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SINOPSE

Eles assassinaram meu pai, então eu roubei a filha deles...

Ela é minha cativa, minha pequena bailarina que dança só


para mim.

Nessa é doce e inocente. Ela não merece nada disso.

Mas é assim que nosso mundo funciona – os lobos comem os


cordeiros, não importa o quão dóceis eles sejam.

Vou usá-la para obter minha vingança.

A menos que eu ceda à minha fome primeiro...


1

VARSÓVIA, POLÓNIA

Dez anos atrás

No caminho do trabalho para casa, paro e compro um


saco de chrusciki1 fresco para Anna. Pequenos pontos de
gordura escorrem do saco de papel dos pastéis de ovo e creme,
polvilhados com açúcar de confeiteiro para se adequar ao seu
nome de “Asas de Anjo”. Ela está fazendo o exame de admissão
à universidade hoje. Já sei que teremos o que comemorar.
Anna é brilhante. Tenho certeza de que ela vai passar com as
melhores notas.

Podemos ser gêmeos, mas você nunca adivinharia. Ela


tem cabelo castanho, enquanto eu sou loiro como palha de
milho. Ela devora todos os livros em que consegue pôr as mãos,
enquanto eu saí da escola aos quatorze anos.

Eu não tive muita escolha sobre isso. Alguém tinha que


pagar o aluguel do nosso pequeno apartamento sombrio.

1 Iguaria polonesa, massa crocante que derrete na boca, são fritas e polvilhadas com açúcar.
Nosso pai tinha um bom emprego na Huta Warszawa
Steel Works. Ele era técnico de manutenção, trazendo para
casa um salário de quase seis mil zlotys2 por mês. O suficiente
para nos manter com sapatos novos, com uma geladeira cheia.

Até que ele foi cozido como uma lagosta em uma panela
enquanto trabalhava em um alto-forno. Ele não está morto.
Apenas tão queimado que mal consegue apertar os botões do
controle remoto enquanto assiste televisão o dia todo,
enfurnado em seu quarto.

Nossa mãe foi embora. Ouvi dizer que ela se casou com
um contador e se mudou para Cracóvia. Eu não tenho notícias
dela desde então.

Não importa. Ganho o suficiente na delicatessen para nos


manter em movimento por enquanto. Algum dia Anna será
professora de literatura. Então compraremos uma casinha, em
outro lugar que não seja aqui.

Vivemos toda a nossa vida no distrito de Praga, na


margem direita do rio Vístula. Do outro lado da água, você
pode ver os prósperos centros de negócios e finanças. Moramos
em uma favela. Prédios de tijolos altos, retangulares e
imundos, bloqueando o sol. Fábricas vazias da era comunista,
quando este era o centro da indústria estatal. Agora suas
janelas estão quebradas e as portas fechadas com correntes.

2 Moeda polonesa.
Os viciados adormecem em pilhas de trapos, injetando-se com
krokodil3 russo apodrecendo.

Anna e eu teremos uma casa adequada com jardim, e


ninguém acima ou abaixo de nós, batendo e gritando a
qualquer hora da noite.

Não espero minha irmã em casa por várias horas, então,


quando abro a porta do nosso apartamento e vejo sua bolsa
escolar no chão, fico confuso e surpreso.

Anna é escrupulosamente organizada. Ela não joga a


mochila no chão, deixando os livros espalhados. Alguns de
seus livros estão enlameados e molhados. O mesmo com seus
sapatos, abandonados ao lado da bolsa.

Posso ouvir água correndo no banheiro. Também


estranho – Anna não toma banho à noite.

Largo o saco de pastéis na mesa da cozinha e corro para


o nosso único banheiro. Bato na porta, chamando minha irmã.

Não há resposta.

Quando pressiono meu ouvido contra a porta, ouço-a


soluçando com o som do chuveiro.

Bato meu ombro contra a porta, ouvindo a lasca de


madeira barata quando a fechadura cede. Eu me forço para o
banheiro minúsculo.

3 Substituto barato para heroína.


Anna está sentada no chuveiro, ainda usando as roupas
da escola. Sua blusa está quase arrancada de seu corpo. O
material fino se agarra apenas aos braços e cintura.

Ela está coberta de cortes e vergões – por tudo, os ombros,


braços e costas. Vejo hematomas escuros em volta do pescoço
e na parte superior dos seios. Até o que parece ser marcas de
mordida.

Seu rosto está pior. Ela tem um corte longo na bochecha


direita e um olho roxo. O sangue escorre de seu nariz,
pingando na água em volta de suas pernas, difundindo-se
como tinta aquarela.

Ela não consegue olhar para mim. Após o primeiro olhar


para cima, enterra o rosto nos braços, soluçando.

— Quem fez isto com você? — Eu exijo, minha voz


tremendo.

Ela aperta os lábios e balança a cabeça, sem querer me


dizer.

Não é verdade que gêmeos podem ler a mente um do


outro. Mas eu conheço minha irmã. Eu a conheço muito bem.

E eu sei quem fez isso. Eu vi a maneira como eles olham


para ela, sempre que ela sai do nosso apartamento para ir à
escola. Eu os vejo encostados em seus carros caros, braços
cruzados, seus óculos de sol não conseguindo esconder como
eles olham maliciosamente para ela. Às vezes, eles até gritam
coisas para ela, embora ela nunca vire a cabeça ou responda.
Foram os Braterstwo. A máfia polonesa.

Eles acham que podem ter o que quiserem – relógios


caros, correntes de ouro, telefones que custam mais do que eu
ganho em um mês. Aparentemente, eles decidiram que
queriam minha irmã.

Ela não quer me contar, porque tem medo do que vai


acontecer.

Eu a agarro pelo ombro e a faço olhar para mim.

Seus olhos estão vermelhos, inchados, apavorados.

— Qual deles fez isso? — Eu assobio. — Aquele com a


cabeça raspada?

Ela hesita, então concorda.

— Aquele com a barba escura?

Outro aceno de cabeça.

— Aquele com a jaqueta de couro?

Seu rosto se contorce.

Ele é o líder. Eu vi como os outros se submetem a ele. Eu


vi como ele encara Anna acima de tudo.

— Eu os pegarei, Anna. Cada um deles vai pagar, — eu


prometo a ela.

Anna balança a cabeça, lágrimas silenciosas deslizando


por seu rosto machucado.
— Não, Miko, — ela soluça. — Eles vão matar você.

— Não se eu os matar primeiro, — digo severamente.

Eu a deixo lá no chuveiro. Vou para o meu quarto e ergo


o assoalho, sob o qual escondi meu cofre de metal. Ele contém
todas as minhas economias – o dinheiro para mandar Anna
para a escola. Ela perdeu seus exames. Ela não vai este ano.

Dobro as notas em um maço e as coloco no bolso. Em


seguida, saio do apartamento correndo na chuva até a loja de
penhores na rua Brzeska.

Jakub está sentado atrás do balcão, como sempre, lendo


um livro de bolso com a metade da capa arrancada. De ombros
caídos, careca, com óculos de fundo de garrafa em armações
de plástico grossas, Jakub pisca para mim como uma coruja
que acorda cedo demais.

— Como posso ajudá-lo, Mikolaj? — Ele diz em sua voz


rouca.

— Eu preciso de uma arma, — digo a ele.

Ele dá uma risada rouca.

— Isso seria ilegal, meu rapaz. Que tal uma guitarra ou


um Xbox?

Jogo o maço de notas em sua bancada.

— Corta essa merda, — digo a ele. — Me mostre o que


você tem.
Ele olha para o dinheiro, sem tocá-lo. Então, depois de
um momento, ele sai do balcão, arrastando-se até a porta da
frente. Vira a trava, abrindo-a. Então ele se arrasta em direção
ao fundo.

— Por aqui, — ele diz, sem virar a cabeça.

Eu o sigo até a parte de trás da loja. É aqui onde ele mora


– vejo um sofá velho com a espuma saindo dos buracos do
estofamento. Um aparelho de televisão quadrado. Uma
minúscula cozinha com fogão, que cheira a café queimado e
cigarro.

Jakub me leva até uma cômoda. Abre a gaveta de cima,


revelando uma pequena seleção de armas de fogo.

— Qual delas você quer? — Ele diz.

Não sei nada sobre armas. Eu nunca segurei uma na


minha vida.

Olho para a confusão de armas: algumas de carbono,


algumas de aço, algumas elegantes, algumas praticamente
antigas.

Uma é toda preta, de tamanho médio, moderna e de


aparência simples. Isso me lembra a arma que James Bond
carrega. Eu a pego, surpreso com o quão pesada fica na minha
mão.

— Essa é uma Glock, — diz Jakub.

— Eu sei, — respondo, embora na verdade não saiba.


— É uma .45. Você precisa de munição também? — Ele
diz.

— E uma faca, — digo a ele.

Vejo a expressão de diversão em seu rosto. Ele acha que


estou brincando de comandante. Não importa – não quero que
ele me leve a sério. Não quero que ele avise ninguém.

Ele me dá uma Faca de Combate Leatherneck em uma


bainha de polímero. Mostra como segurar a bainha para puxar
a lâmina, como se estivesse fazendo uma demonstração para
uma criança.

Ele não pergunta o que eu quero. Ele também não oferece


nenhuma conversa.

Escondo minhas armas sob minhas roupas e volto


correndo para o apartamento.

Pretendo dar uma olhada em Anna antes de rastrear


aqueles cadáveres ambulantes que ousaram colocar as mãos
em minha irmã.

Quando destranco a porta da frente mais uma vez, sinto


um arrepio estranho percorrer minha espinha.

Não sei o que é exatamente. Tudo parece igual a antes –


a mochila está no mesmo lugar no corredor, os tênis da minha
irmã bem ao lado dela. Ainda posso ouvir a vibração da
televisão no quarto do meu pai, um som que passa dia e noite
em nosso apartamento. Posso até ver sua luz azul vazando por
baixo de sua porta.

Mas não ouço mais o chuveiro funcionando. E eu não


ouço minha irmã. Espero que isso signifique que ela está
descansando em seu quarto.

Isso é o que eu espero. Espero que ela esteja deitada em


sua cama sob as cobertas. Esperançosamente dormindo.

No entanto, quando passo pela porta do banheiro no meu


caminho para ver como ela está, hesito.

Há um pequeno som vindo de dentro.

Um ruído gotejante constante. Como uma torneira não


totalmente fechada.

A porta está entreaberta – quebrei a moldura, forçando


meu caminho para dentro da primeira vez. Agora não vai
fechar totalmente.

Eu empurro a porta, a luz fluorescente brilhante


momentaneamente ofuscando meus olhos.

Minha irmã está deitada na banheira, olhando para o


teto.

Seus olhos estão arregalados e fixos, totalmente mortos.


Seu rosto parece mais pálido do que giz.
Um braço está pendurado na lateral da banheira. Um
longo corte vai do pulso ao cotovelo, aberto como um sorriso
berrante.

O chão está coberto de sangue. Ele vai da banheira até a


borda dos ladrilhos, até meus pés. Se eu der um único passo
para dentro, andarei sobre ele.

De alguma forma, isso me paralisa. Quero correr para


Anna, mas não quero andar em seu sangue. Tolamente,
insanamente, eu sinto que isso a machucaria. Mesmo que ela
esteja claramente morta.

No entanto, tenho que ir até ela. Eu tenho que fechar seus


olhos. Não suporto o jeito que ela está olhando para o teto. Não
há paz em seu rosto – ela parece tão apavorada quanto antes.

Com o estômago revirando e o peito queimando, corro até


ela, meus pés deslizando no azulejo escorregadio. Gentilmente
levanto seu braço, colocando-o de volta dentro da banheira
com ela. Sua pele ainda está quente e, por um segundo, acho
que pode haver esperança. Então olho para o rosto dela
novamente e sei o quão estúpido eu realmente sou. Coloco
minha mão sobre seu rosto para fechar seus olhos.

Então vou até o quarto dela. Encontro seu cobertor


favorito – aquele com luas e estrelas. Eu o levo para o banheiro
e cubro seu corpo com ele. Tem água na banheira. Isso embebe
o cobertor. Não importa – eu só quero cobri-la, para que
ninguém mais possa olhar para ela. Não mais.
Então volto para o meu quarto. Sento-me no chão, ao lado
da caixa vazia, que ainda não devolvi ao seu esconderijo sob
as tábuas do assoalho.

Estou sentindo uma profunda culpa e tristeza


insuportável. Eu, literalmente, não consigo suportar. Sinto
como se estivesse rasgando pedaços da minha carne, quilo a
quilo, até que não passarei de um esqueleto – esqueleto, sem
músculos, nervos ou coração.

Esse coração está se calcificando dentro de mim. Quando


vi o corpo de Anna pela primeira vez, bateu-me com tanta força
que pensei que fosse explodir. Agora está se contraindo cada
vez mais devagar, cada vez mais fraco. Até que pare totalmente.

Nunca passei um dia inteiro longe da minha irmã.

Ela tem sido minha amiga mais próxima, a única pessoa


com quem realmente me importava.

Anna é melhor do que eu em todos os sentidos. Ela é mais


inteligente, gentil e feliz.

Muitas vezes senti que, quando nos formamos no útero,


nossas características foram divididas em duas partes. Ela
ficou com a melhor parte de nós, mas enquanto ela estivesse
por perto, poderíamos compartilhar sua bondade. Agora ela se
foi, e toda aquela luz se foi com ela.

Tudo o que resta são as qualidades que viveram em mim:


foco. Determinação. E raiva.
É minha culpa que ela está morta, isso é óbvio. Eu deveria
ter ficado aqui com ela. Eu deveria ter observado ela,
importando-me com ela. Isso é o que ela teria feito.

Nunca vou me perdoar por esse erro.

Mas se eu me permitir sentir a culpa, colocarei essa arma


na minha cabeça e acabarei com tudo agora. Não posso deixar
isso acontecer. Eu tenho que vingar Anna. Prometi isso a ela.

Tomo cada gota de emoção restante, e a tranco bem no


fundo de mim. Por pura força de vontade, recuso-me a sentir
qualquer coisa. Nada mesmo.

Tudo o que resta é meu único objetivo.

Eu não o executo imediatamente. Se eu tentar, vou me


matar, sem atingir meu objetivo.

Em vez disso, passo as próximas semanas perseguindo


minha presa. Descubro onde eles trabalham. Onde moram.
Quais clubes de strip-tease, restaurantes, boates e bordéis eles
frequentam.

Seus nomes são Abel Nowak, Bartek Adamowicz e Iwan


Zielinski. Abel é o mais novo. Ele é alto, magro, de aparência
doentia, com a cabeça raspada – demonstrando a todos sua
ideologia neonazista. Ele foi para a mesma escola que eu, uma
vez, dois anos antes de mim.

Bartek tem uma barba preta e espessa. Ele parece ser o


encarregado das prostitutas do meu bairro, porque está
sempre espreitando na esquina à noite, fazendo com que as
meninas entreguem seus ganhos para ele, sem dar ao menos
uma conversa gratuita para os homens que procuram sua
companhia.

Iwan é o chefe de todos os três. Ou o subchefe, devo dizer.


Eu sei quem está sentado acima dele. Eu não me importo.
Esses três vão pagar pelo que fizeram. E não será rápido ou
indolor.

Eu rastreio Abel primeiro. Isso é fácil de fazer, porque ele


frequenta o Piwo Klub, assim como vários de nossos amigos
em comum. Eu o encontro sentado no bar, rindo e bebendo,
enquanto minha irmã está deitada no chão há dezessete dias.

Eu o vejo ficar cada vez mais bêbado.

Em seguida, colo uma placa rabiscada na porta do


banheiro: Zepsuta Toaleta. Banheiro quebrado.

Espero no corredor. Dez minutos depois, Abel sai para


mijar. Ele desabotoa a calça jeans apertada, direcionando seu
fluxo de urina contra a parede de tijolos.

Ele não tem cabelo para segurar, então envolvo meu


antebraço em torno de sua testa e jogo sua cabeça para trás.
Corto sua garganta de orelha a orelha.

A faca de combate é afiada, mas ainda estou surpreso


com o quão difícil tenho que serrar para fazer o corte. Abel
tenta gritar. É impossível – eu cortei suas cordas vocais e
sangue está escorrendo por sua garganta. Ele apenas faz um
som gorgolejante estrangulado.

Eu o deixei cair no concreto imundo, deitado de costas


para que ele pudesse olhar para o meu rosto.

— Isso é por Anna, seu idiota doente, — digo a ele.

Eu cuspi na cara dele.

Então eu o deixo lá, ainda se contorcendo e se afogando


em seu próprio sangue.

Vou para casa, para meu apartamento. Sento-me no


quarto de Anna, em sua cama, que foi tirada e também o
colchão. Vejo seus livros favoritos na prateleira ao lado de sua
cama, com a lombada dobrada, porque ela os lia sem parar. O
Pequeno Príncipe, A Jarra de Sino, Anna Karenina, Persuasão,
O Hobbit, Anne de Green Gables, Alice no País das Maravilhas,
A Terra Boa. Eu olho em volta para os cartões postais pregados
em suas paredes – o Coliseu, a Torre Eiffel, a Estátua da
Liberdade, o Taj Mahal. Lugares que ela sonhava em visitar
que nunca verá agora.

Acabei de matar um homem. Eu deveria sentir algo:


culpa, horror. Ou, pelo menos, um senso de justiça. Mas não
sinto nada. Sou um buraco negro por dentro. Posso absorver
qualquer coisa, sem nenhuma emoção escapar.

Não tive medo ao me aproximar de Abel. Se meu coração


não bater por isso, não baterá por nada.
Uma semana depois, vou atrás de Bartek. Duvido que ele
esteja me esperando – Abel tem muitos inimigos para
adivinharem quem pode tê-lo matado. Eles provavelmente não
vão pensar na minha irmã. Duvido que ela seja a primeira
garota que os Braterstwo atacaram. E eu não disse uma
palavra a ninguém sobre meu desejo de vingança.

Sigo Bartek até o apartamento de sua namorada. Pelo que


ouvi, ela costumava trabalhar na esquina, antes de ser
promovida a sua amante. Compro um boné vermelho e uma
pizza, depois bato à sua porta.

Bartek abre, sem camisa e preguiçoso, cheirando a sexo.

— Nós não pedimos pizza, — ele grunhe, prestes a fechar


a porta na minha cara.

— Bem, não posso voltar atrás, — digo a ele. — Então


você pode muito bem ficar com ela.

Eu seguro a caixa, exalando seu cheiro tentador de


pepperoni e queijo.

Bartek olha para ela, tentado.

— Não vou pagar por isso, — avisa.

— Isso é bom.

Eu o estendo para ele, olhando-o bem nos olhos. Ele não


mostra o menor sinal de reconhecimento. Ele provavelmente já
se esqueceu de Anna, quanto mais se perguntou se havia um
irmão.
Assim que suas mãos estão ocupadas com a caixa de
pizza, puxo minha arma e atiro três vezes no peito. Ele cai de
joelhos, seu rosto comicamente surpreso.

Uma vez que seu corpo está fora do caminho, percebo que
sua namorada estava parada diretamente atrás dele. Ela é
baixa, loira e curvilínea, usando lingerie de renda barata. Ela
leva a mão à boca, prestes a gritar.

Ela já viu meu rosto.

Atiro nela também, sem hesitação.

Ela tomba. Eu não tenho um olhar para ela. Estou


olhando para Bartek, observando a cor desaparecer de sua
pele enquanto ele sangra no chão. Devo ter atingido seus
pulmões, porque sua respiração tem um som de assobio.

Cuspo nele também, antes de me virar e ir embora.

Talvez eu não devesse ter deixado Iwan por último. Ele


pode ser o mais difícil. Se ele for inteligente, somará dois mais
dois e adivinhará que alguém tem rancor.

Mas essa é a única maneira de fazer isso – a única


maneira de sentir todo o peso da catarse.

Então, espero mais duas semanas, procurando por ele.

Com certeza, ele está se escondendo. Como um animal,


ele sente que alguém o está caçando, mesmo que ele não saiba
exatamente quem.
Ele se cerca de outros gangsters. Está sempre observando
enquanto ele entra e sai de seu carro esportivo, enquanto
recebe sua homenagem dos traficantes de baixo nível do
bairro.

Eu também estou observando. Tenho apenas dezesseis


anos. Sou magro, meio crescido, e estou usando meu avental
de delicatessen sob o casaco. Pareço com qualquer outra
criança em Praga – pobre, desnutrido, pálido pela falta de luz
solar. Não sou ninguém para ele. Assim como Anna era. Ele
nunca suspeitaria de mim.

Finalmente, eu o vejo saindo de seu apartamento sozinho.


Está carregando uma mochila preta. Não sei o que há na
mochila, mas temo que ele esteja planejando sair da cidade.

Corro atrás dele, impaciente e um pouco imprudente. Já


se passaram quarenta e um dias desde que Anna morreu.
Cada um foi uma agonia vazia. Sentindo falta da única pessoa
que significava algo para mim. O único brilho na minha vida
de merda.

Observo Iwan caminhando à minha frente, vestindo sua


jaqueta de couro preta. Ele não é um homem feio. Na verdade,
a maioria das mulheres provavelmente o consideraria bonito –
cabelo escuro, barba por fazer, queixo quadrado. Olhos um
pouco juntos demais. Com seu dinheiro e contatos, tenho
certeza de que ele nunca carece de atenção feminina.
Eu o vi entrar e sair de boates com garotas em seus
braços. Bordéis também. Ele não atacou minha irmã por sexo.
Ele queria machucá-la. Ele queria atormentá-la.

Iwan corta um beco e entra nos fundos de um prédio


abandonado por uma porta de metal destrancada. Eu me
escondo no beco para ver se ele vai reaparecer. Ele não
aparece.

Eu deveria esperar. É isso que tenho feito.

Mas estou cansado de esperar. Isso termina esta noite.

Abro a porta e entro. Está escuro no armazém. Eu ouço o


som distante de gotejamento de um telhado. Tem um cheiro
úmido e mofado. O ar está pelo menos dez graus mais frio do
que o exterior.

O armazém está cheio de restos de esqueletos de


equipamentos enferrujados. Pode ter sido uma fábrica de
têxteis uma vez, ou uma montagem leve. É difícil dizer na
escuridão. Não vejo Iwan em lugar nenhum.

Nem vejo a pessoa que me bate por trás.

Uma dor cegante explode na parte de trás do meu crânio.


Caio para frente sobre minhas mãos e joelhos. A luz se acende
e percebo que estou cercado por meia dúzia de homens. Iwan
está na linha de frente, ainda carregando sua mochila. Ele a
deixa cair no chão ao lado dele.
Sou levantado por dois outros homens, meus braços
presos nas costas. Eles me revistam com força, encontrando a
arma. Eles entregam a Iwan.

— Você estava planejando atirar nas minhas costas com


isso? — Ele rosna.

Segurando a arma pelo cano, ele me acerta no queixo com


a coronha. A dor é explosiva. Sinto o gosto de sangue na boca.
Um dos meus dentes está solto.

Provavelmente estou prestes a morrer. No entanto, não


sinto medo. Tudo o que posso sentir é raiva por não ser capaz
de matar Iwan primeiro.

— Para quem você trabalha? — Iwan exige. — Quem te


mandou?

Cuspo sangue no chão, respingando em seu sapato. Iwan


mostra os dentes e levanta a arma para me acertar novamente.

— Espere, — diz uma voz grave.

Um homem dá um passo à frente. Ele tem talvez


cinquenta anos, estatura mediana, olhos claros, cicatrizes
profundas nas laterais do rosto – como se tivesse sido atingido
por chumbo grosso ou tivesse acne severa em algum momento
de sua vida. No momento em que ele fala, todos os olhos na
sala estão fixos nele, com um silêncio de expectativa que
mostra que ele é o verdadeiro chefe aqui, não Iwan Zielinski.

— Você sabe quem eu sou? — Ele me diz.


Eu aceno minha cabeça.

Este é Tymon Zajac. Mais conhecido como Rzeźnik – The


Butcher4. Não sabia ao certo se Iwan trabalhava para ele, mas
poderia ter adivinhado. Em Varsóvia, todas as linhas fluem em
direção à The Butcher.

Ele está na minha frente, olho no olho – sua cor


desbotada pela idade e talvez por todas as coisas que eles
viram. Eles cortam para mim.

Eu não deixo cair meu olhar. Não sinto medo. Eu não me


importo com o que este homem faça comigo.

— Quantos anos você tem, garoto? — Ele diz.

— Dezesseis, — eu respondo.

— Para quem você trabalha?

— Eu trabalho na Delikatesy Świeży. Faço sanduíches e


limpo as mesas.

Sua boca se aperta. Ele me lança um olhar duro enquanto


tenta determinar se estou brincando.

— Você trabalha na delicatessen.

— Sim.

— Você matou Nowak e Adamowicz?

4 O açougueiro
— Sim, — digo sem vacilar.

Novamente, ele está surpreso. Ele não esperava que eu


admitisse.

— Quem te ajudou? — Ele diz.

— Ninguém.

Agora ele parece zangado. Ele dirige sua fúria contra seus
próprios homens. Ele diz: — Um ajudante de garçom perseguiu
e matou dois dos meus soldados, sozinho?

É uma pergunta retórica. Ninguém se atreve a responder.

Ele me encara mais uma vez.

— Você pretendia matar Zielinski esta noite?

— Sim. — Eu concordo.

— Por quê?

Há uma leve centelha de medo no rosto largo de Iwan. —


Chefe, por que nós... — ele começa.

Zajac levanta a mão para silenciá-lo.

Seus olhos ainda estão fixos em mim, esperando minha


resposta.

Minha boca está inchada com o golpe da arma, mas falo


minhas palavras com clareza.
— Seus homens estupraram minha irmã, em seu
caminho para fazer o vestibular. Dezesseis anos. Era uma boa
garota – bondosa, gentil, inocente. Ela não fazia parte do seu
mundo. Não havia razão para machucá-la.

Os olhos de Zajac se estreitam.

— Se você queria indenização...

— Não há indenização, — digo amargamente. — Ela se


matou.

Não há simpatia nos olhos claros de Zajac – apenas


cálculo. Ele pesa minhas palavras, considerando a situação.

Então ele olha para Iwan mais uma vez.

— Isso é verdade? — Ele diz.

Iwan lambe os lábios, hesitando. Posso ver sua luta entre


o desejo de mentir e o medo do chefe. Por fim, ele diz: — Não
foi minha culpa. Ela...

The Butcher atira bem no meio dos olhos. A bala


desaparece no crânio de Iwan, deixando um buraco redondo e
escuro entre suas sobrancelhas. Seus olhos rolam para trás e
ele cai de joelhos, antes de tombar.

Um carrossel de pensamentos gira em minha cabeça.


Primeiro, alívio pela vingança de Anna estar completa. Em
segundo lugar, decepção por ter sido Zajac e não eu quem
puxou o gatilho. Terceiro, a percepção de que é minha vez de
morrer. Quarto, a compreensão de que não me importo. Nem
um pouco.

— Obrigado, — eu digo a Butcher.

Ele me olha de cima a baixo, da cabeça aos pés. Observa


meus jeans rasgados, meus tênis imundos, meu cabelo sujo,
meu corpo esguio. Ele suspira.

— Quanto você ganha na delicatessen? — Ele diz.

— Oitocentos zlotys por semana, — eu digo.

Ele solta um suspiro ofegante – a coisa mais próxima de


uma risada que eu já o ouvi dar.

— Você não trabalha mais lá, — diz ele. — Você trabalha


para mim agora. Compreende?

Eu não entendo nada. Mas eu aceno minha cabeça.

— Mesmo assim, — ele diz severamente. — Você matou


dois dos meus homens. Isso não pode ficar impune.

Ele acena com a cabeça em direção a um de seus


soldados. O homem abre o zíper da mochila que está ao lado
do corpo de Iwan. Ele puxa um facão do tamanho do meu
braço. A lâmina está escura com o tempo, mas o gume foi bem
afiado. O soldado entrega o facão ao chefe.

The Butcher vai até uma velha mesa de trabalho. O topo


está lascado e falta uma perna, mas ainda está de pé.

— Estenda a mão, — ele me diz.


Seus homens largaram meus braços. Estou livre para ir
até a mesa. Livre para colocar minha mão espalmada em sua
superfície, os dedos bem abertos.

Sinto uma estranha sensação de irrealidade, como se


estivesse me observando fazer isso de um metro fora do meu
corpo.

Zajac levanta o facão. Ele o abaixa com um assobio,


partindo meu dedo mindinho ao meio, logo abaixo da primeira
articulação. Isso dói menos do que o golpe da arma. Só queima,
como se eu mergulhasse a ponta do meu dedo na chama.

Zajac pega o pequeno pedaço de carne que antes estava


preso ao meu corpo. Ele o joga em cima do cadáver de Iwan.

— Pronto, — ele diz. — Todas as dívidas estão pagas.


DEZ ANOS DEPOIS
2

CHICAGO

Estou dirigindo para o Lake City Ballet, por ruas ladeadas


por fileiras duplas de árvores de bordo, seus galhos tão grossos
que quase formam um arco no alto. As folhas são de um
vermelho profundo, descendo para formar montes
esmagadores nas sarjetas.

Amo Chicago no outono. O inverno é terrível, mas não me


importarei se conseguir ver esses vermelho, laranja e amarelo
brilhantes por mais algumas semanas.

Acabei de visitar Aida em seu novo apartamento perto de


Navy Pier. É um lugar tão legal – costumava ser uma velha
igreja. Você ainda pode ver as paredes originais de tijolos nus
na cozinha e as enormes vigas de madeira que correm pelo teto
como costelas de baleia. Ela até tem uma janela de vitral em
seu quarto. Quando nos sentamos em sua cama, a luz do sol
apareceu, colorindo nossa pele em tons de arco-íris.

Estávamos comendo pipoca e tangerinas, assistindo ao


sexto filme de Harry Potter em seu laptop. Aida adora fantasia.
Passei a gostar também, de todas as coisas que ela me
mostrou. Mas ainda não consigo acreditar que ela é corajosa o
suficiente para comer na cama. Meu irmão é muito meticuloso.

— Onde está Cal? — Perguntei a ela nervosamente.

— No trabalho, — disse ela.

Meu irmão acabou de se tornar o mais novo vereador do


43º Distrito. Isso além de sua posição como herdeiro da família
da máfia mais bem-sucedida de Chicago.

Sempre me dá uma sensação estranha quando penso em


nós dessa maneira – como máfia irlandesa. Nunca conheci
mais nada. Para mim, meu pai, irmão, irmã e mãe são as
pessoas que me amam e cuidam de mim. Não penso neles
como criminosos com sangue nas mãos.

Sou a mais nova da família e eles tentam esconder isso


de mim. Não faço parte do negócio, não como meus irmãos
mais velhos fazem. Callum é o braço direito do meu pai. Riona
é a chefe do nosso conselho jurídico. Até minha mãe está
fortemente envolvida nas engrenagens de nosso negócio.

Então há eu: o bebê. Mimada, recatada, protegida.

Às vezes acho que eles querem me manter assim, para


que pelo menos uma parte da família permaneça pura e
inocente.

Isso me coloca em uma posição estranha.

Não quero fazer nada de errado – não consigo nem


esmagar um inseto e não posso mentir para salvar minha vida.
Meu rosto fica vermelho como uma beterraba e começo a suar
e gaguejar, e sinto que vou vomitar se tentar.

Por outro lado, às vezes me sinto solitária. Como se eu


não pertencesse ao resto deles. Como se eu realmente não
fizesse parte da minha própria família.

Pelo menos Cal se casou com alguém incrível. Aida e eu


encaixamos desde o início. Não somos iguais – ela é ousada e
engraçada e nunca aceita merda nenhuma. Principalmente do
meu irmão. No início, parecia que eles iam se matar. Agora não
consigo imaginar Cal com mais ninguém.

Eu gostaria que eles tivessem continuado morando


conosco por mais tempo, mas entendo que eles queiram seu
próprio espaço. Infelizmente para eles, pretendo continuar
visitando praticamente todos os dias.

Sinto-me culpada por não ter o mesmo relacionamento


com minha própria irmã. Riona é apenas... intensa. Ela
definitivamente escolheu a linha certa de trabalho – discutir é
um esporte olímpico para ela. Pagar a ela para fazer isso é
como pagar a um pato para nadar. Queria que fossemos
próximas como as outras irmãs, mas sempre sinto que ela mal
me tolera. Como se ela pensasse que sou idiota.

Às vezes me sinto idiota. Mas não hoje. Hoje estou indo


ao teatro de balé para ver os programas que eles imprimiram
para o nosso mais novo show. É chamado de Bliss. Eu ajudei
a coreografar metade das danças, e a ideia de realmente vê-las
apresentadas no palco me deixa tão animada que mal posso
suportar.

Minha mãe me colocou em aulas de balé quando eu tinha


três anos. Tive aulas de equitação, tênis e violoncelo também,
mas foi a dança que me pegou. Eu nunca poderia me cansar
disso. Eu andava por toda parte na ponta dos pés, com notas
de “The Rite of Spring” e “Pulcinella Suite” flutuando na minha
cabeça.

Amava isso como amava respirar. E eu era boa também.


Muito boa. O problema é que existe uma diferença entre ser
boa e ser ótima. Muitas pessoas são boas. Apenas um punhado
é ótimo. As milhares de horas de suor e lágrimas são
praticamente as mesmas. Mas o abismo entre o talento e a
genialidade é tão grande quanto o Grand Canyon. Infelizmente,
encontrei-me do lado errado.

Eu não queria admitir. Achei que se fizesse mais dieta,


trabalhasse mais, ainda poderia ser uma bailarina de primeira.
Mas quando me formei no ensino médio, percebi que nem era
a melhor bailarina de Chicago, muito menos em escala
nacional. Eu teria sorte de garantir uma posição como
aprendiz em uma grande companhia de dança, quanto mais
passar a membro principal.

Mesmo assim, consegui uma vaga no corpo de balé no


Lake City Ballet enquanto frequentava as aulas na Loyola. Eu
queria continuar dançando enquanto me graduava.
O diretor e coreógrafo-chefe é Jackson Wright. Ele é meio
idiota – qual diretor não é, eu imagino. “Diretor” e “ditador”
parecem ser sinônimos nesta indústria. Mesmo assim, o
homem é brilhante.

Lake City Ballet é contemporâneo, experimental. Eles


fizeram todos os tipos de shows insanos, como um feito
inteiramente em luz negra e pintura corporal fluorescente, e
outro sem música alguma, apenas bateria.

Nosso próximo show é centrado na alegria – o que é


perfeito para mim, já que sou a pessoa mais alegre que você
poderia conhecer. Quase nada me desanima.

Talvez seja por isso que Jackson me deixou fazer tanto da


coreografia. Ele tem me deixado fazer algumas coisas desde
que percebi que tenho um talento especial para isso. Esta é a
primeira vez que coreografo danças inteiras sozinha.

Mal posso esperar para ver tudo ganhar vida, com


maquiagem, fantasias e luzes. Como meus próprios
pensamentos se concretizando no palco. Estou imaginando
minha família sentada bem na primeira fila, espantada por eu
ser o escultor, e não apenas o barro. Na verdade,
impressionados comigo pela primeira vez!

Estou praticamente pulando pelo estúdio. Há uma aula


de condicionamento acontecendo na Sala Um e técnica na Sala
Dois. Sou atingida pela mistura familiar de pés batendo em
pisos de madeira, o pianista ao vivo marcando o tempo e os
cheiros misturados de suor, perfume e cera para piso. Cheira
a casa.

O ar está denso com o calor de todos esses corpos. Tiro


minha jaqueta, indo direto para o escritório de Jackson.

Sua porta está entreaberta. Bato suavemente na


moldura, esperando por seu conciso, — Entre, — antes de eu
entrar.

Ele está sentado atrás de sua mesa, olhando através de


uma pilha de papéis bagunçada. Seu escritório é um desastre
– cheio de fotos emolduradas, pôsteres de espetáculos
anteriores, pastas desorganizadas e até pedaços de fantasias
na fase inicial de design. Jackson controla tudo sobre os
shows, até o último tutu.

Ele é um pouco mais alto do que eu, em forma e magro


devido a uma dieta vegana estrita. Tem uma espessa cabeleira
negra, com algumas mechas grisalhas nas têmporas. Ele é
extremamente vaidoso com seu cabelo e sempre passa as mãos
por ele enquanto fala. Sua pele é bronzeada, seu rosto magro,
seus olhos grandes, escuros e expressivos. Muitos dos
dançarinos têm uma queda por ele, tanto homens quanto
mulheres.

— Nessa, — diz ele, olhando por cima de seus papéis. —


A que devo o prazer?

— Isabel me disse que os programas estavam aqui! — Eu


digo, tentando não sorrir muito. Isabel é a figurinista-chefe.
Ela pode costurar à mão em velocidades de máquina, enquanto
simultaneamente grita instruções para todos os seus
assistentes. Ela tem uma língua afiada e um coração quente.
Gosto de pensar nela como minha mãe dançante.

— Oh, certo. Ali, — Jackson diz, sacudindo a cabeça em


direção a uma caixa de papelão cheia de programas, colocada
em cima de uma cadeira dobrável.

Eu corro, levantando o pacote de cima e tirando o elástico


para poder tirar um programa.

A imagem da capa é linda – é Angelique, uma de nossas


principais, vestida com um vestido de seda vermelha. Ela está
saltando no ar, uma perna em um ângulo impossível sobre a
cabeça, o pé perfeitamente arqueado como um arco.

Abro o programa, examinando a lista de danças, depois


descendo para os créditos. Estou esperando ver meu nome –
na verdade, eu pretendia perguntar a Jackson se poderia levar
isto para casa para mostrar aos meus pais.

Em vez disso, eu vejo... absolutamente nada. Jackson


Wright é listado como coreógrafo-chefe, Kelly Paul como o
segundo. Não há nenhuma menção a mim.

— O que? — Jackson diz, irritado, notando a expressão


de espanto no meu rosto.

— É apenas... acho que eles se esqueceram de me colocar


como um dos coreógrafos, — digo, hesitante. Por “eles” quero
dizer quem criou o programa. Deve ser uma omissão acidental.
— Não, — Jackson diz descuidadamente. — Eles não
esqueceram.

Olho para ele, minha boca um pequeno O de surpresa.

— O que... o que você quer dizer? — Pergunto.

— Eles não se esqueceram, — ele repete. — Você não foi


creditada.

Meu coração está batendo forte contra meu peito, como


uma mariposa contra uma janela. Minha inclinação natural é
acenar com a cabeça, dizer ok e ir embora. Eu odeio confronto.
Mas sei que se fizer isso, vou me odiar ainda mais depois. Eu
tenho que entender o que está acontecendo aqui.

— Por que não fui creditada? — Pergunto, tentando


manter minha voz o mais calma e não acusável possível.

Jackson dá um suspiro de aborrecimento, colocando de


lado os papéis que estava examinando para que eles se percam
na bagunça em sua mesa.

— Você não é coreógrafa aqui, Nessa, — diz ele, como se


explicasse que um mais um são dois. — Você é um membro do
corpo. Só porque você jogou algumas ideias no ringue...

— Eu criei quatro das danças! — Deixo escapar, meu


rosto queimando. Sei que pareço uma criança, mas não
consigo evitar.

Jackson se levanta de sua mesa. Vem até mim e coloca o


braço em volta do meu ombro. Acho que ele está tentando me
confortar, mas então percebo que ele está me conduzindo em
direção à porta.

— É o seguinte, Nessa, — diz ele. — Você colocou algum


trabalho. Mas seu trabalho não é tão original. É simplista. As
partes da performance que o trazem à vida, que o fazem cantar,
são minhas. Então você só estaria envergonhando a si mesma,
tentando insistir em um crédito que você não merece.

Minha garganta está tão inchada de vergonha que não


consigo falar. Estou tentando desesperadamente conter as
lágrimas que ardem em meus olhos.

— Obrigado pela visita, — ele diz quando chegamos à


porta. — Mantenha o programa, se quiser.

Eu nem percebi que ainda estava apertado na minha


mão, enrugado de quão forte estou apertando.

Jackson me empurra para fora de seu escritório. Fecha a


porta com um leve estalo, deixando-me sozinha no corredor.

Fico parada ali, atordoada, com lágrimas silenciosas


escorrendo pelo meu rosto. Deus, sinto-me uma idiota.

Não querendo que ninguém mais me veja, tropeço de volta


pelo corredor, em direção às portas da frente.

Antes que eu possa alcançá-las, sou interceptada por


Serena Breglio. Ela é um membro do corpo, como eu. Acabou
de sair da aula de condicionamento para ir ao bebedor no
corredor.
Ela para quando me vê, as sobrancelhas loiras se
juntando em preocupação.

— Nessa! O que há de errado?

— Nada, — eu digo, balançando minha cabeça. — Não é


nada. Eu só estava... apenas sendo estúpida.

Limpo minhas bochechas com as costas das mãos,


tentando me recompor.

Serena lança um olhar suspeito para a porta fechada de


Jackson.

— Ele fez alguma coisa? — Ela exige.

— Não, — eu digo.

— Você tem certeza?

— Absoluta.

— Bem, dê um abraço, pelo menos, — ela diz, envolvendo


um braço em volta dos meus ombros. — Desculpe, estou
suada.

Isso não me incomoda em nada. Suor, bolhas, unhas


quebradas... eles são tão comuns quanto os grampos de cabelo
por aqui.

Serena é uma loira clássica da Califórnia. Ela tem uma


estrutura magra e atlética e, de alguma forma, consegue
manter o bronzeado mesmo no Centro-Oeste. Ela parece que
deveria estar em uma prancha de surf, não em sapatilhas de
ponta. Mas ela é boa o suficiente para que possa chegar a uma
posição de semi-solista a qualquer momento.

Ela é tão competitiva quanto eles vêm no estúdio, e um


amor fora dele. Eu não me importo que ela me veja assim. Eu
sei que ela não vai fofocar com as outras garotas.

— Você vai sair com a gente esta noite? — Ela diz.

— Onde vocês irão?

— Há um novo clube que acabou de abrir. Chama-se


Jungle.

Eu hesito.

Eu realmente não deveria ir a lugares assim.


Principalmente sem contar aos meus pais ou ao meu irmão.
Mas se eu contar a eles, eles não vão querer que eu vá. Ou
mandarão um de seus guarda-costas para me monitorar –
alguém como Jack Du Pont, que se sentará no canto me
olhando com raiva, assustando qualquer pessoa que me
convide para dançar. É constrangedor e deixa meus amigos
estranhos.

— Eu não sei... — Eu digo.

— Oh, vamos lá. — Serena aperta meus ombros. —


Marnie também vai. Venha conosco, tome uma bebida e você
pode estar em casa por volta das onze.

— Tudo bem, — eu digo, sentindo-me rebelde apenas por


concordar. — Vamos fazer isso.
— Sim! — Serena levanta o punho. — Ok, é melhor eu
voltar antes que Madame Brodeur brigue. Você vai esperar
aqui?

— Não, — eu balanço minha cabeça. — Estarei no café ao


lado.

— Perfeito, — diz Serena. — Peça um bolinho para mim.


3

CHICAGO

Estou sentado em meu escritório na parte de trás do


clube, marcando números em meu livro-caixa.

Tenho duas boates funcionando agora, assim como três


clubes de strip. Eles são todos lucrativos por si próprios,
mesmo este que eu abri há apenas algumas semanas. Mas esse
não é seu propósito real. É uma forma de lavar dinheiro.

Qualquer setor com muitos pagamentos em dinheiro é


um bom receptáculo. Lavanderias, concessionárias de veículos
usados, serviços de táxi, restaurantes... todos eles servem
como uma cesta para despejar lucros legítimos, bem como o
dinheiro ilegal ganho com drogas, armas, furto e mulheres.

Antigamente, você podia abrir qualquer loja vazia sem se


preocupar em estocar o equipamento. Al Capone tinha uma
loja como essa, bem aqui em Chicago. Seu cartão de visita dizia
“Vendedor de Móveis Usados”. Agora, a contabilidade forense
ficou muito mais sofisticada. Você precisa de um negócio
realmente próspero.
O objetivo final é colocar seu dinheiro sujo no banco. Você
faz isso de forma lenta e constante, com depósitos diários
misturando dinheiro sujo e limpo. É melhor se seu dinheiro
ilegal representar apenas dez ou quinze por cento do total.

Você tem que ter cuidado, porque os bancos são ratos do


caralho. Se eles perceberem que sua pequena pizzaria está, de
repente, fazendo um milhão de dólares em negócios, ou se
virem que seus lucros excedem em muito os cheques que você
está escrevendo para os distribuidores, eles o denunciarão ao
IRS5.

Mas, uma vez que o dinheiro esteja no sistema, você pode


enviá-lo para qualquer lugar que desejar. Paraísos fiscais no
exterior, imóveis em grande escala, contas de corretagem...

Meus ativos estão na casa dos oito dígitos se você somar


todos eles. Mas, olhando para mim, você nunca saberia.
Mantenho um perfil baixo e forço meus homens a fazerem o
mesmo. Você fica preguiçoso, desleixado e chamativo e atrai o
tipo errado de atenção.

Eu comando o Chicago Braterstwo agora, com meu irmão


Jonas. Ele é meu irmão por aliança, não por sangue. Somos os
filhos adotivos de Tymon Zajac. Trabalhei para Tymon por dez
anos. Ele me ensinou, treinou e orientou.

5 Internal Revenue Service, é um serviço da receita do Governo Federal dos EUA.


Meu pai biológico morreu em Varsóvia. Não sei onde fica
sua lápide. Eu não me importo. Nunca mais colocarei os pés
na Polônia. Eu nem gosto de pensar nisso.

Tymon me trouxe aqui, para a América. Ele me disse que


construiríamos um império maior do que toda a riqueza de
nossa terra natal. Eu acreditei nele. Seu sonho se tornou meu
sonho. Isso me deu algo pelo qual viver.

Por um tempo, prosperamos. Começamos a dominar esta


cidade, quarteirão a quarteirão.

Mas não somos os únicos gangsters em Chicago.

Encontramo-nos em conflito com os colombianos, russos,


italianos e irlandeses.

Esmagamos os colombianos, assumindo seu oleoduto de


tráfico de drogas. Foi quando o dinheiro realmente começou a
fluir, financiando nossas outras operações.

Então o DOJ6 nos fez um favor, reprimindo o tráfico de


armas executado pelo russo Bratva.

O que nos deixou livres para atacar os italianos,


especificamente a família Gallo. Mas Enzo Gallo não era tão
velho e complacente como esperávamos. Seus filhos
enterraram três de nossos homens, enterrados sob as
fundações de seu arranha-céu na Oak Street.

6 Departamento de Justiça.
Antes que pudéssemos contra-atacar, os Gallo formaram
uma aliança inesperada com os Griffin, a realeza da máfia
irlandesa no auge do crime em Chicago. Os Gallo casaram sua
única filha com Callum, o único filho dos Griffin.

Foi extremamente inesperado. Como uma aliança entre


Israel e Palestina, ou gatos e cachorros.

Foi, talvez, quando Tymon cometeu um erro. Ele não era


um homem sujeito a erros. Mas, naquele momento, ele agiu
precipitadamente.

Quando Aida Gallo e Callum Griffin vieram bisbilhotar


um de nossos clubes, nós os drogamos e os levamos de volta a
um antigo matadouro no lado oeste da cidade.

Foi uma decisão impulsiva, não planejada. Foi feito por


ordem de Tymon. Ainda assim, eu me culpo pelo que
aconteceu.

Eu tive um rifle treinado em ambos. Eu deveria ter atirado


neles sem hesitação, naquele momento.

Em vez disso, eles escaparam por um tubo de drenagem.

Foi um erro humilhante. Ajoelhei-me na frente de Tymon,


esperando que ele punisse. Em dez anos, eu nunca havia
falhado com ele.

Ele ordenou que o resto dos homens saíssem da sala.

Fechei os olhos, pensando que ele iria bater com o facão


na minha nuca. Isso é justiça em nosso mundo.
Em vez disso, senti sua mão descansando em meu ombro
– pesada, mas sem raiva.

Eu olhei em seu rosto.

Em todo o tempo que conheci Tymon, nunca o tinha visto


mostrar hesitação ou fraqueza. De repente, ele parecia
cansado. Ele tinha apenas cinquenta e oito anos, mas havia
passado por uma dúzia de vidas de sangue, labuta e luta.

— Mikolaj, — disse ele. — Você é meu filho e meu


herdeiro. Eu sei que você nunca vai me falhar novamente.

Há muito tempo havia perdido a capacidade de sentir


qualquer coisa como amor. Mas eu senti o fogo de uma
lealdade mais forte que o amor. Tymon poupou minha vida
duas vezes. Ele nunca precisaria fazer isso pela terceira vez.

Eu me senti revigorado. Planejava trabalhar com meu pai


para esmagar os italianos e irlandeses. Para ocupar o nosso
lugar de uma vez por todas como governantes da cidade.

Em vez disso, uma semana depois, Dante Gallo


assassinou Tymon. Ele atirou nele, deixando-o sangrando na
sarjeta.

Ainda estou para me vingar. Isso me envergonha, a cada


dia que passa.

Tenho dois fatores a considerar:

Primeiro, meus homens. Os Griffin e os Gallo combinados


são uma força poderosa. Eles comandam a lealdade de dezenas
de famílias irlandesas e italianas. Se eu os atacar diretamente,
não posso esperar ter sucesso. Ainda não, de qualquer
maneira.

Em segundo lugar, quero que sofram. Eu poderia matar


Callum ou Dante. Mas o que isso resultaria? Eu quero quebrar
todo o império. Quero separar as duas famílias. Em seguida,
eliminar seus membros um por um.

Para fazer isso, preciso encontrar seu ponto fraco. Sua


vulnerabilidade.

Então, tenho observado e esperado. Fazendo-os pensar


que os Braterstwo foram derrotados, que cortaram a cabeça da
cobra quando mataram Tymon.

Nesse ínterim, administro meu negócio. Eu mantenho


meu território seguro. E eu acumulo mais dinheiro e poder a
cada dia.

Alguém bate na minha porta. É Jonas. Ele entra sem


esperar, carregando uma caixa de Żubrówka, vodca polonesa.
Puxa uma das garrafas, mostrando-me o rótulo verde brilhante
e a única lâmina de grama de bisão nadando no licor âmbar
claro.

— Bem na hora, — diz ele, sorrindo. — Estávamos prestes


a acabar.

Jonas tem uma estrutura larga, repleta de músculos,


cabelos pretos e grossos que ele penteia diretamente para trás
da testa. Seus olhos são tão escuros que você não consegue
distinguir a pupila da íris, e suas sobrancelhas são barras
retas que vão para cima nas bordas externas, como Spock7.
Sua personalidade é o oposto dos Vulcano8, no entanto. Jonas
não é lógico. Ele é impulsivo – rápido em rir e em brigar. Ele
não pensa nas coisas. É por isso que sou o chefe, em vez dele.

É o que Tymon queria. Não que isso importe – agora que


meu pai adotivo está morto, não estarei atrás de ninguém,
nunca mais.

— Qual é o total de vendas de bebidas alcoólicas esta


semana? — Eu pergunto a Jonas.

— Cinquenta e sete mil, — ele responde com orgulho.

Isso representa um aumento de 12% em relação à


semana anterior.

— Bom. — Eu concordo.

— Há uma coisa, porém, — Jonas diz, franzindo a testa.

— Espere, — eu respondo.

