
a outra energia?
- Era tão poderosa... – Téo abriu distraidamente o laço que fechava o decote de Ciara,
expondo seus seios.
- De quem era?
- Só Kallisti sabe...

~o ⭐ o~
Eu realmente sei... Mas ele não merece que eu conte.
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Capítulo 14
Planejar é importante, mas é curioso como às vezes planos são feitos para serem
destruídos pela simples existência de algo chamado efeito colateral.

~o ⭐ o~
Done cruzou os braços mantendo sua maior expressão de príncipe meio bobo.
- Majestade, entendo sua preocupação e garanto que farei tudo que puder para
ajudar. Porém, não posso evitar essa pequena solicitação da Rainha. Veja isso como uma
demonstração de superioridade, de desejo pela paz. Seu povo e o meu verão que o senhor
fez tudo ao seu alcance para que a paz fosse mantida.
- Sim. Claro que faço. Não fui eu quem ataquei primeiro colocando essa paz em risco...
– Arman disse pela milionésima vez a mesma coisa.
- Claro que não. Mas é sempre bom reforçar o quanto tentamos evitar um conflito.
Afinal, o senhor, sábio como é, não vai querer atrair a impopularidade de seu povo com
uma guerra que poderia ser evitada com um toque de diplomacia, não é?
Arman queria partir logo para o ataque, mas sabia que isso colocaria não só os Tiger,
como também seu próprio povo, os leoninos pacíficos, contra ele. Além disso, ceder nessa
exigência tola poderia ser algo bom. – Muito bem. Mas se algo acontecer a ele, não haverá
mais diálogo.
- Eu entendo perfeitamente, majestade. – Done se despediu do Rei e do conselheiro
ao lado dele, parecendo um fantasma maligno, e saiu desejando um banho de horas para
desinfetar sua alma daquela podridão.
- E então? Conseguiu? – Sunny perguntou assim que ele chegou no esconderijo.
- Lindinha, claro que consegui. Eu sempre consigo tudo. Eu sou lindo, inteligente, o
máximo. – Done entregou uma muda de roupa para ela.
- Done, você precisa tratar esse seu ego. Logo você vai precisar de mais um corpo só
pra abrigar ele. – Sunny sorriu.
- Eu sei. Você me ama. – Ele sorriu e logo ficou sério. – Não se preocupe, Sunny. Ismir
não vai nem saber que você está lá.
- Não tenho um bom pressentimento sobre isso. Mas também não vou fugir de uma
briga. Se ele me achar, vai desejar estar morto.
- Uma Tiger perfeita! Assim vou me apaixonar. – Done deu um soco leve no ombro
dela como costumava fazer com Alart desde que eram muito jovens.
- Repete isso. – Alart chegou espumando.
- E o rei do ciúme chegou. – Done brincou.
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Sunny olhou para longe. De novo. Aquilo estava incomodando Alart desde que ela
voltou. Nunca mais, em nenhum momento, ela olhou nos olhos dele. Alart conhecia bem a
jovem para perceber o óbvio. Ela estava escondendo algo.
- Meu pai já me deu a documentação para a viagem. – Alart disse para Done, sem tirar
os olhos de Sunny que continuava entretida com absolutamente qualquer coisa só para não
olhar para ele. – Ele quer que eu vá jantar com Ciara em uma reunião que ela fará de
despedida para mim. Talvez até enviar algo para filha.
- Não vejo problema. – Done disse notando o olhar de Alart.
- Não! – Sunny quase gritou.
Alart ergueu uma sobrancelha desconfiado. – Já conhecemos a falsidade da Ciara e sua
ambição, não vai me pegar desprevenido. Além de ser uma forma de fingir normalidade.
Então porque não, Sunny? Há algo que você queira me contar?
- Eu? Er. Não. É que. Bem. Eu...eu só...só acho que pode....é arriscado. Só isso. – Sunny
olhou apenas para Done.
- O plano todo é arriscado. – Alart disse.
- É, então pra que arriscar mais ne.
- Pensando bem, Sunny tem razão nesse ponto. – Done disse.
- Alart....por favor....Não coma nada perto dela... – Sunny tremia de um jeito que era
visível mesmo ao longe.
Alart se aproximou dela enquanto Done se afastava de fininho para checar de novo o
mapa, dando privacidade ao casal. – Sunny. – Alart ergueu o rosto dela com um dedo e se
assustou ao ver tantas lágrimas rolando pelo rosto dela. – Ei. Calma, raio de sol. O que...
Sunny abraçou ele, escondendo o rosto em seu peito.
- Sunny, você sabe que pode me contar qualquer coisa. Porque não me diz o que...
- Não. Eu...só me deixa ficar aqui um pouco. – A garganta de Sunny parecia se fechar
com a emoção.

~o ⭐ o~
- É melhor eu voltar ao trabalho. – Calíope deu um beijo em Ane e se levantou para
deixar a jovem com os arquivos que estava avaliando. – Você é uma má influência, Ane.
- Eu? Mas foi você que veio aqui me distrair do trabalho. – Ane fingiu estar indignada.
- É bom saber que distraio você. – Calíope piscou para ela. – Vem dormir comigo esta
noite?
- Claro. Jamais recusaria uma ordem da Rainha.
Calíope sorria largamente quando saiu e Ane sentia como se seu coração estivesse a
ponto de pular da garganta. Até agora, só seu pai sabia do romance dela com Calíope. Do
lado Tiger, Calíope contara apenas para Sven, inclusive planejando um presente para a
L i k a s t í a 0 3 | 88

jovem quando ela finalmente assumisse publicamente o romance. Algo que a Rainha não
fizera ainda apenas para não assustar a moça tímida e por ainda não ter conversado com
seu filho. Ela também não estava ansiosa por esse momento. Ah, claro, havia Ismir também
que conhecia essa relação, mas o casal não sabia disso.
E falando no diabo....
- Linda letra. – Ismir disse muito próximo da nuca de Ane que deu um pulo de susto,
pois nem o vira se aproximar.
- Demônios do rio! – Ane gritou.
- Desculpe, não quis assustá-la, bela lady. – Ismir sorriu, algo que sempre dava
calafrios em Ane. – Beba um pouco de chá. Aceite como um pedido de desculpas deste
Tiger desajeitado.
Ele sempre oferecia presentes, joias, flores, até animais de estimação fofos. Mas ela
rejeitava tudo. Não sabia porque, mas só estar perto de Ismir a deixava tensa, com uma
inexplicável sensação ruim. O que não lhe parecia justo. E foi aqui que Ane lembrou de seu
pai e todos os ensinamentos que ele sempre lhe dera sobre justiça. Não era certo tratar
assim um lorde que só tinha sido gentil e legal com ela. Mesmo afastados, o que em parte
era culpa dela por estar sempre com Calíope, ela sabia que Ismir era um amigo da rainha.
Então ele não podia ser uma pessoa ruim. Certo?
Um chá e um papo furado não vão matar. Ela pensou.

Ai Ane, que vontade de te dar um cascudo! Ok, foco, Kallisti, foco.

- Claro. – Ane aceitou uma das xícaras de chá que ele tinha na mão e sinalizou para ele
se sentar na cadeira ao lado dela. Ignorando a sensação incômoda na boca do estômago,
ela bebeu o chá.
- Sabia que sua mãe foi uma amiga minha na juventude? – Ismir soltou, com os olhos
brilhando.
- Não. Nunca soube disso. Mas minha mãe sempre foi extrovertida, do tipo que faz
amizades muito fácil...
- E linda. Você é parecida com ela.
Aquele incômodo de novo. Ela tratou de mudar o rumo da conversa. – Dizem que
pareço mais com meu pai.
O difícil é saber quem é seu pai, menina, com o tanto de machos que sua mãe pegava.
Ismir evitou dizer isso, rindo por dentro. – Ah como era bom aquela época... Sua mãe era
especialista em levar diversão para as festas... De todos os tipos.
Ane pensou em perguntar o que ele queria dizer com isso, mas se sentiu enjoada e
meio tonta do nada.
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- Ela nunca deixou de fornecer certas...coisas para me ajudar. E sempre serei grato a
ela por isso. – Ismir se aproximou de Ane com um sorriso que parecia mais cruel do que
divertido.
Muito perto....perto demais... Ane pensou, se forçando a levantar, mas seu corpo não
lhe obedecia.
- Eu estive pensando muito em te levar para um passeio, Ane. Um que você vai adorar,
que vai te fazer gemer de satisfação. – Ismir passou a mão pela coxa dela, subindo a bainha
de sua saia longa até que ela estivesse praticamente toda na cintura.
NÃO! ME SOLTA, SEU PORCO CABOTNO! Mas o grito de Ane soou apenas em sua
mente. Seu corpo não reagia e ela começou a entrar em pânico.
- FILHO DE DEZ COVARDES IMPOTENTES! – Sven agarrou Ismir pela nuca o afastando
da jovem que quase desmaiou de puro alívio.
- O que pensa que está fazendo, empregadinho de quinta! – Ismir esbravejou.
- O que VOCÊ pensa que está fazendo? Abusando da jovem... Se eu não tivesse vindo
avisar algo para ela...
- Abusando? Eu? Olha bem pra mim, seu merda! Eu sou Ismir, um nobre, poderoso,
amigo da Rainha, rico, bonito! Não preciso abusar de ninguém! Você viu ela reclamar? Ela
estava gostando e muito!
- Seu.... – Sven deu um soco na cara de Ismir fazendo um dente dele voar para longe.
- EU VOU TE MATAR POR ISSO! – Ismir sacou uma adaga pronto para matar o Tiger
mais velho.
Sven... Ane não conseguia nem mesmo chorar, tamanha era a paralisia em seu corpo.
Alguém...ajude....Kallisti, por favor, não deixa esse felino tão bom morrer por minha culpa...
Kallisti pareceu ouvir as preces da moça.

Ouvi mesmo que não sou surda ne!

Um vulto laranja passou pela porta em direção a Ismir e o derrubou no chão, jogando
a adaga longe. – SEU COVARDE DE MERDA! – Done estava com os pelos tão eriçados que
parecia ter dobrado de tamanho. - Atacando um Tiger velho desarmado com uma faca!
Você não presta nem pra brigar como macho de verdade!
- EI! Eu não sou velho... Sou...experiente. – Sven disse e correu para ajudar Ane que
parecia uma estátua de mármore, com os lábios ficando roxos.
- Ele começou! Me agrediu sem motivo. Só porque eu e a jovem ali estávamos
transando numa boa. – Ismir disse.
- É mentira, alteza. – Sven disse.
L i k a s t í a 0 3 | 90

- Claro que é mentira. Ane tem muito bom gosto. Jamais cederia a uma bosta como
você!
Ismir, astuto como sempre, percebeu o ciúme estampado no rosto do príncipe. – Acho
que ela só prefere os poderosos então. De preferência quem possa coloca-la no trono Tiger.
Done não aguentou e deu dois socos na cara de Ismir. – VOU QUEBRAR TODOS OS
SEUS OSSOS, SEU IDIOTA!
- Alteza... – Sven chamou. – DONE!
- QUE?
- A jovem Ane precisa de ajuda. Ela está gelada. – Sven disse com um olhar
preocupado.
- O que você fez com ela, Ismir? – Done só quis quebrar ainda mais a cara dele quando
Ismir sorriu cuspindo sangue. – FALA, INFELIZ!
- Eu não fiz nada além de dar o que ela me pediu. Ela se ofereceu pra mim e eu aceitei.
Ela deve ter se drogado antes em algum beco.
- Ane? – Calíope deixou o bolinho enfeitado cair no chão e correu para Ane. – Querida,
o que houve?
- Ele deu alguma coisa pra ela e estava tentando abusar da menina, majestade. – Sven
disse.
Calíope olhou pra Ismir de um jeito que teria feito qualquer um se encolher no chão,
chorar e pedir pela mamãe.
- Prenda isso na masmorra mais fria e podre que encontrar até segunda ordem. – Ela
disse entredentes, com pelos eriçados, visivelmente lutando para se controlar.
- O que? Mas eu não fiz nada de errado. Só fiz o que ela pediu. – Ismir se debateu.
- Cale a boca, Ismir. E agradeça porque se não o mato aqui agora é por consideração
ao nossos anos de amizade. Mas não me teste, porque vontade não me falta.
- Levanta! – Done se levantou e sacou a espada. – Anda logo.
- Você...você não pode fazer isso comigo! – Ismir realmente parecia não acreditar no
que estava acontecendo.
Calíope se virou para ele com um ar assassino. – Não posso? Claro que posso, Ismir. Eu
sou a Rainha e você é apenas um súdito. Se tem alguém que pode alguma coisa aqui esse
alguém sou eu. Agora saia daqui.
- Você só está com ciúmes porque ela veio procurar em mim o que você não pode dar
pra ela! Não tenho culpa se você decidiu namorar uma rameirazinha interesseira que gosta
mais de macho!
O queixo de Done facilmente poderia tocar o chão. Será possível? Minha mãe com
Ane? Não. Deve ser só mais um papo furado de Ismir. Se bem que...elas são tão próximas...e
os olhares... Não. Minha mãe e a mulher que amo? Não. Não tem como...
L i k a s t í a 0 3 | 91

O pensamento de Done foi cortado quando uma chama amarelo-alaranjada passou na


sua frente e atingiu metade do rosto de Ismir. O fedor de pelo queimado e o grito
angustiante tomaram conta do ambiente. Os passos calmos de Calíope ecoaram enquanto
ela andava até o Tiger que gritava feito louco no chão.
- Shh. – Ela ordenou. – Cale a boca ou vou queimar seu pintinho aqui também.
Ismir temendo que isso realmente aconteceu, conseguiu se calar enquanto lágrimas
escorriam pelo seu único olho bom e a dor o dilacerava.
- Você vai aguardar a minha boa vontade de ouvir qualquer merda que você tenha a
dizer na masmorra como o bandido que você é. E reze para Kallisti te proteger de mim
porque se o que pensamos se confirmar sobre você ou se eu confirmar o que eu quase
posso apostar que você fez com a MINHA Ane, não haverá deuses nem demônios
suficientes pra te salvar de mim. – Ela disse em voz calma e com um sorriso assustador no
rosto.
Done pegou Ismir de qualquer jeito, pouco se lixando para os ferimentos dele, saiu e o
entregou ao primeiro guarda que viu, dando as ordens da rainha. Depois voltou correndo
para ver como Ane estava, mas já a levavam para um quarto. O quarto da rainha. Aí já era
demais.
- Mãe. Precisamos conversar. – Done chamou quando ambos chegaram na porta do
quarto.
- Sim, filho. Precisamos. Mas não agora. Agora a prioridade é a Ane. – Calíope disse e
seus olhos espelhavam a preocupação que também havia nos olhos de Done.

~o ⭐ o~
- Eu quero ver ela. – Sunny disse.
- Imaginei. – Alart deu um beijo em sua testa. – Vamos.
Os dois saíram do quarto, atravessaram o Templo de Kallisti e seguiram pelo enorme
pátio até o palácio. Done estava encostado na entrada, parecendo distante.
- Done. Como ela está? – Sunny perguntou.
- Ela e minha mãe estão...juntas. – Done disse, meio aéreo ainda.
- Ah. Bom. Vamos vê-la? – Alart perguntou.
O olhar de Done finalmente pareceu clarear, voltar à realidade. – Não, irmão. Você
não entendeu. Elas estão...juntas... Como...casal.
- Elas estão transando? – Sunny soltou.
- Amor. Sutileza. Lembra? – Alart disse, preocupado com amigo.
- AHAHAHAHAHA! – Done nãoa aguentou. – Sunny, só você mesmo pra me fazer rir.
Vou casar com você por causa disso.
- Ah, mas não vai mesmo! – Alart virou para ele com a cara fechada.
L i k a s t í a 0 3 | 92

- Irmão, o que é isso? Eu aqui sofrendo e você nem pra me deixar casar com a Sunny
pra acalmar meu coração. Que amigo é você?
- Eu sei bem o que você quer acalmar! Fica longe da Sunny!
- Que amigo malvado... Não tem pena de mim....
- Calma meninos. – Sunny não resistia a perturbar a paz de Alart. – Eu caso com os dois
e todos dormimos juntos, felizes e unidos.
- Ótima ideia. Concordo plenamente. – Done disse sério.
- NEM MORTA! – Alart berrou atraindo o olhar dos guardas que estavam de prontidão
a alguns metros.
Done e Sunny se olharam sérios por dois segundos e desataram num riso
incontrolável. - AHAHAHAHAHAHA!
- Ainda vou infartar com vocês. – Alart cruzou os braços, emburrado. - Pirralhos.

~o ⭐ o~
- Ane. – Sunny sentou na cabeceira da cama, ao lado da amiga.
Ane abriu os olhos devagar sentindo seu corpo todo dolorido e uma fome absurda. O
que não era novidade porque ela vinha comendo tanto ultimamente que algumas roupas já
estavam ficando apertadas. – Miranda?
- Olha só. A felina adormecida acordou. Você nos deu um susto daqueles, sabia?
Tudo o que tinha acontecido na sala dos arquivos veio como uma avalanche em sua
memória. Ane colocou a cabeça no peito de Sunny e desabou num choro convulsivo.
- Calma. Você está segura, amiga. Pronto...Passou. – Sunny acariciou os cabelos de Ane
e sinalizou para que Alart, Done e Calíope que entravam no quarto ao ouvir o choro ficarem
quietos.
- Aquele...ele...ele ia... – Ane nem conseguia dizer em voz alta.
- Me perdoe, Ane. – Sunny sentiu um aperto no coração. – Se eu tivesse...
- Você não tem culpa, Mi. – Ane disse.
- Sim, Ane. Eu tenho. Devia ter denunciado ele.
Ane se afastou um pouco e olhou assustada para a amiga. – Ele...abusou de você?
- Não. Não pessoalmente. Mas não duvido que ele chegasse a isso algum dia. Vindo do
meu pai qualquer coisa é possível. – Sunny suspirou.
- PAI? – Ane e Calíope disseram ao mesmo tempo.
Sunny suspirou. – Sim. Aliás.. – Ela se levantou e fez um reverência para a Rainha. –
Sunny Tiger, do litoral, filha de Bianca e Ismir, à suas ordens, majestade.
- Puta merda! – Calíope deixou escapar e olhou para Ane, ambas pensando a mesma
coisa. – Achamos a descendente do mago Laos.
L i k a s t í a 0 3 | 93

- Laos? Quem é... Oh, merda! – Done olhou para Sunny como se ela tivesse três
cabeças.
- Laos? O mago louco desaparecido? O torturado por Kursk a sei la quantas décadas?
Pensei que ninguém sabia nada sobre ele desde o sumiço... Ele teve descendentes?
- Teve, Ane descobriu. – Calíope disse com orgulho visível. – Mas, Bianca além de
insuportável também era estéril.
A Rainha pegou uma bandeja cheia de comida suficiente para três felinos e colocou no
colo de Ane.
- Minha mãe não era nenhuma das duas coisas, majestade.
- É melhor não falarmos disso aqui. – Done disse, preocupado com Ane.
A rainha serviu uma taça de vinho e caminhou para dar nas mãos de Ane. – Nem vem.
Mir...Sunny...seja lá que nome ela tem, é minha amiga e quero saber tudo sobre ela. Fala,
Sunny.
- A coisa não é bonita, Ane. Não quero que você... – Sunny parou chocada, deu alguns
passos e tomou a taça das mãos de Ane tão bruscamente que pegou todo mundo de
surpresa. – Tá doida, garota?
- O que? – Ane perguntou confusa.
- Toma, Alart. Tira isso de perto dessa maluca! – Sunny olhou feio para a amiga como
se Ane estivesse cometendo um crime.
Alart, que estava tão confuso quanto todo mundo, pegou a taça e deu um gole
enorme.
- Como eu dizia... – Sunny relatou tudo o que tinha vivido enquanto o quarto
permanecia em um silêncio quase sobrenatural.

~o ⭐ o~
- Lance o ataque. – Arman deu a ordem.
- E quanto ao príncipe, majestade. – Téo perguntou, embora não desse a mínima para
o jovem herdeiro.
- Ele servirá ao reino leonino como um mártir. Sempre posso ter outros filhos, não é
mesmo? – Arman sorriu.
- Será a justificativa perfeita para a guerra e seu triunfo como Rei das Duas Coroas de
Likastía, majestade.
- E ao meu lado você será o segundo felino mais poderoso do mundo, querido.
Prefiro ser o rei enquanto seu cadáver apodrece, animal nojento. Téo pensou enquanto
aceitava as carícias do rei e imaginava Ciara no lugar de Arman ali.

~o ⭐ o~
L i k a s t í a 0 3 | 94

- Não vejo outra forma de resolver isso, meu jovem. – Calíope disse. – Não posso
confiar em seu pai para manter o acordo e não vou rejeitar uma guerra. Nenhum Tiger
neste mundo aceitaria isso... Nem mesmo eu.
- Eu só...Não gostaria de fazer isso. – Alart disse.
- Eu sei, mas é minha condição para manter a paz entre nossos reinos. – Calíope disse.
– Sunny, você aceita?
- Por mim, sim. Se Alart quiser...
- Você sabe que quero mais do que o ar que respiro. – Alart respondeu. – Com essa
parte estou totalmente de acordo. O que me incomoda é meu pai. Afinal, apesar de tudo,
ele é meu pai.
Sunny desviou o olhar e se remexeu na poltrona.
- Vamos descansar. – Calíope sinalizou. – Acho que todos precisamos.
- A senhora precisa mesmo é conversar com seu filho. – Sunny disse.
- Sunny! – Alart ficou chocado com o jeito dela falar com uma rainha.
- O que? Ela precisa mesmo. Done merece uma explicação.
- Querida, não se fala assim com uma rainha.
- Rainha ou plebeia no lixo, não me importa. Done é nosso amigo e não vou ficar
quieta vendo ele sofrer.
- Sunny!
Calíope sorriu com admiração. – Agora entendo porque meu filho e esse rapazinho
aqui gostam tanto de você. Tem razão, Sunny. Preciso mesmo falar com meu filho. Saiba
que nunca quis magoar ele. Mas confesso que fico muito feliz em saber que meu filho tem
uma grande amiga como você. Principalmente agora. Eu gostaria de poder retribuir seu
carinho por meu filho e quem saber até sermos amigas.
- Se acerte com meu amigo que nós conversaremos. – Sunny falou.
- Falou como alguém perfeita para seu futuro lugar neste mundo. – Calíope saiu.
- Ai, Sunny... Sutileza, querida...sutileza. – Alart deu um beijo em sua mão e saiu de
braços dados com ela.

~o ⭐ o~
Como é lindo o amor. Quando é amor mesmo, claro.
L i k a s t í a 0 3 | 95

Capítulo 15
Você assiste Barracos de Família? Não? Ah, é. No seu universo não pega esse
programa. É cheio de barracos entre pessoas de uma família envolvidas em cada caso de
deixar a gente boquiaberta. Cada baixaria absurda...
Adoro esse programa.

