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e lei 9.610/1998.
Sinopse

O que acontece quando a obsessão implacável


encontra sua fixação mais sombria?

Ela vive nas sombras.

Ele as governa.

Ela é a lua, e ele a noite escura que a envolve.

Ela está cercada por demônios, e ele é o maior diabo de


todos eles.

E ela é dele.

Paixão, obsessão, posse.

Deles é um conto de perigo, desvio, pavor, desejos e os


sabores mais sombrios do amor.

A aniquilação nasce.
Playlist

Terrible Thing || AG Heavy In Your Arms ||


Florence and The Machine
Play With Fire || Sam
Tinnesz ft. Yatch Money Arms || Christina Perri

Gangsta || Kehlani Like Lovers Do || Hey Violet

Guest Room || Echos Like U || Rosenfeld

In Flames || Digital Daggers Horns || Bryce Fox

I Want To || Rosenfeld Jekyll & Hyde || Bishop


Briggs
Devil's Backbone || The Civil
Wars Heaven || Julia Michaels

Devil’s Girl || Overnight ft. Not Your Baby || Cadmium


Melody Michalski
Rabbit Hole || Aviva
The Wolf in your Darkest
Play Dirty || Kevin McAllister
Room || Matthew Mayfield
ft. Sebell
Dark In My Imagination || Of
Do It For Me || Rosenfeld
Verona
Castle of Glass (Acapella) ||
Light a Fire || Rachel Taylor
Linkin Park
NFWMB || Hozier
Dark Nigths || Dorothy
Live Like Legends || Ruelle
Sanctified || Nine Inch Nails
Can't Help Falling in Love
Caught in the Fire || Klergy
(Dark Version) || Tommee
Profitt ft. Brooke
Us vs. Them || Denmark + Dark Side || Ramsey
Winter
Fetish || Selena Gomez
The Devil Within || Digital
OMG || Marian Hill
Daggers
Blood + Water || Grandson
Secret || Denmark + Winter
Saints || Echos
Mind Games || Sickick
Trouble (Stripped) || Halsey
Castle || Halsey
Fire of Love || Jesse Jo Stark
Vacant || Echos
Cherry || Lana Del Rey
Walk On Fire || RAIGN
Fallin’ || Sufle Ft. Gökcan
Heavenly || Cigarettes After
Sanlıman
Sex
How Villains Are Made ||
Let Me Out || Hidden
Madalen Duke
Citizens
Sick Thoughts || Lewis
Darkside || Oshins feat.
Blissett
HAEL
Unholy || Hey Violet
25 || The Pretty Reckless
Hurt Me Harder || ZOLITA
Pyrokinesis || 7Chariot
Middle of the Night || Elley
Toxic || 2WEI
Duhé
Love and War || Fleurie
Battle Cry || Imagine
Heart Heart Head || Meg Dragons
Myers
Arsonist's Lullabye || Hozier
Daddy Issues || The
Blood on Your Hands || Veda
Neighbourhood
Animal || AG x MOONZz
I Wanna Be Your Slave ||
Måneskin
The Devil is a Gentleman || One Way or Another || Until
Merci Raines the Ribbon Breaks

Madness || Tribal Blood Nothing's Gonna Hurt You


Baby || Cigarettes After Sex
Love into a Weapon ||
Madalen Duke Lost in the Fire || The
Weeknd ft. Gesaffelstein
The Death of Peace of Mind
|| Bad Omens This is War || Thirty Seconds
to Mars
I'm Losing Control || X-Ray
Dog There's a Hero in You ||
Tommee Profitt ft. Fleurie
Serial Killer || Moncrieff x
Judge Forever || Labrinth

See You Bleed || Ramsey Every Breath You Take ||


Chase Holfelder
Real Boy || Lola Blanc
Reflections || The
Flames || Tedy
Neighbourhood
Massacre || Kim Petras
Not Afraid Anymore || Halsey
Paint It Black || Hidden cover by Roniit
Citizens
I Wanna Be Yours || Arctic
Slave || Ramsey Monkeys
Nota da autora

Este é o quinto livro da série Dark Verse. Embora o livro trate


de um novo casal, há personagens e acontecimentos dos livros
anteriores que influenciam fortemente a trama neste. A leitura da
série em ordem (The Predator, The Reaper, The Emperor, The
Finisher nessa ordem) é recomendada para uma melhor
experiência de leitura. Este NÃO é um autônomo.

Observe que este livro termina em um semi-cliffhanger1, e toda


a série será encerrada no livro final em 2022.

Se você leu os livros anteriores, este é o mais sombrio deles.


Verdadeiramente, preste atenção a estes avisos de gatilho. Estar
dentro da cabeça desses personagens é um lugar realmente
sombrio – um é sociopata e o outro está traumatizado. Este livro
inclui violência gráfica, linguagem obscena e conteúdo sexual
recomendado apenas para maiores de 18 anos. Como muito
conteúdo sexual. Este pode ser o livro que escrevi com mais cenas
de sexo. O trauma sexual faz parte desta história, e assim o sexo
também é usado na cura, e funciona entre esses personagens para
o desenvolvimento e crescimento.

Avisos de conteúdo: Este livro contém cenas de sonofilia leve,


jogo de respiração leve, jogo de faca leve, voyeurismo, jogo de
poder, surra leve, não consentimento consensual, comportamento
psicopático, perseguição, sangue, tráfico humano, escravidão
sexual, agressão sexual a um menor, abuso infantil, comércio de
pele, assassinato, incêndio criminoso, assassinato, tortura,
estupro, abuso forçado de drogas, menções de comércio de órgãos,
menções de suicídio, ideação suicida, episódios depressivos,

1
Final para um episódio de um drama em série que deixa o público em suspense.
transtorno de estresse pós-traumático, síndrome de Estocolmo,
BDSM.

Se ler sobre qualquer um deles é de alguma forma prejudicial


à sua saúde mental, peço sinceramente que você faça uma pausa.

Se você continuar com o livro, espero que goste da jornada.

Obrigada.
The Moon2

Sozinha.

Silenciosa.

Trancada.

Mãos ao redor dos joelhos.

Os calafrios envolviam seu leve corpo.

Pedaços de cabelo pendurados sobre seus ombros.

Ela respirou fundo, resistindo ao impulso de olhar ao redor de


si mesma.

Ela foi enfiada no pequeno armário por horas, cada hora se


tornando cada vez mais insuportável.

A escuridão, que vinha oprimindo sua pequena mente,


gradualmente se tornou familiar. A escuridão que fora uma
estranha, agora uma nova amiga, envolvendo-a em seus braços.

Seus próprios braços relaxaram enquanto suas pernas


dobravam, cruzando-se no chão frio, e seus dedos começaram a
brincar.

Mexendo com as mechas de seu cabelo, uma e outra vez, uma


e outra vez.

2
A Lua.
Percebendo, ela parou de tentar piscar os olhos.

Agora ela respirava com facilidade.

Três anos, era a sua idade.

Trancada.

Silenciosa.

Sozinha.
The Shadow3

Fogo.

Calor, aconchego e luz.

Calor, destruição e morte.

A natureza do fogo sempre o fascinou, as cores ainda mais. Ele


gostava de ver o azul tremeluzir no meio de uma chama,
transformando-se em um amarelo tão branco que poderia cegar
um homem, tornando-se laranja e vermelho como o sol se pondo
no céu.

Sim, ele gostava do fogo. Ele sempre gostou.

Lembrou-se da primeira vez em que ficara fascinado pelas


chamas. Um menino no orfanato com ele constantemente
reclamava de queimação sob a pele o tempo todo.

A ideia disso o fascinava. Então ele viu as chamas, as cores


queimando em sua visão. O resto do mundo, o resto das cores,
nunca lhe pareceu muito certo. O zelador do orfanato disse que
era porque ele tinha olhos de demônio, porque era uma criança
demônio. Ele também lhe havia dado o nome da morte.

Talvez fosse, porque naquela mesma semana ele havia


incendiado o homem e sorrido enquanto as faíscas dançavam
sobre seu corpo, o som de seus gritos era o único elemento irritante
na imagem. Ele não gostava quando eles gritavam. O barulho caía
bruscamente em seus ouvidos, tinha gosto azedo na língua. Ele

3
A Sombra.
não entendia por que podia sentir o gosto dos sons, mas não era
agradável com os gritos. Não, ele preferia que ficassem quietos
enquanto ele saía do nada, o olhar de segundos de algo visceral em
seus rostos antes de dominar sua morte.

Ele nem sempre compreendia o que aquele olhar representava.


As emoções lhe escapavam. Ele as via e podia reconhecê-las
depois, mas não entendia como era aquele terror, ou como era a
dor. Como os outros riam, choravam e se solidarizavam e ele não
sentia nada.

Talvez tenha sido por isso que ela chamou sua atenção.

Talvez fosse porque ela se emocionou mais do que ele já vira


alguém se emocionar.

Talvez fosse a chama em seu cabelo. Ou talvez fosse porque


ela os tinha amarrado com algo que ela não podia pegar de volta.

Seja o que for, a partir do momento em que o fogo dela


encontrou o dele, o destino dela foi selado.

Ele se sentou nas sombras, observando-a.

As luzes do clube de leilões passaram por cima do palco, três


mulheres com túnicas translúcidas de pé no centro. Ele não olhou
para as que estavam de lado, seus olhos heterocromáticos para a
que estava no meio. Ele a estudou, a maneira como ela piscava a
seus pés, seu rosto morto para o mundo. O único sinal de sua vida
continuava sendo o cabelo dela, o cabelo que tinha atraído a
atenção dele desde aquela primeira vez.

Ele fingiu beber um gole em sua bebida, imaginando quem iria


morrer por suas mãos hoje à noite. Todos eles sabiam que nunca
deveriam licitá-la, um rastro de corpos de seus pretendentes
enviando uma mensagem estrondosa. No entanto, alguém sempre
o fazia. Alguém sempre tentava seus destinos. E alguém sempre
morria. Da última vez, havia sido uma bala de sniper4 no cérebro,
a pobre merda de sangue espalhada por sua pele pálida. Desta vez,
ele tornaria isso mais pessoal. Talvez os ensopasse em gasolina
enquanto ela observava.

Como se estivesse sentindo seu olhar, ela olhou para cima.


Seus olhos varreram a multidão de homens bem-vestidos, indo
direto para os cantos sombreados, sabendo que era lá que ele
ficava. Ele gostou disso.

Ele percebeu o momento em que ela viu sua silhueta, uma


mistura de ódio e traição gravada em seu rosto para que todos
pudessem ver. As mãos dela se agarraram ao seu lado. Sua
obsessão se aprofundou.

Embora ela ainda não fosse uma brasa, apenas uma chama,
ela era dele.

Ele a observava, atentamente focado nas nuances do rosto


dela.

Um dia, ela seria um inferno, e ele seria o diabo que a


controlaria.

4
Franco-atirador.
PARTE UM

Cinzas

“Neste abismo selvagem, o demônio cauteloso estava à beira do


inferno e olhou por um tempo”.

~ John Milton, Paradise Lost


Capítulo Um

Lyla, há 5 anos

Era sua primeira vez em um clube de sexo. Embora ela tivesse


ouvido falar deles, ela conhecia muitas garotas que foram levadas
para eles, e de alguma forma nunca se viu lá.

E Moonflame5 era o mais sofisticado possível. Seu comprador


para a noite, um homem de cabelos grisalhos com um relógio caro
e um terno bonito, segurou sua cintura enquanto a conduzia pelo
corredor até o amplo salão aberto. Estava pingando luxo, dos
candelabros nos tetos altos aos sofás vermelhos aveludados e à
madeira reluzente.

Lyla observou as pessoas em vários estágios de nudez


sentadas ao redor das áreas de estar, simplesmente conversando
e tomando suas bebidas, alguns homens e mulheres usando
máscaras enquanto algumas das garotas e garotos permaneciam
com o rosto nu. Era uma festa para quem podia pagar, e Lyla podia
sentir o poder empurrando-a de todos os lados.

Engolindo os nervos, despreparada, ela seguiu o homem


enquanto ele a guiava para uma porta na outra extremidade do
luxuoso corredor. Ele tinha sido esperto, não tinha dado um lance
por ela no leilão. Em vez disso, ele foi direto para o complexo em
que ela morava e a comprou por um ano, e Lyla estava apavorada

5
Nome do estabelecimento, Lua de paixão.
porque não gostava do olhar sádico em seus olhos, ela não sabia
se ele sabia sobre seu novo contrato. Ele geralmente só assistia aos
leilões, então ela não sabia como ele poderia saber de um negócio
que fora feito durante o dia.

Arrumada com um vestido preto de chiffon transparente


amarrado na cintura, sem calcinha, ela temia o que viria da noite
enquanto o homem de cabelos grisalhos a levava para uma espécie
de auditório. Havia um palco como uma arena com sofás em níveis
elevados nas costas dela, as pessoas a observavam. Mas ao invés
de uma área vazia no meio, havia altas paredes vermelhas
alinhadas, apenas uma abertura no meio para a entrada.

Era um labirinto.

Antes que ela pudesse sequer entender a visão completa, o


monstro ao seu lado a virou para a plateia, puxando seu vestido
aberto para que seus seios saltassem para seus olhares lascivos.

— Senhoras e senhores, — anunciou. — Quem pegar minha


escrava esta noite terá a chance de brincar com ela.

O horror a invadiu, seus olhos voando sobre as pessoas


mascaradas e desmascaradas. Eles eram doentes. Cada um deles.
Muito doentes.

— Não. — A palavra escapou antes que ela pudesse controlá-


la, e sentiu uma grande mão bater em sua bochecha.

— Você não fala, menina!

Pele queimando, ela olhou para os pés dele, seu cérebro


guerreando com raiva, dor e nojo, sabendo que ela era impotente
para deter isso. O monstro puxou suas mãos com força atrás das
costas, amarrando seus pulsos com algum tipo de corda que
arranhou sua pele.

— Corra, — o monstro deu um tapa leve em sua bochecha


ardente. — Salve-se por alguns minutos antes de encontrarmos
você.

Adrenalina enchendo suas veias, ela não esperou um


momento antes de disparar para o labirinto, escapando dos olhos
de todos. As paredes se fecharam ao redor dela, uma cabeça mais
alta do que ela, o suficiente para mantê-la escondida dos olhos
observadores. Respirou fundo, olhando para os dois lados, antes
de disparar para a direita e correr a toda velocidade até chegar a
um beco sem saída. Peito arfando, metade do vestido desabotoado,
ela girou para a esquerda, sem ideia de onde estava indo, apenas
querendo correr e escapar, mas a impotência de saber que não
havia escapatória fazia seus olhos arderem.

Ela os odiava.

Ela odiava cada um deles por fazê-la se sentir desumana.

As lágrimas ardiam em sua bochecha, descendo pelo queixo e


caindo, enquanto ela se virava e corria.

Ouviu as risadas ao seu redor, ouviu algumas das vozes mais


perto do que deveriam, e as paredes se fecharam ainda mais sobre
ela. Não conseguia nem parar e se esconder, sabendo que eles
podiam vê-la de seus assentos acima, e Deus, ela queria matar
todos eles, destruí-los completamente por tratá-la assim. Não
tinha feito nada para merecer isso. Nada.

Depois de um minuto ou uma hora, ela não sabia, virou à


esquerda e parou, olhando para uma pequena abertura no meio
do labirinto. De onde estava, ela podia ver todo o auditório e
percebeu que estava no centro sem saída, na visibilidade dos
outros. Havia cinco homens nos sofás acima, um deles sendo
chupado por uma garota, dois deles fodendo uma garota, os outros
dois se masturbando. Uma mulher mascarada sentou-se do outro
lado, observando a cena e sendo comida por uma garota.

Tantas pessoas vendo-a indefesa, e nenhuma delas disposta a


encontrar um pingo de humanidade para ajudar.

Dois homens emergiram do outro lado do labirinto, suas


máscaras mantendo seus rostos escondidos, e ela se preparou
enquanto eles vinham em sua direção.

Com o coração na garganta, viu quando eles agarraram seus


braços e a arrastaram para o meio da sala, enquanto ela lutava
para fugir, sua luta era inútil. Segundos se passaram, os homens
conversando entre si em uma língua estrangeira, as mãos
apertadas em seus bíceps.

Derrotada, ela fechou os olhos e se preparou para o pior.

E de repente ela sentiu.

Suspiros e gritos ecoaram no ar, e ela abriu os olhos, piscando,


incapaz de entender por que todos que estavam assistindo
pareciam estar saindo correndo.

Seu comprador, o monstro de cabelos grisalhos, estava


sentado em um sofá, sua garganta aberta, vermelho encharcando
sua camisa branca. Lyla assistiu, horrorizada, enquanto os outros
saíam correndo de uma saída quando uma lâmina voou e se
cravou no pescoço de um dos homens que a segurava.

Algo quente espirrou em seus seios, o aperto em seus braços


afrouxando, Lyla olhou para o sangue em seu corpo em estado de
choque. O outro homem que a segurava saiu e começou a correr,
apenas para ter uma lâmina nas costas.

Aterrorizada, cheia de um instinto de sobrevivência


profundamente enraizado, ela pulou de volta para o labirinto e se
pressionou contra a parede, correndo em direção a uma relativa
segurança. Quem tinha problemas com seu comprador, ela não
queria nenhuma parte disso. Sabendo que era visível do terreno
elevado, ela de alguma forma conseguiu se agachar e fugir,
tornando-se tão pequena quanto possível, com a respiração
pesada e os braços esticados atrás das costas nas cordas.

Encontrando um canto longe da linha direta de visão da área


de assentos, ela se endireitou, prendendo o fôlego, seus olhos
vasculhando qualquer perigo.

Depois, sentiu uma lâmina tocar sua nuca.

Agitando-se, seu corpo repleto de tensão e seu coração repleto


de medo, ela congelou.

A lâmina percorreu a linha de sua coluna, a ponta afiada


apenas na superfície da pele. Um pouco de pressão e isso a
rasgaria. Ela fechou os olhos, a sensação induzindo medo e algo
mais dentro dela, esperando contra a esperança de que o assassino
não a torturasse.

Ela sentiu um corpo alto e quente pressionando em sua frente


enquanto a lâmina continuava viajando por suas costas, e ela
cerrou os olhos, seus braços tremendo.

Uma respiração ao lado de seu pescoço, o cheiro de algo


familiar em seu nariz e a voz da morte em seu ouvido.
— Olhos, flamma6.

Seus olhos se abriram, choque e algo mais enchendo seu


sistema quando ela inclinou a cabeça para trás.

Olhos diabólicos e incompatíveis travaram com os dela através


de uma máscara, e sua respiração ficou presa.

Ele veio.

Ele veio para ela.

Ele tinha matado por ela.

Lyla começou a soluçar, um alívio intenso e agudo inundando


seu corpo.

Quando sua lâmina rasgou as amarras que seguravam seus


pulsos, ela se lançou em seu peito, sentindo seu corpo congelar e
ela se agarrou a ele, suas lágrimas molhando sua camisa, seu
cheiro a envolvendo, seu calor perseguindo o frio de seus ossos.

Ela sentiu uma de suas mãos segurar seus pulsos atrás dela
- semelhante às restrições, mas de alguma forma ela não se sentia
amarrada - e a outra mão vindo para agarrar sua mandíbula. Seu
polegar traçou seus lábios antes de rastrear as lágrimas em seu
rosto, seu olhar a observando chorar em algo semelhante ao
fascínio.

Seus lábios vieram para sua bochecha, sua língua correndo


para lamber suas lágrimas, antes que ele se afastasse, olhando-a
com tal posse inata que sentiu em suas medulas.

6
Fogo.
— Eu não pensei que você viria, — ela sussurrou no espaço
entre seus lábios, seu corpo dominado pelas emoções que ela
sentiu nos últimos minutos.

Seu olhar se intensificou, e ele se inclinou, falando


diretamente contra sua boca, suas palavras roçando seus lábios,
mas mal, tão perto que ela sentiu em sua pele, uma promessa e a
ameaça tudo em uma frase tanto reivindicando e capturando ela.

— Sempre virei para você.


Capítulo Dois

Lyla | Presente

O monstro ia morrer.

Ela suspirou interiormente, observando o homem de meia-


idade com idade suficiente para ser seu pai caminhando em sua
direção na sala de leilão depois de ganhar seu lance. O ambiente
escuro amplificado pelos estroboscópios de luz não escondia sua
boa aparência ou sua riqueza gotejante. Bem, ele tinha que ser rico
para entrar na porta do leilão, e sua aparência não significava
nada. Ela esteve com pior. Mais importante, ela sabia melhor do
que a maioria como os piores monstros espreitavam sob um rosto
bonito. Eles desciam para este inferno para viver suas fantasias
mais detestáveis, pervertidas e voltavam para suas fachadas acima
de serem cidadãos honestos, morais com esposas, famílias e cercas
brancas. Ela odiava mais esse tipo. Era mais fácil lidar com um
monstro que era um monstro de antemão, e não uma cobra na
grama.

Os olhos do homem tomaram em seu corpo em exibição na


túnica translúcida, indo do pescoço aos seios fartos até o
montículo encerado até os dedos dos pés pintados, e mesmo depois
de tantas vezes, ela mal controlava sua vacilação na leitura lasciva.

Ela sabia por que eles faziam lances por ela. Ela era uma
raridade, uma exótica e natural ruiva delicada em um mar de
loiras e morenas, e ela era atraente. Ela trazia um bom dinheiro a
cada lance, e era exatamente por isso que os organizadores
continuavam a colocá-la no palco e os idiotas continuavam
arriscando suas vidas. Todos eles pensavam que seriam os únicos
a se safar, cegos por seu poder e arrogância.

Eles estavam errados. Por seis anos, eles estavam errados,


cada um deles, e havia mais de uma dúzia de cadáveres para falar
por isso.

Antes que ela pudesse cair em seus pensamentos, treinou sua


expressão para aquela de serena calma que seus primeiros
treinadores lhe ensinaram.

— Você é suave, convidativa. Fique bonita, abaixe o queixo e


fique em silêncio.

O homem - ela o chamava de Quinze em sua cabeça desde que


ele foi o décimo quinto homem a comprá-la no leilão - se aproximou
dela, levando uma mecha de seus longos cabelos em suas mãos.

Oh, ele não deveria ter tocado no cabelo.

Ela não expressou o pensamento.

— Qual é o seu nome, querida? — perguntou com um sorriso


suave, a lascívia em seus olhos nu o suficiente para ela saber
exatamente o que ele estava pensando.

— Lyla, — ela falou baixinho, exatamente no volume que foi


treinada para falar.

Cada garota foi treinada de uma maneira que se adequava à


sua aparência para torná-la mais atraente. Para Lyla, tudo deveria
ser suave, dócil, manso — sua voz, seus trejeitos, seu
comportamento. Tinha que emitir uma sereia sexy e uma doce
submissa de uma só vez.

Uma de suas únicas amigas, Malini, havia sido treinada


exatamente da maneira oposta. Ela era ousada e atrevida.
Disseram-lhe para se comportar descontroladamente, para fazer
um homem querer domá-la. Uma pequena onda de diversão a
atravessou com a ideia em espiral. Os treinadores enganaram-se
em tudo. Era tudo um ato que eles faziam. Malini era a alma mais
gentil, e doce. Lyla não conseguia se lembrar do número de vezes
que havia procurado seus cuidados quando a outra garota a tinha
aliviado de maneiras que imaginava mães ou irmãs aliviando seus
entes queridos - com toques leves, palavras suaves e amor
suficiente para fazê-la querer ver outro dia. Mas ela não via sua
amiga há alguns meses, e quando ela perguntou por aí, um dos
encarregados lhe disse que um homem a havia levado para um
longo contrato. Isso poderia significar anos antes que ela a visse
novamente.

— E quantos anos você tem? — As palavras do comprador


romperam seus pensamentos, fazendo-a se concentrar novamente.
Ela sabia exatamente o que homens como ele queriam, e mesmo
tendo vinte e quatro anos, ela disse: — Dezoito.

O homem sorriu. Maldito idiota. Embora pelo menos tentasse


disfarçar sua monstruosidade; ela viu muitos adultos rasgar a
inocência para acreditar em decência.

O homem tocou seu seio descaradamente, e ela ficou imóvel,


suas mãos em punhos em sua lateral enquanto o deixava testar o
peso deles.

Ele não ia apenas morrer, ele ia morrer.


Ela prendeu a respiração, seus olhos vagando pelos cantos
escuros da sala, incapaz de ver a silhueta do diabo nas sombras,
aquele que era tanto a maldição quanto a bênção de sua existência
amaldiçoada. Quando a mão a acariciou, ela deixou sua mente
vagar para a primeira vez que o viu no leilão seis anos atrás, a
segunda vez que o viu. Ela se lembrou da surpresa que sentiu,
principalmente porque ela não pensou que iria encontrá-lo
novamente, e ela sentiu esperança de que ele faria um lance por
ela. Ela queria que ele fosse o único a escolhê-la. Ele não tinha.
Ele ficou em seu canto e simplesmente assistiu enquanto outro
homem a conquistava e a levava para o hotel a uma quadra da
casa de leilões.

Essa foi a primeira noite que ela sentiu o jato de sangue em


seu rosto, um buraco de bala na cabeça do homem que estava
prestes a despi-la. Ela congelou no local, seus olhos saindo da
janela para a silhueta de um homem se movendo no prédio em
frente, e ela sabia que era ele.

Lyla observou os cantos sombreados enquanto Quinze se


inclinava no momento para beijar seu pescoço enquanto puxava
seus seios abertamente na sala de leilão. Os cantos estavam
vazios, mas isso não significava nada. Ela agora sabia melhor.

Ele estava observando. Ele estava sempre observando.

Soube disso na segunda vez que foi leiloada, e os dois homens


que a levaram para casa por uma semana foram estrangulados
com um arame farpado na primeira noite enquanto ela usava o
banheiro. Ela saíra a tempo de vê-lo colocando uma rosa preta na
bancada, junto com um par de roupas que ela podia trocar, os
olhos desencontrados dele travando com os dela antes de ele sair.
A rosa, a coisa mais bonita que ela já havia visto, toda preta e
congelada no tempo, havia sido o primeiro presente que ela se
lembrou de receber, as roupas o tecido mais macio a tocar sua
pele. Ela havia levado as duas com ela.

Aconteceu de novo na terceira vez em um clube de sexo, e na


quarta, e na quinta, e de novo e de novo até que ela e o resto dos
organizadores soubessem – qualquer um que desse um lance por
ela morreria. No entanto, ela gerava muito dinheiro, então era
colocada no palco de novo e de novo, e ele estava lá todas as vezes
para matá-los.

Levou um tempo para ela entender que era mais provável que
fosse um jogo para ele. Um homem que se importasse não a teria
deixado ali nua, pronta para ser comprada.

E, no entanto, ela ficou lá, sem valor, descartada, não


reivindicada.

Estremeceu quando o buraco negro em sua mente se abriu,


acenando-lhe, chamando-a para cair nele e esquecer tudo o mais,
deixando que tudo sobre sua existência fosse esmagado até que
nada restasse de si mesma.

A língua do homem tocou seu pescoço, e a repulsa se instalou


no poço de seu estômago, seu ódio por seu corpo se intensificou à
medida que o buraco negro se aproximava e ela se atirou em
direção a ele. Quinze não se importaria se ela estivesse catatônica,
ele não se importaria se ela não estivesse lá por tanto tempo
quanto seu corpo. Mas fazia anos que alguém não a usava por
completo e ela não conseguia entender como este monstro de meia-
idade se aproximou tanto.

Onde ele estava?


— Senhor, você tem que liberar o saldo antes de poder provar.
— A voz do lado, um dos leiloeiros, interrompeu. O homem tateante
se endireitou, dando-lhe um momento de alívio para se recompor.

Lyla deu um passo para trás, inalando para controlar a espiral


em que seus pensamentos estavam indo, sabendo que se perderia
se entrasse, mas foi uma luta.

O homem entregou um maço de dinheiro, e Lyla examinou o


clube novamente, tentando ver se o diabo estaria lá.

Ele não estava.

Engolindo a amarga decepção, tentou encontrar uma maneira


de sair da noite praticamente intacta.

— Vamos, querida. — Quinze colocou o braço em volta da


cintura dela e ela olhou para a aliança de casamento em seu dedo,
perguntando-se se sua esposa sabia que ele estava fora com a
intenção de foder uma garota com metade de sua idade. Mas não
era da sua conta. Eles cavavam suas covas, e ela não sentia
remorso quando caíam nela.

Quando eles saíram, seu coração começou a bater forte.

Fora.

Ela adorava o lado de fora.

Mas ela não via isso, não muito. Ao crescer, sua infância e
adolescência haviam sido passadas em casas de treinamento
especial. Algumas eram subterrâneas, outras acima, mas sempre
tinham sido confinadas em seu porão, sua cama no porão com as
outras crianças. Agora, ela vivia em um dormitório com outras
garotas, em um complexo que era grande e fortemente protegido,
mas não lhes era permitido sair sem razão e escoltadas. Essa era
uma das únicas razões pelas quais ela aguardava ansiosamente o
leilão, porque se alguém a comprasse, ela ficaria um momento
descansada lá fora, sentiria o vento e veria o céu, nem que fosse
só por um breve momento.

O homem a levou pela porta dos fundos do clube para o beco


que dava para o estacionamento.

— Fique aqui enquanto eu pego meu carro, — Quinze a


instruiu. — Não tenho que te dizer o que vai acontecer se você
tentar fugir, tenho?

Ela balançou a cabeça. Sabia o que eles faziam com aquelas


que fugiam. Sua única outra amiga fugira quando eram crianças,
e ela sabia até hoje que a estavam caçando. O Sindicato, a
organização que possuía todos os escravos, não deixava ninguém
escapar. Ela também fugiu uma vez e foi pega. E tinha
experimentado em primeira mão o que eles faziam com aquelas
que escapavam.

Afastando a memória, ela ficou onde estava. Com sua fácil


aquiescência, ele sorriu e saiu.

De pé sozinha na beira do beco atrás do prédio, Lyla virou o


pescoço para vislumbrar o céu noturno, seu coração pesado ao ver
nada além da escuridão. Ela sabia que as estrelas não eram
visíveis na cidade algumas noites, ela só esperava que fossem.
Fazia muito tempo desde que ela as tinha visto, e muito pouco em
sua curta, mas dura vida. Mas não havia nada esta noite, sem lua,
sem estrelas, apenas preto sem fim coberto por fumaça cinza e
nuvens.

Ela se perguntava alguns dias qual seria o sentido de sua


existência, nos dias em que o futuro parecia como o céu – sombrio,
sem esperança, sem fim. Mas então, ela se lembrava da única coisa
que a mantinha em movimento, a busca por uma pequena
resposta que a fazia acordar todas as manhãs e enfrentar o dia.

De repente, os cabelos de sua nuca se arrepiaram.

Foi o cheiro dele que a alcançou primeiro, um cheiro que ela


só inalava algumas vezes em todos os anos que ele a observou, um
cheiro que gravou em sua mente. Ela só esteve tão perto dele
algumas vezes, e não sabia exatamente como ele cheirava, porque
ela não cheirou muitas coisas boas em sua vida, mas era distinto,
masculino, e era ele.

Ela sabia que ele estava atrás dela. Podia sentir sua respiração
no topo de sua cabeça, sentir o calor de seu corpo maior em suas
costas, sentir seus sentidos adormecidos despertando para a vida
como sempre faziam em contato com ele. E tê-lo às costas sempre
a fazia se sentir perseguida e querida, a dicotomia de emoções
difícil para ela compreender a si mesma.

Deus, ela o odiava, ela odiava sua resposta a ele, odiava que
ela queria odiá-lo mais profundamente, mas não podia, e odiava
que ele soubesse disso e não se importasse nem um pouco.

Ela ficou quieta, não quebrando o silêncio com uma única


palavra. Ela havia feito a pergunta algumas vezes, e cada vez ele
tinha fodido com sua mente, deixando-a confusa, frustrada e com
raiva. Apenas segurou a raiva agora, como tinha feito por muitos
anos. A raiva era boa. A raiva a fazia sentir. A raiva a lembrava de
que ela ainda estava viva.

— Você gostou do toque dele?

A voz, a voz dele, veio silenciosamente atrás dela. Se a morte


tivesse voz, seria a dele. Por outro lado, não sabia com o que a voz
dele era parecida, porque ela não tinha nada para comparar. Mas
sabia que tinha ouvido as vozes de muitos homens em sua vida, e
a dele era, sem dúvida, a mais perigosa de todas.

Isso a lembrou de uma história vaga que ela se lembrava de


alguém lhe contando, uma memória que estava desbotada e
provavelmente de antes de ela entrar nesta vida - a história de um
homem tocando flauta e fazendo todos os roedores da cidade segui-
lo, bem na beira do rio. Um penhasco para suas mortes, felizes e
alegres enquanto dançavam. Ele tinha esse tipo de voz – profunda,
sedutora, encantadora, uma voz que poderia levar as pessoas
inconscientes a um penhasco e à sua própria morte, fazendo-as
desfrutar enquanto permaneciam cegas. Uma voz perigosa,
perigosa em um homem perigoso. A voz da morte chamando os
mortais para testar sua mortalidade.

Foi apenas sua sorte que ela o encontrou, de todas as pessoas,


naquela noite fatídica anos atrás.

Ficou em silêncio, recusando-se a seguir sua melodia.

— Eu lhe fiz uma pergunta, flamma, — ele a lembrou


novamente.

Eu também, ela queria dizer.

Ela não sabia por que ele a chamava assim. Tinha certeza de
que ele sabia o nome dela, e estava ainda mais certa de que era o
mais próximo de um termo carinhoso que um homem como ele
poderia chegar. No começo, quando ele a chamou assim, isso a
encheu de esperança e fez com que ela se sentisse pertencente. À
medida que a esperança diminuía, ela sabia que não significava
nada. Isso rangia nela. Ela não era nada dele. Um homem como
ele não era querido por nada.
Ela cerrou os dentes, sua mandíbula travando no lugar, a
vontade de se virar e olhar para ele aguda em seu corpo. Mas
conhecia seus jogos e sabia que a melhor coisa que podia fazer era
não jogar junto. Ele queria suas reações e retê-las dava a ela o
poder, pelo menos momentaneamente.

Você nunca mais ouvirá minha voz. Vá para o inferno!

A memória dançou em sua mente, a última vez que ela esteve


sozinha com ele, suas tentativas fracassadas de obter respostas
dele levaram a uma promessa irada. Até agora, ela se orgulhava de
não ter dito uma palavra a ele.

Um carro prateado parou em frente ao beco.

Respirando fundo, ignorando o homem atrás dela que estava


claramente escondido já que não houve reação de Quinze, o
homem que a comprou para a noite, ela caminhou até o carro.
Entrando no banco do passageiro, ela se afivelou, odiando sua
túnica translúcida e o jeito que Quinze a olhava. Todos olhavam
para ela, mas ninguém a via, exceto o homem que a observava
como se fosse sua religião.

Ela se virou para olhar pela janela onde ele estava, mal
distinguindo a silhueta de seu corpo. Um isqueiro ganhou vida em
sua mão, momentaneamente tornando-o visível. Ela observou
enquanto ele brincava com o isqueiro, antes de olhar para cima,
seus olhares travando quando o carro começou a se mover.

— Mal posso esperar para foder você esta noite, querida, — o


homem ao seu lado riu.

Ela segurou a língua, resistindo ao desejo de dizer a ele que a


única penetração esta noite seria uma bala em seu corpo.
Capítulo Três

Lyla

Havia algo sobre ver alguém morrer que ela nunca poderia se
acostumar. Não importa quantas vezes tenha visto isso neste
momento, sempre a agitava quando acontecia. Uma pessoa normal
e moral sentiria choque, tristeza, nojo e medo. No entanto, ela,
possivelmente porque sabia que esses homens eram o fundo do
barril, não sentia nada além de alívio e vingança até certo ponto.
A única tristeza que sentia era pelas famílias. Imaginou uma
esposa se perguntando por que seu marido não tinha voltado para
casa, apenas para descobrir que ele estava traindo e transando
com uma escrava sexual pelas costas. Isso era muito triste. Ela
sentia mais por uma mulher que nunca conheceu do que pelo
homem na frente dela.

O tiro entrou pela janela, pela mão do homem que estava


prestes a tocá-la novamente, respingando sangue nas paredes
brancas da suíte do hotel. O homem gritou, apertando a mão que
tinha um buraco.

A bala a errou por centímetros, e ainda assim seu coração


nunca acelerou ou pensou em mergulhar para se salvar como
antes. De todas as coisas que ele fez e não fez, machucá-la
fisicamente nunca foi uma delas.

O homem à sua frente a agarrou pelo outro braço, virando-a


de repente para a janela de vidro, usando seu corpo como escudo,
o que era francamente estúpido porque ela era baixa e miúda e a
cabeça dele estava bem acima da dela.

Foi exatamente por onde a segunda bala passou.

O homem caiu, seus olhos vazios, morto para o mundo em


uma fração de segundo.

Ele era o décimo quinto.

Suspirando, Lyla olhou o sangue sobre si mesma e foi ao


banheiro, fechando a porta. Ela conhecia o procedimento. Sabia
que uma ligação iria para a segurança e seu encarregado, que
alguém iria acompanhá-la até o complexo residencial onde as
meninas viviam e que tudo isso levaria cerca de vinte minutos.
Esses vinte minutos eram preciosos. Eram dela.

Ela jogou a maldita túnica translúcida para o lado e entrou na


banheira. Nunca tinha tomado banho de banheira até que
começou a ser leiloada e os homens a traziam para o hotel. Era
perto do clube, da propriedade de quem comandava toda a
operação, e apenas mais fácil para as pessoas saciarem seus
desejos imediatamente após a compra.

Ela não sabia quem dirigia as operações, nenhuma das


meninas sabiam. Mas ela sabia que se chamava O Sindicato,
apenas porque uma vez ela havia servido em uma reunião onde
elas haviam falado sobre o assunto e ela havia escutado. No
entanto, no local, elas tinham encarregados que possuíam
encarregados, que também tinham encarregados, e ela não sabia
a que altura a rede se elevava. Estava apenas no degrau mais baixo
da pirâmide, tendo um hotel para ser usado. Aqui era onde todas
as compras de curto prazo eram efetuadas. Contratos de longo
prazo significavam mudar para outro lugar, para onde o
comprador quisesse.
O hotel atendia a todo tipo de desejo devasso, sendo que o
mais agressivo era o sexo não consensual. Mas se existia um
fetiche, ele era atendido. Não havia nenhum conceito de
consentimento e legalidade, nenhuma empatia ou moralidade. Era
um abismo de nada.

Ela esteve em muitos dos quartos do hotel, e todos eles tinham


um banheiro privativo que ela sempre usava, mesmo que por
apenas cinco minutos. Aqueles cinco minutos eram especiais. Ela
apreciava aquele tempo de estar sozinha dos olhos e relativamente
segura.

A banheira encheu até a borda e ela mergulhou debaixo


d'água, um silêncio abençoado envolvendo-a, seus olhos fechando,
sua respiração pausada. Ela agarrou o lado da banheira com os
dedos, o buraco negro acenando novamente, tão perto. Ao longo
dos anos, o buraco ficou cada vez maior, sua atração mais intensa
do que antes. Ela não teria uma chance como está novamente, a
fuga final, o desafio final de todos que pegassem pedaços dela,
deixando-a vazia por dentro, até que não pudesse sentir nada.

Sob a água, no silêncio, ela não precisava ser nada. Não


precisava saber quem ela era. Ela não sabia quem ela era. Ela não
sabia o que gostava ou não gostava, ou o que escolheria se fosse
uma pessoa normal com uma vida normal. Seria ela uma artista,
uma médica, uma dançarina ou qualquer outra coisa? Ela teria
pais, irmãos e irmãs amorosas, uma família que a amasse e se
preocupasse com ela se não voltasse para casa a tempo? Ela se
importaria com eles ou seria egoísta? Quais seriam seus hobbies?
Gostaria de gatos, cachorros ou nenhum? Ela teria alergia? Teria
um parceiro que a amasse? O sexo seria realmente algo prazeroso
ou algo que ela temia? As pessoas de fora já foram estupradas?
Será que seria livre?
Seus pulmões começaram a queimar, o desejo de deixá-los
queimar a enchendo, de deixar tudo ir, de deixar tudo acabar de
uma vez por todas.

Seria tão fácil deixar ir.

Mas ela devia viver.

Para essa resposta ele segurou.

Mais um dia. Se conseguisse mais um dia, ela poderia se


preocupar com o dia seguinte mais tarde.

Tomando um enorme sopro de ar, saiu da banheira, seu peito


se agitando enquanto o oxigênio corria para sua corrente
sanguínea, seus cabelos pingando à medida que seus olhos se
moviam para o canto do banheiro. A porta que ela trancara estava
aberta.

Ele ficou lá.

Isso a fez parar. Duas vezes em uma noite?

Por que diabos ele estava lá? Ele realmente não se dava a
conhecer depois de uma morte. Isso era inédito. Mas ela não ia
falar com ele, muito menos dar-lhe a satisfação de uma reação. Ele
era frio e manipulador. Só porque estava obcecado por ela não
significava nada.

Sob as fracas luzes amarelas do banheiro, ele estava mais


visível para ela do que tinha estado em algum tempo. Ela o
observou, seus olhos absorvendo sua visão. Ele era rico, ela sabia
disso, não apenas por causa de suas roupas. Ele estava todo de
preto como todas as vezes que o viu. Provavelmente o ajudava a se
misturar nas sombras – um terno de três peças sem gravata, a
camisa aberta para dar um vislumbre de seu peito masculino.

Não era o homem mais bonito que ela já viu. Não, já viu
muitos, muitos homens mais bonitos. Mas ele era, sem dúvida, o
mais perigoso. Talvez fosse a forma como sua mandíbula era
esculpida, sombreada por uma barba escura que parecia ter
perpetuamente o mesmo comprimento. Ou talvez fosse seu corpo
– alto, largo, musculoso no jeito elegante de uma pantera
combativa. Ou talvez fosse a quietude, sua pura capacidade de
bloquear e se concentrar em algo tão intensamente que o fez se
sentir como um homem da morte. Ou talvez fossem aqueles olhos
– um totalmente preto, o outro uma estranha combinação de verde
e dourado – hipnóticos, sedutores, letais, uma dualidade de morte
e vida após a morte dentro de um olhar.

Quem sabe não fosse nenhuma dessas coisas. Ou fosse


apenas o fato de que ela o viu matar pessoas sem um pingo de
emoção por tanto tempo, que apenas associou perigo a ele.

A razão pela qual ela sabia que ele era rico, no entanto, era
simplesmente porque não havia como ele ter acesso aos clubes e
todas as outras partes deste submundo decadente que ele tinha,
a menos que tivesse dinheiro. Apenas dois tipos de pessoas tinham
esse acesso – escravos ou compradores, e ele era a coisa mais
distante de um escravo que ela já tinha visto. Embora não
soubesse se ele era um comprador, se tinha sua própria escrava
sexual ou um harém delas servindo a todas as suas necessidades.

A ideia deixou um gosto podre em sua boca. Com tudo o que


ele fazia enquanto a perseguia, se perguntou se ele tinha tempo. E
porque ele fez o que fez, por que ninguém o conhecia, ou quem ele
era fora disso, ela não sabia. Não sabia nada sobre ele, apesar de
conhecê-lo há anos, e apesar de ser uma das únicas pessoas que
viram seu rosto.
Sentindo-se mais velha do que seus vinte e quatro anos,
cansada até o osso de simplesmente respirar, ela manteve o rosto
firme, quebrando seus olhares e olhando para a água.

— Olhos.

O comando lento e deliberado de uma palavra atravessou seu


corpo. Ela apertou a mandíbula, sem entender o que ele estava
fazendo aqui, e por que estava falando com ela quando ele nunca
disse o que ela queria ouvir.

— Não vou pedir novamente.

Algo no tom de sua voz, como a parte inferior de uma lâmina,


cortou sua confusão, fazendo a pequena parte dentro dela que
sabia que ele era perigoso reagir instintivamente. Isso a lembrou
do treinador que ela teve aos quatorze anos, treinando-a na arte
da obediência para o homem certo. Ela havia aprendido, não pela
obediência, mas pelo medo.

Ela virou o pescoço para olhá-lo novamente, seu olhar travado


com seus olhos diabólicos conflitantes, esperando, uma lasca de
medo em seu corpo persistente após a memória de seu
treinamento adolescente.

Ele inclinou a cabeça para o lado. — Medo de mim, flamma?

Os nós dos dedos de suas mãos ficaram brancos com seu


aperto. Não, ela não tinha medo dele. Ou talvez tivesse. Ele
suscitava respostas muito diferentes nela.

— Você não vai me dar sua voz? Mesmo se eu lhe der sua
resposta?
A pergunta foi suave, mas eficaz o suficiente para fazer seu
coração começar a bater forte. Ele a responderia? Ou estava
brincando com ela? Pelo olhar em seu rosto, ela não podia dizer.

— Você poderia? — finalmente cedeu, falando com ele pela


primeira vez em semanas, engolindo em seco quando o homem
com suas respostas ficou parado contra a parede.

— Um dia.

Amarga decepção caiu sobre ela, seguida de raiva, suas


palavras saindo de seus lábios em uma enxurrada que vinha
mantendo por tanto tempo. — Você é pior do que esses monstros.
Você balança a esperança e a retira todas as vezes. — Ela virou o
rosto, os lábios trêmulos, odiando a facilidade com que chorava.
— Fique longe de mim. Não quero nada com você.

Ele ficou parado ao lado da pia, encostado na parede, casual,


mas alerta, seu olhar diabólico fixo nela enquanto ela retomava
seu silêncio.

— Eles estarão aqui em alguns minutos, — ele disse a ela,


mudando de assunto em seu silêncio contínuo e deliberado.

Ela já sabia disso. Isso não era novidade.

— Eu quero que você conte a eles o que aconteceu, — ele se


endireitou da parede em que estava encostado enquanto falava. —
Diga a eles que o Shadow Man7 esteve aqui.

Por quê?

7
Homem das sombras;
Ela quase perguntou, mas mordeu a língua, seu olhar
cauteloso enquanto olhava para o homem que metade do
submundo estava aterrorizado, e por uma boa razão.

Toda a sua expressão permaneceu neutra como na maioria


das vezes, mas seus olhos brilhavam. Ele não respondeu sua
pergunta silenciosa, recusando-se a reconhecê-la, assim como ela
se recusou a expressá-la.

Observou enquanto a mão dele foi para o bolso interno da


jaqueta, tirando uma rosa preta, colocando-a no balcão ao lado da
pia. — Se eu ficar longe de você, você sentirá minha falta, flamma.

Foda-se ele.

Ela queria perguntar por que ele deixava isso para ela, por que
aquela rosa específica, por que especificamente depois de uma
morte. Ela possuía quinze delas agora, um buquê inteiro que ela
mantinha escondido em uma caixa para que ninguém a roubasse.
Por mais torcido que fosse, elas eram o único presente que ela já
havia recebido e era possessiva com elas, junto com as roupas que
sempre trazia para ela.

Ela olhou em volta para ver onde estava a bolsa de roupas,


sua busca saindo vazia. Nada. Não havia uma bolsa.

Seus olhos subiram para ele, fogo inundando suas veias. Ele
estava brincando com ela novamente. Por quê? Que satisfação ele
tinha ao incitar suas reações, brincando com suas emoções?

Um canto de sua boca foi cortado em um meio sorriso. Ele


sabia que ela dependia dele para trazer suas roupas, roupas que
ela usava de volta ao complexo, roupas que ela lavava e guardava
em segurança porque eram as mais bonitas que ela possuía e que
eram apenas dela. Não sabia se era apenas fácil de ler e ninguém
tinha tentado antes, ou se era sua habilidade especial em decifrá-
la, mas ele conhecia seus padrões de pensamento e ela
absolutamente odiava isso.

Sem outra palavra, ele saiu do banheiro, fechando a porta


atrás de si, e Lyla se levantou, enrolando uma toalha em volta do
corpo. Estava brava com ele, brava consigo mesma, brava com o
mundo. E ela sabia que só tinha mais cinco minutos para ficar
brava antes de ter que ser dócil novamente, antes que ela
desistisse de sua raiva, e isso só a deixava mais furiosa.

Marchando para fora do banheiro, ela parou de repente ao ver


um saco de papel simples na cama. Ignorando o cadáver ao lado
no quarto, ela correu para a bolsa e viu um par de jeans pretos,
um top branco sem mangas, um sutiã de algodão nude e uma
calcinha que parecia confortável. Tirando as etiquetas, ela
rapidamente vestiu as peças, mais uma vez questionando como ele
sabia seus tamanhos exatos para tudo. Era um ajuste perfeito.

O cabelo ainda molhado do banho, ela o secou com a toalha


quando algo na mesa ao lado da cama chamou sua atenção.

Um telefone.

Ela olhou para ele por um longo minuto, um buraco aberto em


seu peito. Alguém poderia tê-lo roubado e pedido ajuda. Ela não
podia. Ela não tinha ninguém para quem pudesse ligar. E chamar
a polícia estava fora de questão. Com o tipo de pessoas que sabia
que estavam envolvidas nessas operações, ela acabaria morta por
um assassinato organizacional ou morta por um encontro policial.
Não havia para onde ir, não até que conseguisse o que precisava
do único homem que se recusou a lhe dar respostas.

Afastando-se do telefone, ela se olhou no espelho. Um corpo


pequeno e baixo com seios maduros, como seu treinador lhe
dissera. Cabelo tão ruivo e ondulado, caindo até a cintura,
envolvendo um rosto circular com suavidade, sardas claras no
nariz, sobrancelhas vermelhas naturalmente arqueadas sobre
olhos verdes brilhantes que pareciam quase azuis em algumas
luzes. Ela era linda, tinham dito muitas vezes. Mas quando ela
olhou para o espelho, não foi sua beleza que ela viu. Viu seu único
vínculo com seu passado e viu perguntas. Sua genética veio de
seus pais ou avós? Eles estavam vivos ou mortos? Eles tinham
olhos como os dela ou de outra cor?

Enquanto continuava a secar o cabelo com a toalha,


imaginava todos os cenários, e nenhum deles lhe trazia qualquer
conforto. Mas sua mente raramente, ou nunca, lhe trazia conforto.

O som da porta se abrindo a fez jogar a toalha para o lado


enquanto se sentava na cama, fazendo o possível para parecer
mansa, as mãos cruzadas no colo, a cabeça inclinada enquanto
observava por baixo dos cílios.

Dois seguranças entraram, armados até os dentes, e olharam


para o cadáver antes de olhar para ela.

— Que porra aconteceu?

O que sempre acontece.

Ele disse a ela para contar a eles, mas esses guardas eram
novos e ela não queria arriscar sua atenção extra. Então, disse o
que ela sempre dizia. — Eu não sei, eu estava no banheiro.