Eu toco no ombro da garota que atualmente está


ajoelhada entre minhas pernas, chupando meu pau. O nome
dela é Petra. Ela é uma das nossas bartenders – uma das
nossas melhores, na verdade. Ela é tão habilidosa com a boca
quanto com as mãos. É um acompanhamento agradável para
a tediosa tarefa de equilibrar os livros. Mas eu geralmente não

7 Personagem da franquia de filmes Star Trek.


8 Planeta do Spock.
gozo. Por mais que ela trabalhe, meu pau só parece meio vivo,
como o resto de mim.

— Você pode ir, — digo a ela.

Petra se levanta atrás da mesa, limpando os joelhos de


sua calça preta justa. Ela está usando um top espartilho, meio
desamarrado para mostrar seu decote generoso. Seu batom
está manchado ao redor da boca.

Jonas sorri, percebendo que não estávamos sozinhos na


sala. Ele olha os seios de Petra, e depois sua bunda quando ela
sai do escritório. Não é como se ele não tivesse visto tudo antes.

— Como ela é? — Ele diz. — Ainda não tive o prazer.

— Ela é boa, — eu digo brevemente. — O que você queria


me dizer?

Jonas fica sério novamente, voltando ao trabalho.

— Acho que um dos bartenders está roubando de nós.

— Como você sabe?

— Estive analisando as garrafas. Estamos com falta de


um litro.

— Eles estão despejando muito?

— Não. Eu coloquei reguladores nos bicos.

— Então eles estão dando bebidas para amigos ou


embolsando o dinheiro.
— Alguém está, — concorda Jonas.

— Vou observá-los hoje à noite, — digo a ele.

— Perfeito, — diz Jonas, sorrindo mais uma vez e


cruzando os braços sobre o peito.

— O que? — Eu pergunto a ele, irritado.

— Você vai colocar seu pau de volta nas calças?

Eu olho para o meu pau, ainda manchado com o batom


de Petra. Já tinha esquecido do boquete truncado. Eu me enfio
de volta em minhas calças, carrancudo.

— Feliz agora? — Eu digo para Jonas.

— Claro, — diz ele.

Vamos para o baixo juntos.

A noite está entrando em pleno andamento – os


convidados fazem fila no bar, a pista de dança ficando lotada,
todos os estandes lotados.

Eu olho em volta para o espaço ocupado e movimentado


e vejo dinheiro, dinheiro, dinheiro. Garçonetes enfiando
dinheiro em seus aventais, entregando aos clientes bebidas
marcadas em quatrocentos por cento. Bartenders passando
cartões de crédito repetidas vezes, cada um deles sendo mais
uma adição infinitesimal à riqueza do Braterstwo.

As paredes são forradas com papel de verde, as cabines


estofadas com um rico veludo esmeralda. As luzes são de um
verde fraco e aquoso, com sombras padronizadas que fazem
parecer que os clientes estão caminhando pela grama alta.

Este clube é realmente uma selva, e eu sou seu rei. Os


clientes me prestam homenagem sem nem mesmo saberem,
enquanto eu esgoto suas carteiras bebida por bebida.

Eu me posiciono no canto da pista de dança, fingindo


observar a clientela. Mas, realmente, estou de olho em meus
próprios funcionários. Em particular, nos bartenders.

Há quatro atrás do balcão do bar principal: Petra,


Monique, Bronson e Chaz. Todos são trabalhadores rápidos e
chamativos, contratados por suas habilidades e apelo sexual.
Não estou descartando as mulheres, mas já suspeito dos
homens. Petra e Monique fazem um número espantoso de
gorjetas dos solitários empresários da região. Bronson e Chaz
se dão muito bem por si próprios também, mas na minha
experiência, há uma ganância masculina que não permite que
um homem fique satisfeito com trezentas libras por noite.

Um bom bartender é como um malabarista e um mágico


ao mesmo tempo. Eles estão conversando com o cliente ao
mesmo tempo em que sacodem os copos, agitam os shakers e
derramam doze doses em uma fileira. Eles fazem o dinheiro
desaparecer e o álcool chover. Eles estão sempre fazendo dez
coisas ao mesmo tempo.

É preciso ter prática para ver o que eles realmente estão


fazendo.
Em vinte e oito minutos, localizei o ladrão.

Não é Bronson, com os músculos protuberantes e charme


de garoto de fraternidade. Ele desliza uma bebida grátis para
uma loira risonha, mas ele ainda cobre isso, usando suas
próprias gorjetas para disfarçar.

Não, é Chaz quem é o fodido trapaceiro. Chaz com os


anéis de prata, a barba hipster e o coque de homem.

Esse merdinha egoísta tem dois golpes separados em


execução ao mesmo tempo. Primeiro, ele está recebendo
pagamentos de três ou quatro clientes de uma vez, levando o
dinheiro para a caixa registradora e fingindo que registrou
tudo. Mas, quando seus dedos voam sobre a tela, vejo que ele
só está tocando nove em cada dez bebidas, contando no
volume de transações para esconder o que ele está fazendo de
quem está assistindo.

Então, algo que Jonas nem mesmo pegou: Chaz tem uma
garrafa de Crown Royal que ele escondeu no prédio. É uma
bebida de primeira, dezoito dólares a dose. Toda vez que um
cliente pede, Chaz serve de sua própria garrafa que ele colocou
na prateleira no lugar da minha bebida. Em seguida, ele pega
todo o pagamento e o joga diretamente em seu pote de gorjetas.

No tempo que estou assistindo, ele rouba cerca de setenta


e seis dólares. Pelos meus cálculos aproximados, isso significa
que ele está desviando mais de novecentos dólares por noite.

Eu aponto para Jonas, chamando-o.


— É Chaz, — digo a ele.

Jonas olha para Chaz e seu sorriso de comedor de merda


enquanto ele abre quatro garrafas de Heineken, deslizando-as
pelo bar para um quarteto de garotas de faculdade
barulhentas. O rosto de Jonas escurece. Ele dá um passo à
frente, como se fosse agarrar Chaz pela camisa e puxá-lo por
cima da barra ali mesmo.

— Ainda não, — eu digo, colocando a mão no peito de


Jonas. — Deixe-o terminar seu turno. Não queremos ter pouco
pessoal esta noite. Agarre-o quando ele sair, em vez disso.

Jonas grunhe e acena com a cabeça. Uma briga começa


perto dos banheiros, e Jonas segue naquela direção para se
certificar de que os seguranças parem com isso.

Eu me inclino contra o pilar no canto da pista de dança,


os braços cruzados na frente do meu peito. A satisfação de
pegar o ladrão já está desaparecendo. Minha mente está
voltando, como sempre, para o problema persistente dos
Griffin e dos Gallo.

Bem naquele momento, uma garota entra no clube.

Vejo cem mulheres lindas todas as noites, embonecadas


em vestidos e saltos justos, rostos pintados, cabelos recém
penteados, pele polvilhada de glitter.

Essa garota me chama a atenção porque ela é o oposto


disso. Jovem, de cara nova. Tão limpa que ela quase brilha.
Seu cabelo castanho claro está preso em um rabo de cavalo
simples. Seus olhos estão arregalados e inocentes. Ela não
tentou cobrir o respingo de sardas em seu nariz.

Ela está vestindo um suéter leve envolvente e, por baixo


dele, um body rosa claro, quase da mesma cor de sua pele.
Traje estranho para uma boate. Suas amigas estão vestidas
com as habituais blusinhas e minivestidos.

Assim que a vejo, sinto uma onda de adrenalina. Meus


músculos se contraem como molas enroladas e posso sentir
minhas pupilas dilatando. Eu imagino que posso sentir seu
perfume, leve e doce, sobre o cheiro de fumaça, álcool e suor.

É a reação de um predador ao avistar sua presa.

Porque eu reconheço essa garota.

É Nessa Griffin. A amada menina da máfia irlandesa. Sua


queridinha.

Ela entrou no meu clube como uma gazela inocente. Tola.


Perdida. Pronta para ser tomada.

É como um sinal do céu. Mas eu não acredito no céu.


Vamos chamar de sinal do diabo, então.

Eu a observo enquanto ela abre caminho pelo clube com


suas amigas. Elas pedem bebidas ao garoto da fraternidade
Bronson. Bronson flerta o máximo que pode enquanto prepara
seus martinis. Mesmo que sua atenção seja direcionada mais
para sua amiga loira, Nessa ainda cora e não consegue olhar
em seus olhos.
Nessa pega seu martini de melão e bebe sem jeito, incapaz
de evitar fazer uma careta, embora seja principalmente suco.
Ela bebe apenas um quarto antes de colocá-lo de volta no
balcão.

A loira ainda está rindo de Bronson. A outra amiga iniciou


uma conversa com um cara magricela de aparência nerd.
Nessa olha ao redor do salão, tímida e curiosa.

Estou olhando para ela abertamente. Eu não desvio o


olhar quando nossos olhos se encontram. Observo sua
expressão, para ver se ela sabe quem eu sou.

Suas bochechas ficam rosadas, mais profundas do que a


cor de sua blusa. Ela desvia o olhar e, em seguida, volta a olhar
na minha direção, para ver se ainda estou olhando. Quando
ela vê que estou, ela se vira para ficar de costas para mim,
tomando outro gole apressado de sua bebida.

Ela é totalmente ignorante. Ela não sabe quem eu sou.


Esse é apenas o comportamento de uma garota tímida, que
prefere se esconder no meio de seus amigos mais confiantes.

Volto para o meu escritório, interceptado por Jonas antes


de chegar à porta.

— Onde você vai? — Ele pergunta, notando minha pressa.

— Você tem a palavra esta noite, — digo a ele. — Eu tenho


outra coisa para fazer.

— E quanto a Chaz?
Eu faço uma pausa. Estava ansioso para ver o rosto
daquele filho da puta nojento quando ele percebesse que foi
pego. Seu sorriso presunçoso desapareceria, substituído por
medo, então terror abjeto. Eu o faria implorar, suplicar e se
mijar antes de tirar meu pagamento de sua pele.

Mas agora tenho peixes maiores para fritar.

— Leve-o para o porão no final da noite, — digo a Jonas.


— Quebre as mãos dele. Em seguida, jogue-o de volta em seu
apartamento.

— E quanto ao dinheiro? — Jonas diz.

— Tenho certeza de que já subiu direto pelo nariz.

Não tem como aquele merdinha se atrever a roubar de


mim só para colocar o dinheiro na poupança. Ele tem um vício.

Jonas acena com a cabeça e volta para o clube.

Entro em meu escritório e vasculho a primeira gaveta da


minha mesa. Pego um dispositivo de rastreamento GPS: mais
ou menos do tamanho, formato e cor de uma moeda. Eu coloco
no bolso. Então eu volto para o salão.

Leva apenas um momento para localizar Nessa Griffin.


Ela está dançando com seus amigos, dançando ao som de um
remix de “Roses”. Não sou o único que a está observando
agora. Ela atrai a atenção de homens e mulheres,
surpreendentemente sensual enquanto dança. Ela parece ter
esquecido sua timidez, perdida na música.
É muito fácil esgueirar-se por trás dela e deslizar o
rastreador em sua bolsa. Ela está tão alheia que até deixei
meus dedos passarem pelo rabo de cavalo pendurado em suas
costas. Seu cabelo é fino e sedoso, fresco ao toque. Agora posso
realmente sentir seu perfume, leve e limpo: cheiros de lírio,
orquídea e ameixa.

Afastei-me novamente antes que ela percebesse alguma


coisa.

Agora vou saber onde quer que ela vá.

Eu vou segui-la. Persegui-la. E tomá-la ao meu prazer.


4

Eu mal fui a uma boate antes. Na verdade, nem tenho


idade para entrar. Serena me deu a identidade vencida da
irmã, que na verdade não se parece em nada comigo, exceto
que nós duas temos cabelos castanhos. Felizmente, o
segurança dá apenas uma olhada superficial antes de acenar
para que entremos.

Assim que passamos pela porta, foi como se tivéssemos


entrado em outro mundo. A luz é fraca e bruxuleante, a música
bate em minha pele com força palpável. Eu sei que este lugar
acabou de abrir, mas tem uma aparência imperialista da velha
escola, como se fosse feito para colonialistas britânicos
exportados para a Índia. A madeira escura, os castiçais de
prata envelhecidos e o veludo verde profundo parecem ter
saído de uma velha biblioteca.

Eu meio que amo isso. Só queria ter trazido uma muda


de roupa como as outras garotas fizeram, porque elas parecem
tão sexy e legais quanto qualquer outra pessoa neste lugar,
enquanto eu apenas... não.
Eu nem sei o que pedir quando vamos para o bar. Recebo
a mesma coisa que Serena, que acaba sendo um martini de
melão com uma casca de limão flutuando no copo.

Até o barman é incrivelmente gostoso. Sinto que os


funcionários devem ter um segundo emprego como modelos,
porque cada um deles parece que faz seu exercício subindo e
descendo as pistas.

Serena está adorando. Ela está apoiando os cotovelos no


bar, sorrindo para o barman, perguntando a ele quantos
números de garotas ele recebe todas as noites.

— Não o suficiente, — ele diz, piscando. —


Definitivamente, tenho espaço para mais um no meu telefone.

Tomo um gole da minha bebida. É enjoativamente doce,


mas ainda posso sentir o gosto do álcool por baixo. Isso me faz
engasgar um pouco. Não sei como meu irmão bebe uísque puro
– tudo meio que tem gosto de diluente para mim.

Não quero ficar muito bêbada, então coloquei minha


bebida de volta no bar, olhando ao redor do clube.

Amo observar as pessoas.

Se eu pudesse apenas sentar em um canto, totalmente


invisível, e observar as pessoas a noite toda, não me importaria
de maneira alguma. Gosto de tentar adivinhar quem é casal e
quem não é, quem está comemorando o último dia de provas e
quem veio para cá com colegas de trabalho. Adoro ver os gestos
e expressões das pessoas, a forma como dançam, falam e riem.
Eu não gosto de atenção. Então, quando vejo um homem
encostado em um pilar ao lado da pista de dança, olhando
diretamente para mim, seu olhar me atinge como um tapa.
Deixo cair meus olhos, fingindo estar super interessada em
minhas próprias unhas, até que eu acho que ele provavelmente
mudou para outra coisa.

Quando olho para cima novamente, ele ainda está


olhando. Alto, magro, com cabelo tão loiro que é quase branco.
Tem feições marcadas e é pálido. Ele parece que não tem
comido ou dormido há muito tempo, bochechas fundas e
manchas escuras sob os olhos. Ele é muito bonito – como um
anjo faminto. Mas não há bondade ou amizade em seu rosto.

Eu me viro de volta para o bar, pegando minha bebida


mais uma vez. Converso com Marnie, determinada a não olhar
mais para o estranho.

Assim que terminarmos nossas bebidas, é hora de


dançar. Você pensaria que ficaríamos enjoadas com toda a
prática que fazemos, mas dançar no clube é completamente
diferente. Não há técnica para isso. É o único momento em que
você pode simplesmente se mover sem ter que pensar sobre
isso.

Quanto mais dançamos, mais bobas ficamos. Fazemos o


Humpty Dance9 e o Cabbage Patch10, depois o Renegade11 e o

9 É uma canção do grupo de rap Digital Underground de seu álbum de estreia Sex Packets.
10 Movimento de dança com os ombros e os punhos se movendo em sincronia em um movimento
circular fluido.
11 É uma dança rápida de vários passos que incorpora movimentos populares.
Triangle12. Marnie tenta convencer o DJ a tocar Lizzo, mas ele
diz que não tem permissão, tem que seguir seu roteiro.

Em sua tentativa de continuar flertando com o barman


bonitão, Serena volta para mais alguns drinques, até que ela
está muito louca para dançar mais. Marnie e eu trazemos água
para ela, e todas nós nos amontoamos em uma cabine para
descansar um minuto.

— Então, você vai me dizer por que você estava tão


chateada antes? — Serena exige, relaxando no canto da mesa.

— Oh, — eu digo, balançando minha cabeça. — É


estupido. Achei que seria creditada pelas danças que
coreografei para Bliss.

— Por que você não foi creditada? — Marnie pergunta.


Ela é alta, magra e negra, com uma pequena fenda nos dentes
da frente. Uma grande artista e às vezes trabalha nos sets e
também dança no corpo.

— Eu não sei. Provavelmente Jackson mudou a maior


parte do que eu fiz, — eu digo.

— Não, ele não fez isso, — diz Marnie, balançando a


cabeça. — Acabei de assistir ao dueto noite passada. É o
mesmo que você fez.

— Oh.

12 Movimento de dança que requer três participantes, dançando em sincronia, daí o nome triângulo.
Agora me sinto pior do que nunca. Meu trabalho é
realmente tão ruim que Jackson pensou que eu simplesmente
não merecia crédito? Mas se for esse o caso, por que ele o usou
no show?

— Ele está roubando você, — diz Serena, balançando a


cabeça com nojo. — Ele é um idiota.

— O que você vai fazer sobre isso? — Marnie me pergunta.

— O que eu posso fazer? Ele é um deus no mundo da


dança, — digo, fazendo uma careta. — Eu não sou ninguém.

Marnie faz uma cara de simpatia. Ela sabe que é verdade.

Serena é mais fogosa.

— Isso é besteira! Você não pode deixá-lo escapar


impune.

— O que eu vou fazer? — Eu digo. — Denunciar ele à


Suprema Corte de Ballet? Não há exatamente um poder
superior aqui.

— Bem, você conhece aqueles smoothies verdes


desagradáveis que ele mantém na geladeira? — Serena diz. —
Você poderia colocar alguns laxantes lá. Pelo menos.

Ela começa a rir, definitivamente mais do que um pouco


bêbada.
Sua risada indefesa me faz rir, e Marnie também. Logo
estamos todas bufando e rindo até que as lágrimas corram pelo
nosso rosto.

— Pare com isso! — Marnie diz. — Você vai expulsar todas


nós.

— De jeito nenhum, — Serena diz. — Aquele bartender e


eu estamos assim agora.

Ela tenta levantar o primeiro e o segundo dedo


entrelaçados, mas está muito descoordenada para fazer
qualquer coisa além de um sinal de paz. O que faz Marnie e eu
rirmos ainda mais.

— É melhor eu te levar para casa, sua idiota, — Marnie


diz a ela.

Marnie e Serena dividem um apartamento na Magnolia


Ave. Fica a apenas cinco minutos de viagem de Uber.

— Você quer dividir um carro? — Marnie me pergunta.

— Eu tenho que ir por outro caminho, — eu digo. —


Deixei meu Jeep no estúdio.

— Você não pode andar sozinha, — diz Serena, tentando


se recompor e ficar séria por um segundo.

— São apenas alguns quarteirões, — asseguro a ela.

Eu só bebi um drinque, então acho que estou bem para


caminhar de volta para o Lake City Ballet.
Nós nos separamos na porta, Marnie ajudando a apoiar
Serena enquanto elas esperam pelo Uber, e eu descendo a
Roscoe Street.

Embora seja tarde, Chicago é uma cidade muito ocupada


para que as ruas fiquem realmente vazias. Muitos carros
passam e as ruas são iluminadas por prédios altos e postes de
luz antiquados. Dois adolescentes em skates passam por mim
gritando algo que não consigo entender.

No entanto, conforme viro na Greenview, as calçadas


ficam mais desertas. Está frio. Envolvo meus braços em volta
de mim, caminhando rapidamente. Minha bolsa salta contra
meu quadril. Tenho a alça pendurada em meu corpo para que
ninguém tente agarrá-la. Eu me pergunto se devo pegar
minhas chaves – tenho uma pequena lata de spray de pimenta
presa ao meu chaveiro, só para garantir. Mas tem seis anos,
então quem sabe se ainda funciona.

Não sei por que estou me sentindo paranoica de repente.


Minha pele parece espinhosa e esticada, e minha frequência
cardíaca está aumentando mais do que a caminhada rápida
merece.

Talvez seja apenas minha imaginação, mas acho que ouço


passos atrás de mim. Eles parecem um pouco rápidos demais,
como se a pessoa estivesse tentando me alcançar.

Parando na esquina da Greenview com a Henderson, dou


uma olhada por cima do ombro.
Definitivamente há um homem a cerca de cem metros de
distância. Ele está vestindo um moletom, as mãos enfiadas nos
bolsos e o capuz puxado para cima. Sua cabeça está baixa,
então não posso ver seu rosto.

Ele provavelmente está voltando para casa, assim como


eu. Mesmo assim, atravesso a rua e começo a andar ainda
mais rápido. Não quero ficar olhando para trás para ver se ele
está ganhando de mim. Sinto vontade de começar a correr.

Vejo o Lake City Ballet à frente, com meu jipe branco


ainda estacionado na frente. O resto do estacionamento está
deserto. Todo mundo já foi para casa.

Deslizo minha mão na minha bolsa, sentindo minhas


chaves enquanto caminho. Quero tê-las pronta para abrir a
porta do carro. Sinto meu telefone, meu Chapstick 13, uma
moeda... sem chaves embora. Que diabos? Não é nem uma
bolsa grande.

O estúdio de dança está trancado e escuro.

Eu sei o código da porta. Todos os dançarinos sabem


disso, já que podemos vir treinar sempre que quisermos.

Quando estou a meio quarteirão de distância, começo a


correr. Vou em direção ao estúdio, sem saber se os passos que
ouço são meus ou de alguém me seguindo.

13 Marca de protetor labial.


Chego à porta, tentando desesperadamente digitar o
código: 1905. O ano em que Anna Pavlova apresentou pela
primeira vez “The Dying Swan”. Jackson é um pouco obcecado.

Meus dedos se atrapalham com o teclado e digito os


números errados duas vezes seguidas, antes que a fechadura
finalmente clique e eu possa abrir a porta.

Eu a fecho atrás de mim, girando a trava e pressionando


minha testa contra o vidro, olhando para a escuridão. Meu
coração está acelerado e minhas mãos estão suadas na
maçaneta. Espero ver algum maníaco correndo em minha
direção, brandindo uma faca.

Em vez disso, eu vejo... nada mesmo.

Não há ninguém na calçada. Ninguém me seguindo. O


cara de moletom provavelmente virou em outra rua sem que
eu percebesse.

Sou uma idiota. Sempre tive uma imaginação selvagem,


para melhor ou para pior. Quando era pequena, tinha os
pesadelos mais loucos e sempre tive certeza de que eram reais,
por mais impossível que fosse para minha irmã se transformar
em tigre ou encontrar uma dúzia de cabeças decepadas em
nossa geladeira.

Afundo no chão, procurando minhas chaves em minha


bolsa mais uma vez. Lá estão elas – no bolsinho lateral onde
sempre ficam. Eu estava em pânico demais para senti-las.
Verifico meu telefone também. Sem mensagens de texto
ou mensagens de meus pais, mesmo que seja depois da meia-
noite.

É engraçado. Eles são tão superprotetores. Mas também


estão tão ocupados que nem perceberam que saí.

Ah, bem. Estou no estúdio e mais longe do cansaço depois


de ter dez mil volts de adrenalina correndo em minhas veias.
Eu poderia muito bem praticar um pouco.

Então subo para a minha sala favorita. É o menor dos


estúdios. O chão é tão flexível que é quase como dançar em um
trampolim.

Tiro minha calça jeans e suéter, deixando apenas o


collant por baixo. Então encaixo meu telefone no som e
encontro minha lista de reprodução favorita. Começa com
“Someone You Loved” do Lewis Capaldi. Eu me aqueço na
barra quando a introdução cadenciada do piano começa.
5

Fico à beira do estacionamento, fora de vista, rindo


baixinho para mim mesmo.

A pequena Nessa Griffin se assusta facilmente.

Assistir sua corrida em direção ao estúdio me deu uma


emoção tão doce que quase podia sentir o gosto. Eu poderia tê-
la pegado se quisesse. Mas não tenho intenção de levá-la esta
noite.

Seria muito fácil rastrear de volta para mim, depois que


ela acabou de deixar meu clube.

Quando fizer Nessa desaparecer, será como jogar uma


pedra no oceano. Não haverá uma única ondulação para
mostrar para onde ela foi.

Espero para ver se ela vai voltar e entrar no carro, mas


em vez disso, ela fica dentro do estúdio. Depois de um minuto,
a luz acende no segundo andar e ela entra em uma pequena
sala de prática.

Posso vê-la perfeitamente. Ela não percebe, mas a sala


iluminada é como uma caixa de luz suspensa acima da rua.
Posso ver cada detalhe, como se fosse um diorama em minhas
mãos.

Vejo como Nessa tira seu suéter e jeans, vestindo apenas


um body apertado por baixo. É rosa claro, tão transparente e
apertado que posso ver o contorno de seus seios e costelas, seu
umbigo e a curva de sua bunda quando ela se vira.

Eu não sabia que ela era dançarina. Eu deveria ter


adivinhado – ela e suas amigas têm aquela aparência. Nessa é
magra. Muito magra, com pernas e braços longos. Há um
pouco de músculo também – nas pontas arredondadas das
panturrilhas e nos ombros e nas costas. Seu pescoço é longo e
fino, como o caule de uma flor.

Ela puxa o cabelo do elástico, deixando-o cair sobre os


ombros. Em seguida, torce-o em um coque no topo da cabeça,
prendendo-o no lugar mais uma vez. Ela não se preocupa com
os sapatos, ficando descalça na barra de madeira que corta o
comprimento do espelho. Ela está de frente para si mesma, de
costas para mim. Ainda posso vê-la em dobro – a Nessa real,
atual, e seu reflexo.

Observo enquanto se inclina e se estica, se aquecendo.


Ela é flexível. Suas juntas parecem soltas e elásticas.

Eu gostaria de poder ouvir a música que ela está tocando.


Clássica ou moderna? Rápida ou devagar?
Uma vez que está aquecida, ela começa a girar no chão.
Não sei o nome de nenhum movimento de dança, exceto talvez
uma pirueta. Eu nem sei se ela é boa.

Tudo que sei é que é lindo. Ela parece sem esforço, sem
peso, como uma folha ao vento.

Estou olhando para ela com admiração. A maneira como


um caçador observaria uma corça que entra em uma clareira.
Nessa é a corça. Ela é adorável. Inocente. Perfeitamente em
lugar em seu ambiente natural.

Vou mandar minha flecha direto para o coração dela.

É meu direito, como caçador.

Eu a observo por mais de uma hora, enquanto ela dança


incansavelmente.

Ela ainda está fazendo isso quando volto para o meu


clube. Talvez fique lá a noite toda. Eu saberei se ela o fizer,
porque o rastreador ainda está em sua bolsa.

Sigo Nessa Griffin a semana toda. Às vezes, dirigindo. Às


vezes caminhando. Às vezes, sentado à mesa no mesmo
restaurante.

Ela nunca me nota. E ela nunca parece sentir que está


sendo seguida depois daquela primeira noite.

Vejo onde ela estuda e onde faz compras.


Vejo onde mora, embora já esteja mais do que
familiarizado com a mansão dos Griffin no lago.

Eu até a vejo visitar a cunhada várias vezes. Agrada-me


saber que são próximas. Eu quero punir os Griffin e os Gallo.
Quero colocá-los um contra o outro. Não vai funcionar, a
menos que todos sintam a perda de Nessa Griffin.

Depois de uma semana, tenho certeza de que Nessa


atenderá aos meus objetivos.

Então é hora de fazer minha jogada.


6

Estou com saudades do meu irmão. Estou feliz que ele


esteja tão feliz com Aida. E eu sei que era hora dele conseguir
seu próprio lugar. Mas nossa casa está muito pior sem ele na
mesa do café da manhã.

Por um lado, ele costumava manter Riona na linha.

Quando desço, ela tem pastas e papéis espalhados ao seu


redor em um raio tão grande que tenho que levar meu prato
até o canto da mesa para comer.

— Em que você está trabalhando? — Pergunto a ela,


pegando uma fatia de bacon crocante e dando uma mordida.

Temos um chef que faz com que cada refeição pareça um


daqueles comerciais de TV em que você tem suco de laranja,
leite, frutas, torradas, panquecas, bacon e salsichas, tudo
perfeitamente arranjado, como se as pessoas normais
realmente comessem tudo isso de uma vez.

Estamos estragados. Sou bem ciente disso. Mas não vou


reclamar disso. Gosto de ter minhas refeições preparadas para
mim. E adoro morar em uma casa grande, bem iluminada e
moderna em um amplo terreno verde com uma vista perfeita
para o lago.

A única coisa que não amo é como minha irmã fica mal-
humorada logo de manhã.

Ela já está usando seu traje de negócios, seu cabelo


vermelho preso em um coque liso e uma caneca de café preto
na frente dela. Está debruçada sobre alguns dossiês, fazendo
anotações com lápis codificados por cores. Quando lhe chamo,
ela pousa o lápis vermelho e me encara com um olhar irritado.

— O que? — Ela diz asperamente.

— Eu só estava perguntando no que você estava


trabalhando.

— Não estou trabalhando em nada agora. Porque você me


interrompeu, — diz ela.

— Desculpa. — Eu estremeço. — O que é isso, então?

Riona suspira e me dirige um olhar que diz claramente


que não acha que vou entender o que está prestes a me dizer.
Tento parecer extremamente inteligente em troca.

Minha irmã ficaria linda se ela sorrisse. Ela tem pele como
mármore, lindos olhos verdes e lábios tão vermelhos quanto
seu cabelo. Infelizmente, tem o temperamento de um pit bull.
E não é um bom pit bull – o tipo que é treinado para ir direto
para a garganta em cada encontro.
— Você sabe que temos uma empresa de investimento?
— Ela diz.

— Sim.

Não.

— Uma das maneiras de prever tendências em empresas


de capital aberto é por meio de dados de geolocalização
extraídos de aplicativos de smartphones. Compramos os dados
em massa e depois os analisamos usando algoritmos. No
entanto, de acordo com as novas leis de privacidade e
segurança, algumas de nossas compras anteriores de dados
estão sendo examinadas. Portanto, estou encarregada de
entrar em contato com a SEC para ter certeza...

Ela se interrompe quando vê minha expressão de


completa incompreensão.

— Não importa, — ela diz, pegando o lápis novamente.

— Não, isso soa realmente... quer dizer, é


superimportante, então é bom que você esteja...

Estou gaguejando como uma idiota.

— Está tudo bem, — Riona me corta. — Você não tem que


entender. É meu trabalho, não seu.

Ela não diz isso, mas o adendo tácito é que eu não tenho
um emprego no império Griffin.

— Bem, bom falar com você, — eu digo.


Riona não responde. Ela já está totalmente imersa em seu
trabalho novamente.

Pego mais uma tira de bacon para viagem.

Enquanto estou pegando minha mochila, minha mãe


entra na cozinha. Seu cabelo loiro é tão escovado que quase
parece uma peruca, embora eu saiba que não é. Ela está
usando um conjunto Chanel, o anel de diamante da minha avó
e o relógio Patek Philippe que meu pai lhe deu no seu último
aniversário. O que significa que ela provavelmente vai a uma
reunião do conselho de caridade ou acompanhar papai em
algum almoço de negócios.

Meu pai a segue de perto, vestido com um terno de três


peças perfeitamente ajustado, seus óculos de aro de tartaruga
dando-lhe um ar de professor. Seu cabelo grisalho ainda é
espesso e ondulado. Ele é bonito e elegante. Meus pais se
casaram jovens – eles não parecem ter cinquenta anos, embora
tenha sido o aniversário que valeu o relógio de minha mãe.

Minha mãe beija o ar próximo à minha bochecha, com


cuidado para não borrar o batom.

— Vai para a escola? — Ela diz.

— Sim. Estatísticas, depois Literatura Russa.

— Não se esqueça que vamos jantar com os Foster esta


noite.
Eu sufoco um gemido. Os Foster têm filhas gêmeas da
minha idade e ambas são igualmente horríveis.

— Eu tenho que ir? — Pergunto.

— É claro, — diz meu pai. — Você quer ver Emma e Olivia,


não é?

— Sim.

Não.

— Então, certifique-se de estar em casa por volta das seis,


— diz minha mãe.

Eu me arrasto para o meu carro, tentando pensar em algo


para ficar alegre hoje. Estatísticas? Não. Jantar?
Definitivamente não. Ugh, sinto falta de dirigir para a escola
com Aida. Ela terminou a última de suas aulas no verão,
enquanto eu ainda tenho três anos restantes. Eu nem sei no
que vou me formar. Estou pegando um pouco de negócios, um
pouco de psicologia. É tudo muito interessante, mas nada
disso incendeia meu coração.

A verdade é que quero fazer algo nas artes. Eu amei, amei,


amei coreografar aquelas danças. Achei que elas eram boas!
Então Jackson pegou todas as minhas esperanças e amassou-
as como um jornal do dia anterior.

Talvez ele esteja certo. Como posso fazer uma grande arte
quando quase não experimentei nada? Fui protegida e mimada
minha vida inteira. A arte vem do sofrimento – ou, pelo menos,
da aventura. Jack London teve que ir para o Klondike e perder
todos os dentes da frente para o escorbuto antes de poder
escrever The Call of the Wild.

Em vez de ir para o Klondike, dirijo até Loyola, um


adorável campus de tijolos vermelhos bem na água. Estaciono
meu Jeep e vou para a aula. Assisto Estatísticas, que é tão
interessante quanto o trabalho jurídico de Riona, e Literatura
Russa, que é um pouco melhor porque atualmente estamos
lendo Doctor Zhivago. Assisti ao filme com minha mãe nove
vezes. Nós duas tínhamos uma queda por Omar Sharif.

Isso me ajuda a acompanhar muito melhor do que fiz com


Fathers and Sons. Posso até tirar um A, embora seja meu
primeiro neste semestre.

Depois de um intervalo para o almoço, assisto a mais uma


aula, Psicologia Comportamental, e então estou livre. Pelo
menos até a hora do jantar.

Pego o jipe e saio do campus, perguntando-me se tenho


tempo para dar uma escapadinha em uma aula de
condicionamento rápido no Lake City Ballet antes de ir para
casa e tomar banho. Prefiro me atrasar. O que for preciso para
cortar um pouco do jantar com os Foster...

Mal saí da estrada principal antes de meu volante


começar a vibrar e tremer. O motor faz um barulho horrível de
rangido e a fumaça sai de baixo do capô.
Encosto no meio-fio o mais rápido que posso, parando o
carro.

Desligo o motor, esperando que a coisa toda não pegue


fogo. Só tenho este carro há três anos e era novo quando o
comprei. Não teve nenhum pneu furado antes.

Procuro meu telefone, pensando que é melhor ligar para


meu irmão, ou para um dos funcionários da casa, ou para o
AAA14.

Antes que eu disque para alguém, um Land Rover preto


para atrás de mim. Um homem sai do lado do motorista. Ele
tem cabelo preto, barba por fazer e um corpo largo. Parece
intimidador, mas seu tom é amigável quando diz: — Algo
errado com o motor?

— Não sei, — respondo, abrindo a porta do carro e saindo


também. — Não sei nada sobre carros. Estava prestes a ligar
para alguém.

— Deixe-me dar uma olhada, — diz ele. — Posso poupar


um reboque para você, se for uma solução fácil.

Estou prestes a dizer a ele para não se dar ao trabalho. A


fumaça e o cheiro são tão ruins que não consigo imaginar que
vou dirigir para longe daqui. Não fazia sentido ele sujar as
mãos por nada. Mas ele já está abrindo o capô, com cuidado
para não chamuscar os dedos no metal superaquecido.

14 American Automobile Association (Associação Automobilística Americana).


Ele se inclina para trás para que a fumaça não vá direto
para seu rosto, então olha para o motor assim que ele limpa.

— Oh, aí está o problema, — diz ele. — Seu motor travou.


Aqui, dê uma olhada.

Não tenho ideia do que estou olhando, mas


obedientemente me aproximo e espio dentro, como se fosse de
repente entender a mecânica de automóveis.

— Está vendo? — Ele puxa a vareta para me mostrar. Eu


reconheço isso, pelo menos, porque vi Jack Du Pont trocando
o óleo de todos os carros em nossa garagem.

— Como pode estar sem óleo? — Eu pergunto.

Jack faz toda a manutenção. O óleo se esgota se você


dirigir demais?

— Alguém deve ter drenado, — diz o homem. — Está


completamente seco.

— Como uma pegadinha? — Digo, perplexa.

— Mais como uma armadilha, — responde o homem.

Essa é uma resposta estranha.

Percebo que estou bem perto desse estranho, que


apareceu no instante em que meu carro quebrou. Quase como
se ele estivesse dirigindo bem atrás de mim, apenas esperando
que isso acontecesse...

Sinto uma pontada afiada no braço.


Olho para baixo e vejo uma seringa perfurando minha
carne, a agulha totalmente pressionada. Então olho nos olhos
do homem, tão escuros que parecem quase pretos, sem
separação entre a pupila e a íris. Ele está me olhando com
antecipação.

— Por que você fez isso? — Eu me ouço dizer.

O som dos carros passando torna-se maçante e lento. Os


olhos do homem são manchas escuras em um borrão cor de
pêssego. Sinto que todos os ossos se dissolvem em meu corpo.
Fico mole como um peixe, caindo de lado. Se o homem não
fechasse os braços com força em volta de mim, eu cairia na
estrada.
7

Seis meses atrás, anonimamente e por meio de um


corretor discreto, comprei uma das maiores mansões da Era
Dourada em Chicago. Ela está localizada no extremo norte da
cidade, em um lote densamente arborizado. Você dificilmente
saberia que estava em Chicago. As árvores são tão grossas e
as paredes de pedra ao redor da propriedade são tão altas que
quase nenhuma luz solar entra pelas janelas. Até mesmo o
jardim murado está cheio de plantas que adoram sombra e
podem suportar a luz fraca e o silêncio.

Chama-se Baron’s House, porque foi construída para o


barão da cerveja Karl Schulte, no estilo barroco alemão. É tudo
pedra cinza desgastada, grades de ferro preto e relevos
escultóricos ornamentados em forma de pergaminhos,
medalhões e duas figuras masculinas corpulentas que
seguram o pórtico em seus ombros.

Comprei pensando que seria um refúgio. Um lugar para


ir quando quero solidão.

Agora percebo que é a prisão perfeita.


Depois de passar pelos portões de ferro, você poderia
muito bem ter desaparecido.

Vou fazer Nessa Griffin desaparecer. A partir do momento


em que Jonas a trouxer para mim, nenhuma outra alma verá
seu rosto. Sem espiões, sem testemunhas. Sua família pode
destruir a cidade tijolo por tijolo, e eles não encontrarão
nenhum vestígio dela.

Imaginar o pânico deles me faz sorrir pela primeira vez


em muito tempo. Os Griffin e os Gallo têm tantos inimigos que
não saberão quem a sequestrou. Os Braterstwo são seus piores
e mais recentes inimigos, mas em sua arrogância, eles pensam
que nos destruíram matando Tymon. Eles são tão míopes,
duvido que eles sequer saibam meu nome.

É exatamente assim que eu gosto. Sou o vírus que


invadirá seu sistema sem ser visto e percebido. Eles nem vão
perceber o que aconteceu até que estejam tossindo sangue.

Ouço o som de um carro parando no pátio e sinto uma


pontada de ansiedade. Na verdade, estou ansioso por isso.

Meus passos soam na pedra nua do saguão enquanto


corro para a porta. Estou descendo os degraus e perto do Land
Rover antes mesmo de Jonas sair do carro.

Ele puxa seu corpo para fora do banco da frente,


parecendo satisfeito consigo mesmo.

— Correu perfeitamente, — diz ele. — Pedi ao Andrei que


levasse o Jeep para o desmanche. Ele desligou o GPS primeiro,
então eles não serão capazes de rastreá-lo onde ele quebrou.
Então mandou desmontar e esmagar tudo. Eles não
encontrarão nem mesmo um farol.

— Você está com a bolsa dela? — Pergunto-lhe.

— Bem aqui.

Ele alcança o banco da frente e tira a bolsa, uma bolsa de


couro simples, a mesma que ela tinha no clube. Felizmente, é
a única bolsa que ela usa, já que é assim que a tenho rastreado
a semana toda. Se ela fosse uma típica socialite mimada com
uma dúzia de bolsas de grife, isso teria sido muito
inconveniente para mim. Mas isso não teria me impedido.

— Eu joguei o telefone dela em uma lixeira em Norwood,


— diz Jonas.

— Bom. — Eu concordo. — Vamos levá-la para cima.

Jonas abre a porta traseira. Nessa Griffin está desmaiada


no banco de trás. Seu braço oscila frouxamente e seus olhos
se contraem por trás das pálpebras fechadas. Ela está
sonhando com algo.

Jonas pega seus pés e eu pego sua cabeça, carregando-a


para dentro de casa. Seu corpo está pendurado
desajeitadamente entre nós. Depois de um momento, digo: —
Vou fazer isso — e, mexendo-me, pego-a em meus braços.

Embora ela seja um peso morto, não é uma carga pesada.


Posso carregá-la escada acima com bastante facilidade. Na
verdade, é alarmante o quão frágil ela é. Muito magra, suas
clavículas aparecendo através de sua pele, cavas e parecidas
com as de um pássaro. Ela está pálida por causa das drogas,
sua pele quase translúcida.

Ela terá toda a ala leste para si. Jonas tem seus
aposentos no térreo, assim como Andrei e Marcel. Eu fico na
ala oeste.

A única outra pessoa que entra nesta casa é Klara


Hetman, nossa governanta. Não tenho nenhuma preocupação
com sua discrição. Ela é prima de Jonas, de Boleslawiec.
Mesmo se ela pudesse falar inglês, ela sabe que não deve
arriscar minha ira. Eu poderia mandá-la de volta para aquele
buraco com um estalar de dedos. Ou colocá-la dois metros
abaixo do solo.

Carrego Nessa para seu novo quarto. Comprei esta casa


mobiliada. A cama é antiga, de madeira escura com dossel
carmesim e empoeirado. Eu a deito em cima das cobertas, a
cabeça no travesseiro.

Jonas me seguiu. Ele está parado na porta, seus olhos


vagando pelo corpo inerte e indefeso de Nessa. Ele sorri
lascivamente.

— Você quer que eu ajude a despi-la?

— Não, — eu estalo. — Você pode sair.

— Tudo bem. — Ele se vira e sai andando devagar, de


volta ao corredor.
Espero até que ele vá embora, então olho novamente para
o rosto pálido de Nessa.

Suas sobrancelhas estão contraídas, dando a ela uma


aparência queixosa, mesmo com os olhos fechados. Suas
sobrancelhas são muito mais escuras do que seu cabelo.
Parecem ter sido desenhadas com fuligem.

Tiro seus tênis, deixando-os cair no chão ao lado da


cama. Por baixo, ela está usando aquelas meias pequenas que
cobrem apenas metade do pé, para que não apareçam por cima
dos sapatos. Eu tiro as meias, revelando pezinhos finos que
estão machucados e cheios de merda. Ela tem hematomas,
bolhas, calosidades e band-aids em vários dedos dos pés.
Ainda assim, pintou as unhas dos pés de rosa, uma tentativa
de embelezamento tão inútil que quase me faz rir.

Ela ainda está usando jeans e um moletom com zíper.

As drogas que Jonas lhe injetou vão mantê-la nocauteada


por horas. Eu poderia deixá-la nua se quisesse. Ela não
sentiria nada. Pode ser divertido fazer isso, só para que ela
acordasse assim, sem nenhuma ideia do que havia acontecido
com ela.

Meus dedos demoram em seu esterno, apenas roçando o


zíper de seu moletom.

Então eu deixo minha mão cair ao meu lado.

Ela ficará apavorada o suficiente. Não há necessidade de


deixá-la histérica.
Em vez disso, puxo um cobertor sobre seu corpo.

Já está escurecendo em seu quarto. As janelas são de


vidro chumbado, quase impossíveis de quebrar. Mesmo se ela
pudesse abri-las, ela está no terceiro andar, sem ter como
descer. Depois, há as paredes de pedra, as câmeras, os
sensores de perímetro.

Ainda assim, como uma precaução adicional, pego uma


tornozeleira eletrônica que tenho mantido na mesa de
cabeceira ao lado de sua cama. Eu coloco nela, fechando-a. É
à prova de quebra, à prova d'água e precisa ser aberta com um
código que só eu conheço. É fina e leve, mas tão tenaz como
uma algema.

Saio do quarto, trancando a porta por fora.

Então coloco a chave no bolso.

Ninguém vai entrar lá sem minha permissão.


8

Acordo em um quarto escuro, em uma cama estranha.

A primeira coisa que noto é o cheiro empoeirado e antigo.


Tem cheiro de madeira velha. Pétalas de rosa secas. Pinho.
Cortinas mofadas.

Minha cabeça está inchada e pesada. Estou tão cansada


que quero voltar a dormir. Mas uma voz irritante em meu
cérebro me diz que preciso me levantar.

Sento-me, fazendo o cobertor formar uma poça em volta


da minha cintura. Apenas esse movimento faz minha cabeça
girar. Tenho que me inclinar para frente, as mãos pressionadas
contra minhas têmporas, tentando me equilibrar.

Quando minha visão clareia, eu olho ao redor, piscando


e tentando distinguir a forma do quarto.

Mesmo que as janelas estejam descobertas, a luz da lua


mal chega para eu ver alguma coisa. Estou sentada em uma
cama de dossel, no que parece ser um quarto enorme. Várias
peças maciças de móveis são colocadas contra as paredes,
cada uma do tamanho de um elefante meio adulto – um
guarda-roupa, uma penteadeira e algo mais distante que pode
ser uma escrivaninha. Além disso, um buraco grande o
suficiente para ficar de pé, que eu acho que é uma lareira.
Parece uma caverna. Uma caverna que poderia conter
qualquer coisa.

Pequenos lampejos de memória flutuam em meu cérebro,


como faíscas ao redor de uma fogueira. Um volante
estremecendo sob minhas mãos. Um raio de sol quando desci
do carro. Um homem de cabelo preto com uma expressão
simpática que não chegava aos olhos.

Meu coração dispara. Estou em uma casa desconhecida,


trazida aqui por um homem desconhecido.

Eu fui sequestrada!

Essa percepção não é tão estranha para mim quanto pode


ser para uma garota normal. Sou uma filha da máfia. Embora
eu possa navegar por mares iluminados pelo sol, estou ciente
dos tubarões nadando logo abaixo da água. Existe uma
tendência de perigo em todos os momentos. Ouvido em
conversas enquanto passo pelo escritório de meu pai.
Insinuado nas linhas de tensão nos rostos dos meus pais.

Então acho que sempre soube que algo louco poderia


acontecer comigo. Nunca me senti totalmente segura, não
importa o quão protegida eu possa parecer.

Ainda assim, teoria e realidade são duas coisas


diferentes. Não estou mais nos braços dos meus pais. Estou
na casa de um inimigo. Eu não sei quem ele é. Mas eu sei o
que ele é. Esses homens são brutais, violentos e sem
compaixão. O que quer que eles façam comigo, será feio.

É por isso que tenho que sair daqui.

Agora mesmo.

Saio de debaixo das cobertas com a intenção de fugir.

Assim que meus pés tocam o chão, percebo que falta


meus sapatos e meias. Alguém os tirou dos meus pés.

Não importa. A menos que o chão seja de vidro quebrado,


posso correr descalça.

No entanto, quando tento dar meu primeiro passo, meus


joelhos se dobram e eu caio para frente sobre as palmas das
mãos. Minha cabeça parece um balão mal amarrado aos meus
ombros. Meu estômago dá voltas e mais voltas nauseantes.

Sinto o vômito subindo pela minha garganta e tenho que


engoli-lo de volta, meus olhos ardendo com lágrimas. Não
tenho tempo para vomitar ou chorar. Só preciso sair.

Eu me arrasto pela sala em direção à porta. Parece que


estou viajando pelo comprimento de um campo de futebol.
Estou rastejando por um tapete antigo e, depois, por um
período de tempo, sobre madeira nua.

Por fim, chego à porta. Só então me ocorre que


provavelmente estou trancada lá dentro. Mas, para minha
surpresa, a maçaneta gira facilmente sob minha mão.
Eu me puxo para cima usando a maçaneta da porta,
dando-me mais um minuto para o quarto parar de girar.
Respiro lenta e profundamente. Desta vez, meus joelhos ficam
firmes e consigo andar. Escorrego para um corredor longo e
escuro.

A casa está totalmente silenciosa. Não há luz e nenhum


sinal de outras pessoas. Este lugar é tão antigo e assustador
que um fantasma pode saltar das paredes a qualquer segundo.
Sinto que estou em um filme de terror, na parte em que a
garota vagueia como uma idiota e todo o público cobre os
olhos, sabendo que algo horrível está para acontecer.

Eu realmente não posso estar sozinha.

Não sou estúpida o suficiente para pensar que alguém se


deu ao trabalho de me sequestrar apenas para me deixar
completamente abandonada. Eles podem estar se escondendo
ao meu redor. Podem estar me observando na câmera agora.

Não entendo este jogo, ou o que eles querem com ele.

Meu sequestrador é um gato brincando com a comida


antes de comê-la?

Não importa. Minha única outra opção é ficar no meu


quarto. E eu não vou fazer isso.

Então, continuo descendo o corredor, procurando a rota


mais provável para sair deste lugar.

É angustiante passar por tantas portas vazias.


Este lugar é enorme, muito maior do que a casa dos meus
pais. Não tão bem conservado, entretanto. O carpete do
corredor está puído e amontoado em alguns lugares; tenho que
arrastar os pés para não tropeçar. As janelas estão cheias de
poeira e as pinturas nas paredes estão tortas. É difícil
distinguir os temas no escuro, mas acho que alguns deles são
mitológicos. Eu definitivamente vejo uma longa pintura a óleo
de um labirinto complicado, com um Minotauro escondido no
centro.

Por fim, chego a uma escada larga e curva que desce para
o nível inferior. Olho para baixo, mas não vejo nenhuma luz
nessa direção. Deus, é desorientador andar por um lugar
estranho no escuro. Estou perdendo meu senso de tempo e
direção. Cada som parece amplificado, mas isso só me
confunde mais. Não sei dizer se os rangidos e gemidos que
ouço são de uma pessoa ou apenas dos rangidos da casa.

Desço correndo a escada, arrastando as pontas dos dedos


ao longo do corrimão. Minha cabeça está clareando a cada
minuto. Parece improvável que escaparei disso facilmente, mas
talvez seja possível. Talvez eles calcularam mal qualquer
porcaria de droga que me deram e esperam que eu durma a
noite toda. Talvez eles sejam apenas incompetentes. Posso ter
sido agarrada por amadores ou por pessoas malucas que não
pensam direito.

Tenho que me agarrar ao meu otimismo. Caso contrário,


serei envolvida pelo medo.
Assim que desço as escadas, procuro a porta da frente,
mas estou perdida em um labirinto de quartos. Antigos
arquitetos não ligavam para plantas baixas abertas. Estou
vagando por bibliotecas e salas de estar e de bilhar, e quem
sabe o que mais. Várias vezes bato em uma mesinha de canto
ou no encosto de um sofá e quase bato em um abajur, mal
conseguindo segurar seu corpo antes de atingir o chão.

A cada minuto que passa, meus nervos ficam cada vez


mais em frangalhos. Que diabo é este lugar e por que estou
aqui?

Por fim, pego um vislumbre da mesma luz externa fria e


pálida que vi da minha janela. Lua ou estrelas. Corro nessa
direção, através de um grande conservatório de vidro repleto
de plantas tropicais. A espessa folhagem pende do teto. Os
vasos estão tão aglomerados que preciso abrir caminho por
entre as folhas, com a sensação de já estar do lado de fora.

Quase alcancei a porta dos fundos quando uma voz diz:


— Finalmente acordada.

Paro no meio do caminho.

