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POLítica
Material de Estudos
Professora:
Amanda Bastos
Arte e Política, Arte Política ou Política da Arte?
A expressão “arte e política” diz respeito a todo tipo de possibilidades de interconexões
da produção artística com os movimentos políticos. “Arte política” é aquela em que o artista se
assume como protagonista de uma ação política, buscando produzir efeitos nas estruturas de
poder vigentes, sejam para sua transformação ou para sua manutenção. A expressão “política da
arte” se refere às correntes políticas que se estabelecem dentro do campo da arte definindo
posições e poderes. Apesar de se falar tanto de política em nosso meio, contraditoriamente, no
entanto, muito pouco se fala de suas relações com a arte.
No entanto, como afirma Jacques Ranciere, “arte e política têm em comum o fato de
produzirem ficções. Uma ficção não consiste em contar histórias imaginárias. É a construção de
uma nova relação entre a aparência e a realidade, o visível e o seu significado, o singular e o
comum.”
MINUJÍN, Marta. Partenon de livros. 2017. Aço, livros e folhas de plástico, 19,5 m × 29,5 m × 65,5 m. A artista
argentina remontou sua obra de 1983 no festival de arte Documenta 14, de 2017, em Kassel, na Alemanha. A
estrutura é composta de mais de 100 mil livros, obtidos por meio de doações, que correspondem a mais de 170
títulos proibidos em vários países em todo o mundo. Esses livros foram amarrados à estrutura de aço e
revestidos com folhas plásticas, que os protegem e permitem a entrada da luz solar no edifício.
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A artista argentina Marta Minujín (1943-) criou, em 2017, uma réplica de uma das
construções arquitetônicas mais famosas do mundo: o Partenon, localizado na Acrópole de
Atenas, na Grécia. Esse templo foi construído no século V a.C. em homenagem à deusa Atena.
Marta, no entanto, fez a réplica do Partenon utilizando livros censurados, isto é, uma arte
como símbolo da resistência à repressão política. A primeira montagem da obra foi feita em
Buenos Aires em 1983 com livros censurados no período da ditadura militar argentina (1976-
1983).
Os livros foram doados por editoras e a obra celebrou a restauração da democracia,
naquele ano. Foram necessários, na época, mais de 20 mil livros, além de uma estrutura tubular
com 15 metros de extensão e 12 metros de altura.
Alguns dos autores proibidos naquele momento eram Sigmund Freud, Karl Marx, Jean-
Paul Sartre, Adam Smith, Antonio Gramsci, G. W. F. Hegel, Ernest Hemingway, Jorge Luis Borges,
Marguerite Yourcenar e Michel Foucault. No dia 24 de dezembro de 1983, a estrutura foi desfeita
e os livros, distribuídos: cerca de 12 mil foram doados a pessoas presentes e 8 mil, levados para
bibliotecas públicas.
Em sua remontagem, em 2017, Marta Minujín selecionou mais de 170 títulos que são
atualmente proibidos em diversos países, trazendo à tona a questão da censura como uma das
mais potentes ferramentas dos regimes militares ou autoritários.
Por mais que pareça estranho imaginar que isso ocorra na atualidade, existem diversos
grupos políticos no mundo que entendem, ainda hoje, que determinadas manifestações
culturais, como exposições de arte, apresentações de dança, obras de literatura, músicas ou
peças de teatro, ferem princípios morais ou prejudicam os interesses dos que estão no poder.
Ao longo deste tema, veremos como a arte responde às imposições do poder, seja
driblando a censura, seja colocando em destaque temas ignorados por grupos que estão
governando o país.
Saberemos, ainda, como a arte e a cultura encontraram estratégias de resistência em
diferentes momentos históricos, mantendo-se vivas mesmo quando não são valorizadas por
políticas públicas.
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Observe essa outra imagem:
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Observe as imagens a seguir:
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ARTE COMO PROTESTO
1. Essa imagem, que data de 1967, está inserida no contexto da ditadura militar
brasileira. De que forma você relaciona o momento histórico com tal obra?