~o ⭐ o~
- Vai falar com seu pai? – Sunny perguntou.
- Não. Só avisar que a reunião terminou e que estou levando uma proposta. – Alart se
sentou na beirada da cama, sentindo uma dor de cabeça chata começando. – Esse tipo de
coisa deve ser dito pessoalmente.
Sunny se ajoelhou na cama atrás dele e começou a massagear seus ombros. –
Entendo. Tenha cuidado.
- Sim. Terei. A Guarda do Rei já sabe e pelo menos tenho o apoio deles.
- E quanto ao povo?
- Isso ainda me preocupa. Não quero revelar as armações do meu pai e sujar sua
imagem, mas não sei como ter o apoio do povo sem que eles saibam minhas razões.
- Dizer a verdade é o melhor caminho na minha opinião.
- Curioso você dizer isso. – Alart se virou para ela. – Porque eu sinto que você está
mentindo pra mim sobre algo desde aquela noite na floresta.
Sunny praticamente pulou da cama, pegou seu xale e se dirigiu à porta. – Vou ver a
Ane. Preciso falar com ela.
- Sunny, para de fugir de mim, caramba! – Ele se aproximou, mas ela nem o olhou e
seguiu para a porta.
- Não estou fugindo, eu tenho que ir lá...
Assim que ela abriu a porta, ele se aproximou por trás, ágil como...como...bem, como
um felino ne, duh. Ele bateu a porta com a palma da mão, a segurando fechada, prensando
Sunny entre ele e a porta. Ela se virou e olhou para os pés.
- Eu não estou com muita paciência, raio de sol. Fale de uma vez. Aqueles filhos de um
tronco podre abusaram de você? É isso?
- Não... – Sunny não tinha coragem de olhar pra cima.
- Então você sabe mais alguma coisa e não quer me dizer. – Não era uma pergunta.
- Por favor... Me deixe ir...
- Fale.
- Não.
- Por quê?
L i k a s t í a 0 3 | 96

- Porque não quero te ver sofrer. – Sunny olhou para ele, implorando com os olhos
para ele não perguntar mais. – Preciso ir...Ane...
- Ane tem a Rainha para cuidar dela e Done que teria a zorra de um braço por ela! Pare
de me enrolar...
- Ane está grávida. – Sunny soltou.
Alart ficou mudo por dois segundos. – Grávida?
- Sim. Não sei se ela já percebeu e preciso avisar pra ela se cuidar.
- Done?
- Claro né, Alart! De quem mais seria? Da Rainha? – Sunny revirou os olhos, ficou na
ponta dos pés, o beijou rapidamente e, se aproveitando da surpresa dele com a notícia,
saiu. Foi por pouco...

~o ⭐ o~
- Temos apenas uma chance... Faça seu trabalho direito e vamos comemorar no meu
quarto mais tarde. – Arman ordenou. – Notícias da garota?
- Ainda não. – Téo disse, a raiva fervendo. A vontade de esmagar a cabeça do rei numa
pedra era enorme.
- POIS ENTÃO ACHE-A! COMO VOU GERAR UM NOVO HERDEIRO SEM ELA?!
Você não vai gerar nada, seu merdinha burro. Téo pensou e acenou humildemente.

~o ⭐ o~
Done cruzou os braços e tentou pensar em paisagens bonitas para se acalmar. Ok que
ele pensou nas paisagens pegando fogo segundos depois, mas o que valia era a tentativa
ne.
- Quer uma taça de florevinho, filho? – Calíope pegou duas taças e começou a servir.
- Ah, claro, mãe. Uma taça de florevinho e uma facada nas costas pra acompanhar. –
Done debochou.
Calíope abaixou a garrafa na mesa e respirou fundo. Ia ser uma conversa tensa.
- Filho...
- Sim....filho...sou eu. Não que pareça importar tanto já que não te impediu de...PEGAR
A MINHA NAMORADA! – Done deu um chute numa cadeira a jogando longe.
Calíope nem se abalou quando a cadeira passou a meio metro de sua cabeça,
atingindo a parede atrás dela.
- A MULHER QUE EU AMO! A ÚNICA QUE FINALMENTE VALE A PENA! QUE EU QUERIA
TORNAR MINHA ESPOSA! MÃE DOS MEUS FILHOS....DOS SEUS NETOS! – Enquando gritava,
ele deu vários socos na parede ao seu lado, abrindo um buraco na grosa parede. – PODIA
DAR UNS AMASSOS EM QUALQUER UMA! ATÉ NAQUELE IMBECIL PATÉTICO E CRIMINOSO
L i k a s t í a 0 3 | 97

DO ISMIR! OU O SVEN! OU AQUELA SACERDOTISA VESGA QUE A SENHORA ACHA LINDA!


QUALQUER UMA! PORQUE A MINHA ANE?! MINHA. ANE. PORQUE?!?? – E mais três
cadeiras, uma mesa e quatro vasos foram destruídos.
- Já acabou? – Calíope perguntou a um Done estava ofegante. – Agora me escute. Sei
que você a ama. Acha que não tentei ignorar o que sinto por ela? Done, se fosse um
interesse físico, algo passageiro, nunca teria me aproximado dela. Mas não pude evitar... Eu
a amo.
- Pff! – Done passou a andar nervosamente como um animal selvagem enjaulado. –
Ama...sei...
- Sim, amo. E sei que isso dói. Acredite, meu filho, dói em mim te ver sofrer. Eu sou sua
mãe e sempre fomos amigos. Eu quero um neto e você não e exatamente um grande fã de
relações mais sérias. Acha que eu arriscaria tudo isso por algo apenas sexual?
Done sabia que ela falava a verdade. Mas ainda doía e ele ainda queria quebrar
alguma coisa. Done se sentou em uma poltrona, com a cabeça entre as mãos. Calíope
respeitou o momento dele. Era algo que ele herdou dela, a cabeça quente, a necessidade
de um tempo para acalmar a vontade de destruir tudo ao redor.
Done levantou a cabeça, os cotovelos apoiados nos joelhos. O que ele viu, o que ele
estava vendo antes mesmo de saber da relação delas, atingiu o coração e a consciência
dele. – Você a ama.
- Amo.
- Que merda. – Ele murmurou. – Eu devia raptar ela e levar pra uma caverna em algum
lugar da floresta inexplorada.
- Você é vaidoso demais. Não sobreviveria em uma caverna como um selvagem.
- Ser lindo tem seu preço, mãe. – Done brincou.
Calíope sorriu, embora tentasse se manter séria. Era um dom de seu filho. Ela nunca
conseguia ficar séria por muito tempo ao lado dele. – Não vou me desculpar por isso, filho.
Apenas saiba que se eu pudesse escolher, teria me apaixonado até pelo fantasma de
Leviatã só para não ferir você.
- Credo, mãe! – Done se arrepiou todo e bateu na madeira. Ele nunca ia admitir, mas
sempre teve medo do lendário Leviatã. Um medo comum em toda criança Tiger, mas que
ele, supersticioso como era, nunca conseguiu perder. – Não chama que atrai. Olha... Não
vou dizer que estou feliz porque não estou. Mas...sei que Ane será bem cuidada e amada, e
vice versa. Vocês duas, Alart e Sunny são as pessoas que mais amo nesse mundo. A
felicidade de vocês é muito importante pra mim.
- Mas....?
- Mas eu não posso ficar aqui. Não por um tempo, pelo menos.
- Você precisa ficar longe um pouco.
L i k a s t í a 0 3 | 98

- Sim. Se a guerra eclodir, não ficarei aqui de qualquer forma por causa das batalhas.
Mas se o plano de Alart der certo, peço que me deixe ficar ao lado dele por um tempo
como apoio tático e político.
- Claro. Eu sinto falta do meu filho, mas você sempre foi bastante ocupado.
- Não é para sempre. Eu só preciso...
- Não se preocupe. Eu entendo.
- Aquele florevinho ainda vai rolar? – Done perguntou com um sorriso que não
alcançou os olhos.

~o ⭐ o~
- Isso é bom. – Ane suspirou.
- É? – Sunny esperava um surto, choro, seguido de aceitação e preocupação. Não
aquela calma, felicidade...
- Claro. Eu gostaria de ter um filho quando minha carreira estivesse mais estabilizada,
o pai não fosse filho da pessoa com quem estou agora, eu estivesse casada.... Mas, sabe,
depois que Jana morreu, uma moça tão enérgica e cheia de vontade de viver, eu percebi o
quanto nossas conveniências sociais são tolas no fim das contas. Esperar pra que tudo seja
perfeito para fazer algo é desperdiçar a vida. Além do mais, se eu tivesse que escolher um
felino para ser pai de um filho meu, seria alguém como o Done. Alguém que eu sei que será
um ótimo pai, que se um dia eu não estiver mais neste mundo, meu filho terá um pai tão
maravilhoso quanto o que eu tenho.
- Puxa... Done tem razão quando diz que você é extremamente sábia, não apenas
inteligente. – Sunny disse, admirada. – O que você precisar, conte comigo. Eu não sei nem
como é criar alguém. Digamos que não tive uma boa referência ne, mas vou ajudar no que
puder.
Ane pegou uma mão de Sunny. – Eu agradeço, amiga. Agora só preciso mesmo de
coragem para contar pro Done e Calíope...
- O que foi? – Sunny notou uma tristeza repentina na amiga.
- Acho que vou perder a mulher que amo ne.
- Ue, porque?
- Porque eu...
- Não seja boba, Ane! A Rainha olha pra você como se fosse a joia mais rara da coroa.
Duvido que ela vá querer terminar a relação de vocês por causa disso. Claro que...é meio
confuso...mas vocês vão acertar as coisas. Quanto ao Done....
- Done vai surtar. – Ane deu um sorriso tímido.
- Eu? Surtar porque? – Done entrou com a mãe do lado.
L i k a s t í a 0 3 | 99

- Não sei como dizer isso... – Ane olhou para ele, para a rainha e depois para a amiga
implorando silenciosamente por uma dica do que fazer.
- Não olha pra mim. Sabe que sutileza não é meu forte. – Sunny sorriu e apertou a mão
de Ane.
- Eu... Vou....Nós vamos....
- Eles vão. Tu irás... – Done brincou e Alart entrou bem nessa hora, pronto para apoiar
o amigo.
- É SÉRIO, DONE! – Ane se irritou com o humor dele. – EU PROCURANDO UM JEITO
PRA FALAR QUE TO GRÁVIDA E VOCÊ FAZENDO PIADA! PARECE QUE NÃO CONSEGUE FALAR
SÉRIO POR MEIO MINUTO!
A cara de Done era cômica. Com olhos e boca arregalados, seu queixo parecendo que
ia tombar no chão. Calíope estava parecendo uma estátua, felicidade e tristeza igualmente
estampadas em seu rosto.
- Grá...grá..graávida? – Done sentiu os joelhos tremerem. Ane então percebeu o que
tinha dito e colocou as mãos na boca, desejando que um buraco se abrisse pra ela se
esconder dentro dele.
- Depois eu que não sei ser sutil, heim. – Sunny sorriu para a amiga que olhou torto
para ela.
- Como grávida? Como issoiss...isso aconteceu? – Se Alart não tivesse sutilmente
colocado uma mão nas costas dele o apoiando, Done teria caído.
- Ah pronto. Vou ter que te ensinar como funciona isso agora? – Ane cruzou os braços
e olhou para Calíope, sentindo um aperto no coração.
- Não...quer dizer...eu sei....quer dizer...Grávida? Tipo....de um bebê felino?
- Não, Done. De uma pedra lunar. – Sunny respondeu.
- Done, é melhor você assumir sua responsabilidade com seu herdeiro. Não criei um
animal, mas sim um felino digno. – Calíope disse e, pelo seu olhar, ela não estava
brincando.
- Mas é claro que vou cuidar do meu filho! Que ideia, mãe! Eu só...só estou...surpreso.
- Se você não falasse ninguém ia notar. – Alart disse.
Calíope se virou para sair. – Vamos deixar vocês conversarem...
- Cali... – Ane chamou com uma tristeza que chegava a doer fisicamente.
- Não se preocupe, An. Vamos conversar depois. – Calíope saiu sem dizer mais nada, se
sentindo sufocada com a dor.
Depois que todos saíram, Done sentou do lado de Ane, olhando para frente. Depois de
alguns minutos de silêncio, ele disse: - Grávida?
- Done!
L i k a s t í a 0 3 | 100

- Desculpa. É o choque. – Ele se virou para ela e segurou sua mão. – Minha filha terá
tudo que uma Tiger herdeira do reino deve ter. Mas, acima de qualquer coisa, ela terá em
mim um amigo como minha mãe foi para mim. Isso eu garanto. Legalmente, ser casada
comigo a tornaria rainha quando eu me tornar rei, mas não é um pré requisito para que
minha filha herde o trono. Na verdade, nem sei se existe uma lei tosca com esse requisito.
Enfim...Você sabe que eu daria qualquer coisa para ser seu marido.
- Você meio que deixou isso bem claro desde o início. – Ane respondeu.
- Mas não é o que você quer, certo? – Done perguntou.
- Sinto muito, Done... Mas...
- Vocês se amam. – Ele completou. Era mais fácil do que ouvir essas palavras saindo
dos lábios dela.
- Sim. – Ane respondeu, quase chorando. – Desculpa.
- Não, Ane. Não dá para controlar essas coisas. E sei que vocês se amam. Minha mãe
nunca esteve com ninguém seriamente. Apenas com meu pai algumas noites para gerar um
herdeiro e depois, em raras ocasiões, uma amante aqui e ali. Mas nunca vi os olhos dela
brilharem desse jeito. Nem os seus. – Ele levantou uma mão para ela se calar. – Sempre
soube que você não me amava. Que gostava de mim, que sentia atração, mas não amor. Eu
esperava poder conquista-lo, mas... Enfim. O que quero deixar claro é que você é a pessoa
mais doce que já conheci e fico feliz que minha filha seja sua também. Mas não me casarei
com você, a menos que você queira, nem vou interferir na relação de vocês.

~o ⭐ o~
Calíope não conseguia dormir, então foi caminhar pela mais antiga ala do palácio onde
ficava a maior biblioteca do planeta. Ela raramente ia ali, mas Ane vivia lá trabalhando e a
Rainha queria estar em um lugar que a lembrasse de seu amor. Para sua surpresa, Ane
estava lá com Sunny e Alart conversando.
- Oh... Não sabia que vocês estavam aqui. Vou deixa-los em paz. – Calíope começou a
se virar para sair, mas Sunny foi até ela e a guiou para dentro.
- Sente-se conosco. Afinal esse lugar é seu, não é. – Sunny guiou a rainha para se
sentar na cadeira vazia ao lado de Ane.
Alart olhou para ela por cima de sua xícara, com um sorriso. Minha Sunny... Sempre
nenhum pouco sutil.
Ane pensou se pegava a mão da Rainha, meio sem graça. Calíope não sabia o que Ane
e Done tinham decidido, não sabia o que fazer.
Sunny serviu uma xícara de chá para a Rainha. – Finalmente vai ser vovó, heim. Soube
que a senhora sempre quis ter um neto.
- Sunny. – Ane olhou pra ela surpresa e tensa.
L i k a s t í a 0 3 | 101

- O que? É verdade ue. – Sunny respondeu.


- Ela tem razão. – Done apareceu com uma colcha sobre os ombros feito uma criança
que não conseguia dormir. Ele tomou a cadeira que era de Sunny e se sentou de frente para
a Rainha, ao lado de Alart. – Minha mãe sempre quis ser avó. Pelo menos vai parar de me
encher sobre isso. Além de cuidar bem da mulher que ela ama.
- Mas...vocês... – Calíope olhou entre os dois.
- Não vou casar com ela. Não vou separar duas pessoas que se amam. Dá azar. – Done
disse.
Calíope conteve a alegria, mas segurou a mão de Ane sob a mesa.
- Você ta no meu lugar. – Sunny disse.
- Perdeu, raio de sol. – Done brincou.
- Ei! Só eu posso chamar ela assim! – Alart disse.
- Done, sai do meu lugar. – Sunny cruzou os braços, de pé ao lado de Alart.
- Calma, raio de sol.
- Done, vou socar sua cara. – Alart disse.
- Sai, Done. Eu quero sentar. – Sunny fez beicinho.
- Senta no meu colo, raio de sol. – Done deu um tapinha no colo, com seu sorriso
sedutor estampado na cara, pronto para o pití de Alart.
- Ah, mas só sobre o meu cadáver!
- Uai! – Sunny deu um gritinho quando Alart a puxou para o seu colo, fazendo cara feia
pro amigo que ria descontroladamente e roubava o chá de Sunny a sua frente.
- Nunca falha. – Done disse, quase sufocando de rir.
- Eles sempre foram assim? – Ane sussurrou para Calíope.
- Done perturbado da cabeça e Alart caindo nas brincadeiras idiotas do meu filho? –
Calíope respondeu. – Sim. Só está pior agora porque Done descobriu como tirar o amigo do
sério.
Ane colocou uma mão na frente da boca enquanto ria.
- Toma um chazinho, querida... – Done fez menção de colocar a xícara na boca de
Sunny, mas Alart deu uma pisada em seu pé. – Ai!
Alart pegou sua xícara e colocou na boca de Sunny. – Idiota. – Ele disse para Done que
riu mais ainda. Instintivamente Ane colocou uma mão protetora na barriga, feliz e doida
para contar aos seus pais sobre seu filho.
- Não xingue perto da minha filha. – Done disse. – Ela pode aprender.
- Done, ela nem nasceu ainda. – Calíope disse.
- Filho. – Ane corrigiu.
- O que? – Done perguntou.
- Você sempre chama de filha, mas pode ser um menino. – Ane esclareceu.
L i k a s t í a 0 3 | 102

- É menina. – Done disse com uma certeza incontestável.


- Como você sabe? Ainda é cedo... – Ane perguntou.
- Eu sinto. É menina. – Done disse sem nenhuma sombra de dúvida. – Vai ser linda,
irresistível e séria, como eu.
- Socorro. Outro Done no mundo eu não aguento. – Ane arregalou os olhos.
- O mundo não aguenta, querida. – Calíope entrou na brincadeira.
- Eu sei que é perfeição demais, mas vocês, meros mortais, vão ter que aprender a
conviver com isso. – Done sendo Done.
- Se herdar a modéstia do pai estamos todos perdidos. – Sunny riu.
Naquele momento um forte tremor sacudiu o palácio Tiger, derrubando pedaços de
pedras do teto, arquivos e até prateleiras inteiras. Quando o tremor parou, a poeira
tornava impossível enxergar o que antes tinha sido uma linda sala bem decorada e
iluminada com velas e luzes geradas por magia.

~o ⭐ o~
Não posso conversar agora. Estou preparando a receita para criar uma nova pessoa
nesse mundo. Volte mais tarde para assistirmos juntos Barracos de Família. Você vai amar.
L i k a s t í a 0 3 | 103

Capítulo 16
Lembra o que eu falei sobre planos anteriormente? Bem, é verdade. As consequências
de efeitos colaterais atrapalham muito. Mas sabe como elas atrapalham ainda mais?
Quando planos são armados por alguém que tem mais ego do que inteligência.

~o ⭐ o~
- Feito. – Téo disse.
- Ótimo. Agora vamos para a parte dois. Meu povo já deve estar agitado. – Arman se
levantou.
- Vamos usar o visor para confirmar o estado da devastação?
- Não precisa. O local que mandei você atacar é perfeito. Garanto que todo o palácio
caiu como uma casinha de areia. – Arman riu.
Idiota. Téo acenou calmamente e saiu com o Rei, acertando os detalhes da busca à
Sunny que mudaria de direção novamente.

~o ⭐ o~
- ALGUÉM?! – Uma das Sentinelas, a guarda pessoal da Rainha gritou no que pareceu
vir de quilômetros de distância. – ALGUÉM AI?
À sua esquerda, idiota! Uma voz ecoou na mente da Sentinela.
Ela virou de um lado para outro.
ANDA LOGO! A voz ordenou fazendo a Sentinela instintivamente correr na direção
indicada. Ali.
A Sentinela sentiu um impulso para uma enorme rocha específica, sentindo que devia
movê-la. – Senhor! Aqui. Me ajude.
- O que foi? Oh céus! – Sven suspirou vendo a devastação. Parte do teto havia
desabado, não existia nenhuma das pesadas estantes de pé, o chão era um amontoado
retorcido de entulho, livros, arquivos, pedras mágicas e objetos diversos. Ele mesmo estava
sujo, suado, maltrapilho, com uma expressão de pânico mal controlado. – Nari, não temos
tempo para isso. Temos que encontrar a Rainha, o jovem Príncipe e seus amigos.
- Rápido! – A Sentinela, Nari, pegou a rocha enorme em uma extremidade. – Sven!
Está quente como um vulcão!
Sven correu e ajudou Nari com uma esperança crescente. – AQUI, AJUDEM!
Guardas e Sentinelas correram para dentro do local e tiraram várias rochas até que um
dele deu um grito.
- Eu....queimei a mão. – O Guarda exibiu uma queimadura leve nos dedos.
- Aqui... Rápido... – Veio o apelo debaixo daquele caos.
L i k a s t í a 0 3 | 104

Uma luz suave emanou nas mãos de todos que estavam ajudando com as pedras,
protegendo-os parcialmente do calor e das queimaduras. - Se apressem. – Uma maga com
algo que parecia ser uma longa camisola, mas que agora estava toda suja e rasgada, com
um olho meio torto, estava na entrada, ostentando o símbolo das Sacerdotisas de Kallisti
tatuado no ombro.
Pedra por pedra, fragmento de vidro e ferro, tudo foi retirado, revelando uma cúpula
gigante de fogo que visivelmente estava enfraquecendo. Quando a cúpula se desfez,
revelou Sunny, Alart, Done e Ane desmaiados. Sunny com um corte na cabeça estava
abraçada sob Alart que parecia uma névoa negra em forma felina, com luzes brancas
oscilando no interior. Done tinha pulado sobre a mesa obviamente tentando alcançar e
proteger Ane, mas perdendo a consciência no meio do caminho. Ane estava caída de lado
com os braços sobre a barriga. Calíope estava sobre um joelho, com as duas mãos para
cima, os braços tremendo violentamente, os olhos perdendo o foco. Assim que notou seus
aliados socorrendo eles, ela caiu para frente e perdeu a consciência.

~o ⭐ o~
- Acorda! – Ciara chacoalhou o marido que roncava alto na cama.
- O que foi... Já tenho que ir trabalhar? – Hieron perguntou, sonolento.
- O Rei atacou o palácio Tiger. – Ciara jogou uma camisa de qualquer jeito para ele.
- Merda. Outra guerra... Porque com certeza vai dar nisso. – Hieron bocejou enquanto
Ciara andava de um lado para outro colocando coisas na bolsa. – Querida, mas... Não
podemos fazer nada. Pra que essa presa?
- Tentei falar com Ane, mas ela não responde.
- Amor, nossa filha dorme na casa mantida pela Universidade. Além disso, estamos no
meio da madruga. Nossa bebê deve estar dormindo.
Ciara se acalmou um pouco, mas ainda precisava falar com Téo, entender o que tinha
dado errado. O plano era atacar quando Ciara tivesse dado a desculpa de estar doente para
fazer sua filha sair de Tiger e ir visita-la. Isso aconteceria só dali a dois dias. Até porque
precisavam encontrar Sunny para colocar mais do poder da garota na arma, o que causaria
a destruição total do gigantesco palácio e da região próxima, num raio de 8 quilômetros.
- Vem deitar, amor. Precisamos mesmo de um descanso para enfrentar a crise que
com certeza virá. – Hieron bateu no colchão ao seu lado.
- Vou andar um pouco pelo jardim. – Ciara se dirigiu para a porta.
- Vou com você. – Hieron bocejou, morrendo de cansaço.
- Não, querido. – Ciara deu um beijo rápido nele e o empurrou gentilmente de volta
para a cama. – Você precisa dormir. Não quero que um martelo escorregue da sua mão e te
mate.
L i k a s t í a 0 3 | 105

- Amor, isso seria insanamente ilógico. – Hieron sorriu e se deitou, dormindo quase
imediatamente.
Essa sorte eu não tenho. Ciara pensou e saiu.
- Foi rápido. – Téo saiu de trás de uma árvore alta.
Ciara deu um tapa no braço dele. – Que ideia foi essa de atacar aquele lugarzinho de
quinta categoria! Podia ter ferido minha filha!
- Sua filha só vai ao palácio algumas vezes durante o dia. Não passa o tempo todo lá. –
Ele colocou a mão no pescoço dela, apertando com força mediana, a empurrou contra a
árvore e a beijou. – Além do mais, culpe o idiota do Arman. Ele que acelerou o ataque. – Ele
soltou o pescoço dela, mas prensou seu corpo a prendendo contra o pau....

Da árvore, gente!

- Pelo menos o ataque foi eficaz? – Ela perguntou se esfregando nele o melhor que
pôde.
- Não sei. O idiota não verificou. Mas acredito que sim. Mesmo com a arma sem a
força total, ainda tinha o suficiente para fazer um belo estrago e destruir o palácio.
- Qual local de ataque Arman escolheu?
- Os aposentos reais. – Téo sorriu. – Com a força do ataque, além daquela ala, com
certeza destruiu tudo, sobrando, talvez só o muro externo. Só lamento pelo Templo de
Kallisti. Era tão lindo... – Ele a ergueu, fazendo com que ela prendesse as pernas ao redor de
sua cintura. - Mas Kallisti vai nos perdoar por essa pequena travessura.