Posso ver a porta de vidro na minha frente. Se eu correr,


provavelmente poderei chegar lá antes que essa pessoa possa
me agarrar.

No entanto, estou na parte de trás da casa. Eu só estaria


correndo para um quintal – se a porta estivesse destrancada.
Então, em vez disso, lentamente me viro para encarar
meu captor.

Estou tão atordoada e apavorada que quase espero ver


presas e garras. Um monstro literal.

Em vez disso, vejo um homem sentado em um banco. Ele


é magro, pálido e está vestido de maneira casual. Seu cabelo é
tão loiro que é quase branco, comprido e penteado para trás
em seu rosto. Seus traços marcantes só aparecem mais nesta
luz – maçãs do rosto salientes, queixo fino como navalha,
sombras escuras sob seus olhos. Por baixo de sua camiseta
preta, vejo as tatuagens em ambos os braços, descendo até a
parte de trás de suas mãos e, em seguida, subindo até o
pescoço. Seus olhos brilhantes parecem dois cacos de vidro
estilhaçado.

Eu o reconheço imediatamente.

É o homem da boate. Aquele que estava olhando para


mim.

— Quem é você? — Eu exijo.

— Quem você acha que eu sou? — Ele responde.

— Eu não tenho ideia, — digo.

Ele suspira e se levanta do banco. Involuntariamente,


dou um passo para trás.

Ele é mais alto do que eu esperava. Ele pode ser magro,


mas seus ombros são largos e ele se move com uma espécie de
facilidade que reconheço. Esta é uma pessoa que controla seu
corpo. Alguém que pode se mover rapidamente e sem
hesitação.

— Estou decepcionado com você, Nessa, — diz ele. Sua


voz é baixa, clara e cuidadosamente pronunciada. Tem um
toque de sotaque que não consigo identificar. — Eu sabia que
você era resguardada. Mas não pensei que você fosse estúpida.

Seu insulto me corta como um chicote. Talvez seja a


expressão em seu rosto, seus lábios curvados em repulsa. Ou
talvez seja o fato de já estar tensa de terror.

Normalmente não tenho temperamento. Na verdade,


posso ser um pouco molenga.

Meu cérebro decide que agora é o momento de finalmente


ficar irritado. Bem quando isso poderia me matar.

— Sinto muito, — digo com raiva. — Não estou atendendo


às suas expectativas como refém? Por favor, me esclareça o
quão perceptivo você seria se alguém o drogasse e o jogasse no
meio de alguma mansão assombrada assustadora?

Assim que digo, arrependo-me. Porque ele dá mais um


passo em minha direção, seus olhos ferozes e frios e seus
ombros rígidos de raiva.

— Bem, — ele sussurra baixinho, — eu provavelmente


seria inteligente o suficiente para não antagonizar meu captor.
Posso sentir minhas pernas tremendo embaixo de mim.
Dou mais um passo para trás, até sentir a porta de vidro fria
contra minhas costas. Minha mão tateia cegamente para a
maçaneta.

— Vamos lá, Nessa, — diz ele, seus olhos perfurando os


meus enquanto se aproxima. — Você não pode ignorar
completamente o que se passa na sua família?

Ele sabe meu nome. Ele mandou o homem de cabelo


preto para me sequestrar – o que significa que aquele cara
trabalha para ele, como um soldado. E há um toque de sotaque
em sua fala. Sutil e incomum – nada que eu reconheça, como
francês ou alemão. Pode ser do Leste Europeu. Ele tem aquela
aparência – maçãs do rosto salientes, pele e cabelos claros.
Russo? Não...

Quatro meses atrás, minha família teve um


desentendimento com um gangster polonês. Alguém o chamou
de The Butcher. Ninguém me falou sobre isso, é claro. Aida
mencionou isso mais tarde, de passagem. Seu irmão mais
velho o matou. E isso foi o fim.

Ou assim pensei.

— Você trabalha para The Butcher, — eu digo, minha voz


saindo em um guincho.

Ele está bem na minha frente agora, elevando-se sobre


mim. Quase posso sentir o calor irradiando de sua pele. As
ondas de ódio derramam dele enquanto olha para mim com
aqueles olhos furiosos.

Este homem me odeia. Ele me odeia como nunca fui


odiada em minha vida. Acho que ele poderia arrancar
alegremente a carne dos meus ossos com as unhas.

— O nome dele era Tymon Zajac, — ele cospe, cada


palavra cortada como uma tesoura. — Ele era meu pai. E você
o matou.

Ele quer dizer que minha família o matou.

Mas em nosso mundo, os pecados da família são visitados


em todos os que compartilham o mesmo sangue.

Finalmente encontro a maçaneta da porta. Eu luto para


virar nas minhas costas.

Mas está fixa no lugar, como um pedaço de metal sólido.

Estou trancada com essa besta.


9

A garota está apavorada. Ela está tremendo tanto que


seus dentes batem. Ela tropeça loucamente para trás, para a
maçaneta da porta. Quando finalmente a encontra, ela tenta
abri-la para fugir para o jardim dos fundos. Mas a porta está
trancada. Ela não tem para onde ir, a menos que queira se
atirar através de um vidro sólido.

Posso ver sua pulsação saltando na garganta, abaixo da


pele fina e delicada. Quase posso sentir o gosto da adrenalina
em sua respiração. Seu medo é como o sal em um prato – só
torna este momento mais delicioso.

Espero que ela comece a chorar. Essa garota obviamente


não tem coragem. Ela é fraca, infantil. A princesa mimada da
realeza americana. Ela vai me implorar para não a machucar.
E guardarei cada apelo em minha mente, para que possa
retransmiti-los à família dela, quando os matar.

Em vez disso, ela respira fundo e endireita os ombros. Ela


fecha os olhos por um momento, seus lábios se separando
enquanto solta um longo suspiro. Então aqueles grandes olhos
verdes se abrem novamente, olhando bem no meu rosto,
arregalados e assustados, mas decididos.
— Eu não matei seu pai, — ela diz. — Mas eu sei como
pessoas como você pensam. Não há raciocínio com vocês. Eu
não vou me acovardar e implorar – você provavelmente só vai
gostar. Então faça o que você tem que fazer.

Ela levanta o queixo, suas bochechas ficam rosadas.

Ela se acha corajosa.

Ela acha que poderia permanecer forte se eu quisesse


torturá-la. Se eu quisesse quebrar seus ossos, um por um.

Fiz homens adultos gritarem por suas mães.

Eu só posso imaginar o que eu poderia conseguir com que


ela fizesse, com tempo suficiente.

Com certeza, assim que eu levanto minha mão direita, ela


recua, com medo de um golpe no rosto.

Mas não tenho intenção de bater nela. Ainda não.

Em vez disso, descanso meus dedos contra aquela


bochecha rosada e macia, levemente salpicada de sardas. É
preciso cada grama de autocontrole que possuo para resistir a
cavar meus dedos profundamente em sua carne.

Acaricio seus lábios com meu polegar. Eu posso senti-los


tremendo.

— Se fosse assim tão fácil, minha pequena bailarina, —


digo a ela.
Seus olhos se arregalam, um arrepio percorre todo o seu
corpo esguio. Assusta-a que eu sei muito sobre ela. Eu sei o
que ela faz e o que ela ama.

Essa garota não tem ideia de como é fácil de ler. Ela


nunca aprendeu a erguer paredes para se proteger. Ela é tão
vulnerável quanto uma cama de tulipas. Tenho a intenção de
pisar em seu jardim, arrancando as flores do chão uma por
uma.

— Eu não trouxe você aqui para matá-la rapidamente, —


digo a ela. — Seu sofrimento será longo e lento. Você será a
lâmina que usarei para cortar sua família repetidas vezes. Só
quando eles estiverem fracos, desesperados e cheios de
miséria, permitirei que morram. E você pode assistir tudo,
pequena bailarina. Porque isso é uma tragédia – e a princesa
cisne só morre no ato final.

Lágrimas enchem seus olhos, escorregando


silenciosamente por suas bochechas. Seus lábios tremem de
desgosto.

Ela olha para mim e vê um monstro saído de um


pesadelo.

E ela está absolutamente certa.

No tempo em que trabalhei para Zajac, fiz coisas


indizíveis. Chantageei, roubei, espanquei, torturei e assassinei
pessoas. Fiz tudo sem consciência ou remorso.
Tudo o que havia de bom dentro de mim morreu há dez
anos. O último resquício do menino que eu costumava ser
estava ligado a Zajac – ele era a única família que me restava.
Agora ele se foi, e não há humanidade dentro de mim. Não
sinto mais nada, exceto necessidade. Eu preciso de dinheiro.
Poder. E, acima de tudo, vingança.

Não há bom ou mau, certo ou errado. Apenas meus


objetivos e as coisas que os impedem.

Nessa balança a cabeça lentamente, fazendo com que as


lágrimas caiam ainda mais rápido.

— Não vou ajudá-lo a machucar as pessoas que amo, —


ela me diz. — Não importa o que você faça comigo.

— Você não terá escolha, — eu digo, um sorriso curvando


os cantos da minha boca. — Eu te disse. Isso é uma tragédia –
seu destino já está definido.

Seu corpo se enrijece e, por um momento, vejo aquela


centelha de rebelião brilhar naqueles olhos arregalados. Acho
que ela pode criar coragem para tentar me bater.

Mas ela não é tão tola.

Em vez disso, ela diz: — Isso não é destino. Você é apenas


um homem mau, tentando brincar de deus.

Ela solta a maçaneta da porta e se endireita, embora isso


nos aproxime ainda mais.
— Você não sabe em que tipo de história estamos, não
mais do que eu, — diz ela.

Eu poderia estrangulá-la agora. Isso extinguiria o desafio


em seus olhos. Isso lhe mostraria que qualquer tipo de história
que seja, não é uma com um final feliz.

Mas então eu negaria a mim mesmo os prazeres amargos


que estive esperando todos esses meses.

Logo, em vez disso, digo: — Se você está tão determinada


a escrever a narrativa, por que não me diz quem devo matar
primeiro? Sua mãe? Seu pai? Que tal Aida Gallo? Afinal, foi o
irmão dela quem atirou em Tymon...

Com cada membro da família que nomeio, seu corpo


estremece como se eu tivesse batido nela. Acho que sei quem
vai machucá-la mais...

— Ou que tal o novo vereador? — Eu digo. — Foi aí que o


conflito começou – com seu irmão mais velho Callum. Ele
achava que era bom demais para trabalhar conosco. Agora ele
tem um bom escritório em City Hall. É tão fácil encontrá-lo lá.
Ou eu poderia simplesmente ir ao apartamento dele na Erie
Street...

— Não! — Nessa chora, incapaz de se conter.

Deus, isso é muito fácil. Quase não é divertido.

— Aqui estão as regras, por enquanto, — digo a ela. — Se


você tentar escapar, eu vou puni-la. Se você tentar se
machucar, vou puni-la. Se você recusar qualquer uma das
minhas ordens...bem, essa é a ideia. Agora pare de
choramingar e volte para o seu quarto.

Nessa parece pálida e doente.

Ela foi desafiadora quando pensou que era apenas sua


vida em jogo. Mas quando citei seu irmão e sua cunhada, isso
se tornou real para ela. Isso acabou com sua resistência em
um instante.

Estou começando a me arrepender de tê-la escolhido para


este joguinho.

Eu não acho que ela vai resistir muito.

Com certeza, assim que eu dou um passo para trás para


dar-lhe espaço para passar, ela docilmente corre de volta na
direção de seu quarto. Sem mesmo uma resposta final para
salvar sua dignidade.

Pego meu telefone para poder acessar as câmeras


montadas em cada canto da casa.

Eu a vejo subir as escadas, então corro de volta pelo longo


corredor até a suíte de hóspedes no final da ala leste. Ela fecha
a porta e desaba na velha cama de dossel, soluçando no
travesseiro.

Sento-me no banco para vê-la chorar. Ela chora por uma


hora, antes de finalmente cair no sono.

Não sinto culpa ou prazer em observá-la.


Eu não sinto absolutamente nada.
10

Passo os próximos quatro dias trancada naquele quarto.

O que a princípio parecia um espaço enorme, logo começa


a parecer terrivelmente claustrofóbico.

A única vez que minha porta se abre é quando a


empregada me traz uma bandeja de comida três vezes ao dia.
Ela tem cerca de trinta anos com cabelo escuro, olhos
amendoados e uma boca em forma de arco do Cupido. Usa um
uniforme de empregada antiquado, completo com meia-calça
grossa e escura, uma saia longa e um avental. Ela me dá um
aceno educado quando deixa a nova bandeja e pega a antiga.

Tento falar com ela, mas não acho que fale inglês. Ou
talvez ela apenas tenha sido instruída a não me responder.
Uma ou duas vezes ela me lança um olhar solidário,
principalmente quando fico mais desgrenhada e irada, mas
não tenho ilusões de que ela vai me ajudar. Por que ela deveria
arriscar seu trabalho por uma estranha?

Passo muito tempo olhando pela janela. As janelas têm


quase dois metros de altura, altas e retangulares, com tampos
arqueados. O vidro chanfrado é listrado com tiras de chumbo
e elas não abrem. Mesmo que o fizessem, são três andares
muito altos até o chão.

As janelas são colocadas em paredes de pedra com mais


de trinta centímetros de espessura. É como estar trancada na
torre de um castelo.

Tenho meu próprio banheiro, pelo menos, para poder


fazer xixi, tomar banho e escovar os dentes.

A primeira vez que entrei lá e vi uma escova de dentes, fio


dental, escova de cabelo e pente alinhados ao lado da pia, todos
novos e intocados, senti um arrepio de pavor. Meu sequestro
foi planejado com antecedência. Eu só posso imaginar que
outras tramas estão girando em torno da mente perturbada do
meu captor.

Ainda não sei o nome dele.

Fiquei tão horrorizada quando nos conhecemos que nem


lhe perguntei.

Em minha mente, tenho o chamado de Beast 15. Porque


isso é o que ele é para mim – um cão raivoso que perdeu seu
dono. Agora ele está tentando morder qualquer um que possa
alcançar.

Eu não como nada da comida nas bandejas.

15 Besta, Fera, Monstro.


No início, é porque meu estômago está revirando de
estresse e eu não tenho apetite.

No segundo dia, tornou-se uma forma de protesto.

Não tenho intenção de seguir o enredo psicopático do


Beast. Não serei seu bichinho de estimação trancado neste
quarto. Se ele acha que vai me manter aqui por semanas ou
meses, apenas para me matar no final, prefiro morrer de fome
agora só para arruinar seus planos.

Ainda bebo água da pia do banheiro – não tenho coragem


suficiente para enfrentar a tortura da desidratação. Mas estou
bastante confiante de que posso ficar muito tempo sem comer.
A restrição calórica e o balé andam de mãos dadas. Eu sei o
que é sentir fome e estou acostumada a ignorar isso.

Isso me cansa. Mas tudo bem. Não tenho nada para fazer
neste maldito quarto de qualquer maneira. Não existem livros.
Nenhum papel na escrivaninha. A única maneira de passar
meu tempo é olhando pela janela.

Não tenho barra, mas ainda posso praticar pliés16,


tendus17, dégagés18, rond de jambe a terre19, frappés20,

16 Passo de ballet, um movimento de dobra dos dois joelhos.


17 Similar ao plié, porém o dançarino dobra apenas um dos joelhos.
18 Movimento em que o bailarino fica sobre uma perna, enquanto estica a outra, afastada, para frente,
para o lado ou para trás.
19Passo em que o bailarino se posiciona sobre uma perna, enquanto faz meio círculos com a ponta
do outro pé no chão.
20 Obailarino repousa o pé no tornozelo de apoio, antes de esticar a perna para o lado e retornar para
repousar na parte de trás do tornozelo.
adages21 e até mesmo grand battement22. Não me atrevo a
praticar saltos sérios ou exercícios cruzados, por causa dos
tapetes antigos no chão. Não quero tropeçar e torcer o
tornozelo.

O resto do tempo eu sento no assento da janela, olhando


para o jardim murado. Vejo fontes e estátuas lá embaixo.
Gazebos e bonitos bancos corridos. Está tudo coberto de
vegetação – aparentemente Beast não paga por um jardineiro.
Mas as ásteres estão florescendo, e as bocas-de-leão e a sálvia
da Rússia. As flores roxas são brilhantes contra as folhas
vermelhas. Quanto mais tempo fico presa lá dentro, mais
desesperada fico para me sentar lá, sentindo o cheiro das flores
e da grama, em vez de ficar trancada neste quarto escuro e
empoeirado.

No quarto dia, a empregada tenta me encorajar a comer.


Ela aponta para a bandeja de sopa de tomate e sanduíches de
bacon, dizendo algo em polonês.

Balanço minha cabeça.

— Não, obrigada, — eu digo. — Não estou com fome.

Quero lhe pedir alguns livros, mas a parte teimosa de


mim se recusa a pedir qualquer coisa aos meus captores. Em
vez disso, tento lembrar as melhores partes de todos os meus
romances favoritos, especialmente aqueles que amava quando
era mais nova. O jardim murado me lembra aquele de The

21 Combinação de passos feito para músicas lentas.


22 Movimento em que uma perna é elevada o mais alto possível, mantendo o resto do corpo alinhado.
Secret Garden. Eu penso em Mary Lennox. Ela era apenas uma
criança e já tinha uma vontade de ferro. Ela não desabaria por
causa de uma tigela de sopa, não importa o quão boa
cheirasse. Ela a jogaria contra a parede.

No quinto dia, a empregada não me traz café da manhã


ou almoço. Em vez disso, ela chega à tarde carregando um
vestido de seda verde em uma sacola de roupas. Ela começa a
encher a enorme banheira com pés em forma de garra com
água quente, gesticulando para que eu tire a roupa.

— Absolutamente não, — eu digo, cruzando os braços


sobre o peito.

Tenho colocado minhas mesmas roupas sujas após cada


banho, recusando-me a usar qualquer coisa fora do guarda-
roupa.

A empregada suspira e sai do quarto, voltando alguns


minutos depois com um homem corpulento de cabelos negros
ao seu lado.

Eu o reconheço. Ele é o idiota que fingiu que ia consertar


meu carro e, em vez disso, espetou-me no braço. O
pensamento dele colocando aquelas mãos grandes, carnudas
e cabeludas em mim enquanto eu estava inconsciente faz
minha pele arrepiar.

Não gosto do sorriso dele quando me vê de novo. Seus


dentes são muito quadrados e brancos. Ele parece um boneco
de ventríloquo.
— Tire a roupa, — ele ordena.

— Por quê? — Eu digo.

— Porque o chefe mandou, — ele resmunga.

Quando alguém me diz para fazer algo, sinto o impulso


de obedecer. É o que estou acostumada a fazer, em casa e no
estúdio de dança. Eu sigo ordens.

Mas não aqui. Não com essas pessoas.

Envolvo meus braços com força em volta do meu corpo e


balanço minha cabeça.

— Ao contrário de você, não respondo ao seu chefe, — eu


digo.

A empregada me lança um olhar de advertência. Eu posso


dizer, pela distância que ela mantém entre ela e o homem de
cabelo preto, que ela não gosta desse cara. Ela está tentando
me dizer para não mexer com ele, que o verniz de civilidade não
é muito profundo.

Eu poderia ter adivinhado por mim mesma. Por mais que


eu não gostasse do Beast, ele, pelo menos, parecia inteligente.
Esse cara parece um idiota por completo, com sua testa de
homem das cavernas e sua carranca mal-humorada. Pessoas
estúpidas não são criativas. Eles sempre recorrem à violência.

— É o seguinte, — diz o capanga, franzindo a testa para


mim. — Klara aqui deve ajudá-la a tomar banho e se vestir. Se
você não permitir que ela faça isso, então caberá a mim despi-
la e ensaboá-la com minhas próprias mãos. E não vou ser tão
gentil quanto Klara. Portanto, é do seu interesse cooperar.

A ideia desse brutamontes crescido me atacando com


uma barra de sabão é mais do que eu posso suportar.

— Bem! — Eu estalo. — Eu vou tomar um banho. Mas só


se você sair.

— Você não estabelece os termos, — o brutamontes ri,


balançando a cabeça enorme para mim. — Eu devo
supervisionar.

Deus, quero vomitar, apenas pela expressão presunçosa


em seu rosto. Ele não vai me ver entrar naquela banheira, pelo
menos não voluntariamente. O que Mary Lennox faria?

— Se você tentar me fazer colocar esse vestido, vou rasgá-


lo em pedaços, — digo a ele calmamente.

— Temos muitos vestidos, — diz o brutamontes, como se


não se importasse.

Eu vejo uma centelha de aborrecimento em seu rosto, no


entanto. Suas instruções foram para me fazer usar aquele
vestido, não qualquer vestido.

— Vá embora e Klara pode me ajudar a me preparar, —


insisto.

O sorriso presunçoso desaparece de seu rosto. Em vez de


um brutamontes, ele parece uma criança mal-humorada.
— Tudo bem, — diz ele em breve. — Mas é melhor você se
apressar.

Com essa tentativa de salvar sua dignidade, ele volta para


o corredor.

Klara parece aliviada porque o confronto terminou tão


facilmente. Ela aponta para a banheira, que agora está cheia
quase até a borda com água fervente. Ela a perfumou com
algum tipo de óleo – amêndoa ou coco.

Pelo menos eu sei o nome dela agora.

— Klara? — Eu digo.

Ela concorda.

— Nessa, — toco meu próprio peito.

Ela acena com a cabeça novamente. Ela já sabia disso.

— Qual o nome dele? — Aponto para a porta onde o


brutamontes simplesmente desapareceu.

Ela hesita por um momento e depois diz: — Jonas.

— Jonas é um idiota. — Eu murmuro.

Klara não responde, mas acho que vejo o mais ínfimo dos
sorrisos puxando seus lábios. Se ela me entende, então
definitivamente concorda.

— E quanto ao seu chefe? — Eu pergunto a ela. — Qual


o nome dele?
Uma pausa ainda mais longa, na qual acho que ela não
vai responder. Então, por fim, Klara sussurra: — Mikolaj.

Ela diz isso como o nome do diabo. Como se ela quisesse


fazer o sinal da cruz depois.

É óbvio que ela tem muito mais medo dele do que de


Jonas.

Ela aponta para a banheira novamente e diz: — Wejdź


proszę. — Não sei uma única palavra em polonês, mas
presumo que signifique “Entre, por favor” ou “Rápido, por
favor”.

— Tudo bem, — eu digo.

Tiro o moletom e a calça jeans, que estão ficando meio


nojentos, e, em seguida, abro o sutiã e tiro a calcinha também.

Klara olha meu corpo nu. Como a maioria dos europeus,


ela não se envergonha de nudez.

— Piękna figura, — diz ela.

Estou assumindo que figura significa figura. Com sorte,


Piękna significa bonita e não desengonçada ou horrível.

Sempre gostei de idiomas. Meus pais me ensinaram


Gaeilge quando criança, e eu aprendi francês e latim na escola.
Infelizmente, o polonês é uma língua eslava, por isso não
compartilha muitas palavras. Estou curiosa para saber se
Klara fala comigo, para ver se consigo entender a essência
disso.
Eu sei que ela não deveria falar comigo. Mas ela deveria
me vestir. Quanto mais a incomodo, mais ela cede para que eu
coopere com o banho e a lavagem dos cabelos. Logo aprendi as
palavras para sabonete (mydło), shampoo (szampon), toalha
(myjka), banheira (quero), vestido (suknia) e janela (okno).

Apesar de tudo, Klara parece impressionada por eu


conseguir me lembrar de tudo. Torna-se um jogo do qual ela
está gostando quase tanto quanto eu. Ela está sorrindo no
final, mostrando uma fileira de lindos dentes brancos, e até
rindo da minha pronúncia ruim quando tento repetir as
palavras para ela.

Duvido que ela consiga uma interação agradável com


Jonas e os outros. As únicas pessoas que vi neste lugar são
homens corpulentos, carrancudos e tatuados. E, claro, Beast,
que aparentemente se chama Mikolaj, embora eu ache difícil
imaginá-lo tendo uma mãe e um pai reais que lhe dariam um
nome humano de verdade.

Ele afirma que The Butcher é seu pai.

Suponho que seja possível. Afinal, meu pai é um


gangster. Mas não confio em nada do que Mikolaj diz. Mentir é
mais fácil do que respirar para homens como ele.

Klara insiste em não apenas me lavar, mas em raspar


cada centímetro de mim abaixo das sobrancelhas. Penso em
brigar por isso, mas concordo, até porque ela finalmente está
falando comigo e não quero que isso pare. Eu a faço me dizer
as palavras para navalha e creme de barbear, e também toalha
enquanto ela me seca.

Depois de enrolar a toalha firmemente em meu corpo, ela


me senta em uma cadeira e começa a escovar meu cabelo.

Meu cabelo ficou muito comprido ultimamente. Como eu


o uso em um coque ou rabo de cavalo todos os dias, eu
realmente não tinha notado. É quase nas minhas costas,
grossas e onduladas e demorando muito para secar enquanto
Klara trabalha incansavelmente com o secador e a escova.

Ela é boa nisso, como parece ser em tudo.

— Você costumava trabalhar em um salão de beleza? —


Eu lhe pergunto.

Ela ergue uma sobrancelha para mim, sem entender a


pergunta.

— Cabeleireiro? Spa? — Eu digo, apontando entre ela e o


secador de cabelo.

Depois de um momento, seu lindo rosto se ilumina em


compreensão, mas ela balança a cabeça.

— Nie, — ela diz. Não.

Quando ela termina o cabelo, Klara faz minha maquiagem


e depois me ajuda a colocar o vestido verde e um par de
sandálias de tiras douradas. O material do vestido é tão fino e
leve que ainda me sinto nua depois que ela fecha o zíper. E, de
fato, estou nua por baixo, o material aderente não permitindo
nem um fio dental.

Klara coloca brincos de ouro em minhas orelhas e dá um


passo para trás para admirar o efeito.

Só então eu paro para me perguntar para que,


exatamente, estou me vestindo. Estava tão envolvida no
processo bizarro que esqueci de me perguntar sobre o
propósito de tudo isso.

— Para onde estou indo? — Eu pergunto a ela.

Klara balança a cabeça, sem entender ou sem poder falar.

Finalmente, estou pronta para sair do meu quarto, pela


primeira vez em quase uma semana.

Não posso evitar minha excitação. É assim que minha


sensação de liberdade se tornou pateticamente restrita. Sair
para o resto da casa é como viajar para a China.

Odeio ser escoltada por Jonas, aborrecido com o fato de


que ele não conseguiu me ver tomar banho. Ele tenta agarrar
meu braço e eu o afasto, estalando: — Eu posso andar muito
bem sozinha!

Ele rosna para mim e eu recuo, como um gatinho que dá


um golpe em um cachorro grande e imediatamente se
arrepende.
Ainda assim, funcionou. Ele me deixa andar pelo corredor
sozinha, perseguindo tão rápido que mal consigo acompanhar
com as sandálias finas.

Por que diabos eles me vestiram assim? Para onde vou?

Só espero que eles não tenham se dado ao trabalho de


fazer de mim um lindo cadáver.

É noite novamente. A casa é iluminada por luzes elétricas,


mas são todas tão fracas e amareladas que poderiam muito
bem ser velas.

Ainda consigo ver o interior da mansão em plena luz do


dia. Pode não ser muito mais brilhante do que agora. As janelas
estreitas e grossas paredes de pedra não permitem a entrada
de muita luz solar, principalmente quando a casa parece estar
situada no meio de uma pequena floresta.

Nem sei se ainda estamos na cidade. Deus, poderíamos


estar em um país totalmente diferente, pelo que sei. Eu não
penso assim, entretanto. A Máfia Irlandesa, a Máfia Italiana, o
Braterstwo Polonês, a Bratva Russa – todos estão lutando pelo
controle de Chicago, como fazem há gerações. Espalhada em
uma centena de outras gangues e grupos, cultivadas
localmente e estrangeiras, com fortunas aumentando e
diminuindo, e o equilíbrio do poder dobrando e mudando...

Ninguém sai. Ninguém desiste da luta.


Beast quer sua vingança e quer a cidade também. Ele não
me levaria muito longe. Porque então ele próprio estaria muito
longe de Chicago.

Aposto que ainda estamos a uma hora da cidade. Talvez


dentro da própria Chicago. Há muitas mansões antigas – eu
poderia estar em qualquer uma delas.

E se eu ainda estiver em Chicago... então minha família


vai me encontrar. Estou certa disso. Eles nunca vão parar de
caçar. Eles vão me levar para casa.

Esse pensamento é como uma borboleta vibrando dentro


do meu peito.

Isso me anima enquanto Jonas silenciosamente me


conduz pelas portas duplas de uma grande sala de jantar.

Uma longa mesa preenche o espaço, o tipo que poderia


banquetear um rei e toda a sua corte. Ninguém se senta nas
dezenas de cadeiras de cada lado. Há apenas um homem
sentado à frente: Beast.

Todas as travessas de comida estão agrupadas nessa


extremidade. Frango assado recheado com limão, um filé de
linguado branco, legumes refogados, salada de beterraba,
montes fofos de purê de batata pingando manteiga derretida.
Pão integral crocante, em fatias finas, e uma terrina de sopa
cremosa de cogumelos. Taças de vinho tinto escuro.

Dois lugares foram colocados: um para ele e outro para


mim.
A comida não foi tocada. Mikolaj esperou por mim.

Ele está vestindo uma camisa de mangas compridas,


cinza carvão, com as mangas puxadas até os cotovelos para
mostrar seus antebraços tatuados. Suas tatuagens sobem pelo
pescoço, intrincadas e escuras, como um colarinho alto. A pele
macia de seu rosto e mãos parece fantasmagoricamente pálida
em contraste.

Sua expressão é de lobo – faminta e malévola. Seus olhos


são olhos de lobo, azuis e invernais.

Eles me puxam, contra minha vontade. Eu encontro seu


olhar, desvio o olhar, então tenho que olhar para trás
novamente. Somos as únicas duas pessoas na sala. Jonas nos
deixou.

— Sente-se, — diz Mikolaj bruscamente.

Ele indica o assento ao lado dele.

Eu preferiria estar muito mais longe na mesa.

É inútil argumentar, entretanto – com um estalar de


dedos, ele poderia chamar de volta seu guarda-costas. Jonas
me empurraria para baixo em qualquer cadeira que Beast
exigisse. Ele poderia me amarrar a isso. E não há nada que eu
possa fazer para impedi-lo.

Assim que afundo no assento almofadado, minhas


narinas se enchem com o cheiro quente e tentador da comida.
A saliva inunda minha boca. Eu quase superei a fome. Agora
me sinto fraca e tonta, desesperada para comer.

Mikolaj vê isso.

— Vá em frente, — ele diz.

Minha língua se lança para umedecer meus lábios.

— Não estou com fome, — minto fracamente.

Mikolaj faz um som irritado.

— Não seja ridícula, — ele rebate. — Eu sei que você não


come há dias.

Eu engulo em seco.

— E eu não vou, — eu digo. — Eu não quero sua comida.


Eu quero ir para casa.

Ele solta uma risada.

— Você não vai para casa, — ele diz. — Nunca.

Ai meu deus.

Não, eu não acredito nisso. Não posso acreditar.

Não vou ficar aqui e não vou comer sua comida.

Torço minhas mãos em um nó no meu colo.

— Então acho que vou morrer de fome, — digo


suavemente.
Beast espetou um pedaço de rosbife com um conjunto de
pinças pontiagudas. Ele o coloca no prato, pega a faca e o garfo
e corta um pedaço. Então ele o coloca na boca, olhando para
mim enquanto mastiga e engole lentamente.

— Você acha que eu me importo se você morrer de fome?


— Ele pergunta em tom de conversa. — Eu quero que você
sofra, pequena bailarina. Nos meus termos, não nos seus. Se
você continuar a recusar suas refeições, vou amarrá-la à cama
e enfiar um tubo de alimentação em sua garganta. Você não
vai morrer até que eu permita. No momento perfeito,
orquestrado por mim.

Eu realmente estou fraca. Meu plano parece mais tolo a


cada minuto. O que me beneficia, estar amarrada à cama? De
que adianta morrer de fome? Só está me deixando mais fraca.
Mesmo se eu tivesse a oportunidade de escapar, estaria muito
esgotada para tirar vantagem disso.

Torço minhas mãos, cada vez mais apertadas.

Não quero ceder a ele. Mas não sei o que mais posso fazer.
Ele me colocou em uma armadilha. Cada movimento que faço
apenas aperta o laço.

— Tudo bem, — eu digo, finalmente. — Eu irei comer.

— Bom. — Ele concorda. — Comece com um pouco de


caldo para não vomitar tudo de novo.

— Com uma condição, — eu digo.


Ele zomba. — Você não estabelece condições.

— Não é nada pesado.

Mikolaj espera para ouvir, talvez por simples curiosidade.

— Estou entediada no meu quarto. Eu gostaria de ir para


a biblioteca e descer para o jardim. Você tem essa coisa no meu
tornozelo. E câmeras e guardas. Não vou tentar fugir.

Eu realmente não espero que ele concorde. Afinal, por que


deveria? Ele me disse que quer que eu sofra. Por que ele deveria
me permitir qualquer entretenimento?

Para minha surpresa, ele considera a proposta.

— Você vai comer, tomar banho e colocar roupas limpas


todos os dias, — diz ele.

— Sim. — Eu aceno minha cabeça, muito ansiosa.

— Então você pode dar a volta na casa e no jardim. Em


todos os lugares, menos na ala oeste.

Não pergunto a ele o que há na ala oeste. É provavelmente


onde seus próprios quartos estão localizados. Ou onde ele
mantém as cabeças decepadas de suas vítimas, montadas na
parede como troféus de caça. Eu não colocaria nada além dele.

Mikolaj coloca o caldo de carne na minha tigela,


descuidadamente para que um pouco respingue no prato.

— Pronto, — ele diz. — Coma.


Coloco na boca. É, sem dúvida, a coisa mais gostosa que
já provei. Rico, amanteigado, quente, habilmente temperado.
Quero levantar a tigela e beber tudo.

— Devagar, — ele me avisa. — Você vai passar mal.

Depois de comer metade da sopa, tomo um gole do vinho.


Isso também é delicioso, ácido e perfumado. Eu só tomo um
gole, porque quase nunca bebo, e definitivamente não quero
perder o juízo perto de Beast. Não sou estúpida o suficiente
para pensar que ele me trouxe aqui apenas para me alimentar.

Ele fica em silêncio até que ambos terminemos de comer.


Quase tudo na mesa ainda está intocado. Só aguentei a sopa
e um pouco de pão. Ele comeu a carne com uma pequena
porção de vegetais. Não admira que ele seja tão magro. Talvez
ele não goste de comida humana. Talvez ele prefira beber
sangue quente.

Quando ele termina, empurra o prato para o lado e apoia


o queixo na palma da mão, fixando-me com seu olhar gelado.

— O que você sabe sobre os negócios da sua família? —


Ele me pergunta.

Eu estava me sentindo aquecida e feliz com o influxo de


comida, mas imediatamente me fecho novamente, como um
marisco atingido por um jato de água fria.

— Nada, — digo a ele, pousando minha colher. — Eu não


sei de nada. Mesmo se eu soubesse, eu não diria a você.
— Por que não? — Ele diz. Seus olhos brilham com
diversão. Ele acha isso engraçado, por algum motivo
incompreensível.

— Porque você tentaria usar isso para machucá-los, — eu


digo.

Ele franze os lábios em falsa preocupação.

— Não te incomoda que eles não incluam você? — Ele me


pergunta.

Eu pressiono meus lábios, não querendo dignificar isso


com uma resposta. Mas me pego deixando escapar: — Você
não sabe nada sobre nós.

— Eu sei que seu irmão herdará a posição de seu pai. Sua


irmã fará o possível para manter todos fora da prisão. Mas e
você, Nessa? Onde você se encaixa nisso tudo? Suponho que
eles tinham um casamento arranjado para você, como fizeram
para seu irmão. Talvez para um dos Gallo... eles têm três filhos,
não é? Você e Aida poderiam ser irmãs duas vezes.

Suas palavras esfriam minha pele mais do que seu olhar.


Como ele sabe tanto sobre nós?

— Eu não... eu não estou... não existe nenhum pacto de


casamento, — eu digo, olhando para meus dedos. Eles estão
tão torcidos que ficaram pálidos e sem sangue, como uma pilha
de vermes no meu colo.
Eu não deveria ter dito isso. Ele não precisa de mais
informações do que já tem.

Mikolaj ri.

— Isso é muito ruim, — diz ele. — Você é muito bonita.

Posso sentir minhas bochechas em chamas, e odeio isso.


Odeio ser tímida e facilmente envergonhada. Se Aida ou Riona
estivessem aqui, elas jogariam este vinho bem na cara dele.
Elas não se sentiriam assustadas e confusas, lutando apenas
para não chorar.

Mordo meu lábio com tanta força que sinto o gosto de


sangue na boca, misturado aos restos de vinho.

Olho para o rosto dele, que é diferente de qualquer rosto


que eu já vi antes – lindo, frágil, assustador, cruel. Seus lábios
finos parecem ter sido desenhados com tinta. Seus olhos
queimam através de mim.

É tão difícil encontrar minha voz.

— E você? — Eu engulo em seco. — Mikolaj, não é?


Suponho que você veio da Polônia em busca do sonho
americano. Nenhuma esposa para levar à sua velha mansão
sombria, no entanto. As mulheres não gostam de dormir com
cobras.

Eu pretendia ofendê-lo, mas ele apenas me deu um


sorriso frio.
— Não se preocupe, — ele diz suavemente. — Nunca me
faltou companhia feminina.

Faço uma careta. Não posso negar que ele é bonito, de


uma forma dura e assustadora. Mas não posso imaginar
querer ficar a três metros de alguém tão cruel.

Infelizmente, estou bem dentro desse raio e em breve


estarei mais perto.

Porque agora que comemos, Mikolaj espera mais


entretenimento.

Ele me leva para fora da sala de jantar, para o espaço


adjacente. É um verdadeiro salão de baile, com piso de
parquete polido e um vasto lustre pendurado no centro do teto.
O telhado é pintado de azul marinho profundo, com pontos
salpicados de ouro como estrelas. As paredes são douradas e
as cortinas de veludo azul escuro.

É o único cômodo que vi até agora que realmente


chamaria de bonito – o resto da casa é muito gótico e
deprimente. Ainda assim, não consigo curtir, porque a música
está tocando, e Mikolaj aparentemente espera que eu dance.

Antes que eu possa fugir, ele agarra minha mão direita


na sua, pegando-me pela cintura com a esquerda. Ele me puxa
contra seu corpo com braços mais fortes do que aço. Ele é
realmente rápido. E um dançarino irritantemente bom.

Ele me gira em torno do salão de baile vazio, seus passos


longos e suaves.
Não quero olhar para ele. Eu não quero falar com ele. Mas
não consigo parar de perguntar: — Como você sabe dançar?

— É uma valsa, — diz ele. — Não mudou muito em


duzentos anos.

— Você estava por perto quando inventaram isso? — Digo


rudemente.

Mikolaj apenas sorri e me força a girar, puxando-me para


trás.

Eu reconheço a música tocando: é “Satin Birds” de Abel


Korzeniowski. Melancólica e assustadora, mas na verdade uma
bela canção. Uma das minhas favoritas, antes deste momento.

Não gosto de pensar que um animal como este tenha bom


gosto musical.

Odeio a facilidade com que nossos corpos se movem em


conjunto. Dançar é uma segunda natureza para mim. Não
posso deixar de seguir seu exemplo, rápido e suave. Nem posso
evitar a onda de prazer que borbulha dentro de mim. É
maravilhoso ter tanto espaço para se mover após cinco dias de
cativeiro indefeso.

Eu me pego esquecendo de quem é a mão que desliza


pelas minhas costas nuas, cujos dedos estão entrelaçados nos
meus. Esqueço que estou presa nos braços do meu pior
inimigo, que posso sentir o calor irradiando de seu corpo para
o meu.
Em vez disso, fecho meus olhos e estou voando pelo chão,
girando no eixo de sua mão, mergulhando sobre a barra de aço
de sua coxa. Quero tanto dançar que não me importo onde
estou ou com quem estou. Esta é a única maneira de escapar
agora – me perder neste momento, de forma imprudente e
irrevogável.

O teto estrelado gira sobre minha cabeça. Meu coração


bate cada vez mais rápido, tendo perdido a resistência após
uma semana de letargia. O vestido de seda verde flui ao redor
do meu corpo, mal tocando minha pele.

É só quando seus dedos passam pela minha garganta,


descendo pela carne nua entre meus seios, que meus olhos se
abrem e eu me levanto, parando no local.

Estou ofegante e suando. Sua coxa está pressionada


entre as minhas. Estou dolorosamente ciente de como este
vestido realmente é fino, sem nenhum tipo de barreira entre
nós.

Eu me arranco de seus braços, tropeçando na bainha do


vestido. O fino rasgar da seda com um som como um tiro.

— Solte-me! — Eu estalo.

— Achei que você gostasse de dançar, — diz Mikolaj


zombeteiro. — Você parecia estar se divertindo.

— Não me toque! — Digo novamente, tentando soar tão


furiosa quanto me sinto. Minha voz é naturalmente suave.
Sempre sai muito gentil, mesmo quando estou com raiva. Isso
me faz parecer como uma criança petulante.

É assim que Mikolaj me trata, revirando os olhos com a


minha mudança repentina de humor. Ele estava brincando
comigo. Assim que eu paro de jogar junto, ele não tem mais
propósito para mim.

— Tudo bem, — diz ele. — Nossa noite está no fim. Volte


para o seu quarto.

Deus, ele é tão irritante!

Não quero ficar aqui com ele, mas não quero ser mandada
para a cama. Não quero ficar trancada lá de novo, entediada e
sozinha. Por mais que eu despreze Beast, esta é a conversa
mais longa que tive em toda a semana.

— Espere! — Eu digo. — E a minha família?

— O que tem eles? — Ele diz em um tom entediado.

— Eles estão preocupados comigo?

Ele sorri sem um pingo de felicidade. É um sorriso de


pura malícia.

— Eles estão perdendo a porra da cabeça, — diz ele.

Eu imagino.

Eles teriam notado na primeira noite em que não voltei


para casa. Tenho certeza de que tentaram ligar para meu
telefone centenas de vezes. Eles teriam chamado meus amigos
também. Mandado seus homens visitarem Loyola e Lake City
Ballet, tentando rastrear meus passos. Eles provavelmente
caçaram nas ruas pelo meu jipe. Será que o encontraram ao
lado da estrada?

Eles chamaram a polícia também? Nunca chamamos a


polícia se pudermos evitar. Somos cordiais com o comissário
nas festas, mas não envolvemos policiais em nossos negócios,
não mais do que o próprio Mikolaj faria.

Esta é a única vez que o vejo sorrir – pensando em como


minha família deve estar apavorada e ansiosa. Isso me faz
querer correr e arrancar seus olhos de gelo da cabeça.

Não acredito que o deixei dançar comigo. Sinto minha


pele queimando de nojo, cada lugar que ele me tocou.

Ainda assim, não consigo deixar de implorar.

— Você poderia, pelo menos, dizer a eles que estou


segura? — Pergunto-lhe. — Por favor.

Estou implorando com meus olhos, meu rosto, até


mesmo minhas mãos cruzadas na minha frente.

Se ele tiver alguma alma, alguma, ele verá a dor em meu


rosto.

Mas ele não tem nada dentro dele.

Ele apenas ri, balançando a cabeça.


— Sem chance, — ele diz. — Isso estragaria toda a
diversão.
11

Por cinco dias eu vejo os Griffin destruindo a cidade,


procurando por Nessa. Meus homens me relatam como os
Griffin ameaçam, subornam e procuram, sem encontrar um
vestígio de evidência.

Apenas cinco pessoas sabem onde Nessa está escondida:


Jonas, Andrei, Marcel, Klara e eu. Das minhas dezenas de
soldados, apenas os mais confiáveis têm alguma ideia do que
eu faço. Avisei a cada um deles que se sussurrarem uma
palavra sobre isso, mesmo que insinuem para um único amigo
ou amante, colocarei uma bala na nuca.

Fico emocionado ao ver que os Gallo estão igualmente


ansiosos para encontrar Nessa. Dante, Nero e Sebastian Gallo
estão todos caçando por ela, e Aida Gallo acima de todos. É
quase comovente como duas famílias que eram inimigas
mortais apenas alguns meses atrás estão agora unidas em seu
desespero para encontrar a mais jovem de seu número.

Ou seria comovente, se a aliança deles não fosse


exatamente a coisa que estou determinado a quebrar.
Eu absorvo tudo. Adoro que eles não tenham ideia se ela
está viva ou morta, ou onde ela pode ter desaparecido. Não
saber é a tortura. A morte pode ser aceita. Mas isso... vai roê-
los. Conduzi-los ao caos.

Enquanto isso, Nessa Griffin enlouquece de tédio. Eu a


observo através das câmeras em seu quarto. Eu a vejo
andando de um lado para o outro em sua gaiola como um
animal em um zoológico.

A fome é um problema. Ela já era magra para começar –


ela não tem reservas de gordura para suportar semanas de
fome. Não posso permitir que ela estrague meus planos com
seus protestos petulantes.

Então, ordeno a Klara que prepare Nessa para o jantar.


Tenho a intenção de tentá-la com comida e, se isso falhar,
forçá-la a enfiar garganta abaixo.

Eu queria vê-la pessoalmente de novo de qualquer


maneira. Como uma figura na tela do meu telefone, ela me
diverte, mas isso não se compara ao buquê requintado de medo
e fúria que ela pode fornecer pessoalmente.

Quando Jonas a arrasta para a sala de jantar formal, vejo


que Klara fez seu trabalho um pouco bem demais. Eu só vi
Nessa em trajes de dança ou roupas de escola, cabelo puxado
para trás e rosto recém-lavado. Quando vestida para
impressionar, Nessa Griffin é linda pra caralho.
Alguns dias sem comida a deixaram mais esguia do que
nunca. O vestido de seda verde adere ao seu corpo, mostrando
cada respiração, até a súbita entrada de ar quando ela me vê
esperando por ela.

Seu cabelo castanho claro desce até os ombros em ondas,


mais comprido e mais grosso do que eu esperava. Ele reflete a
luz assim como o vestido de seda, assim como sua pele
brilhante e seus grandes olhos verdes. Cada pedaço dela é
luminescente.

Mas incrivelmente frágil. A magreza de seu pescoço,


braços e dedos, é assustadora. Eu poderia quebrar aqueles
ossos de pássaro sem nem mesmo tentar. Posso ver suas
clavículas e omoplatas quando ela se vira. A única parte dela
com curvas são aqueles lábios grandes, macios e trêmulos.

Fico feliz em ver que, embora Klara tenha pintado o rosto


de Nessa, ela deixou aqueles lábios nus. Rosa pálido como uma
sapatilha de balé. Uma cor crua e inocente. Eu me pergunto se
seus mamilos são do mesmo tom, por baixo daquele vestido.

Ainda posso ver as sardas castanho-claras espalhadas


por suas bochechas e na ponte de seu nariz. Elas são doces e
infantis, em contraste com as sobrancelhas
surpreendentemente escuras que animam seu rosto como
sinais de pontuação. Suas sobrancelhas se erguem como as
asas de um pássaro quando ela é surpreendida, e se contraem
lamentavelmente quando ela está angustiada.
Mesmo vestida assim, no seu estado mais maduro e
glamoroso, Nessa parece incrivelmente jovem. Ela é fresca e
jovem, em contraste com esta casa onde tudo é velho e
empoeirado.

Não acho sua inocência atraente. Na verdade, acho isso


irritante.

Como ela ousava caminhar pela vida como uma escultura


de vidro, implorando para ser quebrada? Ela é um fardo para
todos ao seu redor – impossível de proteger, impossível de
manter intacta.

Quanto mais cedo eu começar o processo de desmantelá-


la, melhor para todos.

Então eu a faço sentar. Eu a faço comer.

Ela tenta fazer sua barganha ridícula comigo, e eu


permito. Eu não me importo se ela vagar pela casa. Ela
realmente não pode escapar, não com o monitor em torno de
seu tornozelo. Ele a rastreia o tempo todo, onde quer que ela
vá. Se ela tentar quebrá-lo, se parar de ler seu pulso através
de sua pele por um instante, serei alertado.

Estou curioso para ver para onde ela irá, o que fará.
Fiquei entediado de vê-la dentro de seu quarto.

Estimulá-la com essa pequena vitória só fará com que ela


caia ainda mais. E se ela realmente começar a confiar um
pouco em mim, se ela achar que pode argumentar comigo...
bem melhor.
A crueldade constante não é como você penetra na cabeça
de alguém. É a mistura de bom e mau, dar e receber, que fode
com eles. A imprevisibilidade os torna desesperados para
agradar.

Então, depois de comermos, levo Nessa para o salão de


baile. Já a observei dançar várias vezes – no Jungle, no Lake
City Ballet e presa em seu quarto, no espaço ao lado da cama
de dossel.

Dançar a transforma. A garota que fica vermelha e não


consegue me olhar não é a mesma que se deixa levar pela
influência da música.

É como assistir a uma possessão. Assim que a pego em


meus braços, seu corpo rígido e frágil se torna tão solto e
líquido quanto o material de seu vestido. A música surge
através dela, até que ela está vibrando com muita energia para
um pequeno quadro. Ela está vibrando sob minhas mãos. Seus
olhos vidram e ela parece não me notar mais, a não ser como
um aparelho para movê-la pela sala.

Quase fico com ciúmes. Ela desapareceu em algum lugar


onde não posso alcançá-la. Ela está sentindo algo que não
consigo sentir.

Eu a giro cada vez mais rápido. Eu sou bom em dançar


do jeito que sou bom em tudo – rápido e coordenado. É como
eu trabalho e como luto. Como eu fodo, até.
Mas não tenho prazer nisso como Nessa. Seus olhos se
fecham e seus lábios se abrem. Seu rosto exibe uma expressão
geralmente reservada para o clímax sexual. Seu corpo
pressiona contra o meu, quente e úmido de suor. Posso sentir
seu batimento cardíaco através da seda fina; sinto seus
mamilos endurecerem contra meu peito.

Eu a mergulho para trás, expondo a delicada coluna de


sua garganta. Não sei se quero beijá-la ou mordê-la – ou
envolver minhas mãos em seu pescoço e apertar. Quero fazer
algo para puxá-la de volta de onde ela foi. Quero forçar sua
atenção de volta para mim.

É estranho. Geralmente fico irritado com a atenção das


mulheres. Odeio sua carência, suas mãos agarradas. Eu as
uso para liberação, mas deixo bem claro que não haverá
conversa, sem afeto e, definitivamente, sem amor.

Não beijo uma mulher há anos.

No entanto, aqui estou eu, olhando para os olhos


fechados de Nessa e seus lábios entreabertos, pensando como
facilmente eu poderia esmagar aquela boca delicada sob a
minha e forçar minha língua entre aqueles lábios, saboreando
sua doçura como o néctar de uma flor.

Em vez disso, toco a coluna de marfim de sua garganta.


Corro meus dedos pelo seu esterno, sentindo a pele tão macia
que poderia ter nascido ontem.
Seus olhos se abrem e ela se afasta de mim, uma
expressão de horror em seu rosto.

Agora ela está olhando para mim. Agora ela está me vendo
– com repulsa completa.

— Não me toque! — Ela chora.

Sinto uma pontada de satisfação ao vê-la ser puxada de


volta para baixo tão abruptamente. Ela acha que pode flutuar
até o céu sempre que quiser? Bem, vou arrastá-la até o inferno
comigo.