2. Caso você tivesse de criar uma obra com uma palavra de ordem sobre o contexto
brasileiro atual, qual seria ela?
O início da década de 1960 no Brasil foi marcado por muito otimismo, com a
construção de Brasília, o concretismo e a ideia de desenvolvimento que prevalecia
no país. Em 1964, a história, no entanto, tomou outro curso com a instauração da
ditadura militar, que limitou liberdades individuais e de expressão.
O Ato Institucional no 5, conhecido com AI-5, que entrou em vigor em 13 de
dezembro de 1968, definiu o período de maior repressão da ditadura militar. Ele
vigorou até dezembro de 1978. Durante sua vigência, foi permitido aos governantes
punir arbitrariamente os que fossem considerados “inimigos” do governo e censurar
as artes e os meios de comunicação.
Em 1967, o artista visual Rubens Gerchman (1942-2008) colocou enormes letras
feitas de madeira e fórmica no meio da avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, com
o intuito de atrapalhar o trânsito e levar o público à ação contra a repressão. As
letras formavam a palavra lute. Tal obra foi uma das mais representativas do
neoconcretismo brasileiro.
Gerchman não foi o único artista a expressar sua
indignação diante da censura e do regime ditatorial.
Grande parte da produção artística da época reflete a
repulsa à censura, à perseguição e ao assassinato de
opositores ao governo.
Esse período de intensa falta de liberdade de
expressão obrigou os artistas a pensar em formas de
circulação de suas obras fora dos circuitos tradicionais,
nos quais elas não seriam aceitas por criticar o regime.
Entre 1960 e 1970, o jovem Carlos Zilio (1944-) foi um
artista que contestou ativamente o governo, por meio de
sua arte.
Sua obra Identidade ignorada, criada em 1974 como
uma referência aos desaparecimentos políticos da época,
hoje ganha novos significados, porém permanece crítica e
socialmente engajada. ZILIO, Carlos. Identidade Ignorada, 1974.
Fotografia, 18 cm × 24 cm. Acervo do artista.
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Claudio Tozzi (1944-), artista que à época era estudante de
arquitetura e iniciava sua produção, criou obras de
contestação que tinham como influência a Pop Art, utilizando
a serigrafia e imagens de comunicação de massa.
Em vez de criticar o consumismo, como faziam os ícones
estadunidenses desse movimento, o artista apropriava-se de
elementos da Pop Art para contestar a opressão em que se
vivia no Brasil. Utilizando linguagem simples, com recursos e
elementos das histórias em quadrinhos e da comunicação de
massa, os trabalhos buscavam comunicar-se com um público
mais amplo que aquele habitualmente apreciador das artes
visuais.
Em um contexto marcado pela violência e pela cassação do
direito de se expressar, os artistas encontravam formas de
driblar a censura, questionar a falta de liberdade de expressão
e criticar o regime de poder imposto.
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Arte a partir do Golpe
Militar no Brasil:
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Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
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A canção de protesto: música e manifestação política
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Depois da Segunda Guerra Mundial, com a grande polarização da política global na Guerra Fria
(1947-1991), países da América Latina passaram a viver sob ditadura. Da mesma forma como
ocorreu no fascismo e no nazismo, os artistas foram perseguidos e utilizaram a música para
transmitir suas mensagens de resistência e denúncia.
No Chile, uma música que havia sido composta para celebrar a eleição do democrata Salvador
Allende, em 1970, tornou-se um hino de resistência quando o general Augusto Pinochet deu um
golpe de Estado e implementou uma ditadura militar que durou de 1973 a 1990. Procure na
internet a música “El pueblo unido jamás será vencido” (O povo unido jamais será vencido, em
tradução livre) e ouça-a. Ela foi composta por Sergio Ortega (1938-2003) e sua letra foi escrita pelo
grupo Quilapayún, representante do movimento Nueva Canción Chilena, que teve diversos
membros perseguidos pela ditadura. Abaixo, uma tradução livre.