Eles acreditaram nela, não que tivessem alguma razão para


não acreditar.
Um dos caras, um homem de cabelos escuros que parecia
assustador em sua seriedade, acenou para ela. — Pegue suas
coisas. Temos que te levar de volta.

Pegando a bolsa em que as roupas vieram, ela foi ao banheiro


pegar a rosa e os pequenos frascos de produtos de higiene pessoal
gratuitos. Sempre levava isso. As garrafas pequenas eram bonitas
e, na maioria das vezes, tinham um cheiro incrível.

Percorrendo o quarto para ver se mais alguma coisa valia a


pena, ela seguiu os caras em poucos minutos. Eles a levaram pelo
elevador direto para o estacionamento e depois direto para o sedã
sem identificação. Em poucos minutos, ela foi trancada e eles
saíram para a cidade.

— Então, — o motorista começou. — O que exatamente


aconteceu lá em cima?

Seu tom cético não passou despercebido por ela. Mas ela não
o conhecia, e de jeito nenhum ela estava falando. Aprendeu desde
cedo que falar com estranhos era sua punição e nada mais.

— Exatamente o que eu disse.

O cara ficou em silêncio por um segundo. Algo estava errado


com ele. Ela não sabia o que era. Ela não disse mais nada, apenas
olhou pela janela e viu a cidade passar enquanto eles se dirigiam
para os arredores.

Era triste que nem soubesse como se chamava a cidade, ou


onde ficava o complexo. Eles nunca disseram a nenhuma das
meninas para onde eram transferidas. Ela poderia ter se mudado
para a mesma cidade toda a sua vida ou saltado um punhado, ela
não sabia. Às vezes ela se perguntava onde viveria se algum dia
fosse livre. Sabia que havia montanhas e mares no mundo, mas
também nunca tinha visto. Ela gostaria de ver montanhas. Elas a
fariam se sentir segura, como guardas altos ao seu redor,
mantendo-a a salvo de invasões externas. Sim, ela gostaria de ver
montanhas um dia.

E provavelmente nunca as veria.

Piscando a sensação de ardor em seus olhos, ela manteve o


rosto neutro.

— Ouvi dizer que os caras que licitam por você morrem. Isso é
verdade? — o homem corpulento do lado do passageiro perguntou.

Ela não respondeu. Não havia nada para responder. A fábrica


de boatos estava funcionando como sempre. E não favorecia em
nada para ela.

Antes que pudesse dizer outra palavra, as cercas familiares do


complexo apareceram, os grandes portões se abrindo para deixá-
los entrar, aprisionando-a mais uma vez.
Capítulo Quatro

Lyla

O complexo era grande, um terreno fechado no meio do nada


com quatro prédios. Um prédio abrigava o pessoal da segurança e
os funcionários do local, os outros três abrigavam apenas meninas
de todas as idades. O prédio A tinha dormitórios e áreas de
treinamento para meninas com menos de dez anos, o prédio B
tinha o mesmo para todas as meninas de dez a dezoito anos, e o
prédio C – onde ela morava – tinha dormitórios um pouco maiores
e uma sala médica. Embora fosse um quarto normal, tinha sido
apelidado assim pelas meninas porque era para lá que elas eram
enviadas se uma delas voltasse muito ferida. Era o quarto mais
bonito em que ela já havia dormido, com uma cama decente em
vez dos beliches que receberam, um colchão macio e dois
travesseiros. Seu colchão era duro e seu único travesseiro mais
duro ainda. Embora isso não importasse, porque geralmente
quando alguém ia para a sala médica, estavam com muita dor para
notar qualquer uma das coisas boas.

Ela esteve lá uma vez desde que chegou ao complexo, na noite


em que o conheceu.

Ela engoliu em seco, sacudindo-se da memória dolorosa, uma


que a havia enviado para o quarto por semanas para se curar, uma
que quase a convenceu de que ia morrer.
Saindo do carro enquanto os seguranças fechavam os portões,
foi em direção a sua casa e viu seu encarregado, Três, descer as
escadas do Edifício C. As meninas não sabiam os nomes
verdadeiros deles. A maioria nem sabia seus próprios nomes
verdadeiros. Todos elas recebiam nomes e era isso que se
tornavam. Três tinha sido seu treinador desde que ela chegou ao
complexo aos dezesseis anos, por seis anos. A mulher geralmente
não era tão ruim quanto os encarregados Um e Dois. Ela era justa
com as meninas, as queria alimentadas, descansadas e com boa
aparência, e tinha regras simples para seus dormitórios. Contanto
que alguém saísse da linha, ela era decente. Mas Lyla não se
deixou enganar pela fachada. Ela sabia a rapidez com que o
interruptor girava, quão pouco tempo levava para a calma se
tornar cruel.

A mulher mais velha, pelo menos na casa dos quarenta, olhou


para Lyla com uma carranca no rosto. — Novamente?

Lyla assentiu. A pergunta nem precisava ser totalmente feita.


Depois de seis anos, todos estavam cientes da má sorte que ela
trazia para seus compradores. Todos sabiam que alguém os
alvejava, mas ninguém sabia quem.

Três balançou a cabeça. — Homens idiotas, eles nunca


aprendem.

Lyla ficou em silêncio, esperando instruções. Ela não teve que


esperar muito.

— Vá, descanse.

Sem esperar mais, Lyla rapidamente contornou a outra


mulher e subiu as escadas para o prédio. Tinha algumas décadas,
a pintura descascando em alguns lugares e os móveis rachados
em outros, mas ainda era a casa mais bonita em que ela estivera.
Para qualquer garota - por algum motivo bizarro. Normalmente,
uma menina ficava onde era inicialmente enviada, familiarizando-
se com o local e os tratadores. Ela podia ser movida uma vez, ou
no máximo duas vezes, mas nunca cinco vezes, e Lyla não entendia
por que isso. Ela foi uma criança complacente, uma adolescente
quieta, e isso simplesmente não fazia sentido. Ela estava feliz por
ter sido estável nos últimos seis anos.

Subindo as escadas para o segundo andar onde ficava seu


quarto, passou por algumas garotas vagando no patamar,
conversando umas com as outras sobre seus clientes ou mestres,
o que quer que tivessem. Não havia tantas garotas neste prédio
quanto nos outros, principalmente porque muitas garotas eram
contratadas por longo prazo e tinham que ficar com seus
compradores. Assim como sua amiga Malini tinha sido por alguns
meses.

Ela e Malini não eram próximas, não até a noite que mudou
sua vida e a outra garota ficou ao lado dela, deixando-a gritar
enquanto segurava sua mão. No rescaldo desse evento, Lyla
encontrou pela primeira vez a coisa mais próxima de um amigo, e
isso tornou a respiração um pouco mais fácil por um tempo.

Abrindo a porta de seu quarto, ela entrou para encontrar as


duas colegas de quarto trancadas em um beijo acalorado,
separando-se quando ela entrou.

— Desculpe, eu volto mais tarde, — ela disse a elas.

— Não, está tudo bem, — a mais alta do casal, Reina, falou. —


Ouvimos que você recebeu uma oferta novamente.

Lyla hesitou antes de entrar e ir para sua pequena cama no


canto, desabando sobre ela. — Sim.
— Ele está morto? — a outra colega de quarto, Millie,
perguntou.

— Sim.

— Droga, — Reina murmurou, subindo no beliche para chegar


ao topo. — Como?

Lyla apontou para a testa. — Bala na cabeça.

— Garota, eu daria qualquer coisa para seu perseguidor ficar


obcecado por mim agora, — Millie comentou, o tom de inveja claro
em sua voz. — Qualquer homem perto de mim morrendo. Não
fodendo ninguém. O melhor tipo de vida.

— Não é qualquer homem, — Reina a lembrou. — Ele é um


assassino. Desculpe, mas eu ficaria com paus ricos qualquer dia
por ele. Com paus ricos, eu sei o que estou recebendo. Eu consigo
aguentar isso.

— Mas você pode imaginar...

Lyla ignorou a conversa, fechando os olhos e deitando-se na


cama, sem querer ouvir o que tinham a dizer. Elas não gostavam
dela. Viviam com ela, toleravam-na, mas ela não era amiga delas.
Elas não cuidavam dela como cuidavam de suas amigas de
verdade. Ela não sabia por que, mas era assim que era. Por alguma
razão, ninguém queria ser sua amiga em todos esses anos. A única
amiga que ela teve na infância a deixou para trás e fugiu, e Malini
foi embora agora também.

E ela estava cansada.

Sem se trocar, simplesmente passou por baixo do lençol fino e


se virou para a parede, dando as costas para as colegas de quarto.
O som molhado de beijos encheu o quarto como fazia muitas
noites, e Lyla simplesmente ignorou. Todas as meninas foram
treinadas com homens e mulheres, e muitas delas encontravam
companhia umas com as outras enquanto cresciam. Era
perfeitamente natural em seu mundo, e ela estava feliz que Reina
e Millie tivessem uma à outra. No mundo fodido em que viviam,
era uma benção encontrar algo assim.

Para ela, não havia nada.

Ela havia se deitado em inúmeras camas e era usada contra


sua vontade, não tinha a quem escapar senão em sua mente.
Algumas vezes, seu corpo havia reagido, outras vezes não. Às
vezes, tinha sido doloroso, às vezes não. Pensava que isso era o
pior que lhe poderia acontecer e, no entanto, a ameaça do pior
sempre perdurou.

Ela se sentia morta por dentro, a única centelha de vida


trazida pelo homem nas sombras, e mesmo isso ela não sabia se
era por causa de sua história ou por causa da atração.

Quando a respiração atrás dela ficou mais pesada, Lyla fechou


os olhos e se perguntou sobre ele. Por que ele estava obcecado por
ela? Por que dar a ela rosas negras para cada morte? Por que
conversar com ela agora e instruí-la a dizer a todos que era ele?
Por que ele fazia o que fazia? Quanto mais ela pensava nele, mais
chateada ficava. E era cansativo, ter suas emoções oscilando da
raiva para a depressão, uma constante para frente e para trás.

De alguma forma, talvez por causa do cansaço, ela se sentiu


lentamente à deriva, seu último pensamento sobre os olhos
hipnóticos incompatíveis e um sentimento de perigo perseguindo-
a.
Ela acordou com um sobressalto quando alguém a sacudiu.

Piscando rapidamente para focar os olhos, viu o rosto


preocupado de Reina olhando para ela. — Três chamou você para
o escritório.

O medo se acumulou em seu estômago.

O escritório nunca era usado, não até que alguém do alto


escalão da operação estivesse visitando e quisesse fazer reuniões.

E eles estavam chamando por ela.

Porra.

Engolindo para molhar sua garganta repentinamente seca, ela


girou as pernas ao redor e se endireitou, seu cabelo um ninho
caindo ao redor de seu corpo. — Ela disse por quê?

— Não.

Ok, isso não era bom. Mas ela sabia que isso estava chegando.
Podia estar trazendo dinheiro para eles, mas estava perdendo
clientes permanentemente. Isso não era bom para os negócios.
Eles iriam mandá-la embora ou simplesmente matá-la, e o cansaço
exausto dentro dela quase se sentiu aliviado com o pensamento do
último.

Sem perder mais tempo, saiu do quarto com as mesmas


roupas com que dormira, as roupas agora amassadas que ele lhe
dera, e saiu do prédio para a luz do dia. Mal respirou fundo antes
que um guarda a escoltasse rapidamente para o prédio principal,
nem mesmo concedendo-lhe uma fração de segundo de alívio para
sentir o sol em seu rosto.
Endireitando suas roupas, ela entrou no prédio, seguindo o
guarda quando ele virou à esquerda em um corredor, levando-a
para a última porta no caminho. Apesar da luz do dia lá fora, o
corredor estava escuro e úmido, um cheiro de mofo dentro que
parecia emanar das próprias paredes.

Ele abriu a porta e acenou para ela entrar.

Respirando fundo, ela entrou.

E congelou.

Três estava no canto, um homem mais velho estava sentado


atrás da mesa e ocupava a cadeira da frente.

O que diabos ele estava fazendo lá?

Ficou quieta, mantendo o rosto o mais neutro possível, e


encarou Três.

A mulher mais velha indicou a única cadeira vazia na sala, na


frente da mesa e ao lado dele, e com o coração batendo forte, ela
se sentou nela cautelosamente.

— Este é o Sr. H, — Três falou no modo de apresentação,


indicando o homem mais velho atrás da mesa olhando para ela
com uma carranca no rosto, seus olhos redondos deixando-a
distintamente desconfortável. — Você sabe por que ele está aqui.

Lyla assentiu.

— Fala, garota! — A voz do Sr. H ressoou, fazendo-a


estremecer com o barulho repentino. Com o coração acelerado, ela
quis se acalmar, odiando que ele ouvisse sua voz novamente
quando lhe disse que não o faria. O fato de Três não o ter
apresentado, embora ele estivesse lá, a fez se perguntar se ela
sabia quem ele era. O Sr. H sabia? Alguém?

— Eu... eu não sei o que dizer, — disse ao homem mais velho


calmamente, deliberadamente ignorando a presença sombria ao
lado.

— Em primeiro lugar, diga-me como aconteceu ontem à noite,


— o homem mais velho e assustador instruiu.

Ignorando a forma como os olhos dele estavam queimando


nela, mas ciente do que ele pediu para ela dizer, ela se dirigiu ao
Sr. H. — Foi o Shadow Man.

Três ofegou.

Foi fascinante ver a forma como a carranca do homem mais


velho desapareceu, substituída por algo muito parecido com o
medo. Ela sabia que o Shadow Man era um boato no submundo,
mas testemunhar o impacto que o som de seu nome poderia ter
em alguém poderoso como o Sr. H fez algo quente em sua barriga.

Pela primeira vez em sua vida, ela entendia como era o menor
vislumbre de poder. E se perguntou se ele tinha pressa, estar lá e
testemunhar pessoalmente, para ver como as pessoas reagiam ao
seu nome, alheias ao fato de que ele estava ali.

Talvez, foi por isso que ele veio. Para encontrar alguma
satisfação distorcida em seu terror.

O Sr. H se inclinou para frente. — Como diabos você sabe


disso?

O que ela poderia dizer sobre isso? Pensando rapidamente em


seus pés, ela respondeu com tanta seriedade quanto pôde reunir.
— Houve uma ligação no telefone depois que o comprador foi
baleado. O homem do outro lado se apresentou como o Shadow
Man.

O Sr. H franziu a testa. — Isso é muito estranho. Não faz parte


de seu MO.

Ela não comentou sobre isso.

Enquanto contemplava em silêncio, sentiu uma mão enluvada


tocar a dela, o homem ao seu lado deslizando algo em sua mão.
Papel, pela sensação dele. Apertando a mão, ela discretamente a
enfiou no bolso do jeans para olhar mais tarde, confusa sobre o
que estava acontecendo.

O Sr. H olhou para ela de uma maneira desconfortável por um


longo tempo antes de enfiar os dedos, apoiando os cotovelos na
mesa. — Você apresenta um grande enigma, garota. Recebe alguns
de nossos lances mais altos e nos perde alguns de nossos melhores
clientes.

Lyla ficou em silêncio, sem saber se, e como definir isso. Ela
se concentrou no homem falando, ciente do homem silencioso ao
seu lado, e sentiu uma estranha sensação de segurança a envolver.
Estranho, porque não era uma emoção com a qual ela estava
familiarizada. Podia não saber nada sobre ele, mas sabia que ele
não a deixaria ser morta por suas próprias razões. Sua presença
ali garantia que permanecesse viva.

Um leve brilho repentino penetrou nos olhos escuros do Sr. H.


— Tudo bem, isso é tudo. Você pode ir agora.

Lyla não sabia o que a mudança significava, mas duvidava que


fosse algo bom. Tomando isso como dispensa, ela se levantou e
saiu do escritório, o guarda esperando para escoltá-la de volta ao
seu quarto.

Felizmente, o quarto estava vazio, tanto Reina quanto Millie


em algum lugar distante. Sentada em sua cama desarrumada, ela
tirou o pedaço de papel amassado do bolso, olhando para o bilhete
que ele havia passado para ela, um rabisco masculino de uma
frase que fez sua respiração ficar presa.

Sua voz faz meus átomos cantarem.

Ela não entendia o entusiasmo que sentia por essas palavras.


Era... lindo. Quase poético, e ela não o teria chamado de poético
em seus sonhos mais loucos. Mas será que ele estava apenas
dizendo isso para a amaciar ou estava falando sério? Ela não sabia,
mas sabia que não deveria sentir tanta emoção, especialmente não
quando vinha dele. Mas, sentada sozinha em seu quarto, não
podia negar que isso a afetava. Ele a afetava, não importava o
quanto tentava resistir. Com o passar dos anos, ela havia passado
da esperança de se abrir ao impacto dele sobre ela, a aceitá-lo, a
negá-lo, a resistir a ele, a odiá-lo, e repetir. Um ciclo enraizado no
fato de que ela o queria completamente, mas não sabia se ele
retornaria o sentimento além de mantê-la segura.

E ela estava exasperada com ele e seu relacionamento


distorcido.

Mas ele nunca tinha dado a ela um bilhete antes. O que ele
estava fazendo?

Levantando-se, foi até seu armário e tirou a caixa da parte de


trás. Abrindo-a para todas as rosas negras eternas que ela havia
guardado ao longo dos anos, algumas secas e murchas, algumas
comparativamente mais frescas, colocou o bilhete dentro delas,
odiando-se um pouco mais por guardá-las. Colocando a caixa na
parte de trás novamente, trancou e foi se refrescar, sabendo que
tinha algumas horas antes de começar seu turno.

Depois de usar os chuveiros comunitários, ela vestiu shorts e


regata, prendeu o cabelo em um coque e desceu para a cozinha
para comer alguma coisa. Não havia muitas opções para escolher,
mas eles alimentavam a todas e, francamente, isso era mais do que
suficiente na maioria dos dias. A cozinha estava ocupada com
garotas fazendo suas refeições, algumas delas conversando umas
com as outras, a maioria delas reservando-se como ela fazia. Era
comum. Algo estava quebrado dentro de cada uma das garotas, e
embora isso fosse um ponto em comum, não era um ponto de
companheirismo.

Mantendo a cabeça baixa, ela pegou um pouco de leite e


cereais em uma tigela e voltou para o conforto de seu quarto antes
que tivesse que começar a trabalhar em algumas horas. Quando
não estava sendo leiloada por contratos de curto ou longo prazo,
ela trabalhava como garçonete no Club District, girando em boates
do Sindicato, clubes de strip e clubes de sexo, às vezes até como
dançarina, se precisassem de mais garotas no palco. Ela foi
apalpada e intimidada e não conseguia manter nenhuma das
gorjetas que fazia, mas ainda assim era melhor do que muitas das
outras garotas tinham. Havia garotas que eram drogadas e fodidas
diariamente por vídeos vendidos na dark web8, escravas sexuais
que viviam com mestres tão cruéis que suas vidas eram histórias
de horror, crianças que eram obrigadas a fazer coisas que
nenhuma criança jamais deveria fazer. E não eram apenas
meninas. Ela sabia que havia toda uma operação como esta
também para meninos pequenos. Se houvesse um comprador no
mercado, eles eram atendidos com o que precisassem. Portanto,

8
P parte da World Wide Web que só é acessível por meio de software especial, permitindo que usuários
e operadores de sites permaneçam anônimos ou não rastreáveis. " Dark Web apresenta novos e formidáveis
desafios para as agências de aplicação da lei em todo o mundo"
ela realmente sentia sorte de que seu trabalho diário se limitava
apenas à atenção e apalpadela indesejadas.

E, no entanto, apesar de dizer a si mesma que tinha mais


sorte, ela se sentiu amaldiçoada.

Seus olhos foram para a faca e uma maçã na pequena mesa


de Reina, sua mente oscilando novamente. Essa era a coisa que
ela não conseguia explicar dentro de si mesma. Às vezes, ela
avistava objetos aleatórios e potencialmente letais e,
imediatamente, seu cérebro evocava a imagem de como seria usá-
lo em si mesma. Essa faca, por exemplo, seria tão fácil, o lado
afiado da lâmina passando sobre as veias apenas uma vez, tão
simples para acabar com tudo. Eles a encontrariam no quarto, sua
camisa branca cara encharcada de sangue que combinava com
seu cabelo, um sorriso no rosto pela primeira vez ao se despedir.

Fechando os olhos, ela pôs fim à fantasia, um leve tremor em


sua mão enquanto agarrava sua tigela.

Comer. Dormir. Isso é tudo.

Isso é tudo que ela precisava fazer. Dormir. Acordar. Repetir.

Só mais um dia.

Terminando rapidamente o último cereal, ela voltou para a


cama e dormiu novamente, acalmando os demônios em sua cabeça
pelo menos um pouco, rezando por um sonho que lhe trouxesse
algum consolo. E apenas sua sorte, ela sonhou com ele.
Capítulo Cinco

Lyla | 1 ano atrás

Ele estava lá em uma das salas de estar, observando-a com


aqueles olhos diabólicos desiguais dele enquanto ela dançava no
palco do Sanctum, um dos clubes de sexo mais chiques do Club
District, atendendo ao sexo e à socialização dos ricos em um só
lugar. Além dos quartos dos fundos, havia também quartos
disponíveis para a noite acima do clube, quando solicitado.

Era uma das festas privadas para um desses ricos, com mais
de cem homens e mulheres que vinham de posições influentes -
advogados, juízes, políticos, empresários, mafiosos, todos eles
misturados em uma noite de celebrações lascivas.

Pessoas em vários estágios de despojamento já estavam


espalhadas pela sala, alguns acariciando, alguns fodendo. Os mais
reservados levavam seu companheiro ou companheiros escolhidos
para a noite para os quartos dos fundos, aqueles que serviam para
todos os tipos de fetiches que eles poderiam querer explorar.

Fazia algum tempo que ela não o via, não fisicamente. Ela o
tinha sentido muitas vezes, sabia que ele a vigiava ainda mais, mas
na verdade vê-lo não era comum. Seu coração batia com cada
compasso da música enquanto ele a observava, e ela se
concentrava nele, dançava para ele, só para ele. A relação deles era
estranha, se é que poderia ser chamada assim.
Ela o encontrou acidentalmente em uma noite fatídica e ele a
ajudou. Nunca acreditou que o veria novamente depois, não até
que ele apareceu em um dos clubes onde ela estava servindo
bebidas uma noite. Ela fingiu não o conhecer, e ele fingiu não olhar
para ela. Ambos estavam mentindo. Desde então, durante anos,
ele se tornou uma presença constante em sua vida, uma âncora
da qual ela se tornou emocionalmente dependente, mesmo
sabendo que não deveria estar. Ele era perigoso, manipulador e
gostava de brincar um pouco demais com as emoções dela. E, no
entanto, quando ele veio procurá-la, ela foi encontrada.

— Ei boneca, — alguém gritou abaixo dela, quebrando seu


transe. Ela olhou para baixo para encontrar a encarregada Três, a
principal encarregada de todo o complexo habitacional, chamando
por ela. Ela desceu os degraus atrás do palco, caminhando até a
supervisora.

— São alguns clientes muito importantes. — Apontou para a


sala de estar onde estava com alguns outros homens, a maioria
dos quais já tinham acompanhantes das muitas garotas
disponíveis. — Vá se certificar de que eles estejam entretidos.

Com o coração batendo forte, deu um aceno de cabeça e


deslizou em direção à sala de estar. Era ligeiramente elevada do
resto do clube, sofás marrons de pelúcia espalhados ao redor de
uma mesa de vidro oval, a iluminação lá mais fraca do que em
outros lugares.

Um dos homens mais velhos em um sofá, já sentado com uma


garota seminua no colo, sorriu para ela. — Você não é uma
observante... Venha se juntar a nós, querida?

Antes que ela pudesse responder, uma voz, a voz dele, inseriu
secamente um comentário afiado. — Seu coração não aguenta
mais de uma, Landon.
O homem mais velho, Landon, riu, evidentemente a nitidez
passando por cima de sua cabeça. — Você tem razão. Querida, por
que você não entretém o Sr. Blackthorne?

Sr. Blackthorne.

Esse era mesmo seu nome de verdade ou um pseudônimo?


Fosse o que fosse, era apropriado.

Respirando rapidamente, ela se virou para o homem no sofá,


ciente da maneira como seus olhos dissecavam seu vestido de
lantejoulas dourado.

Colocando uma perna de cada lado dele, perto o suficiente


para sentir o calor de seu corpo pela primeira vez, ela o montou
como faria com qualquer homem prestes a fazer uma lap dance.
Mas seu coração nunca bateu do jeito que batia quando ela
montou nele, suas mãos encontrando seus ombros largos,
tentando se firmar enquanto começava a mover seus quadris ao
som da música, seus olhares travados. Os olhos dela foram para a
boca dele, o corte de lábios pressionados enquanto ele
simplesmente se sentava, parecendo despreocupado.

Mas ela podia ver o escurecimento de sua pupila em seu olho


mais claro, podia sentir a tenda sólida em suas calças, ficando
mais dura quanto mais ela se movia.

Ela se apoiou contra ele e, de repente, seus dois braços


estavam atrás dela, apertados com força em um aperto de aço, a
outra mão segurando sua mandíbula, uma reminiscência do jeito
que ele a segurou no labirinto pela primeira vez. Respirando
pesadamente, seus seios arfando, quase caindo de seu vestido
minúsculo, ela o observou enquanto os vocais de um cantor
cantavam ao fundo.
A mão que segurava sua mandíbula moveu-se para sua boca.

Luvas. Ele estava usando luvas de couro. Tão estranho, porém


novamente tão apropriado a ele.

Seus dedos traçaram seus lábios, e sua boca se abriu. Ela não
beijou, nunca quis beijar ninguém e felizmente ninguém a forçou.
Isso era algo que era só dela, de mais ninguém. Se alguém tentasse
pegar sua boca, ela simplesmente os distraía. Não sabia por que
se agarrava a isso, talvez porque fosse a única coisa que ela podia
segurar que a deixava com qualquer aparência de controle em um
mundo girando fora dele. O que quer que seja, era apenas dela. E
ela nunca quis dar aquilo.

Ele se inclinou para frente, seus lábios movendo-se para sua


orelha, e ela prendeu a respiração. — Tenho planos para esta noite
e você os está arruinando, flamma.

O calor que estava fervendo em seu corpo de repente morreu


uma morte fria.

Seus planos.

É claro.

Ela fechou os olhos, invocando sua força. Como ela poderia ter
esquecido quem ele era, como ele brincava com ela para seu próprio
propósito?

Embora o constrangimento não fosse uma emoção que sentia


com frequência - com o tipo de vida que tinha, não havia espaço
para isso - ela sentiu o rubor aquecer seu rosto enquanto lutava
para se levantar e ir embora.
Ele a segurou imóvel, suas mãos atrás das costas, seus seios
empurrados em seu peito, seu pescoço inclinado para seu nariz.
Ela estava tentando... não sabia o que estava tentando fazer. Não
queria seduzi-lo, não realmente, mas queria estar perto dele, senti-
lo contra si mesma, mas não necessariamente de uma forma
sexual. Embora ela estivesse excitada, tinha sido a... segurança
que estava desfrutando. Mesmo enquanto ele a segurava imóvel,
não sentiu o pânico familiar que sentiria se fosse outro homem.

Ela estava tentando criar intimidade, e ele estava pensando


em seus planos.

Não era bom para o moral de qualquer garota.

Prometeu a ele que ele não ouviria sua voz novamente, então
ela ficou quieta, concentrando-se na luz na parte de trás,
estabilizando sua respiração.

— Você está com raiva, flamma? — ele perguntou em seu


pescoço. Se não soubesse melhor, ela diria que ele estava se
divertindo. Mas ela sabia melhor, e sabia que ele não sentia as
coisas como ela sentia. A diversão provavelmente estava além de
seu alcance.

Ficou em silêncio e tentou se afastar.

Seu aperto em seus pulsos aumentou. — Suas emoções vão te


matar aqui.

Ele disse isso como se ela estivesse com medo de morrer. Se


alguém apontasse uma arma para sua cabeça, provavelmente
daria boas-vindas à bala.

E o diabo que ele era, ele conhecia seus pensamentos. — Como


você vai encontrar suas respostas se você não viver, hmmm?
Maldito bastardo.

Ele estava mantendo as respostas como reféns sobre sua


cabeça, forçando-a a continuar a viver. Ele vinha fazendo isso há
anos. Toda vez que ela lhe perguntava sobre aquela noite, ele dizia
que ela obteria a resposta um dia se continuasse viva. A última vez
que ela perguntou a ele tinha sido um ano atrás, e absolutamente
cansada com sua besteira, ela tirou a única coisa dele que ela
sabia que ele gostava em seus encontros limitados – sua voz.

Mas ele sabia que não iria deixá-la ir sem saber, e usava isso
impiedosamente, forçando-a a se livrar de pensamentos sombrios,
forçando-a a ver outra noite, forçando-a a viver outro dia. Ela o
odiava por isso.

Sua respiração caiu sobre o pescoço dela, lentamente em seu


pulso, antes que ele se afastasse, travando seus olhares.

— O mundo não está pronto para ver quem eu me tornaria se


isso... — seu polegar pressionou em seu pulso acelerado —
...parasse.

Lyla o encarou, e mais uma vez, maravilhada como ela nunca


o entenderia.

Ela não era importante, e estava enganado. Se seu batimento


cardíaco parasse, não mudaria nada.

Na semana seguinte, ele estava lá novamente, o mais próximo


que ela chegou de vê-lo no espaço de alguns dias. Ele estava lá, e
desta vez, uma garota loira seminua estava sentada em seu colo.
Lyla congelou em seu passo, a bandeja em sua mão que estava
usando como servidora se acotovelou com o movimento súbito.

Algo feio, desagradável rodou em seu peito com a visão.

Não.

Fechou os olhos, respirando fundo antes de abri-los


novamente. A loira ainda estava lá e a feiura em seu peito se
aprofundou. Ela sabia que não fazia sentido, que não tinha direitos
e, pior, nenhuma reivindicação sobre este homem, mas ele era
dela. Quaisquer que fossem os jogos que ele jogava, jogava com
ela. Era ela o objeto de suas obsessões. Ela não queria que
houvesse outra em que ele estivesse se fixando, outra que ele
estivesse segurando e pior, procurando com aqueles olhos dele.

Mas ela não tinha direitos sobre ele.

Nenhum.

Sua mão segurando a bandeja tremeu e ela a firmou,


lembrando a si mesma que qualquer bebida derramada resultaria
em punição.

Os mesmos homens da última vez estavam sentados ao redor


da sala, e ela manteve o queixo abaixado, os dedos brancos no
vitríolo dentro dela. A loira jogou o cabelo sobre um ombro,
expondo seus seios nus para ele, puxando seus mamilos.

Lyla cerrou os dentes, colocando as bebidas na mesa,


propositalmente mantendo os olhos baixos e o pescoço virado para
longe dele.

Um homem do lado, um cara mais jovem de cabelos escuros


sorriu para ela. — Por que você não vem sentar-se aqui, querida?
Oh, não.

Mesmo que ela não quisesse, ela não podia rejeitar. Essa era
uma das coisas que as servidoras foram instruídas a fazer – se um
cliente pedisse algo extra, você daria a ele. Felizmente, desde que
os homens que a tocaram começaram a morrer, a palavra na rua
geralmente os mantinha longe dela ou fazendo exigências dela.

O olhar piscando brevemente para o diabo responsável por


cada morte, ela viu seu rosto completamente neutro, seus olhos
nas dançarinas no palco. Sem nenhuma dica dele sobre como se
comportar ou o que fazer, ela fez a única coisa que podia sem
convidar a punição. Ela se moveu e se sentou timidamente no colo
do cara, mantendo os olhos fixos em uma luz distante enquanto
ele apalpava seus seios. Ela não fez um único som.

— Geme pra mim, querida.

Ela não iria. Isso era algo que ela podia controlar. Ela ficou em
silêncio, imaginando se o diabo mataria este, já que eles estavam
sentados juntos.

— Cadela frígida, — o homem riu, batendo palmas para


chamar a atenção da mesa. — Uma aposta. Quem a fizer gemer
ganha cem mil.

Alguns homens gritaram e seu estômago caiu. Instintivamente


procurou seu olhar, apenas para encontrar os olhos incompatíveis
fixos no homem que a segurava.

— Essa é problema, garoto, — o homem mais velho que esteve


lá na semana passada avisou. — Melhor deixá-la ir antes que seu
anjo da guarda encontre você.

O cara embaixo dela riu. — Não há anjos neste lugar, velho.


Não, mas havia demônios, o maior deles olhando para ela.

— Eu vou fazê-la gemer.

Seu coração gaguejou ao som de sua voz quando ele deu um


tapinha na loira para sair de cima dele. Ela bufou e se levantou,
encontrando outro imediatamente.

O velho alertou novamente. — Ela não vale a pena,


Blackthorne.

— Sim, ela vale, — afirmou, abrindo ligeiramente as pernas e


estendendo a palma da mão enluvada em direção a ela.

Com o coração batendo forte, ela caminhou até ele, colocando


a mão na sua luva.

Ele a puxou para frente até que ela caiu em seu peito, sua
perna musculosa entre as dela enquanto ele a sentava. Lyla o
encarou, fascinada pelas luzes refletidas em seu olho verde-
dourado e pela completa falta de reflexo no preto.

Ele colocou uma mão na parte de trás do sofá, a outra indo


para o lado de sua coxa.

Um calafrio percorreu sua espinha com o simples toque, e não


fazia sentido para ela como o toque de um homem poderia iluminá-
la onde o outro não conseguia sequer acender. Talvez fosse por
causa de sua história, sua conexão, seu relacionamento distorcido.
Talvez fosse porque ela era uma tola por se sentir segura com ele
mesmo sabendo que havia várias pessoas atrás dela. Vários
homens em um pequeno espaço escuro apenas incitavam o medo
nela. Agora, escarranchada sobre sua coxa, ela sentia tudo menos
isso.
Ele inclinou a cabeça para a frente, alinhando a boca com a
sua orelha, exatamente como havia feito na semana anterior, e
perguntou calmamente: — Você quer que eu corte a mão dele ou
queime?

Lyla estremeceu com suas palavras, e não totalmente em


repulsa. Algo dentro dela, algo sombrio e perturbado, queria vê-lo
fazer isso, vê-lo cortar a mão que a havia tocado sem sua
permissão. E isso a assustou, esse lado dela.

Ela engoliu em seco, aproveitando o poder dessa escolha. —


Corte.

Ela o sentiu sorrir contra sua bochecha, sua respiração quente


contra seu ouvido enquanto ele prendia seus pulsos em sua mão
errante.

— Boa menina.

As palavras, suaves, cheias de elogios, vindas dele fizeram algo


quente inundar seu sistema, seus quadris movendo-se
involuntariamente, seus movimentos limitados, controlados por
seu corpo.

— E como você quer que ele morra? — ele perguntou, sua voz
baixa, quase sedutora. — Deve o Shadow Man fazer isso à
distância? Ou próximo e pessoal? — Ele empurrou sua coxa para
cima na última palavra.

Ele estava falando de assassinato real e ela estava molhada,


tão, tão molhada, mais naturalmente molhada do que já esteve em
toda a sua vida. Nem sabia que podia lubrificar tanto, e o fato de
que algo tão horrível a excitava era perturbador. Ela ia deixar uma
marca nele.
— A puta está gostando disso! — o grito alto da parte de trás
a fez enrijecer, a consciência caindo em lâminas afiadas em sua
consciência.

— Shh, — as palavras sussurradas em seu ouvido acalmaram


um pouco suas bordas desgastadas. — Somos apenas nós. Sempre
fomos só nós. Concentre-se em mim.

Ela fechou os olhos e fez o que ele pediu. O barulho do clube,


os sons dos homens na parte de trás, tudo caiu lentamente
enquanto ela se concentrava no som da voz dele, o flautista a
conduzindo para o penhasco.

Seu nariz desceu pelo lado de seu pescoço. — Ele te chamou


de puta. Você é uma puta, flamma?

Ela não sabia como responder a isso, o ódio dentro dela


elevando sua cabeça.

— Você gosta do meu toque? — ele perguntou, seu aperto nos


pulsos firme enquanto ele levava a outra mão à boca dela, traçando
seus lábios.

— Sim, — ela respirou, seu polegar mergulhando dentro.

— Se eu te empurrasse para baixo e te enchesse com meu pau,


você iria gostar?

Sua boceta se apertou com suas palavras, o vazio dentro dela


agudo. Ela deu um aceno de cabeça.

— Você gostaria se outra pessoa fizesse isso?

Seu corpo endureceu.


— Então você é minha puta. — Sua coxa pressionou nela onde
ela estava vazia, pressionando seu clitóris com força. — Minha.

Mesmo que odiasse a palavra, quando ele disse assim, algo


dentro dela floresceu. Ela se lembraria disso. Da próxima vez que
alguém a chamasse de puta, ela se lembraria desse momento.

— Agora, geme para mim e eu vou te dar um presente para


levar de volta.

Um ruído escapou de seus lábios, completamente espontâneo,


abafado quando ele pressionou o polegar dentro de sua boca
enquanto ela cavalgava sua perna, seu movimento limitado por
causa do aperto que ele tinha sobre ela.

— Boa menina, — sentiu as palavras contra seu pescoço assim


que ele abriu a boca. Os dentes marcaram sua carne e as múltiplas
sensações de toda parte fizeram seu pescoço cair para trás, seus
lábios apertando o polegar dele enquanto seu corpo estremecia.
Seus dentes em seu pescoço enviaram calor por todo o seu corpo,
um orgasmo a surpreendeu com sua intensidade, as estrelas atrás
de suas pálpebras tão bonitas que ela as perseguiu por mais um
segundo, segurando-as.

Isso era precioso. Um orgasmo disposto era tão fodidamente


precioso.

Com lágrimas nos olhos, ela piscou, olhando para o teto alto.

A consciência se filtrou lentamente, o som de risos, música e


conversas, e ela olhou para baixo para encontrar seu olhar. Pela
primeira vez em sua memória, as consequências de um orgasmo
não a deixaram se sentindo suja, não a deixou querendo rasgar
sua própria pele.
Ela se sentia... pura. Preciosa. Poderosa. Todas as ilusões, mas
ela as segurou por um momento também.

Seu rosto permaneceu neutro como sempre, o único sinal de


que ele havia sido afetado de alguma forma foi a grande
protuberância entre as pernas e a pupila dilatada em seu olho
claro. Ele soltou seus pulsos e tirou o polegar de sua boca, seus
dentes amassando profundamente as luvas. Uma sensação
latejante em seu pescoço a fez levantar a mão, tocando o ponto
sensível.

Ele a marcou. Pela primeira vez, ele a marcou visivelmente.

Em sua experiência, as notas nunca eram boas. Marcas


significavam dor, crueldade e descuido. A marca que ele deu a ela
era prazer, ternura e deliberação. Era um presente, uma
reivindicação para ela lembrar que era dele, que ninguém poderia
chegar até ela enquanto ele estivesse lá.

E para alguém que foi possuída, mas nunca pertenceu,


significava tudo.
Capítulo Seis

Lyla | Presente

Estar de volta em Sanctum depois de meses trouxe lembranças


correndo à tona para ela. A última vez que ela esteve lá, ele a
marcou. Isso a encheu de esperança novamente e, com o passar
do tempo, a esperança diminuiu. Novamente.

Sabia que precisava aprender a manter suas expectativas sob


controle, que precisava aceitar seu destino e seu estado de ser sem
deixar a esperança traiçoeira tomar conta até que começasse a
sonhar com mais. Mas não importa o quanto ela se lembrasse do
mesmo, sempre acontecia espontaneamente. A esperança nascia,
e morria, e também um pedacinho dela.

Afastando pensamentos sombrios, ela se concentrou na dor


em seus pés nos saltos altos. O clube estava particularmente
barulhento esta noite. Não era um clube de sexo usual, do tipo que
apenas atendia ao sexo. Não, era um clube que era o ponto fraco
das operações. Negócios obscuros, drogas, bebidas e idiotas eram
encontrados em abundância lá.

Enquanto ela abria caminho pela multidão na área VIP do


espaço aberto de único andar, o espaço exato onde ele a fez gemer,
as pontas dos pés doíam nos saltos plataforma que todas as
garotas que trabalhavam tinham que usar. Seu coração doía
também, porque um ano atrás, ela estava mais cheia de esperança
do que estava agora, de alguma forma esperando que o momento
levasse a algo – uma fuga na melhor das hipóteses, uma intimidade
mais profunda no mínimo.

Não levou a nada. Não mudou nada. Ele nunca a tocou


novamente, mas continuou sua vigilância. E ela estava
fodidamente cansada disso.

Ele era claramente alguém importante dentro do submundo.


Ela o tinha visto fazer aparições públicas muitas vezes desde
então, em torno de muitas pessoas de aparência poderosa para
questionar isso. O Sr. Blackthorne, como o chamavam, era alguém
importante. Ele também andava a noite como o Shadow Man,
embora ela duvidasse que alguém suspeitasse disso. O Shadow
Man era um assassino quente e desequilibrado, prosperando no
caos que ele criava. O Sr. Blackthorne era frio, contido e
meticuloso. Se alguém suspeitava que eram os mesmos homens,
era um gênio.

E ela conhecia seu segredo. Ela poderia usar isso contra ele,
ameaçá-lo com exposição, mas não podia. Ela era fraca e
impotente, e o Shadow Man era o único ser que lhe dava um
mínimo de proteção por qualquer motivo. Ela não podia arriscar
isso.

Enquanto caminhava pelo clube, manteve o rosto afastado


daquela seção em particular. Mesmo depois de anos cambaleando
nos calcanhares, ela não os dominava tão perfeitamente quanto as
outras. Algo sobre andar neles a fazia se sentir mais exposta
quando tudo o que ela queria era se esconder.

Completando um pedido de drogas e bebidas para uma das


mesas onde um dos garçons estava comendo uma mulher bem-
vestida, ela se virou para voltar rapidamente para o bar quando
seus olhos pararam no Sr. H sentado em um canto escuro da
seção, conversando com um homem de cabelos claros. Ela não
conseguia ver seu rosto, mas pela linguagem corporal do Sr. H, o
homem de cabelos claros parecia alguém importante.

Impulsionada por algum instinto que ela não conseguia


nomear, foi para a alcova ao lado da mesa deles, escutando.

— ...e é isso que eu quero dizer, — Sr. H disse ao homem, sua


voz baixa já que a música estava mais baixa na área VIP. O homem
de cabelos claros escutou, a parte de trás de sua cabeça visível
para ela enquanto ele girava a bebida em seu copo, um anel com
algum tipo de símbolo de cobra pesado em seu dedo indicador
direito.

— Se for ele, podemos finalmente ter alguma coisa, —


continuou o Sr. H. — Se não for, a garota é inútil agora de qualquer
maneira.

— A garota tem mais utilidades do que você imagina, — o


homem de cabelos claros respondeu em um tom frio. — Mas eu
entendo. Ele tem sido... perturbador por muito tempo.

— Senhor, — Sr. H se inclinou para frente. — Podemos matar


dois coelhos com uma cajadada só. Vamos fazer disso um exemplo.

O homem de cabelos claros acenou com a cabeça e o Sr. H


sorriu.

Lyla sentiu seu sangue gelar. Ou eles estavam falando sobre


ela ou sobre alguém que recentemente se tornou um problema
para eles. E ela possuía um sentimento muito forte de que era o
primeiro.

Antes que ela pudesse se afastar silenciosamente, o homem de


cabelos claros se virou de repente, seus olhos indo para ela no
canto. — Quem temos aqui?
Lyla engoliu em seco quando o Sr. H se levantou e veio até ela,
agarrando-a pelo braço e trazendo-a para frente. — É dela que eu
estava falando.

O homem de cabelos claros com olhos castanhos claros deu


um sorriso malicioso, endireitando-se em seu assento. — Venha,
sente-se aqui, querida.

Não, ela queria correr. Ela queria voltar a servir bebidas. Mas
o Sr. H a segurou com força, e ela ficou presa. Respirando fundo,
deu um passo à frente.

O homem de cabelos claros a puxou de repente, fazendo-a cair


em seu colo. Ela tentou se levantar, lutando enquanto ele a fazia
se sentar nele, rindo enquanto olhava para o Sr. H. — Pegue a
bebida.

Lyla virou de lado, observando horrorizada enquanto o Sr. H


misturava algum tipo de pó azul na bebida restante do estranho,
entregando o copo ao homem.

Ela começou a lutar com mais força quando o homem a


segurou com uma mão, empurrando o copo contra seus lábios com
a outra. — Beba como uma boa menina agora.

As mesmas palavras que a encheram de entusiasmo a


encheram de nada além de pavor. Ela gaguejou, contorcendo-se
para fugir quando uma dor aguda em seu couro cabeludo a fez
parar. O Sr. H segurou seu cabelo pela raiz, quase puxando-o com
tanta força que ela gemeu de dor.

— Não, por favor, não! — ela implorou, esperando contra toda


esperança de que eles a deixassem ir.
— Não é para você, garota, — o homem em que ela estava
sentada riu novamente. — Você é apenas a isca. É para chamá-lo.
Beba.

Isso de alguma forma tornou ainda pior.

Em seu momento de silêncio, o copo virou em sua boca, álcool


amargo e algo azedo a enchendo até que ela não teve escolha a não
ser engolir, o líquido queimando suas entranhas e se acomodando
desconfortavelmente em seu estômago, parte dele cuspindo para
fora de sua boca.

Ela se sentiu mal, mas eles a mantiveram parada, fazendo-a


beber a bebida inteira.

E então, eles a soltaram.

Ela se levantou e se afastou deles, tropeçando em seus


calcanhares, seu equilíbrio completamente descentralizado. A
tontura a assaltou, fazendo-a se apoiar na parede, estrelas
piscando na frente de seus olhos, seu coração começando a
galopar como um cavalo selvagem, seu corpo inteiro aquecendo
gradualmente até o ponto em que ela começou a suar. Um
pensamento coerente começou a deixar sua mente.

Leve. Ela se sentiu leve, como se o peso do mundo tivesse sido


tirado de seus ombros, como se não houvesse nada com que se
preocupar. O que era essa coisa que eles tinham dado a ela? Ela
não sabia e não se importava. Seu corpo começou a balançar no
ritmo da música, suas entranhas esquentando e flutuando depois
de um afogamento sem fim, uma alta atingindo-a tão de repente
que não sabia o que faria quando caísse.

— Sim, deixe-a assim. Quero as instalações do hotel seguras.


Ela vai cair daqui a pouco.
Ela ouviu as palavras, mas ficou na alcova, dançando ao som
da música, animada e aterrorizada como uma pequena parte de
seu sentido retido, sabendo que isso não estava certo.

Não, ela precisava fugir.

Tropeçando entre os móveis e os corpos, de alguma forma


conseguiu chegar à porta dos fundos, sabendo que dava para o
beco. Ela poderia tomar um pouco de ar e tudo ficaria bem.

Mãos ásperas a agarraram pelo ombro e a viraram, levando-a


mais para dentro do prédio até os elevadores. Momentos depois,
ela se sentiu sendo escoltada para algum lugar, seus olhos
incapazes de se concentrar na visão em movimento enquanto a
alegria mudava, transformada em ponta afiada de dor. Ela se ouviu
gemer na agonia, mas isso não a aliviou, apenas aumentou a
sensação de beliscar sob sua pele.

De repente, estava na horizontal, uma cama embaixo das


costas, e ela piscou os olhos para ver o teto.

Memórias de ver tetos em suas costas a assaltaram; o buraco


negro acenou novamente. Mas ela estava muito quente, sua pele
estava desconfortável. Alguém rasgou suas roupas, deixando-a
nua nos lençóis frios. Perdida entre a dor e o delírio, ela precisava
de algo. Ela precisava de mais. Deus, o que ela precisava? Seu
corpo suava enquanto seu coração acelerava, batendo em seu
peito, cada peito trazendo-a um segundo mais perto de uma morte
certa. Ela ia morrer? Era isso?

— Nós estamos online?

— Sim.
Uma dor aguda em seu mamilo a fez gritar quando a boca de
alguém o cobriu.

— Não! — ela tentou afastá-los, lutando, e alguém a esbofeteou


com força, fazendo sua cabeça girar mais rápido. Mas felizmente
quem quer que fosse a deixou em paz.

— Faça o upload do feed. Ele virá quando vir isso.

Alguém falou, e ela sabia que precisava se concentrar nas


palavras para entender o que estava acontecendo, mas parecia
lento, como se estivesse tentando andar no lodo. Onde ela estava?
Que cama era essa? Quem estava vindo?

Ele.

Ele estava vindo.

Uma onda de alívio tão aguda a invadiu que ela começou a


chorar. Mas não, ele não poderia vir. Eles estavam esperando. Eles
o pegariam e ela não queria isso. Quem a faria se sentir segura
então? Quem lhe daria respostas? Em quem ela confiaria? Ela
confiava nele? Não. Sim. Um pouco. Talvez. O que ela estava
pensando? Por que estava tão febril?

Minutos, horas ou noites se passaram ela não sabia, olhou


para o teto, se contorcendo na cama para encontrar algum aspecto
de conforto, seu corpo queimando enquanto ela respirava, seu
coração batendo de uma forma que a assustava. Ela tentou inalar
para se acalmar, mas não conseguia se concentrar o suficiente,
não conseguia se concentrar em nada.

De repente, o teto desapareceu, o quarto ficou escuro como


breu.
Ela choramingou.

Ela não gostava do escuro. Memórias de estar presa em


espaços escuros vieram a ela, seu medo a fazendo estremecer
quando começou a soluçar. Ela estava sozinha e ia morrer, por
overdose de uma droga que não conhecia, como isca para um
homem que ela não conhecia, por estranhos que não se
importavam. Ninguém se importava. Qual era mesmo o sentido de
viver?

Algo frio pressionou sua bochecha, fazendo-a buscar mais da


frieza que lhe deu um breve momento de descanso.

Uma mão. Couro.

— Shh. — A voz da morte veio da escuridão, a voz dele, bem


ao lado do ouvido dela. — Estou aqui, flamma. Shh.

Um grito agudo de alívio a deixou espontaneamente mesmo


quando sua mente se revoltou. Não, não, ele não podia estar aqui.
Ela devia avisá-lo. Mas prometeu que ele não ouviria sua voz
novamente. Mas ela não queria que ele morresse. Foda-se a
promessa. Ele tinha que viver.

— É... é... uma... armadilha, — ela gaguejou de alguma forma,


seus dentes batendo enquanto seus olhos tentavam encontrá-lo.
Ela não podia ver nada na escuridão total, mas o sentiu –
musculoso, sólido, ali.

— Não se preocupe com isso, — ele a tranquilizou, sua voz


suave, quase calmante, o couro indo para a outra bochecha.