— Volte para o seu quarto, — digo a ela, tendo o prazer


de dispensá-la à minha vontade. Ela é minha prisioneira, e é
melhor ela não se esquecer disso. Posso dar a ela o controle da
casa, mas isso não muda nossa dinâmica. Ela come quando
eu digo. Ela usa o que eu digo. Ela vem quando eu digo. E ela
vai quando eu digo.

Ela está muito feliz em partir. Ela foge, a bainha do


vestido de seda verde fluindo atrás dela como uma capa.

Depois que ela se for, espero voltar ao meu estado usual


de apatia. Nessa é apenas um ponto no meu radar – um choque
momentâneo que desaparece novamente com a mesma
rapidez.

Mas não esta noite. Seu cheiro permanece em minhas


narinas – amêndoa doce e vinho tinto. Meus dedos ainda
podem sentir a suavidade de sua pele.
Mesmo depois de me servir de uma bebida e engoli-la,
ainda me sinto agitado e excitado. Meu pau está
desconfortavelmente rígido contra a minha perna, lembrando
a sensação da coxa fina de Nessa pressionada contra ele, com
apenas minhas calças e uma pequena quantidade de seda
entre nós.

Saio de casa e dirijo até o Jungle, ziguezagueando pelo


tráfego noturno. Dirijo um Tesla porque é o carro rico e furtivo
perfeito. Parece apenas mais um sedan preto e não atrai a
atenção dos policiais, apesar de me custar US$ 168.000
totalmente carregado. A aceleração é como uma queda de uma
montanha-russa. Meu estômago embrulha quando viro a
esquina, totalmente silencioso.

Estaciono atrás do clube e entro pela porta dos fundos,


acenando para o segurança quando passo.

Vou direto para o bar principal, passando pela multidão


de clientes bêbados. Petra é assaltada com pedidos de bebidas.
Ela os abandona quando empurro minha cabeça em direção
ao meu escritório, dizendo a ela para me seguir.

Ela está usando um top estilo biquíni que mal cobre os


seios e shorts cortados que expõem a metade inferior de sua
bunda. Ela tem aquele piercing no septo que detesto, assim
como os das orelhas, sobrancelha e umbigo. Não dou a mínima
para nada disso. Ela poderia estar usando um terno de gorila
e eu não me importaria, contanto que fornecesse acesso à parte
dela que eu preciso.
— Eu não pensei que você viria hoje à noite, — ela
ronrona, seguindo-me até o escritório.

— Eu não ia, — digo em breve.

Fecho a porta atrás de nós e puxo para baixo a frente de


sua blusa, fazendo seus seios derramarem. Normalmente eu
gosto de vê-los pular enquanto eu a fodo, mas esta noite a visão
de toda aquela carne simplesmente parece... excessivo.

Eu a viro e a curvo sobre a mesa. A parte traseira não é


melhor. Sua bunda grande e redonda está me desligando de
uma maneira que não fazia antes, o mesmo com o cheiro de
caça de seu suor e seu perfume forte, que não encobre o fato
de que ela está fumando. Nada disso me incomodou. Agora, de
repente, isso acontece.

Meu pau não acompanhou meu cérebro, no entanto.


Ainda está furioso com as imagens anteriores, saltando da
minha calça e golpeando entre as nádegas de Petra.

— Você está no ponto, — ela comenta em um tom


satisfeito.

Às vezes, leva um tempo para ela me deixar “no ponto”.


Às vezes não estou pronto, mesmo depois de trinta minutos
dela chupando meu pau, e a mando embora sem terminar.

Esta noite, eu tenho agressão reprimida o suficiente para


foder toda a programação das líderes de torcida do Dallas
Cowboys. Sem qualquer preliminar, coloco uma camisinha e
enfio meu pau em Petra por trás, transando com ela na mesa.
Cada impulso faz a mesa bater no chão. Envia ondas pela
carne da bunda ampla de Petra.

Ela está gemendo e me incentivando, tão vocal quanto


uma estrela pornô. Tão criativa quanto uma também – seus
gritos de — Oh! Oh! É isso aí! Mais duro! — Parecem
roteirizado. Além disso, eles estão ficando mais altos a cada
minuto.

— Cale a boca, — eu rosno, segurando seus quadris e


tentando me concentrar.

Petra mergulha em um silêncio taciturno.

Fecho meus olhos, tentando recapturar aquela sensação


de excitação ansiosa que me trouxe aqui, aquela necessidade
desesperada de liberação.

Em vez disso, lembro-me da sensação da minha mão nas


costas nuas de Nessa, imprensada entre sua pele quente e seu
cabelo frio e sedoso. Lembro-me de como ela se movia
graciosamente pelo chão, como se seus pés nem estivessem
tocando o chão. Eu imagino o prazer em seu rosto, olhos
fechados e lábios entreabertos...

Eu explodo dentro de Petra, enchendo a camisinha com


uma carga excessiva de esperma. Agarro a base dele enquanto
me retiro, não querendo arriscar derramar uma única gota
dentro dela. Já vi a maneira como Petra esgota as pontas dos
homens – nem quero saber o preço que ela cobra por um
aborto.
Petra se levanta e puxa o short, com um sorriso
presunçoso no rosto. Isso é o mais rápido que ela já me fez
gozar, então ela está se sentindo muito orgulhosa de si mesma.

— Você deve ter sentido minha falta, — ela diz, batendo


os dedos de brincadeira no meu peito.

Saio de seu alcance, jogando a camisinha no lixo.

— Nem um pouco, — eu respondo.

Seu sorriso desaparece de seu rosto e ela faz uma careta


para mim, um peito ainda pendurado para fora de seu top.
Parece torto e desigual, e me deixa enjoado.

— Sabe, você deveria ser mais legal comigo, — ela diz com
raiva. — Eu recebo muitas ofertas de outros caras. E de outros
bares também.

Eu nunca deveria tê-la fodido mais de uma vez. Isso dá


às mulheres uma ideia errada. Faz com que pensem que você
voltou para elas por algo mais do que conveniência.

— Isso acabou, — eu digo a ela. — Você pode continuar


trabalhando aqui ou não.

Ela me encara em estado de choque, a boca aberta.

— O que!?

— Você me ouviu. Se quiser ficar, volte para trás do bar.


E arrume o seu top.
Seguro a porta aberta para ela, não por cavalheirismo,
mas para fazê-la sair mais rápido.

Posso dizer que ela quer gritar comigo, mas não é


estúpida o suficiente para fazê-lo. Em vez disso, sai furiosa,
sem colocar o seio de volta no lugar certo. Ah bem. Os clientes
vão gostar.

Afundo na minha cadeira, sentindo-me mal-humorado e


descontente.

A porra da Petra não me deu a liberação que eu desejava.


Na verdade, sinto-me pior do que nunca – estressado e
insatisfeito.

Volto para o clube, chutando um grupo de tipos de


finanças desagradáveis de uma das cabines VIP para que eu
possa sentar lá. Peço à garçonete que me traga uma garrafa de
Magnum Grey Goose, gelada, e tomo uma dose tripla.

Nem dez minutos depois, algo fantástico acontece.


Callum Griffin entra pela minha porta. Ele está vestido com
um elegante terno escuro, como de costume. Mas ele não
parece tão bem cuidado. Seu rosto está com a barba por fazer,
seu cabelo precisa de um corte. Bolsas escuras penduradas
sob seus olhos.

A última vez que o vi de perto, ele estava pendurado em


um gancho de carne enquanto Zajac foi trabalhar nele. Ele não
parece muito melhor esta noite. A tortura da mente é tão eficaz
quanto a tortura do corpo.
Eu sei que ele não tem uma arma com ele, tendo passado
pelos detectores de metal na porta. Ainda assim, espero que
ele seja estúpido o suficiente para me atacar. Adoraria mostrar
a ele que sua fuga do matadouro não passou de um acaso.

Seus olhos percorrem o ambiente, procurando. Assim que


pousam em mim, ele vem em minha direção, tirando várias
pessoas de seu caminho com os ombros.

Ele se eleva sobre mim, com os punhos cerrados. Eu fico


exatamente onde estou, não dando a ele a cortesia de me
levantar para encontrá-lo cara a cara.

— Onde ela está? — Ele exige.

Tomo um longo gole da minha bebida.

— Onde está quem? — Eu digo suavemente.

O rosto de Callum está rígido de raiva, seus ombros como


pedra. Eu posso dizer que ele quer pular em mim. Ele só pode
ser impedido pelo fato de Simon ter acabado de aparecer ao
meu lado, atraído pelos claros sinais de um confronto
iminente. Simon levanta uma sobrancelha, perguntando se ele
deveria interceder. Levanto o dedo indicador do meu copo,
dizendo-lhe para esperar.

Cuspindo cada palavra como se fosse doloroso, Callum


diz: — Eu sei que você tem Nessa. Eu a quero de volta –
AGORA.
Eu preguiçosamente giro os cubos de gelo em meu copo.
A música está alta demais para ouvir o som que eles fazem,
tilintando juntos.

Mantendo a expressão entediada fixada em meu rosto,


digo: — Eu realmente não tenho ideia do que você está falando.

O clube está escuro, mas não muito escuro para ver o


pulso pulando no canto da mandíbula de Callum. Eu sei que
ele quer me bater mais do que ele já quis qualquer coisa em
sua vida. Sua luta para negar esse impulso é bela de se ver.

— Se você a machucar, — ele sibila, — se você quebrar


uma de suas unhas...

— Ora, ora, Alderman, — eu digo. — Ameaçar um de seus


constituintes em um local público não pode ser bom para seu
índice de aprovação. Você não quer um escândalo logo após
sua eleição.

Posso dizer que ele quer se enfurecer, ameaçar e tentar


quebrar meu pescoço.

Mas nada disso vai ajudá-lo.

Assim, com um esforço hercúleo, ele recupera o controle.


Ele até tenta se humilhar. Claro, para um idiota arrogante
como Callum Griffin, sua humildade é superficial e curta.

— O que você quer? — Ele rosna. — O que será necessário


para recuperá-la?

Existem tantas respostas que eu poderia dar a ele.


Seu império.

Seu dinheiro.

Sua vida.

Ele vai pagar tudo e ainda não vai ter Nessa de volta.

Ela é minha agora. Por que eu deveria deixá-la ir?

— Eu gostaria de poder ajudá-lo, — digo a ele, tomando


um último gole da minha bebida. Abaixo o copo e fico de pé,
então Callum e eu estamos exatamente cara a cara. Ele pesa
um pouco sobre mim, mas sou mais rápido. Eu poderia cortar
sua garganta agora, mais rápido do que piscar.

Mas isso seria muito fácil e muito insatisfatório.

— Houve um tempo em que podíamos ter ajudado um ao


outro, — digo a ele. — Meu pai veio até você, como você está
vindo para mim agora. Você se lembra do que disse a ele?

A mandíbula de Callum aperta novamente enquanto ele


range os dentes, mordendo de volta tudo o que ele quer dizer.

— Recusei a oferta dele por uma propriedade, — diz ele.

— Não exatamente. Você disse: 'O que você poderia me


oferecer?' Receio que estejamos do outro lado da moeda agora.
O que você tem a me oferecer, Griffin? Nada. Nada mesmo.
Então, dê o fora do meu clube.

Callum arremete contra mim, puxado de volta por Simon


e Olie, meus dois maiores seguranças. Assistir Callum Griffin
ser arrastado para fora da Jungle e jogado na rua, enquanto
dezenas de frequentadores de boates se embasbacam e gravam
tudo em seus telefones, é um dos momentos mais deliciosos
da minha vida.

Sento-me novamente na cabine, finalmente sentindo


aquela sensação de catarse que estou procurando.
12

Os encontros com Mikolaj me deixam ferida e desgastada.


Seus ferozes olhos azuis parecem arrancar minha pele,
deixando todos os nervos expostos. Em seguida, ele cutuca e
atiça todos os meus pontos mais sensíveis, até que eu não
aguento mais.

Ele me apavora.

E, no entanto, ele não é completamente repulsivo, não da


maneira que deveria ser.

Meus olhos são atraídos para ele e não consigo desviar o


olhar. Cada centímetro de seu rosto está gravado em minha
mente, desde a forma como uma mecha de cabelo loiro claro
cai contra sua bochecha direita, ao entalhe no centro de seu
lábio superior, até a posição tensa de seus ombros.

Quando ele pegou minha mão, fiquei surpresa como seus


dedos estavam quentes, fechando em torno dos meus. Acho
que esperava que estivessem pegajosos ou coberto de calos.
Em vez disso, vi mãos fortes, flexíveis e artísticas. Unhas
limpas, cortadas curtas. E apenas uma coisa estranha: ele
havia perdido metade do dedo mínimo da mão esquerda.
Mikolaj não é o único com um dedo faltando. Um dos
outros guardas tem a mesma coisa – o moreno e bonito, cujo
nome pode ser Marcel. Percebi quando ele estava fumando
embaixo da minha janela. Ele ofereceu à Klara um cigarro com
a mão machucada, mas ela balançou a cabeça e voltou
correndo para dentro de casa.

Já estive perto de gangsters o suficiente para saber que


essas coisas costumam ser feitas como punição. A Yakuza faz
isso. Os russos também. Eles também removem as tatuagens
quando um soldado é rebaixado ou o marcam com um símbolo
de desonra.

Não cheguei perto o suficiente de Mikolaj para ver o que


suas tatuagens representam. Ele tem tantas, mais do que um
criminoso comum. Elas devem significar algo para ele.

Estou curiosa e não quero estar. Odeio como ele me atrai.


É como hipnose. Estou humilhada pela facilidade com que
concordei em dançar com ele. Ele usou a coisa que eu mais
amo para chegar até mim, e quando voltei à realidade, não
pude acreditar como facilmente me perdi.

Este homem é meu inimigo. Não posso esquecer isso por


um instante.

Ele me odeia. Isso explode em seu rosto, toda vez que olha
para mim.

Isso vai soar incrivelmente protegido, mas ninguém


nunca me odiou antes – não assim. Eu naveguei pela escola
com muitos amigos. Nunca fui intimidada, ou mesmo
insultada – pelo menos, não na minha cara. Nunca ninguém
me olhou com ódio, como se eu fosse um inseto, como um
monte de lixo em chamas.

Sempre tento ser alegre e gentil. Não suporto conflito. É


praticamente patológico. Eu preciso ser amada.

Posso me sentir me contorcendo sob o olhar dele,


tentando pensar em uma maneira de provar que não mereço
seu desprezo. Sinto-me compelida a argumentar com ele,
mesmo quando sei como isso seria impossível.

É patético.

Eu gostaria de ser corajosa e confiante. Gostaria de não


me importar com o que as pessoas pensam.

Sempre estive rodeada de pessoas que me amam. Meus


pais, meu irmão mais velho – até mesmo Riona, que pode ser
irritadiça, mas sei que ela se preocupa comigo, no fundo. O
pessoal de casa me mimava e me adorava.

Agora tudo foi arrancado, e o que sou eu sem isso? Uma


garota fraca e assustada que é tão profundamente solitária que
até mesmo me sentaria para jantar com meu próprio
sequestrador, só para ter alguém com quem conversar.

É doentio.

Tenho que encontrar uma maneira de sobreviver aqui.


Uma maneira de me distrair.
Portanto, na manhã seguinte, assim que acordo, estou
decidida a começar a explorar a casa.

Mal me sentei na cama quando Klara trouxe minha


bandeja com o café da manhã. Ela tem um olhar esperançoso
e expectante em seu rosto. Alguém deve ter dito a ela que
concordei em comer.

Fiel à minha palavra, venho me sentar à mesinha do café


da manhã perto da janela. Klara coloca a comida na minha
frente, colocando um guardanapo de linho no meu colo.

O cheiro é fenomenal. Estou ainda com mais fome do que


na noite passada. Corto o bacon e os ovos fritos, em seguida,
pego garfadas de batatas em cubos.

Meu estômago é um urso recém-saído da hibernação. Ele


quer tudo, absolutamente tudo, dentro dele.

Klara fica tão satisfeita em me ver enfiando batatas na


boca que continua suas aulas de polonês, nomeando tudo na
bandeja.

Estou começando a pegar algumas ligações das palavras


também – por exemplo, quando ela aponta para o café e diz: —
To się nazywa kawa, — tenho quase certeza de que significa
“Isso se chama café”.

Na verdade, quanto mais confortável Klara fica, mais ela


começa a me dirigir frases completas, só por amizade, sem
esperar que eu entenda.
Ao abrir as pesadas cortinas carmesim, ela diz: — Jaki
Piękny dzień, — que acho que é algo como “Está um lindo dia”.
Ou talvez, “Está ensolarado hoje”. Vou descobrir à medida que
ouvir mais.

Percebo que Klara não perdeu nenhum pedaço dos dedos


e ela não tem nenhuma tatuagem como a dos homens de
Mikolaj – nenhuma que seja visível, pelo menos. Não acho que
ela seja a própria Braterstwo. Ela apenas trabalha para eles.

Não sou estúpida o suficiente para pensar que isso


significa que ela está do meu lado. Klara é gentil, mas ainda
somos estranhas. Não posso esperar que ela me ajude.

Espero deixar este quarto hoje, no entanto. Mikolaj


prometeu que se eu continuasse comendo, poderia vagar pelo
resto da casa. Em todos os lugares, menos na ala oeste.

Depois que termino, digo à Klara: — Quero sair hoje.

Klara acena com a cabeça, mas aponta primeiro para o


banheiro.

Certo. Devo tomar banho e trocar de roupa.

O quarto contém a banheira gigante com pés que Klara


usou para me dar banho na noite passada. O banheiro é muito
mais moderno, com box de vidro e pias duplas. Enxáguo
rapidamente, em seguida, vou atrás de uma roupa limpa da
cômoda.
Pego uma camiseta branca e uma calça de moletom cinza,
como algo que você deveria usar na aula de ginástica. Existem
outras roupas mais chiques, mas não quero chamar a atenção,
principalmente dos homens de Mikolaj.

Klara pega minhas roupas sujas do chão, franzindo o


nariz porque ficaram muito sujas nos últimos dias, embora eu
não as tenha usado fora do quarto.

— Umyję je, — diz ela.

Espero que isso signifique: “Preciso lavar isso,” e não “Vou


jogar isso no lixo”.

— Não jogue fora! — Imploro a ela. — Eu preciso daquele


macacão. Para dançar.

Aponto para o collant e faço uma rápida primeira à


segunda posição com meus braços, para mostrar a ela que
quero usá-lo quando praticar.

Klara acena com a cabeça.

— Rozumiem. — Compreendo.

Klara insiste em secar meu cabelo novamente e modelá-


lo. Ela faz uma espécie de meio para cima e meio para baixo
com tranças em volta do topo da cabeça. Parece bom, mas leva
muito tempo quando estou impaciente para começar a
explorar. Ela tenta maquiar meu rosto novamente, mas eu
afasto a bolsa de maquiagem. Nunca concordei em fazer essa
preparação inteira todos os dias.
Pulo da cadeira, determinada a sair deste quarto.
Enquanto caminho em direção à porta com os pés de meia,
quase espero que ela esteja trancada novamente. Mas abre
facilmente. Sou capaz de sair pelo corredor sem escolta.

Desta vez, olho em todos os cômodos quando passo.

Como a maioria das mansões antigas, há dezenas de


quartos, cada um com seu propósito peculiar. Vejo uma sala
de música com um Steinway23 gigante em seu centro, a tampa
parcialmente levantada e as pernas lindamente entalhadas
com flora e marchetaria. A próxima sala contém vários
cavaletes antigos e uma parede de paisagens emolduradas, que
podem ter sido pintadas por um ocupante anterior. Depois,
mais três ou quatro quartos, cada um decorado em um tom de
joia diferente. O meu é o "quarto vermelho”, enquanto os
outros são feitos em tons de esmeralda, safira e amarelo
dourado. Depois, várias salas de estar e de estudos, e uma
pequena biblioteca.

A maioria dos quartos conserva o papel de parede


original, descascando em alguns pontos e estragando com
água em outros. A maioria dos móveis também é original –
armários elaborados, poltronas e chaises estofadas, mesas de
canto de madrepérola, espelhos dourados e luminárias Tiffany.

Minha mãe mataria para andar por aqui. Nossa casa é


moderna, mas ela adora decoração histórica. Tenho certeza de

23 Marca fabricante de pianos.


que ela poderia me dizer os nomes dos designers de móveis e
provavelmente dos pintores da arte nas paredes.

Pensar na minha mãe faz meu coração apertar. Quase


posso sentir seus dedos, prendendo uma mecha de cabelo
atrás da minha orelha. O que ela está fazendo agora? Ela
também está pensando em mim? Está com medo? Está
chorando? Ela sabe que ainda estou viva, porque as mães
sempre sabem de alguma forma?

Balanço minha cabeça para tirar isso da mente.

Não posso fazer isso. Eu não posso chafurdar na


autopiedade. Tenho que explorar a casa e o terreno. Tenho que
fazer algum tipo de plano.

Então examino todos os cômodos. Pretendo ser


estratégica, mas logo me perco na estética mais uma vez.

Não gosto de admitir, mas este lugar é fascinante. Eu


poderia passar horas em cada um dos quartos. Os interiores
são tão complicados. É camada após camada de padrão: frisos
pintados e tapetes tecidos, murais e molduras de portas. Não
existe um único espelho ou armário que não seja esculpido e
ornamentado de alguma forma.

Quase não olho pelas janelas, mas quando o faço, noto


algo muito interessante: por entre os carvalhos e bordos
imponentes e os freixos ainda mais altos, vejo a esquina de um
edifício. Um arranha-céu. Não é um que eu conheça de vista –
nada tão distinto quanto a Tribune Tower ou a Willis Tower.
Mas tenho certeza de que ainda estou em Chicago.

Esse conhecimento me dá esperança. Espero que a


família me localize antes que muitos dias se passem.

Ou eu poderia escapar.

Eu sei que tenho essa maldita pulseira no meu tornozelo.


Mas não é invencível, nem o Beast. Se eu conseguir sair do
terreno, estarei bem na cidade. Conseguirei chegar a um
telefone ou a um esquadrão de polícia.

Com esse pensamento em mente, desço a escada mais


uma vez para o andar principal. Quero explorar o terreno.

Volto para a sala de jantar formal e o salão de baile. Eu


também não entro, tendo-os visto bem o suficiente na noite
passada. Do outro lado do salão de baile está o grande saguão
e a porta da frente, que tem 3,5 metros de altura e parece que
precisa de um guincho para abrir. Está travada e trancada –
não há saída por ali.

Vejo Jonas caminhando em direção à sala de bilhar e


entro no nicho mais próximo, sem querer que ele me veja. Já
passei por dois outros soldados, mas eles me ignoraram,
obviamente instruídos de que eu pudesse andar pela casa.

Não acho que Jonas seria tão cortês. Ele parece gostar de
me assediar quase tanto quanto seu chefe.
Assim que ele passa, encontro o caminho de volta para o
conservatório envidraçado. Faz muito mais calor durante o dia
do que à noite. Ainda assim, minha pele parece gelada quando
passo pelo banco onde Mikolaj estava sentado. Está vazio
agora. Estou sozinha, a menos que ele esteja escondido em
algum outro lugar em todas essas plantas.

Ao contrário daquela noite, a porta dos fundos está


destrancada. Posso girar a maçaneta e sair pela primeira vez
em uma semana.

O ar fresco parece cem por cento puro oxigênio. Ele corre


em meus pulmões, limpo e perfumado, dando-me uma alta
instantânea. Eu tinha me acostumado com a umidade
empoeirada da casa. Agora estou intoxicada pela brisa em meu
rosto e pela grama sob meus pés. Tiro minhas meias para
poder andar descalça, sentindo a terra elástica contra meus
arcos e dedos dos pés.

Estou dentro de um jardim murado. Já estive em jardins


famosos na Inglaterra e na França. Mesmo eles não podiam
corresponder à densidade pura deste lugar. É densamente
verde, em todos os lugares que olho. As paredes de pedra são
cobertas de hera e clematite, os canteiros atapetados de flores.
Sebes desgrenhadas, roseiras e bordos se aglomeram, mal
havendo espaço para caminhar pelos caminhos de
paralelepípedos. Ouço água fluindo sobre fontes. Sei, pela
visão de cima para baixo da minha janela, que este jardim
contém dezenas de esculturas e fontes, mas estão escondidos
no labirinto de plantas.
Quero passar o resto do dia aqui, me afogando no
perfume das flores e no zumbido das abelhas.

Mas primeiro quero pegar um livro da biblioteca, para


poder ler ao ar livre.

Então volto para dentro, ainda descalça porque


abandonei minhas meias no gramado.

Pego o caminho errado pela cozinha e tenho que voltar,


procurando a grande biblioteca no andar térreo. Ao passar pela
sala de bilhar, ouço a voz baixa e cortada de Beast. Ele está
falando com Jonas, falando em polonês. Eles estão espalhando
palavras e frases em inglês, como as pessoas fazem quando
uma frase é mais fácil de dizer em um idioma do que em outro.

— Jak długo będziesz czekać?24 — Jonas diz.

— Tak długo, jak mi się podoba, — Beast responde


preguiçosamente.

— Mogą śledzić cię tutaj.

— Uma porra que eles vão! — Mikolaj estala, em inglês.


Ele solta uma torrente de polonês no qual está claramente
repreendendo Jonas.

Eu me aproximo da porta. Não consigo entender a maior


parte do que eles estão dizendo, mas Mikolaj parece tão

24 — Quanto tempo você vai esperar?


— Enquanto for bom para mim.
— Eles podem segui-lo até aqui.
chateado que tenho quase certeza de que ele está falando sobre
minha família.

— Dobrze szefie, — Jonas diz, castigado. — Przykro mi.

Eu sei o que isso significa. Ok, chefe. Me desculpe.

Então Jonas disse: — E os russos? Oni chcą spotkania25.

Beast começa a responder. Ele diz algumas frases em


polonês, depois faz uma pausa abrupta.

Em inglês, ele diz: — Não estou familiarizado com os


costumes irlandeses, mas acho que ouvir nas portas é
considerado rude em todo o mundo.

Parece que a temperatura caiu vinte graus. Mikolaj e


Jonas estão em silêncio na sala de bilhar. Eles estão esperando
que eu responda ou me mostre.

Eu gostaria de desaparecer no papel de parede em vez


disso. Infelizmente, essa não é uma opção.

Engulo em seco e entro na porta onde eles podem me ver.

— Você sabe que posso dizer exatamente onde você está


na casa o tempo todo, — diz Beast, fixando-me com seu olhar
malévolo.

25 Eles querem uma reunião.


Certo. Este maldito monitor de tornozelo. Eu odeio como
sempre está fazendo barulho no meu pé, cavando em mim
quando tento dormir.

Jonas parece preso entre seu desejo de sorrir para mim e


seu desconforto com a reprimenda que ele acabou de receber
de Mikolaj. Sua natureza presunçosa vence. Arqueando uma
sobrancelha, ele diz: — Só saiu do seu quarto há algumas
horas e já está se metendo em problemas. Eu disse a Miko que
não deveríamos deixar você sair.

Mikolaj lança um olhar penetrante para Jonas, tanto


irritado com a insinuação de que seu subordinado pode dizer-
lhe qualquer coisa, quanto irritado com o uso do apelido.

Eu me pergunto se ele gostaria do meu nome para ele.

Quem estou enganando? Ele provavelmente adoraria.

— O que você espera ouvir? — Beast diz


zombeteiramente. — Os códigos das minhas contas bancárias?
A senha do sistema de segurança? Eu poderia te contar todos
os segredos que sei, e você não seria capaz de fazer nada sobre
isso.

Posso sentir minhas bochechas ficando rosadas.

Ele tem razão. Estou completamente impotente. É por


isso que ele está me deixando vagar pela sua casa.

— Estou surpreso que seus pais não tenham treinado


você, — diz Mikolaj, aproximando-se de mim. Ele olha para
mim, seu rosto contorcido com desdém. — Eles deveriam ter
criado um lobo, não um cordeirinho. Quase parece cruel.

Embora eu saiba que é intencional, e mesmo que eu


esteja lutando contra isso, suas palavras se enterram em meu
cérebro como farpas.

Meu irmão Callum sabe como lutar, como atirar com uma
arma. Ele foi ensinado a ser um líder, um planejador, um
executor.

Fui enviada para aulas de dança e aulas de tênis.

Por que meus pais não pensaram no que poderia


acontecer se eu deixasse a segurança de seus braços? Eles me
trouxeram para um mundo escuro e perigoso, e então me
armaram com livros, vestidos, sapatilhas de balé...

Parece intencional. E negligente.

Claro, eles nunca esperaram que eu fosse sequestrada


por um sociopata decidido a se vingar.

Mas talvez devessem ter.

— Eu gostaria que você pudesse lutar, moja mała


baletnica. — Minha pequena bailarina. — Isso seria muito mais
divertido.

Mikolaj olha para o meu rosto assustado.

Ele inclina a cabeça, como um lobo tentando entender um


rato.
Ele cheira como um lobo cheiraria. Como o almíscar em
um casaco de pele real. Como galhos nus na neve. Como
juncos e bergamota.

Ele olha para mim até que eu encolho sob seu olhar.
Então fica entediado e se afasta de mim.

Sem pensar, grito: — Não acho que seu pai fosse muito
modelo! Cortando o dedo do próprio filho!

Mikolaj se vira novamente, seus olhos se estreitando em


fendas.

— O que você disse? — Ele sibila.

Agora tenho certeza de que estou certa.

— The Butcher cortou seu dedo mindinho, — digo. — Não


sei por que você está tão determinado a se vingar por ele, se foi
assim que ele te tratou.

Em três passos, Mikolaj cruzou o espaço entre nós. Não


consigo voltar rápido o suficiente. Minhas costas batem na
parede e ele está bem na minha frente, perto o suficiente para
me morder, respirando no meu rosto.

— Você acha que ele deveria ter me mimado e me


estragado? — Ele diz, me prendendo contra a parede com sua
fúria. — Ele me ensinou todas as lições que vale a pena
conhecer. Ele nunca me poupou.

Ele levanta a mão para que eu possa ver os dedos longos


e flexíveis – de formato perfeito, exceto pelo dedo mindinho.
— Esta foi a minha primeira aula. Ensinou-me que
sempre há um preço a pagar. Sua família precisa aprender
isso. E você também, baletnica.

Como um truque de mágica, uma lâmina de aço aparece


em sua mão, tirada de seu bolso mais rápido do que eu posso
piscar. Ele corta meu rosto, rápido demais para eu até mesmo
levantar minhas mãos para me proteger.

Eu não sinto nenhuma dor.

Abro meus olhos. Mikolaj dá um passo para trás, uma


longa tira do meu cabelo enrolada em sua mão. Ele cortou
imediatamente.

Eu grito, tentando sentir de onde ele tirou.

Eu sei que é ridículo, mas é profundamente perturbador


ver aqueles fios castanho-claros familiares pendurados em sua
palma. Parece que ele roubou uma parte muito mais vital de
mim do que cabelo.

Eu me viro e saio rapidamente, correndo de volta escada


acima. A risada de Jonas e Mikolaj ressoa em meus ouvidos.

Corro para o meu quarto e bato a porta. Como se Mikolaj


quisesse me seguir. Como se eu pudesse mantê-lo fora.
13

Por mais que eu ame deixar os Griffin em um suspense


torturante, é hora de passar para a segunda fase de merda
mental que tenho reservado para eles.

Essa parte do plano serve a dois propósitos: primeiro,


tenho o prazer de extorquir algum dinheiro de seus cofres. E
em segundo lugar, posso garantir uma aliança com um inimigo
mútuo.

Kolya Kristoff é o chefe de Chicago Bratva. A máfia russa


não é tão poderosa no meio-oeste quanto na costa oeste. Na
verdade, eles acabaram de perder uma parte substancial de
seus ativos quando seu chefe anterior foi preso e com uma
sentença de 12 anos. O Departamento de Polícia de Chicago
arrebatou oito milhões de dólares em armamento russo de alta
qualidade, incluindo pistolas compactas SPP-1, que podem
atirar debaixo d'água, e Vityaz-SNs, a versão mais moderna do
clássico Kalashnikov.

Eu sei disso porque uma daquelas caixas de armas


lindamente lubrificadas pertencia a mim, contrabandeada
para Chicago, mas ainda não entregue aos meus homens.
A Bratva se viu sem armas, sem patrão e com muito
pouco dinheiro para pagar os clientes que já haviam
adiantado.

A Bratva me deve dinheiro. E muitas outras pessoas


também.

Eles precisam de dinheiro. Eu preciso de homens.

Podemos ajudar uns aos outros.

Em uma reviravolta deliciosamente irônica, são os Griffin


e os Gallo que pagarão a taxa para garantir a aliança contra
eles mesmos.

Eles vão pagar na forma de resgate de quatorze milhões


de dólares.

Escolhi esse número porque é a quantia que os Griffin e


os Gallo deveriam conseguir juntar sem atrasos tediosos. Vai
doer, mas não vai levá-los à falência. Eles estarão dispostos a
pagá-lo, e parece um preço adequado por Nessa.

Incluo a mecha de cabelo roubada dentro da nota de


resgate.

Tenho certeza de que seus pais reconhecerão aquele tom


castanho claro característico e a maciez de seu cabelo natural
sem tingimento. Acho que poderia reconhecê-lo sozinho, onde
quer que o encontrasse.
Esfrego entre os dedos e o polegar antes de largá-la no
envelope. Parece uma borla de seda, como se ainda estivesse
viva e crescendo, embora tenha sido separada de sua origem.

A nota é clara em suas instruções e inclui uma ameaça:

Para provar que temos Nessa, cortamos uma mecha de seu


cabelo. Se você não fornecer o resgate, o próximo pacote que
você receberá conterá um dos dedos dela, depois o resto da
mão. A última caixa vai carregar sua cabeça.

Eu gostaria de poder ver seus rostos agonizando com essa


perspectiva.

É divertido escrever, menos divertido fazer. Gosto de


torturar os Griffin e os Gallo, mas não gosto da ideia de cortar
pedaços de Nessa.

Duvido que terei que seguir em frente.

As duas famílias têm procurado Nessa por toda a cidade.


Eles pagaram milhares de dólares a informantes, enquanto
espancavam e ameaçavam muitos outros. Eles invadiram duas
das minhas casas seguras e entraram em uma briga com os
seguranças do meu clube.

Mas eles não encontraram absolutamente nada.

Porque não sou estúpido o suficiente para deixar algum


rato ou algum soldado de baixo escalão descobrir meus planos.

Eles suspeitam de mim, mas nem sabem ao certo que fui


eu quem levou Nessa.
É por isso que envolver os russos no resgate tornará as
águas ainda mais turvas.

Dou aos Griffin vinte e quatro horas para reunir o resgate.

Eu forneço um telefone descartável junto com a carta de


resgate, para que eu possa dizer a eles o ponto de entrega no
último minuto. Não tenho interesse em lutar contra o rifle de
atirador de Dante Gallo, ou uma dúzia de seus homens
treinados em pontos de emboscada, se eu fosse estúpido o
suficiente para avisá-los da localização com antecedência.

Ainda assim, espero que eles quebrem as regras. Afinal,


eles são gangsters. Se eu arranhar sua superfície cultivada,
vou encontrar a areia por baixo. Eles estão tão dispostos
quanto eu a fazer o que for preciso para conseguir o que
desejam. Ou, pelo menos, eles pensam que estão.

Jonas faz a ligação, porque não tem sotaque.

Posso ouvir o eco metálico da resposta de Fergus Griffin.


Ele está mantendo sua educação – não vai permitir que seu
temperamento coloque em perigo sua filha. Mas eu ouço a
raiva fervendo abaixo da superfície.

— Para onde você quer que levemos o dinheiro? — Ele diz,


com força.

— Cemitério de Graceland, — responde Jonas. — Isso é


uma viagem de treze minutos. Vou te dar quinze, para ser
generoso. Envie dois homens em um carro. Traga o telefone. O
portão da Clark Street estará destrancado.
Já estamos esperando no cemitério. Tenho seis dos meus
homens posicionados em pontos de observação. Kolya Kristoff
trouxe quatro dos seus.

Menos de dois minutos depois, Andrei me manda uma


mensagem para dizer que um Lincoln Town Car preto deixou
a mansão à beira do lago, com o leal cachorro de estimação
Jack Du Pont dirigindo e Callum Griffin no banco do
passageiro. Como eu esperava, Marcel me mandou uma
mensagem um momento depois, contando-me que Dante e
Nero Gallo deixaram sua antiga casa. Eles estão dirigindo em
carros separados, provavelmente com vários de seus homens
no trajeto.

Tão previsível.

Não importa. Eu estreitei o funil destrancando um único


portão do cemitério. Durante os meses de outono e inverno, o
cemitério fecha às 16h. Tivemos muito tempo para capturar os
únicos dois policiais que patrulham o terreno e colocar nossos
próprios homens ao redor.

Os russos até trouxeram nossa refém. Ela está com os


pés e as mãos amarradas, vestida com as mesmas roupas que
Nessa usava no dia em que a sequestramos – moletom, jeans
e até mesmo seus tênis. Um saco de pano preto cobre sua
cabeça, com as pontas de seu cabelo castanho saindo para
baixo.

Eu a examino com olhos experientes.


— Está bom, — digo a Kolya.

Kolya sorri, mostrando dentes brancos com incisivos


pontiagudos. Ele é mais moreno que a média russa, com olhos
longos e estreitos abaixo de sobrancelhas retas e grossas.
Ascendência mongol, provavelmente. Alguns dos Bratva mais
implacáveis são tártaros. Ele é jovem e confiante – duvido que
a Chicago Bratva continue a se debater sob sua liderança. O
que significa que ele e eu em breve estaremos em desacordo
novamente.

Mas, por enquanto, somos aliados. Feliz por unir forças


contra nossos inimigos comuns.

— Onde você a quer? — Kolya pergunta.

Aponto para o pequeno templo à beira do lago. Parece um


Partenon26 em miniatura. Você pode ver todo o seu interior,
através das fendas nos pilares de pedra.

— Coloque-a lá, — eu digo.

Escolhi o cemitério por motivos estratégicos. Possui


apenas um ponto de entrada adequado, com muros altos ao
redor. São 119 hectares de caminhos sinuosos entre árvores
densas e monumentos de pedra, grandes e lotados o suficiente
para que seja difícil para alguém nos encontrar sem instruções
específicas.

26 Templo dedicado a deusa Atena, na Grécia Antiga.


Então, é claro, há a lembrança onipresente da morte. A
ameaça silenciosa de que é melhor os Griffin cooperarem, se
não quiserem que seu membro mais jovem permaneça no
cemitério permanentemente.

Kolya será aquele que receberá o resgate. Ele concordou


com isso porque não quer o dinheiro fora de suas mãos nem
por um momento. É o pagamento dele, em troca de unir suas
forças às minhas.

Concordei com isso porque estou muito feliz em mudar o


foco dos Griffin dos meus homens para os de Kolya. Se alguém
levar um tiro, quero que seja um russo.

Eu caio para um ponto de vista separado, de volta entre


as árvores. Todos nós temos comunicadores de ouvido. Posso
ver e ouvir a troca daqui.

Eu não dou a mínima que estou andando sobre corpos


enterrados na calada da noite. Não acredito em céu ou inferno,
fantasmas ou espíritos. Os mortos não representam perigo
porque não existem mais. Estou preocupado apenas com os
vivos. Só eles podem ficar no meu caminho.

Mesmo assim, não sou tão ateu a ponto de não


reconhecer como este lugar é bonito. Carvalhos enormes e
antigos. Monumentos de pedra construídos por alguns dos
melhores escultores de Chicago.

Há um túmulo em particular que me chama a atenção,


porque sua estátua é totalmente fechada em vidro, como o
caixão de Branca de Neve. Chego mais perto dele, querendo ver
a figura no escuro.

Dentro da caixa de vidro vertical está uma menina de


pedra em tamanho natural. Ela está usando um vestido, um
chapéu de sol pendurado nas costas pelos cordões. Está
descalça, segurando um guarda-chuva.

A inscrição diz:

Inez Clark

1873-1880

Morta Por Um Raio,

Ao Brincar na Chuva

Eu me pergunto se a caixa de vidro serve para proteger


sua estátua de novas tempestades.

Entendo o sentimento. Que pena que é inútil. Depois de


perder alguém que você ama, não há mais como protegê-los.

Meus homens vigiam cada canto do cemitério. Eles me


informam quando Callum Griffin chega ao portão principal e
quando os irmãos Gallo sobem a Avenida Kenmore um
momento depois, obviamente com a intenção de se esgueirar
por cima da parede dos fundos.
Sinalizo para Jonas ligar para o telefone descartável. Ele
vai direcionar Callum para o lago na extremidade nordeste do
cemitério.

— Traga o dinheiro, — ordena Jonas. — É melhor você


correr, porra. Você só tem três minutos.

Manter o tempo apertado é essencial. Quero terminar


antes que os Gallo encontrem o caminho para dentro. E eu
quero Callum muito agitado e sem fôlego para pensar com
clareza.

O lago é a parte mais aberta do cemitério. A meia-lua


brilha intensamente sobre a água, iluminando a única figura
de Kolya Kristoff. Ele está fumando um cigarro, exalando a
fumaça para o céu, como se não se importasse com o mundo.

Ele mal olha para cima quando Callum Griffin e Jack Du


Pont vêm correndo pelo caminho, cada um carregando duas
mochilas pesadas em cada mão. Mesmo de onde estou, sob um
salgueiro, posso ver o suor escorrendo por seus rostos.

Callum acena para Jack. Eles largam as sacolas na frente


dos pés de Kolya com um baque pesado. Os dentes brancos de
Kolya brilham novamente enquanto ele sorri com o som.

Ele acena para um de seus homens. O russo se ajoelha,


abre o zíper das sacolas e verifica seu conteúdo.

— Notas limpas, sem rastreadores, eu presumo, — diz


Kolya.
— Eu não sou a porra do FBI, — Callum responde com
desdém.

Posso ouvi-los claramente pelo meu fone de ouvido, Kolya


um pouco mais alto que Callum.

O homem de Kolya vasculha as sacolas, segurando uma


barra de ouro prensada com padrão para a aprovação de seu
chefe.

— Isso não é dinheiro, — Kolya comenta, sobrancelha


levantada.

— Você só nos deu vinte e quatro horas, — diz Callum. —


Isso é o que eu tinha em mãos. Além disso, um milhão em
notas pesa quase oito quilos. Você espera que carreguemos
mais de cem quilos?

— Hum, vocês são garotos crescidos, podem lidar com


isso, — zomba Kolya.

— Está tudo aí, — Callum late impacientemente. — Onde


está minha irmã?

— Bem atrás de você, — Kolya diz, em seu tom arrastado.

Callum se vira, avistando a figura esguia de bailarina da


garota no templo, o saco ainda fixo na cabeça.

— É melhor não haver um maldito arranhão nela, — ele


ameaça.
— Ela está exatamente na mesma condição de quando a
levei, — promete Kolya.

— Quando você a levou? — Callum sibila: — Você não


quer dizer quando Mikolaj fez isso? Onde ele está, afinal? Não
te considerava um menino de recados, Kristoff.

Kolya dá de ombros, dando uma última longa tragada no


cigarro. Ele joga a ponta no lago, enviando ondas que saem da
margem através da água parada.

— Este é o seu problema, irlandês, — ele diz suavemente.


— Cercado de inimigos e sem medo de fazer mais. Você deve
aprender a ser amigável.

— Você não faz amizade com cupins quando eles se


enterram em sua fundação, — Callum diz friamente.

Meu fone de ouvido estala quando Andrei murmura: —


Gallo estão chegando.

— Hora de ir, — digo a Kolya.

Ele está carrancudo, ansioso por uma briga com Callum.


E ele não gosta de receber ordens minhas.

Mas ele quer o dinheiro. Então acena para seus homens,


que pegam as mochilas.

— Nos veremos em breve, — Kolya diz para Callum.

— Você está malditamente certo de que iremos, — Callum


rosna de volta.
Os russos pegam o resgate e correm em direção ao portão
principal.

Callum acena para Jack Du Pont, silenciosamente


ordenando que ele siga os russos. Callum vira na direção
oposta, correndo em direção ao templo.

Calmamente, digo a Marcel: — Jack Du Pont está vindo


em sua direção. Deixe os russos passarem. Em seguida, corte
sua garganta.

Vejo Callum correr pela grama alta na beira da água, indo


até o templo.

Eu o ouço quando ele grita: — Nessa! Estou aqui! Você


está bem?

Eu ouço a rouquidão em sua voz e vejo seus ombros


caírem de alívio quando a garota se vira cegamente em direção
a ele, as mãos ainda amarradas atrás das costas.

Dante e Nero Gallo chegam bem a tempo de testemunhar


a reunião. Dante está com o rifle no ombro. Nero está logo
atrás, cobrindo suas costas. Eles abrem caminho por entre as
árvores do lado oposto do templo.

Todos nós assistimos enquanto Callum puxa o saco de


pano preto da cabeça da garota.

Expondo o rosto apavorado de Serena Breglio.


Seu cabelo recém-tingido está solto em volta dos ombros.
Os russos foderam com tudo – o marrom é escuro e lamacento,
mas ela estava muito longe para que Callum notasse.

Os russos a sequestraram esta tarde, bem em frente ao


seu apartamento na Avenida Magnolia. Dei-lhes as roupas de
Nessa, que se ajustaram perfeitamente a ela. Todos os
dançarinos de balé têm o mesmo físico esguio.

Rastros de rímel escorrem por suas bochechas por causa


de horas de lágrimas. Serena tenta dizer algo para Callum, em
torno da mordaça.

O rosto de Callum é uma máscara de fúria e decepção. Se


ele fosse uma estrela, ele se tornaria uma supernova.

Ele abandona a garota no templo, nem mesmo se


preocupando em desamarrá-la. Em vez disso, Dante Gallo faz
isso.

Callum está correndo em direção ao portão principal,


tentando perseguir os russos.

Eu levanto meu rifle, observando os irmãos Gallo através


da mira.

Tenho Dante bem na minha mira. Ele está agachado


sobre Serena, puxando a mordaça da boca. Ele está de costas
para mim. Eu poderia colocar uma bala na base do seu
pescoço, cortando a medula espinhal. Foi ele quem puxou o
gatilho em Tymon. Eu poderia acabar com ele agora.
Mas tenho outros planos para Dante.

Abaixo meu rifle. Saio do lago e sigo Callum Griffin ao


invés.

Ouço seu uivo quando ele descobre o corpo de seu


motorista. Eles foram para a escola juntos, ou assim me
contaram. Marcel cortou a garganta, deixando Jack Du Pont
sangrando, caiu contra uma lápide em forma de cruz.

Eu acho que Callum vai dirigir sozinho de agora em


diante.

— Você vem, chefe? — Andrei diz no meu ouvido.

— Sim, — eu digo. — Estou a caminho.


14

Todos os homens desapareceram de casa hoje.

Não sei para onde foram. Mas estou me acostumando


tanto com os rangidos e gemidos normais da velha mansão,
que posso dizer quando apenas aquele som ambiente
permanece, enquanto todos os passos e portas batendo e
conversas polonesas e risadas masculinas se foram.

Klara ainda está aqui. Ouço seu aspirador de pó


funcionando e, mais tarde, ouço-a cantando no andar
principal enquanto tira a poeira. É assim que tenho certeza de
que Beast saiu – ela não cantaria com ele por perto.

Eles pararam de trancar minha porta. Desço até o nível


principal para verificar o resto das portas da casa. Aquelas
estão fechadas e trancadas com ferrolho, incluindo aquela que
passa pela estufa para o jardim. Não vou sair sem a chave.

É o que eu esperava.

Mas me pergunto: onde estão as chaves?

Todos os homens devem ter uma. Klara também,


provavelmente.
Eu poderia me aproximar furtivamente dela enquanto
passa o aspirador. Bater na cabeça dela com um vaso.

Eu me imagino fazendo isso, como um personagem do


filme. Sabendo o tempo todo, eu nunca poderia.

Não quero machucar Klara. Ela tem sido gentil comigo,


tão gentil quanto lhe é permitido. Ela me ensinou um pouco de
polonês. E ela me protege de Jonas. Eu a ouvi discutindo com
ele no corredor, uma noite depois que fui para a cama. Ele
parecia bêbado, arrastando suas respostas. Ela foi afiada e
insistente. Não sei o que ele estava tentando fazer, mas ela não
o deixou entrar no meu quarto. Ela disse: — Powiem Mikolaj!
— que tenho certeza que significa, “Vou contar a Mikolaj”.

Se eu escapar enquanto Klara deveria estar me


protegendo, eles podem puni-la. Eu sei que eles cortam dedos
à toa por aqui. Não posso deixar isso acontecer com Klara.

Então volto para a ala leste, pensando que vou encontrar


um novo livro na biblioteca. Tenho saqueado a pequena sala
de leitura da minha ala e também a biblioteca maior no andar
principal.

Juntos, são milhares de livros para eu ler: ficção e não


ficção, clássicos e romances contemporâneos. A maioria dos
livros é em inglês, mas há romances franceses e poesia alemã,
e uma cópia de Dom Quixote no conjunto original em espanhol
de duas partes.
Alguém aqui deve estar aumentando a coleção, pois há
muitas traduções para o polonês, e também obras nativas
como Lalka e Choucas, que li em um de meus cursos de
literatura.

Estou perdendo todas as minhas aulas na escola. Todas


as minhas aulas de dança também. É estranho pensar em
meus colegas andando pelo campus, estudando e entregando
tarefas como de costume, enquanto estou presa em uma
animação suspensa. Parece que estou aqui há anos, embora
só tenham se passado duas semanas.

Se continuar por muito mais tempo, não vou conseguir


acompanhar. Vou reprovar o semestre inteiro.

Claro, se Beast me matar, não importa se eu perdi a


escola.

Procuro pela sala de leitura menor, correndo meus dedos


pelas lombadas empoeiradas. The Age of Innocence, 1984,
Catch-22, The Doll...

Faço uma pausa. The Doll é a tradução em inglês de


Lalka.

Eu o puxo da prateleira, folheando as páginas. Em


seguida, coloco o livrinho debaixo do braço e corro de volta
para o andar principal, onde procuro nas prateleiras a versão
original em polonês. Lá está ele – a capa dura de Lalka, com
sua capa de couro gravada em relevo com estampa floral. Agora
tenho o mesmo livro nos dois idiomas.
Meu coração está acelerado com a corrida e com a emoção
do que encontrei. Eu levo os livros de volta para o meu quarto,
deitando na minha cama para examiná-los. Eu os coloco lado
a lado, abrindo cada um no primeiro capítulo:

No início de 1878, quando o mundo político se preocupava


com o tratado de San Stefano, a eleição de um novo papa e as
chances de uma guerra europeia, os empresários de Varsóvia e
a intelectualidade que frequentava um determinado local na
Cracóvia Przedmieście não eram menos agudos interessado no
futuro da empresa de retrosaria de J. Mincel e S. Wokulski.

Aí está: o mesmo parágrafo em inglês e novamente em


polonês. Posso ler frase por frase, comparando as duas. Não é
tão bom quanto um livro de idiomas, mas é a segunda melhor
opção. Páginas e páginas de frases que posso comparar para
aprender vocabulário e sintaxe.

Polonês é uma língua muito difícil, já sei disso por


conversar com Klara. Alguns dos sons são tão semelhantes que
mal consigo distingui-los, como ś e sz. Sem mencionar o uso
de um sistema de caso e a ordem quase oposta das palavras,
em comparação com o inglês.