Ao bosque austral
Unidos na luta e no trabalho
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Na década de 1950 o Brasil vivia transformações sociais e culturais relacionadas à crescente
industrialização e urbanização, e à pauta política desenvolvimentista. É a década do governo de Juscelino
Kubitschek (1902-1976) e de sua proposta de crescimento com o slogan “50 anos em 5”. Um marco desse
período é a construção de Brasília, inaugurada em 1960. Cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo
concentravam o poder político do país e começavam a se transformar nas metrópo les que são hoje. As
intensas desigualdades sociais atraíam para esses centros urbanos muitos trabalhadores do Norte e
Nordeste do país em busca de uma vida melhor.
A década de 60 representou para a música um período
revolucionário, despertando o potencial de grandes artistas e
Contracultura é um
movimentos de fortes ideologias. No contexto internacional, em
movimento de
1965, viu-se a explosão de grandes nomes, como Beatles, Rolling
Stones, Bob Dylan, Bob Marley e Janis Joplin. Em consonância, a questionamento e
década se encerrou com “chave de ouro” para os hippies a partir negação da cultura
do Festival de Woodstock em 1969 – o grande marco vigente que visa quebrar
da contracultura. tabus e contrariar
No Brasil, a década também surpreendeu. Em meio a um normas e padrões
contexto político incerto, explodiram expressões politizadas e de culturais que dominam
protesto, além do pop da Jovem Guarda e o excêntrico da Bossa uma determinada
Nova. E no meio de tudo isso, outro movimento passou a sociedade. Em geral, as
transgredir: a tropicália. O movimento retomou alguns dos
ações de contracultura
princípios da Antropofagia adaptados ao contexto da época para
surgiram de jovens
agitar o cenário político e cultural brasileiro, com uma postura
contestatória e irreverente, questionando o que era considerado descontentes com a vida
bom gosto da época e assimilando, numa atitude antropofágica, e os padrões
influências culturais das mais diversas. estabelecidos por seus
pais.
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Na realidade, o movimento tropicalista não nasceu de forma organizada e nem com
o nome que conhecemos hoje. Muitos artistas da época manifestavam em suas obras
interesses de ruptura e renovação: cineastas, escritores e intelectuais, que muitas vezes
nem se conheciam pessoalmente. O nome tropicália foi sugerido pelo cineasta Luiz
Carlos Barreto para uma música do disco de 1967 de Caetano, ao ver nela relações com
uma obra de mesmo nome de Hélio Oiticica.
Helio Oiticica,
Tropicália,
Penetráveis, 1967.
Instalação na
Universidade Estadual
do Rio de Janeiro.
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Essas são algumas imagens da obra Tropicália, de Hélio Oiticica. Ela é composta
por vários “penetráveis”, que segundo o artista são “labirintos com ou sem placas
movediças nos quias o expectador penetra, cumprindo um percurso. Obviamente
é impossível, só com as fotos, ter a experiência de percorrer a Tropicália. Mas é
possível ter uma ideia dos elementos que a compõe. Você os identifica? Leia a letra
e se possível, escute a música “Tropicália”, de Caetano Veloso.
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Vocês conseguem perceber as relações entre a música de Caetano e a
instalação de Hélio Oiticica?
Hélio Oiticica (1937-1980) criou, a partir da década de 1960, diversas obras que
propõem a participação do público. Os penetráveis são algumas delas. Preocupado
com a relação mais intuitiva e espontânea do público com as propostas artísticas, sem
as barreiras da intelectualidade da arte feita pela e para a elite burguesa, ele acabou
se interessando pro manifestações populares com o Carnaval, o samba e a favela,
tornando-se inclusive passista da escola de samba Mangueira. Veja o que disse o
artista, numa entrevista ao Jornal do Commercio, em 1967, sobre a obra Tropicália:
(...) para entrar em cada penetrável era o participador obrigado a caminhar sobre areia,
pedras de brita, procurar poemas entre as folhagens, brincar com araras etc. – o ambiente
criado era obviamente tropical, como que num fundo de chácara, e, o mais importante, havia
a sensação de que se estaria pisando na terra. Essa sensação, senti-a eu anteriormente ao
caminhar pelo morros, pela favela, e mesmo o percurso de entrar, sair, dobrar pelas
quebradas da Tropicália, lembram muito as caminhadas pelo morro (...)