Ela balançou a cabeça, incapaz de vê-lo. Encontrando a mão


em seu rosto, ela tocou sua luva de couro, agarrando seu pulso,
soluços explodindo de seu peito. — E... eles me drogaram... me
drogaram.

— E eles vão pagar.

A promessa de retribuição naquelas palavras, sabendo que ele


seguiria em frente, a acalmou um pouco. Ele estava lá. Ela ficaria
bem.

— A droga é fatal. Não sei a dosagem que te deram, não estou


disposto a correr o risco. Você tem duas opções, — ele disse a ela
calmamente, sua voz sombria fazendo com que ela se concentrasse
por um momento. — Ou eu expulso a droga do seu sistema
enquanto você está quase inconsciente ou eu deixo você
inconsciente e a deixo sair sozinha. Isso é mais longo e arriscado.

Ela não queria ficar lá mais tempo. Ela balançou a cabeça


contra a mão dele novamente e ele provavelmente entendeu.

— A droga vai fazer você delirar à medida que os efeitos se


intensificam. Você não estará totalmente consciente.

— Eu confio em você, — ela conseguiu choramingar quando


um raio de calor percorreu seu corpo, fazendo-a espasmar.

— Isso é exatamente o que selou seu destino todos esses anos


atrás.

Ela sabia disso. Ela havia confiado nele algo importante e ele
nunca a deixou escapar desde então.

A sensação de suas mãos enluvadas em suas coxas a fez


ofegar, a sensação aumentada pelo que quer que estivesse em seu
sistema e a escuridão do quarto. A falta de visão a deixou bem
consciente de onde estavam as mãos dele, e quão grandes elas
pareciam em seus membros.

Ela o sentiu empurrar suas pernas abertas, o calor se


direcionando para a junção de suas coxas, mas não a umidade.
Ela sentiu seus ombros, ombros largos, amplos, a separar e a
manter aberta conforme sua respiração caía em sua boceta. Seios
arfando, ela apertou os lençóis ao seu lado quando a boca dele fez
contato com ela ali pela primeira vez em seu primeiro beijo.

A umidade a cobriu quando ele acariciou seu clitóris com a


ponta de sua língua, antes que o plano de sua língua assumisse,
a habilidade de sua boca fazendo-a jorrar de uma maneira que ela
nunca tinha feito antes, fazendo-a sentir sensações tão afiadas e
prazerosas, era quase dolorido. Ela chorou enquanto ele fazia isso,
o peso em seus membros aumentando a cada segundo que
passava.

E então, pela primeira vez em anos, ela se sentiu gozar


imediatamente, mais rápido do que pensava ser possível. Talvez
fosse a droga, talvez fosse ele, talvez fosse uma combinação de
ambos. Ela não sabia e não se importava. Simplesmente gozou e
parecia... incompleta. Parecia doloroso, sem um pingo de prazer.

— Sua confiança, flamma, é a droga mais viciante.

As palavras calmas penetraram em sua mente confusa


enquanto ela olhava para baixo para onde a voz dele estava vindo,
sem ver nada, quase como se um homem invisível a estivesse
tocando. O Shadow Man. Seu homem.

— Eu não vou te dar mais disso, — ela disse a ele em sua


fração de segundo de clareza, e sentiu seus dentes no interior de
sua coxa.
— Você irá. Cada átomo em seu corpo canta para mim
também.

Suas palavras a lembraram do bilhete, suas coxas apertando


seus ombros em recordação. — As reações do meu corpo não
significam nada. — Com a forma como tinha sido usada e abusada
ao longo dos anos, ela não confiava nele. Nem gostava. A fase de
auto aversão que ela teve por seu corpo no começo já havia
passado, era apenas dormência agora.

Algo quente pressionou seu clitóris, fazendo-a ofegar. —


Mesmo sem sentido, são todos meus.

Ela queria refutar sua declaração, mas outra onda de neblina


veio sobre ela. Ela chorou, soluçando porque ele a reivindicou sem
reivindicá-la, ele a queria sem desejá-la, e ela precisava de mais,
ela precisava dele, e ele não lhe dava isso. Ela chorou e resistiu
enquanto a dor em seu corpo aumentava, e ele ficou até que ela se
rendesse. Sua boca causou estragos quando ele a fez gozar de
novo, de novo e de novo, a ponto de ela desmaiar, ou ela pensou
que desmaiou. Uma grande parte dela ficou em branco para ela,
mas seu corpo continuou respondendo, continuou reagindo,
continuou gozando, deixando-a dolorida e saciada, mas vazia e
incompleta, apertada com uma sede que ela sentia em sua alma,
para nunca ser saciada.

No entanto, ele ficou com ela.


Capítulo Sete

Ele

Isto acelerou as coisas.

Orgasmo após orgasmo, sobrecarga sensorial para ele, mudou


tudo.

Desde que sua memória serviu, seus receptores sensoriais não


funcionavam direito. Ele nunca foi capaz de responder a qualquer
visão ou som, mesmo que o registrasse. Mas vê-la foi como
encontrar os tons mais ricos de suas cores favoritas, gravadas em
suas retinas com um gosto de algo doce em sua língua. As pessoas
diziam que era uma experiência estranha por causa de seus olhos,
mas ele sabia que não era isso. Sua percepção das coisas era
apenas diferente. Mas era a voz dela que ele não conseguia
explicar. A primeira vez que ele a ouviu falar, o som enviou
vibrações sobre sua pele, como um diapasão atingido por alguma
coisa, ondulando por seu corpo com tanta vivacidade que era
inédito, novamente deixando-o com o sabor doce em sua língua.
Ele a procurou novamente, só para ver por si mesmo se tinha sido
um acaso ou real.

Seu corpo ainda zumbia com as vibrações de suas palavras,


seus pequenos gritos, seus gemidos estrangulados, sua boca cheia
tanto de seus sucos quanto do sabor doce sensorial, uma
combinação na qual ele estava ficando viciado a cada segundo que
passava. Foi real. E o que quer que fosse, era dele. Ele não se
importava se ela tivesse esse efeito em qualquer outro humano. Ele
erradicaria todos eles até que fosse o único que restasse de pé, se
esse fosse o caso.

Seu corpo exausto estremeceu em seu sono, e ele correu um


dedo sobre sua boca deliciosa. Lábios exuberantes repousaram
sob seu toque e ele se perguntou qual seria o gosto dela ali. Ele
nunca tinha beijado alguém na boca, nunca teve vontade de fazê-
lo. Por que iria querer a boca de uma estranha tão perto da sua e
seus fluidos em seu corpo? Não fazia sentido. Porra, ele podia
entender. Era uma necessidade biológica, mas beijar não. Oral
também não era, que era uma das razões pelas quais ele nunca
tinha provado boceta também. Mas era bem versado nas formas
de prazer, e com o gosto dela cimentado nele, duvidava que
provaria outra novamente, só o dela.

Ele seria o último dela e ela seria a primeira de muitas


maneiras.

Pressionou a palma de sua mão em seu pênis, os piercings


esticando enquanto continuava a pulsar, duro pelas horas que
estava torcendo deliciosos orgasmos de sua boceta. A língua dele,
a mesma língua que sua boceta teve espasmos durante a noite,
estava inchada com a sensação.

Oh, ele ia fodê-la, fodê-la com força. Ele iria tomá-la assim um
dia, decidiu. Talvez deslizar dentro dela enquanto ela dormia, fazê-
la confiar nele a ponto de seu corpo reagir intuitivamente a ele
mesmo durante o sono. E de manhã, ela acordaria dolorida sem
nenhuma lembrança de como, mas sentindo-o em cada centímetro
de sua vagina delicada e deliciosa. Ele ia testar sua confiança,
tomar cada pedacinho dela, até que seu corpo, sua mente, sua
maldita alma acreditasse em quão importante ela era.

Ela era isso.


Ela era o motivo.

Ela o viu por quem ele era, e se derreteu por ele. Ela o odiava,
e ainda assim confiava nele. O que começou como curiosidade se
transformou em fascinação, lentamente se transformando em
fixação, culminando em uma obsessão tão profunda que ele estava
incompleto sem ela.

E um dia muito em breve, ela seria inteiramente dele.

Não agora. Agora, a droga era ruim o suficiente para mexer


com seu sistema. Ela não precisava dele para adicionar a isso.

Cobrindo-a com o cobertor no quarto de hotel do clube, um


lugar que ele conhecia como a palma de sua mão graças ao seu
próprio passado, ele estava em movimento, capaz de ver através
da escuridão graças aos seus óculos de visão noturna. A escuridão
era para ela, para protegê-la das câmeras, seus áudios
desativados. Com a forma como o quarto estava trancado e escuro,
ninguém se atreveria a entrar, a menos que quisessem arriscar
enfrentá-lo.

E ninguém neste mundo em sã consciência queria enfrentar o


Shadow Man no escuro.

Tocando sua bochecha com a mão enluvada, a boca e o queixo


molhados dela, seu gosto gravado em sua língua e em sua
memória, ele deixou os neurônios em seu cérebro registrarem a
adrenalina que estava sentindo.

Ela falou com ele, para alertá-lo, para salvá-lo. Apesar de toda
sua raiva e mágoa, ela se importava com ele. Pequena tola de
coração mole, mas sua tola. Ela era rara, o fogo da vida, do calor.
Ele não entendia as emoções, mas entendia a ciência. Algo
aconteceu quimicamente em seu cérebro e em seu corpo no que
dizia respeito a ela. Olhou para ela, ouviu-a e sentiu sensações em
seu organismo. Foi a resposta mais estranha, que ele pesquisou
extensivamente, apenas para perceber que era alguma forma de
sinestesia e não tinha uma explicação racional em todos os casos.
Os fios em seu cérebro estavam simplesmente cruzados, e
simplesmente eletrificados quando cruzados com o dela, e isso era
algo que ele já sabia.

Deixando-a depois de seu intenso evento induzido por drogas,


caminhou até a porta e olhou pelo olho mágico. Três homens
armados esperando por ele, como esperado. Idiotas.

Dando passos de volta para o quarto, ele verificou o feed em


seu telefone antes de empurrá-lo no bolso e se dirigiu para a
janela. Abrindo-a facilmente, ele pulou na borda, a adrenalina
correndo para seu corpo na altura. Ele gostava de altura. Isso o
lembrou da casa para onde ele a levaria um dia.

Segurando as bordas superiores da janela, saltou no cano que


corria na lateral do prédio, seus músculos treinados trabalhando
com a memória, e começou a subir, um pé nas bordas da janela,
outro no cano, feliz por ter usado seu equipamento de treino. Isso
tinha sido mais incidental do que deliberado. Ele tinha visto o feed
do quarto dela chegando online, e sabia em segundos que era uma
armadilha para ele e ela era a isca.

Eles não sabiam que ela não era a isca que ele morderia, ela
era o prêmio que ele já havia ganho neste jogo sangrento - só tinha
que reivindicar a vitória.

Mas ele percebeu que uma mensagem, uma mensagem mais


alta, precisava ser enviada.

Parando na janela cinco andares acima de onde ela estava, ele


olhou e a viu ocupada com Howard e duas garotas, ambas
chupando seu pau enquanto ele estava deitado na cama, sorrindo
com a boca que ele havia colocado em sua menina.

O outro homem ia se arrepender disso.

Com a discrição de um gato, anos de artes marciais e


treinamento de parkour surgindo automaticamente, ele se
pendurou em uma mão até que a outra segurasse firmemente o
parapeito da janela. Mantendo-se firme, verificando se todos os
ocupantes do quarto estavam distraídos, lentamente abriu a janela
e pulou sem fazer barulho, imediatamente se escondendo atrás de
um sofá gigante de um lado.

— Maldita janela, — ele ouviu Howard murmurar. — Boneca,


vá fechar isso.

Ele ficou parado enquanto uma das garotas fechava a janela e


se virava, assim que uma batida soou na porta. Alguém, ele
assumiu a outra garota, abriu.

— Qual é a situação? — Howard perguntou, o som de sucção


recomeçando.

— O quarto ficou quieto por algumas horas. Escuro também.


Não temos visual.

— Você acha que ele já veio?

— Duvido. As entradas são monitoradas. Estamos em alerta


máximo.

A segurança deles era risível. Ele se perguntou se o Sindicato


sabia o quão terríveis eram as operações no local ou se eles se
importavam.
O barulho do grunhido de Howard veio, seguido pelo farfalhar
das meninas subindo e saindo.

— Fique de olho no quarto dela. Se ele não aparecer ao


amanhecer, mate a garota.

Uma queimadura começou na base de sua espinha com as


palavras.

Qualquer homem normal teria sentido raiva, talvez, ou até


desejo de vingança. Ele não sentiu nenhum dos dois. Em sua
cabeça, era uma equação simples com a qual havia mexido. A
emoção não se encaixava nisso, não precisava. Isso era psicótico?
Talvez. Mas ele nunca fingiu ser outra coisa senão o diabo que era.

Alguns minutos depois, a porta se fechou e ele ouviu o outro


homem se ajeitando em sua cama, as luzes se apagando.

Sombras se formaram sobre o quarto, e foi quando ele


assumiu.

Endireitando-se de seu agachamento, caminhou em pés


silenciosos até a cama, observando o homem sem camisa fora de
forma adormecido. O homem era um covarde em uma viagem de
poder. Ter o encontro com ele no conjunto habitacional sozinho o
fez perceber isso.

Ele havia visitado o conjunto habitacional para ver sua


segurança sob o pretexto de uma reunião como um investidor
procurando comprar ativos. O complexo tinha uma segurança
incrível, uma que ele precisaria navegar se tivesse que chegar até
ela uma vez que a trancassem, e depois disso, eles provavelmente
o fariam. Mas ela devia continuar confiando nele, ele iria encontrá-
la e desta vez, ele iria levá-la para fora.
Algo parecido com excitação o encheu com o pensamento.

Caminhando até a mesa, ele verificou a garrafa de uísque. 100


Proof.9 Ótimo.

Pegando a garrafa, ele a abriu e derramou nas bordas da cama


primeiro, esvaziando-a lentamente. Ele então foi até o armário,
pegou outra garrafa e voltou para a cama. Inclinando-a, ele
derramou um pouco sobre o homem adormecido.

Howard acordou com um estalo, seus olhos voando por toda


parte até que caíram em sua silhueta, o terror tomando conta de
seu rosto. Disseram que você via o Shadow Man antes de morrer.
E pela expressão em seu rosto, Howard sabia dos rumores.

— Não, por favor, eu te darei o que você quiser, — ele implorou


como o porco covarde que ele era, molhando a cama com medo, o
fedor de álcool e urina misturando com o fedor que sua voz deixou
em seu nariz. Era estranho como ele cheirava e saboreava vozes,
nenhuma delas palatável, exceto a dela.

Ele olhou para o homem, lembrando-se do vídeo que ele havia


tirado do clube no caminho, lembrando-se da maneira como
Howard tocou o cabelo dela, o cabelo dele, e derramou a mistura
drogada em sua garganta, colocou a boca imunda em seu peito
enquanto ela implorava e clamava por misericórdia.

A queimadura em sua espinha ondulou em chamas com a


memória.

Não, sua mensagem tinha que ser clara para cada um deles.

9
A prova de álcool é uma medida do conteúdo de etanol em uma bebida alcoólica. O termo foi
originalmente usado na Inglaterra e foi igual a cerca de 1,821 vezes o volume de álcool. O Reino Unido agora
usa o padrão ABV em vez de à prova de álcool.
Pegando o cabelo do outro homem em seu punho enluvado,
ele puxou com força, fazendo o homem gritar. — Por favor, não,
deixe-me ir. Farei o que você quiser. Por favor.

— Beba, — ele lançou a mesma palavra que eles tinham usado


com ela. Ele não foi capaz de ver o outro homem que a drogou, um
com o cabelo mais claro, mas descobriria mais tarde. Se havia uma
coisa em que ele era bom, era em encontrar informações.

Engolindo em seco, tremendo, Howard abriu a boca.

Virando a garrafa, ele derramou a bebida crua na garganta do


outro homem até que ele cuspiu e tossiu. Finalmente, uma vez que
a garrafa inteira estava quase vazia, deu um passo para trás. Um
olhar de alívio surgiu no rosto do outro homem, pensando que era
isso.

Ele o deixou pensar.

Derramando o resto do álcool em sua boca, ele puxou seu


cabelo. — Segure-o.

O homem trêmulo segurava o álcool na boca aberta, os olhos


arregalados com tanto terror que fez Shadow Man se acalmar. Ele
jogou a garrafa vazia para o lado e tirou o isqueiro do bolso,
levantando-o.

O outro homem implorando em ruídos, ele manteve o pescoço


de Howard completamente inclinado para trás, e tocou a chama
do isqueiro no líquido em sua boca.

O fogo tomou conta, aquecendo o álcool ao redor de sua língua,


a mesma língua que a tocou. O homem começou a gritar, lutando,
mas o manteve imóvel enquanto o fogo entrava em sua garganta,
assim como a droga tinha descido pela dela.
— Toque nela e você morre, — ele comentou baixinho. —
Toque-a pior, morra pior. É uma coisa simples, não é? Não sei por
que você não entende.

O outro homem estava muito perdido em sua dor para se


concentrar, então ele deu um passo para trás, caminhando até a
porta, vendo Howard tentando sair da cama em direção ao
banheiro. Antes que ele pudesse colocar o pé no chão, Shadow
Man pegou o isqueiro novamente, o isqueiro com a insígnia da
serpente do Sindicato – um ouroboros10, para ser preciso – e o jogou
na cama, observando com satisfação enquanto as chamas
irrompiam no líquido encharcado, lençóis, estendendo-se até os
limites da cama, queimando o homem vivo por dentro e por fora,
seus gritos irritando seus sentidos.

Ele abandonou seu isqueiro para que a mensagem ficasse


clara para todos no sistema — ele conhecia seu símbolo, sabia
quem eram e não hesitaria em fazer com eles o que fizera aqui. Ela
estava fora dos limites.

Desta vez, ele saiu pela porta principal, mantendo-se longe das
câmeras, pegando as escadas de saída de emergência do prédio.

As coisas haviam mudado.

Ele precisava terminar sua última missão antes de levá-la para


casa. Ele precisava levá-la para casa, conseguir sua confiança e
lealdade antes de abrir a porta para seu passado.

Mas isso seria depois. Ele estava deixando migalhas de pão


para descobrir as coisas, e isso lhe daria tempo suficiente.

10
Ouroboros é um conceito simbolizado por uma serpente — ou por um dragão — que morde a própria
cauda. O Ouroboros costuma ser representado pelo círculo, o que parece indicar, além do eterno retorno, a
espiral da evolução, a dança sagrada de morte e reconstrução.
Por enquanto, ela estaria segura, ela estaria ilesa, e ele poderia
viver com isso.
Capítulo Oito

Lyla

Acordando com a cabeça e o corpo sentindo como se


estivessem sobrecarregados por uma tonelada de tijolos, Lyla
piscou os olhos abertos para ver um teto familiar sobre sua cabeça.
A sala médica do complexo. O que ela estava fazendo lá?

A luz filtrava através de uma pequena janela, mas ela não


conseguia mover seus membros para se levantar da cama macia.
Era maravilhoso, simplesmente deitar e absorver o conforto,
enquanto sua mente tentava se lembrar da última coisa que
conseguia recordar.

Drogada. Ela foi drogada.

Um quarto escuro. Máquinas fotográficas. Calor. Ele.

Ele entre suas coxas, devorando-a repetidamente até que ela


perdesse a consciência. Ela não sabia quanto tempo ele a comeu
depois disso. A ideia enviou um estranho arrepio de emoção na
espinha dela – a ideia de que estava completamente à sua mercê
para fazer o que ele quisesse. O pensamento, com qualquer outra
pessoa, a encheria de terror e desgosto. E, no entanto, fechando
os olhos e imaginando seu amante invisível no escuro, ela não
conseguia descartar completamente o pensamento.
Ela era uma idiota, era isso que ela era. Uma idiota do caralho
por confiar no homem mais perigoso que ela poderia encontrar,
que brincava com ela, não tinha lealdade a ninguém nem a nada.
E, no entanto, ele surgia toda vez que ela precisava dele. E embora
tivesse sido uma armadilha para ele, veio atrás dela novamente.

Que jogo ele estava jogando?

Frustrada consigo mesma por deixar a pergunta circular em


sua mente, ela tentou se sentar, lutando sob o peso dos efeitos
prolongados da droga.

A porta se abriu, Três entrando na sala com uma das garotas


que ela não conhecia, mas tinha visto no prédio. O desprezo no
rosto da mulher fez seu estômago revirar. Ela olhou para as duas,
tentando entender o que tinha acontecido.

— Eu não entendo o que há de tão especial em você, — a


mulher mais velha comentou, seus lábios se curvando em um
sorriso de escárnio. — Ele tem andado nas ruas abandonando
corpos por você.

Três indicou para a menina mais nova colocar uma bandeja


de comida na mesa ao lado enquanto ela continuava falando. —
Eu não sei no que você se meteu ontem à noite, mas ele matou o
Sr. H por causa disso.

Lyla sentiu sua respiração falhar. — O quê?

A mulher mais velha balançou a cabeça. — Sim, garota tola.


O Sr. H morreu por sua causa. Você sabe como ele era bom para
as meninas? Quão generoso? Graças a você, ele ateou fogo nele
vivo.

Lyla ficou em silêncio.


— Parabéns, os superiores vão te observar como um falcão
agora.

Uma pontada de raiva a percorreu.

Como diabos isso era culpa dela? O Sr. H não tinha sido um
divino pagão de virtude. Ele a drogou, a tocou e ela não lamentava
ele ter morrido. Não lamentava nenhum deles terem morrido. Mais
uma vez, as ações de outra pessoa impactaram sua vida, e ela
simplesmente não queria lidar com isso. Mas, vivendo no mundo
que vivia, presa como estava, que escolha tinha?

Três lhe serviu um copo de suco e apontou para a comida. —


Descanse por alguns dias e depois faça as malas. São as ordens.
Você tem uma nova... tarefa. Você está se mudando.

Mordendo o lábio, Lyla desviou os olhos da garota na porta, de


volta para Três. Ela sabia que não devia perguntar sobre sua nova
mudança. Ela descobriria quando fosse escoltada para onde quer
que estivesse indo.

— Alguma notícia sobre Malini? — ela perguntou à sua


encarregada pela última vez, sabendo que ela saberia ou pelo
menos teria alguma ideia de onde a garota poderia estar. Se ela
estava se mudando, precisava perguntar uma última vez.

Os olhos da mulher mais velha gelaram. — Ela foi contratada.


Não vou te falar de novo.

Mas era estranho para alguém sob contrato não voltar para
pegar nenhuma de suas coisas. As posses, por mais escassas que
fossem, eram importantes para todas as garotas ali. Ela sabia
disso. Eram coisas que haviam colecionado ao longo dos anos,
pequenas bugigangas de conforto que importavam para elas
porque nada mais importava. Todas as garotas que foram
contratadas tiveram uma última viagem para arrumar suas coisas
e se despedir. Mas não Malini. Ela acordou uma manhã, foi
trabalhar em um leilão online e nunca mais voltou. Embora fosse
perfeitamente possível que quem a comprou não lhe deu tempo
para voltar, mas algo dentro de Lyla não conseguia afastar a
sensação de que não era isso. Algo mais havia acontecido com a
outra garota.

Mantendo seus pensamentos para si mesma, ela bebeu o suco


e comeu o pão torrado quando Três saiu. A garota, uma beldade
loura e miúda, hesitou na porta, seus olhos indo para onde sua
encarregada estava desaparecendo.

— Eu não sei para onde eles estão mandando você, mas não é
bom, — a garota sussurrou com urgência. — Apenas... esteja
preparada.

Com isso, a garota saiu correndo também, deixando-a sozinha


com seus pensamentos, um turbilhão em sua mente. Eles a
estavam mandando... para algum lugar que não era bom.

Ela não sabia o que estava por vir, mas não sabia se estava
preparada para isso.

Nos dias seguintes, Lyla descansou e deixou seu corpo se


recuperar das consequências de qualquer droga que ela foi forçada
a consumir. Teve alguns dias de folga do trabalho, então ela
apenas ficou deitada e vagando pela casa, escutando diferentes
conversas. Foi assim que ela parou do lado de fora da cozinha,
ouvindo a conversa lá dentro.

— Qual você acha que é o acordo com o Shadow Man e Lyla?


— alguém perguntou.

Lyla se pressionou contra a parede, curiosa para saber o que


as outras estavam pensando sobre a coisa toda.

— Eu nem achava que ele era real até tudo isso. Agora, não
tenho certeza do que pensar.

— Acho que ele é apenas um cliente que se tornou territorial,


— outra voz entrou na conversa.

— Lyla não tem um cliente desde que ela veio aqui, — uma
garota apontou. — Ele os matou.

— Talvez ele a ame.

Lyla agarrou seu short, seu coração acelerado. Ele não era
capaz de amar e ela ainda não estava desesperada o suficiente para
imaginar que ele pudesse.

Duas garotas riram lá dentro, o som lascando dentro dela. —


Isso não existe aqui, Millie. Talvez ele só queira tirá-la daqui.

— Mas por que ele ainda não fez isso? Tem sido como... que
seis anos?

Ai. Isso dói.

— Eu acho que ele está apenas usando ela em seu próprio


plano, seja ele qual for. Isso é tudo para o que somos boas de
qualquer maneira.
Ouvindo a conversa, uma grande parte dela concordou.

Ele tinha algum plano, e ela era exatamente o que sempre foi
– garantia de danos.

Uma semana após o incidente com as drogas, ela foi expulsa


do complexo figurativamente e seus nervos estavam tensos. Não
só porque estava se mudando novamente e o aviso da garota estava
soando em sua cabeça, mas porque ele estava ausente. Ela não o
via desde o incidente, ou mesmo o sentia, e a ausência estava
atormentando, girando sua mente, fazendo seus pensamentos
oscilarem entre ele ter um plano e genuinamente se importar com
ela em sua própria maneira distorcida. Quanto mais o tempo
passava sem ele, mais o último pensamento piscava.

Em tempo recorde, ela embalou toda a sua coleção de bens


materiais em uma caixa e esperou do lado de fora do prédio quando
um dos guardas veio buscá-la. Ele colocou uma venda em seus
olhos, rotina se estivessem sendo transferidas para algum local
seguro, e isso a desorientava, sem saber para onde estava indo.

Ela sabia que eram as consequências daquela noite, sabia que


tinha algo a ver com a morte do Sr. H e qualquer mensagem que
ele enviasse. Só não sabia se era bom para ela ou não. O guarda a
colocou em um veículo e ela ouviu a ignição começar, afastando-
se do período mais longo de moradia em que estivera. Ela estava
com dezessete anos quando veio para este Complexo, dezoito
quando o conheceu pela primeira vez, dezoito anos quando sua
vida mudou em uma noite fatídica.
Com a escuridão por trás da venda, ela podia se lembrar do
trovão e dos pingos de chuva respingando nela enquanto corria
para a floresta ao redor do complexo, procurando
desesperadamente escapar quando colidiu...

O carro deu um solavanco, quebrando seus pensamentos,


estilhaçando-os até que ela respirou fundo e se concentrou.
Memórias, suas memórias, eram um vórtice poderoso que a sugava
toda vez, levando-a a lugares escuros. Ela não conseguia se
lembrar de um único momento em sua vida em que se sentisse
feliz sem o peso premente de algo terrível. Ela não sabia mais como
sorrir, as linhas entre suas sobrancelhas se tornando mais
permanentes do que não eram.

— Para onde vamos? — ela perguntou, apenas para quebrar a


monotonia de seus pensamentos, não esperando realmente uma
resposta.

— Não sei, — o guarda disse a ela. — Sou apenas o entregador.

Agradável.

O carro parou depois de muito tempo. Ela ouviu o guarda


abrindo a porta, antes de chegar ao seu lado e arrastá-la para fora.
Ela sentiu o sol em sua pele por uma fração de segundo antes que
ele a guiasse até alguns degraus baixos. Ainda com os olhos
vendados, ela tropeçou em seu caminho, sua única caixa de posses
apertada contra o peito. Ele a levou por uma longa passarela, como
concreto de algum tipo. Aromas almiscarados assaltaram suas
narinas, muito misturados para ela discernir.

Finalmente, depois do que pareceram horas de caminhada, ela


foi empurrada para uma cadeira.
A venda foi retirada, e ela piscou rapidamente para deixar seus
olhos se ajustarem à luz repentina, percebendo que estava em
algum tipo de escritório de armazém, em uma sala de madeira,
uma com uma mesa marrom que era tão áspera e arranhada que
era provavelmente mais velha do que ela, e — ela contou — quatro
cadeiras ao redor.

Imaginando o que era esse novo lugar e qual seria seu papel
nele, o absorveu, esperando.

E esperando.

E esperando.

Depois de muito tempo, uma porta se abriu e três homens,


vestidos de jeans e camisetas, entraram. Uma energia nervosa a
encheu, seus pés batendo no chão enquanto ela olhava para os
três homens estranhos, sem saber quem eram, mas pareciam
ameaçadores, rudes, um deles ainda mais. O malvado era careca,
a cabeça brilhando enquanto se sentava à cabeceira da mesa,
usando um anel com o mesmo desenho de cobra que o homem do
clube naquela noite.

Os outros dois obedeciam a ele, vindo para ficar na frente de


sua cadeira.

— Você custou muito dinheiro aos meus chefes e muitos


homens, Lyla, — o malvado, o líder claramente, falou. — O que
devemos fazer com você?

Ela ficou em silêncio, seu coração batendo forte, uma


sensação de pavor se infiltrando em suas veias enquanto olhava
para os homens.
— Você é importante demais para deixar de lado, mas inútil
demais para o negócio. Você era uma vantagem contra algumas
pessoas poderosas, e agora também é uma vantagem contra o
Shadow Man. — A ansiedade da voz do homem a assustou. — Sabe
quem ele é?

Ela balançou a cabeça rapidamente. Ela realmente não sabia


quem ele era.

O homem a estudou por um longo minuto. — O Shadow Man


surgiu do nada cerca de dez anos atrás. Ele se tornou uma lenda
no submundo. Atrapalhando nosso caminho de novo e de novo, e
até hoje não entendo qual é o objetivo final dele. Então, deixe-me
reformular, você sabe alguma coisa sobre ele?

Ela balançou a cabeça novamente.

— Você não estaria mentindo agora, estaria?

Ela não estava mentindo.

— Ótimo, — ele sorriu, seu rosto se enrugando em linhas de


riso que deveriam tê-lo feito parecer legal. — Nós percorremos um
longo caminho para vê-la. Por que você não se ajoelha e nos faz
sentir melhor?

Engolindo em seco, ela olhou para cada um deles,


encontrando alguma aparência de força dentro dela. — Isso seria
assinar sua sentença de morte. Ele mata todo mundo.

Um dos homens se aproximou, sufocando seu espaço. —


Vamos arriscar. Se ele se importa com você, talvez ele nos
encontre. Se não, é o nosso ganho.

Agarrando-a pelo braço, ele a arrastou até o careca.


Lyla olhou ao redor da sala, sabendo que estava presa,
sabendo que não havia escapatória, sentindo-se claustrofóbica
porque dia após dia, não havia alívio. E desta vez, ela sabia em seu
íntimo que ele nem estava ciente do que estava acontecendo.

O homem com o braço dela a empurrou de joelhos, o outro


pegou sua câmera.

— Faça o feed ao vivo, — o careca instruiu de seu lugar na


cabeceira da mesa. — Deixe-o ver como quebramos seu
brinquedinho.

Lyla fechou os olhos.

Não.

Ele não estava lá para salvá-la, não como ele disse a ela,
mostrou a ela, prometeu a ela que estaria. E ela não conseguiria
se salvar. Ele a atraiu para uma falsa sensação de segurança até
que ela começou a confiar nele, e agora estava presa porque ele a
colocou em perigo.

Ele havia mentido.

E ele pode matar todos que queria depois, mas não seria por
ela. Seria por ele mesmo, e nunca traria de volta o último pedaço
dela que quebrou.

Ela fechou os olhos e deixou o buraco negro engoli-la inteira.


O quarto dela era pequeno.

Sua cama era pequena.

Sua vida era pequena.

E isso não importava.

Ela não importava, nada importava.

Ela era o buraco negro e o buraco negro era ela, um nada sem
fim sem capacidade de luz.

Ela não sabia quem entrava em seu quarto, quem saía, quem
faria o que com ela.

Ela não sentia nada, não falava nada, não via nada.

Ela apenas olhou para o teto rachado, reconhecendo as


rachaduras dentro de si mesma, ampliando, aguçando, alongando.

Sem propósito.

Sem fim.

Sem vida.

Dias se passaram.

O teto permaneceu o mesmo.


Meses se passaram.

O teto piorou.

O tempo ficou sem sentido.

O último sinal de vida em seu corpo veio quando sua caixa


caiu, rosas negras se espalhando pelo chão, provocando alguma
coisa.

Ela voou pelo quarto com raiva e as rasgou, esmagando as


pétalas, machucando-as até que seus olhos começaram a arder e
sua garganta se fechou.

Ela não queria nada dele. Sem lembretes. Nada do homem que
a fez acreditar em uma ilusão de segurança apenas para empurrá-
la para o perigo. Ele a havia traído, uma e outra vez, abandonando-
a para os chacais se alimentarem de sua carne.

Levantando-se, ela foi ao banheiro e pegou uma navalha do


armário atrás do espelho. Olhando para si mesma, para seus olhos
fundos e seu reflexo pálido, para o cabelo que o fascinava tanto,
ela começou a cortar as longas madeixas que nunca havia cortado
antes. Com cada mecha de cabelo que caía, ela se sentia ir, sentia
quem ela era desaparecer enquanto uma boneca silenciosa tomava
seu lugar – boa de usar e brincar, bonita de se ver, mas
completamente sem vida.

Cortando a última mecha de seu cabelo, ela o soltou, soltou-


se, soltou tudo o que os conectava.

O teto rachou.
PARTE DOIS

Brasas

“Cada vez que você acontece comigo de novo”.

Edith Wharton, A Era da Inocência


Capítulo Nove

Lyla | 6 meses depois

Ela ia fazer isso esta noite.

Ela ia acabar com isso.

Levou meses para decidir como, e finalmente encontrou um


jeito que não doeria tanto.

Uma música tocava atrás, as batidas altas. Ela não conhecia


a música, apenas movia seu corpo no ritmo da batida no palco, o
couro roçando sua pele, mas ainda incapaz de acordá-la de seu
sono. Era assim que se sentia, como se estivesse dormindo,
passando pelos movimentos, e um dia, ela simplesmente acordaria
e tudo isso seria um pesadelo.

Durante meses, ela esteve assim. Meses de confinamento em


um quarto até que seus captores perceberam que ela era inútil,
que qualquer atração que eles acreditavam que ela segurava, ela
não o fazia. Ela não era uma alavanca, apenas um peso morto, e
eles finalmente a realocaram novamente. Agora, dançava no palco
de um clube que não conhecia e morava sozinha em um dos
quartos acima do prédio.

Mas algo havia mudado.

Ela estava com medo de estar perto das pessoas agora.


Agora, depois de ficar confinada em um quarto pequeno e
escuro por tanto tempo com nada além de si mesma, estava com
medo de ficar perto de pessoas. Apenas estar no clube a fazia suar
e tremer muito. Dançar só era possível se ela fechasse os olhos e
se fizesse acreditar que estava sozinha. Música após música. As
pessoas aplaudiam e zombavam de baixo, fazendo-a abrir os olhos,
mas ela não via ninguém, apenas se movendo no piloto
automático, olhando para o letreiro de neon acima da porta
principal, focando nele.

Onde os demônios brincam.

Ela não discordava disso. Demônios, cada um deles. E


finalmente iria escapar deste inferno.

Seu turno passou sem incidentes, apenas seus pés doíam,


lembrando-a de que ela ainda estava em seu corpo. Um brilho de
suor marcava seu rosto, um rosto que parecia assombrado, o corte
no cabelo que ela havia feito há tantas semanas, tornando-o ainda
mais. Ela odiava seu cabelo, sua pele, sua carne, cada uma de
suas partes. Algum tempo depois, sua indiferença em relação ao
seu corpo havia se transformado novamente em aversão. Ela havia
pensado em se cortar, mas de alguma forma, a dor ainda tinha o
poder de assustá-la.

Sacudindo seus pensamentos, ela desceu do palco no final de


seu turno e foi para os fundos, respirando pela boca para não
deixar que todas as pessoas ao seu redor a dominassem,
concentrando-se em onde estava seu armário com sua muda de
roupa. E tinha outra coisa lá também.

Felizmente, sem imprevistos, ela alcançou, abrindo o armário


depois de verificar se a barra estava livre. Olhou para os pequenos
sachês de pó azul que ela havia roubado de algumas das mesas
durante alguns dias. Quatro pacotes. A primeira vez que a
drogaram, usaram apenas um. Ela ia usar todos eles, e ficar
chapada enquanto seu coração parasse.

Uma pontada de culpa a percorreu, pela única alma que


abandonaria, mas ela balançou a cabeça. Ela não valia a pena
conhecer. Seria para o melhor.

Enfiando os sacos no bolso, ela fechou o armário e se moveu


através das laterais do salão, em direção à saída de incêndio que
levava até os quartos.

Evitou olhar para qualquer um, mas olhou para cima


ocasionalmente a fim de verificar se seu caminho estava livre.

— Oi, Lyla!

Congelando o corpo, ela se virou para ver uma das garçonetes


lhe entregar uma bandeja cheia de bebidas.

— Mindy torceu o tornozelo. Leve isso para a Mesa 4 na área


VIP.

Porra. Ok, ela poderia fazer isso.

Dando um aceno de cabeça, equilibrou a bandeja nas mãos


úmidas e se dirigiu para a seção especial isolada para convidados
especiais, concentrando-se em um passo de cada vez, os sacos
queimando um buraco em seu short.

Este clube era mais elitista do que todos os outros em que ela
esteve, então tinha uma clientela maior que era o topo da nata.
Subindo os degraus baixos iluminados por luzes de neon, ela
caminhou até a quarta mesa dos fundos, seus passos parando
quando viu o grupo de homens e mulheres sentados na mesa - três
casais e um homem, e nenhum deles parecia se encaixar nesta
parte do mundo. Bem, ninguém, exceto o homem gigante com um
tapa-olho. Parecia que ele se encaixava bem.

— Você não conseguiu! — uma das mulheres, uma morena de


óculos, exclamou em voz alta, olhando para o homem ao lado dela
que estava olhando para o tablet que ela estava mostrando a ele.
— Como você pode não conseguir isso?

Outra mulher, uma bela modelo deslumbrante, apenas olhou


para eles com visível diversão, sentada na dobra de um braço
pertencente a um homem bem-vestido de terno. — Nem mesmo eu
consegui na primeira vez. Nem todos têm seu foco em detalhes,
Morana.

Um nome tão bonito.

O homem do tapa-olho estava sentado em frente a eles, uma


mulher com cabelo azul ao seu lado. — Ele me enviou na semana
passada. Ele está atrás de Hector mais do que nós.

— Eu me pergunto por que, — a morena de óculos refletiu. —


É a primeira vez que estou sentindo algum tipo de risco para ele.

Era uma dinâmica tão estranha, que ela nunca tinha visto
antes, mas imediatamente reconheceu. Sentiu uma pontada oca
atravessar seu peito. Amigos. Família. Pareciam uma família
unida.

Silenciosamente colocando as bebidas na mesa, hábil em


passar despercebida, ela se moveu ao redor da mesa, mantendo a
cabeça baixa.

— Obrigada, — a bela mulher disse suavemente para ela, mas


Lyla não olhou para cima. Com a garganta apertada, ela se virou
para sair, levando a palavra gentil de volta com ela, a imagem
grudada em sua mente do grupo de amigos compartilhando
camaradagem. Em outra vida, ela poderia ter sido uma garota com
um grupo de amigos bebendo em uma noite. Em outra vida, ela
poderia ter sido uma mulher debaixo do braço de um homem que
claramente se importava com ela. Em outra vida. Talvez, se tivesse
uma próxima, seria mais gentil com ela.

Ela virou o corredor da área VIP e fora de sua linha de visão,


virou-se, olhando para eles novamente.

Era uma coisa agradável de se ver na última noite de sua vida.

Carregando a leveza de testemunhar suas interações em seu


coração, ela largou a bandeja no balcão e finalmente foi para seu
quarto, subindo as escadas de saída de incêndio para o primeiro
andar, seu quarto o último no andar.

Girando a maçaneta, ela entrou e fechou a porta atrás de si,


indo direto para a única mobília do quarto – sua pequena cama.
Era tão pequena que uma mulher mais alta teria dificuldade em
dormir direito.

Tirando os pacotes de pó azul de seu short, ela os colocou no


colo, olhando para eles. Uma garrafa de água estava no chão ao
lado de sua perna, e ela a abriu. Rasgando o pacote, despejou
todos os quatro sachês na água e deu uma boa sacudida com as
mãos trêmulas.

Coração batendo, mãos tremendo a cada segundo, ela olhou


para o líquido.

Era isso.

Era assim que terminaria.


Respirando fundo, levou a garrafa aos lábios e a inclinou. O
líquido amargo desceu por sua garganta enquanto ela engolia em
seco, absorvendo o máximo que podia antes que seu estômago
ficasse cheio.

Garrafa vazia, ela a colocou no chão e se deitou na cama,


olhando para o teto.

Era um teto bonito, com falsos desenhos ornamentais ao redor


do ventilador, deixando-o bonito. Não como os muitos tetos
rachados e descascados que ela olhou. Era um belo último teto.
Por que ela estava pensando em tetos?

Lágrimas escorriam pelo lateral de seu rosto enquanto ela


estava deitada sozinha no escuro, a luz de um poste de rua do lado
de fora lançando sombras no quarto, lembrando-a dele.

Ela se permitiu pensar nele pela primeira vez em meses. Um


homem sem nome que mudou sua vida para melhor, pelo menos
por um tempo, e depois para pior. Um homem sem nome que a fez
acreditar, à sua maneira distorcida, que ela valia alguma coisa,
que sua vida importava para alguém, que ela era cuidada.

Foi por isso que seu coração sangrava tanto? Porque ele a
abandonou, a deixou perdida e à deriva como tudo o mais? Porque
ele a fez se importar também, e ela pagou o preço por isso? Por
todos os meses desde que ele não veio procurá-la?

Eu sempre virei para você.

Mentiroso.

Ele tinha encontrado uma nova obsessão, uma nova garota


para matar? Ou ele simplesmente se cansou de seus jogos uma
vez que a experimentou? Teria sido isso, o fato de que ele a tinha
de alguma forma, a emoção da perseguição se foi?

Por um momento, ela se perguntou se era porque ele estava


morto ou ferido, mas conhecendo-o, ela não poderia acreditar por
mais de um segundo. A intensidade de sua obsessão no auge a fez
acreditar que ele teria rastejado para encontrá-la se ela estivesse
fora de sua vista. Não, ele estava vivo, e ela fora abandonada.

A primeira onda de calor atingiu seu corpo, sua pele


começando a beliscar e apertar.

Ela fechou os olhos, segurando os lados da cama e onda após


onda de calor se transformou em febre em seu sistema, seu
coração batendo tão rápido e alto em seu peito que ela não
conseguia ouvir nada além das batidas em seus ouvidos.

As batidas vieram insistentemente, sacudindo-a, seus olhos


voando para a porta.

Alguém estava realmente batendo em sua porta. Que diabos?

— Ei Lyla, você tem algum corretivo? Esse último cara me


machucou muito.

Era uma das outras garotas do andar. Lyla ficou imóvel,


decidindo ignorá-la. Não era como se ela pudesse se levantar de
qualquer maneira se ela tentasse. Era bom ficar deitada ali
enquanto seu corpo desabava sobre si.

As batidas se desvaneceram, o único ruído em seus ouvidos


foi um assobio, talvez seu próprio sangue. Suas pálpebras
começaram a ficar pesadas, então ela as fechou, sentindo como se
a terra estivesse tremendo embaixo dela.
Não, estava tremendo.

Ela estava tremendo.

Algo a estava sacudindo.

— Olhe para mim!

O comando alto e afiado fez suas pálpebras se abrirem em uma


fenda, imediatamente travando com o olhar do diabo.

Afinal, a morte veio para levá-la.

Ela sorriu.

— Leve-me suavemente, morte. Estive esperando por você, —


ela sussurrou, sua mente tonta, seus olhos se fechando
novamente.

— Abra os olhos, flamma.

Uma demanda baixa e gutural seguida por um toque em sua


bochecha fez seus olhos se abrirem novamente. Ele checou os
olhos dela, colocou a mão em seu pescoço, então rosnou, — Foda-
se!

Ela sentiu algo beliscar ao lado de seu pescoço, mas deixou de


lado. Ela estava pensando nele, e em seus últimos momentos, seu
cérebro estava sendo gentil com ela. Isso era uma graça salvadora.
Seus delírios estavam tendo pena dela. Ela não podia reclamar.

— Você. — Sua voz era quase inaudível, seu corpo caindo


quando ele a pegou em seus braços. — Diga-me... diga-me onde
ele está...
— Viva para mim e eu te direi, — ele negociou como sempre,
colocando o corpo dela perto de seu torso. Ele estava frio e quente
ao mesmo tempo, e tão, tão sólido. Desejou tê-lo para segurar
tantas noites.

Lágrimas caíram por seu rosto, e ela enfiou o nariz em seu


pescoço, respirando seu cheiro distinto.

— Por favor. É meu último desejo, — ela chorou baixinho, e


sentiu os braços dele apertarem ao redor dela. A ilusão dele
também era legal, quase a fez acreditar que ele estava preocupado
com ela.

— Você ainda tem muitos desejos em você, flamma, e eu


colocarei cada um deles a seus pés. Apenas continue respirando,
porra, entendeu?

As notas sombrias e guturais de sua voz a atingiram


simultaneamente com outra onda de calor. Ela gemeu e enterrou-
se mais perto dele, grata a sua mente por conjurá-lo para que ela
não se sentisse sozinha em seus últimos momentos.

Eles estavam se movendo em um ritmo rápido. Ruídos e visões


borravam, e ela sentiu seus membros ficarem cada vez mais
pesados, seu coração de repente desacelerando, fazendo sua
cabeça girar.

— Você... você... estava... com outra pessoa? — ela perguntou


em um soluço, expressando seu pior medo, seus dedos apertando
sua jaqueta enquanto ele a deitava em algum lugar, amarrando-a
com cintos. O que sua mente estava fazendo? Por que o fazia
amarrá-la em algum lugar?
Ele terminou de apertar os cintos para que ela não pudesse se
mover e agarrou seu rosto, fazendo-a focar por um segundo em
seus olhos diabólicos incompatíveis.

— Você foi, você é, e sempre será minha única obsessão, Luna


Caine.

Ela gritou com o fato de que ele tomou o nome de outra garota,
uma dor aguda perfurando seu coração, antes que tudo ficasse
preto.
Capítulo Dez

Ele

Perto demais.

Ele quase a tinha perdido e, pela primeira vez em sua


memória, algo lívido respirava em seu peito. Emoções não eram
algo que ele sentia, mas ele estava sentindo. Principalmente,
consigo mesmo por não a ter encontrado antes, por ter demorado
tanto para resolver as pontas soltas. Também com ela, por pensar
que ele a deixaria ir, por até mesmo contemplar que ela poderia
morrer e ele não iria trazê-la de volta das garras da própria morte.
Não poderia tê-la, nada poderia tê-la, até que ele liberasse sua
reivindicação.

Se o passado deles lhes ensinou alguma coisa, foi que o tempo


não significava nada em seu relacionamento. Ele esperaria anos
pelo momento certo com ela, mas o fato de ela não ter tido paciente
lhe disse duas coisas muito importantes - ela estava quebrada
mais do que ele havia estimado, e ele precisava fazer o que fosse
preciso para torná-la viva, novamente. Se ela não sentisse
novamente, o mundo deixaria de existir.

Sua vida não era dela para tirar.

Ele olhou para onde a prendeu no helicóptero, voando sobre a


cidade e os campos a leste, levando-a para onde ela sempre deveria
estar.
Ela gemeu de dor, o som claro em seu fone de ouvido através
dela, e as vibrações do som ondulavam por seus antebraços, o
sabor doce enchendo sua boca.

Ele tinha perdido isso. Ele sentiu falta dela. E quase a perdeu.
Isso não estava bem. Isso não estava nem próximo de tudo bem.

Enquanto ele voava sobre os campos escuros abaixo, percebeu


que esta noite tinha sido por pouco, em mais de uma maneira.
Tristan Caine tinha estado lá, muito perto, com o resto de seu
pessoal, e ele ainda não estava pronto para que ela partisse. Ele
sabia o que aconteceria se ela tivesse partido muito cedo. Ela
encontraria sua família, encontraria pessoas que a amariam
infinitamente, encontraria um homem que a curaria com amor,
provavelmente aquele cachorro do Dante que estava no cheiro dela
há meses, ou talvez outra pessoa. E talvez eles acalmassem seus
demônios por um tempo. Mas os demônios voltariam. Nenhum
deles entenderia isso, entendê-la, seu inferno, porque nenhum
deles tinha sequer visto isso, muito menos vivido através dele. Ela
precisava se sentir segura para curar, e ninguém a faria sentir-se
mais segura do que ele. Porque eles tinham consciência, moral,
ética, e ele... Ele a tinha.

Ela nunca poderia ser de mais ninguém. Ela foi reivindicada


por um demônio nas sombras muito antes que alguém pudesse
trazê-la à luz.

E mesmo cercada por todo o amor, ela se sentiria isolada,


sozinha e se perguntando se estava quebrada demais para ficar
bem. E ele não estava bem com isso. Ele sabia há algum tempo
que ela possuía uma disposição para automutilação,
principalmente em seus pensamentos. Ela não tinha agido sobre
isso tanto quanto ele sabia antes desta noite. Essa foi uma das
razões pelas quais ele sempre balançou a única coisa que ele sabia
que ela queria mais do que tudo – suas respostas – na frente dela
como incentivo para viver, e funcionou por um tempo. Ele tinha
que dar a ela algo para viver novamente.

Ela ainda não estava pronta para conhecer seu passado, sua
mente provavelmente não seria capaz de lidar com tudo de uma
vez, mas um dia ela estaria. E nesse dia, ele colocaria a verdade
aos pés dela.

Manejando o helicóptero facilmente com anos de experiência


de voo, ele virou à direita em direção às montanhas que ladeavam
a terra antes que o mar se abrisse, indo para a casa que ele havia
construído para eles ao longo dos anos. Voar era uma das únicas
coisas além de brincar com fogo e persegui-la que ele gostava.

— Eu estou morta? — o objeto de sua obsessão murmurou, e


ele olhou de volta para ela, para vê-la piscando antes de desmaiar
novamente, seu cabelo curto saindo ao redor de seu lindo rosto.