Mesmo assim, tenho todo o tempo do mundo para


trabalhar nisso.

Passei a maior parte do dia deitada na cama, examinando


o primeiro capítulo do livro nas duas línguas. Eventualmente
eu paro, quando meus olhos estão doendo e minha cabeça está
girando.
No momento em que estou fechando os livros, Klara entra
em meu quarto carregando minha bandeja de jantar. Enfio os
livros às pressas embaixo do travesseiro, para o caso de ela
perceber o que estou fazendo.

— Dobry wieczór, — eu digo. Boa noite.

Ela me dá aquele breve sorriso enquanto coloca minha


bandeja sobre a mesa.

— Dobry wieczór, — ela responde, com uma pronúncia


muito melhor.

— Onde está todo mundo? — Eu pergunto a ela, em


polonês. Na verdade, o que eu digo é “Gdzie mężczyźni?” ou
“Onde homens?” mas vamos usar a intenção da frase e ignorar
o fato de que tenho a complexidade verbal de um homem das
cavernas.

Klara me entende muito bem. Ela dá uma rápida olhada


na direção da porta, como se achasse que eles poderiam voltar
para casa a qualquer segundo. Em seguida, ela balança a
cabeça, dizendo: — Nie wiem. — Eu não sei.

Talvez ela realmente não saiba. Duvido que Mikolaj dê à


sua empregada uma cópia de sua programação. Mas Klara é
inteligente. Aposto que ela sabe muito mais sobre o que
acontece por aqui do que os homens esperariam. Ela
simplesmente não quer me contar. Porque é inútil. Porque isso
só nos causará problemas.
Sento-me em frente à bandeja, que, como sempre, está
carregada com muito mais comida do que eu realmente
poderia comer. Tem frango grelhado com alecrim, batata com
limão, broccolini salteado, pãezinhos frescos e um pequeno
acompanhamento que parece sobremesa.

As refeições são sempre fantásticas. Aponto para a


bandeja e digo: — Ty robisz? — Você faz?

Klara concorda. — Tak. — Sim.

Saber que Klara se deu ao trabalho de preparar as


refeições me faz sentir culpada por todas as vezes que me
recusei a comer.

— Sua comida é incrível, — digo a ela em inglês. — Você


deveria ser uma chef.

Klara encolhe os ombros, corando. Ela odeia quando eu


a elogio.

— Você me lembra Alfred, — digo a ela. — Você conhece


Alfred, do Batman? Ele é bom em tudo. Gosto de você.

Klara dá seu sorriso de Mona Lisa – inescrutável, mas,


espero, satisfeita.

— Co to jest? — Eu pergunto a ela, apontando para o


prato de sobremesa.

Parece um crepe dobrado, polvilhado com açúcar de


confeiteiro.
— Nalesniki, — diz ela.

Cortei um pedaço, embora ainda não tenha terminado


meu jantar. Tem gosto de crepe, com algum tipo de mistura
doce de cream cheese dentro. Na verdade, é melhor do que
qualquer crepe que já comi – mais espesso e mais saboroso.

— Pyszne! — Eu digo a ela com entusiasmo. Delicioso!

Ela sorri.

— Mój ulubiony, — diz ela. Meu favorito.

Quando termino de comer, procuro por meu collant.


Quero trocar de roupa para praticar dança antes de dormir.

Encontro o collant, lavado e dobrado dentro da cômoda.


Mas não vejo nenhuma das minhas outras roupas – moletom,
jeans ou tênis.

— Gdzie są moje ubrania? — Eu pergunto à Klara.

Klara enrubesce, sem olhar nos meus olhos.

— Jest dużo ubrań, — ela diz, apontando para o guarda-


roupa e a cômoda. Há muitas roupas.

Que estranho. Por que ela tirou minhas roupas?

Bem, não importa. É o collant que mais preciso.

Eu gostaria de ter sapatilhas de ponta adequadas.


Dançar descalça é bom, mas não posso praticar tudo o que
gostaria.
Preciso de um espaço melhor para isso também.

Depois de trocar de roupa, vou fuçar na minha ala,


procurando por uma sala de dança melhor. Ninguém entra na
ala leste, exceto eu e Klara. Passei a vê-la como meu próprio
espaço, embora Mikolaj nunca tenha realmente dito que eu
poderia usar os outros quartos.

Depois de examinar todos os espaços, acho que a sala de


arte será a melhor. Tem mais luz natural e menos móveis no
caminho.

Passei cerca de uma hora reorganizando-o para atender


ao meu propósito. Arrasto todas as cadeiras e mesas para um
lado da sala, em seguida, enrolo os tapetes antigos, expondo o
piso de madeira nu. Empilho os cavaletes e as telas soltas e
guardo todos os suprimentos de arte sobressalentes, a maioria
dos quais estão arruinados de qualquer maneira – tubos de
tinta seca, pincéis mofados e tocos de carvão.

Agora tenho muito espaço. Mas ainda estou perdendo o


mais importante de tudo.

Desço para encontrar Klara. Ela está na cozinha,


branqueando as bancadas. Está usando luvas para proteger
as mãos, mas sei que sua pele ainda está em carne viva por
causa de todo o trabalho que faz neste lugar. Não é culpa dela
que ainda esteja empoeirado e sombrio – é simplesmente muito
trabalhoso para uma pessoa. Você precisaria de um exército
para manter este lugar limpo. Especialmente no ritmo em que
idiotas como Jonas bagunçam tudo de novo.
— Klara, — digo da porta. — Potrzebuję muzyki. — Eu
preciso de música.

Ela se endireita, franzindo um pouco a testa.

Acho que ela está aborrecida porque eu a interrompi, mas


então percebo que ela está apenas pensando.

Depois de um minuto, ela tira as luvas e diz: — Chodź ze


mną. — Venha comigo.

Sigo-a para fora da cozinha, pela sala de bilhar, depois


subo uma escada nos fundos até uma parte da casa que não
tinha visto antes. Esta área é plana e apertada – provavelmente
os aposentos dos criados algum dia.

Klara me leva até o sótão, que percorre toda a extensão


da parte central da casa. É um espaço enorme, cheio de pilhas
intermináveis de caixas e móveis antigos. Ele também parece
abrigar metade das aranhas do estado de Illinois. Folhas de
velhas teias de aranha pendem do chão ao teto. Klara os
empurra com impaciência. Eu sigo a uma distância respeitosa,
não querendo encontrar um aracnídeo com esse tipo de ética
de trabalho.

Klara remexe nas caixas. Espero que ela saiba o que está
procurando, porque poderíamos passar cem anos aqui sem
chegar ao fim de tudo. Vejo vestidos de noiva amarelados,
pilhas de fotos antigas, cobertores de bebê feitos à mão,
sapatos de couro surrados.
Há uma caixa inteira de vestidos da década de 1920, com
contas, penas e drapeados. Eles devem valer uma fortuna para
a pessoa certa. Parecem que deveriam ser exibidos em um
museu.

— Espere um pouco, — digo a Klara. — Temos que olhar


para eles.

Ela faz uma pausa em sua busca e eu abro a caixa de


vestidos em vez disso, puxando-os para fora de suas
embalagens de tecido.

Não posso acreditar como os vestidos são pesados e


complicados. Eles parecem costurados à mão, cada um
representando centenas de horas de trabalho. Os materiais são
diferentes de tudo o que você encontra em uma loja hoje em
dia.

— Precisamos experimentar um, — digo a Klara.

Ela toca a saia com franjas de um dos vestidos. Posso


dizer que ela os acha tão fascinantes quanto eu, mas ela não
quebra regras. Os vestidos estão nesta casa, o que significa
que pertencem à Beast.

Eu não dou a mínima a quem eles pertencem. Vou provar


um.

Pego um vestido de veludo azul com mangas compridas e


flutuantes. O V profundo na frente desce quase até a cintura,
onde fica um cinto de joias. Coloquei por cima do meu body,
surpresa com o quão pesado é. Eu me sinto uma imperatriz.
Como se eu tivesse um servo carregando minha cauda.

Klara olha para o vestido com os olhos arregalados. Eu


posso dizer que ela quer tentar um também.

— Vamos, — eu a persuadi. — Ninguém vai nos ver.

Mordendo o lábio, ela faz sua escolha. Ela rapidamente


tira seu uniforme de empregada horrível. Se há alguma
evidência de que Mikolaj é um monstro, é o fato de que ele a
faz usar aquela coisa horrível dia após dia. Parece quente e
desconfortável.

Klara realmente tem um lindo corpo por baixo. Ela está


em forma e forte, provavelmente por levantar e esfregar o dia
todo.

Ela puxa um longo vestido preto com contas prateadas


no corpete. Entra nele e eu subo o zíper. Então ela se vira, para
que eu possa admirar o efeito completo.

É absolutamente lindo. O vestido tem um corpete quase


transparente, malha preta fina com luas prateadas e estrelas
bordadas no peito. A cintura baixa é coberta por um longo
cinto de prata pendurado, como algo que você veria em um
vestido medieval. Com seus cabelos pretos e olhos escuros,
Klara parece uma feiticeira.

— Oh meu Deus, — eu respiro. — É tão bonito.


Puxo Klara até um espelho velho e empoeirado encostado
na parede. Eu limpo com minhas mãos, para que ela possa ver
seu reflexo claramente.

Klara se encara, igualmente hipnotizada.

— Kto to jest? — Ela diz suavemente. Quem é essa?

— É você, — eu rio. — Você está encantadora.

Meu vestido é bonito, mas o de Klara foi feito para ela.


Nunca uma peça de roupa coube tão bem em alguém. É como
se a costureira olhasse cem anos no futuro para sua musa.

— Você tem que ficar com ele, — digo a Klara. — Leve


para casa com você. Ninguém sabe que está aqui.

Digo em inglês, mas Klara entende a essência. Ela


balança a cabeça freneticamente, lutando para abrir o zíper.

— Nie, nie, — ela diz, puxando as costas. — Zdejmij to. —


Tire-o.

Eu a ajudo a tirar, antes que ela rasgue o material.

Ela sai do vestido, dobrando-o rapidamente e guardando-


o de volta na caixa.

— To nie dla mnie, — diz ela, balançando a cabeça. Não é


para mim.

Posso dizer que nada do que eu disser a convencerá.


É trágico pensar naquele vestido estragando aqui no
sótão, sem ninguém para usá-lo ou amá-lo como Klara faria.
Mas eu entendo que ela nunca poderia aproveitar, temendo
que Mikolaj descobrisse. Onde ela o usaria, afinal? Pelo que eu
posso dizer, ela passa todo o tempo aqui.

Colocamos os vestidos de volta na caixa e Klara veste o


uniforme mais uma vez, com mais coceira e calor do que nunca
em comparação com aquele vestido lindo. Em seguida, ela
procura em mais uma dúzia de caixas até que finalmente
encontra a que estava procurando.

— Tam! — Ela diz feliz.

Ela puxa a caixa para fora, colocando-a em meus braços.


É pesada. Eu cambaleio sob o peso. Quando ela levanta a
tampa, vejo dezenas de lombadas longas e finas, em uma
profusão de cores. É uma caixa de discos antigos.

— Isso é um toca-discos? — Eu pergunto a ela.

Ela concorda. — Na dół. — Andar de baixo.

Enquanto carrego os discos para a antiga sala de arte,


Klara pega o toca-discos. Ela o coloca no canto da sala,
equilibrado em uma das mesinhas finais que empurrei no
canto. O toca-discos é tão antigo quanto o vinil e ainda mais
empoeirado. Klara precisa limpar tudo com um pano úmido.
Mesmo depois que ela o conecta à parede para provar que o
prato ainda gira, nenhuma de nós tem certeza de que ele vai
tocar.
Pego um dos discos, removendo o vinil de sua capa
protetora. Klara o coloca com cuidado na bandeja e ajusta a
agulha no lugar. Ouve-se um som desagradável de estática e,
para nossa alegria e espanto, começa a tocar “All I Have to Do
Is Dream" dos Everly Brothers.

Nós duas começamos a rir, rostos e mãos sujas com a


poeira do sótão, mas nossos sorrisos mais brilhantes do que
nunca.

— Proszę bardzo. Muzyka, — diz Klara. Ai está. Música.

— Dziękuję Ci, Klara, — eu digo. Obrigada, Klara.

Ela sorri, encolhendo os ombros magros.

Depois que ela sai, examino o vinil da caixa. A maior parte


é dos anos 50 e 60 – não o que eu geralmente danço, mas
quilômetros melhor do que o silêncio.

No entanto, existem também alguns LPs27 de música


clássica, alguns de compositores dos quais nunca ouvi falar.
Eu toco alguns dos discos, procurando um que se adapte ao
meu humor.

Eu geralmente me inclino para uma música alegre e


otimista. Odeio admitir, mas Taylor Swift tem sido uma das
minhas cantoras favoritas há anos.

27 Abreviação de Long Playing Record, também conhecido como disco de vinil.


Não há nada parecido na caixa. Muito disso eu não
reconheço.

Uma capa chama minha atenção: é uma única rosa


branca em um fundo preto. O nome do compositor é Egelsei.

Troco o disco, colocando a agulha no lugar.

A música é diferente de tudo que já ouvi antes –


assombrosa, dissonante... ainda fascinante. Isso me faz pensar
nesta velha mansão rangendo durante a noite. De Klara em
seu vestido de bruxa, refletido em um espelho empoeirado. E
de uma garota, sentada em uma longa mesa iluminada por
velas, diante de Beast.

Isso me lembra contos de fadas – sombrios e


assustadores. Mas também tentador. Cheio de aventura,
perigo e magia.

Meus balés favoritos sempre foram aqueles baseados em


contos de fadas – Cinderela, O Quebra-Nozes, A Bela
Adormecida, A Flor de Pedra, O Lago dos Cisnes.

Sempre desejei que houvesse um balé do meu conto de


fadas favorito: A Bela e a Fera.

Por que não deveria haver?

Eu poderia fazer um.

Coreografei quatro músicas para Jackson Wright.


Eu poderia fazer um balé inteiro se quisesse, do começo
ao fim. Um que seria sombrio e gótico, assustador e lindo,
assim como esta casa. Eu poderia pegar todo o meu medo e
fascínio e colocá-los em uma dança. E seria lindo pra caralho.
Mais real do que qualquer coisa que já fiz antes.

Jackson disse que faltou emoção em meu trabalho. Talvez


ele estivesse certo. O que eu já senti antes?

Eu sinto coisas agora. Todo o tipo de coisas. Senti mais


emoções em duas semanas de cativeiro do que em toda a
minha vida antes.

Aumento o volume do toca-discos e começo a coreografar


meu balé.
15

Quando volto do cemitério para casa, espero encontrar a


mansão silenciosa e escura.

Em vez disso, enquanto caminho pelo corredor principal,


ouço o som distante de música tocando na ala leste.

Nessa não deveria ter música. Ela não pode ter um


telefone, um computador, nem mesmo um rádio. Mesmo
assim, ouço o som inconfundível de piano e violoncelo
misturados, e a batida leve de seus pés descalços no chão
acima.

Como um anzol na boca de uma truta, ele me pega e me


puxa escada acima antes que eu tome a decisão consciente de
me mover. Sigo a linha do som, não para o quarto de Nessa,
mas para o salão onde a filha do Barão costumava exibir as
suas aquarelas.

Quando chego à porta aberta, paro e fico olhando.

Nessa está dançando como eu nunca a vi dançar antes.


Ela está girando e girando, o pé erguido girando em torno da
perna de apoio, seus braços se abrindo e puxando com força
em direção ao corpo para girá-la ainda mais rápido.
Ela parece uma patinadora artística, como se o chão
devesse ser feito de gelo. Nunca vi alguém se mover de forma
tão limpa.

Ela está encharcada de suor. Seu collant rosa claro está


tão molhado que posso ver todos os detalhes por baixo, como
se ela estivesse completamente nua. Seu cabelo está se
soltando do coque apertado, mechas úmidas grudadas em seu
rosto e pescoço.

Ainda assim, ela vai cada vez mais rápido, saltando pelo
chão, descendo, rolando e pulando novamente.

Percebo que ela está agindo de uma forma – algum tipo


de cena. Parece que ela está fugindo, olhando por cima do
ombro. Então ela para, volta ao ponto de partida e dança a
mesma coisa novamente.

Ela está praticando. Não, isso não está certo – ela está
criando algo. Refinando-o.

Ela está coreografando uma dança.

Ela para, começa de novo.

Desta vez ela está fazendo uma parte diferente. Desta vez,
ela é a caçadora, perseguindo a figura invisível pelo palco. Era
para ser um dueto – mas porque ela é a única aqui, está
representando as duas partes.

Eu gostaria de poder ver o que ela está vendo, dentro de


sua cabeça.
Estou apenas captando pedaços disso. O que vejo é
emotivo, vincado com intensidade. Mas é apenas uma garota
em uma sala vazia. Ela está vendo um mundo inteiro ao seu
redor.

É hipnotizante. Eu a vejo repetir essa parte da dança


várias vezes, às vezes como caçadora, às vezes como presa. Às
vezes copiando exatamente o que ela fazia antes, e às vezes
alterando ligeiramente.

Então o álbum termina e nós dois voltamos à realidade.

Nessa está ofegante, exausta.

E estou parado na porta sem fazer ideia de quanto tempo


se passou.

Ela olha para cima e me vê. Seu corpo fica rígido e sua
mão voa até a boca.

— Sentindo-se em casa, eu vejo, — eu digo.

Ela empurrou todos os móveis para a extremidade da sala


e enrolou os tapetes. Ela olha ao redor culpada para o chão.

— Eu precisava de espaço para dançar, — diz ela. Sua


voz sai em um grasnido. Sua garganta está seca porque ela
esteve dançando por muito tempo.

— O que é isso? — Eu pergunto a ela.

— É... algo que estou fazendo.

— O que?
— Um balé.

— Eu posso ver isso, — eu digo laconicamente. — É sobre


o que?

— É um conto de fadas, — ela sussurra.

Claro que é. Ela é uma criança.

Mas a dança não foi infantil. Foi cativante.

O toca-discos está fazendo aquele som vazio e repetitivo


que significa que todas as faixas acabaram. A agulha salta
sobre o vinil nu. Atravesso a sala, levantando o braço e girando
o botão para que o prato pare de girar.

— Onde você conseguiu isso? — Eu pergunto a ela.

— Eu... eu encontrei, — diz ela.

Ela é uma péssima mentirosa. Klara deu a ela,


obviamente. Eles eram as únicas pessoas em casa.

Suspeitei que Klara estava se tornando amistosa com


nossa prisioneira. É um enigma que não consigo resolver. Eu
sabia que qualquer pessoa com um coração acharia a doce
pequena Nessa difícil de ignorar. Mas não posso confiar em
nenhum dos meus homens para vigiá-la. Ela é muito bonita.
Já é difícil fazer com que deixem Klara em paz, mesmo quando
ela usa seu uniforme horrível. A inocente Nessa em collant e
shorts de ginástica é uma tentação grande demais para
resistir. Eu tive que impedir que todos eles pisassem no quarto
dela. E mesmo assim, eu os vejo olhando para onde quer que
ela vá. Principalmente Jonas.

Isso me faz querer cortar fora suas bolas, cada uma delas.

Nessa é minha prisioneira.

Ninguém a toca, exceto eu.

Uma gota de suor desce por seu rosto, segue pelo lado da
garganta e passa pelo esterno, desaparecendo no espaço entre
os seios.

Meus olhos a seguem. O material translúcido de seu traje


se apega a seus seios pequenos e redondos. Posso ver a aréola
enrugada e os pequenos mamilos empinados apontando
ligeiramente para cima. Eles não são rosa como eu imaginei –
são castanhos claros, como as sardas em suas bochechas. São
tão sensíveis que endurecem diante dos meus olhos, apenas
com o calor do meu olhar.

Meus olhos vagam mais para baixo. Eu posso ver as rugas


descendo por sua barriga marcada e o recuo de seu umbigo.
Então, abaixo disso, o delta de sua vagina, e até mesmo o
contorno dos lábios de sua vagina, tão molhados de suor
quanto o resto de seu corpo.

Acima de tudo, posso sentir seu cheiro. Sinto o cheiro de


seu sabonete, de seu suor. E até mesmo sua pequena e doce
vagina, almiscarada e suave.

Isso me deixa faminto pra caralho.


Minhas pupilas dilataram-se tanto que posso ver cada
detalhe de seu corpo – as pequenas gotas de suor acima de seu
lábio. As manchas castanhas em seus olhos verdes. Os
arrepios subindo em seus braços. Os músculos tremendo em
suas coxas.

Sinto como se estivesse dormindo há cem anos e, de


repente, estou bem acordado. Meu pau está furioso dentro da
minha calça. Mais duro do que eu jamais senti – rígido,
pulsante, dolorido para sair.

Eu quero essa garota. Eu a quero aqui, agora,


imediatamente.

Eu a quero como nunca quis uma mulher antes. Eu quero


beijá-la e foder e comê-la viva.

Ela pode ver no meu rosto. Seus olhos estão arregalados


e sem piscar. Ela está enraizada no lugar.

Pego um punhado de seu cabelo suado e inclino a cabeça


para trás, expondo sua garganta longa e pálida.

Corro minha língua até o lado de seu pescoço, lambendo


seu suor. É limpo e salgado, explodindo na minha língua. É
melhor do que caviar. Eu engulo.

E então eu a beijo. Seus lábios estão secos de tanto


dançar. Lambo aqueles lábios, sentindo o gosto da pele
salgada, e então coloco minha língua em sua boca, e lambo
cada parte dela também – dentes, língua, palato. Inalo seu
cheiro e seu gosto. Eu fodo sua boca com minha língua.
Por um momento ela está congelada em meus braços,
tensa e apertada. Então, surpreendentemente, ela responde a
mim. Ela está me beijando de volta, sem habilidade ou estilo,
mas com uma fome que quase iguala a minha.

Estamos presos juntos, meus dedos cavando em sua


carne, suas mãos agarrando o material da minha camisa.

Quanto tempo dura, não tenho ideia.

Nós nos separamos, olhando um para o outro, igualmente


confusos sobre o que diabos aconteceu.

Há sangue em seu lábio. Eu posso sentir o gosto na


minha boca. Não sei se ela me mordeu ou se eu a mordi.

Ela toca o lábio e olha para a mancha brilhante de sangue


na ponta do dedo.

Então ela se vira e sai, correndo para fora da sala como


se eu estivesse batendo em seus calcanhares.

Eu não estou a seguindo. Estou chocado demais para


fazer isso.

Eu a beijei. Por que diabos eu a beijei?

Eu não tinha intenção de beijar Nessa, ou tocá-la em


tudo.

De todas as coisas más que fiz na minha vida, e são


incontáveis, nunca me forcei a uma mulher. É a única coisa
que não farei.
Então, por que eu a beijei?

Ela é linda. Mas existem milhares de mulheres bonitas no


mundo.

Ela é inocente. Mas eu odeio a porra da inocência.

Ela é talentosa. Mas de que adianta dançar, em um


mundo cheio de assassinos e ladrões?

Pego meu telefone, compelido a ver como ela está, como


tenho feito cada vez com mais frequência.

Acesso a câmera em seu quarto. Há apenas uma,


apontada para a cama. Eu não a vejo no banheiro ou no
chuveiro. Não sou tão depravado.

Com certeza, ela está deitada na cama, de bruços. Mas


não está chorando, como espero que esteja.

Ah não. O que ela está fazendo é completamente


diferente.

Ela tem a mão entre as coxas e está se tocando. Está


acariciando aquela pequena e doce vagina com os dedos,
enquanto esfrega seus quadris na cama. Ela ainda está usando
seu collant. Posso ver os músculos redondos de suas nádegas
flexionando a cada movimento de seus quadris.

Jesus Cristo. Meu coração está disparado e não consigo


tirar os olhos da tela. A imagem é em preto e branco, mas
totalmente nítida.
Observo enquanto puxa um travesseiro entre as pernas e
se senta ereta, esfregando-se no travesseiro em vez de na mão.
Ela o aperta entre as coxas, agarrando punhados do lençol,
montando o travesseiro como se fosse um homem embaixo
dela.

Sem nem perceber, tirei meu pau da calça. Estou


segurando-o com uma mão, o telefone com a outra. Meus olhos
estão fixos na tela. Eu não poderia desviar o olhar se minha
vida dependesse disso.

Vejo Nessa montar no travesseiro, todos os músculos


rígidos ao longo de seu corpo esguio – ombros, peito, bunda,
coxas, todos apertando o mais forte que podem. Sua cabeça
está jogada para trás e seus olhos estão fechados. Mesmo em
preto e branco, posso ver o rubor em suas bochechas.

Sua boca se abre quando ela começa a gozar. Vejo o choro


longo e silencioso.

Eu explodo na minha mão ao mesmo tempo. Tiro após


tiro de esperma, sincronizado com o movimento dos quadris de
Nessa. Eu nem mesmo tive que me acariciar.

Meus joelhos se dobram. Aperto meu pau com força,


tentando não gemer. O orgasmo é doloroso. Isso drena a vida
de mim.

Ainda estou olhando para a tela, para os traços delicados


de Nessa, seu corpo esguio. Ela finalmente está relaxando,
caindo de bruços na cama mais uma vez.
Não consigo tirar meus olhos dela. Cada linha de seu
corpo está queimada em minhas retinas, desde os fios de
cabelo encharcados de suor, até as omoplatas de pássaro, até
as longas linhas de suas pernas.

Eu não consigo desviar o olhar.


16

Acordo de manhã, pegajosa, suada e inundada de


vergonha.

As memórias girando em meu cérebro são apenas


pesadelos. Elas têm que ser.

Não há nenhuma maneira na terra verde de Deus que


meu primeiro beijo foi com meu sequestrador.

Eu não poderia ser tão estúpida.

E depois ainda me tocar!

Meu rosto está queimando de humilhação, lembrando


disso. Corri de volta para o meu quarto, com a intenção de me
esconder. Mas eu estava nervosa, latejando, ansiosa por algo.
E quando coloquei minha mão lá apenas por um segundo, me
senti muito bem. Parecia prazer e alívio e uma necessidade
desesperada de continuar, tudo de uma vez.

E esse orgasmo...

Oh meu Deus. Você poderia pegar cada vez que me toquei


antes, triturá-las no liquidificador, aumentá-las por um fator
de dez, e não chegaria nem perto do que acabei de
experimentar.

É insano e impossível, então não tem como realmente ter


acontecido.

Continuo dizendo a mim mesma enquanto tropeço para o


chuveiro, tirando meu collant nojento e me ensaboando pelo
que parece uma hora. Esfrego cada centímetro da minha pele,
tentando me livrar das sensações que continuam surgindo – a
forma como senti suas mãos, puxando meu cabelo. O gosto de
sua boca, como sal, cigarros, frutas cítricas e sangue. O
surpreendente calor de seus lábios. E a maneira como sua
língua deslizou pelo meu pescoço, acendendo cada neurônio
em meu cérebro como uma série de fogos de artifício.

Não, não, NÃO!

Eu odiei isso. Eu não gostei de nada disso. Foi horrível e


louco e nunca mais vai acontecer.

Saio do chuveiro, enrolando uma toalha em volta do meu


corpo e passando a palma da mão no espelho embaçado. Meu
próprio rosto assustado olha para mim, os lábios inchados e
os olhos culpados.

Pego minha escova de dente e esfrego minha boca


violentamente, tentando remover o gosto dele.

Quando saio do banheiro, Klara está ao lado da minha


cama. Eu dou um pequeno grito.
— Dzień dobry! — Ela diz alegremente.

— Ei, — digo entorpecida, muito deprimida para


responder na mesma moeda.

Ela franze os lábios, olhando para mim. Depois de


criarmos o pequeno estúdio de dança perfeito ontem, ela
esperava me achar alegre.

— Popatrz! — Ela diz, apontando para a cama. Veja!

Ela já arrumou a cama, puxando as cobertas e colocando-


as como sempre. Em seguida, espalhou uma dúzia de peças de
roupas de dança, incluindo collants, meia-calças, calças
warm-up, meias e dois pares de sapatilhas de ponta novas.

Não se trata de qualquer roupa de dança – são collants


Yumiko e sapatilhas Grishko. Os warm-ups são algumas das
peças mais recentes da Eleve. É melhor do que o que tenho no
meu armário em casa. Pegando as sapatilhas de ponta, vejo
que são do tamanho exato.

— De onde veio isso? — Pergunto a Klara fracamente. —


Você comprou isso?

Ela apenas encolhe os ombros, sorrindo.

Ela pode ter escolhido, mas não acho que ela pagou por
isso. Não que eu quisesse – duvido que ela ganhe muito
dinheiro. Mas a alternativa é pior. Mikolaj disse a ela para
conseguir tudo isso? Porque eu deixei ele me beijar?

Isso me faz estremecer.


Quero tirar tudo da cama e jogar no lixo.

Eu não posso fazer isso, no entanto. Klara parece muito


satisfeita, muito esperançosa.

Ela pensou que eu ficaria feliz em ter algo melhor para


vestir do que meu único collant cada vez mais esfarrapado.

— Obrigada, Klara, — digo, tentando forçar um sorriso.

Enquanto isso, meu estômago se aperta em um nó.

Estou tão confusa. Num minuto acho que Beast vai me


matar e no minuto seguinte ele está comprando presentes para
mim. Não sei o que é pior.

Klara gesticula para que eu coloque uma das roupas.

Deus, eu realmente não quero.

— Tutaj, — ela diz, escolhendo um para mim.

É uma malha lilás sem costas, com polainas cinza


tricotado e uma blusa cortada combinando. É realmente lindo.
E do tamanho certo.

Eu o visto, apreciando o material fino e elástico, como


tudo é novo e bem ajustado.

Klara dá um passo para trás, sorrindo de satisfação.

— Obrigada, — digo a ela novamente, com mais


sinceridade desta vez.

— Oczywiście, — ela diz. Claro.


Ela me trouxe o café da manhã – aveia, morangos e
iogurte grego. Café e chá também. Quando termino de comer,
vou direto para o meu estúdio para voltar ao trabalho.

Nunca me senti tão compelida a trabalhar em um projeto


antes. Longe de estragar tudo com sua interrupção, Mikolaj me
deu mais ideias do que nunca. Não quero dizer que ele me
inspirou, mas certamente despertou algumas emoções que
posso colocar em meu trabalho. Medo, confusão, angústia e
talvez... um pouco de excitação.

Não estou atraída por ele. Eu absolutamente não estou.


Ele é um monstro, e não se parece com um gangster normal.
Minha família pode ser criminosa, mas eles não são violentos,
a menos que tenham que ser. Fazemos o que fazemos para
progredir no mundo, não para machucar as pessoas. Mikolaj
sente prazer em me fazer sofrer. Ele é amargo e vingativo. Ele
quer matar todos que amo.

Eu nunca poderia ser atraída por um homem assim.

O que aconteceu ontem à noite foi apenas o resultado de


ficar presa por semanas a fio. Foi uma espécie de Síndrome de
Estocolmo distorcida.

Quando eu conseguir um namorado algum dia – quando


eu tiver tempo, quando eu conhecer alguém legal – ele será
doce e cortês. Ele vai me trazer flores e abrir a porta para mim.
Ele não vai me assustar e me atacar com um beijo que me faz
sentir como se estivesse sendo comida viva.
É nisso que estou pensando enquanto coloco o disco de
volta no toca-discos e a agulha no lugar.

Mas assim que aquela música gótica estranha começa de


novo, minha mente começa a se desviar para uma direção
diferente.

Eu imagino uma garota vagando na floresta. Ela chega a


um castelo. Abre a porta e se esgueira para dentro.

Ela está com muita, muita fome. Então, quando ela


encontra uma sala de jantar com a mesa toda posta, ela se
senta para comer.

Mas ela não está sozinha na mesa.

Ela está sentada em frente a uma criatura.

Uma criatura com pele escura e padronizada. Dentes


afiados e garras. E olhos claros, como lascas de gelo ártico...

Ele é um lobo e um homem ao mesmo tempo. E ele está


terrivelmente faminto. Mas não por nada na mesa...

Trabalho a manhã toda e direto para o almoço. Klara


pousa uma bandeja em meu novo estúdio. Esqueço-me de
olhar até que a canja esteja fria como uma pedra.

Depois do almoço, passo algum tempo estudando meu


exemplar de Lalka, depois planejo dar uma volta pelo jardim.
Ao cruzar o nível principal da casa, ouço o som inconfundível
da voz de Mikolaj.
Ele envia uma corrente pelo meu corpo.

Antes de saber o que estou fazendo, diminuo a velocidade


para ouvir. Ele está andando pelo corredor em minha direção,
mas ainda não me viu. É Mikolaj e o de cabelos escuros com
um sorriso agradável – Marcel.

Estou entendendo cada vez mais o que eles dizem. Na


verdade, suas próximas frases são tão simples que as entendo
perfeitamente:

— Rosjanie są szczęśliwi, — diz Marcel. Os russos estão


felizes.

— Oczywiście że są, — responde Mikolaj. — Dwie rzeczy


sprawiają, że Rosjanie są szczęśliwi. Pieniądze i wódka. —
Claro que eles estão. Duas coisas fazem os russos felizes –
dinheiro e vodca.

Mikolaj me viu e parou. Seus olhos percorrem minhas


roupas novas. Acho que vejo a sugestão de um sorriso em seus
lábios. Eu não gosto imensamente.

— Terminou seu trabalho do dia? — Ele diz


educadamente.

— Sim, — eu respondo.

— Agora deixe-me adivinhar... um passeio no jardim.

Estou aborrecida por ele me achar tão previsível. Ele acha


que me conhece.
Eu gostaria de perguntar a ele quanto dinheiro ele deu
aos russos, só para ver a expressão em seu rosto. Quero lhe
mostrar que ele não sabe tudo dentro da minha cabeça.

Mas isso seria muito tolo. Aprender sua língua em


segredo é uma das únicas armas que tenho. Não posso
desperdiçá-la assim. Tenho que usar no momento certo,
quando for importante.

Então forço um sorriso no rosto e digo: — Isso mesmo.

Então, quando os dois homens estão prestes a passar por


mim, acrescento: — Obrigada pelas roupas novas, Mikolaj.

Vejo um lampejo de surpresa no rosto de Marcel. Ele está


tão chocado quanto eu que meu captor está me comprando
presentes.

Beast não dá a mínima para o que qualquer um de nós


pense.

Ele apenas dá de ombros e diz: — Suas antigas estavam


imundas.

Então ele passa por mim como se eu nem existisse.

Bom. Eu não me importo se ele me ignorar.

Contanto que ele mantenha suas mãos para si mesmo.


17

É estranho estudar os homens que você deseja matar.

Você os observa, segue-os, aprende tudo sobre eles.

De certa forma, você se torna mais próximo deles do que


de sua própria família.

Você aprende coisas sobre eles que nem mesmo sua


família sabe. Você vê seus hábitos de jogo, suas amantes, seus
filhos ilegítimos, seu amor por alimentar os pombos no Lincoln
Park.

Dante Gallo não é fácil de seguir ou aprender.

Como o filho mais velho da família Gallo, ele teve mais


tempo para aprender com Enzo Gallo. Ele é um filho mais velho
clássico – um líder. Disciplinado. Responsável.

Ele também é cauteloso como um gato. Ele parece sentir


quando alguma coisa está fora do lugar, quando alguém está
de olho nele. Deve ser seu treinamento militar. Dizem que ele
serviu seis anos no Iraque – incomum para um mafioso. Eles
não são patriotas. Sua lealdade é para com sua família, não
seu país.
Talvez Enzo quisesse que ele se tornasse o soldado
perfeito. Ou talvez tenha sido uma rebelião juvenil da parte de
Dante. Tudo que sei é que fica muito difícil encontrar seus
pontos fracos.

Ele não segue um cronograma definido. Ele raramente vai


a qualquer lugar sozinho. E, pelo que eu posso dizer, ele não
tem vícios.

Claro, isso não pode ser verdade. Ninguém é tão


regulamentado.

Ele certamente tem um fraquinho pelos irmãos. Se ele


não está trabalhando, está atendendo a eles. Faz a maior parte
do trabalho que dirige os negócios de seu pai. Ele consegue
manter Nero Gallo longe de problemas sérios – uma tarefa de
Sísifo que parece tão variada quanto interminável, já que Nero
parece em partes criativas e perturbadas. Em uma semana,
Nero entra em uma briga de faca fora de Prysm, bate seu antigo
Bel Air na Grand Avenue e seduz a esposa de um gângster
vietnamita extremamente desagradável. Dante suaviza cada
uma dessas indiscrições, enquanto visita seu irmão mais novo
na escola e sua irmã Aida no escritório do vereador.

Que menino ocupado, nosso Dante.

Ele mal tem tempo de beber uma cerveja em um pub. Ele


não parece ter namorada, namorado ou uma prostituta
favorita.
Seu único hobby é o campo de tiro. Ele vai lá três vezes
por semana para praticar a pontaria, que aparentemente foi
responsável por sessenta e sete mortes de Fallujah a Mosul.

Suponho que foi assim que ele acertou Tymon com três
tiros no peito. A prática leva à perfeição.

Agora que matei dois coelhos com uma cajadada só,


extorquindo dinheiro dos Griffin e pagando aos russos,
gostaria de fazer o mesmo com Dante. Eu gostaria de foder com
ele regiamente, enquanto me livro de outro inimigo ao mesmo
tempo.

Então, da próxima vez que Dante fizer sua visita ao


campo de tiro, mandarei Andrei roubar a Beretta de Dante de
sua bolsa. É sua antiga arma de serviço, uma das poucas que
tenho certeza que foi comprada legalmente e registrada em seu
nome.

A próxima parte é um pouco complicada. Dante é muito


inteligente para atrair para uma emboscada. Então eu tenho
que trazer a emboscada para ele.

Posso não ser íntimo do comissário de polícia como


Fergus Griffin, mas tenho dois policiais de ronda na minha
folha de pagamento: os policiais Hernandez e O'Malley. Um
nunca cobre a propagação dos Cubs, o outro deve pensão
alimentícia a três mulheres diferentes.

Digo-lhes que estacionem o carro patrulha a um


quarteirão da casa dos Gallo, bem no centro de Old Town. Eles
esperam lá todas as noites, durante toda a semana. Até que
finalmente chega uma noite em que Enzo e Nero estão fora e
Dante está sozinho em casa.

Agora é aqui que trazemos o outro pássaro.

Walton Miller é o chefe do BACP em Chicago – o que


significa que ele é o sujeito que distribui licenças de bebidas.
Ou as rescinde, quando sua palminha gordinha não é cruzada
com um suborno que se adapta a sua fantasia.

Ele está ficando cada vez mais ganancioso a cada ano,


extorquindo-me por cinco pagamentos separados para meus
bares e clubes de strip.

Miller tem um problema com os Gallo. Os Gallo possuem


dois restaurantes italianos, e Dante não pagou por nenhum
deles, apesar de vender vinho suficiente para encher o Lago
Michigan.

Dou a Miller um bom e pesado pagamento pelas minhas


licenças de bebidas. Então eu dou a ele uma pasta cheia de
evidências contra Dante Gallo – um monte de merda
manipulada que parece declaração de impostos ilegais do
restaurante.

Como o idiota que é, Miller vai correndo para a casa dos


Gallo, pensando que vai torcer o braço de Dante.

No curso normal dos eventos, Dante literalmente torceria


o braço de Miller em retorno – torceria até que se quebrasse,
colocaria fogo em suas provas e enviaria Miller de volta
furtivamente para casa com o rabo entre as pernas e uma
melhor apreciação do por que ninguém mais na cidade de
Chicago seria estúpido o suficiente para tentar chantagear
Dante Gallo.

Isso é o que normalmente aconteceria.

Mas às 10:04, Miller bate na porta.

Às 10:05, Dante o deixa entrar.

Às 10:06, uma chamada anônima liga para o 911,


relatando tiros disparados na 1540 North Wieland Street.

Às 10h08, os policiais Hernandez e O'Malley são enviados


para investigar, como a viatura mais próxima do local.

Às 10h09, eles estão onde Miller estava, batendo na porta


da residência Gallo. Dante abre. Ele tenta recusar a entrada
sem um mandado, mas os policiais têm causa provável.
Relutantemente, ele os deixa entrar em casa.

O resto é retransmitido para mim através do próprio


Oficial Hernandez, mais tarde naquela noite, em sua maneira
colorida de sempre:

— Então entramos em casa e começamos a bisbilhotar


enquanto Gallo fica parado ali, todo emburrado, de braços
cruzados. Ele disse: ‘Veja, nenhum tiroteio acontecendo. Então
dê o fora’. Miller está à espreita na sala de jantar, parecendo
arredio pra caralho. Então eu digo, ‘Você pode vir aqui, por
favor, senhor’, como se eu não tivesse ideia de quem ele é. Ele
sai no corredor, os olhos meio que indo e voltando, sem saber
o que diabos está acontecendo. Nervoso como pode ser. Gallo
é legal como um pepino, não dá nada de graça.

—... O'Malley diz: ‘O que vocês dois cavalheiros estão


fazendo?’ E Gallo diz: ‘Não é da sua conta’. E Miller tenta dar
uma desculpa e Gallo o interrompe e diz: ‘Não responda a
nenhuma das perguntas deles.’ Então eu digo, ‘Você tem
alguma arma com você, senhor?’ E Gallo diz: ‘Não.’ Então eu
digo: ‘Bom’, e eu puxo minha arma para ele.

—... Gallo diz: ‘É melhor você se cuidar, oficial. Não sou


uma criança do lado fora de uma loja de conveniência. Você
não pode colocar oito no meu peito e chamar isso de legítima
defesa.’ Então O'Malley disse: ‘Não se preocupe, não estamos
aqui por você’. E ele puxa a Beretta e esvazia metade do pente
no Miller.

—... Miller cai sem um pio, apenas um olhar idiota em


seu rosto. Ele nem mesmo viu isso chegando. O'Malley chuta
a perna para ter certeza de que está morto, e com certeza,
Miller é um cadáver instantâneo.

— ...Estou vigiando Gallo o tempo todo. Ele é como uma


pedra, cara, ele não vacila. Mas assim que ele vê a Beretta, ele
a reconhece. Seus olhos se arregalam porque ele sabe que está
fodido. Ele olha para mim e posso ver seu cérebro funcionando.
Acho que ele vai correr para mim.
—... O'Malley diz: ‘Nem pense nisso, ainda tenho quatro
balas.’ Ele aponta sua arma para Gallo. Eu tenho a minha
apontada bem na cara dele.

— ...Frio como um picolé, Gallo diz: ‘Quanto você está


ganhando por isso?’ O que é claro que eu não considero nem
um pouco, chefe. Eu digo, ‘Não é da sua conta, porra. Você
não vai sair dessa.’

— ...Então algemamos aquele filho da puta e O'Malley o


coloca na viatura. Limpo a Beretta e a coloco nas mãos de Gallo
enquanto elas estão algemadas nas costas, para obter algumas
impressões digitais da arma e alguns resíduos em suas mãos.
Eu me certifico de que a cena está linda e bonita, então eu
ligo. Tudo deu certo, chefe. Assim como planejamos.

Como eu planejei. Esses dois idiotas mal conseguiriam


preencher um formulário do McDonald's sem ajuda.

— Onde ele está agora? — Eu pergunto.

— Miller?

— Não, — eu digo, com os dentes cerrados. — Presumo


que o Miller esteja no necrotério. Estou perguntando sobre
Dante Gallo.

— Oh. Ele está na delegacia. Gallo ligou para Riona


Griffin lá na mesma hora, e ela tentou obter uma dispensa
rápida, mas é o juiz Pitz que está cuidando dos casos esta
semana e ele disse de jeito nenhum, e sem fiança também. Ele
não é fã dos Gallo. Então, Dante pode ficar na prisão por um
futuro previsível enquanto investigamos essa coisa, bem
devagar.

Eu sorrio, imaginando Dante em um conjunto nítido de


uniforme da prisão, espremido em uma cela mal grande o
suficiente para caber seu corpo enorme. E seus irmãos, todos
muito ansiosos para correr soltos sem seu irmão mais velho os
mantendo sob controle. Enzo está ficando velho – Dante é o
eixo que mantém os Gallo juntos. Eles cairão em pedaços sem
ele.

— Você quer que eu descubra quem está na cela com ele,


chefe? — Hernandez pergunta. — Posso colocar uma bela
haste enferrujada entre as costelas a qualquer momento que
você quiser.

— Não, — eu digo.

Dante vai apodrecer lá, miserável e furioso.

Quando eu decidir que é hora de ele morrer, não vou


delegar a tarefa a um idiota como Hernandez.

Gosto que Riona Griffin esteja defendendo Gallo. Isso


também me dá muitas oportunidades de sujar as mãos – não
que alguém tenha a impressão de que ela obteve seu diploma
de advocacia para defender a lei.

Tudo está se encaixando perfeitamente.

Claro, estou esperando alguma resistência de meus


inimigos. Eles não vão receber golpes como este deitado.
Com certeza, no dia seguinte, os homens dos Griffin
confiscaram um armazém cheio de armas pertencente aos
russos, atirando em dois de seus soldados no processo.

Enquanto isso, do outro lado da cidade, Nero Gallo


incinera meu clube de strip mais lucrativo. Felizmente, eram
3h da manhã, depois que todas as minhas meninas foram para
casa. Mas ainda é irritante, assistir a filmagem de Nero
acendendo tudo.

Não é mais do que eu esperava – menos, na verdade.


Essas são represálias fracas de duas famílias que geralmente
governam esta cidade com punho de ferro. Eles estão abalados
e espalhados, como eu esperava. Falta de propósito e plano.

Toda essa ação é quase o suficiente para me distrair da


garota que mora em minha casa. Aquela que trabalha em seu
balé dia e noite, os acordes ásperos da música de sua
plataforma giratória empoeirada descendo as escadas.

Eu a observo mais do que jamais admitiria. Há uma


câmera em seu estúdio, igual a todas as salas da ala leste.
Posso espioná-la pelo telefone a qualquer hora que quiser. Ele
está no meu bolso constantemente. A compulsão de puxar o
telefone é onipresente.

Mas eu quero mais.

Eu quero vê-la pessoalmente novamente.


Então, cerca de uma semana depois de incriminar Dante
Gallo com sucesso, eu a procuro na pequena biblioteca na ala
leste.

Ela está usando uma das roupas que encomendei à Klara


para lhe comprar: um body floral azul e uma saia de chiffon,
sobre meia-calça creme que é cortada nos saltos e dedos dos
pés para que pedaços de seus pés descalços fiquem visíveis.

Esses pés estão pendurados no braço de uma poltrona de


couro estofada. Nessa adormeceu lendo. O livro está aberto em
seu peito – The Doll, de Boleslaw Prus. Vejam só... Nessa está
tentando absorver um pouco da nossa cultura. Klara
provavelmente o recomendou.

Nessa tem outro livro pressionado entre sua coxa e a


cadeira. Algo velho, com capa de couro gasta. Estou prestes a
puxá-lo quando ela acorda assustada.

— Oh! — Ela engasga, enfiando os livros fora de vista sob


uma almofada. — O que você está fazendo aqui?

— É minha casa, — eu a lembro.

— Eu sei, — ela diz. — Mas você nunca veio aqui. Ou,


pelo menos não muito.

Ela enrubesce, lembrando o que aconteceu da última vez


que vim para a ala leste.

Ela não precisa se preocupar. Isso não vai acontecer


novamente.
— Você não tem que esconder os livros, — digo a ela. —
Você tem permissão para ler.

— Sim, — ela diz, não exatamente encontrando meus


olhos. — Certo. Bem... Você precisava de algo?

Muitas coisas. Nenhuma das quais Nessa pode me dar.

— Na verdade, vim lhe fazer a mesma pergunta, — digo a


ela.

Não é o que eu planejei dizer. Mas eu me pego


perguntando do mesmo jeito.

— Não! — Ela diz, balançando a cabeça violentamente. —


Eu não preciso de mais nada.

Ela não quer mais presentes meus.

Eu não tinha planejado dar a ela nenhum. Mas agora


quase quero, só para irritá-la.

— Você tem certeza? — Eu a pressiono. — Eu não quero


você rastejando no meu sótão tentando arranjar o que você
precisa.

Ela morde o lábio, envergonhada por eu ter descoberto


sobre isso. Isso mesmo – eu sei tudo o que acontece na minha
casa. Ela faria bem em se lembrar disso.

Ela hesita. Há algo que ela quer. Ela está com medo de
me perguntar.
— Agora que você mencionou o sótão, — ela diz, — tem
um vestido lá em cima...

— Que tipo de vestido?

— Um velho. Em uma caixa, com um monte de outras


roupas chiques.

Eu franzo a testa. — O que tem isso?

Ela respira fundo, torcendo as mãos no colo. — Posso


pegar? E fazer o que eu quiser com ele?

Que pedido estranho. Ela não me pediu nada desde que


veio, e agora quer um vestido velho roído por traças?

— Para que? — Eu pergunto a ela.

— Eu só... gostei, — diz ela desajeitadamente.

Ela gostou? Ela tem dezenas de vestidos no guarda-roupa


de seu quarto. Vestidos de grife, novos e exatamente no
tamanho dela. Talvez ela queira um vestido velho para o balé.

— Tudo bem, — eu digo.

— Mesmo? — Seu rosto se ilumina, a boca se abre de


surpresa e felicidade.

Kurwa, se isso é o suficiente para deixá-la animada, eu


odiaria ver sua reação a um favor real. Ou talvez adoraria ver.
Eu nem sei mais.
A oferta de paz parece relaxá-la. Ela se senta na cadeira
e realmente se inclina para mim, em vez de se encolher.

— Você acabou de chegar do jardim? — Ela diz.

— Sim, — eu admito. — Você me viu pela janela, antes de


adormecer?

— Não, — ela balança a cabeça. — Posso sentir o cheiro


da katsura em suas roupas.

— Da kat... o quê?

Ela enrubesce. Ela realmente não queria conversar.

— É uma árvore. Você tem isso no jardim. Quando as


folhas mudam de cor, elas cheiram a açúcar mascavo.

Ela olha para os meus braços, nus sob as mangas da


minha camiseta. Aquelas sobrancelhas expressivas dela se
unem, e seus cílios varrem para cima e para baixo como leques
enquanto ela me examina.

— O que? — Eu digo. — Os mafiosos irlandeses têm


tatuagens, não têm? Ou os Griffin evoluíram além disso?

— Temos muitas tatuagens, — diz ela, sem se sentir


ofendida.

— Mas você não, — eu digo.

— Na verdade, eu tenho. — Ela enfia uma mecha de


cabelo atrás da orelha, virando a cabeça para que eu possa ver.
Com certeza, ela tem uma pequena lua crescente tatuada atrás
da orelha direita. Eu nunca percebi isso antes.

— Por que uma lua? — Eu pergunto a ela.

Ela encolhe os ombros. — Eu gosto da lua. Ela muda o


tempo todo. Mas também permanece a mesma.

Agora ela está olhando para os meus braços novamente,


tentando decifrar o significado das minhas tatuagens. Ela não
vai entendê-las. Elas são densas, complicadas e têm
significado apenas para mim.

É por isso que fico chocado quando ela diz: — Isso é do


mapa de O Hobbit?

Ela está apontando para um símbolo minúsculo


escondido dentro dos padrões giratórios em meu antebraço
esquerdo. É um pequeno delta, próximo à sugestão mais
simples de uma linha. Camuflado por toda a tinta ao redor.

Os olhos verdes brilhantes de Nessa estão vasculhando


minha pele, correndo de um lugar para outro.