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É neste contexto de reinvenção e intensa produção que a censura começa a atuar. Em 1967
a polícia quis retirar o trabalho de Claudio Tozzi da IV Salão de Arte Moderna do Distrito Federal,
considerado subversivo. Em 1968, a II Bienal da Bahia é fechada também por ter seu conteúdo
considerado subversivo. Em 1969, a pré-bienal de Paris, realizada no MAM, também é
censurada. Também foram retirados trabalhos do Salão de Ouro Preto (1969) e do Salão do
Museu de Arte da prefeitura de Belo Horizonte (1968). O Salão da Bússula, realizado no mesmo
ano, no Rio de Janeiro, teve interdição da polícia. Com o AI-5 em vigor e intensa manifestação
popular, o circuito de arte brasileiro mobiliza a comissão de diversos países a boicotar a Bienal
de São Paulo de 1969, liderado pelo crítico Pierry Restany.
Nada disso impede que os Ovo (1967), Lygia Pape. Cubos de madeira envolvidos em papel ou
eventos artísticos e suas articulações plástico colorido, muito fino, que deve ser rompido pelas pessoas para
continuem acontecendo. Em Belo que tenham a sensação de nascimento.
Horizonte, no ano de 1966, é
organizada a Vanguarda Brasileira, e
em 1970, acontece “Do Corpo à
Terra”, por Frederico Morais. No Rio,
o ano de 1968 tem os eventos “arte
no aterro”, “domingo das bandeiras”
e “apocalipopótese”, organizado nos
arredores no MAM por Hélio Oiticica,
contava com a participação de
artistas, cineastas e músicos. As
obras participantes tem forte apelo à
participação dos espectadores, como
Os ovos de Lygia Pape e os
Parangolés de Oiticica. Em 1970, os
jardins do MAM voltam à atividade
com os “domingos da criação”.
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Trouxas Ensanguentadas (1970),
de Artur Barrio.
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Em Tiradentes – Totem-monumento ao Preso Político, Cildo Meireles executou uma
ação realmente inesperada. Diante de uma platéia atônita (da mostra Do Corpo à Terra), o
artista amarrou dez galinhas a uma estaca de madeira e, depois de encharcá-las com
gasolina, incendiou-as vivas, num ritual público de grande crueldade. A execução da obra
foi um momento crucial da história da arte brasileira. Foi considerada uma crítica brutal ao
regime militar e ao desaparecimento de seus opositores promovido pelo Estado. Esta obra
radical rompeu os limites entre realidade e representação. De acordo com Cildo:
Outro trabalho que vai na mesma linha das “Trouxas ensanguentadas” de Arthur Barrio
e “Tiradentes – Totem Monumento ao preso político”, de Cildo Meireles é “Urna Quente”,
de Antônio Manuel. Expostas em Apocalipopótese em 1968, eram 20 pequenas caixas de
madeira vedadas que deviam ser abertas pelo público com a ajuda de martelos e pedras.
Abrir as caixas exigia força e ação violenta.
São trabalhos que se apoiam na estética da violência como até então não havia sido
feito na arte brasileira. É nesse contexto de expansão da natureza da arte, em que ações
efêmeras, happenings e participação garantem o espaço para certa radicalização
política. É a própria exposição Do corpo à Terra que ficou caracterizada como o primeiro
evento em que não se apresentaram obras, mas ações.
Portanto, trata-se de um alcance político que vai além de sua abordagem temática.
Estes trabalhos atacavam as normas do próprio sistema e política da arte, questionando
sua recepção, circulação e institucionalização. O contexto político não só impulsionava
uma nova radicalidade artística, mas também exigia novas formas de fazer arte.
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No caso de Cildo, Barrio e Antonio Manuel, a contemplação dá lugar a um espaço de
desconforto e ativação. O espectador, antes passivo (embora nunca passivo) diante da
ação do artista, é provocado por um incômodo, estranheza, aflição. Além disso, trata-se
de três trabalhos efêmeros que deixam como documentação apenas seus registros.