Ele sabia por que ela cortou, assim como ele sabia por que ela
rasgou suas rosas. Em sua mente consciente, uma parte dela o
odiava. Mas seu coração era suave, e estava faminto por ele, e ele
faria o que fosse preciso para fazê-la sentir por ele novamente.

Depois do que ela passou nas mãos do Sindicato, depois do


que eles fizeram apenas para atraí-lo, ele não a culpava por seu
ódio. Mas não poderia ter saído mesmo se pudesse tê-la
encontrado. Isso teria desvendado anos de planejamento
cuidadoso e colocação das peças certas no lugar certo. Um
movimento impulsivo dele poderia ter desfeito tudo e matado
todos, incluindo a família que ela nem conhecia.

Não, ele teve que escolher, e ele não a escolheu a curto prazo,
mas ela sempre foi sua escolha. Tudo o que ele tinha feito nos
últimos seis anos tinha sido por ela, para que ela pudesse viver
um dia livremente sem olhar por cima do ombro o tempo todo.
E depois do que eles fizeram, o Sindicato ia queimar.
Capítulo Onze

Lyla

Estava se tornando um hábito acordar em camas estranhas e


olhar para tetos estranhos. Lyla piscou os olhos abertos, seus
membros muito pesados para ela até mesmo tentar se mover.

Levou um segundo para perceber que havia um peso real sobre


ela, segurando-a.

Em pânico, olhou para o bíceps musculoso nu descansando


em seu estômago, para baixo para o antebraço rasgado polvilhado
com cabelo escuro indo diagonalmente para seu quadril, para a
mão grande e masculina que a segurava com dedos longos e
afilados. Marcas de queimadura espalhadas pelo dorso da mão.

Lyla moveu os olhos para cima para ver o homem ao qual o


braço estava preso e se viu enredada por olhos diabólicos
incompatíveis, um preto e um verde-dourado, olhando para ela em
silêncio.

Tinha sido real.

Seu sonho febril tinha sido real.

Ele tinha vindo para ela, embora depois de meses, mas ele
tinha.
Fatos registrados simultaneamente em seu cérebro - ele estava
sem camisa, mas ela estava vestida com algo macio, seu corpo
estava pressionado ao seu lado e seu rosto perto de seu
travesseiro, e havia muita luz cinza natural vindo de algum lugar.

Ignorando os dois primeiros fatos e ignorando-o, ela virou o


pescoço para procurar a fonte da luz.

E ela parou de respirar.

Os maiores conjuntos de janelas que ela já tinha visto


mostravam algo que ela só tinha visto fotos. Montanhas. Altas,
majestosas, montanhas cinzentas.

Levantando-se da cama e afastando o braço dele, ela tentou


ficar de pé quando seus joelhos fraquejaram. Ela quase caiu antes
que braços fortes a erguessem sem esforço em um abraço que ela
lembrou de seu delírio.

— Calma, — ele disse a ela suavemente, mas o ignorou, focada


na vista diante dela.

Ele a carregou em direção ao vidro, em direção ao que ela agora


percebia ser um conjunto de portas duplas e não janelas.
Empurrando-a aberta com o pé, ele os levou para fora. Uma rajada
de ar frio atacou sua pele, fazendo-a instintivamente se curvar
mais perto do calor de seu corpo, o short de seda que ele estava
vestido muito fino para suportar o clima.

Ele os levou até a borda e a colocou de pé, aprisionando-a por


trás com os dois braços na grade de metal, sua presença atrás dela
quente no frio.

Mas ela estava focada na vista, na sensação de estar do lado


de fora.
Seus olhos engoliram avidamente a visão, incapazes de
entender como lugares como este poderiam existir enquanto
absorvia cada centímetro disso.

Altas, lindas e rochosas montanhas cinzentas se estendiam


até onde os olhos podiam ver à sua direita, a vista envolvendo até
desaparecer do lado. Do outro lado, à esquerda, o mar cinzento se
agitava sob as nuvens sem parar, ondas atrás de ondas quebrando
na praia rochosa ao longe, uma praia criada pela inclinação
natural e declínio das montanhas que entravam na água. E logo
abaixo dela, o penhasco mergulhava em um longo e estreito corpo
de água que se juntava ao mar.

Era requintado, surreal, inacreditável.

— O que é este lugar? — sussurrou com admiração, incapaz


de acreditar em seus próprios olhos.

— Chama-se Bayfjord, — ele a informou de suas costas. —


Esta é a Iron Mountains, e esta é a Black Bay.

Ela se apoderou da vista durante muito tempo, de pé na gaiola


de seus braços, incapaz de registrar tudo, registrar que não só
estava viva, como estava no céu e estava com ele.

Relutantemente, se virou para que pudesse ver a casa em que


estavam. Um suspiro a deixou enquanto olhava para as rochas
ásperas e cinzentas.

Eles estavam em algum tipo de deck feito em uma fenda do


espaço dentro da montanha. Dentro da montanha.

— Estamos... como... na montanha?


Suas palavras quebradas o fizeram dar um passo para trás,
deixando-a sozinha na beirada, e ela agarrou sua mão, apavorada
com a queda íngreme do penhasco. E isso era tão contrário à
mulher que decidiu acabar com ela mesma.

Ela o viu olhar para suas mãos juntas, suas mãos grandes,
escuras e queimadas envolvendo as pequenas, macias e pálidas.

— Venha comigo. — Ele a puxou para frente, e ela o seguiu


sem entusiasmo, não pronta para voltar em sua própria mente ou
como ela se sentia sobre ele naquele segundo. Havia algo novo para
experimentar, algo bom, e ela o agarrou com as duas mãos.

Ele a levou de volta para o quarto quente lá dentro, fechando


as portas de vidro. Ela aproveitou o tempo para olhar ao redor e
absorver tudo. Era o maior quarto que ela já tinha visto — tudo
dentro dele grande e elegante. De onde ela estava perto das portas
do deck, a cama maior, feita de madeira preta com a mesma cor
de cabeceira e mesas laterais estava à direita.

Liderando o caminho, ele apontou para as amplas portas


escuras opostas às portas do convés. — Este é um closet.

Ele abriu a porta e Lyla olhou com admiração para a sala


espaçosa, forrada de ambos os lados com roupas. O lado direito
tinha todos os trajes masculinos, fileiras de camisas, ternos e
paletós, tudo em preto, cinza e branco. A esquerda era feminina,
fileiras de vestidos, tops, camisetas, principalmente em branco e
preto, com uma cor ocasional.

Uma pontada afiada de algo perfurou seu peito com a visão.

Alguém morava com ele, dividia um armário com ele, e ainda


assim ele ficou lá segurando a mão dela. Ela cerrou os olhos. Não
tinha o direito de sentir nada. Era assim que as coisas
funcionavam no mundo deles. Ele poderia ter um zilhão de
mulheres de plantão e ainda tomá-la, e ela não podia negá-lo.

Isso não significava que ela não estava sentindo...

— Podemos adicionar mais cor ao seu lado, se você quiser.

...espere o quê?

Ela pressionou o freio em seus pensamentos desenfreados, e


voltou a entrar no armário. Isso era para ela? Mas que diabos?

Alheio aos pensamentos dela, ou talvez não, ele soltou sua


mão e caminhou até o grande espelho em frente à entrada.

— Venha.

Curiosa, ela caminhou até ele, percebendo que seus pés


estavam descalços e o tapete sob seus dedos era macio. Parando
ao lado dele, ela se assustou quando ele a puxou para suas costas
pelos quadris, olhando para seus reflexos. Ela parecia muito
menor em comparação com ele, o topo de sua cabeça mal chegando
ao queixo dele, seu corpo esguio onde o dele era largo. Ele não era
muito musculoso, mas musculoso o suficiente para ser forte e
elegante.

— Diga-me o que você vê.

Franzindo a testa com o pedido estranho, porque ela podia ver


claramente seus reflexos, ela balançou a cabeça. Seu cabelo, quase
na altura dos ombros agora, estava caindo ao redor de seu rosto.
Seus olhos estavam exaustos e seus ombros caídos. Ele, por outro
lado, parecia definido, perigoso, letal, o peito sem camisa e as
calças de moletom pretas não lhe retiravam a aura, exatamente
como sempre havia parecido.
— O que você vê? — ele perguntou novamente.

Lyla se viu piscar no reflexo. — Você atrás de mim.

Ela se assustou quando ele se inclinou, seu reflexo se unindo


ao dela, seu rosto ao lado do dela. — Exatamente. Estou sempre
atrás de você, mesmo quando você não puder ver.

Sua garganta fechou, o buraco negro que ela escapou sempre


presente dentro dela, lembrando-a dos meses que antecederam o
momento em que ela decidiu desistir. Só porque ele de alguma
forma decidiu voltar e encontrá-la não o absolveu de nada. Ele a
havia traído, e isso não era algo que ela poderia esquecer.

Apertando os dentes, vendo seus brilhantes olhos verdes


brilhando no reflexo, ela se dirigiu a ele. — Você estava atrás de
mim quando eles estavam estuprando meu corpo?

Seu aperto em seus quadris aumentou. Seu rosto permaneceu


neutro. — Sim.

Uma risada amarga explodiu dela. — Isso é ainda pior. Porque


isso significa que você não fez nada para impedi-los. E isso
significa que você não se importa. — Seus olhos se encontraram
com os dele. — Então você pode pegar sua casa chique e roupas
chiques e vistas chiques, e dar o fora de mim. Eu não preciso nada
de você, não mais.

Seus olhos brilharam por uma fração de segundo antes que


ela encolhesse os ombros e ele a deixasse.

Saindo do espaço do armário, ela se dirigiu cegamente para a


porta que assumiu que levava para fora do quarto, precisando ficar
longe dele, distrair-se, fazer absolutamente qualquer coisa, menos
lidar com ele. Ela simplesmente não tinha mais energia.
Abrindo a porta preta, ela saiu para um pequeno patamar
cavernoso, alguns degraus baixos que conduziam a um enorme
espaço, e ela queria dizer enorme espaço aberto. A primeira coisa
que ela notou foi o teto alto, teto normal e não rochoso, como no
convés. Isto não era uma parte da montanha?

Ela entrou no enorme espaço aberto, uma sensação de


maravilha preenchendo-a com as múltiplas janelas e a luz natural
preenchendo-a.

Nunca havia visto nada assim em sua vida, nunca havia


imaginado que iria ver algo assim.

De onde ela estava de pé no alto do cômodo, ela podia ver um


corredor curto indo para a sua direita, para o que parecia ser outra
espécie de quarto de dormir de seu ponto de vista. Ignorando isso,
deu alguns passos no recinto amplo, dando meia-volta no local
para acolher tudo isso. Uma grande cozinha à sua direita,
separada da sala principal por balcões altos da ilha e uma mesa
de jantar para seis pessoas. Ao seu canto esquerdo, uma área de
estar com sofás pretos e mesa de madeira no canto esquerdo, à
direita por um conjunto de janelas, em frente à maior tela de
televisão.

Ela olhou para a tela, incapaz de se lembrar da última vez que


viu um filme. Havia uma pequena televisão na sala comunitária do
complexo, mas ela mal tinha se aventurado a vê-la. Na maioria das
vezes, as meninas haviam brigado entre si para decidir sobre uma
programação, e Lyla nunca havia sido hostil. Ela simplesmente
sentava-se e mordia a língua, indo com a onda, mantendo a cabeça
baixa, sobrevivendo. Foi assim que ela entendeu que a
sobrevivência resultava melhor - passar despercebida, ficar a
salvo.
— Como isso funcionou para você? — uma voz provocou em
sua cabeça.

Tomando uma respiração trêmula, ela olhou para o outro


canto da sala, em direção a outro corredor que levava a algum
lugar. Em passos lentos, ela foi investigar, atravessando a
extensão do ambiente e admirando a vista do lado de fora das
janelas. Ela simplesmente não entendia como essa parte da casa
parecia normal, mas o deck estava sob a montanha. Como foi
exatamente construída?

Deixando de lado a pergunta por um momento, entrou no


corredor e desceu o pequeno espaço, curiosa para ver o que
encontraria do outro lado da grande porta que podia ver no final.
Com um clique da fechadura, a maçaneta girou em sua mão e ela
a abriu, congelando na soleira.

Uma sala – não, um longo corredor – com janelas na parede


oposta à porta, iluminava o espaço cheio de coisas. Tantas coisas.
Livros nas prateleiras se alinhavam em uma extremidade do
corredor, uma mesa de madeira sólida com uma cadeira e vários
computadores na outra extremidade. No meio, a área estava
repleta de uma tela em um cavalete, uma caixa de cristais
brilhantes e fios de metal brilhantes, tantas coisas que seu cérebro
não conseguia calcular para que serviam.

— Há algo para você aqui.

A voz veio de suas costas, a uma distância. Ela se virou para


vê-lo de pé, ainda sem camisa, a parte superior muscular do corpo
dele exposta para os olhos dela, uma extensão de pele morena de
mel e músculos firmes e um arrebatamento de cabelos escuros.
Ele ficou de pé com as mãos nos bolsos das calças de treino,
simplesmente observando as coisas que ela observava.
— Há um tablet sobre a mesa. É para você. Poderá passar seu
tempo aqui dentro decidindo o que deseja, — ele continuou quando
ela não disse nada. — Ler, pintar, fazer joias, assistir TV, jogar
videogame, fazer coisas online – experimente tudo e veja o que você
gosta. Há também um pequeno jardim do lado de fora, se você
quiser tentar, mas terá que esperar um mês ou dois para que o
clima fique mais quente. Se não gostar de nada, adicionaremos
mais opções. É todo seu.

Com a garganta apertada, ela olhou para ele, tudo caindo


sobre ela, incapaz de entender como ele sabia algo que ela sempre
quis, uma chance de explorar o que ela gostava por si mesma, o
controle remoto da televisão, o lado de fora.

— Como... como você sabia? — ela gaguejou, porque não havia


nada que ela já havia verbalizado ou expresso a ninguém,
pequenas coisas inócuas e intensas.

Ele avançou então, entrando em seu espaço pessoal,


lentamente, quase preguiçosamente, mas elegante, seus olhos
diabólicos fixando-a no lugar. Uma de suas mãos subiu,
segurando seu queixo como sempre fazia, assim que seu polegar
roçou seus lábios. Seus lábios se separaram com o toque suave,
quase terno, não acostumada a sentir qualquer sensação por
meses. Ele mergulhou o polegar, só um pouco, e ela ficou quieta,
seu coração batendo, mas não chupando, sem responder nada. Ele
tirou o polegar, pintando os lábios dela com sua própria umidade,
deixando-os brilhantes, seus olhos se movendo para a boca dela,
a pupila do olho claro se expandindo. Ela assistiu, fascinada.

— Eu conheço você, flamma, — ele a lembrou. — Os desejos


mais profundos do seu coração, os segredos mais suaves da sua
alma, os momentos mais mesquinhos da sua mente. Conheço
todos eles, eu os possuo. Cada desejo, cada segredo, cada
pensamento.
Ela não podia negar isso. E, no entanto, a amargura não
diminuiu.

— E eu me encaixo em seus planos de tudo o que você tem


feito, não é? Eu sou útil para você. É por isso que você veio para
mim. É por isso que estou aqui.

Ele não disse nada, apenas olhou para ela com firmeza, e ela
não sabia se isso era uma afirmação ou uma negação.

Ela nunca sabia com ele.

Ela se deu conta, ali parada na porta de sua casa cara,


trancada no lugar por seu firme aperto no rosto dela. Ela acabara
de trocar um tipo de prisão por outra, mais perigosa, porque sabia
que era fraca quando se tratava dele, e embora já estivesse
quebrada além do conserto, ele tinha o poder de quebrá-la ainda
mais.
Capítulo Doze

Lyla

Ela se retirou para o quarto depois de seu curto tour,


trancando a porta atrás dela, e foi para a cama dormir. Ela ainda
estava grogue, cansada, seu corpo esgotado e sua mente com
incapacitada para lidar com todas as mudanças rápidas. Jamais
tinha sido boa com mudanças, sempre questionando as coisas,
questionando a si mesma e sua autoestima, qualquer que fosse o
pouco que tinha.

E ela precisava de espaço longe de... tudo. Precisava de espaço


para processar seu novo estado de ser, processar o que ela tentou
fazer, processar todas as emoções que vê-lo novamente despertaria
dentro dela. Precisava... ela não sabia o que ela precisava.
Lágrimas brotaram em seus olhos enquanto olhava para a vista
através da janela, tanto pelo fato de do que ele havia dado quanto
pelo fato de que ela ainda não importava além de sua utilidade
para ele.

Ela estava vulnerável em todos os sentidos para ele, e ardia


seu peito perceber isso.

Ela olhou para as montanhas, imaginando se teria coragem de


pular do penhasco para escapar. Roubar as drogas e beber aquela
mistura tinha sido o pior de sua depressão, um vazio que ela não
poderia ter visto o fim tão sozinha quanto estava. E ele a trouxe de
volta das garras da morte. Ela não duvidava que ele faria isso de
novo se fosse necessário. Claramente, ela era importante para
quaisquer que fossem seus planos, embora não pudesse imaginá-
los.

Mesmo que ela o odiasse por isso, estava secretamente feliz


por sua presença. Com ele, mesmo com tudo que trouxe, ela não
se sentia sozinha. Era estranho como ela passou a vida dividindo
seu espaço com as pessoas e se sentiu mais solitária, mas lá estava
ela sozinha e de alguma forma não se sentindo tão deprimida.
Saber que ele estava em algum lugar da casa a fazia sentir...
apenas sentir. E era bom “pra” caralho sentir de novo depois de
ficar catatônica por tanto tempo.

Não percebeu quando adormeceu, mas quando seus olhos se


abriram em seguida, uma lâmpada estava acesa ao seu lado e
estava escuro lá fora. Uma brisa fresca soprava das portas abertas
do convés e Lyla sentou-se na cama, esfregando o sono dos olhos,
observando a silhueta escura do homem encostado no parapeito
no frio.

Mantendo o cobertor mais macio e fino enrolado em volta de


si mesma, ela caminhou até ele, atraída como mariposa para
chamas, uma mariposa que sabia que iria queimar, mas incapaz
de resistir ao puxão lá no fundo.

Estava muito, muito escuro lá fora. A lua era um crescente


fino no céu, quase não iluminando nada. As montanhas pareciam
um pouco mais negras do que o céu e as ondas mal brilhavam,
mas seu som era alto, uma lufada calmante de água batendo
contra a costa. O vento era suave e frio em seu rosto, e Lyla se
sentiu respirando fundo, permitindo-se experimentar estar do lado
de fora pela primeira vez. Ela ainda tinha um acompanhante -
duvidava que ele a deixasse ficar sozinha no deck tão perto depois
que ela tentou se matar - mas sua presença não era a de um
acompanhante normal. Ela gostava de compartilhar isso com ele,
e quaisquer que fossem seus motivos, ele havia dado algo precioso
para ela.

— Obrigada, — murmurou baixinho, suas palavras baixas


para não quebrar o momento.

Ele não disse nada, simplesmente olhou para a escuridão, os


cotovelos apoiados no parapeito, as mãos penduradas
frouxamente no pulso. Ela olhou para o que ele estava vestindo –
jeans e moletom – e percebeu que nunca o tinha visto vestido
assim.

Ele parecia o mais relaxado que ela já tinha visto em sua


memória.

Perguntas borbulhavam dentro dela. — Há quanto tempo você


mora aqui?

— Alguns meses.

Ela deu um passo mais perto. — E há quanto tempo você tem?

— Cerca de cinco anos. Levou um ano para construir.

Isso era muito tempo. Aproximando-se do parapeito, com o


coração acelerado pelo nada além, ela agarrou o cobertor. — Por
que não morar aqui antes?

Ele virou o pescoço para olhar para ela. — Você não estava
aqui.

Sua respiração ficou presa na garganta. Ela não sabia como


responder quando ele dizia coisas assim, como se fossem fatos em
vez de mentiras que ele a alimentava. Seu coração, desesperado
pela afeição dele, não queria nada mais do que acreditar nelas,
acreditar na narrativa que ele estava inventando para ela. Mas, ela
lidou com ele por muito tempo, sabia que ele era um mestre da
manipulação e ele sabia que cordas puxar para ela, já que era uma
marionete fácil.

Virando o rosto, ela não disse nada. Eles simplesmente


ficaram no escuro por longos, longos minutos antes que ele
quebrasse o silêncio.

— Não entendo as emoções, — ele começou entrelaçando os


dedos. — Eu nunca entendi. Não as acho particularmente úteis
para mim mesmo, por isso também nunca estive apegado a
ninguém. As pessoas têm sido inúteis ou úteis para mim. — Ele se
virou completamente para queimá-la com um olhar novamente. —
Embora você se encaixe muito bem em meus planos, é incidental.
Você estaria aqui, mesmo que não se encaixasse.

Lyla sentiu seus lábios franzirem. — Você é um mentiroso.

— Eu sou, — ele concordou sem uma pausa. — Mas eu não


minto para você.

Um som sinistro a deixou esperançosa, esperando que ela


tivesse estado morta e enterrada, então ressurgiu.

Ela viu a mandíbula dele apertando.

Seguiu-se um silêncio tenso antes que ele se movesse para a


porta. — Vou dormir no outro quarto até que você me convide de
volta. Este quarto é seu. Esta casa inteira é sua. Tem comida na
cozinha. Fique à vontade.

Com isso, ele se dirigiu para as portas de vidro. — Ah, e não


tente se matar novamente. Você está muito perto de obter muitas
respostas pelas quais está esperando há tanto tempo. Não vai
querer perdê-las, não tão perto.

Idiota.

Sempre balançando a cenoura da verdade na frente dela. Mas


ele nunca disse explicitamente a ela que iria contar em breve,
sempre empurrando para “algum dia”. Ela não sabia se era uma
linha para fisgá-la ou se ele realmente queria dizer isso. Essa era
a coisa com ele, nunca soube o que ele queria dizer. Mas ela estava
fisgada, e a atração das respostas era mais do que a atração da
morte, pelo menos por enquanto.

Balançando a cabeça para si mesma, ela o seguiu para dentro


depois de um tempo, fechando as portas de vidro atrás dela,
percebendo que estava suja e faminta. Primeiro de tudo, ela se
dirigiu para a única porta preta no quarto que não tinha aberto,
uma escondida em um canto do quarto do outro lado do closet.
Supondo que fosse o banheiro, ela foi até lá.

A porta dava para um corredor curto – havia alguns deles


nesta casa, ela percebeu – e dava para um banheiro diferente de
qualquer outro que ela já tinha visto. Seu queixo caiu em choque,
ela ficou enraizada no local, congelada quando as luzes
automáticas se acenderam atrás de um teto falso com sua
presença, iluminando o enorme espaço em amarelo escuro.

Era preto — como a decoração da casa — metal e vidro, a


estética gritava riqueza e classe. Ela viu banheiros ricos, tinha
passado seu tempo em muitos deles, mas este era outro tipo
completamente diferente.

Um painel de janelas cobria três quartos da parede oposta a


ela, com vista para o mar, o outro coberto por um grande espelho.
Uma bancada de granito preto segurava uma pia preta na frente
do espelho – do tipo sem armários atrás. Os armários estavam
embaixo do balcão, cobertos por painéis de madeira escura. Na
frente das janelas, um box de chuveiro grande o suficiente para
acomodar dez pessoas foi seccionado com vidro fosco. Outra seção
com vidro fosco continha o vaso sanitário, um vaso sanitário preto.
Ela nunca tinha visto isso.

E entre o chuveiro e a pia, bem contra as janelas, havia uma


grande banheira no mesmo granito preto.

Piscando com admiração por longos minutos, ela levou um


tempo para realmente se mover para a área.

Uau.

Uau.

Deixando cair o cobertor perto da entrada, ela se moveu para


a banheira, olhando por cima dos botões chiques. Olhar para a
banheira trouxe de volta lembranças de outras banheiras, da água
e da isca mortal embaixo dela.

Ao invés disso, ela se dirigiu para o chuveiro, desnudando-se


enquanto ia. Levou um segundo para descobrir quais os botões do
painel, mas uma vez que o fez, a água começou a cair como chuva,
diretamente de cima.

Pisando sob o jato quente, ela sentiu o calor penetrar em seus


músculos, relaxando-a pela primeira vez em tão longo tempo que
um suspiro lhe escapou. Ela ficou sob o spray tempo suficiente
para que o vapor começasse a embaçar o vidro. Contente por
enquanto, virou-se para as prateleiras do canto para pegar um
xampu e parou. Garrafas minúsculas - xampu, condicionador,
body wash-lined na prateleira, diferentes marcas, diferentes
produtos, todos lacrados.
Ela olhou para a prateleira com admiração.

Não só sabia que ela gostava dos frascos fofos, como também
estava dando-lhe opções para experimentar. Novamente. Ele
estava dando a ela a chance de experimentar e ver o que ela
gostava.

Quem diabos era esse homem?

Colocando a pergunta de lado para mais tarde, ela explorou os


diferentes frascos, olhando para cada rótulo, todos os perfumes -
jasmim, coco, flor, cítricos, e a lista continuava. Ela escolheu
aquele que dizia "pêssegos e creme" e despejou em sua mão,
levando-a até seu nariz.

Ela gostou. Cheirava muito bem.

Colocando-a sobre o corpo, esfregou-se e tomou o banho mais


longo e relaxante de sua vida. Usando o mesmo cheiro para o
shampoo e condicionador, ela passou alguns minutos gloriosos
desfrutando da água quente, maravilhando-se com o que pôde. No
complexo, em todas as casas em que ela havia estado, os chuveiros
haviam sido comunitários, de modo que encontrar qualquer
semelhança de tempo e privacidade estava fora de questão. Esta
foi uma experiência tão nova para ela que demorou um pouco,
permanecendo sob a cascata até seu estômago rosnar.

Desligando a água, pegou uma toalha de um suporte do lado


de fora e se secou, enrolando-a e caminhando até o espelho. Com
a cara fresca e descansada, ela parecia melhor do que em meses,
embora ainda muito magra. O peso que ela havia perdido ao longo
dos meses era visível em suas clavículas salientes e até em seu
rosto, que havia perdido parte de seu arredondamento. Seus
cabelos, embora crespos, eram muito mais rápidos de secar.
Deixando-o como estava, ela saiu do banheiro, notando que as
luzes se apagavam automaticamente atrás dela.

Ela pegou o cobertor do chão e o largou na cama antes de virar


à direita. Indo até o closet, ela explorou, tentando encontrar algo
confortável que pudesse usar como um top ou shorts de dormir,
mas não conseguiu encontrar nenhum. Hesitando, mordeu o lábio
e olhou ao redor do guarda-roupa. De jeito nenhum ela ia dormir
em qualquer uma das roupas caras penduradas lá. Sem chance.
Mas o que diabos ela iria vestir de outra forma?

Seus olhos caíram sobre uma camiseta que ele deixara


dobrada na parte inferior do seu lado, provavelmente porque tinha
rugas. Tirando-a, ela a abriu e rapidamente colocou. Deixando de
lado qualquer roupa íntima – não era como se a roupa íntima
tivesse muita prioridade em sua experiência –encontrou um cesto
no canto e deixou a toalha.

Descalça, limpa e vestida, ela saiu do quarto. A casa estava


escura, exceto por algumas luzes noturnas. Silenciosamente foi
para a cozinha, as luzes se acendendo quando ela passava. Era tão
legal, mas demorava um pouco para se acostumar. Luzes
automáticas não eram uma coisa a que ela estava acostumada.
Bons e velhos interruptores para ligá-las e desligá-las, sim.

A cozinha também, como tudo na casa, era espaçosa, limpa e


moderna, muita decoração em preto e branco intercalada com
cromo. Ela foi até a geladeira de duas portas para ver o que tinha,
nunca sabendo realmente como cozinhar nada porque nunca
tinha cozinhado. As meninas recebiam refeições escassas como
rações durante o dia. Ela nunca ferveu água para o chá. Será que
ela gostaria de chá? Ela nunca provou, então não sabia.

Mas agora que o pensamento estava em sua cabeça, ela foi


investigar. Ficando na ponta dos pés, abriu os armários um por
um, sua fome de lado por um momento. O primeiro armário tinha
potes arrumados com rótulos para cada coisa — farinha, arroz,
macarrão e assim por diante. Era o armário de ingredientes crus.
O segundo tinha todos os tipos de temperos que se possa imaginar.
O terceiro tinha pratos, tigelas e copos em prateleiras diferentes.
Mas nenhum chá.

Deprimida, ela descansou em seus pés, suas mãos abrindo


gavetas e olhando para dentro um pouco mais freneticamente.
Tanta coisa, mas nenhum chá.

Era o mesmo com todos os lugares que ela abria. Coisas,


coisas, mais coisas.

Mas ela precisava do chá. Precisava saber se gostaria,


precisava provar a si mesma que podia ferver água e prepará-lo,
que não era completamente inútil.

Seus lábios tremeram e ela agarrou o balcão, respirando fundo


para tentar entender por que estava sentindo isso, esse estranho
aperto em seu peito, essa bola de emoção em sua garganta, tão
apertada que parecia que iria explodir e destruir tudo. Seus braços
começaram a tremer com o esforço de segurar o balcão, sua
respiração ficando entrecortada enquanto sua mente tentava
entender isso. Era um efeito prolongado das drogas? Ou ela estava
quebrando? Mas por quê? Por que tomar chá, de todas as coisas?
Nada havia acontecido com ela, ela estava em um lugar bonito e
não havia uma sensação de perigo prevalecente. Por que então seu
corpo inteiro parecia que iria desmoronar por si mesmo?

Seus joelhos dobraram e ela caiu, seu corpo estremecendo


enquanto a bola em sua garganta ficava mais pesada. Seu nariz
começou a queimar, seus olhos lacrimejando, sua mente ao
mesmo tempo descuidada e atenta a cada segundo.
Ela não entendia o que estava acontecendo, e isso a assustava.
Este não era o buraco negro, era outra coisa, algo desconhecido.

Ela se deitou no chão, o mármore frio reconfortante contra


suas bochechas aquecidas, tremendo, soluçando, estremecendo, e
ela sucumbiu ao abençoado esquecimento.
Capítulo Treze

Lyla

Foi o som que a acordou.

Sons, para ser preciso. Um barulho alto, como o zumbido de


uma máquina e a conversa de duas mulheres.

Ela voltou a si na cama, seus olhos piscando para se ajustar


à bela luz do sol que entrava pelas janelas. A vista, que havia sido
majestosa e perigosa ontem, parecia sublime e convidativa hoje.

Saltando da cama, caminhou até o deck, olhando para a


cintilante água azul-acinzentada da baía e os magníficos picos
rochosos, a luz do sol em sua pele aquecendo-a até os ossos.

Respirando fundo e profundamente, ela se virou e decidiu


começar o dia investigando qual era o barulho.

Uma rosa vermelha escura na mesa de cabeceira, uma que


não estava lá na noite anterior, chamou sua atenção. Apanhando-
a, atenta aos espinhos, examinou, percebendo que era um corte
fresco e não uma rosa eterna. Uma nota estava ao lado.

Você gostou de sua casa?

Lyla piscou, lendo as palavras novamente. A casa dela? Não,


ele deve querer dizer “minha” casa e digitou errado.
Imaginando que horas eram e quanto tempo ela estava
dormindo, como ela não o tinha ouvido entrar e deixar a rosa e o
bilhete, saiu do quarto, apenas para parar em duas mulheres -
uma jovem e uma mulher mais velha — na área.

Imediatamente, sua guarda subiu, fazendo-a perceber o quão


baixo ela realmente as deixaria ir dentro de um dia após estar lá.
Ela queria exigir quem elas eram e o que estavam fazendo lá, mas
sua garganta estava trancada. Ela não podia mais falar com as
pessoas; os estranhos a assustavam. Era diferente quando estava
trabalhando, ela sabia o que se esperava dela na época, mas não
sabia o que se esperava dela agora, e não sabia como reagir.

Sem uma palavra, aos poucos ela começou a recuar para seu
quarto quando a mulher mais velha olhou para ela, seu rosto
mostrando surpresa.

— Bom dia, Sra. Blackthorne!

Ela congelou. Que porra?

Assustada com o pronunciamento, ela olhou para a senhora


mais velha maravilhada. Sem saber se ela havia dito que era a
esposa dele ou se ela havia simplesmente assumido, mas por
alguma razão, não a corrigiu.

— Po... por favor, me chame de Lyla, — ofereceu em troca,


gaguejando, mas se segurando, o sorriso caloroso da mulher
fazendo-a se sentir estranha.

— Sim, Lyla, — a mulher mais velha aceitou. — Eu sou Bessie,


e está aqui... — ela apontou para a garota mais nova — ...é Nikki.

Não tenho certeza de qual era a resposta educada para uma


conversa fiada, já que esta era provavelmente a primeira conversa
que ela estava tendo assim, apenas deu a elas um pequeno sorriso.
Parecia estranho em seu rosto, os lados levantando-se
ligeiramente, os músculos não utilizados por tanto tempo. Um
silêncio constrangedor encheu o espaço, antes de Bessie, mulher
abençoada que ela era, olhar para sua rosa, seu sorriso dividindo
suas bochechas.

— Vejo que o Sr. Blackthorne está usando o jardim. Você já


viu?

Lyla balançou a cabeça, e a mulher mais velha, talvez


intuitiva, talvez perceptiva, não fez nenhum comentário sobre sua
falta de reações. Acenou para ela com uma mão, deixando de lado
o aspirador de pó que estava segurando – a fonte do barulho.
Hesitante, Lyla andou para frente, olhando para Nikki que a
encarava com olhos ligeiramente frios como as meninas do
complexo.

— Nós nem sabíamos que ele era casado até alguns dias atrás,
— Bessie continuou falando, chamando sua atenção de volta. —
Estava sempre aqui sozinho, e todos nós apenas pensávamos que
ele era um daqueles solteirões, sabe?

— Quem são todos? — Lyla perguntou, seguindo Bessie


enquanto ela a conduzia para as portas duplas principais da casa.

— Os moradores da vila principalmente. Quando ele comprou


este terreno e começou a construir a casa, deu emprego a muitos
de nós. Eu cuido da casa. Meu marido cuida do gramado, e Nikki
cuida da cozinha.

O jeito calmo e reconfortante de Bessie falar fez Lyla relaxar


um pouco. — Quantas pessoas...?

— Trabalham aqui?
Ela assentiu.

— Por volta de seis, — a mulher mais velha abriu a porta. —


Somos funcionários o dia todo, já que a vila fica a poucos minutos
de distância. À noite, há apenas seguranças no portão principal e
esses foram trazidos de fora pelo Sr. Blackthorne.

Fascinante.

O tipo de homem que ele sempre pareceu, um lobo solitário,


nunca o imaginou tendo pessoas trabalhando com ele. Mas
combinava com ele. Ele estava comandando.

— Ele fica aqui o tempo todo?

O olhar estranho que Bessie deu a ela a fez perceber que havia
escorregado. Se ela fosse sua esposa, ela já saberia disso.
Mordendo a língua quando a vontade de se corrigir demais veio,
ela se virou para olhar para fora e parou. Um longo alpendre
envolvia a casa, escadas que desciam para um caminho. Um lado
do caminho, o lado que descia para o penhasco, estava
completamente pavimentado com cimento, um grande helicóptero
preto de verdade parado ali. Um helicóptero.

Com a boca aberta, ela olhou para o outro lado, grama verde
exuberante começando a cobrir a encosta, seus olhos pousando
em um galpão de vidro um pouco abaixo.

— Essa é a estufa.

Claro que ele tinha uma estufa. Ela não ficaria surpresa se a
próxima porta que ela abrisse levasse a uma sala do trono feita de
ouro.
Surpresa com seu próprio pensamento sarcástico, ela parou,
balançando a cabeça. O sarcasmo não era familiar para ela, mas
se encaixava bem.

— Dr. Manson estará aqui amanhã para vê-la.

Lyla piscou. — Quem é o Dr. Manson?

Bessie deu-lhe um sorriso caloroso enquanto as conduzia para


a estufa. — Tenho certeza de que o Sr. Blackthorne deve ter lhe
contado.

Ele não tinha, mas ela mordeu a língua para não revelar nada.

E foi assim que sua manhã passou. Fazendo um tour pela


estufa enquanto Bessie a apresentava a um senhor mais velho que
trabalhava lá - seu marido - e mostrava a ela onde ficava o limite
da propriedade - bem longe da casa. A propriedade era cercada
com arame farpado, e ela se perguntou por um momento se foi de
onde ele tirou o arame farpado quando estrangulou Dois e Três.

O pensamento sombrio era um bom lembrete de que não


importava quanta finesse ele mostrasse ao mundo, quão
convencidos Bessie e a equipe estavam de que ele era um homem
maravilhoso - ah, ele os enganara - ele ainda era o diabo, e isso
ainda era sua prisão.
Bessie mostrou-lhe onde estava o chá e mostrou-lhe como
operar o tablet para procurar o que quisesse. Sr. Blackthorne é tão
atencioso.

Pois ele era. Pensava em tudo e foi isso que o tornava tão bom.
O pessoal estava comendo em suas mãos, e Nikki queria fodê-lo.
Será que ela o fodeu? O pensamento a deixou inquieta.

Foi o que ela percebeu em um dia estando lá.

E ele tinha um helicóptero de prontidão.

Ainda agarrada a todas as novas informações jogadas no seu


caminho, ela se abalou.

Finalmente sozinha em casa, depois de um dia de


introspecção, mas exaustivo, serviu uma xícara de água em uma
panela e a colocou sobre o fogão para ferver. Bessie havia lhe
mostrado como operar os mostradores, dizendo-lhe que
normalmente Nikki vinha durante o dia e preparava as refeições.

As partes em conflito dentro dela não estavam desistindo. Uma


parte dela queria fugir e nunca mais vê-lo, a parte que estava com
raiva, ferida e traída por ele. A outra parte queria ficar com ele,
estar com ele, encontrar-se realmente com ele, a parte dela que
havia se apaixonado pelo homem ao longo dos anos. Mas será que
ela se apaixonou por ele ou o que ele tinha representado -
segurança, poder e controle, tudo o que ela não tinha tido?

Ela não sabia.

Olhando para o tablet no balcão da cozinha, ela o abriu e


digitou na barra de pesquisa.

Blackthorne.
Obteve milhares de resultados, mas nada que pudesse
realmente achar relevante para ele. Tentou novamente.

Shadow Man

O mesmo. Muito inconclusivo. Ela desistiu.

Olhando para o cursor piscando, ela digitou novamente.

Como parar pensamentos suicidas?

Artigos e mais artigos apareciam na tela, junto com um


número de linha de apoio para o qual ela não podia ligar porque
não tinha telefone. Ela clicou no primeiro artigo e leu lentamente,
sua velocidade abrangente não tão rápida quanto as pessoas
normais.

#1. Converse com seus amigos ou familiares.

Ela largou o tablet, respirando pela boca, os olhos marejando.


Ela não seria fodidamente suicida se tivesse amigos e família em
primeiro lugar. Tudo o que ela possuía era ele, e falar com ele...
nunca tinha realmente conversado com ele. Ela deveria tentar?
Esquecendo o passado, já que esta era sua nova realidade, deveria
tentar sua própria paz de espírito?

Decidindo que ia fazer exatamente isso um dia quando


estivesse pronta, falar com a única pessoa com quem ela pudesse
falar livremente, ela se virou para a água agora fervendo. Piscando
novamente, desligou o gás e abriu a barra de busca novamente.

Como fazer chá?

Seguindo os passos, em poucos minutos, tinha a bebida


fumegante em uma caneca. Adicionando uma colher de açúcar,
aterrorizada por algum motivo, Lyla levou a borda da caneca aos
lábios, tomando um pequeno gole.

E ela se apaixonou.

Ela fez um bom chá.

Uma coisa de cada vez.

Dr. Manson era um homem velho, enrugado, de pele escura,


com olhos afiados, mas calorosos. Ele veio no dia seguinte e
sentou-se na estufa, e Lyla congelou porque não sabia o que fazer.

— Bessie, — o homem mais velho sorriu para a mulher que a


acompanhava. — Você poderia por favor nos trazer um pouco de
chá enquanto eu conheço a adorável Sra. Blackthorne?

— Lyla, — ela automaticamente o corrigiu, e o homem deu um


sorriso gentil, pedindo que ela se sentasse na cadeira na frente
dele. A estufa estava iluminada pelo sol, bonita, e quente o
suficiente no frio para se sentar confortavelmente.

Lyla sentou-se cautelosamente, sem saber o que fazer ou dizer


quando Bessie saiu.

— Sou um psicólogo aposentado, — Dr. Manson quebrou o


silêncio depois de alguns minutos. — Minha esposa e eu nos
mudamos para Bayfjord há muitos anos e, embora eu não veja
mais clientes, o Sr. Blackthorne foi muito persuasivo.
Lyla o encarou por um segundo, mordendo o lábio. — O quê...
o que você faz exatamente?

— Eu ajudo as pessoas a lidar com seus problemas mentais.

Ela sofria com problemas mentais. Ela sabia disso. — Que tipo
de problemas?

Dr. Manson inclinou a cabeça para o lado. — Qualquer tipo


que você queira ajuda. Mas só se quiser minha ajuda. Você quer
minha ajuda, Lyla?

Hesitante, ela assentiu.

O homem mais velho sorriu. — Ótimo. Então saiba que daqui


para frente, tudo o que você me disser ficará entre nós. Mesmo que
o Sr. Blackthorne me empregue, ele não saberá de nada que
discutirmos. Tudo bem, para você?

Era estranho receber tantas perguntas, como se sua escolha


fosse importante. Ela assentiu novamente.

— Ótimo. Então me diga qualquer coisa sobre você.

Respirando fundo, ela começou a gaguejar através de alguns


de seus traumas.

Levou alguns dias para se recuperar dos efeitos posteriores


das drogas. Ela dormia muito, dia e noite, e principalmente ficava
em seu quarto, ou se sentava no deck olhando a vista, a menos
que o Dr. Manson a chamasse para a estufa todas as tardes.
Embora ela não tivesse falado com ele sobre tudo, mesmo falar um
pouco estava lentamente fazendo com que ela se sentisse melhor.
Ela contou a ele sobre o incidente do chá, e ele disse a ela que era
provavelmente um ataque de ansiedade, que provavelmente teria
mais deles aleatoriamente até que ela se curasse gradualmente.
Ele disse a ela para falar com o Sr. Blackthorne também, para
tentar encontrar um meio-termo entre eles, já que ela claramente
se importava com ele.

Exceto que o Sr. Blackthorne estava lhe dando muito espaço.


Ele vinha até ela com bandejas de comida, assegurava-se de que
ela comesse e a deixava sossegada, e por alguma razão ela tanto
apreciava quanto abominava isso.

Aproveitou esse tempo para aceitar o fato de que tinha


realmente feito algo para acabar com sua vida, e no buraco em que
estava, ela não culpava a si mesma. Mas à medida que os dias
passavam e ela passava um tempo sozinha neste belo lugar, de
alguma forma nunca se sentia só porque sabia que ele estava em
algum lugar da casa, também admitiu que não queria ficar naquele
buraco. Ela queria sair dele e ela queria viver. Desejava
experimentar a beleza e sentir-se como se pertencesse a ela. Ela
queria que ele a abraçasse e prometesse que nunca mais se
machucaria. E conhecendo-o, apesar dos últimos seis meses, ela
acreditaria nele porque tinha as evidências dos últimos anos.

Pela primeira vez em poucos dias, ela se aventurou do lado de


fora do quarto para encontrá-lo no sofá vendo TV. Hesitando no
patamar, tentou caminhar até onde ele estava sentado com um
braço musculoso na parte de trás do sofá, o outro segurando o
controle remoto.

Ao vê-la, ele silenciou o som, mas um casal continuou se


beijando na tela.
Fascinada, seus olhos grudados na imagem enquanto ela se
sentava no canto do sofá, observando o homem segurar o rosto da
mulher em suas mãos, gentilmente provocando seus lábios com os
dele enquanto aviões voavam ao fundo.

Garganta seca, ela perguntou. — O que você está assistindo?

— Um filme romântico.

A resposta, vindo dele de todas as pessoas, parecia tão ridícula


que uma bolha de riso saiu de sua garganta, o som estrangulado
pela metade quando ela o reconheceu.

Sua mão foi para seu pescoço, seus olhos voando para ele,
apenas para seu corpo congelar quando ela viu a intensidade de
seu olhar sobre ela.

— Eu... ri, — ela murmurou, ainda atordoada.

— Faça isso novamente.

— O quê?

— Quero ouvir de novo.

Era ridículo. — Eu não posso fazer isso de novo.

Antes que ela pudesse piscar, ela estava deitada de costas no


sofá e ele estava pairando sobre ela, uma de suas mãos prendendo
seus pulsos acima de sua cabeça, a outra em suas costelas.
Coração batendo, ela engasgou. — O que você está fazendo?

— Fazendo você rir de novo. — Com isso, ele começou a


cutucar o lado de suas costelas em movimentos rápidos que a
fizeram gritar e lutar para se afastar dele, sensações zumbindo em
sua pele.

Ele estava fazendo cócegas nela. O temido Shadow Man estava


fazendo cócegas nela.

O pensamento em si era tão ridículo, somado ao movimento


de seus dedos, que ela começou a rir. — Pare, pare, pare, por favor!
— Ela implorou entre gargalhadas, tentando se afastar de sua
mão, mas incapaz de segurar, lágrimas escorrendo pelo rosto com
a intensidade de sua liberação, uma alta como nunca zumbindo
em sua cabeça.

Depois de longos momentos, ele parou, sua mão imóvel,


ambas as mãos vindo para a lateral de sua cabeça, prendendo-a
no meio enquanto ela recuperava o fôlego. Seus olhos hipnóticos
giraram com algo quente, seu rosto a centímetros do dela enquanto
ela olhava para ele, seus olhos piscando para seus lábios.

Ela se lembrou de uma vez pensando em seu beijo, pensando


em quão íntimo ela queria que fosse. Seu coração ainda estava
ferido.

A lembrança a deixou séria.

— Você me magoou, — ela sussurrou entre eles, seus olhos


marejando.

Ele apoiou seu peso em um braço, movendo seu cabelo curto


para trás de suas bochechas molhadas com o outro.

— Eu sei.

Uma exalação a deixou no reconhecimento dele, em saber que


ela era válida em sentir como ela se sentia e ele aceitou isso. Ele
simplesmente traçou suas lágrimas com o polegar por um longo
momento enquanto ela o observava, seus olhos nos olhos dela, seu
peso em seu corpo, e sentiu algo se abrindo timidamente dentro
dela.

— Eles me quebraram.

As palavras a deixaram, e seu polegar veio para seu lábio


inferior trêmulo, firmando-o, seus olhos intensos nos dela.

— E eles vão pagar.

As palavras, as palavras exatas, ele disse a ela antes de colocar


fogo no homem que a drogou. A promessa de vingança e
retribuição que ela sabia que ele cumpriria, porque sempre o fez.
Embora ele a tivesse deixado nos últimos meses, ele esteve lá ao
longo dos anos, e facções dentro dela guerreavam lembrando de
ambos. Parecia muito tempo atrás e parecia que foi ontem.

Levando a sério sua promessa sombria, ela colocou os braços


ao redor de seu peso sólido sobre ela, e pressionou o rosto em seu
pescoço, respirando-o, seu corpo, sua mente, sua alma doendo
com a fome de simplesmente tocar outra e se sentir segura. Ela
ainda não estava totalmente curada, mas um pouco mais do que
de manhã. Talvez ela nunca fosse inteira. Mas talvez, um dia não
estaria tão quebrada também. E isso por si só lhe deu alguma
esperança.

Uma coisa de cada vez.


Capítulo Quatorze

Lyla

Dr. Manson estava lentamente se tornando sua pessoa


favorita. Ele tinha um senso de humor estranho, que levou um
tempo para ela entender, mas ele era gentil, caloroso e genuíno, e
enquanto falava lentamente com ele, ela se sentia abrindo mais e
mais, mesmo que não tivesse arranhado a superfície de seu
passado com ele. Ele sabia que ela havia sido estuprada e ele sabia
que ela tentou se matar, mas além disso, nem sabia como explicar
para um estranho. No entanto, com o que ele sabia, ele a estava
ajudando.

Estava escuro lá fora, quase meia-noite, e ela estava assistindo


TV na casa silenciosa — depois de procurar “melhores filmes para
assistir pela primeira vez” — quando a porta principal se abriu.
Levantando-se de sua posição caída e relaxada no sofá, o coração
batendo forte, ela pressionou pausa no controle remoto.

Fazia alguns dias desde que ela o viu, dias desde que ele disse
a ela que havia algo muito importante que ele tinha que fazer, e a
deixou com a promessa de que voltaria. Ela esperava se sentir
abandonada novamente, mas por alguma razão, vivendo nesta
casa, entrando em uma rotina, conversando com Bessie e Dr.
Manson, encontrando-se, ela não se sentiu descartada. Ela se
sentiu cuidada, porque a casa, os funcionários, o médico, ele
tornara tudo possível para ela. Mesmo em sua ausência, ele
garantiu que ela seria cuidada.
E ela sentia falta dele.

Sentia falta de seus olhos aquecidos e loucos, seus pequenos


bilhetes e suas rosas, sua presença silenciosa e sólida. Ela sabia
desde o tempo que passou observando-o que ele gostava de assistir
filmes de drama e românticos porque as emoções o fascinavam, e
thrillers porque ele gostava de saber as respostas antes de
qualquer um na tela. Ela sabia que ele tinha reuniões à tarde que
participava em seu laptop enquanto ela se encontrava com o Dr.
Manson, e sabia que ele gostava de malhar todas as manhãs ao
raiar do dia. Ela sabia que ele gostava de ouvir sua voz, e gostava
que ela estivesse explorando cada vez mais a si mesma.

Ele entrou, vestindo um moletom com capuz, jeans e botas,


seus olhos incompatíveis e hipnotizantes encontrando os dela. Seu
olhar vagou sobre ela, verificando-a fisicamente para ver se tudo
estava certo, encontrando-a em sua camiseta. Por um momento,
ela viu algo como satisfação cruzar seus olhos antes que seu rosto
ficasse neutro novamente. Ela levou alguns dias morando com ele
para perceber que não era algo que ele fazia de propósito esconder
sua expressão – isso era natural para ele. Tinha visto a maneira
como ele colocava máscaras ao lidar com a equipe, fingindo
expressões que ela sabia que ele não sentia, e percebeu que o
preferia do jeito que ele era com ela - real e sem fingimento.

Mordendo o lábio, sem saber o que dizer, embora quisesse


dizer tanto, perguntou a primeira coisa que lhe veio à mente. —
Por que você tem um helicóptero?

Ele se virou para trancar a porta. — Eu gosto de voar.

— Foi assim que você me trouxe aqui?

Seus lábios se contraíram com a lembrança disso. — Sim.


Lyla tentou se lembrar de qualquer coisa sobre sua
transferência, mas era tudo um vazio gigante.