— Essa é a borda da montanha, — ela aponta. — Então


esse é o rio. E uma árvore. Ah, e aí está o canto da teia de
aranha!

Ela é como uma criança caçando pistas, tão satisfeita


consigo mesma que não consegue ver a indignação em meu
rosto. Sinto-me exposto como nunca antes. Como ela se atreve
a detectar as coisas que escondi com tanto cuidado?
Pior ainda, ela continua.

— Oh, isso é de A Rainha da Neve, — ela aponta para um


pequeno floco de neve, — Isso é de Alice no País das
Maravilhas, — um frasco de remédio, — E isso... oh esse é O
Pequeno Príncipe! — Uma rosa.

Só quando ela olha para mim, esperando que eu fique


igualmente impressionado com sua observação, é que ela vê o
choque e a amargura em meu rosto.

— Você deve gostar de ler... — ela diz, sua voz sumindo.

Os símbolos desses livros são minúsculos e obscuros.


Peguei apenas as partes menores e menos reconhecíveis das
ilustrações, escondendo-as dentro da obra maior que não
significa nada.

Ninguém nunca os notou antes, muito menos adivinhou


o que significavam.

Parece uma violação. Nessa não tem ideia de como ela


errou. Eu poderia estrangulá-la agora, apenas para impedi-la
de falar outra palavra.

Mas ela não tem intenção de dizer mais nada. Seu rosto
está pálido e assustado mais uma vez. Ela vê que me ofendeu,
sem saber por quê.

— Sinto muito, — ela sussurra.

— Como você viu isso? — Eu exijo.


— Não sei, — ela diz, balançando a cabeça. — Eu sou boa
em escolher padrões. É por isso que posso aprender danças
tão rapidamente. E idio... — ela interrompe, sem terminar a
frase.

Minha pele está queimando. Cada tatuagem que ela


nomeou parece que está pegando fogo.

Não estou acostumado a ficar nervoso. Principalmente


por uma garota que mal é adulta. Nem mesmo a porra de um
adulto, no sentido americano da palavra. Ela tem apenas
dezenove anos. Ela não pode comprar uma cerveja ou alugar
um carro. Ela mal consegue votar!

— Sinto muito, — diz Nessa novamente. — Não sabia que


eram um segredo. Que eram só para você.

O que diabos está acontecendo?

Como ela sabe disso? Como ela sabia o que significavam?

A última pessoa que poderia adivinhar os pensamentos


em minha cabeça foi Anna. Ela era a única que poderia fazer
isso.

Anna era inteligente. Boa em lembrar coisas. Amante de


livros.

Ninguém nunca me lembrou dela.

Nessa também não. Elas não se parecem ou soam


parecidas.
Exceto em uma coisa...

Para mudar de assunto, digo abruptamente: — Você está


quase terminando o seu balé?

— Sim, — diz Nessa, ainda mordendo os lábios


nervosamente. — Bem, no meio do caminho de qualquer
maneira.

— É um show completo?

— Sim.

— Você já fez um antes?

— Bem... — ela franze a testa. — Coreografei quatro


danças para um balé chamado Bliss. Era para estrear... bem,
agora, eu acho. Mas o diretor, seu nome é Jackson Wright, ele
disse que minhas danças eram uma merda. Então não colocou
meu nome no programa... — ela suspira. — Eu sei que parece
bobo. Isso era importante para mim na época. Machucou meus
sentimentos. Eu meio que senti que ele roubou meu trabalho.
Mas ele pode estar certo. Agora que estou trabalhando nessa
outra coisa, acho que o que fiz antes foi estúpido. E não é muito
bom.

— Bom o suficiente para ele usar, no entanto, — eu digo.

— Sim, — ela diz. — Partes dele, de qualquer maneira.

Ela envolve os braços magros em volta das pernas,


abraçando as coxas contra o peito. Sua flexibilidade é
enervante. Sua fragilidade também. Não admira que tantas
pessoas se aproveitem dela. A família dela. Este diretor. E eu,
claro.

Nada sobre Nessa exala força.

Ela não é intimidante.

Mas ela é... intrigante.

Ela é uma música que fica presa na sua cabeça, repetindo


indefinidamente.

Quanto mais você ouve, mais ela se aloja em seu cérebro.

A maioria das pessoas se torna previsível quanto mais


você as observa.

Nessa Griffin é o oposto. Achei que sabia exatamente


quem ela era – uma pequena princesa protegida. Uma
dançarina vivendo em um mundo de fantasia.

Mas ela é muito mais inteligente do que eu pensava. Ela


é criativa, perceptiva.

E genuinamente gentil.

Fico sabendo disso no dia seguinte, quando volto a


espioná-la. Eu a vejo deslizar de volta para o sótão, para
recuperar este vestido misterioso no qual ela está tão fixada.

É preto e prata, definitivamente antiquado. Talvez de um


daqueles bailes à fantasia da Era Dourada, como os
Vanderbilts costumavam jogar. Eu não sabia que o vestido
existia. O sótão está cheio de caixas, mais adicionadas por
todas as famílias que moraram nesta casa, e quase nenhuma
delas removida.

Vejo Nessa trazer o vestido de volta para seu quarto. Ela


areja, certificando-se de que não haja nenhum grão de poeira.

Então ela o coloca na cama e espera.

Quando Klara chega com a bandeja do jantar, Nessa corre


até ela.

Não há som da câmera, mas posso ver as expressões em


seus rostos com clareza suficiente.

Klara balança a cabeça, não querendo se meter em


encrenca.

Nessa garante que está tudo bem, que dei permissão.

Ainda sem acreditar, Klara toca na saia do vestido. Então


ela abraça Nessa.

De todas as coisas que Nessa poderia ter me pedido, ela


queria aquele vestido. Mas não por ela mesma. Ela queria dar
de presente.

Eu deveria despedir Klara. É óbvio que as duas garotas


se tornaram próximas. É muito arriscado a carcereira de Nessa
ser sua amiga.

Ainda assim, enquanto as vejo rindo e tocando


suavemente o vestido, eu não quero fazer isso.

Talvez mais tarde. Hoje não.


18

Estou perdendo a noção de quanto tempo estou na casa


de Mikolaj.

Os dias passam tão rápido quando você não tem


nenhuma programação ou nada planejado.

Não tenho ideia do que está acontecendo no mundo real.


Não tenho TV, telefone ou computador. A Terceira Guerra
Mundial poderia ter começado, e eu não teria ideia.

Estou em um lugar sem datas nem horários. Pode ser


1890 ou 2020, ou algo entre os dois.

Você pensaria que eu estaria obcecada com minha família


constantemente. No começo, eu estava – sabia que eles
estariam procurando por mim. Preocupados, apavorados,
pensando que estava morta. Senti falta deles. Deus, eu senti
falta deles. Eu nunca tinha ficado tanto tempo sem falar com
minha mãe, sem mencionar Riona, Callum e papai. Aida
também! Normalmente, mandamos mensagens de texto vinte
vezes por dia, mesmo que sejam apenas memes de gatos.

Agora eu sinto que deslizei para outro mundo. Eles estão


muito mais longe do que o outro lado da cidade.
Não estou mais sonhando com eles à noite.

Meus sonhos são muito mais sombrios do que isso.


Acordo de manhã corada e suando. Envergonhada demais
para admitir onde minha mente vagou durante a noite...

Durante o dia, penso nos estranhos que vivem nesta casa


comigo. Eu me pergunto sobre Klara, como era sua vida na
Polônia. Como é a família dela. Eu me pergunto sobre o resto
dos homens nesta casa – por que Andrei passa tanto tempo
perambulando pelo terreno e se Marcel tem uma queda por
Klara, como eu suspeito que ele tenha.

A única pessoa sobre a qual não me pergunto é Jonas,


porque o acho profundamente assustador. Odeio a maneira
como ele me olha sempre que nos cruzamos na casa. Ele é pior
do que Mikolaj, porque, pelo menos, Mikolaj é genuíno – ele
realmente me odeia. Jonas finge ser amigável. Ele está sempre
sorrindo e tentando puxar conversa. Seus sorrisos são tão
falsos quanto sua colônia.

Hoje ele me encurrala na cozinha. Procuro Klara, mas ela


não está.

— O que você precisa? — Jonas diz, encostado na


geladeira para que eu não possa passar.

— Nada, — eu digo.

— Vamos. — Ele sorri. — Você deve precisar de algo, ou


então por que você veio aqui? O que é? Qual é a sua guloseima
favorita? Você quer biscoitos? Leite?
— Eu só estava procurando por Klara, — digo a ele,
tentando passar furtivamente por seu lado direito.

Ele se endireita, parando na minha frente para bloquear


meu caminho.

— Eu também sei cozinhar, — diz ele. — Você sabe que


Klara é minha prima? Tudo que ela pode fazer, eu posso fazer
melhor...

Tento não deixar meu rosto mostrar o quanto estou


enojada. Jonas sempre faz tudo soar como uma insinuação
sexual. Mesmo que eu não entenda o que ele quer dizer, posso
dizer que ele está tentando me provocar.

— Deixe-me passar, por favor, — eu digo baixinho.

— Para ir aonde? — Jonas diz, em voz baixa. — Você tem


algum esconderijo que eu não conheça?

— Jonas, — alguém late da porta.

Jonas se vira ainda mais rápido do que eu. Nós dois


reconhecemos a voz de Mikolaj.

— Ei, chefe, — Jonas diz, tentando recuperar seu tom


casual.

Não há nada casual na expressão de Mikolaj. Seus olhos


estão estreitos em fendas e seus lábios estão pálidos.

— Odejdź od niej, — ele sibila.

Afaste-se dela.
— Tak, Szefie, — Jonas diz, com uma pequena inclinação
de sua cabeça. Sim, chefe.

Jonas sai correndo da cozinha. Mikolaj não se move para


deixá-lo passar, então Jonas tem que virar de lado antes de
sair correndo.

Sob o olhar ardente de Mikolaj, sinto que também fiz algo


errado. Não consigo olhar nos olhos dele.

— Não fale com ele, — Mikolaj ordena, baixo e furioso.

— Eu não quero falar com ele! — Eu choro indignada. —


É ele quem está me incomodando! Eu o odeio!

— Bom, — diz Mikolaj.

Ele tem a expressão mais estranha em seu rosto. Não


consigo entender nada. Se eu não o conhecesse, quase
pensaria que ele estava com ciúme.

Espero que ele diga mais alguma coisa, mas, em vez


disso, ele se vira e se afasta sem dizer mais nada. Eu o ouço
sair pela porta da estufa, e quando olho pela janela, vejo-o
caminhando pelo gramado, até o outro lado do terreno.

Estou confusa e furiosa.

De todas as pessoas nesta casa, eu penso mais em


Mikolaj.

Eu não quero. Mas não consigo evitar. Quando ele está


em casa, sinto que estou presa dentro da gaiola de um tigre
com o próprio perambulando por aí. Não posso ignorá-lo, tenho
que manter o controle de onde ele está, o que está fazendo,
para que ele não possa se arrastar atrás de mim.

Mas quando ele sai é ainda pior, porque sei que ele está
fazendo algo horrível, provavelmente para as pessoas que mais
amo.

Eu não acho que ele matou nenhum deles ainda. Não


acredito que ele tenha. Eu ouvia seus homens falando sobre
isso. Ou ele mesmo me diria, apenas para se gabar.

Mas posso sentir as rodas girando, empurrando-nos para


o destino que ele estabeleceu. O trem continua avançando.

Razão pela qual deveria odiá-lo, mais do que odeio Jonas.

Deveria ser a coisa mais fácil do mundo desprezá-lo. Ele


me sequestrou. Ele me separou de tudo que amo e me trancou
nesta casa.

No entanto, quando olho para a mistura borbulhante de


emoções girando em minhas entranhas, encontro medo,
confusão, ansiedade. Mas um estranho senso de respeito. E
até, às vezes, excitação...

Eu quero saber mais sobre meu captor. Digo a mim


mesma que é só para enfrentá-lo. Ou talvez até fugir.

Mas há mais do que isso. Estou curiosa sobre ele. Ele


estava tão zangado com aquelas tatuagens. Eu quero saber por
quê. Eu quero saber exatamente o que elas significam para ele.
É por isso que, quando sei que ele está lá fora, tenho uma
ideia muito estúpida na minha cabeça.

Eu quero ver o que há na ala oeste.

Ele me disse para não ir lá, em termos inequívocos.

O que ele está escondendo lá? Armas? Dinheiro? Provas


de seu plano covarde?

Não há porta para me impedir de entrar. Apenas uma


escadaria larga e curva, a gêmea daquela que leva aos meus
próprios quartos.

É tão fácil subir correndo esses degraus, até o longo


corredor que leva a oeste em vez de leste.

Espero que a ala proibida seja ainda mais escura e


assustadora que a minha, mas é o oposto na verdade – esta
parte da casa é a mais moderna. Vejo um lounge com um bar
totalmente abastecido e um enorme escritório. Este deve ser o
escritório de Mikolaj. Eu vejo seu cofre, sua mesa, seu
computador. Se eu realmente me importo com os planos dele,
é aqui que devo bisbilhotar.

Em vez disso, continuo pelo corredor, até o cômodo maior


no final. A suíte master.

É enorme, moderno e masculino. Assim que eu escorrego


pela porta, sou atingida com o cheiro característico do meu
captor. Ele cheira a cedro, cigarro, uísque, casca de laranja
fresca, graxa de sapato e aquele almíscar rico e inebriante que
só pertence a ele. O cheiro é tão inalterado que duvido que
qualquer outra pessoa tenha pisado neste quarto, nem mesmo
Klara para limpá-lo.

Ao contrário do resto da casa, este quarto não é escuro e


melancólico. A mobília é escura, mas o espaço é claro. Isso
porque é um dos pontos mais altos da casa, e a parede oposta
é uma janela gigantesca. Vai do chão ao teto, em todo o
comprimento da sala.

Enquanto minha janela está voltada para o leste para o


terreno recheado de árvores, a janela de Mikolaj tem vista para
o horizonte de Chicago. A cidade inteira está exposta diante
dele. É aqui que ele se encontra quando imagina ter tudo sob
seu controle.

Eu sei exatamente onde estou agora. Quase podia


apontar para minha própria casa, situada na beira do lago.

Se eu procurasse, poderia encontrar, identificando seu


telhado de telha cinza das outras mansões ao longo da Gold
Coast.

Em vez disso, meus olhos são atraídos de volta para


dentro pela tentação irresistível deste espaço privado. Olhar
pelo quarto de Mikolaj é como olhar dentro de seu cérebro. No
resto da casa, só vejo o que ele quer que eu veja. É aqui que
vou encontrar tudo o que está escondido.
Ele pode manter suas chaves aqui. Posso roubar a chave
da porta da frente e fugir uma noite quando todos estiverem
dormindo.

Digo a mim mesma que é isso que estou procurando.

Enquanto isso, estou arrastando meus dedos sobre seus


lençóis desfeitos, liberando o cheiro inebriante de sua pele.
Ainda posso ver a reentrância onde seu corpo estava. É difícil
imaginá-lo inconsciente e vulnerável. Ele não parece alguém
que come ou dorme, ri ou chora.

Aqui está a evidência, bem na minha frente. Coloco minha


palma naquela reentrância, como se ainda sentisse o calor de
seu corpo. Minha pele se arrepia e meu sangue corre mais
rápido, até que puxo minha mão de volta.

Sua cama é cercada por estantes embutidas. Aproximo-


me para ler as lombadas.

Com certeza, encontrei exatamente o que esperava:


cópias envelhecidas de O Hobbit, A Rainha da Neve, Alice no
País das Maravilhas, Através do Espelho e O Pequeno Príncipe,
misturado com Persuasão, Anna Karenina e dezenas de outros,
alguns em inglês, alguns em polonês.

Puxo Através do Espelho para fora da prateleira, abrindo


a lombada com cuidado, porque o livro é tão macio e frágil que
tenho medo de que algumas páginas se soltem.

Na primeira página, escrito a lápis, está um nome: Anna.


Soltei um suspiro.

Eu sabia.

Ele ficou com tanta raiva quando vi as ilustrações em


suas tatuagens. Eu sabia que significava algo, que estava
ligado a alguém que ele amava.

É por isso que ele estava com raiva. Para homens brutais,
o amor é um risco. Eu descobri sua fraqueza.

Quem foi Anna? A maioria dos livros é para crianças ou


jovens. Ela era sua filha?

Não, os livros são muito antigos. Mesmo que tenham sido


comprados de segunda mão, a letra não parece infantil.

O quê, então. Uma esposa?

Não, quando eu peguei aquele golpe nele sobre não ser


casado, ele nem se mexeu. Ele não é viúvo.

Anna é sua irmã. Deve ser isso.

Assim que eu percebo, uma mão agarra meu pulso e me


puxa.

O livro voa dos meus dedos. Exatamente como eu temia,


a cola que mantém a ligação é muito velha para suportar esse
tipo de tratamento. Enquanto eu giro, uma dúzia de páginas
se rasga, flutuando no ar como folhas caindo.

— Que porra você está fazendo no meu quarto? — Mikolaj


exige.
Seus dentes estão à mostra, seus dedos cavando em meu
pulso. Ele subiu aqui tão rápido que seu cabelo loiro pálido
caiu sobre o olho esquerdo. Ele o pega furiosamente, sem
desviar o olhar de mim por um segundo.

— Eu sinto muito! — Eu suspiro.

Ele agarra meus ombros e me dá uma forte sacudida.

— Eu perguntei o que diabos você está fazendo! — Ele


grita.

Embora eu possa tê-lo visto com raiva antes, nunca o vi


fora de controle. Nas vezes em que ele zombou de mim ou me
provocou, ele foi totalmente contido. Agora não há restrição,
nem autocontrole. Ele está furioso.

— Mikolaj! — Eu choro. — Por favor...

Quando digo seu nome, ele me solta como se minha pele


estivesse queimando suas mãos. Ele dá um passo para trás,
fazendo uma careta.

É toda a oportunidade de que preciso. Deixando o livro


rasgado e abandonado no chão, corro para longe dele o mais
rápido que posso.

Fujo da ala oeste, desço as escadas e atravesso o andar


principal. Saio correndo pela porta dos fundos para o jardim,
e então me escondo no canto mais distante do terreno, ao
abrigo de um salgueiro onde os ramos pendem até a grama.
Escondo-me lá até anoitecer, com medo de voltar para
dentro de casa.
19

Kurwa,

O que eu estou fazendo?

Quando tiro do chão a cópia antiga de Através do espelho,


sinto como se eu também tivesse passado por um espelho para
uma espécie de mundo bizarro e retrógrado.

Nessa Griffin está me irritando.

Primeiro as tatuagens, depois se esgueirando para o meu


quarto...

Sinto como se ela estivesse removendo minhas camadas,


uma por uma. Ela está olhando em fendas onde ninguém
deveria ver.

Eu me mantive isolado de todos por dez anos. Da minha


família na Polônia, dos meus próprios irmãos no Braterstwo,
até mesmo de Tymon. Eles me conheciam, mas só conheciam
a versão adulta. O que me tornei depois que minha irmã
morreu.

Eles não conheciam o menino de antes.


Eu pensei que ele estava morto. Achei que ele morreu ao
mesmo tempo que Anna. Viemos ao mundo juntos e pensei que
o tínhamos deixado juntos. Tudo o que restou foi esta casca,
este homem que não sentia nada. Que nunca poderia se
machucar.

E agora Nessa está cavando em mim. Desenterrando os


restos do que pensei que nunca poderia ser ressuscitado.

Ela está me fazendo sentir coisas que nunca pensei que


sentiria novamente.

Eu não quero senti-los.

Não quero pensar em uma garota jovem e vulnerável. Eu


não quero me preocupar com ela.

Não quero entrar na cozinha e ver Jonas inclinado sobre


ela, e não quero sentir uma pontada de ciúme furiosa que me
faça querer arrancar a cabeça dos ombros do meu próprio
irmão. E então, depois que eu o bani para o canto oposto da
casa, eu não quero meu cérebro fervilhando com pensamentos
sobre o que ele poderia fazer se ficasse sozinho com Nessa...

Essas são distrações.

Elas enfraquecem meus planos e minha determinação.

Depois de gritar com Nessa, ela sai correndo e se esconde


no jardim por horas. Claro, eu sei exatamente onde ela está.
Posso rastrear a localização de seu monitor de tornozelo dentro
de alguns metros.
Fica escuro e frio. Estamos no meio do outono agora, no
ponto da temporada em que alguns dias parecem um verão
sem fim, só que com mais cor nas folhas. Outros dias são
amargos, ventosos e chuvosos, com a promessa do pior por vir.

Sento-me em meu escritório e fico olhando para o meu


telefone, para o pequeno alfinete representando Nessa Griffin,
amontoada contra a parede oposta. Achei que ela voltaria para
dentro, mas ou eu a apavorei mais do que imaginava, ou ela
tem mais coragem do que eu poderia imaginar.

Meus pensamentos estão girando e girando.

Estou na posição perfeita para atacar novamente.


Esvaziei uma grande parte do dinheiro líquido dos Griffin.
Tenho uma aliança sólida com os russos por meio de Kolya
Kristoff – na verdade, ele me importuna diariamente quanto ao
nosso próximo movimento. Dante Gallo está preso em uma
cela, enquanto Riona Griffin queima todas as pontes que ela
tem no escritório do promotor tentando tirá-lo de lá.

Meu próximo alvo deve ser Callum Griffin. O amado irmão


mais velho de Nessa.

Ele foi a centelha que acendeu esse conflito.

Foi ele quem cuspiu na cara de Tymon quando lhe


oferecemos nossa amizade.

Ele tem que morrer, ou pelo menos ele tem que ser
cortado pelos joelhos, rebaixado em humildade abjeta. Eu o
conheço – sei que ele nunca aceitará isso. Eu vi seu rosto
quando Tymon enfiou a faca na lateral de Callum. Não houve
um sinal de rendição.

O dispositivo de rastreamento de Nessa me envia um


aviso. Não está lendo seu pulso através da pele. Ela pode estar
brincando com ele, tentando tirá-lo.

Antes que eu possa verificar, a tela muda para uma


chamada recebida – Kristoff novamente.

Eu atendo.

— Dobryy vecher, moy drug, — Kristoff diz suavemente.


Boa noite, meu amigo.

— Dobry wieczór, — respondo em polonês.

Kristoff ri baixinho.

A Polônia e a Rússia têm uma história longa e


tempestuosa. Desde que nossos países existem, temos lutado
pelo controle das mesmas terras. Nós lutamos em guerras um
contra o outro. Nos anos 1600, os poloneses conquistaram
Moscou. Nos séculos 19 e 20, os russos nos envolveram no
abraço sufocante do comunismo.

Nossas máfias também cresceram paralelamente. Eles a


chamam de Bratva, nós a chamamos de Bratestwo – em ambos
os casos, significa A Irmandade. Fazemos juramentos aos
nossos irmãos. Mantemos um histórico de nossas realizações
em nossa pele. Eles usam estrelas de oito pontas como um
emblema de liderança em seus ombros. Marcamos nossas
fileiras militares em nossos braços.

Somos os dois lados da mesma moeda. Nosso sangue se


misturou, nossa língua e tradições também.

E, no entanto, não somos os mesmos. Colocamos nossas


mãos na mesma argila e construímos algo diferente dela. Para
lhe dar um pequeno exemplo, considere os muitos "falsos
amigos" em nossa língua – palavras com a mesma origem, que
passaram a transmitir significados opostos. Em russo, meu
amigo Kristoff diria zapominat que significa memorizar,
enquanto para mim, zapomniec significa esquecer.

Portanto, embora Kristoff e eu possamos ser aliados neste


momento, nunca posso esquecer que o que ele quer e o que eu
quero podem ser paralelos, mas nunca serão os mesmos. Ele
pode se tornar meu inimigo novamente com a mesma
facilidade com que se tornou meu amigo.

Ele é um inimigo perigoso. Porque ele me conhece melhor


do que ninguém.

— Gostei do nosso truque com os irlandeses, — diz


Kristoff. — Estou gostando ainda mais de gastar o dinheiro
deles.

— Nada é tão doce quanto os frutos do trabalho dos


outros, — concordo.

— Acho que concordamos em muitas coisas, — diz


Kristoff. — Vejo muitas semelhanças entre nós, Mikolaj.
Ambos subindo inesperadamente para nossas posições em
uma idade jovem. Ambos surgiram dos escalões mais baixos
de nossa organização. Eu também não sou de uma família rica
ou conectada. Não há sangue real nessas veias.

Eu resmungo. Conheço parte da história de Kristoff – ele


não era Bratva para começar. Muito pelo contrário. Ele treinou
com o exército russo. Ele era um assassino, puro e simples.
Não tenho ideia de como ele passou de operacional militar a
chefão do submundo. Seus homens confiam nele. Mas não
estou tão disposto a fazer o mesmo.

— Dizem que Zajac era seu pai, — diz Kristoff. — Você era
seu filho legítimo?

Ele está perguntando se eu sou o bastardo de Tymon.


Tymon nunca foi casado, mas teve um filho com sua prostituta
favorita – esse filho é Jonas. As pessoas presumem, porque fui
o sucessor de Tymon, que devo ser outro filho bastardo.

— Qual é o objetivo dessas perguntas? — Digo


impaciente.

Não tenho interesse em tentar explicar a Kristoff que


Tymon e eu tínhamos um vínculo de respeito e compreensão,
não de sangue. Jonas sabia disso. Todos os homens sabiam
disso. Tymon escolheu o melhor líder de nossas fileiras. Ele
queria o homem com vontade de liderar, não a genética.

— Apenas conversando, — Kristoff diz agradavelmente.


— Você conhece o ditado ‘Rosjanin sika z celem’?
Significa: ‘Um russo mija com um propósito’.

Kristoff ri, sem ofender. — Acho que gosto mais de um de


seus outros ditados – ‘Nie dziel skóry na niedźwiedziu'.

Significa: não divida a pele enquanto ainda estiver no


urso.

Kristoff quer dividir Chicago. Mas primeiro temos que


matar o urso.

— Você quer planejar a caça, — eu digo.

— Está certo.

Eu suspiro, olhando para a noite escura e sem lua do lado


de fora da minha janela. Nessa ainda está no jardim,
recusando-se a voltar para dentro. As primeiras gotas de chuva
batem no vidro.

— Quando? — Eu digo.

— Amanhã à noite.

— Onde?

— Venha para minha casa em Lincoln Park.

— Ótimo.

Quando estou prestes a desligar, Kristoff acrescenta: —


Traga a garota com você.
Nessa não saiu de casa nenhuma vez desde que a
capturei. Levá-la a qualquer lugar é um risco, ainda mais
direto para o covil dos russos.

— Por quê? — Eu digo.

— Fiquei desapontado por não ter conseguido vê-la


pessoalmente durante nossa última operação. Ela é uma de
nossas peças de xadrez mais valiosas e me custou um
armazém de produtos outro dia. Eu gostaria de ver por mim
mesmo a garota que está deixando a cidade inteira em
alvoroço.

Eu não gosto nada disso. Não confio em Kristoff e não


gosto da ideia de ele se gabar dela como um prisioneiro de
guerra.

Esse é o problema das alianças. Eles exigem


compromissos.

— Vou levá-la comigo, — digo. — Entenda, ninguém


coloca a mão nela. Ela fica bem ao meu lado, a cada segundo.

— Claro, — Kristoff diz facilmente.

— Do jutra, — eu digo, desligando o telefone. Até amanhã.

Quando a chuva começa a cair com força, mando Klara


sair ao jardim para resgatar a pequena fugitiva.

Klara sai pela estufa, carregando um cobertor de tricô


pesado da biblioteca. Quando ela retorna, Nessa está enrolada
naquele cobertor, pálida e tremendo. Posso ver o monitor ainda
firmemente no lugar em torno de seu tornozelo. Parece
arranhado como se ela tivesse tentado acertá-lo com uma
pedra. Sua perna também está arranhada. O braço de Klara
está em volta do seu ombro, e a cabeça de Nessa está baixa, as
bochechas manchadas de chuva e lágrimas.

Nessa deve ter chorado uma banheira de lágrimas desde


que a trouxe aqui.

No início, não me importei nem um pouco. Na verdade,


eu vi aquelas lágrimas como minhas. Elas eram o sal que
temperaria minha vingança.

Mas agora sinto a emoção mais perigosa de todas – culpa.


A emoção que te esgota, que te faz se arrepender até das ações
mais necessárias.

Essas meninas estão ficando muito próximas.

E estou ficando muito mole.

Nessa está obviamente exausta, meio congelada em sua


roupa de dança frágil. Tenho certeza de que Klara vai alimentá-
la, dar banho e colocá-la na cama.

Enquanto isso, não vou dormir por horas ainda. Se vou


me encontrar com os russos amanhã, preciso falar com meus
homens esta noite. Quero que nossa estratégia seja decidida
antes de colocar Kristoff na mistura.

Chamo todos para a sala de bilhar. É uma das salas


maiores e mais centrais do andar principal, com muitos
lugares para sentar, gosto de conversar e jogar ao mesmo
tempo. Isso deixa todos mais relaxados e honestos. E isso
lembra meus homens que eu posso chicotear seus traseiros no
bilhar a qualquer hora que eu quiser.

Tivemos um torneio muito disputado desde o dia em que


nos mudamos para esta casa. Às vezes, Marcel é o segundo no
ranking, às vezes Jonas. Estou sempre no topo.

Marcel arruma as bolas enquanto Jonas e eu nos


enfrentamos para o primeiro jogo.

Jonas faz um show ao passar giz na ponta de seu taco,


enviando pó azul à deriva sobre os pelos pretos de seu
antebraço. Ele ainda não fez a barba hoje, então sua barba
escura está quase na altura de uma barba.

— Você quer colocar dinheiro na linha, chefe? — ele diz.

— Claro, — eu digo. — Estou me sentindo com sorte hoje


– que tal cinco?

A aposta padrão é de duzentos dólares por jogo. Estou


começando com quinhentos para foder com a cabeça de Jonas,
e para deixá-lo saber que não esqueci sua pequena façanha
com Nessa na cozinha. Eu disse a ele antes para ficar longe
dela. Eu sei como ele é com as mulheres. Ele está
constantemente perseguindo as garotas em nossos clubes.
Quanto mais elas o rejeitam, mais interessado ele se torna.

Jonas ganha o cara ou coroa e quebra primeiro. Ele faz


uma boa e limpa tacada, deixando cair duas bolas listradas
nas bolsas laterais. Ele sorri, pensando que tem a vantagem.
Ele não se preocupou em olhar para o posicionamento do resto
das bolas, então ele não vê como suas doze e quatorze estão
presas, ultrapassadas pela bola oito.

— Então, — eu digo em polonês, apoiando-me na minha


deixa. — Nós nos encontraremos com os russos amanhã. Eles
querem discutir nosso fim de jogo.

Jonas afunda a nove e a onze, ainda confiante e


sorridente.

— Antes de pechinchar sobre os detalhes, quero ouvir


ideias. Se você tem algo a dizer, diga agora.

— Por que não matamos a garota? — Andrei diz. Está


sentado perto do bar, bebendo uma Heineken. Ele tem uma
cabeça quadrada e robusta, pescoço muito pequeno e cabelos
ruivos. Parece mal-humorado e descontente esta noite. Ele
odeia os russos e odeia que estejamos trabalhando com eles.
Compreensível, já que seus dois irmãos foram mortos por
Bratva – um na prisão em Wroclaw, o outro bem aqui em
Chicago.

Andrei dá um longo gole em sua cerveja e a coloca no


balcão.

— Nós nos livramos de Miller e incriminamos Dante Gallo.


Devíamos fazer o mesmo com a garota. Faça parecer que Nero
a matou, ou Enzo. Isso vai destruir a aliança entre irlandeses
e italianos mais rápido do que qualquer outra coisa que
possamos fazer.

Ele não está errado. Quando sequestrei Nessa Griffin,


esse era o meu plano. Seu desaparecimento pretendia causar
o caos. Sua morte separaria as duas famílias.

Um casamento foi o que os uniu em primeiro lugar. A


morte é mais forte do que um casamento.

Mas agora eu quero pegar meu taco de sinuca e quebrá-


lo na cabeça dura de Andrei apenas por sugerir isso. A ideia
dele subindo para o quarto dela e envolvendo aquelas mãos
feias e calejadas em volta de sua garganta... eu não vou
permitir. Eu nem vou considerar isso. Ele não vai tocar nela,
porra, e nem qualquer outra pessoa.

Nessa não é um peão sem rosto, para ser embaralhado à


vontade no tabuleiro. Ela não será sacrificada também.

Ela vale mais do que isso.

Ela pode ser usada para um efeito muito maior.

Jonas perde sua próxima tacada. Eu afundo a um, a


quatro e a cinco em rápida sucessão enquanto respondo.

— Não vamos matá-la, — eu digo categoricamente. — Ela


é a melhor alavanca que temos no momento. Por que você acha
que os Griffin e os Gallo não nos atacaram diretamente?

— Eles fizeram! — Marcel diz. — Eles invadiram o


armazém russo e incendiaram Exotica.
Eu bufo, afundando a bola três também.

— Você acha que isso foi o melhor que eles podiam fazer?
Foi fraco pra caralho. Por que você acha que eles não
bombardearam esta casa?

Jonas e Andrei trocam olhares, nos quais nenhuma


informação é compartilhada, porque ambos são igualmente
estúpidos.

— Porque eles sabem que ela pode estar aqui, — diz


Marcel.

— Está certo. — Eu afundo a dois e a sete com um tiro


dividido. — Contanto que eles não possam ter certeza de onde
ela está – aqui ou com os russos – tudo o que podem fazer é
lançar algumas granadas. Eles não podem chover napalm 28 em
nossas cabeças. Nessa é o nosso seguro, por enquanto.

A seis verde está presa atrás da treze de Jonas. Eu acertei


um tiro na banca para ir atrás dele, enviando a seis rolando
ordenadamente para a bolsa lateral. Jonas franze a testa.

— Por que não matamos os chefes! — Ele diz


agressivamente. — Eles atiraram em Zajac. Devíamos matar
Enzo e Fergus.

— Que bem isso faria? — Eu digo. — Seus sucessores já


estão em vigor.

28Conjunto de líquidos inflamáveis à base de gasolina gelificada, utilizados como armamento militar
incendiário convencional.
Afundo a bola oito sem nem olhar. Marcel dá uma
risadinha, e Jonas agarra seu taco de sinuca com tanta força
que seu braço treme. Parece que ele quer partir em dois.

— O que então? — Ele exige. — Qual é o próximo passo?

— Callum, — eu digo. — Nós o pegamos uma vez.


Podemos pegá-lo novamente.

— Você o perdeu da última vez, — diz Jonas, fixando-me


com seu olhar sombrio.

Eu ando até ele, inclinando meu taco de sinuca contra a


mesa. Nós nos enfrentamos, nariz com nariz.

— Isso mesmo, — eu digo suavemente. — Você estava lá


também, irmão. Se bem me lembro, você era o responsável por
sua esposa. A pequena Aida Gallo, a garota italiana. Ela fez de
você um idiota adequado. Quase destruiu todo o armazém.
Você ainda está com a cicatriz daquele coquetel molotov que
ela jogou na sua cabeça, não é?

Eu sei muito bem que Jonas tem uma boa queimadura


longa nas costas. Ela arruinou uma de suas tatuagens
favoritas, e está magoado com isso desde então. Literalmente
e figurativamente.

— Devíamos levar os dois, — Jonas rosna. — Callum e


Aida.
— Agora você está pensando. — Eu concordo. — Ouvi
dizer que o casamento arranjado se tornou um casamento por
amor. Ele fará qualquer coisa por ela.

— Não se eu quebrar a porra do pescoço dela, — diz


Jonas.

— Eu não quero chantagear aqueles idiotas irlandeses, —


Andrei diz amargamente. — Eu quero sangue por sangue.

— Isso mesmo, — diz Marcel calmamente. — Eles


mataram Tymon. No mínimo, matamos um de cada família –
um Griffin e um Gallo.

— Melhor matar o filho do que o pai, — diz Jonas. —


Callum Griffin é o único filho que eles têm. Ele é o herdeiro – a
menos que sua esposa esteja grávida. Callum deveria morrer.

Há murmúrios ao redor enquanto Andrei e Marcel


expressam seu acordo.

Não concordei nem discordei. É o que sempre planejei.

Mas estou distraído pelo som de asfixia do lado de fora da


porta.

Algo entre um suspiro e um soluço.

Vou até a porta e a abro, esperando ver Klara lá fora.

Em vez disso, vejo o rosto histérico de Nessa Griffin.

Eu a agarro pelo pulso antes que ela possa se virar e fugir.


Eu a arrasto para a sala de bilhar, enquanto ela chuta e luta.
— Não! — Ela grita. — Você não pode matar meu irmão!
Eu não vou deixar você!

— Todo mundo fora, — eu lati para meus homens.

Eles hesitam, seus rostos congelados em confusão.

— FORA! — Eu rujo.

Eles se espalham, fechando as portas atrás deles.

Jogo Nessa no tapete aos meus pés.

Ela salta para cima novamente, agitando os braços em


suas tentativas loucas de me bater, me arranhar, me rasgar
em pedaços.

— Eu não vou deixar você! — Ela grita. — Juro por Deus,


vou matar cada um de vocês!

Depois da minha surpresa inicial ao vê-la, quando Klara


deveria tê-la trancado no quarto durante a noite, estou
começando a perceber algo completamente diferente.

Estávamos falando em polonês.

No entanto, Nessa entendeu cada palavra que dissemos.

— Co robisz, szpiegując mnie, — eu assobio.

— Vou espionar você o quanto quiser! — Grita Nessa. Ela


tapou a boca com a mão, percebendo que se entregou.

— Kto nauczył cię polskiego? — Eu digo furiosamente. Eu


já sei a resposta. Tinha que ser Klara.
Nessa me joga para fora, ficando o mais alta e digna
possível, considerando que seu cabelo está uma bagunça
emaranhada, seu rosto ainda está inchado de lágrimas e ela
está usando uma camisola.

— Nikt nie nauczył mnie polskiego, — diz ela com altivez.


Aprendi sozinha, na biblioteca. Eu tenho muito tempo em
minhas mãos.

Não sei se já fiquei mudo antes.

Sua pronúncia é péssima e sua gramática é medíocre.


Mas ela realmente aprendeu uma quantidade chocante.

Essa diabinha astuta. Eu não dei a mínima para ela se


esgueirando porque eu não achei que ela pudesse entender
nossas conversas. Não que isso importe – ela não pode fazer
nada com a informação. Ela ainda é minha prisioneira.

Mas... estou impressionado. Nessa é mais inteligente do


que imaginei e mais ousada.

Ainda assim, ela tem outra coisa vindo se pensa que vai
mandar em mim na minha própria casa, na frente dos meus
próprios homens. Ela não dá ordens aqui. Eu faço. Eu sou o
mestre. Ela é a cativa.

— O que você vai fazer sobre isso? — Eu rosno, olhando


para o rosto dela. — Você acha que pode me ameaçar? Tentar
me atacar? Eu poderia quebrar todos os ossos do seu corpo
sem nem mesmo tentar.
Ela balança a cabeça, mais lágrimas escorrendo pelo
rosto. Quando ela chora, seus olhos parecem mais verdes do
que nunca. Cada lágrima é como uma lente refratária,
agarrando-se aos cílios negros, ampliando cada sarda em sua
bochecha.

— Eu sei que você é mais forte do que eu, — ela sibila. —


Eu sei que não sou nada e ninguém. Mas amo meu irmão. Você
pode entender isso? Eu o amo mais do que qualquer pessoa no
mundo. Você já se sentiu assim, antes de ficar frio e com raiva?
Você já amou alguém uma vez? Eu sei que você fez. Eu sei
sobre Anna.

Agora eu realmente quero bater nela.

Como ela se atreve a dizer esse nome.

Ela não sabe de nada, absolutamente nada.

Ela acha que pode cutucar meu cérebro, tentando


arrancar as coisas que escondi com sucesso.

Ela quer me tornar tão fraco e emocional quanto ela.

Eu a agarro pela frente de sua camisola e falo diretamente


em seu rosto.

— Nunca mais diga o nome dela novamente.

Nessa levanta a mão e acho que ela vai tentar me dar um


tapa.
Em vez disso, ela pousa a mão em cima da minha, seus
dedinhos finos agarrados ao meu punho cerrado.

Ela olha nos meus olhos.

— Mikolaj, por favor, — ela implora. — Meu irmão é um


bom homem. Eu sei que esta é uma guerra e vocês estão em
lados opostos. Eu sei que ele te machucou. Mas se você o
matar, você não o machucará de volta. Você estará me
machucando. E eu nunca fiz mal a você.

Ela está falando sobre imparcialidade, justiça.

Não há porra de justiça neste mundo.

Existem apenas dívidas a serem pagas.

Mas existe mais de um tipo de moeda.

Nessa está parada na minha frente – esguia, delicada,


tremendo como uma folha. Emaranhados de cabelo castanho
claro em uma nuvem ao redor de seu rosto e ombros. Olhos
grandes encharcados de lágrimas e lábios rosados macios.

Ela está tocando minha mão. Ela nunca me tocou


voluntariamente antes.

Minha mão parece que está pegando fogo. Está enviando


faíscas e calor por todo o meu corpo. Está fazendo cada parte
de mim latejar como carne que foi congelada e está voltando à
vida.
— Convença-me, Nessa, — eu digo. — Convença-me de
que devo poupar seu irmão.

Ela olha para mim, sem entender a princípio.

Então a compreensão surge em seus olhos.

Ainda estou segurando a frente de sua camisola. Sinto


seu coração batendo forte contra meus dedos cerrados.

Eu a solto, esperando para ver o que ela fará.

Sua língua se lança para umedecer os lábios.

Então ela diz: — Sente-se no sofá.

Eu me sento no sofá baixo. É a primeira ordem que


obedeço em muito tempo.

Sento-me contra as almofadas, as mãos ao meu lado, as


pernas ligeiramente abertas.

— Posso pegar seu telefone emprestado? — Sussurra


Nessa.

Eu passo para ela, silenciosamente.

Ela rola por um momento e pressiona a tela. A música sai


dos alto-falantes – uma batida baixa, temperamental e
insistente. Não é a música normal que ouço tocar minha
pequena bailarina. Isso é muito mais escuro.
A chuva está batendo nas janelas. A batida das gotas de
chuva se mistura com a batida da música. A luz é fraca e
aquosa, as sombras distorcidas pelas gotas de chuva.

Nessa parece que está debaixo d'água. Sua pele está mais
pálida do que nunca. Ela fica na minha frente e começa a
balançar com a música.

Eu a vi dançar inúmeras vezes. Mas nunca assim. Nunca


bem na minha frente. Nunca dirigido a mim. Seus olhos estão
fixos nos meus. Seu corpo balança sinuosamente.

A primeira vez que a vi no clube, ela dançou um pouco


assim.

Foi uma espiada pelo buraco da fechadura. Agora a porta


está aberta.

Estou vendo Nessa solta. Nessa quando ninguém está


olhando para ela. Ninguém além de mim.

Ela está rolando e balançando, seus quadris se movendo


como eu nunca vi antes, seus olhos fixos nos meus. Ela se
abaixa até o chão, então desliza as mãos por uma perna longa,
puxando a saia da camisola para mostrar a coxa macia e
delicada.

Então ela gira para o outro lado, de modo que, quando se


inclina, eu possa ver a curva de sua bunda sob a bainha da
camisola.
Ela está me provocando. Ela sabe que meus olhos estão
grudados em seu corpo, e que cada movimento seu está
enviando vibrações pelo meu corpo, fazendo meu pau enrijecer
e inchar até que eu tenho que mudar no lugar, tentando
encontrar alívio.

Ela se vira novamente para me encarar e, sem quebrar o


contato visual, ela agarra a bainha da camisola e lentamente a
levanta sobre a cabeça, revelando seus quadris estreitos,
cintura incrivelmente fina e, em seguida, seus seios pequenos
e redondos. Ela enrola a camisola de algodão fina e a joga para
o lado.

Ela está nua agora, exceto pela calcinha.

É minha primeira visão completa de seus seios. Eu os vi


através do material encharcado, mas nunca completamente
nus. Eles dificilmente são grandes o suficiente para preencher
minhas mãos, mas são lindos pra caralho. Eu nunca vi
peitinhos tão alegres. Eles parecem esculpidos em mármore,
se o mármore pudesse ser macio, móvel e sensível.

Há carne o suficiente para que seus seios saltem e se


movam junto com o resto de seu corpo, como se cada grama
dela estivesse me chamando, me seduzindo, implorando para
ser tocada.

Nunca vi um corpo como o dela. Sem excesso, apenas


uma estrutura perfeita e esguia que foi treinada e esculpida
para seu propósito. Ela é forte. Ela é graciosa. E ela é a coisa
mais sexy que se possa imaginar.
A música está batendo forte e a chuva também.

As letras estão perfurando minha cabeça.

Acho que sou contagiosa, seria mais seguro se você


corresse

Porra, isso é o que todos eles acabam fazendo no final

Pegue meu carro e pinte de preto

Pegue meu braço, quebre-o ao meio

Diga alguma coisa, faça logo

Esta sala está muito quieta

Eu preciso de barulho

Eu preciso do zumbido de um metrô

Preciso do estalo de um chicote

Precisa de um pouco de sangue no corte

Nessa gira e cai, então ela rasteja pelo chão em minha


direção, como uma pantera caçando sua presa. Eu deveria ser
o caçador. Mas estou fixo no lugar, hipnotizado por seus olhos
verdes olhando para mim.

Ela rasteja pelas minhas pernas, suas mãos deslizando


pelas minhas coxas. Eu sei que ela pode ver meu pau lutando
contra a virilha da minha calça. Quando ela se vira e esfrega
seu corpo contra o meu, eu sei que ela pode sentir isso,
cavando em sua bunda.

Meu pau está vazando sêmen. Estou morrendo de


vontade de me libertar, de sentir aquela pele macia como
manteiga em vez do material desconfortável da minha calça.

Nessa monta no meu colo, girando sua bunda contra a


minha virilha. Seus braços se enlaçam em volta do meu
pescoço, aqueles lindos seios a poucos milímetros do meu
rosto. Deus, quero fechar minha boca em torno desses
pequenos mamilos rígidos.

Mas estou esperando. Quero ver o que Nessa vai fazer,


sozinha, sem minha interferência.

Requer toda a minha força de vontade. Nunca estive tão


excitado em minha vida. Meu pau está furioso para ser
libertado, para afundar profundamente dentro de seu corpinho
apertado. Eu não quero apenas isso. Eu preciso disso. Vou
explodir sem isso.

Nunca vi uma mulher se mover assim e sou dono da uma


porra de um clube de strip. Nessa é tão inocente quanto
parece. Eu a beijei uma vez – eu sei o quão atrapalhada e
inexperiente ela é.

Mas ela sabe dançar. E, estou aprendendo que, ela sabe


ser sensual. Ela tem aquele impulso sexual enterrado
profundamente dentro dela. Ela simplesmente nunca deixou
escapar antes.

Ela está esfregando contra mim, esfregando aqueles


pequenos seios macios e aquela boceta dolorida contra mim.
Implorando-me para tocá-la de volta, para responder na
mesma moeda. Seus cílios estão pesados de luxúria, seu rosto
está vermelho, seus lábios separados.

Ela desliza pelo meu corpo mais uma vez, ajoelhando-se


entre minhas pernas. Seus dedos se atrapalham com o botão
da minha calça.

Ela abre minhas calças, deixando meu pau livre. Ele


surge para encontrá-la, grosso e totalmente duro, um dos
únicos lugares do meu corpo onde a pele é pura, sem marcas
de tatuagens.

Ela dá um pequeno suspiro de surpresa. Tenho quase


certeza de que o que imaginei é verdade – Nessa é virgem. Ela
nunca viu um pau antes, muito menos tocou em um.

Hesitante, ela estende a mão e a fecha em volta do meu


pau. Enche sua mão. Quando ela aperta o eixo, seus dedos não
se encontram em torno dele.

Ela olha para mim mais uma vez, nervosa e com os olhos
arregalados.

Esses lábios rosa pálido se abrem. Sua boca aberta está


prestes a fechar em torno do meu pau.
Até eu impedi-la.

Eu gentilmente a afasto, enfiando meu pau de volta


dentro da minha calça.

Eu quero que Nessa chupe meu pau. Puta que pariu,


quero tanto isso.

Mas não assim. Não por coerção.

Não quero que ela faça isso porque está com medo,
porque está tentando me convencer a não machucar seu
irmão.

Eu quero que ela faça isso porque ela me deseja tanto


quanto eu a desejo.

Isso não vai acontecer.

Ela é minha prisioneira e eu sou o monstro que a mantém


aqui.

Tenho que trancá-la de volta em seu quarto antes de


perder meu último resquício de autocontrole.
20

Estou deitada na minha cama no escuro.

Meu coração está acelerado como se eu estivesse em uma


esteira.

Oh meu Deus, oh meu Deus, oh meu Deus.

Por que ele me trouxe de volta aqui?

Eu sei que Mikolaj me quer. Eu podia ver em seu rosto.

Ele estava sentindo o que eu estava sentindo. O mesmo


desespero, a mesma luxúria. A mesma selvageria me dizendo
para ignorar todo pensamento racional, para pegar o que eu
queria e condenar as consequências.

Eu queria ELE.

Eu sei que é uma loucura. Eu sei que ele é meu inimigo e


que quer destruir tudo que amo.

Mas meu corpo e meu cérebro são duas entidades


separadas.
Eu nunca tive um namorado! Tive paixões, meninos que
eu achava fofos. Foi quase um jogo – algo que gostava de
imaginar, sem fazer nada.

Nunca quis ser beijada de verdade, não o suficiente para


fazer isso acontecer. Não havia nada de especial em nenhum
desses meninos. Nada os destacou. Eles eram intercambiáveis
em minhas fantasias.

Nunca tive uma forte atração por ninguém.

Até agora.

Minha atração por Mikolaj é uma compulsão. Não é nada


tão simples quanto a luxúria. É cada emoção envolvida em
uma: medo, intimidação, excitação, fixação e angústia. É tão
intenso que nada tão normal quanto uma paixão poderia se
comparar a ele. É uma força da natureza. É um maldito
tsunami.

Ele assume o controle de mim.

Eu sei que ele está sentindo isso também.

Mas ele me empurrou, trouxe-me de volta ao meu quarto


e me deixou aqui.

Por quê?!

Um pequeno canto do meu cérebro ainda está pensando


racionalmente. Ele me diz: — Porque ele sabe que isso está
condenado. Ele sabe que vai matar seu irmão, seus pais e até
você. E o minúsculo fragmento de moralidade deixado dentro
dele diz que é errado foder você antes que ele te mate.

É um pensamento preocupante. Um que deveria me tirar


dessa loucura.

Rolo para baixo dos cobertores, fechando os olhos,


tentando me forçar a dormir.

Estou atormentada pela pulsação entre minhas coxas. A


coceira e queimação na minha pele. Eu queria tanto que ele
me tocasse. Por que ele não passou as mãos pelo meu corpo,
pelo menos?

Se ele tivesse me beijado novamente, eu poderia estar


satisfeita. Eu poderia dormir pensando nisso.

Mas ele se recusou a me tocar.

Quase fico com raiva.

Ele me disse para convencê-lo. Então ele se sentou lá


como a porra de um robô.

Sim, estou definitivamente chateada.

Eu costumava ser uma garota que se enrolava e chorava


quando ficava desapontada. Bem, não mais. Cansei de chorar.
Estou cansada de fazer o que as pessoas dizem. Estou cansada
de ficar trancada neste quarto.