Diferente dos trabalhos apreendidos pela censura, como no caso dos exemplos dados
na Pré-Bienal de Paris, essas obras parecem atuar nas frestas da oficialidade: ainda que
apresentadas em eventos de arte específicos, provocam dúvidas sobre sua natureza
artística e se desmaterializam. Sua provocação política é pontual. Os três estão lidando
diretamente com a questão do corpo: o corpo que queima, o corpo que deixa rastros, o
corpo que agride. Aspectos que, naquele momento – e hoje – eram facilmente
vinculadas aos abusos de poder que envolvem o agenciamento dos corpos na cidade.
Corpos desaparecidos, corpos procurados, corpos ensanguentados, o registro midiático
excessivo do estado dos corpos marginais.
No entanto, os três exemplos não ofereciam nada que pudesse ser considerado
concretamente como contestação ao regime. Seus métodos driblavam a censura ao
mesmo tempo que lançavam mão de uma radicalidade necessária para o debate. A
violência que fabricavam gerava uma nova postura nos corpos participantes: seja no
mal-estar da interação, no caso de Barrio, na força empregada, no caso de Antonio
Manuel, ou da inquietação ética colocada pela literalidade da violência de Cildo
Meireles.
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Arte de Guerrilha Urbana
Depois de décadas de luta dos familiares dos mortos e desaparecidos políticos,
o Estado brasileiro, através da Comissão Nacional da Verdade, reconhece suas
responsabilidades e identifica centenas de seus agentes como responsáveis por crimes
de lesa humanidade, como tortura, morte e desaparecimento de opositores políticos.
Nesse sentido, surge o coletivo Aparecidos Políticos, que mobilizam ações através da
arte de guerrilha urbana.
A ideia de arte guerrilha ou de um artista guerrilheiro urbano tem
fundamentação nas aproximações sempre presentes entre arte e política, arte ativista,
artivismo ou ativismo criativo, e vem sendo produzida e praticada desde a década de
1960. De acordo com o coletivo Aprecidos Políticos:
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A técnica da Arte Guerrilha Urbana tem quatro componentes básicos:
1. Deve ser transgressora. É um ato criador e deve sempre ativar rebeldias,
insurgências e subversões, diante de quaisquer conservadorismos nocivos. Deve
sempre caminhar junto aos movimentos sociais.
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OCUPAÇÃO: É um tipo de ato em que o artista guerrilheiro se fixa em
estabelecimentos e localizações específicas por tempo indeterminado ou não. Pode
designar tanto uma ocupação de terra como de prédios abandonados e instalações
artísticas. Algumas instalações seguem abandonadas, criando assim um espaço
propício para a ocupação, no sentido de garantir uma função social e cultural.
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ESTENCIL: Uma das técnicas da Arte Guerrilha Urbana mais difundida
atualmente, principalmente dentro dos movimentos sociais, o estêncil,
caracteriza-se pela produção de uma imagem através da aplicação de
tinta (geralmente spray) ou aerosol, em um suporte cortado no qual a
área vazada (cortada) fará a composição da imagem. Por isso, em
algumas regiões é conhecido como “vazado”. O suporte usado para
produzir um estêncil geralmente é um papel de boa gramatura, como
radiografias ou papel duplex, para garantir diversas aplicações
serializadas. Uma das vantagens dessa técnica é que não necessita muita
habilidade em desenho primário. Ou seja, alguém com poucas
habilidades no manejo da ilustração pode muito bem baixar um arquivo
na internet, imprimi-lo, pôr na superfície da radiografia, cortar e finalizar
a aplicação.
Banksy,
Guantanamo Bay Prisioner,
2007.