Não vou não.

- Então é melhor comemorarmos. Deixa eu tirar esse gosto ruim do Rei da sua boca e
do seu grande amigo aqui. – Ciara se esfregou mais nele e os dois não deram a mínima para
o fato de que Hieron estava dormindo no quarto do segundo andar, cuja janela dava para o
mesmo jardim em que eles gemiam feito animais no cio.

~o ⭐ o~
- Como elas está? – Calíope começou a dizer antes mesmo de abrir os olhos, saindo da
cama.
- Majestade, é melhor se deitar, a senhora se esgotou quase completamente... – A
Sacerdotisa disse, caminhando para a rainha.
- Ane... Ela está...
L i k a s t í a 0 3 | 106

- Grávida. Sim, percebi no exame. Mas não se preocupe, minha Rainha. Ela e o bebê
estão bem, apenas escoriações e o susto mesmo.
- E meu filho?
- Teve um trauma em duas costelas, mas está bem. E irritado. Muito. Muito irritado.
- E...
- A jovem Tiger teve um ferimento preocupante na cabeça, mas a operamos e ela está
em observação agora. O príncipe leonino está com ela.
- É melhor se deitar, majestade. – Sven entrou, cansado e pronto para tentar acalmar
mais um Tiger cabeça dura.
- Qual a extensão dos danos na cidade? – Calíope ignorou o conselho e passou a
colocar seus sapatos.
- Majestade, tente desc...
- Sven! É uma ordem. A extensão dos danos. Agora. – Calíope se levantou tremendo.
- Na cidade, nenhum dano detectado. – Sven suspirou, cansado e aliviado por saber
que pelo menos não teria que sustentar o reino nas costas até que fosse decidido o que
fazer com o trono vago. – No palácio está tudo relativamente bem. O ataque foi
direcionado aos seus aposentos e, consequentemente, ao Templo de Kallisti relativamente
próximo. Os danos nos aposentos reais foram significativos. Áreas mais altas, como as alas
dos arquivos foram atingidas pelo tremor do ataque e uma parte da energia de ataque que
chegou nesses locais primeiro devido a altura. No Templo, apenas as áreas externas do lado
Leste foram atingidas. Até o momento não foram detectados danos na estrutura, mas os
jardins, altares externos, fontes e o aviário com os pássaros em tratamento não puderam
ser salvos.
- E todas estamos muito tristes pelos pobres animais. – A sacerdotisa lamentou.
- Alguma sacerdotisa ferida? – Calíope perguntou.
- Não. A maioria estava dormindo nos aposentos do lado Oeste e outras estavam no
altar principal fazendo a vigília de costume. Sentimos apenas o forte tremor e o som
horrível. – A sacerdotisa respondeu.
- Pelo menos o dano foi menor do que imaginei. – Calíope se sentou na cama, incapaz
de continuar de pé. – Demos o azar de estar no lugar errado...
- Não, majestade. Vocês deram sorte. – Sven comentou. – Se não estivessem nos
arquivos, estariam dormindo e... Nem quero imaginar...
Calíope se levantou e colocou uma mão no ombro do Tiger, imaginando o quanto deve
ter sido difícil para ele acreditar que a Rainha e o único herdeiro conhecido do trono
mortos. – Vá descansar, meu amigo. Você fez um excelente trabalho, como sempre, mas
preciso que vá descansar. Teremos um dia bem longo e umas bundas leoninas pra chutar.
L i k a s t í a 0 3 | 107

- É, velho. – Done chegou com uma mão na lateral de seu corpo. Uma sacerdotisa de
cura obviamente contrariada o seguia tentando impedir que ele fizesse esforço e, claro,
falhando. – Você não é mais um jovenzinho pra ficar saltitando por aí no meio da
madrugada.
- Eu não sou velho, rapaz. – Sven ergueu o queijo orgulhoso. – Sou....experiente.
A sacerdotisa chefe sinalizou para a jovem sair e a moça obedeceu aliviada.
- Ou seja, velho. – Done sorriu.
- Você devia estar na cama, meu filho. – Calíope reclamou.
- A senhora também, mãe, mas obediência nunca foi o forte em nossa família.
- Vamos, Sven. – A Sacerdotisa chamou e Sven, como um perfeito cavalheiro, enlaçou
o braço no dela. – Não adianta tentar fazer esses dois obedecerem a um repouso mesmo.
- Ah, Sven. – Calíope chamou. – Quem era a jovem que nos salvou?
- Oh, sim. Nira.
- Não me refiro à Sentinela. Mas é bom saber que ela nos ajudou. Vou me lembrar de
recompensá-la.
- A quem se refere, majestade? Ela nos guiou com uma história estranha sobre vozes
em sua cabeça. Claramente, produto de trauma. – Sven comentou, fazendo uma nota
mental para indicar um tratamento da mente para Nira.
- Uma voz jovem. Não foi trauma, Sven. Eu também ouvi. Até me perguntou se eu
estava bem.
- Também ouvi, mas pensei que era um sonho. – Done comentou.
- Curioso. Não reconheceu a voz, majestade? – A sacerdotisa perguntou.
- Não. Nunca a ouvi.
- Nem eu. – Done confirmou.

~o ⭐ o~
- Scylla.
- Senhor Hieron.
- Você se assustou com o tremor de ontem?
- Acredita que nem vi? Eu dormi tão pesado ontem que foi até difícil acordar hoje. –
Scylla sorriu, seus longos dentes brancos quase brilhando sob o sol.
- Eu também. – Hieron sorriu. – Só acordei porque minha esposa se assustou. Sabe...
Minha filha está em Tiger e Ciara acabou entrando em pânico.
- Oh, é mesmo. – Scylla pegou a cesta das mãos do leonino. – E como elas estão?
- Ane mandou um recado hoje cedo através do príncipe Tiger. Sabe como é. Com tudo
o que aconteceu, as comunicações estão muito restritas. Mas ela está bem. Disse que tem
uma ótima notícia.
L i k a s t í a 0 3 | 108

- Isso é bom. Em tempos difíceis, boas notícias são uma bênção divina. – Scylla disse.
- Sim. Estou curioso. Quanto à minha mulher, ela está bem. Saí e ela ainda estava
dormindo esgotada. Deve ter ficado até de manhã acordada, preocupada.
- O senhor virá para o pronunciamento do Rei?
- Claro. Não gosto dessas coisas, mas é importante se manter informado nesses
momentos. – Hieron se despediu da moça.
Ela se virou para entrar no palácio leonino, passou pela porta e jogou a cesta em um
canto no chão. Scylla pegou o vestido leve, azul claro, semi transparente, tirou a roupa
pesada que usava e se trocou.
- Bom dia, Scylla. – Uma jovem a cumprimentou assim que passou pela porta.
- Bom dia. Como estão todos?
- Bem. Só uma das amigas da Rainha que não acordou ainda.
- Scylla, que bom que chegou, criança. – A sacerdotisa apareceu e as duas jovens se
endireitaram.
- Senhora. – Scylla saudou sua mestra.
- A Sacerdotisa do Templo de Kallisti convocou curandeiras de todos os templos
menores para ajudar no palácio. Você foi uma das selecionadas. Venha comigo.
Scylla conteve sua preocupação e seguiu sua mestra até o escritório dela.

~o ⭐ o~
Sunny acordou com uma dor de cabeça chata que não passava de jeito nenhum. Ao
tentar se levantar, sentiu sua mão pesada e olhou para ela, se deparando com Alart
sentado no chão, dormindo com a cabeça apoiada no colchão e segurando sua mão.
Ao sentir um movimento sutil, ele acordou. – Sunny!
- Oi. – Ela sorriu.
Ele resumiu o que havia acontecido, sempre beijando seu rosto, aliviado por vê-la
acordada de novo. Logo Ane fugiu de seu quarto para o de Sunny, deitou do lado dela na
cama, quase sentadas com as costas apoiadas na cabeceira, fofocando.
- Eu tenho que avisar pra minha mãe se proteger...
- Não. – Sunny disse.
- Como assim “não”? – Ane olhou para a amiga. – Eu sei que ela não agiu certo com
você e ainda não entendo o motivo, mas ela é minha mãe, Sun. Tenho que avisar pra ela
sair de perto do rei e se proteger.
- Sua mãe não precisa de proteção, Ane.
- Sunny! Minha mãe não é um monstro!
- Ane. Ela estava no meu cativeiro também.
- Isso não faz sentido. Não foi o Rei...
L i k a s t í a 0 3 | 109

- Ela só está usando ele.


- Do jeito que você fala, até parece que minha mãe é uma vilã perigosa, assassina...
- Ela é.
- Acho melhor a gente mudar de assunto. Vou pedir pra falar com ela...
- Ane, não quero te magoar, mas também não quero mentir. Já menti pro Alart e não
gosto disso. – Sunny suspirou.
- No que você mentiu? – Ane perguntou.
- Sua mãe e Téo falaram de mortes que eles tinham causado. Eu sei quais mortes são
essas.
- Mesmo se fosse verdade, aposto que minha mãe não fez por querer. Ela pode ter
sido ameaçada....
- Ela matou a mãe do Alart a mando do Rei. – Sunny disse. – E...
- E...?
- Jana. Sinto muito.
Ane saiu da cama em um pulo, furiosa. – Você não pode falar essas coisas sem saber!
Você não...você...
Alart e Done foram levar um lanche para Ane e, não a encontrando no quarto,
seguiram para o de Sunny onde acreditavam que elas estariam. Ao entrar, viram essa cena
e se aproximaram.
- O que aconteceu? – Alart perguntou.
- Pergunta pra ela! – Ane disse entre lágrimas.
- Eu só disse a verdade. – Sunny respondeu, sua cabeça doendo mais ainda com a
histeria de Ane.
- Ela acusou minha mãe de.... – Ane desabou no choro.
- Você falou pra ela do caso com Téo? – Done perguntou incrédulo, com Ane chorando
em seu peito.
Sunny olhou feio para ele e Ane se afastou para olhar em seus olhos.
- Que....que...caso... Grande Kallisti... – Ane sentiu seu mundo desabar. Sua mente
exibiu vários momentos aparentemente inocentes, mas que, pensando bem, eram
suspeitos. Nunca fizeram sentido porque ela nunca imaginou seu tio e sua mãe como
amantes. Mas agora? Agora parecia tão evidente.... – Não. Eu....
Done se chutou mentalmente por falar demais.
- Minha mãe...traindo meu pai....e matando Jana e a rainha? Isso...não pode ser.
Alart enrijeceu e Sunny evitou seu olhar.
- Que...rainha? – Ele perguntou, já sabendo a resposta pela reação dela.
L i k a s t í a 0 3 | 110

- Arman encomendou a morte de sua mãe para Ciara, por isso ele agradeceu dando
tanto poder no palácio pra ela. E ela e Téo mataram Jana porque a menina viu eles dois se
pegando. Pronto, falei. – Sunny soltou de uma vez.

~o ⭐ o~
- Leoninos, irmãos, meus filhos! – Arman falou de uma varanda para uma multidão
abaixo. – Nós somos um povo de paz. Porém, mais uma vez, os Tiger, sempre
descontrolados, nos atacaram sem motivos. Ontem recebi a notícia da morte de meu filho,
nosso amado Alart, pelas mãos da Rainha que já planejava também nos atacar.
Infelizmente, não tive outra opção a não ser revidar. Mostrar para eles que não somos
indefesos, fracos!
Téo ao lado de Arman observava o discurso com expressão solene. O povo parecia
revoltado, louco para vingar a morte do jovem herdeiro do trono, tão amado e respeitado.
- Hoje, com a morte da Rainha e do Príncipe Tiger, vamos tomar o reino deles e nunca
mais eles vão ter coragem de nos atacar! – Arman disse.
Hieron que ouvia da multidão, mantinha os braços cruzados, sério. Isso é loucura. Se já
vingou a morte do príncipe, guerrear é desnecessário... Ainda bem que não sou político.
Scylla ao lado deles, cumprimentou Hieron e Ciara, depois se virou e saiu. Logo as
coisas ficariam difíceis.

~o ⭐ o~
Só tenho uma coisa a dizer: detesto burrice e incompetência.
L i k a s t í a 0 3 | 111

Capítulo 17
Gosta de confusão? Não? Então o que está fazendo aqui? Ok, ok. Hoje só coisas
bonitas e pacíficas. Sério....

~o ⭐ o~
No palácio Tiger, Calíope estava consolando Ane que chorava sem parar. O dia todo a
moça se manteve forte, deixou o assunto pesado de lado, mas agora, na cama com a
cabeça no peito da Rainha, Ane não conseguia parar de chorar. Mais cedo Sunny pediu para
a Sacerdotisa de Kallisti testar sua memória na frente de Ane, Calíope, Done, Alart e Sven
para mostrar o que ela tinha ouvido em seu momento dentro do cristal. Apesar da confusão
de Sunny naquele momento, a voz de Ciara era clara para todos. Não só a dela, como a de
todos que passaram por aquele cativeiro. Além de uma voz que nenhum deles conhecia,
nem mesmo Sunny. Ane passou mal com a emoção e Sunny desmaiou, caiu e os pontos na
cabeça começaram a sangrar. A Sacerdotisa socorreu as duas, com ajuda de uma jovem
sacerdotisa de um templo menor na cidade.
- Meu pai... – Ane chorava de um jeito que quase não conseguia mais respirar. –
Ele...ele não merecia isso...
- Não. Ele parece um bom felino. – Calíope deixou sua magia fluir para as mãos,
criando um calor suave e o usando para passar a mão na coluna de Ane, acalmando um
pouco a jovem.
- Eu conto pra ele? Eu não conto? O que eu faço? – Ane desabou no choro de novo.
- Ane, meu amor, você precisa se acalmar. Isso não vai fazer bem para o bebê.
Mas Ane não parava, soluçando, numa tristeza de dar dó. A moça só parou de chorar
quando, exausta, desabou em um sono pesado.

~o ⭐ o~
- Mãe. Está quase na hora. Eu sei que a senhora não aprova o que tenho feito todos
esses anos, mas... É necessário. – Scylla limpou o túmulo simples e sem nome, colocou uma
flor vermelha-vibrante sobre a pedra e limpou uma lágrima teimosa. – Parece até castigo
seu por tudo que tenho feito. De tantos felinos pra amar... Eu não podia sentir isso por
qualquer outro? – Ela suspirou. - Pede por mim aí para Kallisti. Vou precisar de toda
proteção que puder conseguir.
Ela se levantou, jogou um beijo para o túmulo e um para o céu como era costume,
caminhou por trás de uma árvore dentre as muitas naquela floresta semi-densa e o cenário
ao seu redor assumiu a forma conhecida do palácio, embora agora aquela área fosse mais
escombros do que qualquer outra coisa.
- Você!
L i k a s t í a 0 3 | 112

Scylla se manteve calma e pensou se havia cometido algum erro na passagem, algo
que pudesse denunciá-la. Nunca acontecera antes. Ela sempre foi cuidadosa. Mas...
- Senhora? – Ela sorriu inocentemente.
- O que faz nesses escombros? – A Sentinela pareceu intrigada.
- Vim rezar pelas almas das pobres aves que perderam a vida sem motivo. – Scylla
respondeu tristemente. Não era mentira, mas também não era totalmente verdade.
- Claro. Entendo. Se para aqueles acostumados com a morte como eu já não foi fácil
ver pobres animais morrerem assim, imagino para jovens sacerdotisas como você. – Nira
ficou séria. – Mas foi bom encontra-la. Preciso de uma de vocês para ajudar nos cuidados
de feridos. Venha comigo.
Scylla acenou e seguiu para fazer seu trabalho. Aquela parte do palácio estava tão
intacta que nem parecia ter havido uma explosão tão destrutiva do outro lado. Eu preciso
dormir. Ela pensou. Além do cansaço extremo pela energia gasta, ela nem se lembrava a
última vez que dormira. Scylla treinou seu corpo desde os 10 anos para aquele nível de
resistência, mas até ela tinha seu limite. E esse limite estava perigosamente perto de ser
atingido.
- Aqui. – Nira sinalizou para uma porta, bateu e esperou a permissão para entrar.
Assim que uma voz respondeu, Nira abriu a porta, passou primeiro e Scylla foi logo atrás,
apenas para congelar por alguns segundos antes de seu autocontrole assumir de novo. –
Encontrei uma jovem para ajuda-la. Esta é... – Nira percebeu tarde demais que não tinha
perguntado o nome da jovem.
- Scylla, minha jovem, entre. Não sabia que tinha sido convocada. – Sven se
aproximou, cumprimentou a moça e a guiou para dentro.
- Quem é essa moça linda, Sven? – Done perguntou com um sorriso malicioso para o
velho Tiger.
- Não seja maldoso, Done. Não acho que ela seja namorada dele. – Sunny comentou e
Ane escondeu um risinho com a mão.
- Eh, você tem razão. Ele é velho demais para uma moça tão bonita. – Done piscou
para ela e Sven ficou na frente da moça protetoramente.
- Eu não sou velho. – Sven disse. – Sou....
- Experiente. – Done, Sunny e Alart disseram ao mesmo tempo, arrancando risos de
todos na sala, até mesmo de Scylla.
- Parem com essa bobagem e deixem a garota vir me ajudar. – A sacerdotisa deu um
tapinha na mão de Sunny que tentava tirar o curativo sozinha.
- Altezas, ladies. – Scylla cumprimentou educadamente, em voz super baixa, e ficou ao
lado da Sacerdotisa. – Em que posso ajudar, Grã-Mestra?
L i k a s t í a 0 3 | 113

- Segure isso e me ajude com um feitiço de cicatrização. Algo suave. Não queremos
atrapalhar o processo natural e deixar o organismo dependente. – A Sacerdotisa orientou e
Scylla fez seu exercício mental de ocultação antes de deixar sua magia fluir. Pelo menos um
fragmento dela. Mesmo com seu controle, foi impossível não sentir aquela vida de novo,
fluindo calmamente.
Ao terminar ela sentiu que realmente precisava descansar. Scylla nunca perdera a
consciência perto de ninguém. O que era algo comum quando as novatas treinavam sua
magia até aprender seus próprios limites. Mas ela não. Ela não podia perder a consciência
ou seria atendida por outros magos de cura e, sem seu controle consciente, levaria menos
de dois segundos para eles perceberem sua magia totalmente.
- Aqui. Me ajude a avaliar esta jovem mamãe. – A Sacerdotisa disse e Scylla teria
chorado se não fosse tão boa em mascarar absolutamente tudo em sua vida. Ao lado de
Ane, as duas usaram seus dons para verificar a mãe e o bebê, guiar o sangue para evitar
inchaços e detectar vitaminas que os dois corpos precisavam.
- Tudo bem? – Ane perguntou, estranhando o silêncio de Scylla que evitava até olhar
para ela.
- Sim, minha jovem. – A Sacerdotisa respondeu. – Precisa beber mais água e comer
menos doces.
- Mas eu fico indo no troninho toda hora e doces me deixam mais....feliz. – Ane deu
um sorrisinho.
- Ir no “troninho” toda hora é natural, querida. Quanto aos doces... Menos é sempre
melhor. – A Sacerdotisa se virou para Scylla. – Seu plantão termina agora?
Scylla acenou com a cabeça e viu a Rainha passando pela porta comentando algo com
Sven. Merda.
- Pode ir descansar, querida. Você parece perto da exaustão. Tome. – A Sacerdotisa
colocou um pedaço de bolo na mão da jovem.
- Vamos, Scylla. Eu te acompanho. – Sven colocou uma mão sobre o ombro dela, a
guiando para fora, virou a cabeça para trás e viu Done simulando um beijo apaixonado na
parte de trás da mão. Sven, como o adulto maduro que era, mostrou a língua para o rapaz e
saiu ouvindo a gargalhada de Done e Sunny até metade do corredor.

~o ⭐ o~
Arman e Téo passaram pelas tropas alinhadas perfeitamente no pátio principal do
palácio.
- Quando posso mandar atacar? – Arman perguntou.
- A qualquer momento, majestade.
L i k a s t í a 0 3 | 114

- Ainda não decidi o método de envio, mas pensei no que você disse. Pode ser útil. E
quanto a garota?
- Tivemos uma pista dela em uma caverna, mas, devido a chuva de ontem, não temos
nenhum rastro. – Téo respondeu. – Nós vamos encontra-la e a usaremos para a arma.
- Não. Eu já matei a raça imunda dos Tiger reais. A guerra está vencida antes mesmo
de começar. Agora Sunny será mais útil como mãe do meu herdeiro. Encontre-a e logo
teremos um herdeiro com uma poderosa magia onírica.
- Assim será feito, majestade.

~o ⭐ o~
Calíope terminou a cerimônia colocando o manto e o pequeno cetro nas mãos de
Sunny ajoelhada na sua frente. Sunny se levantou e virou para a plateia formada por Alart,
Done, Ane e vários nobres, soldados, sacerdotisas, magos, comerciantes, todas as pessoas
importantes e de confiança da região.
- Tigers, eu apresento a Duquesa e Ministra do Litoral Selvagem, Sunny Tiger. – Calíope
disse oficialmente.
Sven, ao lado da Rainha, sorriu para Scylla na plateia e fez uma nota mental para
tentar convencer a menina, mais uma vez, a deixar ele apresentá-la para a Rainha. Em
geral, eventos de nomeação e nobreza tinham uma festa e um banquete, mas isso teria que
esperar. Calíope dera ordens para que o mínimo de movimento externo fosse realizado no
palácio, nem mesmo fazendo um pronunciamento para seu povo ou confirmando se a
família real estava viva ou não. Se sua teoria estivesse certa, e ela apostava que sim, logo
Arman daria um passo em falso.
Ane guiou Sunny para um quarto próximo e Done levou Alart para outro. Sven
procurou de novo Scylla na plateia, mas a moça tinha sumido.
- Parece decepcionado, amigo. – Calíope comentou sem olhar para ele. – Procurando
alguém? Uma certa moça jovem e bonita?
- Eerr.. – Sven se sentiu um garotinho pego aprontando.
- Eu vi o jeito que você olha pra mocinha que mais parece muda. – Calíope se virou
para ele. – Achei que fôssemos amigos, mas eu nem sabia que ela existia, muito menos que
você tinha uma namorada.
- Ela não é minha namorada. – Sven coçou a nuca, sem graça. – Mas é uma mocinha
inteligente, bem-humorada, um pouco quieta demais às vezes, mas um doce. Eu queria
apresentá-la, mas ela é muito tímida e nunca deixou que eu a trouxesse aqui.
- Ela pode até não ser sua namorada, mas que você gosta dela, aah, gosta. – Calíope
brincou.
L i k a s t í a 0 3 | 115

Algum tempo depois de muita fofoca, mulheres nobres rindo, brincando e ajudando a
arrumar a moça, Sunny aguardou o sinal para sair. As portas de cada quarto ficavam
próximas da entrada do salão, uma na frente da outra, com a porta principal do salão as
separando e um corredor longo levando até onde Calíope aguardava, Sven pouco atrás
dela. Done saiu do quarto onde Alart estava e sentou na primeira fileira de bancos logo na
frente. Alguns minutos depois, Ane saiu do quarto onde Sunny estava e se sentou ao lado
de Done.
- Você está bem? – Ele perguntou baixinho para a moça que tinha os olhos um pouco
inchados.
- Sim. – Ane respondeu.
- E minha filha?
- Filho. – Ane corrigiu, embora ninguém soubesse o sexo ainda. – Está bem. Relaxe.
Duas sacerdotisas bateram uma única vez, bem de leve nas portas de cada quarto e
abriram totalmente porta principal do salão. Alart abriu sua porta e Sunny a dela. Sven e
Calíope de pé no altar viraram de costas e todos os convidados viraram os rostos para o
lado oposto ao corredor. Os guardas fazendo a segurança do local olhavam para as saídas e
até para o teto. O casal se encontrou no meio do caminho, ficando no centro da saída e do
início do caminho. Eles se viraram para o altar, deram as mãos e caminharam firmemente
até para no primeiro dos três degraus que subiam para o altar. Todos então se voltaram
para frente, olhando atentamente o casal. Alart deu um beijo na testa de Sunny e ela fez o
mesmo com ele. Os dois olharam para a Rainha que sinalizou para eles subirem, dando o
sinal de que o casamento realmente era uma união testemunhada por todos ali. Os dois
subiram e pararam de frente para a Rainha, ajoelhando-se em seguida.
- Filhos de Kallisti, vocês são um casal perante os olhos de quem? – Calíope iniciou o
ritual.
- Os nossos olhos. – Eles responderam.
- O que os une?
- A cumplicidade, o amor e lealdade. – Eles disseram e aqui Ane quase chorou de novo.
- Vocês desejam se unir pelas nossas leis para, viver juntos, sempre juntos, lutar em
uma vida a dois contra qualquer dificuldade, comemorando os momentos de felicidade,
educando os filhos se tiverem?
- Sim. – Alart respondeu, mal esperando Calíope terminar.
- Sim. – Sunny conteve um risinho. Se começasse a rir era bem capaz de entrar em um
riso nervoso incontrolável.
- Vocês trouxeram algum símbolo para esta união?
L i k a s t í a 0 3 | 116

Alart tirou um anel do bolso e colocou no dedo indicador da mão direita de Sunny. Ela
fez o mesmo com uma aliança prateada na mão dele e esfregou seu focinho no dele em um
gesto de carinho que quase o fez explodir de emoção.
- Vejam! – Calíope apontou para a enorme porta aberta e o casal olhou para lá. –
Aquela é a saída. Se, por qualquer motivo que seja, um de vocês, ou ambos, não desejam
este casamento, saiam por lá agora ou fiquem juntos para sempre.
Todos os convidados bateram os pés violentamente e o coro de vozes altas,
aparentemente irritadas, gritou: SAIAM! SAIAM! SAIAM! SAIAM! SAIAM!, até mesmo com
algumas vaias.