— Eu preciso tomar um banho, então se você quiser


conversar... — ele deixou as palavras no rastro e foi direto para
onde eram os quartos. Ela se mexeu e seguiu, desligando a TV
atrás dela. O filme não tinha sido muito envolvente. Talvez ela
precisasse encontrar outra lista.

Ele desceu as escadas baixas para a área de caverna e virou à


esquerda para onde estava o quarto de hóspedes. Lyla mordeu o
lábio e seguiu, curiosa e cautelosa. O pequeno corredor dava para
um quarto menor que o dela, mas ainda bem espaçoso, com uma
janela com vista para o mar e outra porta que dava para o
banheiro.

Ele jogou a bolsa na cama, tirou as luvas de couro que


escondiam as mãos queimadas e tirou o moletom, expondo as
costas largas e sem marcas esculpidas com músculos para ela.
Virando-se, ele a deixou olhar seu peito e torso, seu abdômen não
saliente, mas liso, um rastro de cabelo descendo até suas calças.

Pela primeira vez em meses, a excitação percorreu suas veias,


e ela percebeu que, embora sua fisicalidade pudesse tê-la
induzido, era por ele que ela estava excitada. Sempre foi ele.

Seus mamilos formigaram, imaginando como seria o peito dele


esfregando-se contra o dela, imaginando se seus braços a
prenderiam do mundo ou a segurariam para seu prazer,
imaginando se ele olharia para a alma dela enquanto a reivindicava
ou se ele o faria sugá-lo através de seus lábios.

Havia algo de errado com ela, porque depois de tudo que ela
passou, a ideia de estar com um homem, qualquer homem, estar
à sua mercê e seu controle, deveria tê-la deixado enjoada. Isso a
deixava enjoada quando ela tentava pensar em outra pessoa. Ele
não. Ela queria estar debaixo dele, lutando enquanto a segurava
imóvel, enquanto tomava o que queria, a devastava como queria.
Deveria tê-la deixado doente, mas o pensamento acendeu um fogo
dentro dela.

Alheio ao redemoinho, ele se sentou na cama e desamarrou


suas botas em movimentos rápidos, seus dedos firmes e fortes,
atraindo seus olhos, fazendo-a imaginar como eles se sentiriam
puxando seus mamilos, dentro dela, esticando-a aberta, dando-a
uma contusão com seu aperto enquanto ele a seguraria, fazendo-
a se render a ele.

O que havia de errado com ela?

Ela teve fantasias ocasionais com ele, mas nada tão intenso,
nada tão... faminto.

Finalmente terminou com as botas, ele se levantou e


empurrou as calças para baixo, expondo todo o seu corpo nu para
ela pela primeira vez e ela congelou.

Não porque estivesse nu, embora tivesse um corpo incrível.


Não porque ele estava duro, embora o tamanho dele fosse de tirar
o fôlego. Não porque ele estava deixando-a olhar, e sua confiança
era excitante.

Não, foi porque ao longo do cume e no topo de seu pau enorme,


ele era perfurado. Ela nunca tinha visto, em toda a sua
experiência, visto um pênis perfurado muito menos experiente. E
ele não era apenas perfurado, ele foi perfurado - a parte de baixo,
a coroa e a crista superior.

O quê. O. Inferno...?
Ele se moveu para o banheiro sem dizer uma palavra, e
atordoada, em estado de choque, ela o seguiu. Era um espaço
menor do que o banheiro principal que ela usava, sem banheira e
apenas um chuveiro.

Lyla olhou para as bochechas de sua bunda, esculpidas e


duras, enquanto ele ligava o spray e entrava nele. A água escorria
por suas costas, sua bunda, suas coxas e panturrilhas
musculosas antes de rodar no ralo. Ele pegou um pouco de xampu
e enxaguou bem o cabelo escuro, em movimentos simples que de
alguma forma pareciam tão bons que ela queria senti-lo lavando-
a. Agarrando o balcão atrás dela, ela observou enquanto ele
limpava, finalmente se virando para que ela pudesse ver sua forma
frontal completa.

Seu pau duro, enorme e perfurado balançou com o


movimento, e a saliva encheu sua boca. Uma pequena parte dela
estava enojada por sua própria luxúria, lembrando o quanto ela
odiava o apêndice em sua boca. Mas ela queria o dele, queria ver
como ela o sentiria, qual seria o gosto dele, até onde ele iria com
aquela joia de titânio.

Sua mão grande e queimada envolveu seu pênis, de repente,


fazendo-a perceber o quão grosso era também. Ele a despedaçaria,
e foderia se ela não quisesse. Anos de atração, jogando o empurra
e puxa, de fantasias que ela teve com ele, culminaram em sua
mente.

Espontaneamente, espelhando seu movimento, uma de suas


mãos foi para o seio dolorido, apertando seu mamilo para
encontrar algum alívio.

— Mão para baixo.


O comando feito naquele tom profundo e mais baixo arrasou
seu corpo com um calafrio. Engolindo em seco, ela ficou onde
estava, sem entender o que ele queria dizer.

— Você quer me ver fazer isso? — ele perguntou, puxando seu


pau, e seus olhos se encontraram com os dele. Ela assentiu. —
Então, não se toque. Suba no balcão.

Ela obedeceu, pulando para trás. O granito estava frio contra


seu corpo aquecido, a pia pressionando suas costas enquanto ela
esperava que ele lhe dissesse o que fazer.

Sua mão se moveu preguiçosamente em seu pênis, seus olhos


hipnóticos de duas cores firmes nos dela.

— Abra suas pernas.

Ela estava vestindo a camiseta dele – a que ela basicamente


roubou dele – e shorts de seda que ela colocou depois do jantar.
Coração acelerado, mamilos tão apertados que ela podia sentir o
peso em seus seios, ela abriu as pernas, sabendo que estava
molhada e sabendo que ele podia ver um ponto úmido se
espalhando no tecido.

Sua mão começou a se mover mais rápido sobre seu pênis, a


outra pressionada na parede ao seu lado, os olhos entre as pernas
dela, para os mamilos, para os lábios, para os olhos novamente.

Seu peito arfava enquanto ela o observava se masturbar, sua


mão subindo e descendo em um movimento de torção. Seu peito
se moveu mais rapidamente também, seu olho claro quase
combinando com o outro com sua pupila dilatada, seus quadris
sacudindo no movimento natural do sexo.
— Diga meu nome, — ele ordenou a ela, e ela de repente
piscou.

— Não sei seu nome. — Era tão ridículo depois de tudo que
eles passaram.

Suas mãos pararam em suas palavras, seus olhares travados


enquanto ela prendeu a respiração.

— Dainn.

Dainn. Dainn Blackthorne.

Ela sabia o nome dele.

Ela se lembrou de algo que ele lhe disse uma vez. — Esse é o
nome que você recebeu no orfanato em que estava?

Ela podia dizer que ele estava satisfeito por ela se lembrar.

— Sim. — Sua mão começou a se mover novamente. — O velho


zelador me deu o nome da morte, então eu dei a ele.

Uma exalação a deixou. Dainn. Morte. Encaixava também.

— Dainn.

Um som baixo, quase um rosnado, o deixou. A reação enviou


um arrepio por seu corpo, fundindo-se com o calor, elevando-o a
outro grau.

— Dainn, — ela disse novamente, sua voz ofegante, lembrando


o efeito que ele disse que sua voz tinha sobre ele. Impulsionada
com uma súbita sensação de poder, ela abriu as pernas um pouco
mais. — Você pode me provar em sua língua, Dainn?
Sua respiração ficou mais agitada, sua mão quase puxando
seu pau com raiva agora, as veias em seu pescoço começando a
inchar. Nunca, ela nunca tinha visto um homem mais poderoso e
mais selvagem ao mesmo tempo, e a visão dele assim, sabendo que
ela estava recebendo lados dele que ele não mostrava a todos, a
deixou mais inebriante.

Um jorro de umidade a deixou, todos os seus sentidos


despertados e provocados ao máximo. Ela agarrou o balcão ao seu
lado para manter as mãos no lugar, sabendo que ele pararia se ela
se tocasse. Ela não aguentaria, não por muito tempo. Ela não
sentia prazer há tanto tempo. — Dainn, por favor.

Em segundos, com outro som baixo, ele gozou, fios de seu


esperma lavados no chuveiro e descendo pelo ralo. Ela assistiu a
tudo, querendo tocar seus próprios seios, empurrar dois dedos
dentro de si tanto que ela tremeu com isso, a mancha molhada em
seu short ficando mais molhada.

Momentos depois, uma vez que ele recuperou o fôlego, seus


olhos se abriram e encontraram os dela. Como um gato da selva,
elegante e mortal, ele pegou uma toalha e a enrolou na cintura,
vindo em direção a ela.

— Você quer que eu te toque?

Ela assentiu vigorosamente.

Mais uma vez, um sorriso malicioso surgiu. — Eu não vou


tocar em você, e você também não vai se tocar. Deixe assim.

Que porra? Ela ia explodir.

— Ainda confia em mim? — ele perguntou, seu olhar


penetrante.
Ela se lembrou da pergunta que ele havia feito antes quando
ela foi drogada, uma palavra que os unia desde o dia em que se
conheceram. Ela fez uma pausa, pensando sobre isso. Ela ainda
confiava nele? Sim e não.

O silêncio dela lhe respondeu o suficiente.

Seu olhar se intensificou. — Bom o suficiente por enquanto.


Você sabe onde eu estive nos últimos dias?

Ela balançou a cabeça, seus braços tremendo com a


necessidade destruindo seu corpo. Seus braços descansaram ao
lado dela no balcão, prendendo-a sem tocá-la.

— Encontrei um dos três.

Seu coração parou.

Ela sabia, imediatamente soube, do que ele estava falando. Um


dos três homens que a haviam abusado.

Sua excitação começou a fervilhar com as memórias.

Uma de suas mãos agarrou sua mandíbula, enraizando-a no


presente. — Eu acabei com ele. — Seu nariz encontrou o nariz
dela, roçando-o uma vez em um gesto tão suave que ela queria que
ele o fizesse de novo imediatamente. — Cortei as mãos dele... — o
nariz dele desceu pelo pescoço dela — ...em seguida, a língua
dele... — pelos seios dela, a respiração dele em seus mamilos
rígidos — ...em seguida, o pauzinho dele.

Todas as partes que a haviam tocado.

Ela olhou para a parte de trás de sua cabeça, seu cabelo


escuro molhado, e sentiu sua garganta apertar. Algo floresceu
dentro dela, desfraldado, devagar, hesitante, aterrorizada de ser
ferida novamente, ser abandonada novamente, mas ainda
encontrando esperança. Maldita esperança.

— Foi o careca ou um dos outros dois? — ela perguntou, sua


voz falhando, e o viu se afastar.

Seus olhos se encontraram com os dela. — Aquele que tinha a


câmera.

Seu corpo estremeceu com as mensagens confusas que seu


cérebro estava enviando para ele, oscilando entre excitação,
tristeza, raiva, dor e excitação novamente enquanto as palavras
dele penetraram lentamente em sua mente.

— Você viu, — ela sussurrou, horrorizada, humilhada.

Ele se colocou entre suas pernas, sua mão inclinando sua


mandíbula e seu polegar traçando sua boca em um movimento que
ela reconheceu instintivamente como sendo dele.

— Cada. Maldito. Segundo. — Seu polegar descansou em seu


lábio inferior, seus olhos intensos nos dela, seu corpo pressionado
contra o dela, tudo nele feroz, poderoso e tão escuro que ela queria
tudo para si mesma. — Você não passou por nada disso sozinha.

De alguma forma, saber que ele tinha visto, que ele tinha
experimentado com ela a fez se sentir um pouco menos perdida.
Sabendo que ele a viu ser usada e descartada, e sabendo que ele
ainda a queria, fez algo em seu peito apertar de uma forma que
seu coração floresceu. Ele a viu no seu pior, testemunhou como
eles a quebraram, a encontrou nas garras da morte, e de alguma
forma, ainda achou que valia a pena salvá-la. Mesmo depois de
tudo isso, ele a trouxe para sua casa e deu a ela um espaço seguro
para se curar.
Algo em seu coração fragmentado se suavizou.

Eles se olharam por um longo e silencioso momento.

— Eu sou sua. — Estava afundando, realmente afundando, o


quanto ela era dele. Um homem não testemunhava o que ele fazia
todos os dias por ela sem motivo. Ele pode não sentir emoções
como ele disse, mas havia algo sólido, tangível, inquebrável entre
eles, e ambos sabiam disso.

Seu nariz roçou o dela novamente. — Toda minha.

Ela podia identificar o momento em que o curso de sua vida


mudou seis anos atrás. E sentada ali na bancada, seis anos depois
com o mesmo homem, com pequenas lascas de segredos e silêncio,
ela sabia que o curso de sua vida estava mudando novamente.
Capítulo Quinze

Lyla

Os próximos dias se passaram em adaptação à sua nova vida


além do quarto.

Acordar com a vista das belas montanhas de um lado e o mar


do outro a emocionava todos os dias. Assim como encontrar uma
rosa vermelha fresca e pequenos bilhetes em sua mesa de
cabeceira. Anotações que provocavam nela diferentes reações.

O "eu consegui os piercings para você" deixou-a sem fôlego. O


"Você sabia que roncava?" a fez franzir a testa. O "Gostei do vestido
que você usou ontem" a deixou com as bochechas quentes. E assim
por diante. Pequenos bilhetes, todos os dias.

Ela gostava dos longos banhos que tomava, evitando a


banheira principalmente por causa das lembranças que associava
a estar em uma banheira. Ela começou a usar seu tablet para tudo.
Desde pesquisar “quanto tempo devo cozinhar macarrão” para “é
normal que vítimas de estupro queiram fazer sexo novamente” para
“melhor programa de TV para comer?” E as respostas que ela não
encontrou, ela perguntou ao Dr. Manson, que disse a ela que sim,
estava tudo bem para os sobreviventes quererem intimidade
novamente.

As buscas ficaram variadas, e a vida ganhou uma nova rotina.


Ela tentou coisas diferentes e descobriu que não tinha talento para
pintar, não gostava de ficar online por mais de alguns minutos e
não gostava de fazer joias. O que ela gostava era de cozinhar — ou
melhor, aprender e experimentar — e ler, embora fosse uma leitora
lenta. E também não era um livro físico da biblioteca que ela estava
gostando de ler, mas um que encontrou online e pediu que Bessie
a ajudasse a comprar. Tinha aparecido em sua busca quando ela
procurou por "romance de heroína estuprada". Ela estava cética de
que não haveria muitos, mas surpreendentemente, e
tragicamente, havia. Parecia que ser coagida era mais comum do
que ela pensava, mesmo no mundo exterior.

O livro que ela estava lendo tratava de uma mulher normal


que havia sido estuprada em uma festa, suas lutas e como ela se
apaixonou novamente por um homem maravilhoso. Partes disso,
Lyla poderia se identificar. Essas partes - sentir-se suja, odiar seu
corpo, estar deprimida - a fizeram se sentir vista, reconhecida,
como se alguém tivesse chegado dentro dela e lhe dissesse que não
havia problema em se sentir do jeito que ela se sentia. Mas outras
partes – principalmente onde a heroína estava se apaixonando por
um homem gentil e carinhoso que lhe dizia o quanto a amava e
quão bonita ela era a cada duas páginas – ela não conseguia se
identificar.

Ela largou o tablet, olhando para o mar, imaginando como


seria. Imaginou um homem bonito, não violento e gentil, imaginou-
o dando-lhe beijos suaves, imaginou-se dormindo com ele pelo
resto de sua vida... e não sentiu nada. Quanto mais ela estava
aprendendo sobre si mesma, mais estava entendendo que o amor
nos filmes que ela assistia com ele não era algo que ela jamais
entenderia.

A cena em sua mente mudou. Ela se imaginou correndo no


escuro, sendo pega por um homem que era a escuridão, dizendo-
lhe que ela era dele enquanto a reivindicava, fazendo-a se sentir
segura, protegida e inalcançável para quaisquer outros monstros.
Ela não precisava de um bom homem dizendo que a amava;
precisava de um diabo sombrio para dizer a ela que era dele.

E talvez Dainn fosse o homem. Talvez ele não fosse.

Ela balançou a cabeça. Quem diabos ela estava enganando?


Ela sabia que ele era o homem para ela, sabia há muitos anos. Ela
foi treinada por seu cérebro para acreditar nisso? Provavelmente.
Era “saudável” como ela havia lido nos artigos? Provavelmente não.
Mas, novamente, como o Dr. Manson a lembrou, a definição de
saudável de outras pessoas não poderia ser a dela. Suas
experiências eram diferentes, seu passado era diferente, e o que
quer que a fizesse crescer e se curar era saudável para ela. Toda a
informação que ela vinha consumindo ao longo dos dias estava
simplesmente fazendo-a pensar – pensar, para que ela pudesse
seguir diferentes direções de pensamento e decidir por si mesma
com o que concordava e com o que não concordava. Ela estava se
descobrindo, lenta, mas seguramente, e isso era tudo o que podia
fazer. A faca no balcão ainda parecia convidativa às vezes, mas ela
estava trabalhando nela.

Levantando-se da poltrona confortável e felpuda do escritório,


foi até a mesa e pegou o caderninho que havia reivindicado para si
mesma, abrindo-o na última anotação.

Cozinhe macarrão para o jantar.

Um passo de cada vez.

Isso é o que ela começou a fazer por sugestão do Dr. Manson.


Todas as manhãs, ela escrevia uma tarefa para ela mesma a ser
feita naquele dia, e ao longo do dia ela se concentrava nela. Tinha
lido sobre isso em um dos artigos mais úteis sobre como prevenir
pensamentos suicidas também, e isso a estava centrando mais.
Agora, toda vez que tinha um pensamento, ela abria o caderno e
verificava o que tinha que fazer naquele dia e, eventualmente, o
pensamento passava.

Verificando a hora, vendo que o sol já estava se pondo, ela foi


para a cozinha, o único lugar da casa que ela estava lentamente
tomando seu domínio. Embora ela ainda não fosse uma
especialista, estava experimentando cada vez mais, procurando
receitas online, vendo vídeos sobre como cortar um vegetal ou
fatiar o frango, e estava se tornando cada vez mais confiante sobre
as coisas simples e básicas. Mas só ela havia provado sua comida,
e era a primeira vez que planejava fazer uma refeição completa.

Dainn - ela ainda estava se acostumando a chamá-lo assim,


tanto por dentro como por fora - não voltaria para casa até tarde
da noite. Eles tinham começado a compartilhar refeições juntos,
mas se ele estava fora, ela geralmente comia e ia para a cama,
principalmente porque tinha começado a acordar ao amanhecer
para simplesmente aproveitar o nascer do sol no deck todas as
manhãs. Quando ela jantava assistindo TV naquelas noites, ela já
estava caindo sono. Ontem à noite, ela havia adormecido no sofá,
só para acordar quando ele a pegou e a levou para a cama, a
aconchegou e a deixou dormindo.

Ela o queria de volta ao quarto principal. Ela queria ter sexo


com ele, sim, mas também queria mais, muito mais. Ela queria
adormecer em seus braços e acordar neles, queria falar com ele no
escuro da noite e memorizar suas palavras durante o dia, queria
encontrar seu olhar hipnótico e intenso sobre ela pela manhã e
dar-lhe as reações que ele queria. Ela queria tudo isso com ele. E
talvez ela fosse tola - mais do que provável - mas o desejo de tê-lo,
de abraçá-lo, de agarrá-lo era uma fome constante sob sua pele.

Ela queria pertencer.

Então, começou a trabalhar.


Colocando seu tablet em um suporte no canto da cozinha,
colocou um vídeo tutorial, apesar de ter praticado a realização
dele, e trouxe para fora a grande panela. Colocando a água
fervente, ela abriu a geladeira e trouxe para fora os ovos, tomates,
queijo e manteiga.

Sabendo o que ela sabia sobre ele ser Shadow Man, não
esperava que ele voltasse cedo, mas estava disposta a sentar e
esperar por ele. Ela queria perguntar a ele o que mais ele fazia e
como ele tinha toda essa riqueza, perguntar a ele por que ele se
tornou o Shadow Man em primeiro lugar, perguntar sobre qual era
seu grande plano sobre o qual ele havia falado uma vez. Mas ele
era fechado sobre esses assuntos, então ela o deixara, por
enquanto.

Vendo o vídeo e seguindo os passos, ela se perdeu no


movimento de criar algo. Isso acalmou algo dentro de si, apenas o
simples ato de cozinhar algo a partir do zero, e excitou algo dentro
dela, apenas sabendo que ela faria alguém além de si mesma
comê-lo.

— Lyla.

A voz atrás dela a fez virar. Nikki estava colocando seu casaco,
ainda distante dela. — Você precisa de alguma coisa antes de eu
sair?

Lyla nem sabia que ela estava na casa. Ela balançou a cabeça,
tendo aprendido algumas maneiras básicas. — Não, obrigada.
Tenha uma boa noite.

Um sorriso iluminou os lábios da outra garota. — Oh, eu vou.

Ok. Isso era estranho.


— Ah, e faça o que fizer, por favor, não entre na estufa esta
noite. — Nikki disse em seu caminho. — Há uma tempestade
chegando.

Havia algo estranho na maneira como a garota disse isso. Um


peso que não estava lá há dias se instalou em seu estômago. Seu
humor diminuiu, ela silenciosamente cozinhou sua refeição, o
cheiro fazendo sua boca salivar. Ela colocou as porções em dois
pratos e os deixou no forno para mantê-los aquecidos, colocando
o resto em uma tigela que ela colocou no forno também. Então,
limpou todas as panelas e frigideiras que usou, deixando-as de
lado para secar.

Depois, com tudo feito, ela foi até o closet, vestiu umas
leggings quentes e um suéter, enfiou os pés nos tênis e saiu pela
porta principal.

O vento frio atacou seu rosto enquanto ela olhava para o céu
escuro. A lua e as estrelas estavam escondidas atrás de nuvens
espessas, e o helicóptero estava no heliporto, coberto por algo que
ela não conseguia ver muito bem. O jardim do outro lado também
estava escuro, tudo exceto a estufa com uma luz acesa.

Não podia ver nada desde que as plantas cobriam o vidro.


Puxando as mangas de seu suéter sobre os pulsos, caminhou
rapidamente para a estufa, precisando saber por que a outra
mulher lhe dissera para não ir lá.

O chão era relativamente plano no penhasco, apenas um


declive suave, e ela o cobriu em minutos, chegando lentamente à
porta principal que estava aberta.

Seu corpo congelou.


Nikki estava nua na frente da longa mesa, suas mãos
segurando a camisa de Dainn, as mãos dele em sua cintura.

Gelo encheu suas veias quando ela viu a visão, suas poucas
semanas de relativa felicidade quebrando quando ela percebeu que
foi descartada novamente. Ele não a tocou em todos os dias que a
teve sob seu teto, e isso era porque ele já tinha alguém. E Nikki a
odiou à primeira vista porque ela estava com ele.

Deus, ela era uma idiota.

Os olhos de Nikki vieram para ela, triunfo brilhando neles, e


Lyla exalou pela boca, incapaz de controlar o ardor em seus olhos.

De repente, seu pescoço virou, seus olhos diabólicos


encontrando os dela.

Mentiras. Isso é tudo que eles disseram a ela. Mentiras.

Ela estava feita. Ele poderia comer a porra do macarrão com


Nikki e rir de suas débeis tentativas.

Foda-se ele.

Com esse pensamento, ela se virou e correu pela colina abaixo,


sem saber para onde estava indo, o único pensamento em sua
mente era o de fugir. Lágrimas correram pelo seu rosto, e ela sabia
que sua reação não era justificada. Ele nunca lhe havia dito que
era dela, apenas que ela era dele. Ele nunca havia dito a ela que
não havia estado com outras, assim como ela havia estado com
outras pessoas. A única diferença, e a que mais doía, era que ela
nunca tinha tido escolha e ele sempre a tinha tido. E por um
momento, havia acreditado que ele a havia escolhido, mas ele não
tinha.
O plano. Ela fazia parte do plano dele, e ele só lhe dava o
suficiente para mantê-la disposta e sob a ilusão de ser feliz.

Idiota, idiota, idiota.

Não, ela chegaria à aldeia de alguma forma, e pegaria carona


em algum lugar, em qualquer lugar, longe de todo o tumulto
emocional.

À medida que seus pés ganhavam velocidade descendo, seus


pulmões e pernas queimando devido ao esforço a que não estava
acostumada, algo pesado a atacou pelas costas.

Um grito deixou sua garganta enquanto ela descia, pensando


que era um animal selvagem, e qualquer que fosse o peso nas
costas dela, torcia no último minuto para poupá-la do peso da
queda.

Com o coração batendo nas orelhas, ela prendeu o fôlego,


lutando para se libertar do peso que estava debaixo dela, antes de
repentinamente encontrar suas mãos trancadas atrás das costas,
sua mandíbula presa em um aperto apertado, e seus olhos
trancados com os do diabo.

— Que porra é essa, Lyla?

O tom de sua voz a deixou imóvel, o fato de que ele a chamou


de “Lyla” - quando sempre foi “flamma” - fazendo-a perceber que
ele estava chateado. E ele nunca estava chateado, não com ela pelo
menos.

Os trovões trovejaram no céu, levando-a de volta à primeira


vez que se encontraram no escuro, sozinhos na floresta, com a
chegada de uma tempestade. Aquele momento havia mudado sua
vida, e ela olhou para ele, tudo o que ela vinha segurando há
semanas, meses, anos, desmoronou dentro dela.

Cada vez que ela se machucou, cada vez que foi degradada,
cada vez que esperava que algo apenas acontecesse, cada vez que
olhou para o teto contando rachaduras, cada vez que chorou até
adormecer, cada vez que lhe deu um pedaço de si mesma apenas
para se sentir descartada, cada vez que perdeu partes de si mesma
até não saber mais quem era.

Sozinha. O. Tempo. Todo.

Caiu, desmoronou, esmagou dentro dela.

Ela quebrou.

Ela sentiu seus ombros tremerem, seu queixo tremendo, as


velhas lágrimas em seu rosto se juntaram a outras, e ela inclinou
a cabeça para trás, gritando sua dor para o céu.

E parecia glorioso.

Ela gritou, gritou e gritou até sua garganta ficar em carne viva,
chorando e se debatendo, por minutos e horas que ela não sabia.
Ela chorou e chorou até não poder mais, até que sua respiração
ficou curta e ela começou a soluçar.

O buraco negro se abriu mais dentro de sua mente, pedindo


que ela caísse nele novamente. Não doeu quando ela entrou no
buraco negro, ela não sentiu a dor rasgando-a quando foi
consumida. Lentamente se sentiu sucumbir, querendo a
dormência que isso lhe trouxe, mesmo que apenas por um tempo.

— Shh. Está tudo bem, flama. Está bem. Shh. Você está
segura.
Palavras penetraram em sua consciência, uma litania de
palavras ditas direto em seus ouvidos, puxando-a para longe do
buraco negro.

Ela resistiu, mantendo os olhos fechados, querendo a


dormência.

— Minha linda menina, — a voz continuou sussurrando,


sedutora em seu chamado, sedutora em sua atração para trazê-la
de volta. — Tão suave, tão vulnerável, tão magoada. Você está
machucada, não está?

Ela estava. Doía e não sabia como curar. Pensou que tinha
melhorado, mas tinha sido uma ilusão. Será que ela iria melhorar?
Será que nunca iria parar de doer?

— Vou colocar fogo no mundo inteiro antes de deixar qualquer


coisa te machucar novamente.

A promessa sombria cheia de violência fez o buraco negro dar


um passo para trás.

— Dê-me seus olhos, flamma. Eu quero ver o fogo neles.


Mostre-me eles.

As duas forças guerrearam dentro dela, o buraco negro


puxando-a para o esquecimento e o diabo segurando-a com força,
recusando-se a soltá-la.

E de repente, suas mãos estavam livres.

Isso fez seus olhos se abrirem, a súbita perda do toque que a


estava ancorando a desequilibrando.
Ela piscou quando ele se levantou. Inclinando-se para pegá-la
em seus braços e aconchegá-la perto, ele começou a carregá-la de
volta na direção da casa.

Abalada de qualquer estado mental em que ela havia entrado,


soluçava ocasionalmente, lentamente deixando sua mente voltar à
realidade, incapaz de entender suas emoções exacerbadas ou sua
reação exagerada. E ela havia exagerado, não? Ela o encontrou
completamente vestido com uma mulher nua e fez a primeira coisa
que lhe veio à mente – fugir. Ela não lhe deu o benefício da dúvida,
não esperou calmamente para deixá-lo explicar exatamente o que
estava acontecendo, nem mesmo ficou para deixá-lo falar uma
palavra.

E então gritou como uma bruxa e começou a ter um colapso


mental no meio do nada.

Ela estava indo tão bem, muito melhor. Simplesmente não


entendia.

Envergonhada por ele ter testemunhado algo assim


novamente, testemunhado o quão quebrada e imperfeita ela era,
escondeu o rosto em seu pescoço, seu corpo tremendo no rescaldo.

A caminhada de volta aconteceu em completo silêncio, e ela


aproveitou o tempo para estabilizar sua frequência cardíaca.

Eles emergiram perto da estufa quando gotas frias e gordas de


chuva começaram a cair.

— Segure firme, — ele a instruiu antes de repente a virar para


que ela ficasse por cima do ombro. O mundo virou de cabeça para
baixo, ela segurou sua jaqueta enquanto ele corria de volta para a
casa, a chuva torrencial encharcando os dois em segundos.
Ele não parou sob a varanda, simplesmente abrindo a porta e
carregando-a para dentro, até o banheiro principal.

Lentamente, colocando-a no chão, ele empurrou o cabelo


molhado de seu rosto, olhando para ela com uma suavidade que
ela nunca tinha visto nele.

— Tire a roupa.

A instrução veio logo após ele se afastar, deixando-a sozinha


no banheiro.

Confusa, ela fez o que ele pediu, deixando cair as roupas


molhadas em um canto do chão, antes de tomar uma respiração
trêmula e jogar água no rosto.

Parece que ambos sugavam as emoções, ela com o excesso e


ele com a falta. E ela devia preencher a lacuna, ou pelo menos
tentar, para que algo como aconteceu esta noite não acontecesse
novamente. Embora, provavelmente aconteceria. Dr. Manson
tinha avisado que poderia, mas ela caiu em uma sensação de
segurança, e isso a pegou desprevenida. Ela podia esperar que não
fosse com tanta frequência, porque se sentia em carne viva, suas
feridas que estavam se fechando abertas novamente. E toda vez
que isso acontecia, ela teria que começar do zero para tentar juntá-
las, cada vez tornando a cicatriz mais profunda e pior.

Saindo nua para o quarto, ela se viu vestindo o short de seda


verde garrafa e o conjunto de camisola que ela colocou na cama
para a noite antes de sair. Passando os dedos pelos cabelos,
percebendo a forma como eles estavam começando a cair mais em
suas ondas naturais, ela saiu para a sala de estar.

O cheiro da massa que ela fez, o que parecia ser anos atrás,
veio da cozinha.
Seguindo seu nariz, ela entrou no espaço que lentamente fez
seu, e o encontrou sentado na mesa de jantar, sem camisa em suas
calças de moletom como ele gostava de estar quando estava em
casa, seu cabelo molhado e brilhando nas luzes baixas.

Os pratos que ela colocou no forno estavam sobre a mesa,


junto com dois copos altos de água.

— Sente.

De repente nervosa, tanto porque foi uma refeição que ela fez
quanto por causa do colapso que teve, ela calmamente se sentou
à sua direita, enfiando o queixo no pescoço.

— O que aconteceu esta noite?

Suas palavras calmas, ditas em voz baixa, mas claras, a


fizeram dar uma olhada nele. Ela molhou os lábios, encontrando
coragem para abrir a porta para uma comunicação honesta e real.
Isso significava ser vulnerável novamente, mas neste momento,
não achava que tinha muito a perder.

— Vê-la lá... com você... desencadeou algo, — admitiu


hesitante.

Ele tomou um gole de sua água, seu prato intocado. Sabia que
ele não gostava muito de álcool. Ela também não e o copo de água
na frente dela lhe dizia que ele notou isso.

— O que você sentiu? — ele perguntou, seus olhos duplos


hipnóticos prendendo-a em sua armadilha. O que ela sentiu? Ele
não experimentava emoções como ela, e saber que ele queria que
ela contasse como sentia as coisas fez seu coração disparar.
— Eu me senti... — ela parou, olhando para ele, sua garganta
trabalhando — ...com raiva. Então, com tanta raiva.

— Por quê? — ele pressionou, inclinando-se ligeiramente em


direção a ela.

— Porque eu pensei que você tinha escolhido ela, — sua voz


vacilou com suas palavras. — Eu pensei que você estava me
mantendo de lado, me fazendo de boba, me dando pequenas
insignificâncias e dando a ela tudo. Eu senti raiva. Eu me senti
magoada. Eu senti ciúmes.

— Por quê? — ele pressionou, não soltando.

— Porque você é meu! — Ela bateu as mãos na mesa,


levantando-se. — Você é a única pessoa, a única coisa neste
mundo inteiro que é meu! — Seu peito arfando, ela olhou para ele.
— Meu assassino, meu perseguidor, meu amante. O pensamento
de compartilhar sua obsessão me faz mal ao estômago. Você tem
poder sobre mim. Era isso que você queria ouvir? Que sua
afirmação me torna uma idiota porque meu estúpido coração
acredita em você? É isso?

Ela olhou para ele enquanto ele se recostava, uma expressão


satisfeita em seu rosto.

— Flamma.

Uma palavra. Apenas uma palavra e tudo parecia certo no


mundo por um segundo. Ela respirou fundo, se acalmando.
Tomando seu assento novamente, engoliu a água em seu copo,
ciente de que ele a observava.

— Seu coração não é estúpido. — Suas palavras, novamente


calmas, a fizeram olhar para ele. — Mole, sim. Estúpido, não. Acho
muito inteligente acreditar em mim quando sua mente não
acredita.

Ela não sabia o que dizer sobre isso.

— Não há ninguém há seis anos, Lyla.

Suas palavras a fizeram endireitar-se na cadeira, a descrença


evidente em seu rosto.

Seus lábios se contraíram. — Acredite em mim ou não, fato é


fato. Eu não fodi ninguém em seis anos. Eu não toquei em
ninguém que não seja você em seis anos. E eu nunca beijei uma
mulher na boca na minha vida. Nunca vi nenhum sentido nisso.

Lyla olhou para ele, perplexa. — Não entendo.

Ele simplesmente deu de ombros. — Qualquer outra mulher


teria sido uma substituta ruim para você, e não parecia valer a
pena o esforço. Agora me diga, estou mentindo para você?

Lyla o observou, seu rosto neutro enquanto ele a deixava


avaliar sua opinião. Sua mente lhe dizia que ele poderia estar
manipulando-a, dizendo-lhe coisas que ela queria ouvir para que
ela caísse em suas armadilhas mais facilmente. Mas seu coração,
o estúpido órgão batendo em seu peito, dizia outra coisa.

— Não, — ela sussurrou, abalada pelo fato de que ele não


esteve com ninguém.

— Boa menina.

— Eu não beijei ninguém também, não por escolha.


Sua confissão caiu entre eles e ela o viu olhar para sua boca.
— Então, quando você escolher, será meu.

Um suspiro a deixou.

Ela olhou para seu prato de macarrão e lentamente deu sua


primeira mordida. Tinha um gosto muito bom para ela, mas ela
não sabia se suas papilas gustativas eram confiáveis. Observando-
o dar sua mordida, ela apertou o garfo com mais força.

Seu rosto não mostrou nenhuma reação, mas ele mastigou


devagar, olhando para o prato antes de trazer os olhos para ela. —
Você que fez isso?

Os nervos vibraram em sua barriga. — Sim. Eu assisti a um


vídeo e pratiquei algumas vezes com porções menores antes de
fazer. Eu... — ela hesitou. — Eu queria fazer uma boa refeição para
nós. — Seus olhos baixaram.

Sua mão veio para sua mandíbula, trazendo seu rosto de volta.
— Faça-nos uma refeição quando quiser. Você tem talento para
isso.

— Você gostou? — Ela não sabia por que precisava de sua


aprovação, por que isso importava, apenas importava.

— Sim.

Um suspiro de alívio a deixou quando sua confiança floresceu.


— Você tem talento para isso. — Ela era boa em alguma coisa.

Eles terminaram a refeição em um silêncio amigável.


Já que o momento parecia verdadeiro, honesto, aberto, ela
arriscou perguntar a ele a única coisa que sempre explodiu em seu
rosto. — Ele está... ele está bem?

Ela o observou enquanto terminava sua última mordida e se


levantava, levando os dois pratos para a pia, lavando-os. Ela pegou
um pano de prato e ficou ao lado dele, esperando que ele
respondesse.

— Sim, ele está bem.

Algo pesado que ela não sabia que estava dentro dela iluminou
um pouco.

— Você está de olho nele, não está? — ela perguntou,


precisando saber que ele estava vigiando, cuidando da única coisa
entre eles.

— Sim. Assim como eu estive de olho em você.

Alívio desfraldou em sua barriga. Quando o Shadow Man


decidia vigiar alguém, eles estavam seguros.

Dominada pela emoção, ela impulsivamente pisou nas costas


dele e colocou os braços ao redor de sua cintura, sentindo-o ainda
com os pratos na mão.

— Obrigada, — ela sussurrou em suas costas, sua voz trêmula


com tanto sentimento que ela sentiu seu peito transbordar. —
Muito obrigada.

Ele se virou dentro de seu abraço, segurando seu rosto em


suas mãos, seus olhos duplos brilhando nos dela. — Para você,
qualquer coisa.
Ele roçou seus narizes no mais leve dos beijos, a sensação
queimando por todo o corpo dela. Lyla não conseguia se lembrar
de ter sido abraçada por ninguém, não tinha memória de se sentir
tão segura quanto naquele momento.

— Abrace-me, por favor.

As mãos dele se apertaram ao redor dela e ele a puxou para


dentro, o rosto dela indo para o peito dele, o nariz dela cheio do
cheiro masculino dele, o corpo dela cheio do calor dele. Ele a
abraçou, e ouvindo seu coração bater, sentindo tudo o que ela
estava sentindo, ela quase podia acreditar que ele sentia também.
Capítulo Dezesseis

Ele

Ele tinha que contar a ela sobre seu irmão, sobre quem ela
era. Mas ela ainda não estava pronta. Com a forma como sua
mente estava lutando com sua vida e realidade, algo assim poderia
quebrá-la. Ele perguntou ao Dr. Manson sobre isso, perguntou se
revelar seu passado ajudaria seu progresso, e ele desaconselhou
isso também. Ela estava frágil no momento, ainda sofrendo, ainda
se curando, e ele precisava dela totalmente pronta para lidar com
isso quando descobrisse a verdade.

E ele era egoísta. Ele sabia que se ela soubesse que tinha uma
família, um irmão que a procurava há mais de vinte anos, acabaria
indo até ele. E ele não poderia ter isso, não até que tivesse certeza
de que ela retornaria por vontade própria de volta para ele, porque
a única outra opção significaria sequestrá-la de Caine e torná-los
todos seus inimigos. E enquanto ele não dava a mínima para a
inimizade deles, a fenda acabaria machucando-a no atrito, então
preferia evitá-lo. Ele não gostava dela machucada.

Ele assistiu das sombras enquanto Tristan e Morana


conversavam com o psicólogo infantil que ele havia enviado sem
que eles soubessem, um antigo aluno do Dr. Manson. Morana
estava ouvindo mais animadamente do que seu amante. Ele
gostava de Morana tanto quanto podia gostar de outro ser
humano. Ela era inteligente, determinada e teimosa, e sabia como
cuidar de si mesma. Admirava a todos aqueles que viviam como
seres humanos. Era isso que os tornava interessantes para
manobrar. Ela também parecia ser genuína, algo pelo qual ele
estava feliz, porque Tristan era a maior ameaça para ele. Não
porque ele era mais poderoso ou mais letal, mas simplesmente
porque ele tinha uma conexão e devoção a Lyla que ela desejava.
Um homem melhor a deixaria ir e a deixaria encontrar alguma
felicidade com outro. Um homem melhor a deixaria ir e a deixaria
satisfazer seus anseios em outro lugar.

Ele não era um homem melhor. Porra, ele nem era um bom
homem.

E uma vez, ele poderia tê-la liberado. Mas agora não. Não
quando ela correu dele e despertou o animal dentro dele que nem
sabia que tinha. Não quando ela se despedaçou em seus braços e
o deixou ancorá-la e trazê-la de volta. Não quando ela lhe deu outro
pedaço de si mesma, confiando nele para mantê-la segura. Ela
preparou uma refeição para ele como se ele fosse especial,
abraçou-o como se ele fosse alguém que valesse a pena segurar, e
olhou para ele com emoções que um demônio da morte como ele
nunca tinha visto, e certamente não merecia.

Eram as pequenas coisas - a maneira como ela desabou


durante o chá na cozinha dele e se recompôs novamente, a
maneira como ela ansiava por aprender e ser constantemente
melhor para si mesma, a maneira como ela o perdoou e o deixou
entrar. Foi a maneira como ela o reivindicou e a maneira como ela
estremeceu pelo toque dele, a maneira como ela não fugiu quando
ele lhe contou da morte que ceifou por ela, a maneira como ela
aceitou sua condição desalmada em seu coração mole. Foi a
maneira como ela roubou olhares sobre ele, a maneira como ela
roubou as camisetas dele, a maneira como ela roubou partes dele
também.

Não havia nenhuma fodida maneira que ele iria deixá-la ir.
Ele há muito deixou a obsessão e entrou em um território
totalmente novo, um que ele nem mesmo reconhecia porque era
mais.

Mais obsessivo. Mais intensivo. Mais possessivo. Mais.

Se ele estava pronto para queimar o mundo por ela antes, não
era nada comparado à destruição que causaria agora.

E embora não tivesse planos de mantê-la longe de Tristan,


precisava ter certeza de que ela não o deixaria comendo poeira
quando chegasse a hora.

O mundo não estava pronto para o que ele desencadearia se


isso acontecesse.
Capítulo Dezessete

Lyla | 6 anos atrás

O trovão retumbou no céu e ela correu o mais rápido que pôde,


o pequeno pacote enrolado em um cobertor em seus braços, seu
rosto escorrendo com lágrimas enquanto seus pulmões
queimavam. Ela estava dolorida e machucada entre as pernas, e
tinha certeza de que estava sangrando, mas não teria outra
chance.

O pacote em seus braços chorou ao ser pressionado.

Ela chorou com ele.

Durante os nove meses em que ela o carregou em seu jovem


ventre, o belo produto de um ato medonho e horrível, prometeu a
si mesma que iria tirá-lo de lá. Ela sabia o que eles faziam com as
crianças nascidas neste inferno, como eles as pegavam e
começavam a prepará-las antes que elas pudessem falar direito. E
ela jurou, não importa o que acontecesse, seu filho não cresceria
no inferno que ela cresceu. De alguma forma, de qualquer
maneira, ela o tiraria de lá ou morreria tentando.

E com a dor entre as pernas aumentando, a fraqueza em seu


corpo após o parto deixando sua mente tonta, ela sabia que era
muito provável. Mas se tivesse que morrer, ela morreria depois de
levá-lo a alguma espécie de segurança. Bastava que ela se
afastasse das principais estradas que eles usavam, e
esperançosamente acabaria em outra. Tinha que haver alguém no
mundo que pudesse ajudá-la.

Pausando para recuperar o fôlego, ela se encostou contra uma


árvore, balançando seu filhinho nos braços para acalmá-lo um
pouco. Sem saber nada sobre ser mãe, não tinha certeza se alguma
vez seria uma boa mãe, mas havia uma coisa que ela podia dar a
seu bebê e ela morreria tentando fazê-lo.

Ela o segurou por um momento, respirando fundo e sondou a


área em busca de seu próximo percurso.

Sabendo que não conseguia descansar por mais do que alguns


minutos, o perigo da segurança já vasculhando o bosque era muito
alto, voltou a correr e correu muito, a sola fina de seus sapatos
quase não tinha proteção. Ela teria bolhas nos pés, mas valeria a
pena se ele pudesse estar a salvo.

Tire-o de lá. Tire-o de lá. Tire-o de lá.

Com as palavras se repetindo em sua mente como um mantra,


ela continuou correndo, sentindo a umidade entre as pernas,
percebendo que a floresta acabou diminuindo. Poderia significar
que havia civilização por perto, o que poderia significar que havia
ajuda. Uma explosão de energia a encheu com o pensamento, e se
dirigiu para o lugar onde ela podia ver a floresta se abrindo para
uma rua de algum tipo.

Parando novamente para recuperar o fôlego, olhou em volta


febrilmente.

Havia uma rua e um prédio, nada mais, e um carro parado.


Ela o reconheceu como um dos complexos de segurança. Eles
estavam patrulhando, provavelmente procurando por ela.
Afastando-se para as sombras das árvores, virando-se para
correr novamente, ela esbarrou em algo duro.

Já tonta pela fraqueza, desidratação e perda de sangue,


começou a cair, seus braços instintivamente apertando em torno
de seu menino embrulhado, assim como duas grandes mãos
agarraram sua cintura, firmando-a.

— Calma, garota.

Ao som da voz, ela inclinou o pescoço para cima para ver um


homem alto, provavelmente em seus vinte e tantos anos, com olhos
incompatíveis olhando para ela. Ela nunca tinha visto olhos assim
em ninguém.

— Ajude-me, — ela resmungou através de sua garganta seca,


seu peso se apoiando nele. — Ajude-me, por favor.

— O que você precisa? — ele perguntou, a seriedade de seu


tom fazendo com que ela se sentisse um pouco mais segura sobre
sua decisão. Ela o estudou o melhor que pôde, um instinto dentro
dela lhe dizendo para confiar nele.

Levantando o pacote em seus braços, ela falou. — Pegue-o.


Leve-o para longe daqui, para algum lugar seguro onde ele cresça
com amor e carinho. Por favor. Eles estão vindo atrás de mim, e
ele precisa estar longe quando me encontrarem. Por favor, por
favor, por favor...

Os olhos incompatíveis do homem se voltaram para o bebê


enrolado no cobertor fino. — Ele é seu?

Ela assentiu com a cabeça, seus olhos lacrimejando


novamente, a dor de entregar a ele um fardo que ela carregaria de
bom grado por sua chance de uma vida melhor.
O homem olhou para ela então, mais profundo, tão profundo
que ela sentiu que ele estava procurando sua alma.

— Você confiaria em mim com seu filho?

A pergunta a fez parar, mas o instinto dentro dela, aquele que


tinha corrido com seu bebê em primeiro lugar, permaneceu firme,
inabalável.

Abraçando o filho uma última vez, ela deu um beijo na testa


dele, o queixo tremendo, e o entregou ao homem.

— Eu vou confiar em você com ele. Mas me prometa... – ela


gritou enquanto a dor em seu interior aumentava, cortando suas
palavras. Ela respirou fundo e continuou. — Prometa-me que você
vai mantê-lo seguro. Se não pode ficar com ele, mande-o para
alguém que o ame. Prometa-me.

O trovão rasgou o céu, retumbando alto nas nuvens, ecoando


sua dor.

Ele segurou seu filho na dobra de seus braços, sua cabeça


inclinada para o lado enquanto ele olhava para ela com algo
próximo ao fascínio.

— Eu prometo. Ele estará seguro.

Seus joelhos se dobraram de alívio e ele passou um braço ao


redor de sua cintura, segurando-a firme com uma mão enquanto
segurava seu bebê com a outra. O apoio de seu braço forte a
quebrou então. Ela começou a soluçar histericamente no peito
desse homem estranho, segurando as lapelas de sua jaqueta,
chorando por tudo que estava perdendo e pelo apoio inesperado
que havia encontrado.
— Qual é o seu nome, flamma? — ele perguntou baixinho e ela
olhou para ele, surpresa com a palavra que ele usou, sem saber o
que ele queria dizer.

— Lyla.

— Noite sem fim.

É isso que significava? Noite sem fim? Foda-se se não se


encaixava em sua vida.

Um grito da floresta a fez endireitar-se com urgência.

— Por favor, vá embora, — ela pediu ao estranho. — Leve-o.


Agora!

Seus olhos voaram para o rosto redondo espreitando dos


cobertores, a agonia queimando-a quando ela se inclinou para
beijar seu rosto novamente, sem saber se ela o veria novamente,
sem saber qual seria seu destino, mas confiando na única escolha
que tinha.

— Fique seguro, pequeno Xander, — ela murmurou contra


suas bochechas macias. — Seja forte. Seja amado, meu lindo bebê.

O homem ficou parado por um longo segundo, observando-a


enquanto ela se despedia, antes de dar meia-volta e caminhar na
escuridão com a única coisa que ela amava no mundo.
PARTE TRÊS

Chamas

“Como você pode se tornar novo se antes não se tornou cinzas?”

—Friedrich Nietszche
Capítulo Dezoito

Lyla | Presente

Ela acordou com o sonho, seu coração acelerado enquanto


trovões retumbavam no céu lá fora. Ela odiava tempestades.
Quando criança, elas a assustaram, e quando adulta, a lembraram
da noite em que ela perdeu seu presente mais precioso – seu filho.

Ela estava com quase dezoito anos quando um dos homens do


clube a engravidou, e embora a criança tivesse sido o resultado de
um estupro, era dela. Ela passou meses se conectando com ele,
amando-o, conversando com ele e aceitando que ele nunca a
conheceria. Na noite em que ela entrou em trabalho de parto,
houve uma tempestade, e depois de horas de dor inimaginável, ele
veio gritando ao mundo.

O médico o limpou e o embrulhou para ela o alimentar, mas


ela não o fez. Ela só tinha visto a tempestade, sabia que a maioria
das pessoas no terreno estaria sob abrigo, e ela correu.

Correu direto para os braços do homem que mudaria a vida de


ambos.

Depois daquela noite, ela nunca esperava vê-lo novamente.


Mas menos de uma semana depois, ele apareceu no trabalho dela.

E de novo.
E de novo.

Até que ele se tornou um elemento fixo em sua vida, uma


âncora no furacão, uma rocha contra as ondas. Até que ele
começou a deixar um rastro de corpos de todos que tentaram
machucá-la. Até que ele reivindicou todos os pedaços dela como
seus.

Ela se perguntou por que tinha sonhado com seu primeiro


encontro esta noite. Poderia ter sido a tempestade, ou o fato de ele
ter falado sobre Xander pela primeira vez, ou o fato de tê-la
abraçado como tinha feito naquela noite. Fosse o que fosse,
necessidade, necessidade pura, não adulterada, a dominou.

Incapaz de aguentar mais, ela se moveu silenciosamente até a


porta, saindo e indo para o quarto de hóspedes, seu coração
batendo forte, mas dizendo que estava certo, o mesmo instinto que
a fez confiar nele todos aqueles anos atrás, dizendo-lhe para fazer
isso novamente.