“Os maiores crimes do mundo não são cometidos por pessoas que violam as regras, mas por pessoas que
seguem as regras. São as pessoas que seguem ordens que soltam bombas e massacram aldeias.” - Banksy
1. Coloque a chapa de radiografia numa bacia de água sanitária para retirar a tinta;
2. Caso a tinta não saia completamente, esfregue com um pano enquanto a chapa estiver submersa;
3. Lave a chapa bem e espere secar;
4. Coloque a chapa por cima do desenho que você quer replicar na parede e desenhe por cima com uma caneta ou
imprima um molde da internet;
5. Contorne o desenho com o estilete ou tesoura cuidadosamente para deixar o formato da imagem vazado;
6. Pronto! Agora você pode usar tinta ou spray para reproduzir seu desenho em vários locais.
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MURALISMO: Trata-se do ato de pintar em paredes. De certa forma, pode-se inferir que
é uma das artes mais antigas da humanidade, pois já se fazia nos tempos dos homens das
cavernas. Hoje, as cavernas, guardando os devidos contextos históricos, deram espaço aos
prédios, viadutos, fachadas, escolas etc.
Uma das técnicas mais antigas do muralismo é o afresco, no qual se aplicam pigmentos de cores diversas
sobre argamassa úmida. Dentro do campo da arte guerrilha urbana, os muralistas mexicanos, como Diego
Rivera, José Orozco, David Siqueiros e o brasileiro Cândido Portinari, são uma inspiração, pois realizavam
suas pinturas em consonância com as Revoluções sociais do início do século XX.
Visão política do povo mexicano também conhecido como A distribuição de armas, Diego Rivera (1928)
Mural Épico da
Civilização Americana
[detalhe], de José
Clemente Orozco.
1932-1934. Afresco,
975 m2. Hood
Museum of Art,
Dartmouth College,
Hanover, Estados
Unidos. Fotografia de
2015.
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Arte e Resistência
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Exemplos de artefatos artísticos
que preservam a memória de um
povo.
Sabe-se que um grande número desses artefatos mantidos em museus e bibliotecas ocidentais foi “apropriado”
ao longo dos tempos por meio da conquista e do colonialismo. A pilhagem de objetos africanos ocorreu tanto na
guerra quanto em tempos de paz. Foi justificado como um ato de benevolência; como salvar o conhecimento que
está morrendo. Alguns museus começaram a tentar reconhecer que suas coleções têm histórias desconfortáveis
ligadas à violência colonial.
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A defesa contra a “devolução” é a mesma justificativa que os museus dão à
sua existência: eles são guardiões e conservadores dos tesouros culturais e
naturais da humanidade. Isso pode parecer uma causa válida. Mas,
essencialmente, significa que os etíopes, ou os povos da Índia e da Grécia, não
são confiáveis para preservar sua própria herança cultural. É por isso que os
pedidos de repatriação aumentam a cada dia.
A Iyoba Idia usa um penteado “bico de galinha” revestido de uma rede feita de contas de coral. É uma das mais
célebres imagens de rainha africana. Cabeça da rainha-mãe Idia, latão, 51 cm de altura, séc. XVI, Edo/reino de Benin,
Nigéria. Museu Etnológico de Berlim.
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Monumentos opressivos: Destruir ou Ressignificar?
A escravidão, presente em vários, quiçá todos os momentos da história humana, é uma prática odiosa. Assim, os
protestos que visam combater o racismo do qual a escravidão é uma das suas principais causas, mostra-se essencial
para impulsionar uma mudança de atitude nos governos e na própria sociedade em relação ao trato da questão
racial.
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Não demorou para que o movimento chegasse ao Brasil, voltando
as atenções para inúmeros monumentos a figuras polêmicas do
passado do país. O debate não é de hoje, e divide as opiniões de
especialistas. O historiador Laurentino Gomes, por exemplo, chamou a
atenção ao se pronunciar publicamente contra a retirada dos
monumentos, que na sua visão devem ser preservados como objetos
de estudo e reflexão.
“Fiquei impressionado quando vi pela primeira vez a estátua em homenagem ao Borba Gato [1649 – 1718],
em Santo Amaro, um homem responsável por mortes, estupros e incêndios em aldeias indígenas”, conta o
hoje professor da Escola Estadual Indígena Djekupe Amba Arandu, das aldeias Tekoá Pyau e Tekoá Ytu, ponto
de resistência guarani na região do Parque Estadual do Jaraguá. “Essa é a parte mais difícil do ensino de
história: explicar para crianças por que homens que foram responsáveis por massacres e escravidão de
indígenas ainda serem homenageados em todas as partes”
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O que fazer com esses monumentos?