Confesso: é minha parte preferida nos casamentos Tiger.

Apesar do som quase ensurdecedor e da ameaça no ar, o casal se manteve inabalável,


de mãos dadas, olhando para frente onde a Rainha estava. Depois de alguns segundos que
pareceram uma eternidade, Calíope ergueu uma mão silenciando a plateia e anunciando.
- De hoje em diante, Sunny e Alart, vocês são namorados, paqueras, noivos, cúmplices,
amigos e casados oficialmente. Que Kallisti os guie sempre e uma suas almas com sua
beleza e amor.
Sunny e Alart se levantaram para que eles dessem um selinho finalizando a cerimônia.
Mas Alart simplesmente a puxou, inclinou para baixo em seus braços e a beijou a ponto de
deixa-la sem fôlego.
- AEEEE, IRMÃO! – Done gritou enquanto aplaudia, puxando o aplauso e assovios de
toda a plateia.
Ane e Calíope trocaram um olhar carinhoso que não passou despercebido por alguns
nobres e comerciantes no local.
- Será que finalmente teremos um casal no trono Tiger? – Um comerciante de joias
perguntou esperançoso.
- Tomara. – Um nobre e comerciante de carnes comentou. – Se uma guerra eclodir
mesmo, precisaremos de toda boa notícia que pudermos.

~o ⭐ o~
Ismir estava furioso, agoniado, sem saber o que acontecia lá fora, depois da explosão.
Ele não era informado nem de quanto tampo estava ali, sem janelas ou qualquer coisa que
desse uma dica da passagem do tempo. Até mesmo as alimentações que eram levadas para
ele seguiam um ritmo e menu inconstantes, de forma que não dava pra saber o tempo
usando isso. Ele estava enlouquecendo, tão cheio de raiva que sentia que poderia brigar
mesmo com um fantasma.
L i k a s t í a 0 3 | 117

- Você está horrível.


Ismir deu um pulo de susto, pois não tinha ouvido nada além daquela goteira irritante
na cela.
- Por fora, quero dizer. Por dentro você sempre foi horrível mesmo. – Scylla se
aproximou da grade, ainda sim, ficando a um braço e meio de distância.
- Quem é você? O que quer? Ah... Sei o que você quer... – Ismir olhou para ela de cima
a baixo, com luxúria e crueldade estampados. – Vem aqui que dou um trato em você,
menininha.
- Oh, sim... Do mesmo jeito que queria fazer com a sua filha? – Scylla perguntou com
nojo.
- Eu não tenho...
- Filha? Assim como também não tem irmã, não é? A mesma que você vendeu por
uma noite com um monstro e depois a jogou fora, quase morta.
- Quem é você? – Ismir perguntou, imaginando quem poderia saber isso. Ele contou
mentalmente, tentando lembrar se alguém que sabia disso, algum dos servos, tinha
sobrevivido.
- Não. Acredito que não. – Scylla olhou tranquilamente para as garras pintadas de
vermelho, algo que deu arrepios em Ismir. – O rosevinho envenenado que você serviu para
todos os empregados que sabiam do seu segredo sujo foi bastante eficaz.
- Como você sabe o que eu...
- Está pensando? Fácil. Nem preciso de telepatia, que por sinal eu tenho em enorme
quantidade. Você é transparente quando encurralado. Transparente como cianeto. – Scylla
olhou para ele, sem nenhuma traço da moça tímida, discreta, sem amigos e inocente que as
pessoas conheciam.
Ismir conhecia aquele olhar. Ele conhecera muitos assassinos frios na vida, inclusive
ele próprio.
- Aquela vadia no trono Tiger mandou você pra me matar? Quanto ela pagou? Eu pago
mais. O dobro, se quiser. Basta dizer o preço.
- Que decepcionante. Tanto tempo matando e sendo o merda cruel que você é, foi
quase inalcançável, só caiu por sua burrice e seu fraco por mocinhas que o lembrassem sua
filha... E agora está aí, implorando para negociar sua vidinha de merda. Eu esperava o
mínimo de orgulho Tiger... Quanto a sua oferta, sacie minha curiosidade. Como exatamente
você pretende me pagar?
- Eu tenho posses, sou rico, um nobre e ministro de toda uma região do reino.
- Oh... Uma região? Fala do Litoral Selvagem?
- Sim...
- Aquele governado pela Duquesa e Ministra Sunny?
L i k a s t í a 0 3 | 118

- Espera, o que?
- Aquela mesma que você escravizou, vendeu, agrediu e não reconheceu oficialmente
como SUA filha, a mesma que você queria levar pra cama e esperou anos pra fazer isso? A
mesma resgatada pelo Príncipe Leonino?
- Não....aquele...ele era meu servo... – Ismir estava mais confuso do que antes. – Eu
vou comer aquela vagabunda ingrata até ela perder a consciência! Depois vou continuar
pegando ela desmaiada mesmo!
- Ah, fala da Princesa Leonina? Aquela que acabou de se casar com o Príncipe Alart?
- Impossível!
- Oh, não. É muito possível. A própria Rainha assinou o reconhecimento da herança
dela e fez o casamento. Sabe o que é mais legal... Todo mundo já sabe sobre o bosta que
você é e a herança de Laos. – Scylla sorriu como a predadora que era. – Divertido, não
acha?
- NÃO! EU VOU MATAR TODOS ELES! TRAIDORES! ANIMAIS!
- CALA A BOCA, MALUCO! – Um Guarda gritou de fora da porta pesada de ferro no
início do corredor ao longe.
Scylla nem se abalou. Ismir berrava feito doido várias vezes nesse tempo preso.
Nenhum Guarda se abalava mais nem para olhar pelo visor na porta.
- Vai! Me tira daqui, vadia! Eu vou dar um jeito de te pagar, nem que tenha que roubar
da piranha da Rainha.
- Oh, você ainda não entendeu, não é? Qualquer coisa que venha de você é menos do
que nada para mim, TIO.
Ismir olhou para ela, as unhas vermelhas como sua meia-irmã gostava de pintar... O
mesmo sorriso... – Yara morreu depois que o cara que pagou por ela a usou como quis por
dias..
- Semanas. Minha mãe foi abusada e torturada por SE-MA-NAS! Sabe o que é isso, não
é? – Scylla ergueu um martelo de cabo de aço, velho, um pouco enferrujado em algumas
partes.
Ismir deu um passo para trás dentro da cela. Era a primeira vez que ele ficava feliz por
estar preso. – Você...tem os olhos do seu pai. A mesma expressão falsamente inocente.
- Oh, acha que me ofendo com isso? Acha que não conheço perfeitamente cada traço
daquele maldito? Cada segredo sujo de todos vocês? Felizmente herdei mais da minha
mãe... – Ela murmurou e depois acrescentou com um olhar tão maligno que fez o sangue
de Ismir gelar. - Menos a bondade.
- Você...você não pode me tocar... Eu estou aqui e você a... – Ismir congelou quando a
moça abriu um portal com bordas formadas por uma luz clara, branca, com raios vermelhos
ocasionais. O portal abriu uma passagem em forma de triângulo entre as grades. Ele a
L i k a s t í a 0 3 | 119

olhou confuso, procurando por um transportador, o objeto que canalizava energia mágica
para abrir esse tipo de portal, algo que precisava de muita energia de vários magos para
portais pequenos. Mais ainda para os maiores. Mas ela não carregava nenhum.
Scylla atravessou lentamente, o portal se fechando atrás dela assim que ela passou.
Lutando por sua vida, Ismir correu para Scylla, com garras à mostra, mirando no pescoço
para dar um golpe mortal na jovem. Mas, antes mesmo que pudesse chegar perto o
suficiente, Scylla esticou o braço e acertou um soco potente o suficiente para jogar o tio na
parede ao fundo. Ismir bateu a cabeça na parede de pedra úmida e caiu no chão com um
baque oco. Scylla andou até ele calma e inabalável. Ismir tentou se levantar, seus braços
trêmulos, mas logo levou um chute na barriga, com as garras dos pés de Scylla à mostra. Ele
sentiu o fôlego sumir, seu grito sem som.
- Minha mãe sofreu tanto... Viveu na floresta inabitada por meses, cuidando de suas
feridas – Scylla deu um soco no meio da coluna de Ismir, que caiu de volta no chão – com
ervas, caçando como um animal – outro soco na lombar – até que eu nasci, no meio de uma
tarde que alagou a caverna onde ela se abrigava, fazendo ela se abrigar embaixo de uma
árvore de flores vermelhas. Irônico, não é. Minha mãe sempre amou vermelho...
- Pa...pare...eu pos..so...compensar....voc... – Ismir sentiu o corpo tão dolorido, tão
ferido pelas garras dela que não sabia se conseguiria levantar.
- Me compensar... Eu queria ser como minha mãe. Mesmo depois disso, de viver uma
vida pobre e doente, de sair da floresta sozinha, cuidar de mim, de sofrer com as sequelas
do abuso por 10 anos, ela ainda te perdoou. É... Ela perdoou você e aquele merda que
abusou dela, pedindo sempre para que os deuses iluminassem suas almas. Quando a
doença tomou conta de seu corpo, jogando ela na cama, eu ouvi ela chorando com
pesadelos e pedindo socorro pra você. Depois de insistir muito, ela me contou minha
origem pedindo para que eu não odiasse vocês, que eu vivesse em paz, aceitasse a oferta
do templo que queria me testar e treinar a magia que começava a despertar. Sunny é como
minha mãe. Você teve duas mulheres de bom coração na sua vida.
- Me perdoe...sobrinha. – Ismir só queria uma chance para se recuperar e se vingar.
- Eu queria ter um bom coração assim... – Scylla murmurou. – Mas eu não sou e é isso
aí.
Ela deu uma martelada no joelho direito dele.
- VADIAAAAAAAAAAAAAAAA! – Ismir berrou de dor.
- CALA BOCA, MALUCO! – O Guarda gritou lá de fora novamente.
- Acho que ele tem razão. – Scylla disse com um sorriso, erguendo a cabeça do tio com
uma mão. – É melhor eu calar essa sua boca imunda.
L i k a s t í a 0 3 | 120

Ela deu um golpe na garganta dele, causando uma dor lancinante, como se algo tivesse
atingido suas cordas vocais. E tinha mesmo. O golpe conhecido por alguns espiões de elite
tirava a capacidade da fala por alguns minutos e era extremamente doloroso.
- Assim está melhor. – Ela soltou a cabeça dele que caiu com um baque no chão,
quebrando vários de seus dentes.
Não aguentando a dor e o medo, Ismir urinou em si mesmo. Eu vou te matar! Ele
pensou.
- Eu sei que mataria se pudesse. Você estava sentado em uma poltrona observando
minha mãe ser torturada e implorar pela sua ajuda... Oh não, ela não me contou. Eu vi nas
memórias dela nas muitas vezes que usei minha telepatia sem que ela soubesse. Mas eu sei
que você gargalhou quando ela foi drogada e aquele verme usou uma coisa específica para
violentar minha mãe na vigésima terceira vez. Você lembra o que foi, não é? – Scylla sorriu
ao ver o terror nos olhos dele. – Bem, vamos começar tirando essa coisa nojenta.
Ismir se debateu, mas Scylla deu um soco nas genitálias dele e, antes que pudesse
reagir, ela cortou a calça dele com um golpe de suas garras afiadas. Ismir entendeu o que
viria e tentou lutar, mas sua coluna não obedecia, suas pernas pareciam pesadas demais. O
terror fez com que ele começasse a desmaiar, mas Scylla previra isso e deu um tapa forte
na cara dele e o chutou para rolar até ficar de novo de barriga para baixo.
- Nãnanina não. Vocês não deram o luxo da insconciência para minha mãe. Então você
também não o terá. – Com um chute ela abriu as pernas dele, sentou na parte de trás dos
joelhos do Tiger e pegou o martelo preso na cintura, mirou no ânus dele e enfiou alguns
centímetros num único golpe. O prazer vingativo que isso lhe deu fez Scylla fechar os olhos
por um segundo, aproveitando.
Ismir gritou em sua mente, mas sem som em sua garganta. SUA DOENTE!
- O que? Você quer mais? Claro, às suas ordens, tio. – Com um sorriso maligno, Scylla
empurrou em um golpe o cabo todo, 41 centímetros de cabo, no ânus dele. O sangue
escorreu junto com dejetos, sujando a cabeça do martelo. Mas Scylla não parou, mesmo
ouvindo os gritos incoerentes e o desespero do tio na mente dele. Aquilo era música para
seus ouvidos depois de tudo que vira na mente da mãe, tudo que a assombrava durante as
noites em que tinha pesadelos com essas imagens, sons, cheiros...
BASTARDA SÁDICA! Ismir berrou mentalmente, grunhindo enquanto sua voz ameaçava
voltar.
Ela se levantou, agachou na frente do rosto dele e sussurrou em seu ouvido. – Duas
verdades incontestáveis, titio.
Sem pena, ela ergueu o martelo e golpeou a cabeça dele uma vez, duas, três, tantas
que ela perdeu a conta.
L i k a s t í a 0 3 | 121

PARE! POR FAVOR! EU IMPLORO! PARE....VOU MATAR VOCÊ. EU ODEIO... Foi o último
pesamento de Ismir.
Scylla, completamente banhada em sangue e pedaços do tio, abaixou o martelo, olhou
para a cabeça deformada, só uma massa de cérebro, pele, pelos e sangue. – A recíproca é
verdadeira, Ismir. Também te odeio.
Ela levantou, visualizou o local que pretendia ir, abriu o portal e sumiu, sem deixar
nada para trás.

~o ⭐ o~
Era fim de tarde e caía uma chuva torrencial em Jubay. Ciara entrou toda molhada e
ouviu Hieron gritar do escritório/mini oficina que ele usava para trabalhar quando estava
em casa.
- Ciara? – Ele chamou.
- Sim, sou eu.
- Você viu meu martelo? Aquele que Téo me deu de presente?
- Não. Sabe que não mexo nessa zona.
- Mas não está aqui. – Ele saiu do escritório e passou por ela sem nem a beijar. Já tinha
alguns meses que ela notou uma diferença nele, sutil, mas inconfundível. Ela tinha certeza
de quem o grande amor que ele sentia por ela tinha caído na rotina comum de um
casamento longo.
Felizmente não vou precisar de aturar por muito tempo, corno burro. Ciara pensou,
alegre com a confirmação de mais um passo do plano seguindo em perfeita ordem.
- Usa outro, ue. Você tem um monte dessas coisas aí.
- Mas eu gosto desse. Foi presente do meu irmão...
- Você não esqueceu na obra?
Hieron deu um tapa na testa. – Claro! Eu saí com ele ontem e não lembro de ter
trazido de volta. Só pode ser isso. Deve estar na construção. – Ele pegou um casaco e abriu
a porta.
- Você vai sair nessa chuva por causa de um martelo idiota?
- Não demoro! – Hieron saiu com o casaco na cabeça, correndo pelas ruas da cidade.
Quinze minutos depois ele usou a pedra mágica que se transformou imediatamente
em uma chave para abrir a porta do escritório da obra.
- Senhor Hieron! – Scylla gritou em meio a chuva, correndo para ele completamente
ensopada.
- Scylla! Menina o que faz na rua embaixo dessa chuva?
- Estava na loja ali, - ela sinalizou para o outro lado da rua que parecia um riacho agora
- vi o senhor chegando e corri para lhe dar isso.
L i k a s t í a 0 3 | 122

Scylla estendeu um martelo com cabo de ferro, lixado com perfeição, sem nenhum
traço do ferrugem que existia ali a uns anos. Até mesmo a cabeça do martelo parecia nova
de tão bem limpa e lixada.
- Meu martelo!
- O senhor esqueceu no banco da pracinha ontem. Eu levei para casa e guardei para o
senhor.
Hieron ficou emocionado com o gesto. – Venha, entre.
Ele guiou a moça para o escritório, acendeu a lareira, pegou duas toalhas dentre as
velhas que ele guardava ali e se virou para dar uma para Scylla. A visão o pegou de
surpresa, pois a menina já estava usando a lareira para improvisar um chá com um
caldeirão pequeno, velho e amassado que ele mantinha para esquentar comida às vezes.
- Você não precisa fazer isso.
- Tudo bem. – Ela respondeu distraída.
- Eu sei que a toalha não é das melhores, a panela é velha...as canecas também estão
sem alça... – De repente ele percebeu como tinha coisas não muito elegantes ali.
- Não tem problema. Se ainda dá pra usar, é o que importa. – Ela pegou uma toalha da
mão dele e se enrolou sem nem dar atenção para o estado velho e encardido do pano que
nem limpava mais de tão antigo. Scylla sentou na frente da lareira, no tapete macio, um
presente recente de Ane, uma das poucas coisas novas ali.
Hieron balançou a cabeça despertando a si mesmo e sentou do lado da moça. –
Obrigado. Eu vivo planejando limpar meu martelo, mas não tenho muita paciência com
esses trabalho mais sutis.
- Não foi nada. Eu gosto de cuidar de coisas úteis. – Ela respondeu.
- Você parece cansada. – Hieron disse, mas achava mesmo que ela parecia
emocionalmente cansada, só que não quis ser invasivo.
- Acho que estou. Ser forte pode ser cansativo às vezes. E solitário. – Scylla murmurou.
Em um impulso, Hieron puxou ela em um abraço. No início, Scylla ficou tensa, mas
logo amoleceu e sentiu que chorava, se xingou por isso, mas não conseguiu evitar. Hieron
ficou calado, apenas fazendo um cafuné nela, deixando a moça desabafar. Ele sabia como
isso ajudava em momentos de merda. Quando ela finalmente conseguiu se acalmar, ele
segurou seu rosto com as duas mãos.
- Você não precisa aguentar as coisas sozinha, menina.
- Desculpe. Eu não sei o que deu em mim. – Scylla se condenou por ter feito aquilo e
levantou.
- Scylla, você me ajudou quando eu precisava desabafar. Se não fosse por você, hoje
eu teria destruído minha vida. Nunca se culpe por precisar desabafar. Você é a felina mais
forte que conheço. É uma honra poder te ajudar a aliviar sua carga um pouco.
L i k a s t í a 0 3 | 123

Scylla se sentiu melhor, apesar de ainda envergonhada por seu momento de fraqueza.
Ela correu para a porta e disse antes de sair. – Obrigada. Não sabe o quanto me ajudou.
Hieron sorriu, mas não teria feito isso se soubesse à que “ajuda” ela se referia. Algum
tempo depois, Hieron entrou em casa apenas para dar de cara com sua esposa sentada no
sofá com uma expressão tensa no rosto.
- O que foi, Ciara?
- Você foi convocado para a guerra. – Ela mostrou um documento com o selo real.

~o ⭐ o~
Sunny e Alart estavam sentados de mãos dadas, curtindo a companhia um do outro e
aguardando. Ane estava protegida, sua porta send guardada por Nira, nomeada
oficialmente pela Rainha como guarda pessoal de Ane. Os ministros mais cedo foram
testemunhas da nomeação de Ane como mãe do príncipe ou princesa herdeira, o que a
tornava responsabilidade legal do reino Tiger.
Calíope e Done aguardavam Sven se despedia de Scylla, escolhida pela Sacerdotisa de
Kallisti para ficar ao lado de Ane cuidando da moça e do bebê naquela manhã. Scylla deu
um abraço em Sven e murmurou algo no ouvido dele. Lendo os lábios dela, Calíope e Done
entenderam que ela disse “tenha cuidado, por favor. Você é muito querido para mim.” Mãe
e filho se entreolharam e sorriram.
- A menina que nunca fala gosta dele? Poxa... Os novos e gostosos como eu não têm
chance então. – Done brincou.
- Ela fala, Done. A gente que nunca ouviu porque a menina é tão tímida que só fala
baixinho. – Calíope riu.
Sven se aproximou e seguiu ao lado deles para o local determinado. Mas o sorrisinho
de Done prenunciava o que viria. – Grande Kallisti... Me proteja desse menino.

Me tira dessa.

Calíope sorriu, mas ficou quieta, só esperando.


- O velho seduziu a menininha tímida heim. – Done riu e fez um gesto....

Como devo dizer....éééé....demonstrando certo ato oral sexual em moças, usando dois
dedos. Se não entendeu, problema seu.

Calíope não aguentou e gargalhou alto, atraindo os olhares dos soldados ao redor.
- Que coisa feia, rapaz.
- Não é não. Eu acho lindo, com aquela rachadurazinha no meio e...
L i k a s t í a 0 3 | 124

- DONE! – Sua mãe controlou o riso por dois segundos, até olhar para o boquiaberto
Sven. Aí foi demais para o pouco controle dela.
- Eu não... Ela não... Ah! Não adianta explicar. Você é um caso perdido. – Sven mostrou
a língua para Done.
- Eu sei... A gente usa a língua mesmo. – Done fez um joinha e uma cara de idiota,
fazendo Calíope quase cair para trás rindo loucamente.