Perto de sua porta, ela respirou fundo e abriu, só precisando


dar uma olhada se ele estava dormindo.

Ele estava.

Braço jogado atrás de sua cabeça, outro em seu estômago,


olhos fechados e rosto repousante.

Hesitando na soleira, ela simplesmente o observou, a


necessidade dentro dela um tumulto.

Silenciosamente, sem fazer um som, ela entrou na ponta dos


pés no quarto, dando a volta na cama dele, os olhos em seu rosto
na luz do lado de fora.
Este homem, tão sombrio, perigoso e defeituoso como ele era,
era dela.

Ela se inclinou lentamente, pressionando seus lábios nos dele


por um segundo, sentindo sua respiração em seu rosto enquanto
sua boca macia contra a dela, antes de se afastar.

Ela se virou para sair, bem quando uma mão prendeu seu
pulso em um aperto de aço, fazendo seu coração bater forte
quando ela olhou para encontrá-lo bem acordado, seus olhos
alertas, intensos, pesados sobre os dela.

Ele esperou pacientemente que ela quebrasse o silêncio, e


encontrando a coragem em algum lugar dentro dela, ela o fez.

— Faça-me sua.

Ele se levantou da cama, derrubando-a em seus braços em um


movimento fluido, levando-a para o quarto principal enquanto ela
agarrava seus ombros.

O quarto permaneceu escuro, apenas a pequena luz da lua


entrando pelas portas de vidro iluminando o espaço.

Bêbada no sonho, as emoções dos últimos dias, inferno dos


últimos anos, ela inclinou a cabeça para olhar para ele ao luar –
seu diabo sombrio que possuía sua alma.

— Eu estava lendo um livro ontem, — ela sussurrou no espaço


entre eles, não conhecendo nenhuma sutileza para dizer melhor.
— O homem da história encontrou a mulher e disse que faria amor
com ela. — Ela engoliu. — Você vai fazer amor comigo esta noite?
Ela sabia que ele podia ver a seriedade em seus olhos, a fome
por essa afeição em seu rosto, o desejo por essa intimidade em sua
voz. Ele a colocou de pé.

— O que o homem fez para fazer amor com ela? — ele


murmurou, dando um passo para frente enquanto ela dava um
para trás.

Ela olhou em seus olhos, aqueles olhos incompatíveis que a


mantinham cativa desde a primeira vez que os viu, e deu voz ao
desejo mais profundo de seu coração.

— Ele tocou a alma dela.

Ele segurou sua mandíbula, puxando-a para cima até que ela
ficou na ponta dos pés, seus lábios a um fio de cabelo dela. Ela
não sabia se ele não diminuiu a distância entre os dois porque ele
nunca beijou ou porque ele nunca quis, mas ela esperou. Eles
apenas respiraram um ao outro por um longo momento, antes que
ele se inclinasse para frente e roçasse seus lábios no mais leve dos
beijos, tão leve que a sensação a fez se esforçar ainda mais para
conseguir mais.

— Se fizermos isso, — ele disse calmamente contra sua boca,


— eu serei seu último tudo. Você escolhe, você escolhe tudo o que
sou, cada parte distorcida, perturbada e obcecada de mim. Você
escolhe isso, e eu nunca vou deixá-la ir. Você entende?

Seus olhos se fecharam. — Entendo.

Antes que a última palavra saísse de seus lábios, a boca dele


desceu sobre a dela.

Hortelã. Café. Ele.


Ela esticou os dedos dos pés para levá-la o mais alto que podia,
suas mãos agarradas à largura de seus ombros, uma de suas mãos
em sua mandíbula, outra em seu quadril, segurando-a de pé. Ele
se afastou, seus olhos escuros, a pupila da luz explodiu quando
ele deu a ela um olhar aquecido, antes de mergulhar novamente,
pegando-a com uma mão e virando para que suas costas
descansassem contra a porta do closet. Ela enrolou as pernas ao
redor dele, esfregando contra a protuberância dura como pedra em
sua calça de moletom enquanto ele a devorava. O gosto dele
explodiu em sua boca, e ela abriu a dela.

Levemente, ela girava sua língua contra a dele.

E a coisa mais inesperada aconteceu.

Ele estremeceu.

Um estremecimento incontrolável, de corpo inteiro.

Ela puxou para trás para encontrar os olhos dele nela, um


olhar um pouco perturbado neles que ela nunca havia visto antes,
conforme ele exigiu: — Faça isso de novo.

Sentindo seu coração pulsando por todo o seu corpo, seus


mamilos endurecidos em pontos apertados contra o peito dele,
apenas separados por um tecido fino, ela se apertou mais perto
dele, deslizando a mão em seu cabelo e puxando-o para ela.

Ela passou a língua sobre seus lábios e ele a puxou em sua


boca, chupando de uma forma que fez sua boceta pulsar contra
seu pênis, seu corpo começando a se contorcer com sensações,
uma chama de fogo se espalhando dentro dela.

Eles ficaram lá por um longo tempo, beijando, avaliando,


provando, conhecendo a boca um do outro. Ele estremeceu
novamente quando suas línguas deslizaram uma sobre a outra, e
ela sentiu o choque direto entre suas pernas, sabendo que era ela
quem era responsável por tais respostas viscerais dele. Seu
primeiro, segundo e terceiro beijos se fundiram em um enquanto
ele a segurava, tomando, possuindo, reivindicando cada
centímetro de sua boca.

Ainda a beijando, ele se moveu e, de repente, ela se viu deitada


de costas na cama.

Ele se afastou de sua boca. — Ainda confia em mim? — ele


perguntou, e ela engoliu em seco, antes de dar um aceno de
cabeça.

Seus lábios se contraíram. — Faça o que eu digo e você


receberá um presente.

Deus, ela adorava quando ele dizia isso.

Colocando uma mão na cama ao lado dela e outra sob sua


cintura, ele a puxou para cima, com uma só mão, até que sua
cabeça descansasse sobre o travesseiro. Ele saltou da cama com
agilidade, empurrando suas calças para baixo, seu pau saltando
para fora, os piercings brilhando ao luar.

— Mãos acima de sua cabeça, — ele a instruiu, e ela obedeceu,


curiosa para ver o que ele tinha em mente. — Não se mova.

Com essas palavras, ele saiu do quarto.

Lyla olhou para o teto, depois se virou para olhar a escuridão


lá fora, esperando que ele voltasse. Minutos se passaram. Ela se
deu conta da forma como seus seios erguiam nessa posição, seus
mamilos apontados proeminentemente, seu estômago exposto,
sua boceta chorando em seu short.
— Dainn, — ela gritou depois do que pareceu uma eternidade,
e ele não voltara.

Choramingando de necessidade, ela se contorceu na cama,


mas não abaixou as mãos, querendo qualquer presente que ele
tivesse em mente.

Depois de muito tempo, ele entrou novamente, seus olhos se


aquecendo ao encontrá-la na mesma posição. — Boa menina.

Algo dentro dela se envaideceu sob o elogio.

— Quando estamos juntos, você confia em mim. Aqui, você


solta completamente, — ele disse a ela, traçando sua boca com o
polegar. — Isso vai ficar intenso para você, e você vai me dizer para
parar. Mas não vou parar. Eu vou te pressionar. Você está bem
com isso?

Sua boceta apertou com o pensamento, o pensamento dela


implorando para ele parar e ele continuando de qualquer maneira.
— Por que eu quero isso? — ela perguntou, tentando entender. —
Eu não deveria.

— Porque você sabe que está segura aqui.

As palavras, as palavras dele, ditas no tom mais factual


enquanto a observava, a fez parar. Ele estava certo. Ela queria
implorar, ser tomada completamente, porque sabia que estava
segura. Ela sabia que ele não iria machucá-la. Era a fantasia disso,
a ideia, a libertação.

Com sua aceitação, pegando sua camisola, ele a rasgou ao


meio, o som alto no quarto, aumentando seus batimentos
cardíacos. Ele puxou o pedaço de tecido pelas mãos levantadas
dela e deu um nó, deixando uma longa ponta pendurada.
Seu coração começou a bater forte, submissão nunca foi algo
que lhe trouxe nada além de ansiedade. — Eu não tenho uma boa
experiência sendo amarrada.

— Eu sei.

Olhando para ele, ela mordeu o lábio inferior, um pouco


apreensiva, principalmente excitada. Ele puxou o short dela para
baixo, jogando-o fora deixando-a nua na cama.

— Abra suas pernas.

Ela o fez sem hesitação, amando a forma como ele a olhava


com intensa posse e um calor incrível. Ele traçou sua abertura com
o dedo médio. — Tão molhada. Tão carente. Você quer meu pau,
pequena flamma?

— Sim.

— Sim, o quê?

— Sim, Dainn.

Seu dedo a penetrou, e ela se apertou ao redor dele. Fazia


muito tempo desde que ela gozou, e seu corpo estava preparado,
pronto para isso. Ele moveu seus dedos dentro dela habilmente,
cortando para esticá-la para seu pênis, seu polegar dedilhando seu
clitóris, enviando umidade jorrando dela.

Ela gritou quando ele acrescentou um terceiro dedo, suas


mãos incapazes de se mover.

— Você se lembra da primeira vez que toquei nessa boceta? —


ele perguntou, segurando-a com firmeza.
— S... sim, — ela exalou em uma respiração trêmula. Foi
depois que ele matou as pessoas no labirinto. Ele a encontrou,
olhou para o corpo dela e a segurou assim com a mão enluvada.

— O que você sentiu então? — As palavras beijadas pela


sedução caíram em seus ouvidos.

— Assustada, confusa... animada, — ela lembrou.

— Você está com medo, confusa agora?

— Um pouco.

— Ótimo.

Dentro de segundos, com os olhos dele em seu corpo e seus


dedos dentro dela, ela podia sentir o calor crescendo, subindo,
subindo e subindo, arremessando-a em direção a um clímax
glorioso.

Mas sua mão parou.

Ela gritou quando ele tirou a mão, com raiva e surpresa, e


percebeu que ele havia subido na cama para ficar entre as pernas
dela. Ela as abriu o máximo que pôde, ansiosa e disposta e mais
pronta para um homem do que nunca.

Seu pênis parecia assustador ao luar, e a ideia de tê-lo, de


finalmente tê-lo, a emocionou.

A ponta de seu pênis beijou os lábios de sua boceta, a frieza


do piercing um enorme contraste com o calor dele, e ela contorceu
seus quadris, suas paredes apertando vazias, precisando dele para
preenchê-la. Suas mãos travadas acima de sua cabeça, seus
quadris pressionados por sua palma, a falta de movimento só
enviou mais calor em espiral dentro dela. Ele ficou parado, e ela
girou os quadris, tentando fazê-lo deslizar para dentro, uma de
suas mãos a empurrou imóvel, seus olhos a observando.

A espera a estava matando.

— Foda-me, — ela implorou, não se importando que o


desespero em sua voz excedesse em muito qualquer outro antes.

Seus lábios se contraíram. — Eu pensei que você queria que


eu tocasse sua alma?

A diversão em seu tom aumentou sua frustração. — Porra,


rasgue-a neste momento. Apenas mova-se, por favor.

Ele não o fez, provocando-a, brincando com ela, e um soluço


escapou de seu peito, lágrimas de pura necessidade, pura
frustração, de ter uma satisfação tão próxima, mas incapaz de
obtê-la.

— Outro homem não teria me feito esperar tanto tempo, — ela


zombou dele, sabendo que ela estava brincando com fogo, mas não
conhecendo outra maneira de provocá-lo. Ele era possessivo com
ela, e esse era o único ponto em que ela conseguia pensar.

Ele soltou seu quadril e segurou seu pênis, batendo contra seu
clitóris em punição por suas palavras, e a sensação a fez mais
escorregadia do que ela estava. Ela estava preparada,
absolutamente preparada, tão inchada com a necessidade que ela
podia sentir-se pulsando.

— Outro homem não teria te deixado tão molhada com a


necessidade de você encharcar a cama, — suas palavras baixas
preencheram o espaço entre eles. — Você está carente de mim.
— Estou, — ela admitiu. — Eu preciso de você, Dainn. Eu
preciso muito de você. Todo você. Por favor. Leve-me. Reivindique-
me. Possua-me.

Com um leve som retumbante, ele pressionou o polegar em


seu clitóris.

E então, ele empurrou.

Bem quando ela começou a gozar.

Seus olhos rolaram para a parte de trás de sua cabeça, uma


sensação como nada, nada, antes de sacudir seu corpo inteiro, a
pressão de sua entrada e a ondulação de suas paredes e seu
polegar em seu clitóris disparando sua excitação mais alto,
prolongando seu orgasmo para um ponto que parecia
interminável.

Ele era grosso, longo e pesado, lentamente entrando nela, as


joias em seu pênis deslizando sobre os tecidos que ela nem sabia
que tinha, provocando sensações em cada centímetro de sua
boceta inchada até que se sentisse em chamas. Ela estava
ofegante, atordoada com a sensação disso, com a sensação dele,
incapaz de acreditar que ele tinha feito isso apenas para que ele
pudesse dar a ela essa experiência e se sentir como ela primeiro.

Com a maneira como ela foi esticada e estimulada, nada


poderia ser comparado a isso.

Ela olhou em seus olhos, vendo seu olhar no lugar em que ele
entrou em seu corpo, seu pênis coberto de piercing lentamente
desaparecendo em sua pequena boceta até que ele estava todo
dentro, pulsando dentro dela, e Deus, ela pulsava com ele. Mãos
amarradas acima de sua cabeça, empaladas por ele, ela se sentiu
possuída, tomada, possuída, e ela adorou cada segundo disso,
amando a rendição de si mesma à reivindicação dele, amando o
jeito que ele se encaixava nela.

Ele ficou parado quando ela desceu de seu orgasmo, deixando


suas paredes se ajustarem a ele.

E então ele se moveu.

Um ruído mais animal do que humano escapou de seu peito,


seus olhos se fecharam com a sensação intensa entre o prazer e a
dor. Ele ecoou o barulho com seu próprio rosnado baixo, uma mão
na cabeceira segurando uma ponta da camisola rasgada que
amarrava suas mãos, a outra em seu clitóris, esfregando,
acariciando e intensificando a sensação demais.

Era demais.

Ela não aguentou.

— Não, — ela choramingou, tentando mover as mãos, mas


estava travada no lugar. Ele não parou, puxando tão lentamente
que ela sentiu cada tecido movido por ele e seu titânio, um ponto
dentro dela sendo empurrado por um dos piercings de uma forma
que fez estrelas explodirem atrás de seus olhos. Um fogo começou
a partir do ponto, se espalhando por seu sangue, seus músculos,
seu corpo inteiro se iluminou como uma supernova até construir,
construir, construir e explodir.

Ela se ouviu gritando até não poder mais, a sensação tão


intensa que seus músculos começaram a ter espasmos, seu
coração trovejando, sua coluna arqueando-se até que ela pensou
que suas costas iriam quebrar.
Ela desceu, mal, antes que ele empurrasse dentro dela
novamente, forte, continuamente esfregando seu clitóris, e ela
começou a implorar.

— É muito, é demais, por favor, oh, Deus, Dainn, por favor...


pare, não, não, muito... — tornou-se uma balbúrdia quando a
supernova explodiu novamente, deixando-a uma bagunça agitada
enquanto ele continuava a empurrar para dentro e para fora dela,
forte, firme, profundo, tão profundo que era quase doloroso, mas,
oh, tão bom.

— Mais um, flamma, — ela o ouviu dizer. — Dê-me mais um.

Ela balançou a cabeça vigorosamente, sabendo que morreria


se voltasse. Era muito intenso, muito.

Não. Sim. Não.

Mas ela se rendeu e ele comandou seu corpo, encontrando


lugares escuros dentro dela que ela nunca havia explorado antes,
possuindo-os, tomando-os, dizendo-lhe que estava tudo bem para
ela tê-los.

Seus olhos se fecharam quando ele assumiu seu corpo, e ela


estremeceu, nunca tendo sentido tanta sensação através de um
corpo que ela odiava.

Um zumbido de algum lugar acima rompeu seu torpor,


fazendo-a abrir os olhos lentamente.

E ela congelou.

Uma pequena parte do teto se retraiu, abandonando nada


além de vidro transparente, um cemitério de estrelas brilhando
além no céu.
Ela assistiu com admiração enquanto ele se movia dentro dela,
encontrando seu próprio orgasmo, e uma lágrima escapou de seus
olhos, rolando pelo lado de sua cabeça quando ele gozou.

Ela olhou para cima, sua excitação e emoções se misturando


até que ela não conseguia discernir uma da outra.

Depois de uma vida inteira olhando para tetos rachados e


pintura descascada enquanto pedaços dela eram arrancados, ele
deu a ela um teto de lindas estrelas e lentamente juntou os
pedaços novamente.

Ele havia tocado sua alma.


Capítulo Dezenove

Lyla

Ela estava dolorida, tão fodidamente dolorida entre suas


pernas, cada passo a fazia terrivelmente consciente de quão
profundo, quão grosso ele esteve dentro dela. Não era como se ela
não tivesse machucado sua vagina antes, ela machucou. Mas essa
dor, embora doesse, enviou calor correndo por suas veias.

Ela ligou a máquina de café para ele, sabendo que ele gostava
de café preto pela manhã, e fez chá para si mesma, estremecendo
enquanto caminhava até o balcão para pegar as canecas, seus
olhos indo vê-lo treinando no jardim, seu torso brilhando com uma
fina camada de suor, seus músculos se contraindo e relaxando
enquanto se movia através de algum tipo de rotina de arte marcial.

Ela o cobiçava como fazia de manhã enquanto as bebidas


ficavam prontas, observando enquanto ele terminava e entrava, o
campo de força de sua presença fazendo com que suas
terminações nervosas ficassem atentas. Não era como nas outras
manhãs. Ela o sentia agora, o deixou entrar agora, e havia uma
intimidade entre eles. Normalmente, ele a cumprimentava e ia
tomar banho.

Esta manhã, ele contornou o balcão sem parar, agarrou sua


mandíbula e deu-lhe um beijo forte e completo que a deixou
agarrada aos braços dele.
Ele se afastou, lançando um olhar lascivo e possessivo sobre
ela vestida com sua camiseta, antes de parar em seus lábios
novamente. Seu polegar se moveu sobre ele, acendendo pequenas
faíscas sob seu toque. Com outro beijo, ele deu um passo para trás
e foi para seu café.

— Nós não usamos nenhuma proteção. — Ele apontou


enquanto servia sua caneca.

Lyla se apoiou no balcão, observando-o operar a máquina de


café, e sentiu um pouco da alegria abandoná-la. — Eu não posso
engravidar, — ela disse a ele. — Depois que eu fugi... havia muito
sangramento. Eles tiveram que me operar.

Ele a estudou em silêncio. — E como você se sente sobre isso?

Sua pergunta favorita para perguntar a ela - como ela se sentia


sobre qualquer coisa. Ela deu de ombros. — Estava meio
agradecida por não trazer outra criança para aquele inferno.

Ele não disse nada por um longo minuto. — Sabe, foi sua
determinação de salvá-lo naquela noite que me fascinou. A
maneira como você confiou em mim para levá-lo, embora eu
pudesse ver que estava matando você. Isso me intrigou.

Seu coração bateu com a memória. — Como ele está?

— Ótimo, — ele disse a ela, finalmente dando-lhe algumas


respostas. — Ele está com... um casal que o ama.

Coração cheio, ela engoliu. — Isso é bom. Obrigada.

Ele não disse nada sobre isso, e afastando o assunto, ela fez a
única pergunta que a incomodava por um tempo. — Como você
conseguiu tanto dinheiro?
Ele se virou para dar uma olhada nela, antes de pegar sua
caneca. — É uma longa história.

Ela desligou o chá. — Eu tenho tempo.

Seus lábios se contraíram. — Quando eu tinha quinze anos,


queimei o orfanato em que estava, matando cerca de oito adultos
lá dentro. O incêndio foi um grande problema naquela época. Três
dos adultos eram membros do Sindicato.

Ela respirou fundo, no meio de servir. — O que eles fizeram?

Um sorriso obscuro cortou seus lábios. — Fez-me um


assassino. Eu não tinha nada contra eles na época, e eles sabiam
que eu não tinha nenhum problema em matar. Então eles me
enviaram para caçar seus alvos. Isso me rendeu muito dinheiro,
que mais tarde investi em diferentes negócios, rendendo ainda
mais dinheiro.

Ele tomou um gole de sua bebida, encostado no balcão, a


cabeça inclinada para um lado enquanto a observava processar a
informação.

— Você está envolvido com as... escravas sexuais? — ela


perguntou, hesitando, esperando que ele não estivesse, mas não
entendendo como ela se sentiria se ele estivesse. Para seu grande
alívio, ele balançou a cabeça.

— É muito confuso e muito trabalho em equipe. Sou mais um


caçador solitário.

Ela não estava surpresa que ele não comentasse sobre a


moralidade disso. Seu senso de moral era distorcido, e ela sabia
disso.
— Então, quando você os deixou? — ela se perguntou, curiosa
sobre como um garoto de quinze anos se tornou um assassino.

— Uma vez que tive acesso aos seus pequenos segredos. Cerca
de quatro anos depois que comecei a trabalhar para eles.

— Por quê?

— Decidi derrubá-los.

Ele disse isso tão casualmente, tão simplesmente, que Lyla


balançou a cabeça, incrédula que um garoto de dezenove anos
pudesse sequer ter pensado nisso. — Você decidiu derrubá-los?

— Sim, mas eles são uma organização muito antiga, muito


poderosa e muito bem difundida. Leva tempo para colocar todas
as peças no lugar.

Ela ficou maravilhada com isso. — Espere, eles já não


saberiam seu nome e ficariam de olho em você? Como você fez
isso?

Ele riu sombriamente. — Eles nunca tiveram meu nome.


Trabalhei para eles como um número e, assim que terminei,
desapareci por um tempo. Todo o dinheiro foi para o Grupo
Blackthorne. Esse também não é meu nome, mas um que tomei
para mim.

— E Dainn? — ela questionou.

— Só você sabe disso, flamma, — ele disse a ela suavemente,


e ela aproveitou o momento, apreciando outro pequeno presente
que ele deu a ela. Tomando um gole de chá, ela olhou para ele por
baixo de seus cílios, vendo a luz do sol brincando em seu olho
verde-dourado e brilhando em seu preto. Ambos os olhos
representando os dois homens - Blackthorne e Shadow Man
dentro dele.

O que a lembrou... — Por que Shadow Man? E quando você...


se tornou ele?

Ele empurrou uma de suas mãos nos bolsos de sua calça de


treino, mantendo a caneca na outra, e caramba, ele parecia bem.
Um tentáculo tardio de calor se enrolou nela, e ela o esmagou.

— Eu sou Shadow Man, — afirmou. — Ele teve que sair para


lidar com o Sindicato. Ele podia ir, obter informações, fazer coisas
que os outros não podiam. Era simples tê-lo. O Blackthorne Group
tem acesso aos dados atuais, e eu tenho acesso ao passado. Entre
todas as informações que tenho, ficou mais fácil.

— E por que você quer derrubar o Sindicato?

O primeiro sinal de rigidez enrijeceu seu corpo. Sua mandíbula


se contraiu levemente enquanto ele a encarava, e ela esperou, sem
saber se havia tocado um nervo ou se ele estava simplesmente
pensando. Depois de um longo minuto, ele largou a caneca, indo
em direção à geladeira.

— Você está dolorida?

Piscando com a mudança repentina de assunto, percebendo


que ele não iria responder, ela suspirou. Pequenos passos, ela
lembrou a si mesma. Eles fizeram progresso suficiente para que
ela pudesse deixá-lo ir por enquanto.

— Estou, — ela respondeu a ele. — Você me destruiu ontem à


noite.
Seus músculos das costas entraram em foco e relaxaram
enquanto ele vasculhava o freezer. — Você deveria colocar um
pouco de gelo nela.

— Não, é... — A frase morreu em seus lábios quando ele se


virou e ela viu o que ele segurava na mão.

Um vibrador.

Um vibrador de gelo.

Um vibrador feito de gelo, um pouco menor do que ele.

Que diabos?

Horrorizada, mas intrigada, seus olhos voaram para ele


quando ele foi até a pia e a colocou debaixo d'água, o gelo cristalino
brilhando na cozinha iluminada pelo sol. Desligando a torneira, ele
se moveu em direção a ela e ela recuou.

— Oh, não. Não. Isso não vai dentro de mim, — ela afirmou
com firmeza, olhando para o apêndice de gelo pingando em sua
mão. Ela nunca teve uma boa experiência com objetos estranhos
e ela disse isso a ele. Ele sabia que ela não gostava nada da ideia
de brinquedos.

Sem prestar atenção, os lábios se contraindo, ele o colocou no


balcão antes de calmamente pegá-la e plantar sua bunda nele.

— Coloque seus pés no balcão, — ele instruiu, empurrando


seus joelhos abertos. — Tire a camiseta.

Hesitando, não concordando com isso, ela se despiu,


descansando seu peso em suas mãos atrás dela no balcão,
esperando para ver o que ele faria.
Ele olhou para ela atentamente entre suas pernas, vendo seus
lábios inchados, esfolados, inferiores. Ela sempre marcou
facilmente e sua boceta parecia ter sido um campo de batalha.

— Você tinha isso no congelador, embora eu tenha dito que


não gostava de objetos estranhos dentro de mim? — ela intuiu.
Não a surpreenderia se ele não respeitasse seus limites. Ele nunca
teve, e provavelmente nunca faria.

— Você já sabe a resposta para isso.

Bem, se ele fosse empurrar seus limites, ela iria retribuir o


favor.

— Por que você está atrás do Sindicato? — ela continuou,


sabendo que aquele era o momento em que ele tinha saído da
conversa e começado a distraí-la.

Gelo refrescante circulou em torno de seus seios pesados em


um grande loop infinito, deixando-a ofegante. Seu suspiro se
transformou em um gemido quando sua língua quente seguiu,
lambendo o mesmo caminho, seus seios arfando com o súbito
ataque de sensação.

Ele fez o loop gelado novamente, este mais apertado, mais


perto de seus mamilos doloridos e ainda tão longe, então seguiu a
trilha com sua língua quente, lambendo a água. Ela se deitou no
balcão, suas mãos ficando mais fracas, incapazes de sustentar seu
corpo quando ela caiu de costas.

— Por que você está atrás de...? — A frase foi cortada em um


grito estrangulado quando ele deu um tapa em seu clitóris com o
gelo, o frio e a sensação fazendo a pequena protuberância pulsar.

— Olhos.
O único comando fez seus olhos se abrirem, fazendo-a
perceber que os havia fechado com o toque. Ela observou com o
olhar semicerrado enquanto a mão dele – sua mão grande e
queimada que havia matado tantas pessoas em seu nome que ela
provavelmente deveria sentir remorso por isso – moveu o gelo de
volta para seus seios, desta vez direto para o mamilo, circulando-
o uma e outra vez. Inclinando-se sobre ela, entre suas pernas para
que ela pudesse sentir sua dureza cutucando contra ela sobre o
tecido de sua calça, sua boca quente fechada ao redor do mamilo
enquanto o gelo ia para o outro. A sensação imediata de frio e calor
teve um tiro de flecha de fogo bem entre suas coxas, fazendo-a
gemer enquanto mordia o lábio, suas mãos penetrando em seu
cabelo escuro. Seu polegar foi para os lábios dela, traçando-os
como sempre fazia.

— Diga meu nome.

Do jeito que ela sabia que sua voz o afetava, sabia que ele
estava tentando sentir o som bem na fonte.

— Dainn.

Seus olhos brilharam, a escuridão brilhando enquanto a luz


escurecia.

Ele se inclinou até que seu rosto estava a centímetros do dela,


a vulnerabilidade em seu corpo e o calor em seu olhar fazendo seu
sangue ferver.

— Você é a única que sabe meu nome, flamma, — ele falou,


suas palavras roçando seus lábios. — A única que me conhece
como o diabo que eu realmente sou. E ver você aqui, disposta e
confiante, é a única vez que cheguei perto de sentir alguma coisa.
Lyla respirou pelo nariz enquanto as palavras dele a
acalmavam e a entristeceram. — Você nunca vai me amar? — ela
deu voz ao desejo mais profundo e cru de seu coração.

Ele simplesmente olhou para ela, curioso pelo que ela podia
sentir. — O que é amor para você?

A pergunta deu a Lyla uma pausa. O que era amor para ela? O
que ela realmente queria quando queria ser amada? Ela não
conhecia o amor, nunca o havia sentido, experimentado, exceto
pelo filho que sacrificara, e esse amor era diferente. Ou foi? Todo
amor não era o mesmo, brotando da mesma fonte?

— Acho que é uma sensação de segurança, — ela disse a ele


depois de um longo momento de reflexão, um momento em que ele
esperou pacientemente pela resposta. — Emocionalmente,
sexualmente, fisicamente, seguro em todos os sentidos. É saber
que você pode ser você mesmo com alguém e eles não vão te julgar.
É sentir-se igual quando é necessário e ser capaz de desistir do
controle, se necessário. É... sentir que você pode confiar em
alguém com os segredos mais sombrios e saber que ele o manterá
seguro. É a capacidade de confiar sem pensar. É... — sua voz
tremeu quando o olhar dele se intensificou — ...ser capaz de
desistir de algo importante para si mesmo se isso ajudar a quem
você ama. É colocar as necessidades deles acima das suas. É
incondicional. Isso é... isso é amor para mim.

Ele ficou parado, processando tudo o que ela disse, como se


arquivar fosse algum canto de sua mente para avaliar mais tarde.
Suas palavras pareciam ter lhe dado o que pensar.

De repente, ele se afastou, recuou, e Lyla observou enquanto


ele se movia ao redor do balcão para ficar de pé na cabeça dela.
Ele parecia ainda maior de cabeça para baixo, com seus ombros
mais largos, bloqueando a luz que vinha das janelas atrás de si.
Sua sombra caiu sobre todo o corpo nu dela e ela se revelou nele,
esperando para ver o que ele iria fazer a seguir. O homem
constantemente a surpreendia de tantas maneiras.

— O que o amor significa para você? — ela perguntou, curiosa


e cautelosa.

Sua cabeça mergulhou para baixo, pressionando um beijo


suave, quase gentil em seus lábios, a posição de cabeça para baixo
de suas bocas tornando uma experiência que ela não tinha
experimentado antes. A um centímetro de distância depois de
beijá-la, ele falou contra sua boca. — Se houvesse algum amor
neste meu mundo, Lyla, seria você.

Seu coração parou.

— Dainn, — ela sussurrou, sabendo que isso não era algo que
ele apenas diria casualmente, sabendo que significava algo.

— Eu sou escuridão. — Ele a beijou suavemente. — Eu vivo


isso, eu respiro isso, eu sou isso. Não há redenção, nenhuma
emoção, nada para mim. Ninguém, exceto você. Você é a lua da
minha noite escura, flamma. Você é a única coisa neste céu negro
que pode prosperar quando eu engulo todo o resto. As estrelas não
existem neste lugar. Só você e eu. Você precisa que eu brilhe e eu
preciso que você exista. É simples assim.

Lágrimas estavam se acumulando em seus olhos. Por ser um


bastardo sem emoção às vezes, esse homem dizia as coisas mais
bonitas.

— Isso foi lindo, — ela disse a ele, um brilho quente a


enchendo. O jeito que ele a via era lindo, o jeito que ele estava com
ela era lindo.
Ele mergulhou a boca em seu ouvido, colocando o brinquedo
de gelo que ela esqueceu em sua coxa. — Agora deixe-me congelar
essa boceta dolorida.

Antes que ela pudesse piscar com a mudança repentina na


conversa, o vibrador de gelo estava em sua boceta.

— Porra, isso é frio! — ela exclamou, tentando se mover para


cima e para longe quando algo duro atingiu sua cabeça. Ela
inclinou o pescoço e viu seu pênis duro, cheio de veias e perfurado
no nível de sua boca, o ângulo fazendo com que parecesse ainda
mais maciço.

Mesmo dolorida e exausta, suas paredes se apertaram. O gelo


a esfregou suavemente, dos lábios ao clitóris, para cima e para
baixo, derretendo com o calor de sua pele e lubrificando-a com
mais do que seus sucos. Ela se perguntou como a mão dele não
estava queimando de segurá-la assim por tanto tempo, e percebeu
que, dadas suas propensões para o fogo, talvez ele não se
importasse inteiramente com a sensação.

— Cuidado, — ela o advertiu, não tendo certeza se era por sua


mão, sua boceta ou sua boca, mas o viu lhe dando uma pequena
contração de seus lábios.

— Relaxe para mim, — ele persuadiu, e ela relaxou, tanto a


mandíbula quanto os músculos.

E então, de ambas as extremidades, ele a penetrou.

Devagar.

O frio, o vibrador de gelo a penetrou de um lado, o frio fazendo-


a querer congelar, mas a sensação diferente de qualquer outra que
ela já experimentou em toda a sua vida sexual. O pênis quente e
pesado a penetrou pela outra extremidade, tomando lentamente
sua boca para não a ferir com seu tamanho ou o metal. O frio e o
calor, ambos queimando-a de ambos os lados, era uma experiência
tão intensa e de outro mundo que ela não conseguia nem processar
o que estava acontecendo dentro de seu corpo. Seus mamilos
estavam duros e doloridos, seus seios pesados e precisando de
atenção, sua pele se arrepiando e arqueando a coluna para
acompanhar todos os sinais confusos que seu cérebro estava
enviando para sua carne.

Ele puxou a si mesmo e o gelo ao mesmo tempo, fazendo-a


respirar fundo antes de ser empalada novamente, ao mesmo
tempo, dos dois lados. O gemido em sua garganta ficou preso,
abafado em torno de seu pênis, seus piercings esfregando o céu da
boca de uma forma que fez a saliva se acumular. O gelo, por outro
lado, continuava entrando e saindo dela rapidamente, o calor de
suas paredes derretendo-o e moldando-o ao redor.

O movimento de ambas as extremidades a manteve no lugar,


e ela agarrou seus quadris para se ancorar, bem quando ele se
inclinou sobre o balcão e ela. Sua boca, sua boca quente e
molhada, caiu sobre seu clitóris frio, e Lyla congelou, à beira de
um orgasmo que ela quase podia tocar ao seu alcance, um
orgasmo que seria tão intenso que ela sabia que iria acabar com
ela. Sua respiração ficou mais forte, a queimadura de ambos os
pênis dentro dela se espalhando sob sua pele, os dedos dos pés se
curvando, as pernas se movendo inquietas para encontrar algum
tipo de apoio, as unhas cavando em sua bunda enquanto ele
alternava entre sacudir e chupar seu clitóris, o gelo derretendo
rapidamente, mas ainda penetrando-a enquanto ela o chupava,
determinada a fazê-lo gozar com ela.

Construiu, construiu e construiu até que ela alcançou o


crescendo, um grito acendendo em seu peito enquanto estrelas
explodiam atrás de suas pálpebras, sua boca e o vibrador
deixando-a, e ela gozou.

Ela gozou.

Por todo o balcão.

O maior e mais sensacional orgasmo de sua vida.

Seu corpo tremeu, suas pernas se sacudindo enquanto o


prazer que a montava explodiu por minutos e horas e ela
honestamente não sabia quanto tempo.

Porra.

Acalmou-se lentamente, fazendo-a abrir os olhos e perceber


que sua boca estava vazia e ele estava de volta ao balcão, apenas
observando-a enquanto ela descia gradualmente.

Renascida. Ela se sentiu renascida.

Seu sistema de crenças quebrado e assimilado novamente.

As duas coisas que ela mais odiava – oral e brinquedos – lhe


deram o orgasmo mais delicioso de sua vida. Tinha sido sujo,
vulgar e tão bagunçado que deveria tê-la feito se sentir usada. Ela
se sentia usada, mas se sentia querida, segura e prazerosa - usada
de uma maneira que a fazia sentir-se piegas em vez de vergonhosa.

Ela se sentou no balcão, seu coração sensível, transbordando


com uma emoção sem nome por este homem que estava
construindo suas costas, um pedaço quebrado de cada vez.

— Venha aqui. — Ela deixou suas pernas trêmulas


balançarem para baixo, abrindo os braços para ele.
Ele balançou sua cabeça. — Isso não era para mim.

Era para ela. Depois de ser tomada e levada, ela estava sendo
dada.

Porra, ele a estava desfazendo.

— Venha aqui, — ela o convidou novamente, e desta vez ele


veio, caminhando até ela com a graça ágil de uma pantera
selvagem. Assim que ele estava ao seu alcance, ela o envolveu com
os braços, acariciando seu peito, pressionando a orelha contra seu
peito para se lembrar de que seu coração batia também.

Ela não o acolheu, e ele não a penetrou, mas ele a segurou


com força e a deixou tomar o que ela precisasse dele.

Seu peito roncou enquanto ele falava com a cabeça dela. —


Ainda odeia brinquedos?

— Não com você. — Ela esfregou o nariz no coração dele.

A mão dele foi para o cabelo dela, puxando sua cabeça para
trás, enquanto ele olhava para ela atentamente. — Nunca haverá
mais ninguém.

— Mesmo se eu escolher outro? — ela perguntou, apenas para


provocá-lo.

Sua mão em sua cabeça flexionou, a posse em seus olhos tão


intensa que fez seu coração palpitar.

— Se você escolher outro, certifique-se de me matar primeiro.


Porque eu... — ele se inclinou para sussurrar contra seus lábios
— ...vou aniquilar a porra do mundo antes de deixar você ir.
Havia algo realmente confuso com ela porque, em vez de
assustá-la, apenas a fazia se sentir mais querida. Ela adorou isso.
Ela adorou ser significativamente o suficiente para ele.

Sentindo-se reivindicada, sentindo-se escolhida, Lyla segurou


o homem que ela percebeu que marcava quase todas as caixas de
amor por ela.
Capítulo Vinte

Ele

Ela estava pronta.

Ele observou enquanto ela se movia pela cozinha, apreciando


imensamente a forma como a camiseta dele caía sobre seu corpo
pequeno, quase a engolindo até os joelhos. Ela havia começado a
fazer seu próprio espaço, e ele gostou disso.

Por semanas, eles ficaram aqui. Por semanas, quase dois


meses desde a noite em que ele dirigiu dentro dela, saboreando a
doçura de seus gritos em sua língua e vendo a explosão de faíscas
em sua visão, ele ficou viciado. Seus sons tinham diferentes
sabores de doçura também – e nada tinha sido mais delicioso do
que cada vez que ele a levava para as estrelas e voltava.

— Acha que pode lidar com a volta para a cidade? — ele


perguntou, testando-a, esperando para ver sua reação.

Ela endureceu de costas para ele, seus braços congelando na


porta da geladeira. — Eu tenho que ir? — Sua voz tinha um tremor.
Doce, mas estranhamente azedo também. Ele não gostava quando
ela falava com dor ou medo.

— Venha aqui.
Sem hesitar, ela se virou e foi até ele, sentando em seu colo.
Ele ficou satisfeito. Durante dois meses, ela aprendeu a confiar
nele, aprendeu a se soltar, e recebia apenas prazer por isso. Ele
tinha feito da missão de sua vida a substituição de seus horrores
pela felicidade, os demônios de seu passado pelo demônio de seu
presente. Ele queria que ela continuasse feliz. Quando ela estava,
o mundo dele era diferente. Seus olhos brilhavam, seus cabelos
brilhavam mais, sua voz era mais doce, os sons que ela fazia
batiam no peito dele. Ele não estava apenas viciado nela agora;
estava viciado nela quando ela estava feliz, o riso dela um novo
som a acrescentar à lista de suas obsessões. Era um som tão
estranho, não um que ele conhecesse muito bem e não um que ele
pensasse particularmente que viria dela, mas uma vez que o
tivesse feito, ele queria mais. Seus suspiros ofegantes, seus
gemidos suaves, seus gritos despedaçados - ele queria todos eles.
A maneira como ela dizia seu nome, a maneira como ela punha à
prova seus limites, a maneira como ela olhava para ele - ele era
um homem louco por aquelas pequenas coisas.

Ele olhou para o rosto dela, seu lindo rosto que brilhava com
saúde e vida, seu cabelo um pouco mais comprido e voltando à sua
ondulação original de uma chama, seus olhos verdes brilhantes
tão expressivos que ele ainda se perguntava como uma pessoa
podia guardar tanta emoção dentro de si mesma.

Eles eram perfeitos, ela e ele — sua alma cheia de emoção e


luz e a dele de vazio e escuridão. E de alguma forma, mesmo com
seu vazio e sua escuridão, ela não perdia sua habilidade inata de
emocionar, brilhar, aquecer. Ela era como o fogo que ele precisava
no meio do inverno nas ruas, quando ele estava congelando e não
havia nada para aquecê-lo. Foi assim que sua vida foi, inverno sem
fim sem calor à vista, e de alguma forma ele aceitou a geada em si
mesmo. E ela, naquela noite em que ele estava prestes a entregar
uma morte, havia entregado a vida em suas mãos, confiando-lhe
seu bem mais precioso.
Ninguém jamais confiou nele, nunca com nada precioso, e o
sentimento se tornou inebriante. Confiança era poder, o poder de
fazer ou quebrar alguém. E naquele momento, nunca tendo
provado esse tipo de poder emocional antes, ele ficou atordoado.

Gostava de sua confiança, ele queria sua confiança. Ele queria


quebrá-la e reconstruí-la, e queria que sua confiança o deixasse
fazer todas essas coisas. Ela não sabia disso, mas fora seu
propósito por seis anos, todos os seus planos, todas as suas ações,
tudo centrado em torno dela.

Ela era o sol no infinito abismo escuro do universo, uma bola


de fogo tão brilhante que fazia tudo girar em torno de si mesma
sem nem tentar, e tudo o que não se perdia para flutuar e morrer.
E ele? Ele era o abismo infinito e escuro em que morreram, aquele
que a cercava, aquele que a deixava arder.

Ele viu como se contorceu um pouco em seu colo, enviando


sangue correndo para seu pênis. O filho da puta era viciado em
sua boceta também. Fodê-la pela primeira vez tinha sido como
foder pela primeira vez. Ele não esperava que as sensações de sua
boceta apertada o agarrando fossem tão intensificadas quando ele
colocou os piercings. Mesmo agora, ele levou um momento para se
sentar completamente dentro dela e ele a estava tomando
consistentemente por semanas.

— Pare, — ele segurou seu quadril ainda, sabendo que ela


estava tentando distraí-lo.

Ela não parou.

Sem uma palavra, ele se levantou e a empurrou sobre o balcão,


dando um tapa alto em sua bunda. Outra coisa que ele aprendeu
sobre ela? Ela adorava ser espancada. A primeira vez que ele a
espancou foi um gesto descartável quando ele passou por ela no
armário. Ele não estava pensando em fazê-lo, mas sua bunda
parecia bem em seu jeans e ele apenas impulsivamente fez isso.

Ela gritou e se virou, e a expressão em seu rosto disse tudo.

Então, ele fez isso de novo.

Ela mordeu o lábio inferior exuberante, seus olhos famintos.

Então, bem ali no closet, ele a virou sobre o joelho e a


espancou até que ela estivesse se contorcendo, chorando e
implorando para ele levá-la, bem na frente do espelho, segurando-
a com os braços dele, as pernas sobre seus antebraços, fechando-
a aberta, fazendo-a ver o quão pequena ela parecia com seu
enorme pênis perfurado martelando nela. Ela havia gozado tantas
vezes daquela vez que finalmente desmaiou.

Agora, ela olhou por cima do ombro para ele, dando-lhe o olhar
que ele veio a entender muito bem. Se ele estava viciado nela, ela
estava viciada nele também. E foi assim que ele soube que ela
estava pronta.

— Eu te fiz uma pergunta, — ele a lembrou, e ela retorceu seus


quadris de volta para ele, esfregando contra a barraca em suas
calças, e foda-se se ele não queria rasgar dentro dela.

— Eu não quero sair de casa, — ela disse a ele, e algo apertou


em seu peito.

Casa.

Ela começou a pensar nisso como um lar. Ele ficou muito,


muito satisfeito.

— Você não pode se esconder para sempre, flamma.


— Veja-me.

O desafio em seu tom o divertiu. Ele deu outro tapa em sua


bunda deliciosa, observando-a ondular sob sua palma, a
impressão vermelha escurecendo em sua pele.

— Se não voltarmos, como você verá o careca?

Ela se acalmou, inspirando profundamente. Ele notou


enquanto ela virava o pescoço, seus olhos expressivos travando
com os dele. Embora estivesse lidando com isso, suas sessões com
o Dr. Manson lhe fazendo muito bem, ele sabia que ela empurrou
muito do que ela passou para debaixo do tapete, fingindo começar
de novo, e enquanto ele não tinha nenhum problema com sua
cura, ela devia fazer isso, ele tinha um grande problema com as
rupturas que se aproximavam dela sem aviso prévio.

Nos últimos dois meses, ele viu o colapso dela por causa do
chá, por ver uma mulher nua com ele, por não poder entrar no
vilarejo porque tinha medo de sair de casa, por medo de não
conseguir falar o suficiente para manter uma conversa. Pequenas
coisas, tantas coisas, que lhe passaram pela cabeça e a fizeram
sentir-se menor, tudo vindo de um lugar de baixa auto-estima e
medo de nunca ser suficiente. Com a vida que teve, ninguém
poderia culpá-la a não ser fodida se ele não quisesse que ela
percebesse e aceitasse o quão verdadeiramente poderosa ela era,
sempre foi. Em uma guerra, a que tinha as armas mais eficazes
era a mais poderosa, e ela, mesmo sem saber, tinha algumas das
armas mais poderosas do mundo, disposta a fazer qualquer coisa
por ela. Ele estava apenas no topo dessa lista, então se isso
significava matar o principal monstro responsável pelos traumas
recentes, que assim seja.

Hector, outrora o braço direito de Alpha Villanova, agora um


cão de colo do Sindicato, era o mais baixo dos vilões. Enquanto
Dainn não tinha moral para julgar como um assassino, Hector era
uma raça própria. Ele tinha fodido crianças, estuprado,
estrangulado mulheres inocentes e assassinado uma das velhas
amigas de Lyla, uma que havia escapado e se tornado cunhada de
Alpha. Dainn, por mais psicótico que ele fosse, limitava-se às
crianças, não por causa da moralidade, mas porque eram
indefesas, impotentes, e isso tornava covardes aqueles que as
atacavam, que não conseguiam enfrentar um adulto.

Dainn estava monitorando Hector desde o dia em que ele havia


levado Lyla, aterrorizando-o até que o outro homem mijou suas
calças e fugiu para se esconder como o covarde que ele era. Ele
tinha reaparecido, e desta vez, o Shadow Man lhe faria uma visita.

— Você sabe onde ele está? — ela perguntou, raiva


branqueando em suas palavras.

— Melhor, flamma, — ele espalmou sua bunda suavemente. —


Eu o pendurei em um lugar muito bom. Ele está sangrando, uma
gota de cada vez enquanto eu brinco com sua bunda. — Ela abriu
as pernas para os dedos dele, já molhadas para ele como sempre.

— Ele está sofrendo? — ela perguntou, sua voz trêmula.

— Mais do que você já sofreu, — ele prometeu e viu sua coluna


relaxar. Ótimo.

— Eu quero ver isso, — disse ela suavemente para o balcão.


— Quero vê-lo sangrar. Quando vamos?

Dainn ouviu suas palavras vingativas, e lentamente esfregou


suas costas em um gesto que ele sabia que a acalmava. Sim, ela
estava pronta, pelo menos para o primeiro passo.
Capítulo Vinte e Um

Lyla

Ela não estava pronta para sair de casa. Ao longo das


semanas, tornou-se seu refúgio, o único lar que ela já conheceu, o
único paraíso em sua vida de inferno. E não estava pronta para
deixá-lo, sem saber se ela voltaria, a parte dela que ainda se
questionava constantemente se perguntando se ele a deixaria na
cidade. Sentiria falta da casa, do deck, da rotina. Ela sentiria falta
de cozinhar e ser ela mesma, encontrar o Dr. Manson todos os dias
e passear pelo jardim com Bessie. Ela sentiria falta de tudo.

Ela balançou a cabeça e prendeu o elástico de cabelo que ela


colocou no pulso. Dr. Manson tinha sugerido amarrar um elástico
de cabelo em volta de seu pulso e apertá-lo sempre que um
pensamento ruim e infundado entrasse em sua mente. Quando ela
procurou um artigo sobre isso, dizia que treinava o cérebro para
se sentir punido por pensamentos ruins e, eventualmente, tornou-
se mais administrável.

Fazia algumas semanas e ela podia atestar que funcionava


para ela. Treinar seu cérebro em diferentes padrões de pensamento
era algo em que ela vinha trabalhando ativamente. Algumas
coisas, ela fazia sozinha, como o prendedor de cabelo, como as
tarefas diárias, como escrever algo bom todos os dias. Algumas
coisas, ela precisava de ajuda, e o homem que era um pesadelo
para tantas pessoas a ajudava.
Como se ela tivesse dito a ele como entrar na banheira a
lembrava de todas as vezes que ela tentou se afogar na água, e ele
simplesmente começou a preparar um banho para ela todas as
noites. Ele a pegava e a carregava nos braços, sentando-se em uma
extremidade e fazendo-a sentar-se sobre ele, de costas para ele e
ele dentro dela, sem se mover, sem foder, apenas imóvel, então ela
começou a associar a banheira e banhos com ele.

Outra vez, ela contou a ele sobre como no passado ter tocado
seu cu a fazia se sentir doente e suja, como o pensamento disso
ainda fazia seu estômago revirar. E ele, desviante, dominante,
amarrou seus tornozelos em seus pulsos até que ela ficou
obscenamente exposta, e colocou um vibrador em seu clitóris, seu
pau em sua boceta e seu polegar em seu botão de rosa até que ela
esqueceu que estava lá, perdida nas sensações. Na manhã
seguinte, antes de sair, ele a virou no sofá e deu uma palmada em
sua bunda, lubrificando-a com seus próprios sucos, e colocou um
pequeno plug em seu traseiro, dizendo-lhe para não o tirar, não se
tocar, não fazer nada até que ele voltasse. O dia inteiro, o peso do
objeto em um buraco e o vazio do objeto em outro mexeram com
seus nervos até que ela estava no deck, nua, as pernas estendidas
sobre os braços da cadeira apenas para deixar a brisa fresca dar a
sua pele superaquecida algum alívio. Foi assim que ele a
encontrou, e a prendeu na cadeira, inclinando-se, e empurrou-se
para dentro dela, penetrando-a duas vezes de uma forma que a
deixou inconsciente com as sensações, seus gritos ecoando pelas
montanhas até passar.

Mas não eram apenas seus problemas sexuais que ele a


ajudava a superar. Os emocionais também.