Saio de baixo do cobertor e ando descalça em direção à


porta.
Ainda estou nua, exceto minha calcinha. Nunca recuperei
a camisola – provavelmente ainda está na sala de bilhar.

Tento a maçaneta da porta. Ela gira silenciosamente sob


minha palma.

Vou tomar isso como um sinal. Mikolaj não me trancou


no meu quarto. Ele não é desleixado. Ou ele fez de propósito
ou, subconscientemente, ele quer isso tanto quanto eu.

Rastejo para fora do meu quarto e pelo corredor escuro.

Lembro-me de como fiquei apavorada na primeira vez que


fiz isso.

Passei mais de um mês nesta casa agora. Conheço seus


sons tão bem quanto conheço o som de meu próprio batimento
cardíaco e minha própria respiração em meus pulmões. Eu sei
exatamente como evitar Andrei, que deveria estar vigiando esta
noite. Eu o ouço na cozinha, servindo-se de um copo de leite.
Ele sempre bebe leite, nunca água.

Atravesso o andar principal.

Ouço outro som subindo a escada que leva ao quarto de


Klara. É um murmúrio baixo, como duas pessoas conversando
baixinho, sem querer ser ouvido. Aposto meu braço que é
Marcel. Já vi como ele olha para Klara, e como ela olha para
ele, quando acha que ninguém vai notar.

Eles não vão me ouvir. Estão muito envolvidos em sua


própria conversa sussurrada.
Isso significa que só preciso cuidar de Jonas.

Atravesso para a ala oeste, a parte proibida da casa. Faz


apenas nove horas desde que Mikolaj me expulsou daqui. Ele
parecia tão zangado que pensei que ele me estrangularia ali
mesmo.

Antes eu era movida por uma simples curiosidade. Agora


sou movida por algo mais forte.

Subo a escada e ando silenciosamente pelo longo


corredor. Ao passar pelo escritório de Mikolaj, espreito para
dentro, para o caso de ele ter continuado trabalhando. Está
vazio.

Chego à suíte master com suas pesadas portas duplas.


Viro a trava e deslizo para dentro, pensando com certeza que
ele ainda estará acordado. Faz apenas uma hora desde que ele
me deixou no meu quarto. Espero ouvir sua voz baixa e clara,
exigindo saber por que já estou de volta aqui. Mas a suíte está
escura e silenciosa.

Vou até a cama.

Lá está ele. Meu monstro. Meu inimigo. Meu captor.

Ele está nu em cima das cobertas, vestindo apenas uma


cueca samba-canção. Pela primeira vez, tenho uma visão
completa de seu corpo.

Cada centímetro de sua pele está coberto de tatuagens,


exceto suas mãos e rosto. Seu corpo é uma obra de arte viva e
respirando. É uma tapeçaria completa de padrões, imagens e
espirais em tons de cinza, azul e vermelho.

Sob as tatuagens, planos de músculos rígidos e magros.


Ele é mais definido do que um dançarino. Vejo os cortes
profundos de seu abdômen, então seus quadris, então o cós de
sua cueca boxer, mal cobrindo seu pênis.

Minha boca enche de água e tenho que engolir em seco.

Quase coloquei aquele pau na boca.

Não sei como diabos tive coragem de fazer isso.


Desabotoei sua calça e ele pulou como uma cobra, duas vezes
maior do que eu esperava. Foi assustador e eu não tinha ideia
do que fazer com isso.

Ao mesmo tempo, fiquei fascinada por aquela pele lisa e


nua. Parecia a pele mais macia de todo o seu corpo. Quando
segurei seu pau em minha mão, parecia que tinha vida própria,
contraindo-se e latejando contra a minha palma.

Espero que ele acorde a qualquer segundo, comigo de pé


sobre ele. Ele provavelmente ficará furioso.

No momento, seu rosto está totalmente relaxado.

Eu nunca o vi assim.

Isso me faz perceber o quão lindo é Mikolaj. Suas feições


são tão nitidamente definidas que são quase divinas. Como ele
ficaria se estivesse feliz, se realmente sorrisse? Seria demais.
Acho que não aguentaria.
Fico olhando para o rosto dele por um longo tempo.

Estou olhando para o homem que ele poderia ter sido. Um


homem sem raiva ou amargura. Um homem sem dor.

Agora meu coração está doendo, e não sei por quê. Por
que eu deveria ter simpatia por Beast?

Mas eu tenho. Alguma conexão bizarra cresceu entre nós,


sem que nenhum de nós quisesse.

Escorrego em sua cama, esperando que ele acorde a


qualquer segundo.

Ele vai acordar agora que estou deitada ao lado dele.

Agora que descansei minha mão em sua barriga.

Agora que estou colocando-a em sua cueca...

Ele suspira – um suspiro longo, lento e masculino. Isso


faz minhas coxas se apertarem.

Tenho seu pau na minha mão. Está quente, meio duro,


ficando mais duro a cada momento.

Eu me curvo e pego na boca.

Posso sentir o cheiro de sua pele, quente e almiscarada


de sono. E posso sentir o gosto de seu pau, que tem um sabor
próprio – rico, salgado e atraente. Isso inunda minha boca com
saliva. Minha língua desliza facilmente sobre sua carne lisa, a
cabeça de seu pau enchendo minha boca.
Quanto mais duro ele fica, mais largo eu tenho que abrir
minha mandíbula.

Não tenho ideia de como fazer um boquete corretamente.


Estou apenas experimentando as coisas enquanto continuo –
às vezes lambendo, às vezes chupando, às vezes apenas
deslizando meus lábios e língua sobre ele.

Sério, estou apenas fazendo o que é bom para mim. Mas


parece funcionar bem, porque o pau dele está tão duro quanto
antes na sala de bilhar, quando eu dancei para ele.

As mãos de Mikolaj enfiaram em meu cabelo, segurando


minha cabeça dos dois lados.

Olho para cima e vejo que ele está totalmente acordado,


olhando para mim.

Achei que ele ficaria com raiva ou irritado.

Essas são as duas únicas opções que eu esperava.

Em vez disso, vejo uma expressão que mal consigo


entender. Quase parece gratidão.

Ele está segurando minha cabeça, rolando seus quadris


para que seu pau deslize para dentro e para fora da minha
boca em um ritmo constante. Continuo lambendo e chupando
o melhor que posso. Sua respiração está ficando mais rápida e
ele está fazendo pequenos sons, algo como um suspiro e um
gemido misturados.
Ele começa a empurrar com mais força e seu pau vai
muito fundo, atingindo o fundo da minha garganta. Eu
engasgo.

— Desculpe, — ele ofega.

Mikolaj nunca se desculpou por nada antes. Parece tão


estranho que quase rio.

Mantenho meus olhos abertos, encantada com a visão


dele. Seu corpo parece insanamente sexy, seus braços tensos,
cada músculo em seu peito e estômago flexionando.

Ele continua bombeando seu pau para dentro e para fora.


Meu queixo está começando a doer, mas não quero parar. Ele
está olhando para mim e eu estou olhando para ele e estamos
presos juntos nessa coisa que é íntima, intensa e impossível
de parar.

Então ele fecha os olhos e inclina a cabeça para trás no


travesseiro, e eu sinto seu pau começar a pulsar na minha
boca. Ele solta um gemido longo e baixo. Minha boca está
inundada de calor, escorregadio e salgado, mas não
desagradável.

Seu pau ainda está pulsando, então eu continuo


chupando, não querendo parar tão cedo.

Quando finalmente termina, ele solta minha cabeça e


agarra meus braços, puxando-me para cima da cama para que
ele possa rolar em cima de mim.
Ele me beija, sem se importar se o gosto de seu esperma
ainda está na minha boca.

Esse beijo não é nada parecido com o do salão de baile.

Mikolaj ainda está quente e pesado de sono. Seus lábios


são mais suaves do que eu poderia imaginar.

— O que você está fazendo, pequena bailarina? — Ele


rosna.

— Eu não conseguia dormir, — eu digo.

— Eu sei por quê, — ele diz.

Agora é ele quem desliza por todo o comprimento do meu


corpo. Ele para nos meus seios, levando cada um em sua boca.
Suga o mamilo até que esteja totalmente duro, então ele rola
suavemente e o aperta entre os dedos enquanto chupa o outro.

Então ele desce ainda mais, até o meio das minhas coxas.

Tenho o impulso de afastá-lo. Estou nervosa com a


possibilidade de ter gosto ou cheiro ruim. Eu gostaria de ter
verificado, antes de entrar aqui.

Mas Mikolaj não parece mais preocupado com o estado


das minhas partes íntimas do que com a minha boca. Ele
enterra o rosto entre minhas coxas, lambendo minha boceta
em golpes longos e molhados.

Oh meu Deus, nunca imaginei que algo pudesse ser tão


bom.
Já me toquei antes, muitas vezes.

A língua é muito diferente dos dedos. É quente e úmida,


e parece despertar terminações nervosas que eu nunca soube
que existiam.

Envia uma enxurrada de umidade para fora de mim,


tanto que me preocupo por um segundo em ter me molhado.
Mikolaj ainda está me lambendo e beijando lá embaixo,
totalmente despreocupado.

Ele umedece um dos dedos e o desliza para dentro de


mim. Eu suspiro, pensando que vai doer. Normalmente não
coloco nada lá, nem brinquedos ou meus próprios dedos,
porque é dolorosamente apertado.

Mesmo que o dedo de Mikolaj seja muito maior que o


meu, ele parece se encaixar perfeitamente dentro de mim.
Provavelmente porque estou mais excitada do que nunca.

Na verdade, parece muito melhor do que tolerável. É uma


sensação incrível.

Seu dedo me dá algo para segurar, enquanto sua língua


está lambendo constantemente meu clitóris. Parece aumentar
a sensação, então posso apertar seu dedo enquanto esfrego
meu clitóris contra sua língua.

Posso sentir aquela sensação familiar começando a se


construir – o início de um clímax. Mas Deus, meu Deus, parece
muito melhor na língua dele do que no meu travesseiro. É
como um banho quente, uma massagem e o sonho mais sexy
que se possa imaginar, tudo em um.

O prazer aumenta e aumenta até que estou quase com


medo.

Então o orgasmo corre através de mim, inundando-me


como uma cachoeira.

Estou empurrando meus quadris contra seu rosto,


tentando abafar meus gritos no travesseiro. Estou com
vergonha de ser tão barulhenta, mas também, não dou a
mínima, porque é tão bom.

Eu grito e me contorço. Então está tudo acabado e eu


estou deitada ali, ofegante e suando, pensando em como isso
é louco.

Mikolaj me deu o momento mais prazeroso da minha


vida.

Estamos nos olhando por cima do travesseiro.

Acho que ele está tão perdido quanto eu. Ele não sabe o
que fazer.

Ele me beija mais uma vez, suavemente nos lábios.

Então ele diz: — Volte para o seu quarto, pequena


bailarina. Não deixe ninguém ver você.
Silenciosamente, escorrego para fora da cama e corro de
volta pelo caminho que vim, meu corpo fraco de prazer e minha
cabeça girando e girando.
21

Na manhã seguinte, tudo está normal.

Quando desço para o andar principal, posso ouvir Nessa


praticando em seu estúdio, com um novo disco tocando no
toca-discos. Ela deve ter terminado de coreografar uma dança
e começou a próxima.

A casa parece a mesma de sempre. Meu rosto parecia o


mesmo no espelho, depois que tomei banho e me vesti.

E, no entanto, sinto-me completamente diferente.

Por um lado, estou realmente com fome.

Vou para a cozinha, onde Klara está limpando os restos


do café da manhã que preparou para Nessa.

Ela parece surpresa ao me ver, já que normalmente só


bebo café pela manhã.

— Sobrou algum bacon? — Eu pergunto a ela.

— Oh! — Ela diz, movimentando-se com as frigideiras. —


Apenas duas fatias – mas me dê um momento, farei mais!
— Não há necessidade, — digo a ela. — Eu vou comer
isso.

Pego o bacon da frigideira, como onde estou, encostado


na ilha. É crocante, salgado e ligeiramente queimado. Tem um
gosto fenomenal.

— Eu posso fazer mais! — Klara diz, nervosa. — Vai levar


apenas um minuto. Provavelmente está frio.

— É perfeito, — eu digo, pegando a última salsicha da


frigideira também.

Klara parece alarmada, seja pelo fato de eu ter entrado


na cozinha, o que nunca faço, seja pelo fato de estar de bom
humor, o que também nunca acontece.

— Nessa está no estúdio? — Pergunto à Klara, já sabendo


a resposta.

— Sim, — diz ela com cautela.

— Ela gosta de trabalhar. Eu a ouço lá constantemente.

— Está certo.

Klara provavelmente respeita isso. Ela mesma tem uma


ética de trabalho altamente desenvolvida, fazendo o trabalho
de pelo menos três pessoas com toda a comida, limpeza e
tarefas que ela faz para nós.

Eu pago bem a ela. Mas ela dirige um Kia de 20 anos e


carrega uma sacola de lona como bolsa. Ela manda todo o seu
dinheiro de volta para a Polônia, para seus pais e avós. Jonas
compartilha os mesmos avós. Ele não manda nada de volta,
apesar de ganhar muito mais que Klara.

— Você cuidou bem da nossa pequena prisioneira, — digo


à Klara.

Ela coloca as panelas de molho na pia, abrindo a torneira


e sem olhar para mim.

— Sim, — ela diz calmamente.

— Vocês duas se tornaram próximas.

Ela espirra sabão nas panelas. Sua mão treme


ligeiramente e um pouco do sabão cai na torneira. Ela limpa
apressadamente com a esponja.

— Ela é uma boa menina, — diz Klara. — Ela tem um


coração bom.

Há uma nota de reprovação em sua voz.

— Você sabia que ela aprendeu a falar polonês? — Eu


digo.

Klara se enrijece e seus olhos voam com culpa para o meu


rosto.

— Eu não queria ensinar nada a ela! — Klara engole em


seco. — Ela pegou tão rápido – achei que ela aprenderia a
palavra para 'colher' ou 'xícara', apenas como diversão. A
próxima coisa que soube é que ela estava dizendo frases...
A explicação de Klara sai aos tropeços, suas bochechas
queimando de ansiedade. Ela não tem que me convencer – eu
vi por mim mesmo que Nessa é inteligente, e quão perceptiva.
Ela parece um fauno inocente, mas sua mente está sempre
trabalhando a mil milhas por minuto.

— Por favor, não fique zangado com ela, — acrescenta


Klara. — Não foi culpa dela.

Achei que Klara estava implorando por si mesma, não


querendo ser punida. Agora eu percebo que ela está
preocupada com Nessa.

Isso é pior do que eu pensava. Elas se tornaram amigas.


Amigas próximas.

Eu deveria despedir Klara. Ou, pelo menos, mantenha-a


longe de Nessa.

Mas em quem eu confiaria para protegê-la? Em ninguém,


porra. Nessa poderia se infiltrar no coração de um texugo
raivoso.

Por isso, fico olhando em silêncio para Klara até ela parar
de falar, mordendo o lábio e enxugando as mãos molhadas
convulsivamente no avental.

— Estou preocupado com a sua lealdade, — digo a Klara.

Ela puxa o avental com as mãos rachadas.

— Eu nunca trairia o Braterstwo, — ela diz.


— Nessa Griffin não é um animal de estimação. Ela é um
ativo – um ativo muito valioso.

— Eu sei, — sussurra Klara.

— Se você tivesse alguma ideia de libertá-la...

— Eu nunca!

— Basta lembrar que sei onde toda a sua família mora em


Boleslawiec. Sua mãe, seu tio, suas sobrinhas, seus avós...
eles não estão seguros, só porque estão conectados ao Jonas
também. Jonas colocaria uma bala no crânio de sua mãe se eu
mandasse.

— Eu sei, — Klara respira. — Eu sei que ele faria.

— Basta lembrar disso. Você está criando um cordeiro


para o matadouro. Por mais doce que seja esse cordeiro.

Klara acena com a cabeça, os olhos fixos no chão.

Eu me sirvo de uma xícara de café e saio da cozinha.

Foi um bom discurso que fiz a ela. Eu me pergunto se foi


mesmo por Klara ou se eu estava tentando me convencer.

Fico pensando sobre a noite passada. Parecia um sonho.


No entanto, era mais real do que minha vida diária normal.
Fico pensando no gosto da boceta de Nessa na minha boca, a
sensação de sua pele contra a minha. Eu poderia subir neste
minuto e pegá-la novamente...
Não. Não vai acontecer. Tenho que me preparar para meu
encontro com Kristoff esta noite.

Passo a maior parte do dia com meus homens,


planejando nosso ataque final aos Griffin. Nesse ponto, temos
uma imagem clara da programação de Callum e Aida. O
vereador e sua esposa irão para a inauguração de uma nova
biblioteca em Sheffield em seis dias. É a oportunidade perfeita
para levar os dois.

Vamos executar a ideia de Tymon novamente, mas desta


vez com um planejamento adequado. Usaremos Aida contra
seu marido, drenando suas contas restantes no Hyde Park
Bank e Madison Capital.

Enquanto isso, faremos um acordo com os Gallo. Eles


podem assinar a torre da Oak Street em troca do retorno
seguro de Aida e as evidências contra Dante Gallo
desaparecerão. Vou deixar Dante andar livre. Então, no
segundo que seus pés tocarem o chão, vou atirar na porra da
cara dele.

Esse é o plano como está. Vou apresentá-lo a Kristoff esta


noite.

Prefiro não levar Nessa comigo, mas Kristoff é insistente.

Enquanto Klara prepara Nessa, eu me arrumo, vestindo


um suéter de cashmere cinza fino, calças compridas e
mocassins.
Não uso ternos como a maioria dos gangsters. Eles acham
que isso os faz parecer homens de negócios. Acho que é uma
porra de uma farsa. Os paletós são bons para esconder uma
arma, mas são volumosos e apertados. Não sou um homem de
negócios – sou um predador. Não vou me acorrentar por causa
da moda. Eu nunca quero pegar uma bala porque não
consegui sair do caminho a tempo.

Não demoro muito para ficar pronto. Espero na parte


inferior da escada, olhando para a ala leste.

Por fim, Nessa aparece no topo, apoiada contra a janela


como uma pintura numa moldura.

Ela está usando um vestido de chiffon branco com


camadas leves que flutuam ao redor dela como asas. Seu
cabelo está empilhado no topo de sua cabeça, com diamantes
em forma de lágrima pendurados em suas orelhas. Seus
braços e ombros delgados estão nus, brilhando à luz da noite.

Enquanto ela desce a escada, estou enraizado no lugar,


olhando para ela. Em vez de descer as escadas, eu a vejo
caminhando por um corredor em minha direção. Em vez de um
vestido de noite, eu a vejo em um vestido de noiva branco. Eu
vejo como Nessa seria se ela fosse minha noiva.

É como uma visão. O tempo passa mais devagar, o som


vai embora e tudo que posso ver é essa garota – um pouco
tímida, um pouco nervosa, mas irradiando uma espécie de
alegria que nunca pode ser apagada dela. Porque não vem de
circunstância ou situação. Vem da bondade dentro dela.
Nessa chega ao fim da escada.

Eu pisco e a visão se foi.

Ela não é minha noiva, ela é minha prisioneira. Estou


levando-a para uma mesa de negociações onde Kristoff e eu
decidiremos como dividir a carcaça do império de sua família.

Ela olha para mim, calorosa e expectante, pensando que


vou dizer a ela como ela está linda.

Em vez disso, mantenho meu rosto severo.

— Vamos, — eu digo. — Vamos nos atrasar.

Ela me segue até o carro.

Eu tenho o Land Rover parado em frente à porta,


esperando por nós.

Nessa faz uma pausa enquanto ela sai na escada da


frente. O sol está se pondo. Envia folhas coloridas pela tela em
branco de seu vestido. Sua pele brilha como ouro e seus olhos
estão mais brilhantes do que nunca.

Entro no carro, tentando não olhar para ela.

Jonas pega a mão dela para que ela possa pegar a saia e
entrar sem sujar o vestido. Estou irritado por ele estar tocando
nela. Estou irritado por ela permitir.

Uma vez que Nessa e eu estamos sentados atrás, com


Jonas e Marcel na frente, saímos. O carro acelera pela estrada
sinuosa, depois sai pelos portões. Nessa se senta um pouco
mais ereta, a testa pressionada contra a janela para que possa
olhar para fora.

Já faz muito tempo que ela não anda de carro. Há muito


tempo ela não via nada além da casa e do terreno. Posso ver
sua empolgação nas ruas e edifícios, nas pessoas nas calçadas,
nos vendedores nas esquinas.

As janelas são fortemente escurecidas. Ninguém pode ver


dentro. Mesmo assim, estou ansioso para levá-la para fora de
casa. É como soltar um pássaro canoro de sua gaiola – se algo
der errado, ele voará para longe.

Nós dirigimos um caminho curto para o sul até Lincoln


Park, onde Kolya Kristoff tem sua casa. É um complexo amplo,
recém-construído e extremamente moderno. A casa principal
parece um monte de caixas de vidro empilhadas umas sobre
as outras. Parece uma configuração terrível, do ponto de vista
da segurança. Mas Kristoff é extravagante assim. Ele gosta de
se exibir, de seus Maserati a seus ternos Zegna.

O interior é tão pouco prático. Há um rio artificial


correndo pelo piso da entrada, sob um lustre feito de orbes
giratórias, como um sistema solar.

Quando Kristoff vem nos cumprimentar, ele está vestindo


um smoking de veludo e mocassins com borlas. Quero
cancelar a aliança agora, apenas baseado no fato de que não
quero fazer negócios com alguém que pensa que é Hugh Hefner
reencarnado.
Estou nervoso e irritado, e ainda nem começamos.

Não ajuda que a primeira coisa que Kristoff faça é andar


em volta de Nessa como se ela fosse uma escultura em um
pedestal, seus olhos percorrendo cada centímetro dela.

— Meu Deus, que espécime, — diz ele. — O que você tem


feito com ela, Mikolaj? Você sequestrou uma garota e a
transformou em uma deusa.

Os olhos de Nessa disparam entre nós, suas bochechas


tingidas com aquele toque de rosa que eu conheço tão bem.
Ela não gosta desse tipo de atenção e está procurando por
minha proteção.

— Ela é a mesma de sempre, — eu estalo.

Gostaria que Klara não a tivesse embonecado tanto. Eu


disse a ela para deixar Nessa apresentável, para não a
transformar na princesa Grace.

— Achei que nós, russos, tínhamos as mulheres mais


bonitas. — Kristoff sorri. — Acho que não experimentei
variedade suficiente...

Nessa está se aproximando de mim, longe de Kristoff.

— Mas os irlandeses as treinam? — Kristoff diz, erguendo


suas sobrancelhas escuras. — As garotas russas aprendem a
chupar pau melhor do que uma estrela pornô. Elas podem
explodir você no tempo que uma chaleira leva para ferver. O
que você acha, Mikolaj... como ela se compara?
Se Kristoff continuar falando, vou arrancar suas cordas
vocais de sua garganta e estrangulá-lo com elas.

Nessa parece à beira das lágrimas. Meu estômago está


contraído do tamanho de uma noz.

Não há uma boa resposta aqui. Se eu disser a Kristoff que


não a comi, ele não vai acreditar em mim. Se ele soubesse a
verdade, seria ainda pior. Nada poderia ser mais perigoso para
Nessa do que o chefe da Bratva saber que tem em casa a bela
e virginal filha da rival.

— Ela não interessaria a você, — eu digo brevemente. —


Nenhuma habilidade em tudo.

Nessa vira aqueles grandes olhos verdes para mim,


chocada e magoada.

Não consigo olhar para ela. Eu não posso nem dar a ela o
menor sinal de simpatia.

Em vez disso, digo: — Vamos começar já. Eu não tenho a


noite toda.

— Claro, — Kristoff sorri.

Ele nos leva para sua sala de jantar formal, onde a mesa
está cheia de comida. Kristoff se senta em um lado da mesa,
junto com três de seus principais tenentes. Sento-me do outro
lado, com Nessa ao meu lado e Jonas e Marcel em cada
extremidade.
Nessa está pálida e silenciosa, sem vontade de tocar na
comida.

— O que há de errado? — Kristoff diz. — Você não gosta


de pelmeni?

— Você conhece dançarinos, — digo a ele. — Eles não


comem.

Nessa me lembra Perséfone, raptada por Hades e forçada


a reinar como rainha dos mortos. Perséfone tentou tanto não
comer a comida de Hades, para que um dia ela pudesse
retornar aos reinos iluminados pelo sol.

Mas Nessa já comeu minha comida. Assim como


Perséfone, que ficou com tanta fome que perdeu a
determinação, consumindo seis minúsculas sementes de
romã.

Kristoff parece ofendido. Os russos são muito sensíveis a


seus pratos. Felizmente, Jonas e Marcel estão colocando
comida suficiente na boca para compensar.

— Davayte pristupim k delu, — digo. Vamos ao que


interessa.

Kristoff fica surpreso por eu estar falando russo. Sei


muito bem, mas geralmente me recuso a falar com ele. Inglês
é a nossa língua franca. No entanto, não quero que Nessa
tenha que se sentar por uma longa discussão sobre como
vamos destruir sua família. Já é ruim o suficiente que ela me
tenha de um lado e Jonas do outro, com Kristoff olhando
maliciosamente para ela do outro lado da mesa. O mínimo que
posso fazer é mantê-la ignorante sobre os próximos eventos.

Ela é muito inteligente para ser ignorante, no entanto.


Conforme repassamos nossos planos, com alguma discussão e
muito debate, ela pega o assunto sem entender os detalhes.
Sua expressão fica cada vez mais miserável e os ombros mais
caídos.

Finalmente, Kristoff e eu concordamos. Vamos atacar


Callum Griffin na abertura da biblioteca e pegar Aida ao
mesmo tempo. É um pequeno evento. Sua segurança será
escassa.

Com isso decidido, Kristoff se recosta na cadeira,


tomando um gole de vinho.

— E o que você pretende fazer com ela? — Ele diz,


sacudindo a cabeça em direção a Nessa.

— Ela fica comigo por enquanto.

— Você deveria colocar um bebê na barriga dela, — diz


Kristoff. — Eles mataram seu pai. Ela pode te dar um filho.

Nessa lança um olhar rápido na minha direção. Ela sabe


que estamos falando sobre ela.

Não posso dizer que não pensei nisso.

Os Griffin e os Gallo fizeram sua aliança pelo casamento.


Eu poderia fazer o mesmo.
Mas não estou procurando uma aliança. Nunca estive.
Procuro a dominação total e completa. Eu não quero
compartilhar a cidade. Quero possuí-la. Não quero
recompensa – quero vingança.

— À vitória, — diz Kristoff, erguendo o copo uma última


vez.

— Nostrovia, — eu digo, batendo meu copo contra o dele.

Quando estamos prontos para sair, Kristoff nos leva de


volta para a entrada. Ele aperta minha mão lentamente, para
selar nosso acordo.

Então ele espia o monitor no tornozelo de Nessa.

— Você deveria colocar uma coleira no pescoço dela, —


ele diz. — Adoraria ter uma gatinha como essa rastejando atrás
de mim...

Ele estende a mão para tocar o rosto de Nessa.

Antes que eu possa pensar, peguei sua mão, meus dedos


travaram em torno de seu pulso.

Os homens de Kristoff chamam a atenção, dois me


flanqueando e um com a mão na arma. Jonas e Marcel também
ficam tensos, olhando os soldados russos e se preparando para
a luta. O ar está denso de expectativa, tão silencioso que você
pode ouvir o rio correndo.

— Não, — eu digo.
— Tenha cuidado, — Kristoff diz suavemente. — Lembre-
se de quem é seu amigo nesta sala e de quem é seu inimigo.

— Lembre-se do que me pertence, se quiser continuar


amigo, — respondo.

Solto seu pulso.

Ele dá um passo para trás e seus soldados relaxam.


Jonas e Marcel fazem o mesmo – externamente, pelo menos.
Tenho certeza de que seus corações ainda estão disparados tão
rápido quanto o meu.

— Obrigado pelo jantar, — eu digo, rigidamente.

— O primeiro de muitos, espero, — responde Kristoff.

Seus olhos estão frios. Ele olha para Nessa – não com
luxúria desta vez, mas com ressentimento.

— Spokoynoy nochi malen'kaya shlyukha, — diz ele. Boa


noite, putinha.

Quase o acertei na boca. Meu punho está cerrado e meu


braço é flexionado para fazer isso. Eu me paro bem a tempo.

Se eu atacar Kristoff em sua casa, duvido que um de nós


consiga sair vivo. E isso inclui Nessa.

Ela não entende o insulto, mas conhece o tom. Ela se


afasta de Kristoff, sem dar a ele a satisfação de uma resposta.

Enquanto nos afastamos de sua casa, Nessa olha pela


janela. Ela perdeu toda a emoção do início da noite. Ela não
parece mais registrar as últimas folhas caindo ou as luzes da
cidade. Ela parece cansada. E derrotada.

— Eu não vou deixá-lo tocar em você, — eu prometo


Nessa.

Ela olha para mim por um momento, então suspira e olha


pela janela novamente sem responder.

Ela está certa em me ignorar. Ela sabe que os Bratva e os


Braterstwo têm planos muito piores para sua família do que
qualquer coisa que Kristoff possa fazer a ela pessoalmente.

Enquanto dirigimos pela Halstead Street, digo a Jonas,


impulsivamente: — Vire aqui.

— Bem aqui?

— Sim.

Ele gira o volante com força para a esquerda e viramos na


direção oposta da minha casa, indo para o sul. Nós dirigimos
até o cais, Jonas seguindo meus comandos concisos.

— Pare aqui, — digo a ele. — Espere no carro.

Jonas estaciona em frente ao Yard. Eu entro por um


minuto, voltando em breve para Nessa.

— O que estamos fazendo? — Ela diz, confusa.

— Eu quero que você veja uma coisa, — eu digo a ela. —


Mas você tem que prometer não fazer uma cena ou tentar fugir.
Tenho quase certeza de que o monitor de tornozelo dela
está quebrado. Se ela fugir, estou ferrado. Mas se ela me fizer
uma promessa, acho que vai cumpri-la.

— Eu... tudo bem, — ela diz.

— Você me promete?

Ela olha para mim com aqueles olhos verdes claros, sem
um traço de mentira neles.

— Eu prometo, Mikolaj, — ela diz.

Eu a levo escada acima para o saguão. Já subornei o


porteiro. Ele nos esgueira por uma escada nos fundos, até o
camarote, geralmente reservado para grandes doadores ao
teatro.

Assim que Nessa vê os artistas no palco, bem iluminados


e diretamente abaixo de nós, ela engasga e coloca as mãos
sobre a boca.

— É o meu show! — Ela chora.

É a última noite que o Lake City Ballet apresentará Bliss.


Perdemos metade do show, mas Nessa não parece se importar.
Seus olhos estão grudados no palco, correndo para frente e
para trás para seguir cada um dos dançarinos. Ela não se
senta nas poltronas confortáveis dispostas na frente do vidro –
em vez disso, ela fica bem contra a janela, tentando chegar o
mais perto que pode para ver cada detalhe.
— Minha amiga Marnie fez aquele conjunto, — ela me
conta. — Ela pintou à mão cada um daqueles girassóis. Levou
semanas e semanas. Ela entrava à noite e ouvia todos os livros
de Jack Reacher enquanto fazia isso. Isabel costurou aquele
vestido. É feito de uma cortina do último show que fizemos. E
aqueles dois dançarinos ali, eles são irmãos. Eu fui para a
escola com o mais novo...

Ela me conta tudo, tão animada que esquece o


desconforto e a humilhação que suportou esta noite. Enquanto
a música flui pelos alto-falantes, posso vê-la marcando o
tempo com as pontas dos dedos contra o vidro. Eu posso ver o
quanto ela adoraria dançar pela sala, mas ela não consegue
tirar os olhos do palco.

Quando a próxima música começa, ela bate palmas e diz:


— Oh, esta é a minha favorita! Eu fiz esta!

Quatro dançarinos cruzam o palco vestidos de


borboletas: um Monarca, um Morpho, um Rabo de Andorinha
e uma Rumanzóvia. Eles rodam juntos em formação, depois se
separam e depois voltam a ficar juntos. Às vezes eles estão
sincronizados, às vezes eles criam padrões em cascata
intrincados. É uma dança complicada, mas leve e alegre. Não
sei como é chamado nenhum dos movimentos. Só sei que o
que estou assistindo é lindo.

— Você coreografou essa dança? — Eu pergunto a Nessa.

Eu já sei que ela fez. Vejo suas impressões digitais nisso,


como pedaços de seu trabalho que vi em minha casa.
— Sim! — Nessa diz feliz. — Veja como ficou bom!

Eu só queria ficar um pouco, mas não posso arrastar


Nessa embora. Assistimos até o fim, o rosto e as mãos de Nessa
pressionados contra o vidro.

Quando o show termina, o público aplaude e um homem


atlético com cabelos grisalhos sobe no palco para fazer suas
reverências.

— Esse é o diretor? — Eu pergunto a Nessa casualmente.

— Sim, — ela diz. — Esse é Jackson.

— Vamos indo, — digo a ela. — Antes que todos saiam.

Não posso arriscar que alguém localize Nessa enquanto a


multidão sai correndo.

No caminho para casa ficamos quietos – Nessa porque ela


está nadando na felicidade de ver seu show ao vivo, vendo o
que ela imaginou ser trazido à vida no palco.

Eu, porque estou percebendo cada vez mais como essa


garota é brilhante. Ela canalizou uma parte de seu próprio
espírito, sua própria bem-aventurança, e deu-lhe vida para
que todos pudessem ver. Ela me fez sentir isso. Eu, que nunca
sinto felicidade, muito menos alegria pura.

Quando chegamos em casa, Nessa sai e espera por mim,


pensando que entraremos juntos.
Em vez disso, digo a Jonas para esperar. Então digo a
Marcel: — Leve-a para o quarto dela. Certifique-se de que ela
tenha tudo o que precisa.

— Onde você vai? — Nessa me pergunta, suas


sobrancelhas juntas em preocupação.

— Uma tarefa rápida, — digo a ela.

Ela fica na ponta dos pés e me beija suavemente na


bochecha.

— Obrigada, Miko, — ela diz. — Ver aquele show foi o


melhor presente que você poderia me dar.

Posso sentir os olhos de Marcel em mim e de Jonas


também.

Aceno rigidamente.

— Boa noite, Nessa.

Volto para o carro.

— Para onde? — Jonas pergunta.

— De volta ao Yard, — eu digo.

Cruzamos as ruas silenciosas. Estou sentado no banco


do passageiro agora, bem ao lado de Jonas. Posso ver a tensão
em seus ombros, em suas mãos segurando o volante.

— Vamos levá-la em viagens de campo agora? — Ele diz.


— Vou levá-la para a porra de Marte, se quiser, —
respondo.

Jonas fica em silêncio por um momento, depois diz: —


Miko, você é meu irmão. Não apenas no Braterstwo, mas em
todas as coisas. Você salvou minha vida em Varsóvia. Eu disse
que nunca iria esquecer, e não esqueci. Fizemos cem trabalhos
juntos. Viemos para este país juntos. Construímos um império
juntos. Prometa-me que você não vai destruir tudo, porque
você teve sua cabeça virada por uma garota bonita.

Meu primeiro impulso é arrancar sua cabeça por ousar


me questionar. Mas eu ouço a sinceridade em suas palavras.
Jonas realmente foi um irmão para mim. Nós sofremos,
aprendemos e triunfamos um ao lado do outro. É um vínculo
que só os soldados conhecem.

— É um peso pesado tomar o lugar de Zajac, — digo a ele.


— Temos uma dívida para com nosso pai. Não quero sacrificar
meus irmãos para pagar por isso.

— Não tenho medo dos italianos ou irlandeses, — diz


Jonas. — Somos mais fortes do que ambos. Especialmente com
os russos do nosso lado.

— Palavras não são resultados, — eu digo.

É algo que Zajac sempre nos disse.

— Você não acredita mais na sua própria família? —


Jonas diz. Sua voz é baixa e zangada.
— Quero escolher a batalha que posso vencer.

Eu poderia me casar com Nessa Griffin. Ela poderia ter


meu filho. E eu poderia tomar um pedaço do império sem pisar
nos corpos de todos que ela ama. Sem sacrificar a vida dos
meus irmãos. Porque não importa o que Jonas diga, se
continuarmos nosso ataque aos Griffin e Gallo, não
ganharemos a guerra sem baixas. Supondo que ganhemos em
tudo.

Chegamos ao teatro mais uma vez. Digo a Jonas para


esperar na frente. Assistimos à fila desordenada de dançarinos
e funcionários do teatro que entram pelas portas, enquanto o
show termina. Então, finalmente, Jackson Wright emerge,
flanqueado por uma mulher rechonchuda de cabelos
encaracolados e um homem alto e magricela.

Eles caminham juntos pela rua, rindo e conversando


sobre o sucesso da noite, antes de virar à esquerda para o
Whisky Pub.

— Espere aqui, — digo a Jonas.

Sigo Jackson até o pub. Sento-me em um assento alto e


o vejo pedir uma Guinness. Ele se senta e conversa com seus
amigos por dez, vinte minutos. Já não gosto dele, mesmo a
uma distância de seis metros. Vejo sua expressão pomposa, o
jeito como ele domina a conversa, falando por cima da senhora
rechonchuda sempre que ela tenta falar.
Eventualmente, a Guinness faz sua mágica. Jackson
segue em direção ao banheiro na parte de trás do bar.

É uma única cabine. Perfeito para meus propósitos.

Quando Jackson entra, antes que ele possa fechar a porta


atrás dele, eu empurro meu caminho para dentro.

— Ei! — Ele diz, em um tom irritado. — Está ocupado,


obviamente.

Fechei a porta, trancando-a por dentro.

Jackson me olha através de seus óculos de aro de


tartaruga, as sobrancelhas levantadas.

— Agradeço o entusiasmo, mas você não faz o meu gênero


e nem meu tipo, infelizmente.

Atravesso o pequeno banheiro em um passo, minha mão


fechando em torno de sua garganta. Eu o levanto e bato sua
cabeça contra a parede de azulejos.

Jackson solta um grito apavorado, arranhando a mão


fechada em torno de sua garganta. Seus óculos estão tortos e
seus pés chutam desamparadamente no ar.

— Eu assisti seu show hoje à noite, — digo casualmente.

— Não consigo... respirar... — ele murmura, seu rosto se


transformando em um profundo vinho.
— É engraçado... eu reconheci algumas das coreografias.
Você conhece Nessa Griffin? Eu a vi trabalhar no seu show.
Mas não a vi creditada em lugar nenhum.

Eu o abaixo um pouco, apenas o suficiente para que ele


possa suportar seu próprio peso na ponta dos pés, mas não o
suficiente para que ele se sinta confortável. Relaxo meu aperto
para que ele possa falar.

— Do que você está falando? — Ele estala. — Eu não


conheço nenhuma...

— Resposta errada, — eu digo, levantando-o novamente.

Suas unhas arranham minhas mãos e antebraços. Eu


não dou a mínima para isso. Continuo sufocando até que ele
comece a desmaiar, então eu o abaixo novamente.

— Acorda, acorda, — eu digo, dando um tapa no lado de


seu rosto.

— Ai! Me solte! — Jackson grita, voltando a si.

— Vamos tentar de novo. Você se lembra da Nessa


Griffin?

Um silêncio taciturno. Em seguida, um ressentido — Sim.

— Você se lembra de como você roubou o trabalho dela e


o passou como seu?

— Eu não...
Outra batida de sua cabeça contra a parede e Jackson
grita: — Tudo bem, tudo bem! Ela trabalhou no programa.

— Pelo qual você não deu crédito a ela.

Ele franze o rosto como se o estivesse forçando a comer


mingau mofado. Então ele diz: — Sim.

— Estou feliz que concordamos.

Eu o surpreendi. Antes que ele possa piscar, agarro seu


braço esquerdo e o torço atrás de suas costas. Já sei por vê-lo
beber sua cerveja que ele é canhoto. Eu o puxo para trás até
que ele esteja gritando e suando novamente.

— Pare! Pare! — Ele chora. — O que você espera que eu


faça? O show já acabou!

— Você vai se redimir com ela, — eu digo.

— Como?!

— Vou deixar isso para você descobrir.

— Mas... mas...

— O que?

— Nessa se foi! As pessoas dizem que ela está morta.

— Nessa está viva e bem. Não se preocupe com ela,


preocupe-se consigo mesmo. Se preocupe com o que farei com
você se não ficar satisfeito com sua solução.
— Ótimo! O que você quiser! Apenas me solte, — calça
Jackson.

— Eu vou soltar. Mas, primeiro, há um preço a pagar.

Com uma torção rápida, envio uma fratura em espiral


pelo seu rádio29, colocando a mão sobre sua boca para abafar
o grito. É nojento, porque ranho, lágrimas e saliva estão
sujando minha mão. Mas isso é negócio.

Solto Jackson. Ele cai no chão, gemendo e


choramingando.

— Falaremos em breve, — digo a ele.

Ele se encolhe.

Quando estou indo para a porta, ele pergunta: — Você


trabalha para o pai dela?

— Não, — eu digo. — Apenas um patrono das artes.

Deixo-o chorando no banheiro.

Quando volto para o carro, pego lenços umedecidos do


porta-luvas para limpar a bagunça das minhas mãos. Parece
que um gato atacou meus braços.

— Está tudo bem? — Jonas pergunta.

— Claro. Ele pesa menos do que sua última namorada.

29 Nome científico de um dos ossos do braço.


Jonas bufa. — Eu nunca tive uma garota que chamaria
de amiga30.

Não, ele nunca teve. Embora o vínculo com meus irmãos


seja forte, eles não são exatamente o que eu chamaria de “boas
pessoas". Principalmente Jonas.

Também não sou uma boa pessoa.

30 Refere-se à fala do Miko, “namorada”, em inglês “girlfriend” (garota amiga).


22

Marcel me leva para dentro de casa, todo o caminho até


o meu quarto, conforme solicitado. Klara estava apenas
virando os lençóis, como fazem em um hotel chique. Ela não
deixa chocolate no travesseiro, mas tenho certeza de que
deixaria se eu pedisse.

Ela se endireita quando entro no quarto. Marcel está bem


atrás de mim. Quando Klara o vê, ela respira rapidamente e eu
a vejo escovando a bainha do avental, tentando alisar as rugas.

— Olá, Klara, — diz Marcel.

— Olá, — ela responde, olhando para o chão.

Você pensaria que eles nunca se conheceram antes.


Quando eu sei com certeza que eles trabalham aqui juntos há
anos.

— Vou ajudá-la a se preparar para dormir, — Klara me


diz.

— Na verdade, você se importaria de fazer chá para mim,


Klara? Um de ervas? Se você não se importa, eu só preciso
relaxar um pouco.
— Claro, — diz Klara.

Ela sai do quarto. Marcel diz: — Boa noite, — e corre atrás


dela.

Na verdade, não preciso de chá. Só queria dar-lhes tempo


para conversar, se quisessem. Mikolaj e Jonas se foram, então
não há ninguém para pegá-los. Ninguém exceto eu.

Sei que isso é horrível e devo ficar parada exatamente


onde estou. Mas a curiosidade está me matando. Eu tenho que
saber o que está acontecendo entre os dois. Tenho inventado
todos os tipos de cenários de novela na minha cabeça.

Desço as escadas, silenciosa como um rato. Acontece que


sou muito mais bisbilhoteira do que imaginava. Ou pelo
menos, eu me tornei uma depois que a solidão e o tédio me
perseguiram por um mês. Eu não costumava mentir ou
bisbilhotar. Querido Deus, meus captores devem estar
passando isso para mim.

Bem, se eles foram uma má influência, então pagarão o


preço por isso.

Estou do lado de fora da cozinha, com as costas apoiadas


no antigo papel de parede verde, a orelha quase na borda do
batente de madeira da porta.

— É só jantar, Klara, — diz Marcel em polonês. Marcel


tem uma voz bonita. Ele não fala muito, então eu não tinha
ouvido isso com muita frequência. Possui um tom agradável e
suave. Que ele está tentando usar com o máximo efeito no
momento.

— Posso fazer meu próprio jantar, — diz Klara com frieza.

Posso ouvi-la enchendo a chaleira e tirando as xícaras.


Não demora muito para ela fazer o chá – é melhor Marcel se
apressar.

— Quando foi a última vez que você comeu um jantar que


não precisava fazer você mesma? — Marcel diz.

— Menos tempo do que você cozinhou, — diz Klara. —


Duvido que você saiba usar uma torradeira.

— Por que você não me ensina? — Marcel diz.

Não consigo resistir a espiar. Klara está colocando a


chaleira no pedestal, e Marcel se aproximou por trás dela, tão
perto que eles estão quase encostando no corpo, a apenas
alguns centímetros de distância. Eles formam um lindo casal.
Um conjunto que combina – ambos altos, magros e de cabelos
pretos.

Marcel tenta colocar as mãos nos quadris de Klara. Ela


se vira. Tenho que virar o rosto para não ver o tapa, mas com
certeza ouço.

— Lembre-se de que eu não trabalho em um de seus


clubes! — Klara grita. — Eu não serei uma daquelas garotas
que chupa seu pau por coca e bolsas até que você se canse de
mim.
— Quando você me viu fazer isso? — Marcel grita de volta
para ela. — Tudo o que fiz foi pedir uma chance, todos os dias,
por três anos, porra.

— Não são bem três, — responde Klara.

— O que? — Marcel diz, perplexo.

— Dois anos e onze meses. Ainda não são três anos.

— Você vai me deixar louco, mulher, — diz Marcel, com


passos rápidos que soam como passos. — Eu acho que você só
gosta de me torturar.

— Tenho que assumir isso, — diz Klara.

Posso ouvi-la recolhendo a bandeja de chá. Corro de volta


escada acima, antes que ela possa me alcançar.

Pulo na cama e puxo as cobertas sobre mim, procurando


desesperadamente por um livro.

Quando Klara chega um momento depois, ela deixa a


bandeja ao lado da cama e me olha com desconfiança.

— O que você está fazendo? — Ela diz em polonês.

— Nada. Apenas esperando.

— Por que você está respirando tão forte?

— Eu estou? Acho que estava animada. Sobre o chá que


estava vindo.
Suas sobrancelhas desapareceram sob a franja. Ela não
acredita em uma palavra disso.

— Oh, obrigada. Ótimo chá! — Digo apressadamente,


engolindo muito e queimando minha língua.

Klara revira os olhos e se dirige para a porta, levando a


bandeja com ela.

Bebo todo o chá, mas não durmo.

Estou muito empolgada com a noite que tive. Começou


promissora, já que eu realmente tive que deixar o terreno pela
primeira vez em muito tempo. Mas então percebi que Mikolaj
estava me levando para conhecer um gângster russo horrível.
Se eu pensei que Jonas era mau, esse cara realmente me fez
arrepiar. Não consegui entender nada do que eles disseram
durante o jantar, mas a insensibilidade em sua voz deixou
óbvio exatamente que tipo de homem ele era.

Então ele tentou me tocar quando saímos – nada gratuito,


não tentando me apalpar nem nada. Mikolaj agarrou seu braço
como se fosse arrancá-lo do corpo. Instantaneamente,
estávamos em uma espécie de impasse mexicano 31 e eu tinha
quase certeza de que eram os últimos segundos da minha vida.

Então saímos, e Mikolaj era como um fio não aterrado no


carro, vibrando com eletricidade e totalmente capaz de me
chocar até a morte se eu ousasse tocá-lo.

31Disputa em que todos sacam suas armas e apontam uns para os outros, onde quem atira primeiro
tem a vantagem. Muito visto em filmes de faroeste.
E, do nada, ele nos levou até o Yard. Eu nem pensei sobre
Bliss estar lá. Eu quase tinha esquecido que o show existia,
vivendo no estranho mundo de fantasia da mansão de Mikolaj.
Mas quando vi Marnie e Serena no palco, soube exatamente
onde estávamos.

Meu Deus, vendo algo que criei... era tão diferente de se


apresentar no balé. Era como assistir ao meu próprio sonho,
pleno, vibrante e real. Eu não conseguia respirar.

Eu tinha visto muitos ensaios, mas agora era diferente,


com maquiagem e figurinos completos, iluminação e cenários.
Poderia ter chorado de tão feliz.

Eu deveria estar sentada bem na frente da plateia, com


minha família ao meu redor. Isso é o que teria acontecido na
noite de estreia, se Mikolaj não tivesse me sequestrado.

Por um momento, fui atingida por uma punhalada de


raiva. Lembrei-me de todas as coisas que perdi nas últimas
semanas – minha dança, o aniversário do meu pai, meu
semestre na escola.

Olhei para Mikolaj, tão furiosa que poderia ter gritado


algo para ele. Mas ele não estava olhando para mim – ele estava
olhando através do vidro, assistindo ao balé. Ele tinha aquela
expressão em seu rosto, semelhante a quando estava
dormindo. A dureza e a raiva foram embora. Havia calma em
seu lugar.
E me lembrei que não tinha realmente perdido a chance
de dançar em sua casa. Na verdade, eu estava fazendo mais do
que nunca. Ao criar algo totalmente diferente de tudo que eu
fiz antes. Não o produto da velha Nessa, mas da nova Nessa,
uma garota em progresso, que cresce e muda a cada momento,
de maneiras que eu nunca teria se tivesse ficado em casa.

Minha raiva foi embora. Terminamos de assistir ao show


e voltamos para casa. Achei que Mikolaj pudesse subir comigo.
Em vez disso, ele saiu correndo para outro lugar.

E agora estou deitada aqui, sem conseguir dormir até


ouvir o carro dele na garagem.

Porque onde quer que os gangsters vão, nunca é seguro.

Sempre há uma chance de que esta seja a noite em que


eles não voltem para casa.

Uma hora se passa. Talvez mais. Finalmente, ouço os


pneus rolando nas pedras soltas da garagem.

Pulo da minha cama, empurrando para o lado as cortinas


empoeiradas.

Desço as escadas correndo, minhas pernas nuas sob a


bainha da minha camisola. Klara abasteceu o guarda-roupa e
as gavetas com tantas peças de roupa lindas. As camisolas são
a única coisa que me faz rir. Elas são tão antiquadas, como
algo que uma menina da era vitoriana usaria. Eu
provavelmente pareço um fantasma, correndo por este lugar.
Quando estou na metade da escada, Mikolaj me ouve. Ele
se vira. Vejo longos arranhões subindo por seus braços e nas
costas de suas mãos.

— O que aconteceu! — Eu suspiro.

— Não é nada, — ele diz.

— Onde você foi? — Estou prestes a tocar em seu braço


para examinar os ferimentos, mas congelo no meio do
caminho. As pessoas com maior probabilidade de ter ferido
Mikolaj são minha própria família. O que significa que ele pode
ter feito algo terrível em troca.

Minha boca fica aberta, horrorizada.

Mikolaj vê isso. Ele diz: — Não! Eu não fiz... não é...

— Você machucou alguém que eu conheço? — Eu digo,


através de lábios dormentes.

— Bem... isso não...

Eu nunca vi Mikolaj gaguejar antes. Meu estômago está


revirando. Acho que vou vomitar.

Eu me afasto dele, mas Mikolaj agarra meus ombros,


puxando-me de volta.

— Espere, — ele diz. — Deixe-me explicar.

Ele me puxa para fora da entrada, para a estufa.