~o ⭐ o~
O exército passou pelo enorme portal, mas, pelo tamanho e gasto de energia, apenas
um terço do exército passou antes dele se fechar com o transportador entrando em curto.
O resto, ficou do outro lado confuso, liderado por Téo que tinha ficado ao lado do
transportador guiando a passagem junto com o general. Do outro lado, pomposo, à frente
do exército, com uma espada sacada, Arman viu o portal se fechar, mas não importava. A
guerra já estava ganha mesmo, aquilo era só uma formalidade.
Erguendo a espada ele gritou para seus soldados avançarem. O grupo marchou em um
ritmo moderado pelas ruas completamente desertas. Ele estranhou inicialmente, mas nã
fazia diferença. A guerra estava ganha. Quando ele chegou perto do palácio e o viu
praticamente intacto, sua confiança oscilou, mas logo ele pensou. Não importa. Eles
morreram. A guerra já está ganha.
Sempre pomposo, Arman se virou para seus soldados que estavam com um péssimo
pressentimento sobre isso, ficando de costas para o palácio. – Hoje, irmãos, nós, os
Leoninos de Likastía, verdadeiros herdeiros do mundo, vamos tomar nosso lugar de direito!
O reino Tiger caiu aos nossos pés, seu povo covarde nem teve coragem de nos encarar!
Sem sua Rainha e o filho tolo dela, sem herdeiros, isso tudo é nosso!
Os portões principais se abriram e, juro, juro mesmo, Arman pensou que eram os
nobres e o exército se rendendo já que não tinham mais quem os liderasse.
O exército Tiger formou uma barreira que logo se dividiu em duas, com Calíope
surgindo no meio, Done logo atrás.
- Sem que Rainha, Arman? – Calíope disse, seu corpo visivelmente emanando ondas de
calor com a magia Tiger controlada com muito esforço.
- Tolo? Engraçado, só conheço um tolo e estou olhando para ele. – Done sorriu, mas
era um sorriso perigoso.
Arman congelou. – Não. Vocês....morreram.
- Fala do ataque ridículo que você lançou? – Calíope sorriu. – Só fez cócegas no meu
pé. Mas, se não se render, posso te mostrar o que é um ataque mágico de verdade.
Sem que ele nem visse ela mover a mão de tão rápido que foi, uma bola de fogo
atingiu o chão a centímetros do seu pé.
L i k a s t í a 0 3 | 125

- MATEM ELA! VOCÊS VIRAM! ELA ME ATACOU PRIMEIRO! – Arman gritou para seus
soldados. Os soldados, porém, não queriam uma guerra sem motivos. Muitos cresceram
com histórias horríveis de seus pais, sobre como seus ancestrais viveram sem partes do
corpo, aterrorizados, alguns enlouquecidos pela guerra entre as Duas Coroas no passado.
Mas Arman era seu rei, eles não tinham mais o que fazer, apenas obedecer seu líder.
- ELA MATOU ALART! – Arman berrou para fazer seu exército finalmente agir.
Funcionou. O exército ficou em prontidão para atacar.
- Me matou? – A voz de Alart surgiu antes que ele aparecesse atrás de Done e ficasse
ao lado da Rainha. Mas o que mais deixou Arman fulo foi a jovem que estava de mãos
dadas com seu filho.
- Sunny? – Arman sussurrou.
- Para você é PRINCESA Sunny. – Alart corrigiu. – Minha esposa.
- NUNCA! EU MATO VOCÊ ANTES DISSO, SEU TRAIDORZINHO!
Isso fez o exército soltar um suspiro audível.
Alart aproveitou o momento e disse: - Meu povo nobre de alma, vocês não precisam
lutar. Os Tiger têm mais motivos para lutar e mesmo assim estão dispostos a manter nossa
preciosa aliança.
- ALART, VOCÊ TRAIU SEU POVO...
- Cale a boca, pai. Estou oficialmente contestando sua posição como Rei. Aqui, na
frente do exército leonino e dos Tiger, eu convoco a Lei dos Protetores.
- Você...quem você pensa que é, seu moleque? Você nunca será rei! Não depois de
roubar o que é meu por direito!
Alart entendeu, mas se forçou a não entender ou teria arrancado cada um dos dentes
de Arman ali mesmo. O comandante daquela parte do exército deu um passo para o lado
de Arman e estendeu a mão. – Senhor, a Lei dos Protetores foi convocada. Por favor, me
entregue a espada.
- Seu ridículo, fracassado! Eu sou o REI e ORDENO que você mate esse traidor!
- Com todo respeito, senhor, enquanto a convocação não for resolvida, o senhor não
tem autoridade sobre o exército. Me entregue a espada.
Arman ergueu a espada num ataque que atingiria a barriga do comandante. Agilmente
ele pulou para o lado. Alart correu até o pai, seu corpo apenas uma massa negra ondulante,
até se materializar segurando a espada e dando um único chute na barriga de Arman que o
jogou a metros de distância. - Comandante, prenda o Rei. – Alart ordenou, com os pelos
todos eriçados.

~o ⭐ o~
Como eu disse.... Odeio burrice e incompetência. E adoro uma boa e cruel vingança.
L i k a s t í a 0 3 | 126

Capítulo 18
Estamos caminhando para outra guerra? Espero que sim. A guerra é uma das maiores
impulsionadoras da criatividade e da evolução tecnológica. Ou seja, a guerra é o
combustível para a evolução dos meus felinos fofinhos.

~o ⭐ o~
- Comandante, prenda o Rei. – Alart ordenou, com os pelos todos eriçados.
Arman tentou lutar, mas seu exército o cercou e subjulgou facilmente.
- Rainha Calíope? – Alart chamou, com dentes cerrados, se acalmando.
- Claro, rapaz. Fique à vontade. – Calíope respondeu, chamas ainda brilhando em sua
mão.
- SEU MOLEQUE... – Arman se debateu, mas três dos soldados leoninos o seguraram
firmemente.
- Acalme-se, pai. – Alart disse, finalmente se tranquilizando. – Você ficará em uma
prisão até tudo ficar pronto para o desafio ser cumprido. – Ele se virou para ir até sua
esposa.
- Você não é mais meu filho! Devia ter matado você junto com a burra da sua mãe!
Você não é ninguém! Eu não vou aceitar um desafio de um pivetinho de merda!
Se Arman tirasse o foco das costas de seu filho que permaneceu imóvel de costas,
teria visto o olhar furioso de seu exército.
Alart se virou calmamente, mas seus olhos tinham uma fúria que parecia ter vida
própria. – Está se negando a aceitar o meu desafio, Rei Arman?
- É CLARO QUE NÃO ACEITO NADA DE VOCÊ, MOLEQUE!
Com um sinal sutil o Comandante deu ordens para os soltados aliviarem o aperto em
Arman. Nada mais teria dado tão certo. Arman avaçou para dar um soco em Alart, mas o
rapaz desviou facilmente. Os soldados Tiger fizeram menção de reagir, mas Calíope os
parou com um gesto. Arman caiu quase ajoelhado, mas era apenas um truque para pegar
uma adaga escondida sob os pelos do tornozelo. Em um movimento rápido, ele se ergueu
com a ponta da lâmina em direção ao coração de Alart.
- NÃÃÃÃÃO! – Sunny deu um grito e pulou para frente, mas Done a agarrou por trás,
prendendo-a pela cintura.
Alart segurou o pulso do pai, parando a ponta da adaga a uma curta distância do
próprio peito.
- Tentando matar um herdeiro, recusando um desafio claro e direto... Engraçado,
nunca percebi que você era burro. – Alart disse.
L i k a s t í a 0 3 | 127

- VOCÊ NÃO É MAIS MEU HERDEIRO! MEU HERDEIRO AINDA VOU COLOCAR NAQUELA
LINDA BARRIGUINHA ALI. – Arman fez um curto sinal para Sunny que teria vomitado
facilmente com aquele pensamento.
Alart era um leonino com magia de luz e sombras, nada do poder Tiger do fogo. Mas,
naquele segundo, qualquer um poderia jurar que seus olhos brilharam com tanta raiva que
parecia fogo.
- Puta merda.. – Done murmurou, prevendo o ciúme do amigo.
Alart acertou um soco no estômago de Arman com toda sua força. O velho se
encolheu enquanto a adaga caía de sua mão.
- VOCÊ NUNCA MAIS VAI OLHAR PRA MINHA MULHER, SEU ASSASSINO, VERME,
ESGOTO EM FORMA DE FELINO! – Alart deu socos, chutes, seu corpo por vezes desaparecia
em uma massa negra indistinguível, apenas para voltar a se materializar com toda sua raiva.
– ISSO É POR TER MATADO A MINHA MÃE!
- Eu não a matei! A burrice dela fez isso! – Arman se levantou para socar Alart, mas seu
filho era muito mais ágil, se abaixou e lhe deu uma rasteira.
- Você....
- Ela ia tirar você do palácio porque eu tinha um casinho.... Vocês eram meus, MEUS! –
A raiva de Arman pareceu desligar seu escasso bom senso.
- CASINHO? VOCÊ E TÉO ESTÃO SE PEGANDO A ANOS! ISSO NÃO É UM CASINHO! –
Alart achou que seu pai não seria tão burro para morder essa isca óbvia.
- NÃO SE META COM O TÉO! ELE É MEU! – E Arman mordeu a isca, praticamente
entregando seus crimes de bandeja para todo o exército Tiger, parte do seu e a família real
Tiger.
Mas Alart estava perdido demais na própria raiva para parar agora. Tudo que ele
queria era matar. Porém, matar um pai ou mãe em Likastía era algo muito sério e
imperdoável, exceto em um único caso, que não se enquadrava aqui. Arman já estava no
chão, seus pelos manchados de sangue, seu focinho parecia deslocado, seu rosto estava
quase irreconhecível em meio ao sangue, sujeira e ferimentos, seu braço esquerdo
deslocado... Mas Alart não parava de bater e Arman não calava a boca, perdidos demais na
própria raiva. No chão, Arman atingiu os joelhos de Alart que gritou, de fúria mesmo, e caiu
sobre o pai em meio a socos.
Sunny gritou algo, mas a voz dela parecia vir de longe, abafada nos ouvidos de Alart
que pulsavam com a emoção. Alart imobilizou o pai, sentando sobre a barriga dele, pegou a
primeira coisa que sua mão alcançou. Lamentavelmente...

Não para mim. Eu não lamento não.


L i k a s t í a 0 3 | 128

Lamentavelmente era uma rocha enorme, um fragmento de alguma construção


destruída na onda de choque do ataque da arma de Arman a dias. Alart ergueu a coisa com
as duas mãos e se preparou para acertar a cabeça de Arman que continuava provocando o
rapaz. Burrice? Ah, mas com certeza. Garras fortes e calosas agarraram a rocha por trás de
Alart e o objeto foi jogado longe. Rosnando furiosamente, Alart se virou com as garras à
mostra, mas alguém o agarrou antes dele se virar e o jogou no chão. Alart levantou, ainda
cego de raiva, foi para cima da pessoa e estacou ao reconhecer a voz do soldado leonino.
- Já chega, garoto. – O soldado ergueu o capacete que cobria metade do rosto como
era costume no posto de corneteiro do exército, revelando Hieron. – Ele rejeitou o desafio,
automaticamente você já é o Rei. Ele já foi parado. É assim que você quer começar seu
reinado?
Ofegante, Alart acenou agradecendo pelo velho leonino ter o trazido de volta à razão.
– Ob...brigado....Hieron... – Alart colocou uma mão no lado de seu corpo sentindo uma dor
horrível, possivelmente uma costela quebrada.
Percebendo, Hieron correu até o rapaz e o apoiou, atraindo a preocupação do exército
leonino, Sunny e dos outros.
- Done...
- Oi, irmão? – Done respondeu, ainda segurando Sunny por simples reflexo mesmo.
- Me faz ... um favor?
- Claro, cara.
- Solta a minha mulher, caramba! Ai... – Alart parou para respirar.
- Ahaha. – Done soltou Sunny que correu até Alart.
Done foi um pouco mais devagar até o amigo inicialmente. De repente, deixando Alart
confuso, Done deu uma corrida sacando sua espada e passando por ele. O exército leonino
gritou, Ane surgiu do nada correndo com Scylla atrás tentando pará-la, Calíope enviou uma
rachada de fogo que passou pela lateral de Alart... Foi tudo muito rápido. Foi meio inútil
também.
- FILHO DE UMA AMEBA COVARD... – Done gritou e parou do nada.
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! – Arman berrou, a
adaga que tinha pego do chão voltou pro solo enquanto sua juba queimava e a espada de
Done ficava presa abaixo de seu umbigo.
- DONEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE! – Ane gritou e chegou junto com Calíope no príncipe
Tiger.
- Do...ne... – Alart olhou para o amigo caído no chão com a adaga enfiada até metade
do cabo em seu peito.
Hieron olhou para Arman com a decepção estampada no rosto por ver como ele
tentara matar Alart o atingindo pelas costas. Sem pensar duas vezes, ele pegou um frasco
L i k a s t í a 0 3 | 129

com ervas cicatrizantes que recebera de presente ao ir para a guerra em uma tentativa dele
se curar caso fosse ferido em batalha. Ele colocou sobre o ferimento de Done, mas havia
muito sangue que logo ensopava as ervas. Scylla se aproximou derrapando no chão e
tentou usar sua magia para curar o rapaz, mas, antes mesmo de começar, ela percebeu que
seria inútil.
- Scylla? – Hieron olhou surpreso. Afinal, fazia menos de meia hora que ele havia
chegado e ela se despediu dele pouco antes em Jubay. Sem um portal, como ela chegou?
Scylla olhou para ele com um rostinho triste, mas logo voltou seu foco para Done. As
sacerdotisas e magos fizeram um círculo para tentar reunir energia mágica de cura, embora
todos eles já sentissem que era inútil.
- Meu garotinho.... – Calíope mal conseguia respirar, seu peito dóia de um jeito como
se a facada tivesse sido em seu coração.
- Anda, garoto. – Sven lutava para não chorar. – Lute. Você é bom nisso.... Por favor,
meu neto.
- Ane... – Done engasgou com o próprio sangue, seus olhos parecendo pesados.
- Shh! Cala a boca, idiota! – Sunny limpou as lágrimas. – Tem que se polpar. – Ela
ajudou Scylla o quanto pôde, mas também já sabia que Done não resistiria.
- Também...te...amo...Sunny.... – Done sorriu, pegou a mão da mãe e a de Ane e
colocou juntas em um sinal claro de apoio ao casal. – Cuidem del...
- Dela. – Ane disse chorando e Done deu o sorriso mais genuíno do mundo. – É uma
menina.
- Epaine. – Done disse o nome que queria para sua filha.
Ane sorriu, pois o nome significava “impressionante”.
- Eu... eu....- Alart não conseguia falar, a culpa o devorando.
Done olhou diretamente nos olhos do amigo e disse: - Não...nunca...não se culpe.
Assim, Done fechou os olhos pela última vez.
- Tirem. Todos. Daqui. – Calíope rosnou.
Alguns soldados Tiger e alguns leoninos pegaram Done respeitosamente e saíram em
silêncio, enquanto outros afastaram todos dali. Apenas Hieron, Sven, o Comandante
leonino e Alart ficaram para trás com Arman careca no chão, agonizando.
- Majestade... – Hieron chamou. – Com todo respeito.... Vingança é um veneno para o
coração.
- As leis Tiger são muito claras sobre a punição para a morte de um Rei ou príncipe à
covardia. – Sven disse.
Calíope manteve um olhar venenoso em Arman o tempo todo. – Bem, justo é justo. –
Hieron abaixou a cabeça e foi procurar Scylla.
- Cumpra a lei de seu povo, Calíope. – Alart disse, se virou e caminhou para o palácio.
L i k a s t í a 0 3 | 130

- Me...mate... – Arman implorou, pois a dor era demais para ele.


- Ah, acredite. Eu vou te matar. Mas vou fazer isso lentamente pra você sentir uma
pequena porcentagem da dor que eu estou sentindo agora. – Calíope disse.
Os berros de Arman podiam ser ouvidos a uma distância considerável, mas ninguém
ajudou, ninguém se importou. Apenas Alart ainda sentiu pela morte do pai que, apesar de
tudo, era seu pai.

~o ⭐ o~
- Não é possível! Porque ninguém dá algum sinal de vida?! – Téo murmurou olhando o
exército alinhado no pátio do palácio como ele ordenara depois de algumas horas sem sinal
de Arman. Será que esse imbecil morreu em batalha? Nãããão. Eu não tenho tanta sorte.
Mas a verdade é que ele estava aproveitando a ausência temporária do Rei. Não só
ele. Téo subiu as escadas e entrou no quarto do Rei onde Ciara estava nua na cama,
beliscando uma fruta azul doce.
Uma brisa morna soprou do cômodo que funcionava como um enorme closet. Ciara
ficou curiosa, já que todas as portas e janelas, inclusive a porta do closet estava fechada.
- Se acostumando com seu futuro quarto, amor? – Téo atraiu a atenção da amante.
- E sofrendo pela morte do meu maridinho. – Ciara debochou.
- Calma, querida. Não sabemos se aquele corno já morreu. – Téo tirou a roupa
devagar, provocando Ciara que o admirava.
- Aquele idiota não sabe lutar, não tem magia como nós, querido pode ter certeza que
ele morreu fácil. – Ciara apoiou a cabeça nos travesseiros, dando uma visão bastante ampla
de seu corpo para ele. – Como é ser filho único, amor?
- Tão bom quanto ser o Rei com uma Rainha tão deliciosa como você. – Téo puxou ela
pelo tornozelo, até que ela ficasse na beirada da cama.
- Se o Rei não morrer láááá... – Ciara soltou um gritinho quando Téo colocou a língua
em...na...éééé....”parte sensível entre suas pernas”. – Vamos mata-lo logo? O veneeeno
está pronto.
- Uhmhuum. – Téo disse ainda ocupado.
- Você preparou o... AAAAAAAAAAAH! – Ciara relaxou.
- Está tudo pronto, minha garota. – Téo beijou suas coxas e sua barriga. – Vou usar a
poção ilusória para disfarçar o veneno e ele vai agir feito louco na frente de todo. O imbecil
facilitou bastante ultimamente com os ataques de raivinha dele. – Téo colocou as pernas
dela mais abertas e se alinhou em sua abertura. – Ele vai surtar em público e o veneno vai
literalmente explodir aquela cabeça vazia dele. – Téo penetrou em um único impulso,
fazendo Ciara soltar um gemido alto.
L i k a s t í a 0 3 | 131

Uma brisa morna saiu do closet, atraindo a atenção de Ciara. Mas os fortes golpes de
Téo logo distraíram ela novamente. A tarde passou, a noite também, os amantes perderam
a noção do tempo e cochilaram.

~o ⭐ o~
- Scylla.. Espera! – Hieron chamou, mas a moça andou rápido para longe.
Uma jovem abraçou Scylla, pegando-a de surpresa. – Milady...
- Scylla...eu só queria contar pra ele o que você descobriu... – Ane chorou.
- Ane?
- Papai! – Ane puxou o pai, sem querer causando um abraço triplo. – Eu...eu
preciso...contar...oh, papai!
- Shhh.... Calma, florzinha do papai. – Hieron ignorou o aroma perturbador.
- Pai...eu...eu...estou... – Ane olhou para ele e desviou os olhos.
- Grávida? – Hieron perguntou.
- Como...como..sabe? – Ane perguntou chocada.
- Por causa da conversa de vocês....lá.... Você sabe. – Hieron disse.
- Eu...vou deixar vocês.. – Scylla se soltou e saiu.
- Pai. Não sei como dizer, mas... – Ane olhou Sunny ao longe, abraçada com Alart e
decidiu seguir o exemplo. – Eu amo a Rainha e nós estamos juntas. Grande Kallisti! Como
ela consegue fazer isso? – Ane escondeu o rosto entre as mãos, morta de vergonha.
Hieron ficou boquiaberto, mas logo se controlou e pegou o queixo da filha, forçando
seu olhar para ele. – Você a ama?
- Sim. – Ane disse sem hesitar.
- Então fique com ela, filha. Sempre seja honesta com suas emoções e as dos outros. –
Hieron engoliu em seco. – Nada pior do que perceber que suas emoções não foram
respeitadas.
- Pai? O senhor está bem? – Ane se preocupo com a expressão dele.
Calíope entrou procurando por ela e Hieron viu o olhar da filha vacilar para algo atrás
dele. Ele se virou e viu a Rainha encontrando Ane com o olhar.
- Vá, florzinha do papai. – Ele deu um beijo na testa dela. – Seu amor vai precisar de
todo seu apoio agora. Mais tarde vamos conversar. Nós três.
Ane correu para Calíope e Hieron saiu à procura de Scylla.
Mas ele não era o único.
Sven entrou procurando a moça e perguntou a alguns magos que indicara o caminho
por onde tinham visto ela ir.
Scylla encontrou a porta que dava para um quarto onde se guardavam objetos de
limpeza e se preparou para entrar.
L i k a s t í a 0 3 | 132

- Scylla. – Hieron bateu a mão na porta, a fechando antes que ela entrasse.
- Senhor...
- Como você chegou aqui tão rápido? Você trabalha para a Rainha? Estava espionando
em Jubay? – Ele metralhou ela com perguntas.
- Eu preciso resolver uma coisa e...
- Num cômodo de limpeza?
- É que eu...
- Pare. Não minta pra mim. Não você. Não depois de tudo que te contei. – Hieron
estava no limite.
Ela soltou um suspiro. – Conversamos depois. – Scylla tentou sair, mas ele a agarrou
pelos ombros.
- SOLTA ELA! – Sven sacou a espada e partiu para cima de Hieron.
- Está tud.. - Scylla começou a falar, mas Sven parecia possuído.
- Vou te ensinar a não tocar desse jeito em uma moça!
- Saia. Isso é entre nós! – Hieron perdeu sua paciência.
- Se quer brigar, briga com um macho, seu covarde!
- Covarde? Eu vou te mostrar quem é covarde! – Hieron deu um passo com as garras à
mostra, os dois com pelos eriçados, prontos para uma briga.
- CHEGA! – Scylla apareceu em meio a um portal que surgiu do nada entre os dois
felinos.
Eles olharam para ela como se ela fosse um alien.
- Como... – Sven olhou boquiaberto.
- Como você...você... – Hieron olhou para Scylla procurando algum transportador,
olhado ao redor no corredor se havia alguma. Nada.
- Menina, é melhor você se explicar. – Sven disse.
- Não conta isso pra ninguém. Por favor, Sven. Ainda não.
- Não posso enganar minha Rainha, menina, por mais que eu goste de você. – Sven
lamentou ser o conselheiro e ser tão leal.
- É só por um tempo. Até eu derrubar um...um inimigo dos reinos.... – Scylla olhou sem
querer para Hieron e isso levantou a suspeita dele.
- Que inimigo, Scylla? – Hieron perguntou, sua intuição o chutando por ter feito a
pergunta.
- Eu...não posso te dizer. – Ela respondeu.
- Scylla... Você não... – A dor nos olhos de Hieron era quase palpável.
- Se é um inimigo dos reinos, posso pensar em te dar o tempo que precisa.. – Sven
disse. – Mas quero saber tudo. Agora.
L i k a s t í a 0 3 | 133

- Eu... – Scylla suspirou. Não queria magoar Hieron, mas também não queria trair sua
confiança logo agora que ele estava tão magoado. Decidida, ela olhou para Sven. – Preciso
mostrar uma coisa.
Hieron abaixou a cabeça, sentindo que não podia mais confiar em ninguém, se virou
pronto para ir embora.
- Hieron. – Scylla correu até ele e o virou para ela. Sem desviar o olhar dele que estava
dolorosamente decepcionado, ela disse: - Sven, pode nos dar alguns minutos? Prometo que
não vou fugir.
Sven sabia que a garota tinha palavra, então apenas acenou e saiu, ficando nas
proximidades.
- Eu...não sei como dizer isso sem te ferir. – Scylla disse.
- Faça como quiser. – Hieron se soltou para sair, mas Scylla ficou na ponta dos pés e o
beijou. E, para surpresa dele mesmo, ele correspondeu com uma paixão que não sentia
desde a juventude, tirando a última gota de dúvida sobre o que ele sentia, se era real ou só
uma resposta natural à decepção.
- Eu amo você. E, depois de hoje, você talvez nunca mais queira chegar perto de mim.
Mas, pelo menos, terei esse momento para me lembrar. – Scylla disse com um voz triste de
dar pena.
- Menina... Eu quero ficar com você. – Ele foi silenciado por outro beijo dela.
Scylla se afastou, contou até três mentalmente e soltou: - Sua suspeita está certa.
Ele enrijeceu, lembrando do desabafo que fizera para ela dias atrás. – Minha mulher
tem mesmo um amante. Isso não tenho dúvidas, Scylla. Eu ouvi os gemidos, os gritos dela
no nosso quarto naquele dia. Eu devia ter subido e matado ele, mas...me virei e fui
embora... Se não tivesse te encontrado, não sei o que teria feito naquele dia... Eu sei que as
coisas entre nós não eram as mesmas a anos, mas...
- Hieron. Não é só isso. – Scylla disse. – Foi melhor você não ter visto mesmo. E,
acredite, eu nunca deixaria você descobrir. Ainda não quero que saiba. Então, você pode ir
embora agora e fingir que não aconteceu nada...
- Não. Eu quero saber quem é. É o tal inimigo que você falou, não é? Quem é ele,
Scylla?
Scylla tentou falar, mas sua garganta parecia doer só de pensar em revelar isso. –
Não...consigo...
- Então mostre. – Hieron disse e seu tom não deixava brechas para discussão.
Scylla chamou Sven e pediu para que os dois não saíssem do lado dela, ficando ambos
praticamente grudados na jovem, um de cada lado. Ela estalou os dedos da mão esquerda e
um portal se abriu, se fechando logo em seguida ao comando dela.
Scylla tinha lágrimas nos olhos quando olhou para Hieron e disse: - Me desculpe.
L i k a s t í a 0 3 | 134