Ela confessou a ele como se sentia insegura, como temia que


ele a deixasse um dia e ela não sabia se poderia lidar com isso. Na
manhã seguinte, ele a levou para o closet e ficou atrás dela.
Levantando as mãos, ele disse a ela para fechar os olhos. Ela
fechou, e imediatamente algo frio e metálico tocou a pele ao redor
de seu pescoço, fazendo sua respiração engasgar-se. Ela abriu os
olhos para ver uma gargantilha de ouro fina em volta do pescoço,
o metal aquecendo à temperatura de seu corpo.

— Assim como seu prendedor de cabelo, — ele murmurou com


os lábios contra o pescoço dela. — Quando você sentir essa
insegurança, toque isso, lembre-se de quem reivindicou você,
lembre-se dos últimos seis anos e como eu nunca deixei você ir
uma única vez, e pergunte a si mesma se você acha que eu deixaria
você ir agora. O mundo poderia se inclinar em seu eixo, flamma, e
eu ainda seria a coisa mais certa em sua vida. — Um beijo suave.
— Você é o oxigênio que alimenta minhas chamas – sem você,
minha existência é questionável.

Ela tocou a corrente de ouro em volta do pescoço quando ele


trancou a porta, levando-a para o helicóptero na luz da manhã.
Enquanto ela caminhava para o passeio que esperava, um arrepio
de excitação subiu por sua espinha. Ela ficou fascinada com a
coisa desde que a viu em sua primeira manhã. Ela chegou ao lado
do helicóptero preto e se virou para olhar para a casa, uma
maravilha arquitetônica cinza e preta, metade no penhasco e um
pouco abaixo.

Olhando para a casa, ela se lembrou do dia em que confessou


no escuro da noite que não sabia para onde iria se tivesse que ficar
sozinha, que não tinha nada do lado de fora. Ele ouviu
atentamente com os braços em volta dela, e no dia seguinte, ele a
levou para o cofre no escritório.
— Sente-se, — ele disse a ela, e ela se sentou. Ele se sentou
ao seu lado, virando todo o corpo para ela, entregando-lhe um
envelope pardo.

— O que é isso? — ela perguntou, curiosa sobre o conteúdo


enquanto o tirava. Ela examinou um monte de jargões jurídicos, a
maior parte voando sobre sua cabeça, e virou os olhos
questionadores para ele.

Ele apontou para o primeiro documento. — Essa é a escritura


desta casa. Está em seu nome, Lyla Blackthorne, e é toda sua.

Atordoada, ela olhou para o papel novamente, e com certeza


as palavras “propriedade” e “pertence” e seu nome, seu novo nome,
estavam lá. Enquanto ela processava, a enormidade disso, ele
continuou. — Eu mandei construir esta casa para você. Você
sempre terá um lugar para ir que é só seu.

Lágrimas brotaram em seus olhos enquanto ela apertava o


documento contra o peito, o gesto, o pensamento, mais importante
do que ele jamais saberia.

Ele pegou um segundo documento, seus olhos hipnóticos de


luz dupla e escuros fixos nos dela. — Isso... — ele entregou a ela o
segundo documento — ...é uma licença de casamento, declarando
oficialmente você Sra. Blackthorne. Então você possui tudo o que
eu possuo, e você pode ir a qualquer lugar do mundo e ter um
nome.

Porra.

— Mas nós não nos casamos, — ela apontou, sem entender


como ele tinha feito isso.
— Aos olhos da lei, sim. — A declaração foi suficiente por si
só. Não era lícito o que quer que ele tivesse feito para tornar isso
possível, mas ele tinha feito isso.

Ele lhe dera um lar e um nome, um lugar e uma pessoa para


pertencer, espaço para aprender quem ela era e qual era sua
individualidade, seus gostos e desgostos, suas esperanças e
inibições. Ele lhe dera a capacidade de sonhar.

Sem uma palavra, ela apertou seus lábios nos dele,


agradecendo-lhe da única maneira que podia, derramando tudo o
que estava sentindo naquele único beijo, deixando-o entender o
que significava para ela. Ele agarrou sua mandíbula como sempre
fazia, sua língua se entrelaçando com a dela, e aceitou o que ela
deu, exigindo mais, exigindo tudo, fundindo-os tão completamente
até que ela não sabia onde terminava e onde começava.

Depois de longos, longos minutos de beijos, ela se afastou, os


lábios inchados, os olhos brilhando. — Eu acho que estou
apaixonada por você.

Ele roçou seu nariz contra o dela, seus olhos suaves sobre ela.
— Eu sei que você está.

E embora ele não dissesse que a amava de volta, embora ela


não soubesse se ele sentia isso, era o suficiente. Tudo o que tinha
sido durante anos, tudo o que tinha sido durante semanas, tudo o
que tinha feito para empoderá-la, era o suficiente.

Ele lhe dera muitos presentes, mas seu maior e mais bonito
tinha sido a liberdade. O que ela enxergou como uma prisão no
começo tinha sido um espaço seguro para ela ser, explorar a si
mesma, viver sem medo.

Ela estava livre.


Ela era destemida.

Ela estava voando.

E era tudo por causa dele.

E isso era mais que suficiente.

A sensação de sua mão nas costas dela a trouxe de volta ao


presente quando ele a pegou e a colocou lá dentro. Ela ficou quieta
enquanto ele a amarrava, seu coração batendo em ritmos alegres
enquanto ela o observava, seus cabelos escuros, sua barba
permanente, seus olhos desiguais, hipnóticos e diabólicos. Ele
agarrou o maxilar dela e lhe deu um beijo forte e rápido.

— Você me ama, — afirmou, como ele começou a afirmar todos


os dias desde que ela disse a ele.

— Eu te amo, — ela confirmou, roçando o nariz contra o dele.

Ele a beijou novamente e se afastou, fechando a porta ao seu


lado. Ela o viu caminhar para o lado do piloto e subir com agilidade
que desmentia quantas vezes ele tinha feito isso. Ele fechou a porta
e se prendeu, e ela observou com absorção quando ele começou a
apertar alguns botões que não faziam sentido para ela. Ele colocou
seu capacete e indicou o dela, e ela o colocou, ansiosa para ver o
que aconteceria a seguir.
Depois que ele fez algumas verificações, ele apertou um botão
que enviou vibrações pelo corpo dela quando as pás do helicóptero
começaram a se mover. Agarrando as bordas de seu assento, o
coração batendo forte, seu estômago caiu quando o chão começou
a se mover lentamente. Eles mergulharam um pouco para frente
antes de se estabilizarem, pairando, e ela absorveu toda a vista das
montanhas, os penhascos, o mar, a praia, a casa, espalhados
abaixo para ela deleitar seus olhos.

— Uau, — ela suspirou, ainda surpresa que ela pudesse ver


algo assim quando alguns meses atrás tudo o que ela esperava da
vida tinha sido um final. Ela havia mudado desde então, evoluído,
crescido. Como uma árvore que foi cortada, devastada e puxada
até que nada restasse para os olhos verem. Ele não tinha visto as
raízes arrancadas, o toco sangrando, a destruição total. Não, ele
tinha visto a vida. Ele pegou a única raiz, colocou-a em um
ambiente controlado, seguro e a alimentou com luz solar, água e
carinho à sua maneira até que um novo broto surgisse, novas
raízes plantadas, novas flores desabrocharam.

Olhos grudados na vista abaixo à medida que subiam cada vez


mais, ela sentiu seu estômago revirar com cada vibração e
deslizamento do helicóptero. Ela se virou para vê-lo, observando o
pequeno sorriso em seus lábios enquanto ele os levava pelas
montanhas para o interior em direção à cidade – Gladestone.

Ele havia lhe falado sobre isso um dia quando ela havia
perguntado sobre onde ela havia estado, onde o complexo havia
estado. Ele havia lhe contado sobre Gladestone, uma cidade que
surgiu no século XIX, conhecida por suas qualidades mineiras e
industriais têxteis. Era uma cidade agitada, um lugar onde as
pessoas não dormiam e onde o crime não parava. Era um dos
locais chaves da operação do Sindicato, algo que ela havia
aprendido com ele mais tarde. Foi isso que o trouxe para
Gladestone todos aqueles anos atrás, em primeiro lugar. Era uma
região sombria e contaminada de pessoas que tinham algo ou mais
a ver com o submundo - seres humanos, órgãos, animais,
assassinos ou mais.

Após cerca de meia hora de voo, ela conseguiu ver a primeira


das altas chaminés da fábrica à distância.

— Isso é nos arredores de Gladestone, — ele disse a ela, sua


voz alta e crepitante com estática em seus fones de ouvido.
Fábricas atrás de fábricas passaram sob ela, a vista tão
drasticamente diferente da que ela via em casa.

Casa.

Ainda sentia descrença correndo por ela quando ela disse isso.

A paisagem urbana apareceu depois de alguns minutos, as


fábricas e armazéns desaparecendo para mostrar prédios mais
limpos e mais altos. O primeiro vislumbre do buraco negro se abriu
em sua mente em meses observando a cidade que a havia
destruído.

— Onde fica o bairro do Clube? — ela gritou sobre o bocal.

Ele apontou para a direita. — Bem ali. Você morava mais longe
naquela direção.

Ela tocou sua gargantilha, respirando fundo, e prendeu o


elástico de cabelo novamente, enraizando-se no presente. Era
bom. Ela estava bem. Ela não era a mesma garota que cedeu ao
buraco negro. Ela era nova e ficaria bem.

Dainn circulou um prédio alto, um dos mais altos no


horizonte, e ela viu um heliporto no topo do telhado. — Estamos
descendo.
Ela fez um sinal de polegar para cima e segurou suas alças,
seu estômago gritando enquanto eles desciam. Ela regulou sua
respiração, sabendo que levaria algum tempo para se acostumar
com isso para parecer normal, e eles tocaram o teto.

Dentro de instantes, uma vez que o helicóptero foi acionado,


ele apertou mais botões e o desligou, as lâminas desacelerando até
que parassem.

Desafivelando-se, pulou da cabine do piloto e deu a volta até


ela, levando-a para o telhado em tempo recorde.

Seus joelhos tremiam, mas ela ficou de pé com o apoio dele,


sentindo o vento em seu rosto, o sol em sua pele, a vista – embora
bonita à sua maneira – marcada por suas memórias. Ela odiava
esta cidade e odiava seu povo.

— Sr. Blackthorne, bem-vindo.

A voz de uma mulher ao lado a fez se virar. Uma mulher bonita


em algum tipo de uniforme os levou para um elevador.

— Obrigado, Fiona. — Ele colou um sorriso encantador no


rosto e pegou a mão dela. — Espero que tenha a nossa suíte
pronta? A minha esposa está cansada da viagem.

Pela primeira vez, ela viu por que as pessoas se apaixonavam


por sua fachada sem ver quem ele era por baixo. A mulher caiu, e
para ser honesta, ela também, especialmente a parte da “esposa”.

— Claro, Sr. Blackthorne. — A mulher pressionou um cartão-


chave em um elevador extravagante e chique. — Devo dizer a
Moonflame para esperar você esta noite?

— Sim, por favor. Obrigado, Fiona.


As portas do elevador se fecharam e Lyla observou fascinada
enquanto o sorriso dele sumia, sua expressão habitual e neutra de
volta ao rosto, os olhos escondidos atrás dos óculos escuros que
usava. Ele tirou o telefone do bolso do terno, a outra segurando a
dela, e o operou com uma mão.

E ela gostou disso. Ela gostava que ele fosse autêntico com ela,
assim como ele era, sem fingimentos.

— Dainn, — ela puxou sua mão.

— Hum?

— Moonflame?

Ele fez uma pausa, olhando para ela, sabendo que estava
perguntando sobre o clube de sexo em que se conheceram anos
atrás, um clube de sexo que tinha sido um pesadelo para ela.

— Por que você vai lá hoje à noite?

Ele guardou o telefone no bolso, virando-se para ela. — Nós


vamos lá hoje à noite. Comprei o clube depois daquela noite no
labirinto. As coisas mudaram. Nós vamos porque eu quero que
você experimente como é um clube de sexo de verdade.

Ela olhou para o peito dele exposto pela camisa desabotoada.


— Você... você força as pessoas lá?

— Não se eles não quiserem ser forçados.

As pessoas queriam ser forçadas? Que porra?

Ela sentiu a respiração dele em sua bochecha. — Feche seus


olhos.
Seus olhos se fecharam imediatamente.

— Agora me imagine, — sua voz era pura sedução em sua pele.


— Imagine-me empurrando você para baixo e você lutando para
fugir. No fundo, você sabe que eu não iria te machucar, mas isso
é um jogo, então nós fingimos. Eu finjo e persigo você, você finge e
corre. Eu te pego... — sua respiração engatou quando as mãos dele
deslizaram sobre seus lados — ...e empurro você de bruços na
cama. Você finge lutar, quer se afastar de mim, mas eu te amarro,
você não consegue se mexer. Então você grita.

Sua mão de repente cobriu sua boca, sua voz em seu ouvido
quando ele veio atrás dela. — Eu abafo seus gritos, levo minha mão
para baixo, sufoco você até parar.

As memórias colidiram com a fantasia dentro dela, seu corpo


tremendo enquanto ele continuava tecendo as palavras sobre ela.
— Então você para de gritar, para de lutar. E então, eu empurro
meu pau dentro de sua boceta apertada... — sua mão em concha
sobre seu jeans — ...e se você fizer um barulho, eu vou estrangulá-
la.

Podia ouvir sua respiração alta, quase ofegante com o visual


que ele criou em sua mente.

— Você quer essa fantasia?

Antes que ela pudesse dizer outra palavra, as portas do


elevador se abriram e seus olhos também, voando para ver as três
pessoas olhando para ela com os olhos arregalados. Ela podia
imaginar como eles estariam – uma mulher pequena com um
homem grande aparecendo atrás dela, a mão dele sobre sua boca
e entre suas pernas.
A referida mão deu-lhe um pequeno aperto antes que ele a
soltasse, entrelaçando seus dedos novamente e levando-a com ele.

Ele estava reescrevendo suas experiências sexuais, e ela


confiava nele para fazer isso.

— Com você, eu faria, — ela disse a ele como sempre.

— Nunca haverá mais ninguém, — ele prometeu como sempre.


Capítulo Vinte e Dois

Lyla

Ao anoitecer, Dainn a pegou pelo braço e a levou ao


estacionamento do hotel em que estavam hospedados. Ele alugou
a suíte em uma base permanente, já que o hotel era sofisticado e
perto do Club District, o lugar onde ele precisava estar
principalmente quando estava na cidade. Como ele era um
residente semipermanente, o hotel lhe deu uma vaga de
estacionamento, aquela para onde ele a levou, com um carro preto
elegante esperando por eles.

Ela não sabia o que era o carro ou a companhia, mas parecia


rápido, e ela não ficou surpresa. Entre voar e dirigir, ela entendeu
que ele gostava da pressa.

Entrando no carro baixo, muito baixo, o interior dele


surpreendentemente preto também, ela se afivelou e eles saíram.

— Por que Blackthorne? — ela meditou. — De todos os nomes


que você poderia ter escolhido, por que esse?

Um lado de sua boca se contraiu. — Era o nome do primeiro


homem que matei. Ele era um idiota rico e pomposo, e já que era
isso que eu ia fingir ser, por que não?

Lyla respirou fundo. — Quantos anos você tinha?


— Seis. — O pequeno sorriso no seu rosto era inquietante.
Perturbou-a ainda mais por não ter ficado incomodada. Não
deveria ela ter ficado mais horrorizada, com mais repulsa do que
dormir com um assassino tão voluntariamente? Talvez. Talvez ela
tivesse entrado numa realidade alternativa onde fosse normal.

— E por que você o matou? — ela continuou ignorando os


pensamentos em sua cabeça.

Ele deslizou-lhe um olhar. — Ele tirou algo de mim.

Algo em seu tom parecia uma porta fechada. Ela reconheceu


o tom o suficiente, tendo sido submetida a ele algumas vezes nos
últimos dois meses. Normalmente, ele respondia a quaisquer
perguntas que ela fizesse, deixando-a testar quantos limites ela
quisesse. Mas algumas, ele fechava. E por mais compreensiva que
quisesse ser, isso a frustrava porque ele sabia tudo sobre ela, tinha
testemunhado seus momentos mais humilhantes, e ela não tinha
o mesmo privilégio quando se tratava dele. Conhecia sua
personalidade, sabia quem ele era, mas seu passado era um cofre
ao qual ela ainda não tinha acesso.

Enquanto ele desviava pela cidade, manobrando o carro


habilmente, ela lhe lançou um olhar. Ele estava vestido, com um
terno escuro sem gravata, seu cabelo puxado para trás das linhas
de seu rosto, seus olhos incompatíveis perigosos. Ela mesma
estava vestida com um vestido cor de champanhe com uma fenda
lateral e fitas nos ombros, o seu cabelo um pouco mais comprido
e com as suas ondas soltas, seus lábios pintados com um rosa
suave pelo qual ela sabia que ele era obcecado.

Ela estava apreensiva sobre estar na cidade e ir para


Moonflame. Independentemente do que ele disse, a memória de ser
amarrada e empurrada em um labirinto, de se sentir indefesa e
perseguida, era aguda em sua mente. Não sabia como ele poderia
anular tudo isso.

As palavras do Dr. Manson vieram até ela.

Abra-se para novas experiências. Confiar no seu parceiro é o


máximo para qualquer relacionamento. Ele lhe deu uma razão para
não confiar nele?

Não. Não, ele não deu.

Lembrando-se disso, tocando a gargantilha de ouro em seu


pescoço, ela observou a cidade passar enquanto eles paravam em
um estacionamento familiar. Moonflame era um dos prédios do
Club District, uma estrutura cinza simples de dois andares que
ninguém daria uma segunda olhada, não com todos os sinais
chamativos em todos os outros lugares. Uma simples placa preta
pendurada na porta de madeira, nada além do logotipo de um orbe
em chamas. Ela assumiu que era a lua literal em chamas.

Estacionando o carro, ele se virou para ela. — Estarei com você


o tempo todo.

Ela assentiu.

Dando-lhe um beijo suave, ele saiu, dando a volta ao seu lado


e pegando sua mão. Ele colocou a mão enluvada nas costas dela,
guiando-a para a porta principal.

Dainn bateu três vezes na porta com os nós dos dedos


enluvados, e um homem abriu a porta, deixando-os entrar em um
corredor estreito. O corredor se abriu em um salão aberto, e Lyla
se aconchegou ao seu lado instintivamente enquanto o déjà vu a
inundava. Ele a segurou perto, entrando na sala de estar feita em
madeira e vermelho, e se ela não visse algumas pessoas em
diferentes estágios de cópula aqui e ali, não teria pensado que era
um clube de sexo. Mudara muito desde a última vez que estivera
ali.

Dainn a conduziu pelo salão até os fundos, onde havia outra


porta, a que levava à sala do labirinto, e seu coração começou a
gaguejar, seus pés tropeçando.

Seu aperto em sua cintura aumentou, mas ele continuou a


conduzi-la.

A porta se abriu e, em vez do labirinto, havia lances de


escadas.

Curiosa, surpresa, ela a seguiu enquanto ele a conduzia por


algumas escadas à direita, uma que dava para uma pequena sala
pintada de vermelho escuro, com nada além de um sofá olhando
para uma grande parede de vidro que dava para uma sala estilo
auditório, nenhum sinal do Labirinto.

Seus lábios se separaram.

Uma mulher morena estava pendurada, suspensa por uma


corda pendurada no teto, os dedos dos pés tocando o chão, uma
venda nos olhos, o corpo completamente nu.

Lyla olhou e viu pelo menos dez outras salas de vidro olhando
para a cena, os vidros levemente matizados o suficiente para
mostrar apenas silhuetas. Ela podia ver as silhuetas de duas
mulheres brincando uma com a outra na janela oposta à dela. Em
outra, uma mulher estava de joelhos e chupando o pau de um
homem. Em outra, duas mulheres e dois homens se moviam.

Era depravação, nada como os clubes que ela já tinha visto.


Ela deu um passo em direção ao vidro quando dois homens,
completamente vestidos, se juntaram à mulher suspensa no meio
do auditório. O contraste entre eles totalmente vestidos e ela
totalmente em exibição enviou um fio de excitação por ela.

O auditório era diferente, a vibração era diferente. Não parecia


invasivo, não como da última vez.

Ela o sentiu atrás dela, seu dedo enluvado traçando suas


clavículas enquanto sua respiração se tornava irregular. — Você
gosta do que eu fiz com isso?

Lyla mordeu o lábio, assentindo. — Sim.

— E você gosta da cena?

Lyla olhou para a cena, os dois homens chupando os mamilos


da mulher suspensa, puxando-o tão profundamente que ela podia
ver suas bochechas encovadas. Eles não estavam tocando a
mulher em nenhum outro lugar, e ela estava pendurada, gemendo,
com as pernas batendo para encontrar a recompensa. A ideia de
que ela estava vendada, mas ser observada por tantos, fez algo com
ela.

— Ela quer estar lá, certo? — A pergunta era importante para


ela.

— Todo mundo aqui quer estar aqui.

Ótimo. Isso era bom.

— Você deixaria alguém me ver assim? — ela perguntou,


curiosa sobre como sua possessividade poderia lidar com isso.
Sua risada obscura tomou conta dela. — Eu poderia foder você
crua com o mundo inteiro assistindo, Lyla. Observando de longe,
sabendo que eles não poderiam ter você, não poderiam nem a
tocar, que você é toda minha para brincar como eu quiser. Mas eu
não deixaria você gozar. Isso é apenas para os meus olhos.

A posse de suas palavras deslizou por seu corpo, aumentando


o calor.

— Eu... eu não sei o que eu acho disso, — ela murmurou, seus


olhos na cena abaixo. Ela odiava estar em exibição. O que tinha
com ele era apenas deles, apenas entre eles, e a ideia de mostrá-lo
não a atraía.

Seus lábios pousaram em seu pescoço. — Mas você gosta de


assistir?

A pergunta dele fazia sentido para ela. — Sim.

Ela sentiu seu hálito quente contra o lado de seu pescoço. —


Nesse caso, flamma, continue assistindo.

Ela fez.

Observou as pessoas nas outras salas de vidro, ou melhor,


suas silhuetas, envolvidas em diferentes atividades sexuais. Ela se
perguntou, observando-os, o que eles podiam ver quando olhavam
para o corpo dela – apenas a silhueta dele enquanto o corpo dele
cobria o dela ou uma mulher pequena com um homem maior nas
costas? Mesmo sem saber, a ideia era emocionante. Deixando seus
olhos vagarem, ela viu como a mulher na sala parecida com um
auditório estava imprensada entre os dois homens, apanhada pelo
que estava à sua frente enquanto o que estava atrás abria o zíper.
Sabendo o que ela sabia que ia acontecer, ela ainda prendeu
a respiração quando ele entrou em seu traseiro, a mulher gemendo
tão alto que enviou arrepios por seu corpo.

Lyla sentiu a saia de seu vestido passando por seus quadris,


o homem atrás dela puxando sua calcinha para o lado, seus dedos
encontrando-a já encharcada enquanto ela respirava rapidamente.
Ela sentiu algo metálico girar em torno de sua abertura, e seu
corpo automaticamente enrijeceu.

— Shh, — ele a acomodou. — Continue assistindo.

Ela se concentrou na visão abaixo. O Homem A colocou-se


inteiramente dentro da bunda da mulher, assim quando Lyla
sentiu o metal que Dainn havia usado antes deslizar dentro dela.
A mulher abaixo gemeu novamente quando o Homem B abriu o
zíper e empurrou dentro dela pela frente, enchendo-a ao máximo.

O plug se acomodou dentro dela, Lyla sentiu a cabeça de seu


pênis em sua abertura e se inclinou no vidro, dobrando os quadris
para dar-lhe melhor acesso. Alojada na abertura por um segundo,
encarou os homens abaixo começarem a foder lentamente a
mulher pendurada enquanto a própria Lyla era empalada. Sua
respiração engatou com o aperto da penetração, o fato de que ele
ainda precisava deslizar nela com cuidado depois de todo esse
tempo fazendo seu coração acelerar.

Dentro de segundos, ela estava duplamente derrubada, o mais


perto de uma dupla penetração que ela poderia estar com este
homem, e sabendo que ele nunca deixaria outro chegar perto dela,
ela soltou quaisquer inibições.

Um barulho alto escapou; seus olhos se fecharam quando ela


o sentiu ir fundo, o metal em seu pau esfregando contra suas
paredes apertadas de uma forma que se tornou familiar, mas não
menos requintada agora.

— Você odiava estar em exibição, não é? — As palavras contra


seu pescoço a fizeram estremecer, arrepios espalhando por seus
braços.

Ela odiava, e isso não era realmente ela estar em exibição em


si, mas de certa forma ela também estava porque o vidro não a
escondia e seus ruídos certamente não. Isso a fez perceber que,
mais uma vez, ele havia passado por algo que ela havia desprezado
anteriormente, substituindo o ato por uma memória inesquecível
e incrível em seu lugar.

Ela deixou uma de suas mãos enrolar em volta do pescoço


dele, sentiu-o profundamente dentro dela, e virou o pescoço, seus
rostos a centímetros de distância. — O que eu já tive antes não era
sexo. Era crueldade e era frieza. Sendo usada, sendo exibida,
sendo tocada, tudo era humilhante. Eu não sabia que poderia ser
diferente, que eu poderia me sentir diferente, até você. Você me
mostrou que o sexo é mais profundo. É uma maneira de se
conectar com alguém de quem você gosta. Você me devolveu a vida,
e neste ponto, eu... — ela girou seus quadris, seus lábios a
centímetros, vendo o efeito que suas palavras tinham sobre ele —
...confio em você para fazer o que quiser comigo, sabendo que eu
sempre estarei segura no final.

Seus lábios se inclinaram sobre os dela, duros, ásperos, sua


língua empurrando em sua boca enquanto ele se movia dentro
dela, seus ruídos se afogando contra ele.

— Então, — ele perguntou, se afastando, — você confiaria em


mim se eu te levasse para uma sala cheia de pessoas e te deixasse
nua lá?
Sua respiração engatou com o pensamento, o medo a
enchendo, mas ela assentiu. — Sim.

— E se eu convidasse as pessoas aqui para assistir isso, você


confiaria em mim?

— Sim.

— E se eu colocar algo em sua bebida?

Ela olhou profundamente em seus olhos, sabendo que ele


sabia que ser drogada era uma lembrança pior para ela. Ela
engoliu, mas assentiu.

— Foda-se, Lyla, — ele gemeu, empurrando tão forte dentro


dela que ela quase desmaiou. — Nada me faz sentir como sua
confiança. Nada.

— Eu confio em você, — ela suspirou, e sentiu sua resposta


em um estremecimento de corpo inteiro, um que penetrou nela
enquanto ele começou a desfazê-la. Ela se virou para o vidro,
observando a devassidão ao seu redor e, pela primeira vez em
muito tempo, sentiu-se feliz por ser possuída.
Capítulo Vinte e Três

Ele

Ela dormia como se estivesse morta, exausta depois do


espremedor sexual que ele fez em seu corpo em Moonflame. Ela o
havia surpreendido. De todas as suas inibições, estar em exibição
era o que ela mais odiava por razões compreensíveis. Mas de
alguma forma, ela confiava nele para cuidar dela, e isso mais do
que tudo o fazia se sentir o mais poderoso de todos. Ele tinha seu
amor, ele tinha sua confiança, e foi assim que ele soube que era
hora.

Olhando para o tablet, ele olhou para a galeria de fotos que


havia tirado ao longo dos anos e suspirou. Travando-o, o colocou
na mesa lateral e se deitou, seu braço envolvendo seu pequeno
corpo.

Ela se enrolou de volta nele inconscientemente, seus lábios se


movendo em um murmúrio que ele não podia ouvir, e sentiu algo
apertar em seu peito. Abraçá-la, dormir ao lado dela, estar com
ela, isso o mudou, abriu-o para possibilidades e ideias, e a gama
de emoções que ele ainda não sentia ao máximo, mas que ele
conhecia.

Dando-lhe um aperto, ele deu um beijo suave em sua cabeça,


antes de sair da cama. Sabendo que ela dormiria a noite toda – ela
sempre dormia depois de uma foda intensa – vestiu sua roupa
esportiva escura, colocou o telefone no bolso para o caso de ela
acordar e precisar dele, e silenciosamente foi até a janela.

Uma das razões pelas quais ele ficava neste quarto era por
causa da escada de acesso de emergência que estava do lado de
fora de sua janela. Ele poderia usá-la e descer sem entrar em
nenhuma câmera dentro do hotel. Também lhe dava a emoção
adicional de bloquear qualquer olhar atento.

Para o mundo, Blackthorne estava dormindo na cama com sua


linda esposa. Era hora do Shadow Man vagar.

Pela janela e descendo a escada, ele saltou para o beco lateral,


andando lentamente pela rua até o armazém onde a tinham
mantido trancada. Justiça poética ou simples vingança, ele não
sabia, mas estava mantendo tanto Hector como o segundo cara lá.
Ela estava bem debaixo do nariz dele e ele tinha procurado em
todos os outros lugares.

Seis meses. Eles a tinham mantido acorrentada e quebraram


os últimos pedaços dela, ao ponto de ela ter sido levada aos braços
da morte quando ela conseguiu sair. Na primeira semana em que
ela voltou para casa, mal tinha saído de seu quarto, mal tinha
comido, mal tinha falado. Tinha levado seus dias para lentamente
desabrochar, abrir-se, e deixá-lo entrar. Dias em que sua relação
com ela ao longo dos anos não tinha significado nada, porque ela
estava muito deprimida.

Desfrutando da escuridão da noite à medida que ele avançava,


percebeu que esta era provavelmente a única coisa que ele mais
iria desfrutar.

O armazém em que a tinham deixado estava à vista e ele


entrou. O longo espaço industrial estava vazio, assim como ele
queria que fosse para qualquer um que viesse por acaso. Abrindo
caminho pelo lado, foi para os fundos, para o pequeno buraco
infernal de uma sala em que ela havia sido colocada, o teto que
olhava fixamente dia após dia. Ele havia visto todos os vídeos que
eles haviam enviado, visto como seus olhos haviam morrido
lentamente, seu corpo havia desistido, sua mente havia partido.
Ele tinha visto, e se havia uma coisa neste planeta que o podia
fazer enlouquecer, era isso. Ele havia matado mais pessoas
naqueles seis meses do que na última década, perguntando,
interrogando, eliminando.

O Sindicato estava tremendo na porra de suas botas naquele


momento. Dos cinco membros que eles tinham no topo da
pirâmide, ele já tinha acabado com três, restando apenas dois e
ambos escondidos como as cobras que eles eram até que ele
terminasse.

Ah, ele não tinha terminado.

Ele empurrou a porta do quartinho e entrou, o capuz puxado


sobre o rosto.

O cheiro pungente de sangue, urina e decomposição encheu


seu nariz. Ele estava feliz que seus sentidos olfativos não eram tão
aguçados.

Hector estava pendurado, pendurado no teto como a mulher


em Moonflame. A diferença? Ele estava sangrando de pequenos
cortes e não estava disposto a ter nenhum prazer. Dos três
homens, Hector foi o que mais a quebrou, o que mais veio até ela
e matou pequenas partes dela todas as vezes. E foi ele quem
colocou a câmera no quarto, para garantir que Dainn pudesse
viver cada momento com ela. Foi assim que ele a viu rasgar as
rosas que ele deu a ela, como ele a viu cortar seus lindos cabelos
longos até que estivessem todos no chão.
Seu peito apertou com a memória. Ele se lembrava de assistir
aquilo, respirando pelo nariz enquanto seu copo de água se
quebrava em sua mão, apenas feliz por ela estar viva e respirando.
Enquanto ela continuasse respirando, ele a encontraria. Enquanto
ela continuasse respirando, ele a traria de volta. Enquanto ela
continuasse respirando, ele ficaria no controle.

Um homem sem nada a perder era a criatura mais perigosa


desta terra. E enquanto ela respirasse, ele tinha algo a perder, algo
a desejar, algo pelo que viver.

Ele deixou Hector como estava, inconsciente e enforcado, e se


virou para o outro cara, um amarrado a uma cadeira e não
sangrando. Ainda.

— Levante-se e brilhe, — disse ele, colocando o pequeno


gabinete ao lado no piso.

Ambos os monstros acordaram com o estrondo.

Os olhos de Hector se arregalaram de terror, o outro cara


engoliu em seco.

— P... por favor, — o segundo cara gaguejou. — Deixe-me ir.


Eu não fiz nada. Juro. Posso conseguir o que você quiser. Deixe-
me ir.

Dainn simplesmente se sentou no armário virado, as mãos


penduradas frouxamente, os cotovelos apoiados nos joelhos, o
isqueiro nas mãos enluvadas. Ele não usava as luvas porque não
gostava que as pessoas vissem suas mãos queimadas – de um
incêndio acidental quando ele era mais jovem. Não, isso ele não
dava a mínima. Era porque as mãos tocavam as coisas, e ele não
gostava da essência de outras pessoas nele. Elas também
ajudavam em suas impressões digitais a não pousar nas coisas e
isso era útil, especialmente porque o Blackthorne Group era uma
máquina bem lubrificada. Mas principalmente, era por causa da
essência. A única essência que ele gostava em suas mãos nuas era
a dela. Apenas dela.

— O que você pensou que fosse acontecer? — ele perguntou


casualmente, apreciando o medo em seus olhos. — Quando você a
estuprou, várias vezes, na câmera, sabendo que eu ia assistir,
hmm?

Ele se levantou, andando até os fundos, vendo como os dois


viraram o pescoço para mantê-lo à vista. Seria inútil. Ele sabia
como usar sombras, e foi isso que ele fez, fundindo-se com elas até
que não pudessem mais vê-lo, apenas ouvir sua voz, aumentando
o terror.

— Você convidou o diabo para jogar, não implore por


misericórdia quando ele aparece.

O segundo cara choramingou, o som irritando seus nervos.


Seu gemido era como giz a bordo, fazendo-o querer quebrá-lo.
Quando ela choramingava, às vezes de prazer, às vezes de dor, isso
o fazia querer envolvê-la em seus braços e mantê-la para si.

Hector falou, quebrando o silêncio. — Eu posso dar... eu posso


te dar informações. Sobre o Sindicato. O que você quiser saber.

Não é surpreendente, já que o bastardo não era leal a nada.


Ainda assim, ele jogou junto, agradando o homem. — O que você
pode me contar?

— Eu posso... — Hector pensou por um segundo. — Posso


dizer que há uma mudança na liderança agora. Havia cinco antes.

— Eu já sei, — Shadow Man disse a ele. — Matei três deles.


Hector engoliu em seco visivelmente. — E um deles matou o
outro. Há apenas um no poder agora.

Interessante. Ele deve ter perdido isso nos dois meses que
passou com ela, dando-lhe todo o seu tempo para se curar
lentamente.

— E o resto da organização? — perguntou, andando nas


sombras, observando os outros homens constantemente se
virando para ver de onde vinha sua voz.

— Continua a mesma coisa. Eles não sabem sobre a mudança


na liderança.

Isso significava que Vin, o homem de Dante, também não sabia


disso, o que significava que todo aquele lado ainda estava no
escuro. Ao longo dos últimos meses, ele havia deixado migalhas de
pão para eles encontrá-la, mantendo-os ocupados enquanto
ganhava mais tempo, e principalmente ele havia enviado Vin
perseguindo a amiga de Lyla, a garota que tinha sido amiga para
sua pequena paixão. Só por isso, ela merecia sua consideração.
Enquanto Vin tinha encontrado uma lista de ruivas no negócio,
Dainn tinha-o concentrado principalmente em Malini, sabendo
que ela falaria de sua amiga e lhe daria uma pista.

— E como você sabe disso? — ele perguntou a Héctor. O irmão


do homem, Victor, estava furioso pelo submundo tentando
encontrá-lo, sem ideia de que ele estava em Gladestone. Muitas
pessoas queriam um pedaço de Hector, e ninguém merecia mais
do que Lyla.

— Esse homem... foi ele quem me contatou quando eu


trabalhava para Alpha, sobre conseguir sua cunhada, — Hector
elaborou. — Zenith foi uma das garotas que desapareceram vinte
anos atrás. Esse foi o último grande lote que eles conseguiram, e
deu tudo errado porque ela era filha de algum chefe da máfia.

Na verdade, ela era. Zenith era a verdadeira Morana, o que o


fez pensar nela.

— Por que os ataques à Morana? — ele perguntou,


genuinamente curioso. Essa era a única coisa que ele não tinha
sido capaz de juntar.

Heitor hesitou. — O pai dela possuía informações sobre o


Sindicato. Quando perceberam que ela era filha dele, pensaram
que ela também tinha a informação, especialmente desde que
começou a investigar a organização. Então eles começaram a
trabalhar para eliminá-la.

Estúpido da parte deles, considerando que ela era protegida


de Tristan e Dante. E sem que eles soubessem, ela também tinha
a proteção dele, principalmente por causa de Xander. Ela era boa
para o menino, e ele precisava disso. Até que Lyla pudesse decidir
por si mesma o que queria fazer com seu passado, ele ficaria de
olho no garoto, exatamente como ela havia pedido. Ela poderia
pedir-lhe para fazer qualquer coisa e ele faria, e ele se perguntou
se ela sequer percebia metade do poder que tinha sobre ele.

Ele circulou ao redor da pequena sala novamente. — Fale-me


sobre este homem, o líder.

Hector gemeu, seus braços tremendo com seu peso. Ele estava
pendurado nas mesmas correntes em que a havia colocado. — Ele
é um cara mais velho, — começou o homem. — Eu não o conheci,
mas sua conta de usuário era “thesyndicater0311”. Ele estava
interessado em Zenith. A queria muito.

11
Osindicalista03.
— Por quê?

— Porque ela escapou. Ela abandonou L... Lyla.

Ele não sabia disso, mas fazia sentido. As duas garotas foram
levadas juntas, então as duas se tornaram amigas. E Zenith
escapou como uma criança, deixando sua pequena lua para trás.

— O homem puniu Lyla por isso? — ele perguntou,


imaginando se precisava adicionar outro motivo à sua lista para
matá-lo.

— Não sei. Mas ele a manteve com ele por um tempo antes de
mandá-la embora.

Afinal, Hector estava se mostrando útil. Talvez ele o deixasse


viver outro dia.

Ele deu um passo atrás do segundo homem, aquele que estava


em silêncio, aquele que também havia causado menos danos a ela,
e quebrou seu pescoço em um piscar de olhos.

Hector gritou em choque. — Por favor, não, eu vou te contar


todo o resto. Deixe-me ir.

O Shadow Man saiu, trancando a sala, enquanto os gritos o


seguiam. Refletindo sobre as novas informações, ele voltou para o
hotel, subindo a escada e saltando no quarto com os pés quietos.
Seus olhos foram para ela, para vê-la monopolizando seu
travesseiro e roncando baixinho, enrolada no cobertor como um
burrito, e algo dentro de seu peito se afrouxou ao vê-la assim.

Ele foi ao banheiro para tomar um banho rápido e lavar a


noite, antes de voltar para o quarto e contornar a cama ao seu
lado. Lentamente ele escorregou para dentro, ajustando-a para
não acordá-la, e ela se fixou nele, agarrando-se a seu peito, sua
cabeça em seu braço, seus lábios separados, seus olhos se
movendo atrás das pálpebras fechadas enquanto ela sonhava com
algo.

Pressionando um beijo suave em sua boca deliciosa, ele


esperava que ela sonhasse com algo agradável enquanto ele a
observava, maravilhando-se com a mulher em que ela se tornara.
Ele tinha visto pessoas ao longo de sua vida se transformarem em
monstros, especialmente pessoas que tiveram infâncias
traumáticas e tiveram dificuldade para quebrar as correntes. E
embora ele a tivesse ajudado, foi ela quem sempre desafiou as
correntes, mesmo amarrada a elas. Tinha sido ela quem fugiu para
o escuro e salvou seu filho. Tinha sido ela a suportar a punição e
manter sua cabeça erguida. Tinha sido ela a viver dia após dia só
para que pudesse saber mais sobre seu filho.

Afastando seu cabelo flamejante de seu rosto, ele se


perguntava de onde ela tirou a coragem de seguir adiante, sem
deixar o mundo macular quem ela era, sem que eles apagassem
sua luz, sem que eles lhe tirassem sua capacidade de amar
incessantemente. Ela enfrentou seus traumas com ele e o deixou
fazer outra memória disso. Ela o viu por quem ele era e ainda olhou
para ele com o coração nos olhos. Ela duvidava de si mesma todos
os dias e ainda continuava.

Ele não sabia se o aperto em seu peito era o que ela chamava
de amor, mas ele sabia que se houvesse uma realidade alternativa
onde ele pudesse se sentir como pessoas normais, ele a amaria.
Seu principal motivo agora era nunca deixá-la ansiar por aquela
versão alternativa de si mesma.
Capítulo Vinte e Quatro

Lyla

Algo estava diferente.

Lyla não sabia o que era, nem porque sentiu que algo havia
mudado. Mas quando ela acordou e começou a sair da cama,
amarras de ferro enroladas no meio apertaram-na, segurando-a
com força.

— Dainn? — Sua voz era suave, rouca do sono e os braços dele


flexionados contra seu estômago. Ela colocou as mãos sobre eles,
marcando o antebraço musculoso com as unhas, suavemente
acalmando o que quer que o estivesse incomodando.

— Eu tinha nove anos na primeira vez que eles vieram me


buscar.

Sua respiração engatou. Seu passado. Ele estava pensando em


seu passado, compartilhando-o com ela. Finalmente.

Ela começou a se virar, mas ele a segurou no lugar, de costas


para seu peito, suas palavras movendo-se sobre sua cabeça.
— Nessa época, — continuou calmamente, — eu já sabia que
não era como os outros meninos da casa. O Morning Star Home12
tinha tantos, e eu não era como nenhum deles.

As palavras penetraram em sua mente sonolenta, limpando a


névoa. Ela olhou para a janela aberta, a luz da manhã espreitando
por baixo das cortinas, ainda deixando o quarto na escuridão,
exatamente onde ele encontrava conforto.

— Como você era? — ela perguntou, sua voz igualmente baixa


para não quebrar o momento.

— Desligado. — Uma palavra, uma longa pausa. — Eu era


desligado. Não sentia o que eles sentiam, não via as coisas como
eles viam, não percebia o mundo como os outros percebiam. Minha
visão de mundo, mesmo em tenra idade, era distorcida. Eu era
egoísta e facilmente irritado, e se alguém me provocasse, não
sentia nenhum remorso em fazê-los pagar.

Deus, a maneira como ele falava sobre si mesmo quando


criança enviou um tremor pelo corpo dela. Ela tentou se lembrar
de como era naquela idade — assustada, perdida, confusa. Ela
costumava chorar o tempo todo, tanto que os encarregados
pararam de puni-la por isso porque só a fazia chorar mais. Ela
sentia demais, e era um contraste com quem ele tinha sido.

Quem ele ainda era.

Ambos eram apenas melhores em esconder isso do mundo.

Esperou em silêncio, deixando que ele continuasse em seu


próprio ritmo, não o pressionando além do que ele estava
confortável em compartilhar.

12
Casa Estrela da Manhã.
— Eles vieram atrás de mim, quando eu tinha nove anos, —
continuou o pensamento anterior. — Exceto que eles não sabiam
o tipo de criança que eu era. Meus olhos sempre foram assim, e
me chamavam de “criança demônio”, achando que iria me magoar.
Eu apenas sorria.

Droga. Isso fez suas mãos vacilarem por um segundo antes de


voltarem a acariciar seus antebraços.

— Eu sorria enquanto os matava, — ele continuou.


Levantando as mãos ligeiramente para ver as cicatrizes de
queimaduras nas costas. — Eu não sabia brincar com fogo
naquela época e consegui isso.

Ela traçou as cicatrizes, não muito proeminentes, mas


presentes o suficiente, e ele virou o pulso, capturando os dedos
dela, interligando-os. — O que aconteceu então?

Ele deu um aperto possessivo em suas mãos antes de deixá-


las livres, deixando-a acariciá-lo e acalmá-lo novamente.

— Eu me tornei uma criança demônio no verdadeiro sentido


da palavra, — ele prosseguiu, suas palavras caindo em sua cabeça.
— Matava qualquer um que chegasse perto de mim sem nenhum
remorso. Os adultos não sabiam como lidar comigo. Então, eles
trouxeram alguém que não era como eles.

Sua respiração ficou mais pesada enquanto ela o esperava.

— Uma garota, um ano mais nova do que eu.

Porra. Monstros. Cada um deles.

Seus dedos se apertaram em seus antebraços, mas ela


permaneceu em silêncio, deixando a raiva infundir seu corpo.
Tinha vivido o bastante neste mundo para saber onde isso estava
indo.

— Ela era uma coisa pequena, tão indefesa, — lembrou ele. —


Eu não poderia matá-la. Então eles começaram a usá-la como
alavanca para me fazer... fazer coisas.

Ela apertou os braços dele, seu corpo tremendo, imaginando


o menino poderoso que ele tinha sido quando criança sendo
controlado por aqueles monstros, fazendo coisas que ele não
queria porque não queria matar uma garota indefesa.

— Então? — Sua voz falhou, o tremor em seu corpo audível


em seu tom.

— Eles me usaram por dois anos, — ele disse a ela com


naturalidade, e ela fechou os olhos. Ele não. Ele também não. No
entanto, sabendo que ele tinha passado por alguma das mesmas
coisas que ela a fez sentir-se mais vista, mais conectada a ele. E
sabendo que, vendo como ele se tornou poderoso, isso lhe dava
esperança para si mesma, que talvez ela pudesse quebrar os
grilhões de seu passado e encontrar poder também com ela.

— Ela era a única garota que morava na casa dos meninos, e


só porque eles continuaram usando-a para me controlar. E ela
percebeu isso. Ela sabia que eu era um assassino e ficava me
implorando para matá-la quando a dor aumentava. Mas eu não
mato crianças, nem agora, nem naquela época.

Ela esperou, seu coração ficando mais pesado com cada


palavra.

— Então, uma noite, quando ninguém estava olhando, ela se


matou.
Sua respiração engatou, seus olhos se fecharam, a dor por
uma alma perdida pesada no ar. — Qual era o nome dela?

Ela sentiu seu encolher de ombros. — Não sei. Eles a


chamaram de 5057. Suponho que onde quer que ela estivesse
antes não davam nomes às garotas como eles nos davam.

Isso era triste, tão fodidamente triste.

Entretida na história, ela se moveu, tentando se virar, e desta


vez, ele a deixou. Ela se acomodou, totalmente de frente para ele,
vendo aqueles olhos incompatíveis dele que o tornaram um filho
demônio para os monstros. Ele era mais. Ele era o diabo e ele era
dela.

Ela colocou a mão em sua mandíbula, esfregando sua nuca


com o polegar, seus olhos fixos. — Então?

— Então, — ele disse, sua voz um estrondo baixo que rolou


sobre ela, seus braços ao redor de sua cintura. — Eles me
deixaram ir.

Ela piscou, surpresa. — O quê?

— Eles me deixaram ir, — ele repetiu. — Eles sabiam que sem


ela não poderiam me controlar novamente, e eu já tinha doze anos,
ficando mais velho, mais perigoso. Então eles decidiram que era
melhor me deixar ir do que me manter e arriscar tudo.

Ela respirou fundo. — Onde você foi?

— Em lugar nenhum, em todos os lugares. — Seus dedos


traçaram suas costas nuas sob sua camiseta. — Eles me deixaram
nas ruas, e eu fiquei lá por algum tempo, roubando o que tinha
para roubar. — Fiquei encostado em uma escola por um tempo,
fingindo ser um de seus alunos, usando seus recursos. A escola
era uma espécie de escola de especialização, e eles tinham uma
aula de artes marciais que davam às crianças depois do
expediente. Isso me interessava, então eu também entrei lá. Depois
me acomodei em uma das casas vazias de um bairro rico, quando
os donos estavam fora em algum lugar.

Isso soou selvagem para ela, e absolutamente aterrorizante.


Ser tão jovem e estar no mundo. — E ninguém suspeitou de nada?
— perguntou, ao mesmo tempo impressionada e assustada com o
pensamento de que ele tinha sobrevivido a tudo isso.

Ela viu os lábios dele se contraírem, uma de suas mãos


chegando ao queixo, o polegar sobre os lábios. — Só porque eu sou
autêntico com você não significa que eu sou assim com todo
mundo, pequena flamma, — ele disse a ela quase carinhosamente.
— Eu engano as pessoas. É uma segunda natureza para mim.
Mesmo naquela época, sabia exatamente o que fingir para
encantar todo mundo a acreditar em mim, e eles comiam nas
minhas mãos. Os meninos queriam fazer amizade comigo, e eu os
usava. As garotas queriam me foder, e eu as usava.

Oh, o seu perigo.

Ela se perguntou como teria sido, em outra realidade, se ela


estivesse naquela escola com ele. Será que ele teria dado uma
segunda olhada nela? Ele a teria manipulado para acreditar que
gostava dela quando ele só queria outra coisa o tempo todo? Ele a
estava manipulando agora?

Quanto mais ela olhava para ele, mais os lábios dele se


curvavam em um sorriso, mais forte ele apertava sua mandíbula.
— O que é que você está pensando?
— Se eu tivesse sido uma garota lá, — ela formulou sua
pergunta, mas depois deixou, não querendo saber.

Ele a rolou sob seu corpo, sua boca a centímetros da dela. —


Se você estivesse lá, eu teria fodido você. Então, eu teria
perseguido você, e eu teria feito você minha. Não há realidade onde
você e eu existimos que não acabemos exatamente onde estamos
agora. Nenhuma.

Inalando profundamente, ela deixou seus músculos tensos


relaxarem enquanto ele a beijava, sua língua reivindicando sua
boca, suas mãos reivindicando seu corpo, sua respiração
reivindicando seus batimentos cardíacos.

— E se eu não quisesse ser sua? — ela o provocou, porque


Deus, ela adorava quando os olhos dele brilhavam do jeito que
estavam.

— Não vamos por aí, Lyla.

O suave aviso de suas palavras fez algo com ela. Seu nariz
roçou o dela, seu aperto em sua mandíbula firme.

Sabia o que ele queria dizer. Ele a teria, por bem ou por mal,
com ou sem seu consentimento inicial para ser dele. Por alguma
razão distorcida, o pensamento disso não a encheu de pavor como
deveria. Não. Ela nunca se sentiu mais desejada, mais ansiada,
mais poderosa do que quando ele lhe disse isso. E ela não sabia se
ele disse isso apenas para manipulá-la, ou porque realmente quis
dizer, mas considerando os últimos seis anos que ele passou
fazendo exatamente isso, havia poucas razões para duvidar dele.