Não há receita que valha para todos os exemplos ao longo da história, e cada sociedade precisa debater uma
solução própria a ser adotada, mas normalmente duas saídas são escolhidas, explica Caroline Bauer, professora de
História na UFRGS e ex-coordenadora do Laboratório de Usos Políticos do Passado.
No Paraguai, a estátua do ditador Alfredo Stroessner, erguida nos anos 1980 (ele
governou o país entre 1954 e 1989), foi ressignificada com o esmagamento da
representação, agora dilacerada entre dois grandes blocos de concreto. O novo
monumento, instalado na década de 1990, está na Praça dos Desaparecidos, cujo nome
faz menção aos quase 500 presos políticos que desapareceram durante seu governo,
segundo a Comissão da Verdade paraguaia
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Arte e questões sociais
Sobre a série “bastidores”, Rosana Paulino argumenta: “no meu caso, tocaram-me
sempre as questões referentes à minha condição de mulher e negra. Olhar no espelho
e me localizar em um mundo que muitas vezes se mostra preconceituoso e hostil é um
desafio diário. Aceitar as regras impostas por um padrão de beleza ou de
comportamento que traz muito de preconceito, velado ou não, ou discutir esses
padrões, eis a questão. Dentro desse pensar, faz parte do meu fazer artístico apropriar-
me de objetos do cotidiano ou elementos pouco valorizados para produzir meus
trabalhos. Objetos banais, sem importância. Utilizar-me de objetos do domínio quase
exclusivo das mulheres. Utilizar-me de tecidos e linhas. Linhas que modificam o sentido,
costurando novos significados, transformando um objeto banal, ridículo, alterando-o,
tornando-o um elemento de violência, de repressão. O fio que torce, puxa, modifica o
formato do rosto, produzindo bocas que não gritam, dando nós na garganta. Olhos
costurados, fechados para o mundo e, principalmente, para sua condição no mundo”.
PIMENTEL, Jonas. Rosana Paulino: a mulher negra na arte. Esquerda Diário, 22 out. 2015.
Disponível em: <https://www.esquerdadiario.com.br/Rosana-Paulinoa- mulher-negra-
na-arte>.
Rosana Paulino faz parte de um grupo de artistas que não veem distinção entre
arte e vida, trazendo para o seu trabalho questões políticas, como o racismo, o
preconceito e a violência. Artistas como ela trazem visibilidade para pessoas negras
ou, ainda, por vezes, expressam-se por meio do próprio corpo e das diversas
opressões que sofrem, fazendo de sua arte um apelo que vai do singular ao coletivo.
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Denilson Baniwa é um artista que está muito à frente nas discussões
que se formam sobre o que seria ou se existiria uma “arte indígena” ou
um “artista indígena”, como um rótulo limitador. Essas discussões têm
permeado vários debates com mais força de uns anos para cá, tendo em
vista o interesse que tem sido demonstrado, especialmente por
acadêmicos e curadores, nas teorias decoloniais e anticoloniais. Essa
presença marcante de Denilson não tem só a ver com estar em um
“lugar de fala”, mas também expressar suas ideias e opiniões com muito
didatismo, muita intelecção e muita acessibilidade.
A instalação, uma metáfora sobre a violência contra os indígenas no Brasil, esteve por três meses (outubro a
dezembro de 2019) exposta no Centro Cultural São Paulo (CCSP), na capital paulista, ao lado de uma grande faixa
onde se lia “DECOLONIZE”. Assim mesmo, sem o S, indicando o posicionamento adotado por alguns antropólogos e
militantes das questões indígenas, como uma transgressão aos estudos que trazem o ponto de vista
do colonialismo e da suposta supremacia dos países colonizadores sobre os povos originários.