Então ela repetiu o gesto, abriu o portal para o lugar que visualizou e os três chegaram
ao palácio leonino em uma sal de jogos pouco usada... Bem, pouco usada para jogos ne.
Depois outra sala que parecia um depósito, mais outra que parecia um salão de reuniões,
depois na sala do trono.
Onde eles estão? Ela pensou.
Mais duas salas aleatórias, o estábulo, todas os lugares no palácio onde o casal
sempre se pegava achando que ninguém sabia. Faltava só mais duas, mas Scylla só precisou
de mais uma tentativa e os três se viram em uma sala escura que parecia ter muitas roupas,
sapatos e algumas pequenas poltronas no meio.
Silenciosamente, Scylla tirou uma chave mestra do pescoço e abriu uma pequena
fresta, dando uma boa visão da cama do Rei leonino. Sven e Hieron se alinharam
verticalmente para olhar pela fresta, enquanto Scylla ficou um passo para trás. Ela não
precisava ver o que via com frequência.
- Se acostumando com seu futuro quarto, amor?
Hieron virou para olhar para Scylla. Choque, raiva, decepcção... Tudo passando pelos
seus olhos. Ele voltou a olhar a cena, incrédulo, porém de repente muita coisa fazendo
sentido em sua mente.
- E sofrendo pela morte do meu maridinho.
O deboche de Ciara foi como ácido correndo pelas veias de Hieron.
Depois de ouvir toda a conversa, e mais um pouco, Scylla puxou os homens para trás
gentilmente e fechou a porta do closet. Sem uma palavra, eles se encostaram nela e
passaram pelo portal. Quando seus pés tocaram o chão Scylla os tinha levado para dentro
do seu quarto.
- Aquele era o Téo, conselheiro de Arman. – Sven disse para Hieron.
- Meu irmão....Meu próprio irmão... – Hieron parecia em choque.
- Espera. Você é o irmão do Téo? – Sven olhou para ele, tentando associar aquele
leonino enorme com o garotinho que vira duas vezes só a muitos anos.
- Meu irmão? Sério? – Hieron olhou para Scylla. – Você não me contou...Porque?
- Você teria acreditado?
- Então, Téo planeja tomar o trono leonino. – Sven constatou.
- E o Tiger, enfraquecendo ele antes. – Scylla disse.
- Com todo respeito, cara, mas seu irmão é um idiota. – Sven disse para Hieron.
- Ele não é mais um irmão para mim. – Hieron respondeu.
- Ele sempre será seu irmão. Fingir que não é tolice. – Scylla comentou.
- Bem, ela tem razão. Não vale metade de uma consideração sua, mas ele é seu irmão.
– Sven disse, atraindo um olhar furioso de Hieron.
- E meu pai. – Scylla disse tristemente e Hieron olhou para ela estupefato.
L i k a s t í a 0 3 | 135

~o ⭐ o~
Não posso conversar. Estou ocupada recebendo um dos meus favoritos na história de
Likastía inteira.
- Um dos seus favoritos? Poxa, mas eu sou tão magnífico, bonitão... Achei que era o
favorito.
Ah, meu pequeno Done... Vamos nos divertir muito no pós-vida.
L i k a s t í a 0 3 | 136

Capítulo 19
KKKKKKKK! Ahn?...Ah, oi. Não te vi. Estava rindo de uma piada aqui que o Done contou.
Enfim... Onde estávamos? Oh, sim....

~o ⭐ o~
Sven saiu com a promessa de que respeitaria o tempo pedido por Scylla depois de
ouvir sua história, mas que não demorasse. Hieron continuava sentado, congelado no lugar,
tenso com tudo que ouvira sobre seu irmão, o passado de sua sobrinha, o ciúme e instinto
de proteção que ele sentia por ela chegando a uma dor quase física. Hieron sempre foi um
felino de paz, justo, sensato, mas agora ele achava a tarefa mais difícil do mundo continuar
calmo e justo. Hieron começou a voltar pra realidade ao sentir mãos pequenas com alguns
calos e garras vermelhas pegando suas mãos e colocando ao redor de uma xícara simples
de barro, com flores vermelhas pintadas à mão ao redor do objeto que soltava fumaça e
exalava um aroma calmante.
- Beba isso. É para o seu bem. – A voz de Scylla finalmente o trouxe de volta do abismo
obscuro que se tornara a mente do felino.
Grato, ele bebeu um gole enorme do líquido sem nem soprar, o calor descendo
queimando em sua garganta, mas a dor foi bem-vinda. Era uma forma de se punir por não
ter salvo sua sobrinha de uma vida tão difícil, embora, no fundo, ele soubesse que não
tinha culpa.
- Devagar! Vai se machucar assim! – Scylla deu um grito assustada, preocupada com
ele. Em um reflexo natural, ela estendeu a mão para tocar a garganta de Hieron, mas sua
mão parou sem encostar nele quando ele segurou firme seu pulso, impedindo o toque.
Scylla se sentiu suja como não sentia a anos, como se o fato de ter sido gerada como foi a
tivesse tornado impura, podre.
Hieron largou a xícara vazia no braço largo do sofá e puxou Scylla pelo pulso,
abraçando-a tão apertado a ponto de deixa-los sem fôlego.
- Me... – Hieron soluçou. – perdoe... Eu devia...devia...eu...devia...
Scylla se surpreendeu com as lágrimas dele e se sentiu culpada porque, como uma
Tiger que se preze, ela não chorava. Pelo menos não na frente de ninguém e não admitiria
nunca.
- O que? – Scylla se afastou um pouco, com dificuldade porque ele a segurava firme,
olhou em seus olhos, a poucos centímetros de seu rosto. – Devia o que? Você não tinha
como saber, acredite. Eu chequei. Eu investiguei todos que tiveram contato com aqueles
dois vermes. Como acha que descobri tudo sobre vocês?
- Mas...ele é meu irmão... eu devia saber...
L i k a s t í a 0 3 | 137

- Pare com isso! – Scylla foi firme. – Minha mãe era irmã daquele monstro, sabia que
ele não prestava, mas ela nunca imaginou que ele faria o que fez com ela! Como você
esperava saber sobre Téo que é muito mais sorrateiro? Se não parar com essa merda você
vai enlouquecer e não posso viver com essa culpa também!
Hieron se calou por um segundo, pensando em todo trauma que a menina devia
carregar sozinha todos esses anos. – Sempre te achei linda, mas com olhos tão tristes...
Scylla tentou se levantar, não querendo demonstrar fraqueza, mas Hieron a puxou em
um beijo esfomeado, necessitado. As emoções densas dos últimos dias e a tensão sexual
entre os dois que vinha atormentando-os a tanto tempo foi demais. Scylla sentou no colo
de Hieron, com uma perna de cada lado dele, aprofundando o beijo. Hieron a segurou
firme, com as mãos atrás de suas coxas, levantou a segurando firme e levou até o cômodo
ao lado onde ficava a cama, a colocando gentilmente sobre ela, deitando em cima dela,
sem nem mesmo parar o beijo.
Em um momento fugaz de tentativa de controle, Hieron parou suas mãos que estavam
prontas para abrir a blusa curta da moça com um rasgo: - Se você não quiser, eu vou ent...
Scylla o puxou para baixo e o beijou enquanto arrancava a camisa dele, os botões
voando longe. Foi toda a permissão que ele precisava.

~o ⭐ o~
- Vamos leva-los para Jubay e apresentar os fatos. – Alart disse, um olhar sempre
atento a Sunny que conversava com alguns soldados, acalmava Ane, andava verificando
quem precisava de apoio, principalmente entre os leoninos.
- Espero que entenda que ainda não posso ir. – Calíope disse, atenta à Ane. – Preciso
dar um funeral digno ao meu filho, reunir os conselheiros...
- Eu entendo. – Alart respondeu. – Mas vou na frente. Seu testemunho pode ser dado
mais tarde em Jubay. Ninguém contestaria isso.
- Aquele leonino, Hieron, não é?
- Seu sogro. – Alart olhou para ela.
Calíope olhou confusa por alguns segundos até a ficha cair. – Por Kallisti... É verdade.
Sim, ele. Alguns do seu povo falaram sobre o respeito que ele tem entre os leoninos.
- Sim, ele será convocado como testemunha. É um bom homem.
- Majestade... – Nira se aproximou com uma expressão grave, atraindo também o
olhar atento de Sven a alguns metros.
- Diga, Capitã. – Calíope respondeu, ainda confusa demais para se lembrar que não
tinha avisado para a Sentinela sobre a promoção que lhe dera.
Nira parou boquiaberta, mas logo se recuperou. – Temos um problema nas
masmorras.
L i k a s t í a 0 3 | 138

- Pode falar, Nira. Alart é o Rei leonino e um grande aliado. – Calíope ordenou e Sven
parou pouco atrás da Sentinela.
- Bem, como desejar. O prisioneiro Ismir... está meio morto.
- Meio morto? – Calíope quase riu. – Como seria “meio morto”?
- Er.. Desculpe.. Morto. Totalmente. Sem dúvida. – Uma mão semi escondida de Nira
tremeu demonstrando o quanto a visão a abalara.
- Como entraram na cela? – Calíope perguntou. – Ou ele fugiu?
- Na verdade, majestade, não sei como ele entrou. Ninguém consegue explicar. Ele
foi...massacrado... Parece estar morto a algumas horas, talvez até mesmo deste ontem.
Mas não há nenhum sinal de invasão e o guarda garantiu que ninguém entrou ou saiu
daquela ala. Ele mesmo só percebeu a morte do felino ao entrar para levar mais água. É
quase como se alguém tivesse aparecido do nada e sumido do nada só para matar ele.
Sven sentiu seu corpo gelar. Nesse momento, quase como uma invocação mental,
Scylla apareceu na sala com uma poção na mão, algo calmante provavelmente. Quando
seus olhares se cruzaram, ela sentiu que algo estava errado. Mas Calíope e Alart também
perceberam tudo isso. Scylla que falava algo com Hieron vindo alguns passos atrás, calou a
boca e olhou para Sven. Alguma coisa deu errado, disso ela não tinha dúvidas.
- Sven. Fale. – Calíope ordenou, mas o conselheiro desviou o olhar. Ela caminhou para
Scylla, com os olhos travados nos da moça.
Scylla pensou em correr, mas isso a denunciaria mais do que tudo. Sua mente
começou a trabalhar rapidamente, pensando nas possibilidades e estratégias que poderia
usar em qualquer problema que pudesse vir. Sven caminhou atrás da Rainha, Nira quase ao
lado dela, Alart logo atrás dele, atento ao conselheiro. Ane viu aquela movimentação,
puxou o braço de Sunny chamando a atenção dela e ambas caminharam até Scylla,
tentando entender a situação.
- A jovem quase muda. – Calíope falou sorrindo, mas claramente intrigada.
- Majestade. – Scylla murmurou super baixinho.
- Scylla. Sabia que nunca esqueço um nome? – Calíope continuou. – Ismir sempre
achou isso curioso. Lembra dele, não é?
- Talvez. – Scylla disse ainda mais baixo, mas Nira teve uma sensação estranha que não
sabia explicar.
A sacerdotisa de Kallisti se aproximou, ficando ao lado de Scylla. – Algum problema,
majestade?
- Não sei. Algum problema, Scylla? Sven, porque não nos conta qual o problema? E não
minta. Não estou em um bom dia para brincar de caça-verdade.
Sven se aproximou. – Ismir está morto.
L i k a s t í a 0 3 | 139

Scylla não demonstrou nenhuma reação, mas Sven sabia de uma forma quase intuitiva
que tinha sido ela. Ele gostava tanto dela que parecia até sentir as emoções dela antes de
ver em seu rosto.
- Scylla... – Ele disse num lamento baixo.
- O que você tem a ver com isso, menina? Ismir não era um poço de virtudes, então
tentarei compreender se você falar a verdade. – Calíope disse.
- Não sei do que... – Scylla murmurou super baixo.
- Fale alto. – Calíope perdeu a paciência e quase gritou, mas, para sua surpresa, Scylla
nem mesmo tremeu, não demonstrou nenhuma reação, nem desviou o olhar como
qualquer um faria. – Curioso...
- Cali, não brigue com ela. Ela foi muito legal comigo e estamos todos tensos hoje. –
Ane tentou acalmar as coisas. – Vamos deixar isso para depois, quando estivermos calmos.
A raiva não é amiga da justiça, meu pai sempre diz. Vamos procurar ele e conversar....
Com isso Scylla virou para trás e procurou Hieron no corredor de onde vieram. Mas
não havia nenhum sinal dele. O que não poderia ser bom porque não tinha outro caminho
para sair sem passar por ela que estava logo na entrada daquele salão. A não ser pelas
escadas em uma lateral do corredor que dava para alguns depósitos de magos e o
transportador usado para enviar uma ou duas pessoas à distância ou mercadorias
específicas. Vingativa como era, Scylla não tinha dúvidas de para onde ele ia e o motivo.
Apavorada, ela virou e tentou correr, mas nem deu meio passo. Nira a segurou e virou-a de
frente para a Rainha.
- Scylla, amor, não fuja... – Sven tentou acalmar a jovem, já pensando em como salvá-
la de qualquer punição pela morte de Ismir.
- Scylla, calma... – Ane disse.
- ME SOLTA! – O pânico fez ela esquecer seu cuidado e sua voz ecoou com toda sua
natureza.
Calíope deu um passo para frente, boquiaberta, Sunny tremeu visivelmente e Nira
sentiu um arrepio sacudir seu corpo.
- Era você... Mas... Sua ficha... Não cita telepatia forte o suficiente.... – Calíope
comentou.
- Foi ela sim. Eu reconheço essa voz em qualquer lugar! – Nira disse.
- Foi ela o que? – A sacerdotisa perguntou. – É melhor ter provas antes de acusar uma
das sacerdotisas de qualquer coisa.
Um círculo de soldados e nobres curiosos já tinha se formado para ver a fofoca.
- Não é uma acusação. É uma constatação. – Calíope respondeu. – Foi ela que...
- Me ajudou no cativeiro que Arman fez. – Sunny disse.
Ao mesmo tempo que Calíope completava: - Salvou a gente no desabamento.
L i k a s t í a 0 3 | 140

Quando as duas fecharam a boca, se entreolharam abismadas e depois olharam para


Scylla.
- ME SOLTA, DROGA! – Scylla gritou, pouco se importando com a descoberta delas.
- Scylla...foi você...sua voz parecia familiar, mas...eu não tinha certeza... – Ane
comentou.
- SIM, FUI EU! – Scylla se debateu mais ainda. – Eu evitei que Sunny morresse naquele
cristal, ajudei a quebrar aquela coisa, ajudei para que a mensagem chegasse no namorado
dela, evitei que vocês morressem nos escombros, salvei sua filha da parada respiratória que
ela teve na sua barriga no desabamento...
- Minha bebê parece reagir à sua voz, feliz... – Ane comentou.
- Como fez isso, menina? – A sacerdotisa perguntou. – Sua ficha não...
- QUE CACETE! ME SOLTA! – Scylla deu uma cotovelada em Nira que a soltou, mas
alguns soldados apontaram suas armas para ela. – MANDA ELES ABAIXAREM ESSA MERDA!
NÃO TENHO TEMPO PRA ISSO!
- Calma, menina. Você tem explicações... – Calíope disse.
- Scylla, obrigada. – Sunny disse emocionada, não se importando com mais nada.
- De nada. – Scylla se acalmou. – Olha, eu conto tudo, mas depois. Agora se não me
deixarem ir seu sogro vai fazer uma bobagem da qual se arrependerá pelo resto da vida e
eu vou me sentir a pior merda do universo.
- Meu pai? – Ane perguntou.
- Do que está falando? – Calíope perguntou.
- Hieron sempre foi um felino sábio.. – Alart tentou contestar.
- Merda... – Sven entendeu, deu um passo até Scylla e segurou as mãos dela. – Scylla,
onde ele está?
- Lá no transportador... Espero. – Ela respondeu. – Sven... Ele vai mata-los.
- Sim, vai. – Sven se virou para a Rainha. – Precisamos impedir que Hieron mate... – Ele
se calou olhando para Ane.
- Quem meu pai vai matar? Meu pai é pacífico.
- Subam! Se Hieron estiver no transportador, não o deixem passar e tragam ele para
mim. – Calíope ordenou e dois soldados Tiger subiram.
- Quem? – Alart perguntou e Sunny entendeu a linha de pensamento dele.
- Não teria motivos, Lala. – Sunny o acalmou. – Mesmo que ele soubesse, não haveria
motivos para matar. A menos que... Oh, céus.
- O que? Do que estão falando? – Ane perguntou, mas logo pareceu entender. – Não...
Mesmo assim, ele nunca mataria....
- Sua mãe e meu pai que são amantes? – Scylla perguntou, sarcástica. – Aquele
monstro que... – Scylla calou a boca.
L i k a s t í a 0 3 | 141

- Téo é seu pai? – Alart olhou para ela, os olhos da moça finalmente fazendo sentido
porque ele sempre os achara familiar.
- Sim, aquele merda é meu pai. – Scylla estava agitada, esperando o retorno dos
guardas, apesar de sentir o resultado.
- Meu tio...amante...não... Você é... – A mente de Ane girava em um turbilhão.
- Quem é você, de verdade, garota? – Calíope perguntou.
Scylla ergueu o queixo e disse: - Sou Scylla Tiger, filha de Yara, meia irmã daquele
monstro que você chamava de amigo, e de Téo, aquele pedaço de estrume que comprou e
violentou minha mãe.
O silêncio que se seguiu era quase sepulcral.
Scylla só desviou o olhar de Calíope quando quase foi derrubada por um abraço forte
de Sunny. – Sinto muito. – Sunny disse e Scylla sentiu a sinceridade naquelas palavras.
- Majestade, - um dos guardas chamou ao voltar lá de cima. Scylla nem se virou, já
sentindo o que acontecera – o transportador foi ativado. Encontramos apenas o mago
responsável pelas viagens desmaiado no chão.
- Para onde o transportador foi programado? – Calíope perguntou, prevendo a
resposta.
- Jubay. – O guarda respondeu. – E... Foi travado do outro lado. Não temos como
passar para nenhum lugar de Jubay.
- Que droga! Até chegarmos lá, viajando pela estrada, serão dias de viagem, será tarde
demais. – Alart passou a analisar as opções.
- Podemos reunir alguns magos e enviar para um lugar mais próximo. – Calíope disse.
- Téo estará esperando, se estiver vivo. Ele e Ciara planejam tomar o trono leonino e
depois o Tiger. – Sven disse ao receber um olhar de aprovação de Scylla.
- E você sabia disso desde... – Calíope se virou furiosa.
- Alguns minutos. – Scylla completou. – Eu contei pra ele e pedi um tempo.
- Um tempo para que? – Calíope perguntou.
- Me vingar daquele merda. – Scylla disse sinceramente.
- Não. Scylla, isso não vai te levar a lugar nenhum. Eu sei que é difícil, mas você precisa
deixar o passado para trás.. – Sunny segurou uma mão da prima.
- E perdoar. – Scylla completou. – Eu não sou como você e minha mãe, Majestade. –
Ela respondeu com um sorriso orgulhoso por Sunny que não tinha se tocadoa ainda de que
já era a rainha leonina.
- Cali, por favor.. – Ane sentiu a garganta se fechando em desespero. – Tem que ter um
jeito de ajudar meu pai... Ele não pode...
- E não vai. – Scylla disse decidida. – Pode enviar seu exército agora?
L i k a s t í a 0 3 | 142

- Sim. – Calíope respondeu. – Estávamos preparados para lutar a pouco tempo. Mas
não tem como enviar...
- Exatamente. Se Hieron ou Téo fecharam a passagem, não importa. O fato é que não
tem como passar nada. Muito menos um enorme exército. Aquele Téo pensou em tudo
nesse sentido. – Alart comentou, planejando matar o conselheiro quando chegasse no
reino.
- Não em tudo. – Sven comentou.
- Não pensou em mim. – Scylla completou, atraindo mais olhares confusos. –
Majestades, a gente pode conversar sobre qualquer coisa que quiserem depois, mas Hieron
é minha prioridade agora. Reúnam seus exércitos no pátio principal e garanto que todos
vão passar e chegar em um ótimo lugar de Jubay.
- Não sei se podemos confiar em alguém que não conhecemos. – Alart disse.
- Alart, meu pai está lá! Pronto para destruir sua vida! – Ane ficou furiosa.
- Sven? – Calíope perguntou.
- Ela é doidinha, mas é leal até a alma, majestade. – Sven respondeu.
- É tudo que preciso saber. Por enquanto. – Calíope respondeu.
- Não sei se é uma boa ideia... – Alart disse. – Mas não vejo melhor opção agora.
Vamos cortar essas ervas venenosas pela raiz.

~o ⭐ o~
Hieron chegou no transportador da praça mais distante do palácio e soltou um suspiro
irritado. A caminhada até o palácio levaria alguns minutos.
Eu devia ter previsto isso. Aquele traidor deve ter fechado um por um dos portais para
não ser atacado. Mas eu vou achar vocês...
As poucas pessoas na rua que cumprimentaram Hieron estranharam o silêncio do
felino que andava focado, sem dar nenhum sorriso, sem cumprimentar ninguém, passando
por todos como se nem estivessem ali. A cada passo ele sentia a adaga longa que pegara
sorrateiramente do quarto de Scylla e se sentia mais e mais compelido a matar. A moça
sofria com as memórias roubadas da própria mãe, sentia o abuso que a mãe sentiu, tinha
pesadelos com isso, viveu uma vida de ódio, longe de todos, desconfiada de todos,
carregando tudo sozinha sem poder se abrir com ninguém. A traição de Ciara doía porque
ele sempre respeitou a esposa, mesmo quando o casamento caiu na rotina, mesmo quando
ele começou a se sentir atraído por Scylla com uma culpa que o matava aos poucos... Mas,
por outro lado, ele se sentia livre. Livre para admitir pra si mesmo que não era só atração,
que amava a jovem vaidosa, mas sem besteiras, elegante, mas também simples. A jovem
que passara a amar e admirar com o tempo e, para sua grata surpresa, também o amava.
Mas Téo? Téo era seu irmão. Hieron abriu mão da amizade de infância com Arman para não
L i k a s t í a 0 3 | 143

ofuscar Téo que queria ser conselheiro. Hieron abriu mão de estudar em Tiger para que seu
irmão pudesse fazer isso. Ele cuidou de seu irmão quase como filho quando ambos ficaram
órfãos muito cedo. E tudo para que? Para ser traído, menosprezado, feito de trouxa... Saber
que seu irmão e Ciara ainda por cima armara para que ele morresse... Se Téo ao menos
tivesse se dado ao trabalho de conhecer Hieron, não teria feito essa besteira.
Scylla, Yara, ele próprio... Tanta gente ferida por Téo... E Hieron tinha quase certeza
que Jana também era culpa de Téo e Ciara. Scylla não disse, mas sua expressão quando
Sven perguntou sobre Jana disse mais do que mil palavras.
Eu vou matar vocês dois. Hieron disse ao ver o palácio à distância, entrou em uma rua
adjacente, caminhou até a lateral dos muros onde ficava uma enorme piscina no palácio e
um pequeno jardim, empurrou a portinha de madeira escondida em uma árvore do lado de
fora do palácio. Contra todas as probabilidades, a antiga passagem por onde ele e Arman
fugiam para brincar na infância ainda funcionava muito bem. Ele entrou, passou por
corredores escuros, pingando com a umidade da piscina acima e abriu a porta do outro
lado, saindo na base de uma estátua de Seth, um antigo Tiger mago muito admirado e
respeitado por ambos os povos.
Hora de caçar, predadores. Hieron disse o que seu falecido amigo Tiger, um caçador
sempre dizia.