Ele a beijou por alguns minutos, como se cimentando suas


palavras, antes de se deitar de lado, desta vez olhando para o teto,
um braço atrás da cabeça, o outro ao redor dela. Ela se
aconchegou ao seu lado, esperando que ele retomasse a história
novamente, apreciando a forma como a mão dele se estendia por
toda a sua bunda antes de seus dedos começarem a acariciar sua
coluna.

— Eu nunca esqueci o que o Sindicato tinha feito, — ele


começou novamente. — Eles cometeram um grande erro quando
me deixaram ir. Expondo-me ao mundo exterior, isso só me fez
perceber quanto poder eu tinha e quanto mais eu poderia ter.
Dentro da casa, eu estava limitado sobre o que eu poderia fazer.
Fora? As possibilidades eram infinitas.

Devem ter sido para ele. O menino perigoso que ele tinha sido
cresceria para ser um homem ainda mais perigoso.

Sua voz não vacilou. — Eu não tinha planos no começo. Mas


eu queria fazê-los pagar pelo que fizeram comigo e pelo que
estavam fazendo com algumas das crianças daquela casa.

Ela estava cem por cento a bordo com isso. — O que você fez?

Ele inclinou-lhe um olhar. — Voltei depois de alguns anos,


sabendo que não estariam me esperando. Todos os anos, todas as
crianças eram levadas para um local diferente para inspeção,
enquanto os adultos ficavam para trás.

— Você foi naquele dia, — ela decifrou, sabendo que ele


gostaria que as crianças estivessem fora de seu caminho. — O que
você fez?

— Eu queimei tudo, — afirmou. — Cada centímetro daquele


chão, cada tijolo daquela casa, eu ateei fogo. E eu fiquei do lado de
fora, apreciando as chamas enquanto elas levavam todos que
estavam lá dentro. Vivos.
Ela estremeceu ligeiramente com as imagens vívidas que podia
ver em sua mente, mas nenhuma simpatia a atingiu por aqueles
que haviam queimado. Eles mereciam queimar no inferno que
haviam criado.

— Foi quando o Sindicato veio até você? — Ela juntou as peças


do que ele disse a ela. — E você trabalhou para eles por algum
tempo. Mas por que ir atrás deles depois, quando já havia
destruído aqueles que o machucaram? Não entendo.

Ele ficou em silêncio por um longo minuto, simplesmente


olhando para cima, seus dedos movendo-se preguiçosamente para
cima e para baixo em suas costas. Ela quase pensou que ele não
responderia quando falou novamente.

— Comecei a coletar informações dentro da organização.


Fiquei sabendo quantas operações eles tinham em quantos locais,
sobre os diferentes negócios em que estavam, sobre as pessoas
poderosas do lado de fora que estavam envolvidas de uma forma
ou de outra. Peguei todas as informações e continuei coletando-as.
Afinal de contas, conhecimento é poder.

Ok. Isso ainda não respondia sua pergunta.

— Foi no meu último ano trabalhando para eles que entendi a


estrutura da organização. É como uma pirâmide, com
encarregadores na base, seus gerentes acima deles, depois seus
chefes e, finalmente, os próprios líderes do Sindicato. Nenhum dos
níveis inferiores conhece alguém acima além de seu próprio
contato. É assim que a organização trabalha há décadas e mantém
tudo em segredo.

Lyla ficou imóvel, entrelaçando as pernas com as dele para que


soubesse que ela estava lá sem interromper seu fluxo.
— Existem – ou existiam – cinco líderes. Os Sindicalistas.

— É assim que eles se chamam?

Uma risada sombria o deixou. — Óbvio, não é?

Sim, era. Mas pessoas assim com aquele alto escalão da


organização tinham que ser cheias de arrogância, então ela não
ficou surpresa. — O que você quer dizer com cinco líderes?

— Quatro deles estão mortos, — ele se virou para olhar para


ela. — Agora só tem um.

Seu coração começou a acelerar com as palavras dele, com a


implicação. Sem chance. Ela se apoiou no cotovelo, olhando para
ele em estado de choque. — Você quer dizer que se ele for removido,
a organização pode... acabar?

— É mais complicado do que isso, — explicou, seus olhos


sobre ela. — Se ele for removido, outra pessoa se levantará e
preencherá o vazio. E uma organização como esta, que existe há
mais de cinco décadas, não pode ser derrubada em um golpe.

— Mas você está trabalhando nisso há quase duas décadas,


não está?

— Eu tenho.

Por quê? Ela não entendia isso. Não era por causa de algum
tipo de bússola moral que ele tinha – ela sabia que sua moralidade
era praticamente nula quando se tratava de qualquer pessoa,
menos dela. Mesmo as crianças, ele não era apegado, mas seu
desamparo o fez avançar. Mas um homem como ele, obcecado em
derrubar a organização, tinha que ter algum motivo.
Ela não expressou nenhum de seus pensamentos, esperando
pacientemente que ele elaborasse.

Sua mandíbula funcionou.

— No ano passado que estive lá, entre os dados que havia


coletado, encontrei meu próprio arquivo.

Oh.

Oh.

— Fui gerado por um homem na casa dos trinta anos por uma
menor de idade, — afirmou com naturalidade. — Ela se matou
depois de me dar à luz, e eu fui colocado na casa. Meu pai...

Ela prendeu a respiração.

— ...era um Sindicalista na época.

Sem fala..

Ela ficou atordoada sem palavras.

Em seu silêncio chocado, outra risada sombria o deixou. — Eu


sou o príncipe deste inferno em todos os sentidos. Apropriado, não
é?

Ela não podia dizer uma palavra. Ela não sabia que palavra
dizer. Então deitou a cabeça em seu peito, seu coração batendo
forte enquanto ele batia em um ritmo constante, pedaços deste
homem se encaixando.
Capítulo Vinte e Cinco

Lyla

O sol estava se pondo no céu enquanto eles caminhavam pela


rua da cidade. Em seu suéter verde e jeans marinho e tênis branco,
seu cabelo brilhante caindo para a metade superior das costas, ela
andava aconchegada sob o braço do homem mais letal que
conhecia. Ele estava com seu jeans preto e uma camiseta preta,
suas mãos nas luvas que sempre usava por fora, seu rosto exposto
ao vento frio.

E isso por si só a deixou saber exatamente o que eles iam fazer.

Eles diziam que você só via o rosto do Shadow Man antes de


morrer, e com exceção dela mesma, ela duvidava que fosse falso.
E como iam ver o careca, ela sabia que seu tempo havia acabado.

Ainda processando tudo o que descobrira sobre ele naquela


manhã, Lyla observou a cidade enquanto passavam. Gladestone
estava surpreendentemente agitada com pessoas andando pelas
calçadas, carros buzinando no trânsito, vendedores ambulantes
vendendo coisas nas laterais. Era barulhenta e povoada, ela não
entendia como uma cidade como esta não tinha noção do que se
passava dentro dela. Ou talvez tivesse. Talvez todos eles
soubessem e ninguém se importasse.

Dainn os guiou para a esquerda, para uma rua mais estreita


que se abria para uma área mais calma, e mais industrial. Ainda
haviam pessoas que se movimentavam, trabalhadores entrando e
saindo das fábricas, alguns deles parando para dar-lhe uma
olhada antes de olhar para o homem ao seu lado, e rapidamente
desviando os olhos. Isso não a surpreendia nem um pouco. Mesmo
sem as sombras e a escuridão, havia algo inerentemente perigoso
nele, algo que alertava a outra pessoa para não olhar muito de
perto antes que não conseguissem olhar para nada.

Ela apertou seu braço em volta da cintura dele, olhando para


ele enquanto continuavam andando. — Por que não pegamos o
carro?

Seus olhos estavam vigilantes mesmo quando ele parecia


casual, cronometrando tudo e todos. — Teria sido muito
perceptível.

— E nós não somos perceptíveis? — ela riu, balançando a


cabeça com a ideia. Ele pode não ter sido, mas ela estava atraindo
a atenção e ambos sabiam disso.

— Oh, mas nós somos apenas dois amantes em um passeio,


— a informou, seus lábios se contraindo.

Ela gostava dele assim. Ela não sabia se era o fato de ele ter
compartilhado tanto de si mesmo com ela ou se estava
genuinamente gostando de se vingar dela ou talvez ambos, mas ele
se sentia mais leve com ela, e estava definitivamente mais à mão
do que antes. Suas mãos haviam se instalado em alguma parte do
corpo dela durante todo o dia e parecia mais recente, a maneira
como ele a tocava sem intenção sexual agora. Parecia... quase
doméstico, se eles pudessem ser comparados com essa palavra.

Fazendo uma curva à esquerda, para uma parte muito mais


isolada da área industrial, Lyla olhou em volta vendo que
quaisquer sinais de habitação desapareceram.
— Por que não há ninguém aqui?

Seus olhos ainda varrendo a área, ele respondeu. — Porque


todo este quarteirão é propriedade de um industrial morto. Suas
indústrias estão acumulando poeira, por assim dizer, e esta área
costumava ser o local principal para seus negócios. Agora, os
marginais a utilizam às vezes.

Ele não era um marginal, então ela não entendia por que
estava usando isso. Mas manteve o pensamento para si mesma
enquanto se dirigiam para uma das fábricas bem no final da
passarela. O sol estava quase se pondo, o céu de um roxo escuro,
e na quadra abandonada, ela se sentia estremecer. Seu braço
apertou em torno dela imediatamente, e o peso sobre seu peito
aliviou o suficiente para que ela respirasse. Ninguém chegaria até
ela, não com ele bem ali.

Ela queria um dia ser capaz de se proteger, queria aprender


autodefesa, mas tanto Dainn quanto o Dr. Manson estavam certos
sobre sua necessidade de mais tempo.

Você tem todo o tempo do mundo, Lyla. Cure-se primeiro.

Ela precisava curar sua mente o suficiente para não congelar


antes de poder lutar, e estava muito longe disso. Mas Dainn havia
prometido a ela que lhe daria o melhor treinador, que seria do seu
tamanho quando ela estivesse pronta, e ela confiou nisso. Ele
havia conseguido sua ajuda psicológica quando ela precisou sem
mesmo saber. Ele também conseguiria seu amparo físico quando
estivesse pronta. Ela havia perguntado por que ele mesmo não a
treinava, já que era tão versado em artes marciais, e ele apenas lhe
havia dado um olhar acalorado, deixando-a saber exatamente o
porquê durante a hora seguinte.
Afastando-se de seus pensamentos, ela notou a ausência de
vento logo antes de entrarem na velha fábrica. Sem saber para
onde iam, ela nem conseguia ver corretamente a pequena luz lá
dentro, mas acompanhou-o enquanto ele percorria, finalmente
parando em um corredor realmente escuro.

Ele retirou seu braço em torno dela e virou-se para o lado,


segurando sua mandíbula em sua mão, seus olhos desiguais sobre
ela na escuridão. — Esteja preparada.

Respirando fundo, preparando sua mente para ver o monstro


que a tinha quebrado, ela assentiu.

Sem dizer uma palavra, abriu uma porta que ela nem tinha
visto e entrou. Ela virou o pescoço, dando um passo através da
soleira, e congelou.

Seu corpo inteiro travado no lugar. Não por causa do homem


pendurado em seus braços. Não. Foi por causa da sala.

A sala.

A mesma cama no canto.

As mesmas paredes sujas que a cercaram.

O mesmo teto rachado e sujo.

Foi o quarto de sua morte.

E ele a trouxe aqui.

Por quê?

Ela sentiu os lábios dele em seu ouvido, embora não pudesse


vê-lo na pouca luz.
— Sinta, flamma, — ele sussurrou, sua voz sedutora em face
de sua turbulência. — Sinta tudo o que você está sentindo. Não o
enfie debaixo do tapete, não o empurre de lado. O que você sente?

Fúria.

Dor.

Humilhação.

Medo.

Tudo isso.

— Ele está bem ali, — a voz da morte adulou. — E ele não pode
tocar em você. Então sinta e faça o que você precisa para pegar de
volta o que ele tirou.

Ela estava sentindo tanto, suas mãos fechadas em sua lateral,


seu corpo tremendo com a força de tudo batendo nela. Seus olhos
varreram o quarto, memórias inundando sua mente – dela na
cama, morrendo lentamente, uma parte de cada vez, dela no
banheiro sujo, cortando seu cabelo, uma mecha de cada vez, dela
sentada no banheiro, braços em volta dos joelhos, lutando para
respirar. Eles a levaram a isso, eles a empurraram para o buraco
negro que ela resistiu toda a sua vida, e foda-se se isso não a
deixou com raiva.

Um barulho que nem reconheceu saiu de seu peito, e o homem


enforcado se mexeu.

Lyla estremeceu, enraizada no lugar, observando enquanto


sua cabeça pendia e seus olhos vasculhavam a sala, parando em
um de seus amigos morto em uma cadeira, antes de repente chegar
onde ela estava.
O careca sorriu com a boca cheia de sangue. — Um colírio para
os olhos. Só a lembrança de sua boceta me deixa duro.

Nojo, tão profundo, rolou por ela. Ela desejou ter perdido a
memória de tudo, desejou que não pudesse se lembrar do que ele
estava falando, como seu corpo tinha sido degradado e suas
entranhas gritavam para ele sair dela. Mas ela se lembrava de cada
impulso, cada vez.

— Você vai morrer, — ela disse a ele, sua voz tremendo de


raiva.

O careca passou os olhos pela sala, incapaz de encontrar o


homem de quem temia. — Então você é a puta dele agora. Eu não
o culpo. Tem a boceta mais incrível para estuprar, e oh, eu estive
em muitas.

Ele a estava provocando, e possivelmente também o Shadow


Man que ele sabia estar por perto, ela sabia disso. E ainda assim,
suas palavras continuaram atingindo como balas.

Pegue de volta o que ele tirou de você.

Poder.

Ele havia tirado o poder dela, alvejado sua alma até que ela se
tornasse uma concha, e ela iria tirá-lo dele.

Então, deu um passo para dentro do quarto, o fedor que a fazia


querer se amordaçar. Respirou fundo outra vez, concentrando-se
em manter a coluna reta e não no cheiro.

— Você acha que é um homem? — ela riu, inclinando a cabeça


para o lado, imitando como ela viu Dainn falando com outras
pessoas quando ele estava em vantagem. — Ah, minha “boceta” foi
fodida e desculpe te dizer, você nem arranhou a superfície. — Ela
o examinou da cabeça aos pés e balançou a cabeça. — Nem metade
da superfície.

A feia torção em seu rosto lhe disse que ela havia atingido um
nervo, e a onda de poder que enviou através de seu corpo a deixou
inebriada. Continuando, cavou mais fundo. — Seu pedaço de
merda inútil, você não poderia nem mesmo quebrar uma mulher
que manteve em cativeiro por meses. Você não é um homem. Você
é um porco covarde disfarçado de homem.

Ah, isso o atingiu. Por alguma razão, ele tinha um ponto fraco
sobre sua masculinidade superior.

Lyla riu. — O quê? Mamãe não te amava quando menino? Ela


te disse que você não tinha valor também?

— Cale a boca, — ele cortou, sua voz enfurecida.

Lyla podia sentir o chamado da crueldade, o poder que


detinha, tão tentador. Ela podia sentir-se torcendo e se tornando
algo feio para se igualar a ele, para superá-lo. Mas não seria ela.
Ela não era cruel, e os meses que passou se curando e se
encontrando, ela não sabia se descer neste buraco escuro iria
desfazê-los. A crueldade sempre corta a mão batendo na lâmina.

Era precioso demais para arriscar.

Mas ela queria sua vingança. Ela queria vê-lo ferido.

Até agora, o Shadow Man estava ausente, deixando-a fazer o


que quisesse, dando-lhe a liberdade de tomar seu poder.

E ela fodidamente o amava por isso. Ela o amava por dar-lhe


um lar, dar-lhe um lugar para pertencer, dar-lhe espaço para
apenas ser. E ela o amava por trazê-la para o lugar de seus
pesadelos, por buscar vingança em seu nome e amarrar seus
monstros, fazendo-a perceber que tudo não tinha mais poder sobre
ela. Ela cresceu, evoluiu, e a menina apavorada e cansada que era
não existia mais neste inferno. A mulher que era agora, a mulher
que queria ser, não queria ser cruel.

O cheiro de gasolina lentamente encheu a sala.

Lyla olhou em volta, tentando ver de onde vinha, mas não


conseguiu ver nada.

Então, deu um passo para trás em direção ao limiar. — Tenho


pena de você, — disse ela ao careca. — Sinto pena que você nunca
conheceu o amor. E sinto pena porque você vai morrer
dolorosamente sozinho, sabendo que nunca foi amado.

Sua expressão azedou. — Você acha que ele te ama? — ele


cuspiu. — Ele está usando você por causa de quem você é, por
causa de onde você vem. Ele lhe contou sobre isso?

Ela ficou quieta, sua respiração travada em seu peito.

O careca riu. — Ele te contou sobre seu irmão? O homem que


está procurando por você há quase vinte anos?

Lyla congelou.

Do que diabos ele estava falando?

Ele estava mentindo. Ele tinha que estar mentindo. Ela não
tinha um irmão. Ela não tinha família. Sem chance.

Antes que o careca pudesse dizer outra palavra, ela sentiu a


presença às suas costas.
— Ainda confia em mim?

Ela fechou os olhos com as palavras, as palavras familiares, e


lembrou a si mesma que ela havia confiado neste homem seis anos
atrás com seu bebê, e ela confiava nele agora. Estava com ele
tempo suficiente para saber que ele era motivado por seu bem-
estar.

— Sim, — ela sussurrou.

— Boa menina. — Ela sentiu um beijo suave na lateral de seu


pescoço.

— Eu... eu tenho um irmão? — ela perguntou, incapaz de


evitar.

Ela sentiu um momento de pausa. — Sim.

Seus joelhos vacilaram e ela sentiu seu corpo desmoronar, o


braço forte dele envolvendo sua cintura para sustentá-la. — Eu
estava esperando que você estivesse pronta. Você não poderia
conhecer ninguém como estava.

Ela se concentrou, segurando o braço dele, seu cérebro


processando tudo. Tinha um irmão, um que estava procurando
por ela por cerca de vinte anos, o que significava que ele era mais
velho do que ela.

Ela tinha um irmão mais velho.

Desconhecia as emoções dentro dela, não sabia o que estava


acontecendo em seu corpo à medida que aquilo se aprofundava.
Ela estava ciente do homem careca dizendo algo, e consciente da
presença calma, mas sólida, por trás dela, mas nada mais.
Ela tinha um irmão mais velho.

Lágrimas escorriam por suas bochechas, suas unhas cavando


nos antebraços do homem que ela segurava, sua respiração
pesada. Ela confiava nele, mas estava brava, brava porque ele
sabia disso e não contou a ela, brava porque ela passou tanto
tempo pensando que não tinha ninguém. Uma parte, racional,
concordou com ele, que ela não estava pronta mental e
emocionalmente para uma notícia como aquela. Mas ela ainda
estava brava.

Concentrou-se na raiva, encaminhando-a para fora, e se


endireitou de onde estava encostada nele.

Sem uma palavra, ela o sentiu se afastar para o lado. Observou


enquanto ele pegava uma lata e caminhava para o único raio de
luz que entrava pela janela alta, com o rosto exposto.

Os olhos do careca se arregalaram. — Blackthorne.

Então, ele reconheceu Dainn.

— Que droga, — o careca riu, o som histérico. — Maldito


Blackthorne.

Dainn não disse uma palavra, simplesmente abriu a vasilha e


a inclinou para o lado.

O cheiro pungente de gasolina encheu a sala enquanto o


líquido se espalhava pelo chão, Dainn se afastando casualmente
de seu alcance.

O careca começou a lutar. — Deixe-me ir. Serei útil para você,


Blackthorne. Posso ajudá-lo a obter informações. Por favor. Deixe-
me ir.
A súplica, tão reminiscente de sua própria súplica por
misericórdia, deixou um gosto amargo em sua boca. Ela ficou no
lugar enquanto a gasolina se espalhava no chão logo abaixo dele e
de seu amigo morto, observando Dainn recuar até que estava bem
ao seu lado. Silenciosamente, sem tirar os olhos da cena, ele a
puxou para fora da sala. Algo frio e metálico encontrou sua palma.

Lyla olhou para baixo, vendo um isqueiro. Seu isqueiro.

Ele tinha dado a ela seu fogo.

Emoções uma agitação em seu peito, ela se concentrou no


monstro implorando por dentro, canalizando seu medo, dor e raiva
para uma fonte, e abriu o isqueiro.

A visão da chama fez o careca chorar lamentavelmente, e ela


sentiu a onda de poder novamente. Ela nunca pensou que mataria
alguém, mas se havia uma pessoa que merecia queimar no inferno,
era este homem.

Sem uma pontada de dúvida, lembrando não só o que ele tinha


feito com ela, mas sabendo o que ele tinha feito com tantos outros
como ela, jogou o isqueiro no quarto.

Quando as chamas começaram a se espalhar e os gritos


rasgaram o ar, Lyla ficou com seu demônio e viu um de seus
demônios e um de seus infernos serem destruídos.
Capítulo Vinte e Seis

Lyla

O cheiro de carne queimada era pútrido, quase o suficiente


para deixá-la doente.

Enquanto o fogo queimava no quarto, o calor ficando mais


quente em sua pele, Lyla se afastou do corredor e saiu em direção
à saída da fábrica, tudo o que ela estava sentindo, tudo o que ela
experimentou e descobriu desabando sobre ela.

Ela tinha um irmão.

Alguns passos da fábrica sombria.

Ela tinha família.

Sua respiração ficou entrecortada.

Ele não tinha contado a ela.

Algo apertado invadiu seu intestino.

Antes que ela soubesse o que estava fazendo, seus pés


estavam voando. Ela começou a correr, a todo vapor, longe do fogo,
longe do inferno, longe do homem, nada além de raiva pulsando
em sua cabeça. Ela não podia acreditar que ele não tinha contado
a ela, não podia acreditar que ele não tinha dado a ela uma única
indicação de que sabia algo sobre seu passado.

Enquanto seus pés a levavam pelo chão cimentado até a


entrada principal, ela o ouviu chamar por ela.

— Lyla.

Apenas uma palavra, e seus pés vacilaram antes que ela se


endireitasse. — Você sabe meu nome verdadeiro?

Ele fez uma pausa, seus olhos atentos. — Sim.

Foda-se, ele.

Ela começou a correr a toda velocidade.

Ela precisava ficar longe dele, precisava ter algum espaço


antes que ela fizesse algo que iria se arrepender, como arrancar
seus olhos incompatíveis.

As emoções rodopiando em um tornado dentro dela, ela saiu


para o quarteirão, o luar suficientemente forte para lhe mostrar a
estranha quietude. Ela hesitou, perguntando-se se deveria passar
pelo caminho que eles vieram, ou se deveria tomar a esquerda em
direção a uma área desconhecida. Olhou para trás para verificar
onde ele estava, apenas para vê-lo caminhando casualmente em
sua direção, com as mãos nos bolsos, com os olhos voltados para
ela.

Ela odiava que ele estivesse se aproximando tão lentamente,


que não havia urgência em sua perseguição como havia em seus
batimentos cardíacos.

Foda-se. O pensamento estava se repetindo em sua mente.


Ela girou para a esquerda e começou a correr a toda
velocidade, seu corpo pequeno rápido, mais ágil, seus olhos
observando a área. Bloco industrial após bloco passou, o espaço
para ela correr se estreitando quando o bloco final que ela
atravessou se abriu em algum tipo de cais, mas sem nenhum
barco, apenas um fluxo de água atravessando a vista.

Virando-se, ela começou a correr paralela ao rio, sem saber


para onde estava indo, apenas sabendo que precisava fugir, pelo
caminho cimentado cedendo ao solo mais macio.

Depois de alguns minutos de corrida, com os pulmões


queimando e as panturrilhas gritando, ela parou, apoiando as
mãos nos joelhos, recuperando o fôlego enquanto procurava por
ele.

Ela estava sozinha.

Será que ele tinha desistido de persegui-la? Ou ele estava


dando espaço a ela?

E ela estava confusa porque ela odiava isso. Ela esperava que
ele estivesse na esquina, esperava que ele descesse e a levasse com
ele. Esperava que ele estivesse lá, mas ele não estava, não até onde
os olhos podiam ver. Ela estava em um lugar estranho, sozinha, e
estava escuro.

Cansada, caminhou até o cais de madeira, logo acima do rio,


e caiu sobre as lajes.

Sentou-se ali em silêncio, olhando para o rio e para o outro


lado, a margem mais arborizada do que este lado, e começou a
tremer.
Sem saber se era a adrenalina da corrida, ou da força do golpe,
ou o rescaldo de seu primeiro assassinato, ou a descoberta de sua
família há muito perdida. Ela não sabia o que era, mas conforme
seus tremores se intensificavam e seus olhos começavam a arder,
ela olhava sem sentido para a água, sua mente desmoronando
novamente numa espécie de entorpecimento que a aterrorizava.

Seus braços a rodearam, um corpo quente nas suas costas,


pernas em cada lado dela, seu cheiro masculino no nariz.

— Xander está com seu irmão.

Cinco palavras.

Cinco palavras que inclinaram seu mundo em seu eixo


novamente.

Ela agarrou seus braços para se ancorar, seu peito arfando


quando um barulho a deixou, a queimadura dominando seus
olhos. Os arrepios abalaram seu corpo e ela gritou, soluçando
quando os fatos a atingiram um após o outro.

Ela tinha um irmão.

Seu bebê estava com seu irmão.

Ela tinha família.

Seu bebê tinha família.

Seus gemidos se transformaram em soluços e ela olhou para


a água, sua garganta queimando.

— Ele é um garoto esperto, — ele disse a ela, e ela encharcou


suas palavras, deixando-as molhar as partes ressequidas e à
espera de si mesma. — Eu contratei uma senhora para cuidar dele
nos primeiros anos enquanto eu rastreava sua história e de onde
você veio.

— Ele... ele conhece você? — ela tropeçou na pergunta,


incapaz de acreditar.

Seus braços lhe deram um aperto. — Ele conhece. Conversei


com ele, expliquei que ele tinha família para onde tinha que ir, e
ele entendeu. Ele é perspicaz. Depois o coloquei em um orfanato e
levei seu irmão direto até ele.

Ela engoliu. — Como é... meu ir... o que meu irmão faz?

Houve uma longa pausa. — Ele lidera as operações da máfia


em Shadow Port. Ele é determinado, letal, e não parou de procurar
por você desde que foi levada dele vinte e dois anos atrás.

A honestidade e naturalidade de suas palavras a fez fechar os


olhos enquanto as absorvia. O irmão dela. Ele estava no submundo
também. E ele estava procurando por ela.

— Qual é o nome dele? — sua voz rouca.

— Tristan Caine, — o homem atrás dela falou, sua voz neutra.

— E... qual é o meu nome?

Uma mão virou seu rosto para o lado, seus olhos travando com
os dele ao luar. — Luna.

Luna. Parecia estranho. Ela não se sentia como uma Luna.


Ela olhou para ele, incapaz de processar tudo, incapaz de
entender tudo o que estava sentindo. — Por que você não me
contou?

Ele ficou quieto por um longo minuto, tanto tempo que ela
quase pensou que ele não responderia. — No começo, eu não
sabia. Quando eu descobri, você estava começando a se
automutilar em pensamentos, e eu tive que mantê-la esperando
pelas respostas.

— E você não achou que me dizer que eu tinha um irmão, que


Xander estava com a família, teria me ajudado a superar?

Era estranho ouvir a amargura em sua voz. Ele nivelou um


olhar firme para ela. — Teria? Se eu tivesse dito que você tinha
família e que a criança estava segura, você teria superado?

Ela não sabia. Naquela época, ela era uma garota diferente,
com uma mentalidade na qual ela não cabia mais. Ela não sabia
como teria se comportado. Mas isso não a deixava fora de questão.

— E depois? Quando você me levou para casa? Você ainda não


podia ter dito nada?

Ele suspirou, a única reação externa ao que estava


acontecendo dentro dele. — Você teria me deixado.

Ela piscou. — O quê?

— Se eu tivesse dito a você naquela época, você teria me


deixado, e eu não sabia se você voltaria. E eu não podia arriscar
isso. O Dr. Manson também me aconselhou a não sobrecarregar
sua mente.
Ela virou o pescoço, incapaz de manter os olhos nele, a raiva
vindo à tona de sua mente novamente. — Então você mentiu para
mim por omissão.

Ele não disse nada.

Uma risada sombria a deixou. — E daí? Agora que eu te amo,


não faz mal para mim saber? Era esse o seu plano? Fazer meu
coração estúpido apaixonar-se por você todos os dias até não ter
outra escolha senão ficar com você? Para que mesmo se eu
partisse, eu ficasse com você? Era isso?

Seu silêncio falou muito.

Cansada dele, cansada de tudo, ela se afastou do chão. Ele


começou a se levantar, mas ela empurrou a palma da mão para
fora, parando-o. — Eu não posso te ver agora. Eu preciso de um
pouco de espaço. Não se atreva a vir atrás de mim.

Sua mandíbula cerrou, mas ele ficou onde estava, e ela se


afastou do mesmo jeito que veio, com as mãos nos bolsos, sem
olhar para ele. Ela voltou para o quarteirão industrial, passou pela
fábrica agora em chamas, seus olhos se demorando nas chamas e
na fumaça de seu passado. Quem quer que ela fosse lá há meses,
a casca de uma garota, cinzas de seu próprio ser, tinha
desaparecido. Ela havia ressuscitado, renascido e, observando as
chamas, podia sentir o calor do beijo deles em sua pele. O fogo,
antes aterrorizante, era agora seu amante, e foi este fogo que a
purificou, a reacendeu, a reanimou.

Reconhecendo que, lembrando o poder que ela havia tomado


antes de matar seu atormentador, atravessou a fábrica e foi em
direção à rua principal, fundindo-se no barulho e na agitação da
cidade. Ela não sabia se ele a seguia, e francamente, ela não se
importava. Simplesmente caminhou, caminhou e caminhou, com
a multidão, com a mente adormecida e a cambalear
simultaneamente.

O cheiro de chá rompeu a névoa dela. Ela olhou para o lado


para encontrar uma pequena lanchonete, um aroma maravilhoso
que vinha de dentro, e entrou. Era pitoresca. Indo para o fundo da
loja, pediu um chá de ervas e um pastel, e pegou seu telefone.
Dainn tinha lhe dado o aparelho quando saíram de casa,
orientando-a sobre como usá-lo para tudo - de ligar para pagar a
alguém até enviar uma mensagem de texto.

Mas ao olhar para a tela, ela abriu a barra de busca, seus


dedos hesitando.

E então ela digitou.

Tristan Caine.

Ela encontrou alguns acessos, alguns artigos de jornal,


algumas imagens. Com as mãos tremendo, clicou em uma das
fotos, para olhar para um homem bonito com olhos azuis
brilhantes. Lyla olhou para a foto por um longo segundo incapaz
de entender se eram suas feições que pareciam familiares ou se ela
o tinha visto em algum lugar. Rolando para a próxima foto, ela se
engasgou. Era ele com uma morena de óculos, os dois se olhando,
a legenda dizia “Tristan Caine e Morana Vitalio estão noivos”.

Morana.

Ela se lembrava daquele nome. Ela se lembrou da garota


naquela noite em seu clube, a noite em que ela quase acabou com
sua vida. Ele esteve lá. Seu irmão estava bem ali, e ela nem sabia.
Em vez disso, ela subiu para seu quarto e teve uma overdose.
A situação confusa mexeu com sua cabeça. Ela desligou o
telefone, puxando respirações curtas e afiadas para se acalmar.

Tristan e Morana estavam juntos e cuidavam de Xander. Isso


era bom. Isso, pelo menos, foi o maior alívio que ela sentiu em
muito tempo. Não sabia o que ela ia fazer, não sabia como iria
processar qualquer coisa, mas estava feliz pelo vislumbre que ela
teve deles que pareciam bons, bons o suficiente para criar seu
bebê.

O garçom trouxe o chá e o pastel, e ela apenas olhou para eles


sem entender, sem saber sobre o mundo exterior.

Seu irmão, Tristan, estava procurando por ela, pela irmã que
ele havia perdido. Mas ela não era mais aquela garota. Ela não era
Luna, e ela não sabia como poderia conhecê-lo, não sabia como
poderia colocar seu eu quebrado lá fora. E se ela não estivesse à
altura de quem ele tinha em sua mente? E se ela não fosse
suficiente? E se ela não bastasse? Ele ficaria desapontado por ter
passado tanto tempo procurando por ela? Ele ficaria frustrado e
tentaria transformá-la em outra pessoa? E depois de todo esse
tempo, será que ela seria capaz de confiar em alguém de fora? O
que ela sabia sequer sobre a família? E quanto a Xander? O que
ela diria a ele? Se ele estivesse feliz e acomodado, como ela poderia
destruir isso?

Como os pensamentos de auto sabotagem encheram sua


mente, ela fechou os olhos e estalou o laço de cabelo em seu pulso.

Não funcionou.

Pensamentos e perguntas rodopiaram em sua cabeça,


afogando-a, e ela respirou pela boca, tentando se acalmar.

Não funcionou.
O telefone na mão dela vibrava, um número desconhecido
ligando. Concentrando-se em sua respiração, ela pegou,
permanecendo em silêncio.

Havia silêncio do outro lado.

Ela olhou para baixo para ver se a chamada ainda estava


ligada, e colocou-a de volta em seu ouvido. Havia uma risada
sombria na outra ponta. Levemente assustada, ela mordeu o lábio.

— Luna Caine, — a voz profunda de um homem, a voz maligna


disse ao longo da linha. — A ruína da minha existência por vinte
anos.

Ela agarrou o telefone na mão. — Você ligou para o número


errado.

— Não, garotinha, — a voz familiar falou. — Liguei para o


número certo. Você se lembra de mim?

Seu coração começou a bater, velhas, velhas memórias


inundando sua mente.

Uma garotinha tão bonita.

Ela começou a tremer.

— Eu vou matar seu amante, querida, — a voz maligna disse


a ela. — O Shadow Man vai morrer. Seu irmão vai morrer. Eu
deixei todos vocês viverem por muito tempo. E então, quando ele
tiver terminado, eu a levarei para mim, assim como fiz quando você
era criança. Você se lembra?

A bile subiu em seu estômago, subindo por sua garganta. Ela


engoliu, lembrando a si mesma que não era mais aquela garotinha
assustada, mas que era uma mulher adulta, que tinha acabado de
assassinar um de seus demônios.

— Número errado, — disse ela, antes de desligar o telefone.


Ela olhou ao redor do pequeno lugar, notando que algumas
pessoas olhavam para ela, mas não conseguiam discernir se era
perigosa. Havia muitas pessoas.

Ela precisava sair.

Pagando pelo pedido intocado, correu para fora da loja e


chamou um táxi, dando-lhe o nome do hotel.

Enquanto a cidade passava, ela fechou os olhos, dando a si


mesma um momento de descanso antes que tudo voltasse a cair
ao seu redor.
Capítulo Vinte e Sete

Lyla

Ele estava esperando por ela quando entrou no quarto, os


cotovelos nos joelhos, os olhos na porta.

Olhando para ele, depois do espaço que ela tomou, tudo o que
estava segurando desmoronou.

Ele estava de pé e ao redor dela antes que ela pudesse piscar,


seus braços segurando-a com força, seu peito contra seu rosto, e
ela respirou fundo, tremendo, tremendo, soluçando.

— Estou tão brava com você, — ela disse a ele entre soluços.

— Eu sei, flamma, — ele falou baixinho, suas palavras contra


o cabelo dela. — Eu sei.

— E eu estou brava que seu plano funcionou, — ela


resmungou em seu peito.

Ele deu um beijo suave em sua cabeça, antes de se afastar,


pressionando um ainda mais suave em seus lábios. — Não me
arrependo de ter feito o que tive que fazer para estarmos aqui.

— Você se arrepende de alguma coisa? — ela perguntou a ele,


seus olhos travando juntos.
— Lamento que você tenha se machucado.

Isso foi tudo. Mas ela não sabia por que estava surpresa. Ela
sabia quem ele era, como ele operava, como seu sistema
funcionava. De alguma forma, no meio do extremo dele e do
extremo dela, eles chegaram a um equilíbrio – onde ele tirou dela
o que ela deu e ela tirou dele o que ele deu. Ela não podia esquecer
isso. Mas ela ainda estava brava, e ela precisava que ele ficasse
bravo, para tirar essa raiva de si mesma de alguma forma.

Ela o empurrou, indo para o chuveiro, e estava ciente de que


ele a seguia, seus olhos curiosos em suas mudanças de expressão.
— Estou me sentindo demais agora, — ela disse a ele, tirando suas
roupas. — Tanto que eu sinto que vou explodir sem descobrir
nada.

Ele inclinou a cabeça para o lado. — O que você está sentindo?

Ela trancou seus olhos no reflexo do espelho, provocando-o.


— Imagine que estou deixando você. — Ela viu seu corpo
endurecer. — Imagine que esta é a última vez que você vai me
tocar. — Seus olhos brilharam. — Imagine que você não pode fazer
nada para me deter. Pense nisso, e como você ficaria chateado.
Você ficaria com raiva?

— Eu não sei se vai ser raiva, — ele afirmou suavemente. —


Mas se isso acontecesse, haveria aniquilação absoluta.

Ela estremeceu, suas mãos agarrando o balcão. Ela precisava


de algo, algo para acalmar o tornado dentro dela, não sabia o quê,
e ela olhou para ele, implorando que ele entendesse e desse a ela.

Ele veio para ficar atrás dela, seus olhos fixos nos dela. —
Ainda confia em mim?
Com tudo o que ela estava sentindo, tudo o que tinha
desvendado nas últimas horas, ela olhou para ele. Maldito coração
estúpido, ainda confiava nele.

Tomando o silêncio dela como resposta, ele deu um passo mais


perto, chegando a pairar sobre ela. — Ainda confia em mim?

A pergunta, feita novamente, apenas lhe dizia que ele queria


que sua resposta fosse verbalizada.

— Sim, — ela disse a ele. Ela confiava. Apesar de tudo, ela


confiava.

Um beijo suave pressionado em sua cabeça. — Boa menina.

Antes que ela pudesse dizer outra palavra, estava curvada


sobre o balcão, seus seios empurrados contra a pia, sua bunda
para fora enquanto ele a segurava com uma mão na parte de trás
de seu pescoço.

Sua outra mão acariciou sua bunda suavemente, os calos


acariciando a pele macia, antes de bater nela.

Ela gritou, seu coração batendo forte quando olhou


diretamente no espelho, seus olhos travando com os dele.

— Você vai liberar tudo dentro de você, flamma, — ele ordenou


a ela, sua voz baixa. — Toda vez que minha mão descer, você
soltará o que estiver segurando e me dará. Entendeu?

Seu queixo começou a tremer. — Sim.

Com os olhos fixos nos dela, a palma de sua mão desceu em


sua outra bochecha, mais forte que a primeira. Ela exalou
profundamente e fechou os olhos, imaginando-se deixando ir. Ela
poderia deixar ir. Ela poderia ser livre. Sabia disso, e ela poderia
tê-lo novamente. O passado não tinha mais nenhum controle sobre
ela.

Sua mão desceu novamente, e um grito a deixou


espontaneamente. — Eu te odeio por esconder a verdade de mim.

Ele esfregou seu traseiro, antes de bater nela, logo acima de


sua coxa. Isso doeu, mas foi tão bom. — Eu não acho que meu
irmão vai me querer depois que ele me conhecer. Não vai... de jeito
nenhum.

Quando as palavras a deixaram, ela começou a chorar.

Ele não disse nada, deixando-a colocar tudo para fora. Quando
ela se acalmou um pouco, ele a espancou novamente, agitando
outro poço dentro dela.

— Eu não quero voltar para a vida de Xander e destruí-lo.

E assim foi.

Repetidas vezes, até que todos os segredos e todos os


pensamentos que ela guardava fossem revelados, o peso do fardo
em branco em sua mente, ela soluçando enquanto desmoronava.
Depois de inúmeras palmadas, até que sua bunda estava em
chamas e sua mente em repouso, ela o sentiu pegá-la suavemente
e levá-la para o quarto, segurando-a perto enquanto ela chorava
em seu pescoço, soltando tudo, liberando tudo, tudo o que a estava
segurando, pelo menos por um tempo.

Chorando, em seus braços, ela desmaiou.


Acordou ao vê-lo sentado com seu laptop sobre a mesa,
olhando para a tela na escuridão do quarto, seu rosto iluminado
pelo brilho do monitor.

Virando-se, ela enrolou o lençol em volta de si mesma e


caminhou até ele.

— Venha aqui, — ele falou, abrindo os braços e deixando-a


sentar-se em seu colo, prendendo-a enquanto a virava de costas
para a tela e continuava trabalhando em alguns números.

Ela piscou, sem entender o que ela estava olhando, mas ela o
deixou trabalhar, semi-cochilando nele.

— Lembra quando eu te contei sobre minha amiga que fugiu?


— ela perguntou a ele, sentindo-o ainda abaixo dela com a
pergunta.

— Sim, — ele esperou que ela continuasse.

Ela olhou para a tela, lembrando-se sem pensar. — O homem


de quem ela escapou, ele me manteve com ele por alguns anos.
Ele... ele foi o primeiro.

Ele estava imóvel, totalmente imóvel, mas permaneceu em


silêncio.

— Ele me ligou esta noite.

Suas mãos a estavam girando em seu colo antes que ela


pudesse piscar, seus olhos diabólicos incompatíveis intensos sobre
ela. — Quem?

Ela balançou a cabeça. — Eu não sei o nome dele, mas ele


disse... ele ameaçou matar você, matar meu irmão. Ele... disse que
queria me pegar de novo. — Sua voz tremeu nas últimas palavras,
e seu aperto em sua mandíbula se apertou.

— Não está acontecendo.

Três palavras, ditas com tanta ferocidade que ela sentiu


penetrar em seus ossos.

— Ele está no Sindicato?

Ela assentiu. — Acho que sim. Ele se dirigiu a mim pelo meu
nome verdadeiro.

Ele olhou para ela por um longo segundo. — Então você o terá
à sua mercê.

Ela nunca, nunca queria vê-lo novamente.

Dainn deu um beijo em seu pescoço, virando-a para encarar o


monitor. — Revelação total - encontrei sua amiga que fugiu.

Lyla observou enquanto ele abria uma pasta, clicando em uma


foto. Ela bufou de alegria ao ver uma linda garota, seus olhos
brilhando de felicidade ao sorrir para a câmera. Lyla piscou,
tocando sua mão no rosto na tela, lembrando-se da garota que a
havia deixado para trás. Mas ela estava feliz.

— Onde ela está? — sua voz falhou, seu coração cheio pela
garotinha que havia encontrado uma boa vida para si mesma.

Uma longa pausa em sua resposta a fez virar o pescoço.

— Ela morreu. O careca a matou.


Sua mão caiu da tela, seus ombros caindo. Pela primeira vez
desde o incêndio, ela se sentiu feliz por ele já estar morto, porque
a fúria dentro dela a fez querer matá-lo novamente. Porra.

— Ela foi adotada por uma família, mas originalmente era filha
do chefe da máfia Shadow Port. — A informação rolou sobre ela
quando ele trouxe à tona uma imagem de Morana, a garota de
óculos. — Morana Vitalio foi substituída por ela.

Apareceu outra foto, essa com Morana e um homem


segurando-a.

— Esse é seu irmão, Tristan, — ele disse a ela, deixando-a


absorver suas imagens.

— Eu os vi naquela noite, você sabe, — ela sussurrou, seus


olhos varrendo enquanto outra foto tomava seu lugar. — Na noite
em que tentei...

— Eu sei. Eles estavam lá naquela noite seguindo uma pista.


Foi para isso que eu entrei em contato.

A foto mudou, desta vez para incluir um menino com o casal.

Sua boca se abriu, seus olhos embaçando enquanto ela


observava cada detalhe de seu rosto jovem. Ele era lindo. Tão
bonito.

Ela passou os braços ao redor de si mesma enquanto as fotos


mudavam, uma apresentação de slides de diferentes fotos dele, e
Lyla as observou, guardando as preciosas fotos em sua memória,
seu coração explodindo de amor, perda e felicidade por ele.

Ela se enterrou no corpo sólido em suas costas, respirando


pela boca para controlar o fluxo de emoções dentro dela. Ele não
sabia o que tinha dado a ela, não sabia o que tinha feito por ela,
durante seis anos, dia após dia, noite após noite. Para um homem
que disse que não sentia, ele criou um menino e o enviou para sua
família, olhou para ele de longe enquanto a mantinha segura o
tempo todo. Ele ficou com ela quando ela estava quebrada e deu a
ela todas as ferramentas que ela precisava para juntar os pedaços.
Ele havia colado os pedaços juntos e beijado suas cicatrizes,
fazendo-a pertencer de uma forma que seu coração ansiava tão
profundamente.

Para um homem que disse que não sentia, ele com certeza a
amava muito.

Ela virou o rosto para ele, seu coração em seus olhos. —


Obrigada.

Ele não disse nada, apenas a abraçou, seus olhos procurando


os dela.

Pressionou seus lábios nos dele e ele assumiu, beijando-a do


jeito que ela amava, do jeito de reivindicar, possuir e manter.

E sentada nos braços do diabo que ela amava, sem saber o


que o futuro reservava para ela, sentiu esperança. Sentiu
segurança. Sentiu amor.

O que quer que o futuro reservasse, com ele ao seu lado, ela
ficaria bem.

Eles ficariam bem.


ele

Shadow Man olhou para a mulher dormindo sobre a cama.

Uma garota que havia chocado com sua vida, um brilho leve
no escuro, empurrando a vida para seu coração frio e morto.

Agora uma mulher que tinha vencido as adversidades, todos


os dias, e saiu levantando-se do outro lado, com tanta vida dentro
dela que se perguntava como um único ser poderia contê-la. Tinha
sido essa vida que o havia fisgado, a vitalidade que alimentou seu
vazio, o absoluto ao seu abismo.

Ela lhe havia dito uma vez, com uma checklist de tudo o que
o amor era para ela, e ela havia se encaixado em todas as
categorias para ele, todas exceto uma.

Ele nunca, nem uma vez, havia colocado o bem de ninguém


antes de suas próprias necessidades egoístas, nunca havia
pensado que o faria. Mas curiosamente, ao vê-la dormir,
conhecendo os demônios que ela combatia e as rachaduras que
contava dentro de si, ele sentiu uma compulsão para cobrir as
rachaduras e fechá-las, até que ela estivesse de volta ao caminho
de sua cura como antes. Ele viu como ela se saía bem quando se
concentrava em si mesma, quando as forças externas não se
afastavam dela, e ele queria que ela encontrasse o caminho de
volta.

E ele sabia que o que ela precisava para curá-la não se


harmonizava com o que ele queria, que era mantê-la só para si e
não compartilhar nem mesmo uma parte dela com o mundo.
Ele traçou sua boca com seu polegar, e os lábios dela se
separaram durante o sono.

Perguntou-se se alguma vez haveria um fim para esta


obsessão, para esta necessidade profunda e sombria que respirava
dentro dele com os batimentos de seu coração. Durante seis anos,
ela só tinha crescido, até consumir cada parte dele, e ele se
perguntava se ainda havia mais dele para consumir. Era uma
maravilha, como esta pequena menina que nunca havia estado no
radar de ninguém se encontrava abraçada nos braços da morte.

Respirando, com um estranho aperto no peito, ele abriu seu


tablet e a sequência de mensagens que ele enviou a Morana através
da mudança de endereços IP, deixando mais um pedaço, um
grande, para ela cavar. Dadas suas habilidades, provavelmente
iria decifrá-lo em dois dias, rastrear o arquivo que ele tinha
esperando por ela e entrar em contato.

Por mais dois dias, ele teria sua chama só para si, antes que
seu passado batesse, e seu irmão finalmente a encontrasse. Ele
odiava Tristan Caine só por isso. Mas ele iria tolerá-lo, deixá-lo ter
seu espaço em sua vida, mesmo que apenas para ela. Porque isso
a faria inteira, a faria se curar, conhecendo esse amor também.

— Dainn?

A voz suave e rouca trouxe seus olhos de volta para o único


ser que importava para ele, o sabor doce da sua voz em sua língua.

— Venha para a cama, — ela resmungou, ainda meio


adormecida, e foda-se se o aperto no peito dele não se
intensificasse. Ele já havia parado em ruas frias, procurando por
calor até que a geada congelou seu coração. Mesmo depois que ele
construiu para si a mais quente das casas, o frio nunca fora
embora. Não até ela, não até que a única pessoa que se importasse
com ele, se importasse que ele não estivesse dormindo, se
importasse que ele não estivesse aquecido.

Seguindo seu pedido suave, ele subiu de volta ao seu lado, e a


sentiu envolver-se em torno dele, sem hesitação na forma como ela
se agarrou ao seu corpo, apertou-se ao seu lado, seu rosto na
curva de seu pescoço. Ela o tocou como se ele não fosse uma
aversão à humanidade, como se ele importasse, ela sempre o fez.
A princípio, ela o surpreendeu, a maneira como lhe deu livremente
seus toques, e ele não sabia como reagir, não até que começou a
ouvir algum instinto profundamente enraizado que sabia
exatamente como responder a esta mulher.

Ouvindo o mesmo instinto, ele passou o braço ao redor dela,


segurando-a perto.

— Dainn?

Porra, a voz dela ainda fazia seu corpo vibrar com sensações.

— Eu te amo.

Ele fechou os olhos por uma fração de segundo com essas


palavras, o aperto em seu peito se movendo, turvando, até que
estava pesando tanto que ele não conseguiu respirar. Apenas por
uma fração de segundo, antes de se virar, olhando para a mulher
por quem destruiria tudo, vendo seu rosto suave, lindo sorriso e
olhos sonolentos.

Ele não era um crente, mas ela era o seu milagre.

Ele não sabia se o que acontecia dentro dele no que dizia


respeito a ela era amor. Parecia errado dizer isso. O amor era leve,
o amor era lindo, o amor era puro. O que ele sentia era sombrio,
obsessivo, perverso e totalmente possessivo. Ele mataria por ela,
como sempre fez, e morreria por ela, se necessário. Ele mataria
seus demônios e lhe daria a espada para matá-los, se ela quisesse.
Ele a seguraria bem de perto e a protegeria de qualquer coisa que
quisesse manchar seu ser.

Ela completava partes dele que tinham sido irregulares e


cruas, cabendo dentro delas com suavidade e fluidez, acalmando
alguma besta latente dentro dele.

Onde ela o amava com toda a sua luz, ele a possuía com todas
as suas sombras.

É por isso que ela era dele.

Enquanto se preparava para os dois dias que tinha antes que


o mundo deles mudasse, ele a abraçou, sabendo que, apesar do
que acontecesse, ele nunca, nunca a deixaria ir.

E se alguém tentasse... aniquilaria.

Fim...

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