SRUR, Eduardo. Pets, 2008. Criada com garrafas infláveis gigantescas (10 m x
3,5 m) às margens de concreto do Rio Tietê, principal rio da cidade de São
Paulo e conhecido por sua imensa degradação ao longo dos anos.
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Por meio de seus trabalhos em arte visual, a artista e cineasta palestina Emily
Jacir (1970-) nos leva a refletir sobre como uma ação simples pode ser um gesto
político. Graças ao seu passaporte estadunidense, Emily pôde atravessar as
fronteiras da Palestina inúmeras vezes para fazer a seguinte pergunta a palestinos
que vivem em zonas de conflito territorial: “Se eu pudesse fazer alguma coisa por
você, em qualquer lugar da Palestina, o que seria?”.
Agora, pensando no contexto da cidade ou região em que você vive, reflita com
os colegas: que questões políticas são importantes pra você? Se você fosse criar
um trabalho artístico sobre um assunto político, qual seria ele?
Muitas vezes a arte foi utilizada como instrumento de segregação e divisão social,
formando uma elite intelectual e econômica europeia que se autoproclamava melhor
(culturalmente) do que povos intitulados bárbaros e selvagens, justificando e criando as
condições para as invasões e retaliações.
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Estudamos, ao longo deste tema, algumas interseções entre a arte e a política,
sobretudo durante regimes ditatoriais, com foco especial sobre o governo militar que foi
implantado na década de 1960 no Brasil. Gerchman, Tozzi e Meireles encontraram formas
de resistir à ditadura utilizando meios alternativos para a circulação de suas obras. Muitos
artistas fizeram uso da metáfora para expressar a resistência política – dos exemplos
apresentados, apenas Cildo Meireles fez uma crítica direta, ao carimbar notas de dinheiro
que estavam em circulação.
Vimos também que a música pode ser um veículo de crítica política pelas análises de
artistas e canções de países que lutaram contra regimes autoritários, em especial na
América Latina, destacando o movimento Tropicália aqui no Brasil. A canção, por sua
relação com a palavra, pode comunicar o conteúdo político de maneira mais direta.
Vimos que as questões políticas permeiam a arte até os dias de hoje. A artista Rosana
Paulino, de um período posterior à ditadura civil-militar, utilizou a arte para criticar a
posição social das mulheres negras no Brasil. Além dela, Denilson Baniwá, Eduardo Srur e
Emily Jacir também atuam em questões políticas que são ao mesmo tempo particulares e
coletivas.
REFERÊNCIAS:
https://ensinarhistoria.com.br/bronzes-de-benin-arte-africana-tecnologia/
https://asfalto.blogosfera.uol.com.br/2018/07/10/por-dentro-da-ouvidor-63-a-maior-ocupacao-cultural-da-
america-latina/
http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/10/ruas-sao-rebatizadas-com-nome-de-vitimas-da-
ditadura-em-porto-alegre.html
http://memoriasdaditadura.org.br/panorama-de-arte-e-cultura/
https://revistausina.com/18-edicao/violencia-como-drible-discursivo-arte-brasileira-na-ditadura/
https://www.ibdcult.org/post/monumentos-opressivos-destruir-ou-ressignificar
https://veja.abril.com.br/cultura/derrubada-em-protesto-estatua-de-escravocrata-sera-exposta-em-museu/
Identidade em ação: linguagens e suas tecnologias : manual do professor / Thelma de Carvalho Guimarães... [et al.]
; editora responsável Olivia Maria Neto. -- 1. ed. -- São Paulo :Moderna, 2020.
Minimanual da arte guerrilha urbana /Alexandre de Albuquerque Mourão, Marcos Venicius Lima Martins, Sabrina
Késia de Araújo Soares et al. - Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2015. 56 p. ISBN: 978-85-420-0572-1
Da política às micropolíticas / Katia Canton. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. Coleção Temas da
Arte Contemporânea
Arte em Interação / Perla Frenda, Tatiane Cristina Gusmão, Hugo Luis Barbosa Bozzano. – 1. Ed. – São Paulo: IBEP,
2013.
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