~o ⭐ o~
Vamos para a caça, ôh, ôh ôh, ôh ôh!
Vamos para a caça, ôh, ôh ôh, ôh ôh!
L i k a s t í a 0 3 | 144

Capítulo 20
Um dia vou olhar para esse momento da história de Likastía e vou rir de prazer com
ele....
E esse dia é hojeeee!!!!
UAAAHAHAHAHAHA!!

~o ⭐ o~
- Scylla... – Sven chamou ela de lado. – Você sabe o quanto gosto de você...
- Sim, mas...
- Apenas me escute. Quando voltarmos, vamos todos esclarecer as coisas e vou fazer
tudo o que puder para te livrar de qualquer problema. A Rainha é rigorosa, mas é justa
também.
Scylla colocou uma mão no rosto dele e ele deu um beijo na palma dela. – Sven, você
foi meu primeiro e mais adorável amante, meu amigo, foi quem me salvou dos traumas que
você só soube os motivos hoje. Eu nunca vou esquecer isso. Você não me deve nada.
- Não faço isso porque devo ou não, Scylla. Faço porque te amo e você sabe disso. –
Sven olhou atrás dela. – Majestade.
- Estamos prontos. Eu sei que você disse que vai nos fazer passar por um portal, mas
não vejo nenhum transportador grande o bastante por aqui e...
- Sim, a senhora vê, só não sabe disso ainda. – Scylla andou até sua posição marcada.
Calíope tomou a frente de seu exército, Alart ao seu lado com os leoninos atrás dele
entre os Tiger, Sven ficou do outro lado da Rainha e Sunny do outro lado de Alart. Ane
então se posicionou atrás de Calíope que lhe direcionou um olhar insatisfeito.
- Não. – Calíope disse simplesmente.
- O que? – Ane perguntou.
- Você não vai.
- Como assim, não vou?
- Ane, você carrega a herdeira da Coroa Tiger. Não vou arriscar sua vida. Não vou
perder mais uma pessoa que amo num único dia. Guardas!
- Nem pense nisso. – Ane disse visivelmente irritada. – É o meu pai que estamos
falando. Ou vou com você ou vou dar um jeito de ir sozinha!
- Guardas, - Calíope disse pra um guarda já perto de Ane – levem lady Ane para o
quarto dela e tranquem as portas. Se ela sair vocês pagarão pessoalmente por isso.
- Sim, majestade. – Um deles respondeu. – Milady, por favor.
- Não! Eu vou junto. – Ane bradou.
- Ane, a Rainha tem razão. É melhor esperar aqui e prometo que a gente vai fazer até o
impossível pra ajudar seu pai. – Sunny disse.
L i k a s t í a 0 3 | 145

Mas Ane estava irredutível. Calíope sinalizou para os Guardas que a levaram quase
carregada enquanto a moça se debatia.
- Ela tem direito de ir. – Scylla disse.
- Eu me entendo com ela na volta. – Calíope disse com um olhar que praticamente
gritava “também vou me entender com você na volta”. – Agora, cuide do que você
prometeu cuidar.
Scylla deu de ombros, estalou os dedos de uma mão e todos quase caíram de costas
com o susto. Um portal gigantesco de bordas brancas brilhantes, um vórtice central que
lembrava uma flor vermelha intensa em movimento, se abriu ao lado dela e ela apenas
sinalizou como se aquilo não quebrasse umas mil leis da natureza de Likastía. – Podem
passar.
Calíope fechou a boca, controlou a surpresa estampada em seu rosto e direcionou um
olhar semicerrado para ela. – Onde isso vai dar?
Scylla sorriu antes de responder e surpreender mais ainda a todos. Alart
imediatamente esboçou notas mentais para o que deveria realizar no palácio assim que
possível ou Scylla seria uma constante ameaça.

~o ⭐ o~
Téo e Ciara estavam nus em uma banheira de águamassagem do lado de fora, no
jardim dos fundos do palácio, em uma área coberta por um telhado de madeira escuro
repleto de trepadeiras, apenas com uma parede de pedras marrons no fundo. A visão era
apaixonante e a água borbulhante da banheira era relaxante, especialmente naquela tarde
um pouco mais fria.
Téo tinha puxado Ciara para seu colo, suas pernas o cercando e seu corpo impedindo a
visão do jardim. Não que eles estivessem muito preocupados em observar o jardim, de
qualquer forma. Embora devessem.
- É melhor a gente subir, querido. – Ciara disse entre beijos apaixonados.
- Não deu pra perceber, amor? Já subi faz tempo. – Téo respondeu em um rosnado
safado.
- Se quiser, eu te faço descer bem rápido. – A voz fria e furiosa de Hieron fez o casal se
assustar, os dois se levantando rápido, até esquecendo que estavam nus.
- Hi.... - Os dois começaram a dizer juntos.
- Não. Shh! Calem a boca. Nenhum de vocês merece sequer dizer meu nome. – Hieron
respondeu, uma espada roubada de um guarda leonino, suja de sangue, em uma mão e a
adaga de Scylla na outra. O felino parecia irreconhecível. Seus pelos estavam sujos de
sangue, eriçados completamente, sua cauda parecia ter o dobro da espessura por causa
L i k a s t í a 0 3 | 146

dos pelos, seus olhos tinham uma fúria animalesca estampada. Naquele momento Hieron
parecia completamente louco, irracional, como um animal selvagem faminto por sangue.
- Irmão... – Téo tentou conversar, olhando sorrateiramente para sua espada a alguns
metros na bancada.
- Irmão? – Hieron sorriu de um jeito arrepiante. – IRMÃO?! Que bela memória
seletiva! Agora, depois de trepar com essa vadia por anos, de ter se enfiado nela na festa
do MEU casamento, no MEU quarto, na MINHA casa, você de repente, assim, do nada,
lembrou que é meu irmão?
- Querido... Não é isso... Foi só um deslize... Só hoje... – Ciara tentou conversar
enquanto abaixava devagar para pegar uma toalha na borda da banheira para se cobrir.
- EI! Nem pense nisso! Se abaixar pra pegar qualquer coisa eu te mato. Pra que se
esconder? Nós dois já vimos tudo isso ai, não é. Quanto a você, Téo, se pegar essa espada,
bem... Garanto que você nem chega nela.
- Você não vai nos ferir a essa distância. – Téo comentou.
- Não vou? Tem certeza, imbecil? Por acaso algum dos dois patetas sabe o que eu fazia
pra pagar seus estudos antes de conhecer essa piranha?
- Você....pescava? – Ciara tentou um palpite. Ela e Téo realmente achavam Hieron tão
indigno de atenção que nunca se preocuparam em saber essas coisas.
- Eu caçava, sua estúpida egocêntrica. – Hieron respondeu. – Eu cacei por anos,
matava de perto e de longe com arremessos de dardos e adagas.
Téo, aproveitando o aparente foco de Hieron em Ciara, esticou o braço para pegar a
espada, mas Hieron, sem nem mesmo olhar para ele, lançou a adaga de Scylla que atingiu o
pulso de Téo, o prendendo na parede de pedra no rejunte cinza.
- TÉÉÉÉO! – Ciara gritou.
- SEU FILHO DE MIL AMEBAS! – Téo berrou, sentindo o sangue escorrer.
- Esta espada, - Hieron continuou com uma calma gélida – eu peguei com o primeiro
ninguém que apareceu na minha frente tentando me atrapalhar. Ela é especificamente
para você, querida.
- VOCÊ FICOU LOUCO? – Ciara tentou ajudar Téo, mas, assim que deu o primeiro
passo, Hieron estava atrás dela tão rápido como um fantasma e cortou o rosto dela na
altura do focinho, perto dos olhos. – AAAAAAAAAAAAAAH!
- CIARA! – Téo gritou e o som de choque de espadas ecoou ao longe. – EU VOU TE
MATAR, SEU MERDA! SOLTA MINHA...
- Sua nada. É isso que ela é. Nada. – Hieron agarrou a cintura de Ciara por trás e
manteve a espada no pescoço dela. – Ela é só uma qualquer que nós divimos. Embora,
irmão, você devia ter me dito que eu tinha uma rameira em casa. Eu já teria deixado os
restos pra você e seguido atrás da mulher que amo.
L i k a s t í a 0 3 | 147

- Você estava...me...traindo? Como...como pôde? – Ciara nunca tinha se sentido traída


daquele jeito.
- Ah, não, querida. Eu não sou como vocês. Eu só segui minha vida quando vocês
deixaram bem claro o “corno idiota” que sou, enquanto comemoravam minha “morte” no
exército.
Téo perguntou: - Você estava espionando a gente? Como você entrou lá?
- Sua filha, irmão, é uma espiã excelente com um dom magnifíco que Kallisti lhe deu
para vingar a mãe dela.

Foi pra isso mesmo. Está certíssimo.

- Filha? Eu não...
- Esqueceu da Yara, não foi? A garota que você comprou do irmão dela para abusar...
- Ismir... – Ciara lembrou do boato.
Nesse meio tempo, Téo soltou um pouco da adaga em seu braço, chutou a água da
banheira que atingiu os olhos de Hieron.
- Ciara!
Entendendo o sinal, ela se abaixou e uma rajada leve de magia passou em direção a
Hieron. Mas os reflexos dele foram bem mais rápidos e ele conseguiu desviar do ataque
que teria o paralisado e deformado qualquer ataque futuro de Téo.

~o ⭐ o~
Alart e Calíope trocaram um olhar quando seus pés tocaram o chão do pátio do palácio
leonino.
- Aquela... – Calíope olhou para o portal se fechando.
- O que... Onde a tal Scylla se enfiou? – Alart disse.
- Ela vai fugir. – Calíope disse.
- Ela não faria isso. – Sven comentou, meio tenso.
- Falou o felino apaixonado. – Calíope revirou os olhos.
- Ela prometeu. – Sunny disse como se isso fosse uma prova incontestável. – Acredito
nela.
Scylla, não faça besteira, menina. Sven pensou.
Soldados estavam treinando uma marcha pouco à frente e olharam boquiabertos para
aquela invasão. Alguns saltaram para cima dos Tiger sem prestar atenção a mais nada. Por
alguns minutos, o som de espadas, de combate ecoou por metros e metros, até que Alart
alcançou a escadaria que levava para dentro do palácio e lançou uma luz branca pouco
acima, chamando a atenção de todos.
L i k a s t í a 0 3 | 148

- Chega! Nenhum leonino vai morrer aqui hoje. Não mais. Não se eu puder evitar!
Murmúrios de surpresa e confusão soaram entre os soldados leoninos.
- Príncipe....Alart? – Um soldado de patente alta perguntou. – O senhor...não foi
morto?
- Não. Meu pai traiu a todos com uma mentira apenas para aumentar seu domínio
sobre o mundo. – Alart disse com firmeza.
- E onde está o Rei para responder a essa acusação? – Outro soldado perguntou.
- Seu Rei está na sua frente. Arman foi desafiado, rejeitou o desafio, atacou o filho
pelas costas e matou o príncipe Tiger. – O comandante leonino que testemunhara a tudo
disse, ficando ao lado de Alart. – Não faltam testemunhas disso e os procedimentos legais
serão realizados para que não reste dúvidas. Quem quiser se unir a nós na defesa de nosso
Rei agora, venha para nosso lado. Quem quiser esperar os procedimentos, abaixe sua
espada e saia.
Cada soldado leonino trocou olhares e, um por um, se ajoelharam saudando Alart
como novo Rei.
- Vida longa e sábia ao Rei Alart! – Eles disseram em voz baixa, um costume leonino
oposto ao Tiger que sempre gritava essas saudações a plenos pulmões.
- E à Rainha Sunny, minha esposa. – Alart sinalizou e Sunny se aproximou meio sem
graça.
Os soldados olharam surpresos e sorrindo, afinal a beleza de Sunny sempre fora
comentada na cidade.
- Vida longa e sábia à Rainha Sunny!
Sunny e Alart foram para dentro do palácio com os soldados procurar o casal
usurpador, enquanto Sven e Calíope seguiram com alguns soldados para os jardins. No
meio do caminho Sven sentiu seu corpo todo chacoalhar em um arrepio.
- O que foi, Sven? – Calíope perguntou.
- Um pressentimento ruim. – Sven disse, tenso.
- Que coisa.... Eu me sinto um pouco angustiada também. – Calíope disse e eles
trocaram um olhar. – Vocês! Procurem naquele lado, eu e Sven vamos por ali.
Os soldados estranharam, mas não discutiram com a Rainha e seguiram para o lado
oposto.

~o ⭐ o~
- Você...você tem magia? Mas...Desde quando? – Hieron firmou os pés no chão
escorregadio.
Ciara tirou a adaga com dificuldade e pegou o manto dela e o de Téo com as poções
deles escondidas nos bolsos.
L i k a s t í a 0 3 | 149

- Magia ilusória, irmão. – Téo disse, tendo dificuldade para usar sua mão esquerda, já
que a direita, sua mão dominante, estava completamente dormente pelo ferimento no
braço. – Posso fazer o que eu quiser com seu corpo depois de enfiar esta poção – ele
mostrou um frasco com um líquido lilás – na sua garganta. Criação da MINHA mulher aqui.
Ela é excelente com poções e venenos. Até criou isso para aumentar a eficácia da minha
magia.
Hieron ergueu a espada e Ciara pegou um frasco com um pó semelhante à areia e o
destampou.
- Se você se aproximar com essa merda, vou jogar isso na sua cara pra você alucinar
com todos os seus piores pesadelos, seu corno burro! – Ciara berrou, a dor em seu rosto só
aumentanto sua raiva. – Eu sempre tive nojo de você, idiota! Só casei pra cumprir as ordens
da minha família! Se meu pai não tivesse descoberto minhas festinhas com os bonitões que
Ismir contratava, eu nunca teria me casado com um palerma que nem você!
- Vocês realmente se merecem.
- Sem dúvida, Hieron. – Téo deu mais um passo em direção ao irmão. – Agora eu serei
rei, você vai pro diabo que te carregue, mas antes vai me contar tudo sobre essa bastarda
que preciso matar.
- VOCÊ NUNCA VAI ENCOSTAR NA MINHA MENINA, IDIOTA! – Hieron avançou para
Téo, mas quando a poção previsivelmente foi lançada nele, ele desviou, deu uma rasteiro
em Téo e usou sua espada para cortar os tornozelos de Ciara em um só golpe. A espada
estava muito bem afiada, pois cortou até o osso, deixando apenas uma pequena parte do
tornozelo ainda colado na perna.
Ciara e Téo caíram no chão, cada um para um lado, mas Téo, furioso pelo ataque à
mulher, se levantou e pulou para atacar Hieron.
Hieron já tinha previsto esse movimento e bateu com o cabo da espada no estômago
do irmão, desviando dos ataques mágicos dele que, sem a poção de Ciara, realmente eram
bem fracos.
- Você é tão estúpido... Acha que é rei? – Hieron riu. – Alart é o rei, seu idiota!
- Alart está morto! – Téo disse.
- MATA ELE, TÉO! – Ciara chorou caída no chão, seu rosto ardendo, sangrando, sua
raiva pela traição de Hieron fazendo uma ideia brotar do ciúme, do ego ferido.
- Cala a boca, piranha! – Hieron deu um chute na cara dela que só a fez gritar ainda
mais. – Alart está vivo, casado com Sunny e o tolo do Arman está morto!
- MENTIRA! – Téo gritou.
- ELA É A AMANTE DELE, TÉO! – Ciara jogou sua suspeita no ar. – MATA ELE PRA GENTE
IR ATRÁS DA AMANTE BASTARDA!
L i k a s t í a 0 3 | 150

- Você... HAHAHAHAH! – Téo parecia um louco. – Você pega a minha filha bastardinha
de merda?
- Limpa essa boca imunda pra falar dela! – Hieron partiu para cima de Téo, mas Téo o
derrubou, os dois rolaram no chão entre socos até que Téo conseguiu ficar em cima dele,
sentando em sua barriga.
- Ah eu vou ter muito prazer em dar um fim nela. Bem devagar, como fiz com aquela
coisinha chorona que era a mãe dela. – Téo sorriu com todo ar sinistro de um
vilão...bem...ele é mesmo um vilão, ne. Ele ergueu o frasco de poção com um restinho dela.
– Depois que você me contar quem é ela vou te jogar do topo do palácio e vão pensar que
você se matou.
O vento morno soprou vindo do leste, o som de conflito pareceu sumir.
- Quem é ela e onde ela está? – Téo perguntou.
- Aqui. – O chute de Scylla atingiu as costelas de Téo, o jogando dentro da banheira.
- Scylla... – Hieron olhou como se ela fosse uma alucinação.
- Jogar do... – Ane gaguejou, ainda a uma boa distância como Scylla ordenara. –
Grande Kallisti.... Alart tinha razão... Jana não se matou. Você matou ela...
- Sempre amei sua inteligência, sobrinha. – Téo se levantou da água que agora estava
vermelha e ele bastante tonto com um corte enorme no topo da cabeça, uma mão sobre as
costelas, respirando com dificuldade.
- Ela descobriu sobre o caso deles dois. – Scylla disse, ajudando Hieron a se levantar. –
Por isso eles a mataram. Tentei facilitar para Alart encontrar as provas, mas Done achou
antes algumas coisas.
- O que você está... – Hieron ficou preocupado.
- Achou que eu ia deixar você sujar minha adaga com aquele cara ali sozinho? – Scylla
olhou reprovadoramente para ele.
- Sua piranhazinha! – Ciara tentou se levantar, mas caiu de novo, dessa vez seu rosto
atingindo com tudo a água cheia de sabão.
- Você... Como você chegou tão perto.... – Téo sentiu a cabeça pesar.
- De vocês? Dos seus planos tolos? Do esconderijo onde prenderam Sunny? De todos
os seus crimes? – Scylla sorriu, abaixou e pegou sua adaga embaixo de uma toalha, numa
poça de sangue. – Você é um leonino, mas eu sou uma Tiger. Conhece o ditado: um Tiger
vai te ver 100 vezes antes de você vê-lo uma única vez.
Scylla se virou, pulou e enfiou a adaga na genitália exposta de Téo. – Isso é pela minha
mãe.
- ANAHREHG! – Téo deu o grito mais ininteligível que já ouvi, enquanto o sangue
jorrava na banheira.
L i k a s t í a 0 3 | 151

Ciara deu um berro agudo, meio de raiva, meio de....loucura, acho. Usando os braços,
ela se empurrou para frente até alcançar um enfeite feito de mármore que havia caído,
ergueu e jogou para acertar a coluna de Scylla de costas para ela. O objeto no entanto foi
parado por Ane que o segurou de forma desengonçada, mas eficaz.
- MATE ELA, ANE! ELA É AMANTE DO SEU PAI! – Ciara gritava e chorava ao mesmo
tempo.
- Ela e meu pai se amam. E você não é ninguém para falar de traição, mãe. – Ane disse
com uma tristeza visível.
- Sua....Sua ingrata! Eu fiz tudo por você! Eu vou ser a Rainha! Eu desisti de ser esposa
do Done pra que você pudesse dormir com ele! Eu...
- Mãe...
- Olha como fala com a minha filha!
Scylla soltou a adaga do corpo de Téo que caiu na banheira fraco e tonto demais, com
um dor indescritível na água cheia de sabão.
- Eu estou grávida. – Ane disse, embora não soubesse o que esperava. Mas com
certeza ela não esperava aquela reação.
- Do Done ou de outro qualquer, vagabunda?! – Ciara gritou. – Espero que essa criança
morr...
Em um acesso de raiva protetora, Ane deu uma pisada na cara de Ciara, fazendo ela
calar a boca.
- Você nunca, nunca mesmo, vai ter a chance de sujar minha filha com sua língua
imunda! Você é minha mãe, apesar de tudo, mas pela minha filha eu sou capaz de matar
qualquer um!
- Não será preciso. – Scylla usou um feitiço simples de punição que fez a língua de
Ciara literalmente dar um nó. – Como sacerdotisa oficial, eu condeno sua língua por tentar
amaldiçoar uma criança inocente, de acordo com a lei.
O olhar de raiva de Ciara logo se transformou em um pedido silencioso a Hieron para
ser morta.
- Não, pai. Não vale a pena. – Ane implorou.
O olhar furioso de Hieron se transformou em indiferença. – Não... Não vale. Eu tenho
uma neta e uma bela garota para cuidar.
O som de algo se debatendo na água atraiu a atenção deles. Téo estava se afogando
na banheira, se debatendo, fraco. Hieron puxou o irmão e o tirou da água.
- Eu vou dar um fim nesse... – Scylla começou, mas um toque gentil em seu ombroa fez
virar.
Com olhares surpresos, alguns irritados, Calíope e Sven estavam ali, espadas em suas
mãos.
L i k a s t í a 0 3 | 152

- Não, menina. Ele é seu pai e você sabe o quanto matar um pai ou mãe é maldito. –
Sven disse.
- Mas ele... – Scylla queria viver bem com Hieron, talvez não como um casal mesmo
porque ela tinha uma queda pelo Sven também e preferia ser livre, podendo se divertir com
os dois de tempos em tempos, mas ela queria vingança. Ela precisava de vingança.
- Ele não tem mais nada, Scylla. Viver é um castigo melhor. – Calíope disse. – E você
pode ser livre, Sunny como filha de Ismir já concedeu perdeu oficial a você. Não estrague
sua alma perante Kallisti com um crime desses.
- Mas... – Scylla olhou para Téo desmaiado nos braços de Hieron e sentiu aquela culpa.
- Você não é culpada por sua mãe não ter sido feliz. Você tem o direito de ser feliz,
menina. – Sven disse o que tinha dito a anos quando ela finalmente se livrou do trauma
sexual pelas memórias da mãe e se entregou a ele.
- Às vezes acho que você é tão telepata quanto eu, Sven. – Scylla comentou, sentindo
aquela leveza que ele parecia ter o dom de lhe dar.
- Às vezes acho que ele lê mentes também. – Calíope comentou. – Agora, Ane, meu
amor, vamos conversar sobre sua fuga e uma certa má influência que a ajudou?
Só então Ciara entendeu que Ane acabaria se tornando a Rainha, pois o amor entre a
menina e Calíope eram quase palpáveis. Aquilo a encheu de inveja, de ódio.

~o ⭐ o~
Três meses depois....
Sunny e Alart aguardavam a chegada de Ane com a pequena Epaine, uma Tiger linda
que ria para absolutamente qualquer coisa. Os exércitos patrulhavam as estradas depois da
fuga de Ciara a um mês ao ser transferida para ser julgada em Tiger por crimes de tráfico de
poções alucinógenas proibidas para Ismir usar em suas festas. Uma delas inclusive tendo
sido usada na mãe de Scylla. Ciara havia se soltado e se jogado no mar. Ninguém sabia se
ela tinha se matado para encontrar Téo no outro mundo, já que ele tinha morrido dias
antes devido um coágulo em sua cabeça que explodiu. Mas todo cuidado era pouco.
- Aine, vem com a tia, amorzinho! – Sunny pegou a menina do colo de Ane assim que
ela desceu da carruagem, sem nem olhar para a amiga.
- Oi, Sunny. Também é bom te ver. – Ane riu.
- Não liga. Deve ser os hormônios maternos gritando. – Alart comentou.
- Quando o pequenino nasce? Já está perto, não é? – Ane perguntou, entrando no
palácio.
- A qualquer momento. – Alart respondeu e se perguntou, pela milésima vez, como
Sunny conseguia andar com aquele barrigão. – E não um pequenino.
- Como assim? – Ane perguntou.
L i k a s t í a 0 3 | 153

- São três. – Alart respondeu com um sorriso idiota.


- AAAAH! – Ane correu para abraçar Sunny.
- Você não sabe ser sutil, não é? – Sunny perguntou para ele.
- Aprendi com você, amor.

~o ⭐ o~
Calíope estava batendo o pé no chão, deixando Sven ainda mais mau humorado.
- Ela só viajou a dois dias. Logo ela e Aine voltam. – Sven resmungou.
- Minha esposa viajou a longos dois dias! Se eu não tivesse tanto trabalho, teria ido
também. Queria tanto ver minha amiga. Sunny logo vai ter aquele bebê enorme que deve
se esconder naquele barrigão. ...Saudades da minha esposa....
- É a quinta vez em quinze minutos que você diz isso.
- É a milésima vez em 15 minutos que você aponta esse lápis. – Calíope resmungou. –
Vai logo atrás da Scylla, caramba!
- Não posso.
- Ela resolveu dar uns pegas no Hieron não é?
- Hump! Ela podia se decidir logo!
- Ela não disse que ia decidir por ninguém. Só que ela gostava de transar com os dois e
não queria compromisso. Vocês que ficam indo atrás dela toda hora e, como a garota não é
de ferro e já deixou tudo claro, aceita dormir com quem lhe dá na telha!
- Mas eu amo aquela menina... – Sven abaixou a cabeça.
- Hieron disse a mesma coisa ontem. E vou te dizer o mesmo que disse pra ele: se
afaste se você não consegue ficar com ela apenas sexualmente de vez em quando, se isso
te machuca.
- Machuca muito mais ficar sem ela. – Sven respondeu.
- Credo! Parece um eco do Hieron. – Calíope comentou e os dois riram do ridículo da
situação.

~o ⭐ o~
- Hieron... – Scylla perguntou, deitada nua com a cabeça no peito dele, no meio da
floresta.
- Oi, minha linda?
- Eu estava pensando....
- Eu tenho medo disso... – Ele brincou. – Seus pensamentos são perigosos e
pervertidos, minha linda.
- Hahaha! Nem posso negar. Mas, desta vez, é algo puro.
- Certo. Do que se trata?
L i k a s t í a 0 3 | 154

- Você já pensou que poderia ser legal um fim de semana, numa cabana isolada...
- Hmmmm... Estou gostando disso.
- Comida e bebida gostosa....
- Muito bom. – Ele já estava mesmo imaginando.
- Sexo...
- Isso está indo muito bem...
- Comigo...
- Adorei.
- E com você e Sven.
- Porra, Scylla! – Ele se levantou tenso, meio odiando a ideia, meio pensando, mas não
ia admitir essa parte porque Scylla era realmente um perigo.
- O que? Eu adoraria ter meus dois favoritos me amando ao mesmo tempo.
- Você é muito devassa!
- Sou. E também sou sincera. Não preciso e não quero mais esconder nada.
Ele começou a se vestir emburrado, irritado por imagens nada decentes com ele e
Sven (que, por algum mistério da natureza, estavam se tornando muito amigos) divindo
Scylla. Ela o beijou na nuca, abraçando seu peito.
- Só pense nisso. Sven me prometeu pensar.
Em um impulso apaixonado e irritado, ele se virou e a beijou, sabendo qual seria sua
resposta no fim das contas.

~o ⭐ o~
Já chega. Já contei demais a vida dos outros.
O resto, imagine. Bota essa massa encefálica cinzenta pra trabalhar!
Quem sabe, um dia, eu conte mais num futurepílogo.
L i k a s t í a 0 3 | 155

Futurepílogo
Não falei que poderia um dia vir contar o futurepílogo? Bem, hoje é “um dia” ne.

~o ⭐ o~
Calíope olhou para aquele rapaz forte, enorme, parecendo um armário, quieto,
observador, com uma magia obscura sendo capaz de se transformar em uma névoa negra e
se transportar assim pelos lugares e se sentiu mais velha ainda. Era quase impossível
acreditar que o caçula dos trigêmeos tinha nascido morto e ela conseguiu o reanimar
segundos depois com sua magia. O olhar de Lich foi atraído para ela. Ele ergueu o copo em
uma saudação e ela sabia que ele sorria, na alma, claro, já que desde criança ele nunca
sorrira. O total oposto de seu irmão do meio, Lesath, rindo de alguma coisa boba que sua
neta, Aine, dissera. Aine e Lesath tinham muito em comum. Ambos eram caçadores natos,
viviam pregando peças e assustando a todos desde criança, riam até para o vento e eram
conhecidos por serem namoradores em série... Embora Aine fosse um pouco mais
responsável. Lesath era festeiro, com uma poderosa magia de cura, sedutor, irresponsável,
não levava nada a sério e o fato de sua única ter sido pega traindo ele não ajudou em nada.
Se Aine não tivesse descoberto e exposto a moça... E havia o herdeiro do trono leonino,
Lucius, o jovem forte, guerreiro, exímio nadador, responsável, explosivo, competitivo,
direto como a mãe, e que possuía uma forte telepatia. Calíope sempre imaginou que Aine
acabaria se casando com um dos trigêmeos, mas nunca conseguiu perceber nada entre eles
além da amizade muito poderosa e de alguma diversão ocasional. Aqueles quatro eram
unidos, inseparáveis e, quando Lesath e Lucius entravam em algum conflito bobo, Lich era
quem unia a todos ou Aine com seu belo sorriso.
- Eles se tornaram adultos maravilhosos ne? – Ane deu um beijo doce em Calíope e
entregou uma taça.
- Sim. – Calíope respondeu. – Você viu as filhas de Scylla em algum lugar?
- Gaia foi com o pai em algum lugar do palácio. Sabe como Sven adora passear com a
filha. – Ane respondeu.
- E Maia? Foi junto? Aquelas duas não se desgrudam.
- Não. Minha irmãzinha está levando uma bronca do nosso pai por alguma coisa que
não entendi.
- Hieron parecia incomodado com algo mesmo.
- Os tri que devem estar adorando ter a atenção da Aine só para eles. Se minha filha
não fosse uma devassa como Scylla e pegasse eles de vez em quando, eu apostaria que eles
são irmãos só de olhar. Nunca vi igual... Esses quatro parecem cúmplices de um crime. –
Ane brincou.
- Mamããããããe! – Aine correu e pulou, sentando no colo de Ane.
L i k a s t í a 0 3 | 156

- Menina, você está pesada. – Ane sorriu. – Fala. O que você quer?
- Mas eu nem disse nada, mamãe linda adorável... – Aine sorriu e deu vários beijos no
rosto da mãe. – A mamãe não é linda, vozinha?
- A mais linda do universo. – Calíope disse e Ane ficou sem graça.
- Fala de uma vez, Aine. Eu te conheço.
- Eu e os meninos vamos passear na floresta. Eu posso voltar de manhã? – Aine fez
beicinho.
- Não. Você conhece as regras. – Ane disse.
- Mas, mamãe, linda, minha paixão, é aniversário dos meninos... Seria um presente...
- Nem quero saber que presente é esse. – Ane cortou a conversa e Calíope quase
engasgou com a bebida.
- Ane, deixa a menina, ela não é uma criança faz tempo. – Calíope disse e Ane olhou
feio.
- Deixa a menina ir, Ane. – Sunny disse, com Alart ao seu lado.
- TITIIIIIIIIIIIIIIIIIA! – Aine deu um sorriso enorme, levantou e pulou no pescoço de
Sunny.
- Vocês estragam essa menina. – Ane disse.
- Os meninos organizaram uma pequena festa na cabana da Scylla. – Alart disse.
- Tinha que ser... Scylla sempre apoiando as maluquices desses quatro.
- Eu só estou facilitando a vida da minha priminha preferida. – Scylla se apoiou na
bengala que usava a alguns anos.
- E eu te adoro por isso. – Aine deu um beijo no rosto de Scylla.
- Ane, os rapazes morreriam antes de deixar ela se machucar e Aine sabe se defender
melhor do que todos nós juntos. Deixa eles. – Alart atraiu o olhar irritado de Ane.
- Ok, ok. Já que estão todos contra mim.... Vai lá. – Ane disse.
- Oooooown... Mamãe precisa de um carinho. – Aine deu mais um monte de beijos no
rosto dela.
- Certo, certo... Chega, Aine. – Ane riu. – Vá, mas se comporte viu.
Aine já estava a alguns passos quando virou, sorriu de um jeito que parecia o sorriso
de Done estampado, piscou e disse: - Mamãe, tudo que não vou fazer com os três bonitões
miguxos é me comportar. – Se virou e correu para os trigêmeos que já estavam saindo.
- Aine! – Ane disse, pronta para dar um sermão enquanto os outros riam.
- Calma, meu amor. Eles se entendem. – Calíope segurou a mão dela e beijou.
- Eu não sei de quem essa menina herdou esse... – Ane começou e se corrigiu. – Certo,
certo. Deixa pra lá.
- Scylla, onde estão as meninas? – Sunny perguntou. – Trouxe umas coisinhas para
elas.
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- Cada uma com seu pai. – Scylla respondeu. – Maia estava precisando de uma
orientação, digamos. Gaia está passeando com Sven, ouvindo as histórias dele como
sempre.
- Me chamaram? – Gaia soltou o braço do pai, vindo em um ritmo devagar com ele
que já não conseguia andar tão rápido. – Tia Sunny! Já costurei sua langerie.
- Gaia! – Scylla e Sven chamaram a atenção dela.
- O que? – Gaia se virou confusa.
- O que o papai te falou sobre sutileza, lindinha? - Sven perguntou.
- Desculpa, papai. – Gaia ficou envergonhada.
- Deixa a menina, gente. – Sunny puxou a menina protetoramente ao seu lado. – Não
liga, Gaia. Vem comigo. Trouxe um batom novo que vi naquela loja... Você vai adorar.
- Sua primogênita parece tanto com Sunny que às vezes parece loucura. – Alart
comentou.
- Nem me fale. – Scylla se virou e se despediu da Rainha.
- Já vai? – Ane perguntou.
- Sim. Preciso avaliar algumas candidatas no Templo de Kallisti.
- Maia vai participar dos testes? – Alart perguntou.
- Não. Ela precisa cuidar de si mesma primeiro. – Scylla disse e ninguém discutiu,
afinal, ela era a Grã-Sacerdotisa de Kallisti e era muito rígida e eficiente em seu trabalho.
Quando Maia e Hieron apareceram na entrada lateral, Scylla abriu um portal e
esperou Maia, cabisbaixa, se aproximar.
- Boa noite para todos. – A caçula de Scylla cumprimentou. – Tio Alart... A tia Scylla
veio?
- Sim, querida. Está lá em cima com sua irmã. – Alart respondeu, fazendo um cafuné na
moça.
- Já vai? – Hieron perguntou, dando um beijo na testa de Scylla.
- Sim. Falou com ela?
- Sim. Sven, que tal uma bebida? – Hieron cumprimentou o amigo, quase um irmão
agora.
- Claro. – Sven respondeu, dando um rápido abraço no amigo.
- Mãe, posso ir? – Maia perguntou. Scylla deu um abraço na filha e concordou. Maia
saiu quase correndo para encontrar a irmã mais velha e Sunny que adorava mimar as
meninas.
Ane deu um abraço forte no pai enquanto Scylla passava pelo portal e o fechava atrás
dela.
- Grande Kallisti... Ilumine minha filha... A inveja é algo muito destrutivo... – Scylla orou
do outro lado.
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Vou tentar, Scylla... Mas não prometo nada.

Enquanto isso, na floresta...


- Muito bem, o jogo é simples. – Aine deu aquele sorriso capaz de derreter o coração
de qualquer um e começou a tirar a saia e a blusa, ficando apenas com um biquíni preto e
marrom, como o pelo de seus amigos.
Os três estavam sentados no chão, na frente da lareira que ela acendera com seu
poder de fogo uma hora atrás, atentos à ela. Aine era a melhor amiga dos três, uma
amizade colorida que gerou ciúme uma vez. Foi quando Aine resolveu a crise de ciúme
dormindo com os três ao mesmo tempo. Parecia loucura no início, mas funcionou. Eles se
adoravam, mas não tinham mais ciúme e, embora tivessem brincado na infância que um dia
ela casaria com um deles, hoje nenhum realmente pensava nisso. Naquele aniversário de
20 anos dos trigêmeos, Aine decidira que eles iriam comemorar na festa que sua mãe e sua
avó fariam, mas depois iam se divertir entre eles apenas. Claro, os irmãos pediram ajuda de
Scylla que lhes emprestou a antiga cabana construída por Hieron para ela, ele e Sven.
- Você vai trapacear, como sempre? – Lucius perguntou, alongando um braço sobre a
cabeça.
- Eu? Eu nunca trapaceio... Eu só, moldo as regras. – Aine sorriu.
- Você vai terminar de tirar tudo ou vou ter que ir aí resolver isso? – Lesath sorriu.
- Eu não vou tirar mais nada... Por enquanto.
- Quais as regras? – Lich perguntou, já se levantando.
- Eu vou até a lagoa. Quem conseguir me pegar primeiro, vai ganhar um presentinho
oral. – Aine sorriu e os dois irmãos se levantaram também. – Mas, se nenhum conseguir me
alcançar antes da lagoa, vocês vão tatuar meu nome no ombro e vão ter que observar
enquanto eu me divirto com outro.
- Você é terrível, Aine. – Lucius riu.
- E vocês me adoram por isso, migos. Muito bem... contem 10 segundos e venham me
pegar... Se puder, claro. – Aine saiu e correu o mais rápido que pôde.
Dois...três...quatro...cinco... Ela sorriu ao ouvir seus amigos correndo atrás dela, burlando a
regra dos 10 segundos. Hora de moldar as regras.
Duas semanas depois, os trigêmeos assinavam alguns documentos do reino sorrindo
com a lembrança da noite em que dormiram com Aine nua no lago, mesmo tendo perdido
o tal jogo e agora ostentando uma tatuagem no ombro direito escrita “Aine me
impressiona”.
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Pretéribônus
Cronos levantou cedo. Não era novidade. Mesmo em dia de folga, ele levantava cedo.
Seu pai enviara uma mensagem pela milionésima vez pedindo que ele fosse visita-lo no
palácio Tiger. Ele nunca ia. Não que seu pai não fosse um bom homem. Sven era um nobre
respeitado, leal, justo e um ótimo pai. Mas Cronos sempre achara os nobres da Corte um
saco, um bando de gente ambiciosa e metida que não saberia caçar sua comida nem se sua
vida dependesse disso.
- Cronos! Já acordou?
Seu parceiro ocasional de trabalho e atual aprendiz de armas chamou da porta,
possivelmente procurando alguma caçada para ganhar um trocado. O leonino era hábil,
esforçado e tinha um talento natural para armas de arremesso. Cronos trabalhava com ele
a uns dois anos e já tinha desenvolvido uma admiração e amizade pelo cara.
- Sim, entra ai!
- Vai caçar hoje?
- Não. É minha folga. Amanhã pretendo caçar nas montanhas. Se quiser ir, já dorme
aqui e saímos cedo.
- Ótimo! Preciso juntar mais algum dinheiro para meu irmão. Não quero deixar ele sem
um extra.
- Você se dedica demais, Hieron. Precisa pensar em você mesmo também. Você não
disse que é doido para ser pai? Tem que começar a pensar em se casar ou arrumar uma
namorada.
- Eu sei. – Hieron sentou e prendeu a longa juba em um coque alto. – Mas Téo só tem
a mim e quero que ele estude. O cara é bom nessas coisas.
- Só não esqueça de você, parceiro. A vida passa rápido demais para não focarmos em
nós mesmos também. Além do mais, quero ver um pequeno Hieron correndo por aí para
ensinar ele a ser um garanhão. – Cronos brincou.
- Eu preferia ser mais de uma menina, mas independente do que vier, vou me esforçar
para ser o melhor pai que este mundo já viu. – Hieron deu um sorriso bobo, imaginando
como poderia ser sua menininha no futuro. – O que me lembra... Vai ver seu pai?
- Não sei....
- Cronos, eu sei que você não gosta de lá, mas precisa ver ele, cara. Acredite, eu sei o
que é viver sem os pais. Valoriza o seu. Como você mesmo disse, a vida é curta.
Enquanto Hieron foi dar uma volta pela cidade, Cronos seguiu o conselho do novo
amigo e foi visitar seu pai. Sven parecia mais forte, maduro, do que Cronos se lembrava,
com alguns pelos ficando cinzentos.
- A que devo a honra da visita do meu filho desnaturado? – Sven abraçou e Tiger mais
novo.
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- Um amigo ameaçou roubar meus dreds se eu não viesse.


- Me lembre de mandar fazer uma estátua para esse seu amigo. – Sven brincou e
notou o incômodo do filho com aquele tanto de gente passando para lá e para cá no
palácio. – Você fica muito na floresta, filho. Nunca vai deixar de ser tímido assim.
Cronos deu de ombros e seguiu o pai para um escritório tranquilo. Eles conversaram
por horas, tomando alguns drinks e comendo pequenos cubinhos de carne mal passada.
- Por Kallisti, criatura! Eu estava te procurando a horas! – Calíope entrou ofegante.
- Majestade. – Cronos não tinha como não reconhecer, mesmo que nem se lembrasse
de já tê-la visto tão de perto. Calíope era bonita, com um corpo cheio de músculos, olhos
grandes e espertos, uma postura altiva e olheiras sempre presentes.
- Majestade, este é meu filho, Cronos. – Sven apresentou.
- O famoso caçador. – Calíope se aproximou com um sorriso educado, mas sincero. –
Honestamente, estava começando a pensar que você era uma alucinação desse velho aqui.
- Eu não sou velho! Sou experiente. – Sven cruzou os braços, emburrado.
- Velho. – Calíope deu um tapinha no ombro de Sven que mostrou a língua para ela.
Cronos olhou a cena boquiaberto. Como seu pai podia falar assim com a Rainha Tiger?
Como ela não fora grossa com ele por isso?
- Mas em que posso ajuda-la? – Sven assumiu seu modo profissional.
- Ismir está me enlouquecendo! Ele é legal, etc, etc, etc, mas não quero alguém com a
ambição da nobreza para ser pai do herdeiro do trono. – Calíope se virou para Cronos, o
incluindo na conversa com a naturalidade de quem falava com um amigo. - Não quero ser
grossa e perder a amizade dele, mas não sei como ser mais clara, sabe?
- Eu... Acho... – Cronos se sentiu envergonhado demais e inseguro para dizer o resto. –
Posso dizer o que acho?
- Mas é claro! Seu pai sempre elogiou sua prudência. Fale. Qualquer ideia é bem vinda.
Sven apenas ficou calado, não querendo piorar a timidez do filho.
- Acho que a senhora...
- Você. Senhora me faz sentir velha como seu pai. – Calíope corrigiu.
- Eu não sou velho! – Sven disse.
- Acho que você poderia afastar ele por algum tempo para tirar ele do seu pé ou, quem
sabe, fazer ele encontrar outra pessoa para casar...
- Eca! Não quero casar, só preciso gerar um herdeiro mesmo e claro que eu quero um
bom homem, sem ambição para não perder a cabeça com a chance de subir no trono...
- Mais fácil ainda. É só afastar ele por um tempo com um trabalho qualquer até você
achar alguém. – Cronos comentou.
Semanas se passaram e Cronos continou em sua vida comum. Em uma semana agitada
de caçadas solitárias, ele notou uma trilha perto das regiões do planalto das ovelhaslobinas.
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Havia pelo menos mais três Tiger nas proximidades. Seguindo os rastros ele se deparou
com um pequeno acampamento. Calíope e mais duas Sentinelas estavam relaxando ali
depois de dois dias de corrida, um descanso que a Rainha havia dado a si mesma, se
afastando do Conselho dos Nobres que estava pressionando por um herdeiro Tiger. Cronos
ficou indeciso se ia até lá ou não, com vergonha, sujo de lama, fedendo suor...
- Cronos? – Calíope chamou de longe.
Que visão boa do caramba! Cronos pensou e se aproximou.
Eles conversaram por horas, nem notando que as Sentinelas haviam se afastado para
dar privacidade a eles. Meio sem graça, ele a convidou para ver o rio que tinha ali perto.
Ambos saíram sozinhos e, ao chegar no rio, Calíope tirou a roupa ficando nua e deixando
Cronos olhando feito bobo, incapaz de desviar o olhar, ao mesmo tempo em que se sentia
um poço de vergonha.
Claro que Calíope percebeu. Meio que foi proposital também, pois sua decisão estava
tomada antes mesmo dela ver Cronos ao longe no escuro. Foi quase como se ela tivesse
invocado ele com seus pensamentos, assim que ela havia tomado uma decisão, ou como se
a própria Kallisti tivesse colocado ele ali.

Eeeeeeu? Imagiiiiiiiina.

Calíope mergulhou e sorriu para ele. – Você não vem?


Cronos respirou, coçou a nuca sentindo seu corpo esquentar de vergonha e...de outra
coisa também. Ele tirou as roupas de costas para ela, fazendo Calíope sorrir e se controlar
segundos depois. Cronos estava duro, se é que me entende, e pensou que deveria pedir
desculpas, sair dali, esconder... Ele ouviu o som da água e passos no chão atrás dele.
Calíope, nua e molhada (entenda como quiser), o abraçou por trás e, lentamente, guiou o
braço dele para afastar a mão que ele usava para tampar sua ereção.
- Tudo bem, Cronos. – Calíope sussurrou em seu ouvido. – Eu quero que você seja o
pai do meu filho ou filha.
- Eu?
- Claro. Você é sincero, honesto, nobre de espírito e lindo de morrer! Me engravide...
Isto é.... Se você sentir alguma atração por mim, claro.
Cronos se virou, pegou a mão dela, deu um beijo nas costas de sua mão. Com um
sorriso de lado, sexy como o inferno, ele respondeu: - Nada me daria mais alegria do que
dar um filho para uma Tiger tão maravilhosa.
No fim de uma noite inteira de “tentativas” de procriação, cada uma terminado com
ambos sorrindo de prazer, Calíope voltou para o acampamento com Cronos, atraindo o
olhar esperançoso das Sentinelas que, como todos os Tiger, desejavam ver um Rei ou
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Rainha consorte no trono Tiger e um herdeiro da Coroa correndo por aí. Um desses desejos
se realizou dois meses depois, quando um felino forte e lindo nasceu, o adorável príncipe
Aidoneus. O outro só se realizaria 22 anos depois, quando Calíope se casaria com a jovem
Ane, uma leonina que também era mãe da recém-nascida Epaine.
Durante 4 anos, Done cresceu no palácio com sua mãe, vendo o pai duas a três vezes
por semana quando ele o visitava ou o levava para caçar. Cronos adorava o filho e sempre
estivera presente, com Calíope se tornando uma felina que ele admirava e uma das poucas
pessoas com quem ele se sentia à vontade. Até que, numa tarde, Calíope se arrepiou toda,
sem nenhum motivo aparente, e Sven que estava na sua frente sentiu um nó na garganta,
algo estranho, um pressentimento ruim. Ambos se entreolharam e comentaram sobre isso,
preocupados, chamando a Sacerdotisa de Kallisti para ajudar.
Em uma caçada nas montanhas próximas de Jubay, Cronos acabou sendo atacado por
uma fera presa em uma de suas armadilhas que mordeu sua garganta, causando uma
morte quase instantânea antes que ele pudesse enfiar sua adaga na garganta do animal
para mata-lo. Seu corpo foi encontrado pela Sacerdotisa de Kallisti e recebeu o funeral de
um membro da realeza, com Done prometendo a si mesmo que nunca seria um caçador em
sua vida para não deixar seu filho no futuro crescer sem ele.
Infelizmente, isso não adiantaria muito

~o ⭐ o~
Quando o Sol brilhar, sinta um cafuné meu e lembre de aproveitar a vida. Ela pode ser
difícil, mas é rápida e preciosa demais para não ser grato por isso.
Nos vemos em breve, em algum lugar, em algum universo;
Ass:
Kallisti
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Bônus da Autora

Arte de capa (1070 x 1226)


https://i.imgur.com/eGz1x0i.png

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