Ele me conduz pela vegetação densa. É quase inverno lá
fora, mas ainda está quente e úmido aqui, o ar rico em oxigênio
e clorofila. Ele me puxa para baixo no banquinho onde estava
sentado quando acordei em sua casa.

— Olha, — ele diz, — eu não matei ninguém. Eu


machuquei alguém, mas ele mereceu porra.

— Quem? — Eu exijo.

— Aquele diretor.

— O que? — Fico olhando para ele sem expressão por um


segundo. Isso está tão fora do que eu esperava que ele dissesse
que não conecto os pontos.

— Ele está bem, — diz Mikolaj. — Eu só quebrei o braço


dele.

Uma interpretação vaga do termo “bem” mas muito


melhor do que eu temia.

— Você quebrou o braço de Jackson Wright, — eu digo


inexpressivamente.

— Sim.

— Por quê?

— Porque ele é um ladrão de merda, — diz Mikolaj.

Estou pasma.
Mikolaj quebrou o braço de Jackson... por mim. É o favor
mais estranho que alguém já fez por mim.

— Não quero que você machuque as pessoas em meu


nome, — digo a ele.

— Pessoas assim não aprendem sem consequências, —


diz Mikolaj.

Não tenho certeza se um idiota como Jackson vai


aprender de qualquer maneira. Mas eu não me importo com
ele, não realmente. Há um tipo diferente de pavor girando
dentro de mim.

Fui completamente isolada na casa de Mikolaj. Nenhum


contato com ninguém que eu conheço e amo. Presumi que
nada de horrível aconteceu enquanto estive fora. Mas não sei
se isso é verdade.

— O que é? — Mikolaj diz.

Seus olhos azuis claros estão fixos no meu rosto, firmes


e claros.

Ocorre-me que, em todo o tempo que estou aqui, Mikolaj


nunca mentiu para mim. Não que eu saiba, de qualquer
maneira. Ele tem sido duro e agressivo às vezes. Odioso, até.
Mas sempre honesto.

— Miko, — eu digo. — Minha família está bem? Você


machucou algum deles?
Posso ver os pensamentos passando por sua cabeça,
enquanto ele decide se vai responder. Sua mandíbula flexiona
enquanto engole. Então ele diz: — Sim. Jack Du Pont está
morto.

Meu estômago aperta em um nó. Jack Du Pont é um dos


associados mais próximos de meu irmão. Eles foram para a
escola juntos. Ele trabalha em nossa casa há anos. Era meu
motorista e guarda-costas, e também um amigo.

— Oh, — eu digo.

Posso sentir as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.

Mikolaj não se desculpa nem desvia o olhar. Seu olhar


está firme.

— Eu causei dor a você, — ele diz.

— Está todo mundo bem? — Pergunto-lhe.

— Dante Gallo está na prisão, — diz ele. — Caso


contrário, sim.

Cubro meu rosto com as mãos. Meu rosto está quente e


minhas mãos estão frias, em comparação.

Aida ama Dante como eu amo Callum. Ela deve estar


pirando agora.

Minha família inteira deve estar. Porque ainda estou


desaparecida. E Jack está morto. E eles sabem que mais está
por vir.
Levanto meu rosto de minhas mãos e tento encontrar o
olhar de Mikolaj com o mesmo nível de compostura.

— O que vai acontecer? — Pergunto-lhe.

Quando falamos pela primeira vez nesta sala, ele me disse


que iria destruir tudo que eu amo. Tenho que saber se esse
ainda é o plano dele. Se nada mudou entre nós.

— Bem, — diz Mikolaj, — isso depende.

— De que?

— De você, Nessa.

Ele passa a mão pelo cabelo louro-acinzentado,


afastando-o do rosto. Ele cai imediatamente. Nunca
permanece no lugar. Mikolaj só fala quando está nervoso. Caso
contrário, você nunca saberia.

— Você gosta desta casa? — Ele me pergunta.

É uma pergunta bizarra.

— Claro, — eu digo hesitante. — É linda. De uma forma


meio fantasmagórica.

— E se você ficasse aqui? — Mikolaj diz, seus olhos azul-


gelo perfurando os meus. — Comigo.

Há quase muito oxigênio neste espaço. Sinto-me um


pouco tonta, como se tivesse sentido o cheiro de óxido nitroso.
— Eu realmente não tenho escolha sobre isso, tenho? —
Digo suavemente.

— E se você tivesse? — Mikolaj diz. — Você poderia ser


feliz aqui?

— Com você? — Eu repito.

— Sim.

— Você está falando sobre um acordo de casamento.

— Sim, — ele diz. — Se sua família concordar.

A sala está girando ao meu redor. Essa é a coisa mais


assustadora que posso imaginar e a única que pode me dar
esperança.

Isso não é nada que eu já imaginei para mim. Estou


familiarizada com o conceito de casamentos mafiosos,
obviamente – meu irmão acabou de se casar com Aida em
circunstâncias semelhantes. Mas isso parece tão diferente.

Meu irmão é um gangster. Ele é político e empresário


também, mas foi criado para esta vida. Eu não fui. Nem um
pouco.

Não sou como Callum e Aida. Não sou forte e cheia de


recursos. Eu não sou corajosa. Tenho medo de me machucar.
Fisicamente e de forma mais profunda e duradoura.

Só agora estou percebendo o quão perigoso Mikolaj é para


mim. Durante o tempo que morei em sua casa, ele cavou seu
caminho sob minha pele, cavou em meu cérebro. Eu sonho
com ele à noite. Penso nele o dia todo enquanto estou
compondo meu balé. Como meu captor, ele me dominou
completamente.

Isso seria muito pior se ele fosse meu marido?

Sempre pensei que me apaixonaria da maneira normal.


Com flerte, romance, bondade e gentileza.

Em vez disso, caí em algo muito mais escuro.

Cada vez que Mikolaj fala comigo, cada vez que olha para
mim, ele está jogando um pequeno fio de seda de aranha em
volta de mim. Cada um é tão fino e leve que não os noto.
Quando dançamos juntos, quando ele me beija. Quando ele
olha na minha direção...

Eu não tinha ideia de como estava me tornando


enredada.

O que me assusta é o quanto isso poderia ir.

Tudo o que aconteceu até agora entre nós foi por acidente.

E se eu mergulhasse nisso intencionalmente? Quão


profundo é esse poço?

Eu sinto que poderia cair nele para sempre. Até que


nunca mais veria o sol.
Não estou olhando para ele porque não posso. Seu olhar
é tão penetrante que sinto que ele será capaz de ler cada
pensamento em minha cabeça.

Mikolaj pega meu rosto em suas mãos e o vira em sua


direção, forçando-me a encontrar seus olhos.

A primeira vez que vi seu rosto, pensei que era afiado e


cruel. Agora acho que é nada menos que devastador. Isso
devasta minhas noções do que eu achava que era bonito antes.
Eu gostava do visual juvenil e bem definido. Eu gostava de doce
e convencional.

Nunca houve um homem que se parecesse exatamente


com Mikolaj. Ele é o culminar da beleza masculina e feminina,
tudo em um. Suas maçãs do rosto salientes, olhos de cristal
marinho e cabelo louro-claro, combinados com sua mandíbula
afiada como navalha, lábios finamente esculpidos e olhar
implacável.

Ele é cruel e terno. Suas tatuagens são como uma


armadura que ele nunca pode tirar, com alguns pontos claros
de vulnerabilidade – seu rosto e mãos, os únicos pedaços dele
que mostram o que ele era antes.

Eu sei que ele é tão multifacetado por dentro. Ele é um


líder, um planejador, um assassino. Mas também alguém que
ama música e arte. Alguém leal. Quem cuidou de pessoas
antes – sua irmã, seu pai adotivo, seus irmãos...

E talvez, talvez... de mim também.


Mikolaj me envergonhou e me assustou. Me provocou e
atormentou. Mas estou muito ciente das linhas que ele não
cruzou.

Acho que ele não queria essa conexão entre nós mais do
que eu. Aconteceu do mesmo jeito. É real. Eu não acho que
poderia cortá-la se quisesse.

E se ele me mandasse para casa agora?

É o que eu queria todo esse tempo.

Eu me imagino de volta à minha casa moderna e


brilhante no lago. Abraçada, beijada e protegida por meus pais.
Segura e guardada.

Penso no meu quarto em casa. Mesmo na minha mente,


parece infantil agora – colcha com babados. Travesseiros
felpudos. Cortinas rosa. Meu velho ursinho de pelúcia.

Eu me encolho, imaginando isso. Eu me sentiria em casa


lá agora? Ou me deitaria naquela cama estreita e enrugada e
pensaria no cheiro de pedra e tinta a óleo, poeira e frutas
cítricas, e no perfume masculino do próprio Mikolaj.

Eu já sei a verdade.

Eu sentiria falta dessa velha casa escura e do homem


ainda mais escuro lá dentro. Eu me sentiria atraída de volta
para cá como uma das vítimas do Drácula, mordida, infectada
e obrigada a voltar para casa.
É bom se sentir enlaçada por um homem? Provavelmente
não. Isso provavelmente é doentio e errado em centenas de
níveis.

Mas é poderoso e real ao mesmo tempo. Eu não posso


lutar contra isso. Não sei se quero.

Todo esse tempo ele ficou olhando nos meus olhos, sem
piscar, infinitamente paciente. Esperando que eu faça minha
escolha.

Não há escolha a fazer.

Já aconteceu, sem eu saber.

Ele me capturou, e não há como deixar ir.

Fecho meus olhos e trago meus lábios nos dele. Eu o


beijo, suavemente no início. Então provo seus lábios e sua
língua, respiro seu cheiro, e é gasolina em chamas. Eu sou a
madeira, ele é o acelerador. Não importa o quanto queimemos,
nunca nos esgotamos.

Estou montada em seu colo, minhas mãos segurando seu


rosto, suas mãos segurando as minhas. Estamos nos beijando
profundamente, com fome, como se nunca pudéssemos estar
satisfeitos.

Então ele me pega e me leva para fora da estufa, através


do andar principal, subindo as escadas para a ala oeste.
Ele me carrega para seu quarto como uma noiva na
soleira. Nossos lábios estão travados o tempo todo. Cada
respiração que eu inspiro sai de seus pulmões.

Ele me joga na cama e fico apavorada, olhando para seu


rosto de lobo e seus olhos brilhantes.

Eu quero isso. Tanto quanto ele.


23

Jogo Nessa na cama e digo a mim mesmo para ir devagar,


para ser gentil com ela.

Mas foram semanas de espera, semanas de saudade.

Eu me segurei mil vezes.

Não posso mais fazer isso.

Ela está usando uma daquelas camisolas antiquadas –


renda cor de creme, com uma centena de pequenos botões na
frente. Eu me atrapalho com um botão, então pego o tecido
com as duas mãos e o rasgo, abrindo a camisola do pescoço à
cintura, expondo os seios pequenos e delicados de Nessa.

A renda é macia. Seus seios são mil vezes mais macios.


Corro minha língua até a curva de seu peito, em seguida, fecho
minha boca em torno de seu mamilo. Seus seios são pequenos
o suficiente para que eu possa sugar muito mais do que apenas
o mamilo – minha boca está cheia de sua carne quente e eu
chupo com força, massageando seu outro seio com a mão.

Nessa suspira. Seus gritos suaves e assustados são


incrivelmente eróticos. Ela é como um animal preso em uma
armadilha. Quanto mais ela grita, mais isso acende minha
fome.

Corro minha língua sobre seus seios e garganta. Lambo


seus lábios e mergulho minha língua profundamente em sua
boca.

E então desço ao longo de seu corpo, até o lugar com que


tenho sonhado, dia e noite. Coloco meu rosto entre suas coxas
e inalo seu perfume. Sua vagina é doce como mel, saborosa
como a fruta mais madura. O perfume de cada mulher é
diferente. Se Nessa pudesse ser engarrafada, seria a cura para
qualquer pau mole do mundo. Não há um homem no planeta
que poderia sentir o cheiro disso sem que seu pênis voltasse à
vida.

Seu perfume é inebriante, inesquecível, viciante. A partir


do momento em que coloquei minha língua entre suas pernas,
eu queria mais.

Devoro sua boceta como um animal selvagem. Eu lambo,


mordisco e enfio minha língua dentro dela. Então deslizo meus
dedos também, para ver se ela é realmente tão apertada quanto
eu me lembrava.

Deus, ainda mais apertada. Digo a mim mesmo


novamente, tenha cuidado. Não a machuque.

Mal consigo controlar minha própria respiração. Meu


coração está batendo cada vez mais rápido. Minhas pupilas
estão dilatando, minha pele está queimando. E meu pau está
implorando para ser enterrado naquela boceta quente,
apertada e aveludada.

Eu costumava sentir sobre sexo como me sentia sobre


dormir – necessário, mas uma perda de tempo.

Eu quero foder Nessa como se fosse meu destino. Como


se fosse a única coisa que fui criado para fazer.

Uso meus dedos e minha língua para deixá-la o mais


pronta possível. Espero até que ela esteja toda molhada, até
que possa deslizar meu dedo indicador para dentro e para fora
dela com facilidade. Estou massageando seu clitóris com
minha língua, trazendo-a em seu caminho para o clímax.

Então pego meu pau. Eu esfrego em sua umidade,


lubrificando a cabeça. Mesmo aquele contato exterior, a cabeça
do meu pau deslizando entre os lábios de sua boceta, é
dolorosamente bom. Meus nervos estão doendo. Eu poderia
explodir agora, apenas com a visão de seu corpo esguio, seus
lábios rosados.

— Você está pronta? — Pergunto à Nessa, parando em


sua entrada.

Ela olha para mim com aqueles olhos verdes arregalados,


aquelas sobrancelhas expressivas que parecem ter vontade
própria. Pela primeira vez, elas estão paradas – todo o seu rosto
está imóvel e expectante.

— Sim, — ela respira.


Deslizo para dentro dela, em um movimento longo e lento.

Nessa dá um pequeno suspiro e eu faço uma pausa, meu


pau enterrado profundamente dentro dela.

Olho para baixo em seu rosto. Estamos tão conectados


fisicamente quanto duas pessoas podem estar. Estou
profundamente dentro dela, e ela está enrolada em torno de
mim, os braços em volta do meu pescoço, as coxas apertando
meus quadris. Estamos compartilhando o mesmo fôlego, estou
respirando o cheiro dela e ela está afundada na minha cama,
no buraco onde durmo todas as noites.

Olho em seus olhos e vejo que essa garota não é a mesma


que roubei de sua casa. Uma metamorfose ocorreu. O que
Nessa é agora, não posso ter certeza. Ela ainda está mudando,
não totalmente formada.

O que eu vejo é lindo. Algumas coisas são iguais – sua


bondade, sua criatividade. Ela era um riacho correndo,
cintilando ao sol. Mas sua água corre mais fundo a cada dia.
Ela está se tornando um lago e depois um oceano.

Eu a vejo e ela me vê.

Eu era a morte e ela era a vida.

Achei que a tivesse roubado, trazido para o submundo.

O tempo todo ela estava me acordando. Agitando o


sangue em minhas veias. Respirando ar em meus pulmões.
Estou tão impressionado com a visão dela, a conexão
entre nós, que me esqueço de me mover.

É só quando Nessa aperta em torno de mim, movendo


suavemente seus quadris, que me lembro que estamos no meio
de uma foda.

Eu empurrei para dentro e para fora dela, observando seu


rosto, certificando-me de que não era muito doloroso.

Ela estremece um pouco, mas posso dizer pelo rubor em


seu rosto, pelo olhar pesado em seus olhos – atordoados e
flutuantes – que é bom também.

Beijo seus lábios e pescoço enquanto empurro para


dentro dela, até que ela inclina a cabeça para trás e geme, seu
pulso batendo forte contra a minha língua.

Ela começa a rolar os quadris em resposta, movendo-se


junto comigo, acompanhando meu ritmo. É como dançar
juntos novamente. Nós nos movemos perfeitamente em
sincronia, nossos corpos alinhados, até mesmo nossa
respiração no ritmo.

Nunca tive problemas para “durar” antes. Na verdade, o


problema era chegar ao clímax. Ficava entediado e desistia, na
maioria das vezes.

Agora estou experimentando o outro lado da moeda. O


prazer extraordinário e o impulso desesperado de explodir
imediatamente, agora, sem esperar mais um segundo.
Nessa ainda não chegou lá. Ela está respirando cada vez
mais rápido, movendo-se embaixo de mim. Eu quero que ela
goze. Eu quero sentir essa pequena boceta apertando em torno
de mim.

Empurrei nela um pouco mais fundo. Envolvo meus


braços em torno dela e a seguro com força. Enterro meu rosto
na lateral de seu pescoço e a mordo suavemente, bem onde seu
pescoço encontra seu ombro.

Nessa fica tensa com a mordida. Isso a leva ao limite. Ela


esfrega seu corpo com força contra o meu, a contração rítmica
de sua boceta apertando meu pau.

— Oh meu Deus! — Ela grita.

Meu grito é muito menos articulado. Eu gemo em seu


pescoço, longo, baixo e gutural. Minhas bolas apertam e eu
irrompo dentro dela, um fluxo incandescente que parece
drenar a alma do meu corpo. Isso continua e continua, eu
derramando nela, e ela se agarrando a mim, até que estamos
tremendo de prazer, até que cada grama de energia seja gasta.

Então está feito, e nos separamos para deitar ofegantes


na cama. Há um pouco de sangue nas coxas, um pouco mais
nos lençóis, mas não tanto quanto eu temia.

— Isso doeu? — Eu pergunto a ela.

— Queima um pouco, — diz ela.


Alcanço entre suas coxas e a toco suavemente,
esfregando meu polegar sobre a protuberância inchada de seu
clitóris.

— Isso ajuda ou piora? — Eu pergunto a ela.

— Ajuda, — diz ela.

Eu a toco um pouco mais abaixo, onde meu próprio


esperma está escorrendo e pingando dela. Isso deixa meus
dedos escorregadios, então eles deslizam facilmente sobre seu
clitóris.

— Que tal isso? — Eu pergunto a ela.

— Sim, — ela suspira, fechando os olhos. — Melhor


ainda.

Eu esfrego seu clitóris em círculos lentos com meu


polegar. À medida que o rubor se espalha de suas bochechas
até o peito, começo a esfregar com os dedos, aplicando mais
pressão em uma área maior.

— Oh, woah, — ofega Nessa, — está acontecendo de


novo...

— Eu sei, — eu digo.

Estou observando seu rosto, então sei quando acelerar,


quando ir mais forte. Logo sua pele está pegando fogo, ela está
tremendo como se estivesse com febre. Ela está empurrando
seus quadris contra a minha mão, gozando de novo. Mesmo
neste momento ela é graciosa, suas costas arqueadas, seu
corpo ensinado. Cada movimento seu é lindo, ela não consegue
evitar.

Eu não me canso disso. Quero fazer isso com ela


repetidamente. E mil outras coisas também. Estou apenas
começando.

Enquanto Nessa solta os últimos pequenos gemidos, rolo


em cima dela novamente, beijando-a profundamente.

Posso provar sua excitação. É rico e inebriante, como


chocolate amargo em seu hálito.

— Você quer mais? — Eu pergunto a ela.

— Sim, — ela implora.


24

Na manhã seguinte, acordo com gritos.

O som é distante, mas meus olhos se abrem do mesmo


jeito.

Estou sozinha na cama. Mikolaj se foi.

Não me sinto abandonada. Por um lado, ele me deixou em


seu quarto, quando, apenas alguns dias atrás, ele me expulsou
daqui furioso. As coisas mudaram entre nós.

Não tenho tempo para refletir sobre isso ou para me


deleitar com as memórias agradáveis da noite anterior.
Escorrego para fora da cama, encontrando minha calcinha e a
camisola. Está rasgada além do reparo, então, em vez disso,
visto a camisa descartada de Mikolaj. Ela desce até o meio da
coxa e tem o cheiro dele – como cigarro laranja e tangerina.

Saio correndo do quarto, pelo corredor, mas a discussão


já acabou antes que eu possa entender o que se trata. Vejo as
portas da sala de bilhar sendo abertas, com Jonas e Andrei se
afastando em uma direção e Marcel se afastando em outra.

Não vejo Mikolaj, mas acho que ele ainda está lá dentro.
Desço correndo as escadas, descalça. Tenho certeza de
que meu cabelo está uma bagunça e não escovei os dentes.
Não me importo. Eu preciso falar com ele.

Algo está acontecendo. Posso sentir a tensão no ar.

Quando entro na sala de bilhar, Mikolaj está de costas


para mim. Ele está segurando uma das bolas em sua mão – a
bola oito. Girando e girando em seus dedos longos e flexíveis.

— Você joga bilhar, Nessa? — Ele me pergunta, sem se


virar.

— Não, — eu digo.

— Você vence afundando todas as suas bolas antes que


seu oponente possa fazer o mesmo. Só há uma maneira de
vencer. Mas existem várias maneiras de perder. Você pode
afundar sua última bola acidentalmente. Ou afundar a bola
oito cedo demais. Ou enfiar a oito e a bola branca ao mesmo
tempo.

Ele coloca a bola no feltro e se vira para olhar para mim.

— Mesmo no final, não importa o quão longe você esteja,


quando você pensa que sua vitória está garantida, você ainda
pode perder. Às vezes, por causa da menor imperfeição no
tecido. Ou por sua própria culpa. Porque você se distraiu.

Eu entendo a metáfora. Mas não tenho certeza de que


ponto ele está tentando fazer. Eu sou a distração? Ou eu sou
o prêmio, se conseguirmos chegar ao fim do jogo sem perder?
— Eu ouvi gritos, — eu digo. — Foi Jonas?

Mikolaj suspira.

— Venha aqui, — ele diz.

Vou até ele. Ele coloca as mãos em volta da minha


cintura. Então ele me levanta, sentando-me na beirada da
mesa de bilhar.

Ele pega o monitor de tornozelo em suas mãos. Com um


puxão rápido, ele quebra o bracelete. Ele deixa cair os pedaços
quebrados no chão.

— O que você está fazendo? — Eu digo surpresa.

— Parou de funcionar naquela noite no jardim. Quando


você acertou com uma pedra, — diz ele.

— Oh, — eu coro. — Eu não sabia disso.

Minha perna fica estranha sem ele. A pele sente cada


sopro de ar. Eu rolo meu pé, experimentalmente.

— Você não vai precisar mais disso. Você vai para casa
hoje, — diz Mikolaj.

Eu fico olhando para ele, chocada.

— O que você quer dizer?

— Exatamente o que eu disse.


Não consigo ler seu rosto. Ele não parece zangado – mas
também não parece feliz. Sua expressão está deliberadamente
em branco.

— Fiz algo de errado? — Pergunto-lhe.

Ele solta uma risada impaciente.

— Achei que você ficaria feliz, — diz ele.

Não sei se estou feliz. Eu sei que deveria, mas tudo que
pareço sentir é uma confusão doentia.

— Você mudou de ideia? — Eu digo.

— Sobre o que?

Eu olho para os meus joelhos, estranhamente


envergonhada.

— Sobre... querer se casar comigo.

— Não.

Meu coração revive, subindo novamente.

Agora eu vejo o conflito em seu rosto. A luta entre o que


ele está fazendo e o que realmente deseja fazer.

— Por que você está me mandando de volta, então? —


Pergunto-lhe.

— Uma demonstração de boa fé, — diz ele. — Vou mandar


você para casa. Vou marcar uma reunião com seu pai.
Podemos nos encontrar para negociar. E se você quiser voltar
para mim, depois disso...

Ele levanta a mão para me impedir de falar.

— Não diga nada agora, Nessa. Vá para casa. Então veja


como você se sente.

Ele acha que só concordei ontem à noite porque fiquei


presa em sua casa. Porque era a única maneira de impedi-lo
de assassinar minha família.

Há muito mais do que isso. Mas... talvez ele esteja certo.


Talvez seja impossível pensar com clareza quando estou aqui,
uma prisioneira, com Mikolaj bem na frente do meu rosto. O
que ele está me oferecendo é incrivelmente generoso –
liberdade e clareza de cabeça.

É por isso que seus homens estão com raiva. Ele está
desistindo de sua parte de barganha e não recebe nada em
troca.

— Arrume o que você quiser levar, — diz Mikolaj. —


Marcel vai te levar para casa.

Sinto que sou feita de papel e estou partindo em dois.

O desejo de ver minha família novamente é brilhante e


forte.

Mas realmente não quero ir embora.


A noite passada foi a experiência mais incrível da minha
vida. Foi escuro, selvagem e agradável além de qualquer coisa
que eu já havia imaginado.

É como tomar heroína. Nesta casa, estou sempre


intoxicada. Tenho que me afastar disso antes de poder olhar
para qualquer coisa com uma mente sóbria.

Então, eu aceno, sem realmente querer.

— Tudo bem, — eu digo. — Vou fazer as malas.

Mikolaj se vira novamente, seus ombros retos e largos,


como uma barreira que não posso cruzar.

Ao sair da sala de bilhar, vejo Jonas e Andrei no final do


corredor, conversando em voz baixa com as cabeças juntas.
Eles param quando me veem, Jonas me dando o mais falso dos
sorrisos falsos e Andrei me olha friamente.

Subo as escadas correndo para a ala leste. Estou aliviada


ao ver Klara em meu quarto. Menos aliviada ao ver a mala que
ela colocou na minha cama.

— Achei que você gostaria de levar algumas de suas


roupas novas com você, — diz ela.

— Jonas está com raiva por eu estar indo embora? — Eu


pergunto a ela. — Ele parece chateado.

— Os homens farão o que Mikolaj disser, — Klara me diz.


— Ele é o chefe.
Eu não tenho tanta certeza. Eles confiavam nele
completamente quando ele era o mercenário de coração frio
que esperavam. Mas até eu sei que o que ele está fazendo agora
não é para o bem dos Braterstwo. É para mim.

— Não sei se devo ir, — digo a ela.

Klara está jogando coisas na mala, sem seu


perfeccionismo de sempre.

— Não depende de você, — ela me diz categoricamente. —


Mikolaj decidiu. E, além disso, Nessa – não é seguro para você
aqui.

Sua voz está baixa e seu corpo está tenso. Percebo que,
independentemente do que Klara diga, ela está assustada. Ela
também não sabe o que vai acontecer.

— É seguro para você? — Eu pergunto a ela.

— Claro que é, — diz Klara, os olhos escuros firmes e


firmes. — Eu sou apenas a empregada.

— Você não é uma empregada doméstica, — eu digo. —


Você é minha amiga.

Jogo meus braços em volta dela e a abraço com força.


Klara se enrijece por um momento, depois relaxa, deixando
cair o collant que estava segurando para poder me abraçar de
volta.

— Obrigada por cuidar de mim, — digo a ela.


— Obrigada por não ser uma merdinha, — diz ela.

— Na maioria das vezes, — digo, lembrando-me de todas


as refeições que me recusei a comer.

— Sim, — ela ri. — Na maioria das vezes.

Klara cheira bem, como sabonete, alvejante e baunilha.


Abraçá-la é reconfortante, porque ela é muito capaz e parece
sempre saber o que fazer.

— Vejo você de novo em breve, — digo a ela.

— Espero que sim, — diz ela, sem realmente soar como


se acreditasse.

Tomo banho e escovo os dentes, em seguida, coloco uma


legging limpa e um moletom macio e desleixado. Eu não sei
onde minhas roupas originais foram parar, os jeans e o
moletom que eu estava usando quando Jonas me agarrou. Eles
desapareceram.

Klara seca meu cabelo uma última vez, prendendo-o em


um rabo de cavalo alto.

Enquanto ela embala meus produtos de higiene pessoal


na mala, fico na janela, olhando para o jardim. Vejo dois dos
homens de Mikolaj cruzando o chão, caminhando rapidamente
com as cabeças baixas. Eu reconheço um deles – ele é um
segurança do Jungle. O outro que nunca vi antes.

Eu sei que Mikolaj tem mais soldados, além dos que


moram na casa. Ele geralmente não os deixa vir aqui. Klara
disse que sim, mas ninguém deveria me ver. Ou o mínimo
possível de pessoas. Acho que não importa mais agora que
estou indo embora.

— Vamos, — diz Klara. — Não faz sentido ficar deprimida.

A casa está estranhamente silenciosa enquanto desço a


escada curva. O silêncio me enerva. Normalmente há algum
tipo de barulho – o tilintar de pratos na cozinha ou de bolas de
bilhar na sala de bilhar. Uma TV passando em algum lugar ou
alguém rindo.

Marcel está esperando por mim na porta da frente. Ele


puxou o carro – o mesmo Land Rover que me trouxe aqui. Ou
talvez eles tenham uma frota inteira. Eu realmente não
conheço as porcas e parafusos deste lugar, não realmente.

Achei que Mikolaj estaria esperando também.

Sua ausência me machuca. É uma dor aguda que só


parece ficar mais forte quando Marcel abre a porta para mim,
quando percebo que ele realmente não vem para se despedir.

O que há de errado comigo? Por que estou piscando para


conter as lágrimas quando estou prestes a ir para casa? Eu
deveria estar pulando para o carro.

Em vez disso, caminho como uma prisioneira condenada,


enquanto Marcel coloca a mala no porta-malas. Quando olho
para trás, para a enorme mansão velha, apenas Klara está
parada na porta, os braços cruzados sobre o peito do avental,
o rosto solene.
Eu pressiono minha palma contra o vidro.

Ela levanta a mão em despedida.

Então Marcel está me afastando.

É um dia escuro e sombrio. O céu está tão plano e cinza


como um quadro-negro, o ar é frio. O vento sopra as últimas
folhas secas e pedaços de lixo do outro lado da rua. A
temporada mudou. É inverno agora.

Eu olho para Marcel, seu perfil bonito e sua expressão


preocupada.

— Klara gosta de você, — digo a ele, em polonês.

Ele dá uma risadinha.

— Eu sei, — ele diz.

Ele fica em silêncio por um minuto, e não acho que ele


vai falar comigo mais do que costuma fazer. Então parece
mudar de ideia. Ele realmente olha para mim, talvez pela
primeira vez. Eu vejo que seus olhos são mais claros do que eu
pensava – mais da cor do mel do que do marrom profundo.

— O pai de Klara era um bêbado. Os tios dela são uma


merda, — diz ele. — Especialmente o pai de Jonas. Ela só
conhece um tipo de homem. Mas não importa. Eu sou tão
teimoso quanto ela. Persistente também.

— Oh, — eu digo. — Isso é bom.


— Sim. — Ele sorri e olha para a estrada. — Eu não estou
preocupado.

Estamos cada vez mais perto da Gold Coast. Conheço


essas ruas. Já dirigi cem vezes.

Eu deveria estar ficando mais animada a cada


quilômetro. Em apenas alguns minutos, vou atravessar as
portas da minha casa e ver minha família. Eles ficarão tão
surpresos que podem ter um ataque cardíaco. Na verdade, eu
provavelmente deveria pedir aos guardas no portão para avisá-
los.

Em vez de meu entusiasmo crescer, minha sensação de


mal-estar está crescendo. Não gostei do olhar que Jonas me
deu no corredor. Era apenas mais um de seus sorrisos
estúpidos, mas havia algo mais por trás disso. Uma nova
marca de maldade.

— Por que aqueles homens vieram para a casa? — Eu


pergunto a Marcel.

— O que? — Ele diz, dando uma das últimas voltas antes


da minha rua.

— Eu vi um dos seguranças do Jungle no quintal. E outro


cara.

— Eu não sei, — diz Marcel inexpressivamente. — Não


ouvi nada sobre isso.

— Pare o carro, — eu digo.


— O que você está...

— PARE O CARRO!

Marcel pisa no freio, parando ao lado da estrada,


enquanto uma minivan branca buzina de irritação e desvia de
nós.

Ele olha para mim, o motor ainda está funcionando.

— Tenho que te levar para casa, — ele me diz. — Ordens


de Mikolaj.

— Algo está errado, Marcel. Jonas vai fazer alguma coisa,


eu sei disso.

— Ele é apenas um fanfarrão, — diz Marcel com desdém.


— Mikolaj é o chefe.

— Por favor, — eu imploro a ele. — Por favor, volte, só por


um minuto. Ou ligue para Miko, pelo menos.

Marcel olha para mim, considerando.

— Vou ligar para ele, — diz ele por fim.

Ele aperta o número, segurando o telefone no ouvido com


uma expressão que diz claramente que ele está apenas me
agradando.

O telefone toca sem atender.

Após o sexto ou sétimo toque, o sorriso de Marcel


desaparece e ele puxa o carro para longe do meio-fio.
— Você vai voltar para verificar? — Pergunto-lhe.

— Sim, — ele diz. — Vou verificar.


25

Ver o Land Rover sair do quintal, carregando Nessa de


volta para sua casa, é como ver o sol se pondo no horizonte. A
luz se apaga e tudo o que resta em seu lugar é escuridão e frio.

A casa está em silêncio. Nenhuma música vinda do


pequeno estúdio de Nessa. Nenhum indício de sua risada gentil
ou de suas perguntas a Klara.

Na verdade, não há ruído algum. Os homens também


estão em silêncio. Eles estão com raiva de mim.

De uma perspectiva estratégica, o que estou fazendo é


uma loucura. Entregar Nessa aos Griffin sem qualquer troca,
sem mesmo um acordo em vigor, é o epítome da tolice.

Eu não me importo.

Fiquei acordado a noite toda, observando-a dormir.

Nas primeiras horas da manhã, quando a luz passou de


cinza para ouro, seu rosto brilhava como um retrato de
Caravaggio. Pensei que de todas as paisagens que já tinha
visto, Nessa era a mais bonita.
Eu sabia que não merecia tê-la em minha cama. Nessa é
uma pérola e eu sou apenas a lama no fundo do oceano. Ela é
perfeita e pura, talentosa e inteligente, enquanto eu sou um
criminoso sem instrução. Um monstro que fez coisas horríveis.

Mas, estranhamente, posso ser a melhor pessoa para


apreciá-la de verdade. Porque já vi as partes mais feias do
mundo. Eu sei o quão rara é sua bondade.

Naquele momento, vendo-a dormir, percebi que a amo.

Amor é a única coisa que você não pode roubar. Você


também não pode criá-lo. Ou existe ou não. E se existe, você
não pode tomá-lo à força.

Se eu coagir Nessa a se casar comigo, nunca saberei se


ela me ama. Ela também nunca saberá.

Eu tenho que dar a ela a chance de fazer sua escolha.


Livre e desimpedida.

Se ela me ama, ela vai voltar.

Mas eu não espero que ela faça.

Enquanto vejo o carro se afastar, duvido que jamais a veja


novamente.

Ela irá para casa com sua mãe e pai, irmã e irmão. Eles
a envolverão em seus braços, lágrimas serão derramadas,
alegria compartilhada. Ela ficará feliz e aliviada. E o que
aconteceu aqui entre nós vai começar a parecer uma loucura
para ela. Será como um sonho febril – real no momento, mas
desaparecendo à luz do dia.

Eu sei que a perdi.

Meu vazio está me engolindo por inteiro.

Eu não me importo que meus irmãos estejam com raiva.


Não me importa o que os russos farão. Eu não me importo com
nada.

Desço até o andar principal da casa e saio para o jardim


dos fundos.

Não é exatamente um jardim no momento. Todas as


folhas caíram e mofaram. Há apenas galhos pretos e nus
contra um céu cinza-ardósia. Roseiras que nada mais são do
que espinhos. Fontes silenciosas, sem água.

Tudo parece morto no inverno. Os invernos de Chicago


são frios e brutais – tão ruins quanto na Polônia. Talvez eu
fosse um homem diferente, se vivesse em lugares mais
quentes. Ou talvez o destino decrete que as almas negras
nasçam em climas congelados.

Ouço botas arrastando-se no chão seco.

Jonas está ao meu lado, seu rosto sombrio.

— Sozinho de novo, — ele diz.

— Não sozinho, — eu respondo, estupidamente.


Ainda há quatro pessoas morando na casa, além de mim.
Comando mais uma dúzia de soldados e muitos mais
funcionários. Tenho um pequeno exército à minha disposição.
Estou tão “sozinho” quanto antes de Nessa chegar. O que quer
dizer, completamente.

— Você já falou com Kristoff? — Jonas pergunta.

— Não.

— Como você acha que ele vai reagir à mudança de


planos?

Olho para Jonas, olhos estreitos e voz fria.

— Isso não é da sua conta, — digo a ele. — Vou cuidar


dos russos como cuido de todo o resto.

— Claro que você vai. É por isso que você é o chefe, — diz
Jonas. Ele sorri. Jonas sempre sorri, não importa seu humor.
Ele tem sorrisos de raiva, sorrisos de zombaria e sorrisos de
engano. Este é difícil de ler. Quase parece triste.

Jonas solta um longo assobio, como um suspiro. Em


seguida, ele bate com a mão esquerda no meu ombro,
apertando com força.

— E é por isso que te amo, irmão.

Nós nos conhecemos há muito tempo. Tempo suficiente


para eu saber quando ele está mentindo.

A faca corta o ar entre nós, indo direto para o meu fígado.


Jonas é rápido, mas sou mais rápido. Eu me afasto,
apenas o suficiente para que sua faca corte meu lado, logo
abaixo das costelas.

É uma ferida superficial, que queima mas não debilita.

É a próxima que realmente me pega.

Outra lâmina vem assobiando para mim por trás,


mergulhando nas minhas costas. Ela afunda até o punho em
minha omoplata direita.

Eu me torço para fora do aperto de Jonas, virando-me


para enfrentar meu atacante. Andrei, aquele filho da puta
traiçoeiro. Eu poderia ter adivinhado. O que quer que Jonas
faça, ele segue. Ele não é inteligente o suficiente para fazer
planos sozinho. Bem ao lado dele estão Simon e Franciszek,
mais dois dos meus soldados “leais”.

Suas facas apontam para mim de todas as direções. Eu


me esquivo de Simon, batendo em seu braço para o lado e
batendo com força na mandíbula dele com meu punho. Mas
enquanto estou fazendo isso, Franciszek enterra sua lâmina
na minha barriga.

Ser esfaqueado dói mais do que levar um tiro. Uma bala


é pequena e rápida. Uma faca é enorme. Ele rasga através de
você, embutindo-se em seu corpo como uma marca em
chamas. Você entra em choque. Você começa a suar
loucamente e seus joelhos querem ficar rígidos e desabar
embaixo de você. Seu cérebro exige que você se deite, para
diminuir a perda de sangue. Se eu fizer isso, estou morto.

Jonas arranca a faca de Andrei das minhas costas, com


a intenção de me esfaquear novamente. Dói mais para sair do
que entrar. Quase desmaio só com isso.

Eu sei exatamente o que está acontecendo comigo. Esta


é a versão de Braterstwo de um “voto de não confiança”. Tem
uma longa tradição, que remonta a César. O assassinato é feito
desta forma para que nenhum homem saiba de quem foi a faca
que deu o golpe mortal. Nenhum homem é o traidor – a morte
pertence ao grupo.

Eles estão correndo para mim de uma vez, as facas


levantadas. Eu não posso lutar com todos eles.

Então uma voz grita: — PARE!

É Klara. Ela está correndo pelo gramado, agitando os


braços como se estivesse tentando assustar um bando de
corvos.

— Volte para casa, — Jonas rosna para ela.

— O que você está fazendo? — Ela chora. — Isso não está


certo!

— Ignore ela, — Jonas diz para os outros.

— Não!
Klara tira uma pistola do bolso do avental. Com as mãos
trêmulas, ela aponta para Jonas.

— Todos vocês parem, — ela diz.

Posso dizer que ela está apavorada. Ela mal consegue


manter a arma firme, mesmo com as duas mãos. Alguém a
ensinou como segurá-la e como mirar. Suponho que tenha sido
Marcel.

— Lide com ela, — Jonas murmura para Simon.

Simon começa a caminhar em sua direção, os punhos


cerrados.

— Para trás! — Ela chora.

Quando ele continua indo, ela puxa o gatilho. O tiro vai


longe, acertando-o no ombro. Rugindo como um touro, Simon
a ataca.

Aproveito a oportunidade para pular em Franciszek,


arrancando a faca de sua mão. Quando Andrei me ataca,
bloqueio sua faca, dando um golpe no antebraço, depois o
corto na barriga. Ele tropeça para trás, colocando a mão sobre
o ferimento. O sangue escorre por seus dedos.

Jonas e Franciszek me atacam de lados opostos. Tiro


outro corte no braço de Jonas, e Franciszek me derruba no
chão. Não sou tão rápido como de costume – perdi muito
sangue. Meu braço direito está ficando dormente.
Ouço mais dois tiros – espero que tenha sido Klara
derrubando Simon, e não Simon arrancando a arma de suas
mãos e virando-a contra ela. Estou brigando com Franciszek,
nós dois lutando pelo controle de sua faca. Jonas está vindo
do outro lado, tentando me esfaquear da próxima vez que eu
estiver por cima.

Então ouço um rugido de raiva e o suspiro de surpresa


de Klara.

— Marcel! — Ela chora.

Jonas me apunhala novamente, logo acima da clavícula.

Ouço quatro tiros que parecem a SIG Sauer de Marcel.

— Devo atirar nele? — Franciszek murmura para Jonas.


Não sei se ele está falando de mim ou de Marcel.

Jonas olha para mim. Seus olhos estão pretos e


inexpressivos – nenhum indício de pena ou remorso.

— Foda-se, — ele rosna para Franciszek. — Ele acabou,


vamos embora.

Franciszek sai de cima de mim e eles fogem, arrastando


Andrei com eles.

Tento rolar para ver o que diabos está acontecendo, mas


pareço estar preso ao meu lado, todo o meu corpo latejando e
queimando de dor. Se eu sequer tentar mover minha cabeça, o
céu e a grama giram, trocando de posição rapidamente.
Sinto uma mão em meu ombro, me virando. Em seguida,
o rosto de um anjo pairando sobre o meu.

— Mikolaj! — Nessa chora. — Miko!

Suas mãos são gentis no meu rosto. Todas as outras


partes de mim estão em agonia. No começo eu estava pegando
fogo, mas agora estou ficando com frio. Perdi muito sangue.

— Ajude-o! — Nessa grita.

Ouço passos. Eles estão demorando uma eternidade para


me alcançar.

Olho para Nessa. Seus grandes olhos verdes e suas


sobrancelhas escuras estão mais preocupados do que eu já vi.
Suas lágrimas caem no meu rosto. É o único calor que posso
sentir. Todo o meu sangue está escorrendo para o chão meio
congelado.

Ela é tão linda.

Se esta é a última coisa que verei, posso morrer em paz.

— Nessa, — eu suspiro. — Você voltou.

Ela agarra minha mão, apertando-a com força.

— Você vai ficar bem, — ela me promete.

Provavelmente não, mas não vou discutir. Tenho que


dizer algo a ela, enquanto ainda tenho tempo.
— Você sabe por que eu te mandei embora? — Eu
pergunto a ela.

— Sim, — ela soluça. — Porque você me ama.

— Isso mesmo, — eu suspiro.

Marcel está ajoelhado ao meu lado, colocando a mão


sobre o pior dos ferimentos na minha barriga. Klara está
fazendo o mesmo no meu ombro. Ela tem um corte feio na
bochecha, mas por outro lado parece bem.

— Chame uma ambulância, — diz Klara à Nessa.

— Não há tempo, — Marcel diz a eles.

Eu gostaria que Nessa colocasse a cabeça no meu peito.


Isso me manteria aquecido. Mas não consigo levantar meus
braços para puxá-la para perto.

Marcel está dizendo algo. Não consigo ouvir. Sua voz


desaparece, junto com o céu cinza e o rosto adorável de Nessa.
26

Levamos Mikolaj para um esconderijo em Edgewater.


Klara dirige, enquanto Marcel grita instruções e abre um kit
médico com os dentes. Ele rasga um pequeno pacote contendo
um tubo longo e uma seringa.

Mikolaj está esparramado no banco de trás. Seus olhos


estão fechados e sua pele parece cinza. Ele não responde
quando aperto sua mão. Estou tentando segurar um pano com
força contra sua barriga, mas é difícil com a velocidade com
que Klara dirige e como o pano já ficou encharcado.

— Qual é o seu tipo de sangue? — Marcel late para mim.

— O que? Eu...

— Seu tipo de sangue!

— Uh... O positivo, eu acho, — eu digo. Já doei algumas


vezes durante as doações de sangue na escola.

— Bom, — diz ele, aliviado. — Sou AB, o que não


funciona.

Ele enfia a agulha no braço de Mikolaj e diz: — Me dê o


seu.
Ele me faz levantar, meio agachada no carro em alta
velocidade, então meu braço fica mais alto do que o de Mikolaj.

— Como você sabe fazer isso? — Pergunto-lhe.

— Eu estava na faculdade de medicina em Varsóvia, —


diz ele, sua fala abafada porque ele está enrolando um longo
elástico em volta do meu braço, enquanto segura uma ponta
em sua boca. — Me meti em problemas tomando pílulas para
ficar acordado. Comecei a vendê-las também. Foi assim que
conheci Miko.

Ele enfia a outra ponta da cânula na minha veia.

Sangue escuro desce rapidamente pelo tubo até o braço


de Mikolaj. Não consigo sentir isso drenando para fora de mim,
mas rezo a Deus para que esteja se movendo rápido, porque
Mikolaj precisa muito disso. Eu nem tenho certeza se ele ainda
está vivo.

Depois de um minuto, acho que um pouco de cor voltou


ao seu rosto. Talvez isso seja apenas um pensamento positivo.

É engraçado pensar no meu sangue se misturando em


suas veias. Já tive um pouco dele dentro de mim. Agora ele me
tem dentro dele.

— À esquerda aqui, — diz Marcel para Klara.

Klara está concentrada na estrada, as mãos rígidas no


volante.

— Como ele está? — Ela diz, incapaz de olhar para nós.


— Ainda não sei, — responde Marcel.

Paramos na frente de um prédio que parece deserto. As


janelas estão escuras, algumas quebradas e outras cobertas
com papelão. Marcel interrompe a transfusão de sangue,
tirando a agulha do meu braço. Ele diz: — Ajude-me com os
pés.

Levamos Mikolaj para dentro do prédio, tentando não o


empurrar.

Assim que passamos pela porta, Marcel grita: — Cyrus!


CYRUUUUS!

Um homenzinho aparece no corredor – baixo, calvo, com


a pele muito bronzeada e cavanhaque branco.

— Você não ligou para me dizer que estava vindo, — ele


murmura.

— Sim, eu liguei! — Marcel diz. — Duas vezes!

— Ah, — diz Cyrus. — Esqueci de ligar meu aparelho


auditivo.

Ele se atrapalha com o dispositivo aninhado em sua


orelha direita.

— Devíamos levá-lo para um hospital, — murmuro para


Marcel, muito preocupada.
— Este é mais perto, — diz Marcel, — ninguém vai cuidar
melhor de Mikolaj, eu prometo a você. Cyrus é um mago. Ele
poderia costurar queijo suíço.

Levamos Mikolaj para uma pequena sala cheia do que


parece ser uma cadeira de dentista e alguns armários de
suprimentos médicos. É uma confusão de itens incompatíveis,
antigos e mais antigos, a maioria com manchas de ferrugem
ou amassados. Estou ficando mais preocupada a cada minuto.

Assim que colocamos Mikolaj na cadeira, Marcel empurra


Klara e eu para fora.

— Nós cuidamos disso, — diz ele. — Vão e esperem – eu


ligo para vocês se precisar de alguma coisa.

Ele fecha a porta na nossa cara.

Klara e eu nos retiramos para uma salinha com uma TV


antiga, uma geladeira e vários sofás e cadeiras. Klara afunda
em uma poltrona estofada, parecendo exausta.

— Você acha que ele vai ficar bem? — Eu pergunto a ela.

— Não sei, — ela diz, balançando a cabeça. Então, vendo


a tristeza em meu rosto, ela acrescenta: — Ele provavelmente
sobreviveu a coisas piores.

Tento sentar no sofá, ando pela sala por um minuto e me


sento novamente. Estou ansiosa, mas doei muito sangue para
manter o ritmo.
— Aquele maldito Judas traidor, — assobio, furiosa com
Jonas.

Klara ergue as sobrancelhas. Normalmente não falo


assim. Ela nunca me viu irritada assim.

— Ele é um lixo, — ela concorda, calmamente.

— Ele não é seu primo? — Eu pergunto a Klara.

— Sim, — ela suspira, empurrando para trás a franja, que


está escura de suor. — Eu nunca gostei dele, entretanto.
Mikolaj sempre me tratou bem. Ele era justo. Não deixou os
homens colocarem as mãos em mim. E ele me deu dinheiro
para minha mãe quando ela ficou doente. Jonas não enviou
nada a ela. Ela é irmã de seu pai – ele ainda não deu a mínima.

Eu poderia apunhalar Jonas eu mesma, se ele estivesse


aqui agora.

Nunca senti esse tipo de raiva violenta antes. Eu não


perco a paciência. Eu não tenho pensamentos assassinos. Eu
nem mato aranhas quando as encontro em casa. Mas se
Mikolaj morrer... não serei mais pacifista.

— Marcel vai cuidar dele, não é? — Pergunto à Klara.

— Sim, — ela diz, com firmeza. — Ele sabe o que está


fazendo.

Ela fica quieta por um minuto, então diz: — Marcel era de


uma família rica da Polônia. É por isso que ele parece tão
chique. Seu pai e seu avô eram cirurgiões. Ele poderia ter feito
o mesmo. — Ela ri baixinho. — Ele nunca teria olhado duas
vezes para mim em Varsóvia.

— Sim, ele teria! — Eu digo a ela. — Ele olha para você


cerca de cem vezes por dia aqui. Ele não consegue prestar
atenção em mais nada quando você está na sala.

Klara fica vermelha. Ela não sorri, mas seus olhos


escuros parecem satisfeitos.

— Ele atirou em Simon, — ela diz, ainda chocada. —


Simon estava me sufocando...

Ela toca a garganta onde os hematomas já começam a


aparecer.

— Isso é tão insano, — eu digo, balançando minha


cabeça. — Todo mundo enlouqueceu.

— Todos nós temos que escolher onde está nossa


lealdade, — diz Klara. — Mikolaj escolheu você.

Sim, ele escolheu.

E eu o escolhi também.

Eu estava a apenas alguns minutos da casa da minha


família.

Eu me virei e corri de volta para ele.

Eu sabia que ele estava em perigo por minha causa. Eu


tinha que ajudá-lo.
Farei a mesma escolha quando ele estiver seguro?

Não sei como seria um futuro com Mikolaj. Ele tem uma
escuridão dentro dele que me apavora. Eu sei que ele fez coisas
horríveis. E seu ressentimento em relação à minha família
ainda está queimando.

Por outro lado, sei que ele se preocupa comigo. Ele me


entende de uma maneira diferente da minha mãe, pai ou
irmãos. Não sou apenas uma garota doce e simples. Eu sinto
as coisas profundamente. Tenho um poço de paixão dentro de
mim – por coisas que são bonitas e por coisas que estão
quebradas...

Mikolaj traz à tona aquele outro lado de mim. Ele me


deixa ser muito mais do que inocente.

Estamos apenas arranhando a superfície desse vínculo


entre nós. Quero mergulhar totalmente. Quero me perder nele
e me encontrar de novo – o meu verdadeiro eu. A Nessa
completa.

Quero conhecer o verdadeiro Mikolaj: apaixonado, leal,


inquebrável. Eu vejo isso. Eu vejo quem ele é.

Sou mais do que boa e ele é mais do que mau.

Somos opostos, mas feitos um para o outro.

É nisso que estou pensando, enquanto as horas passam.


O tempo parece terrivelmente longo. Klara também está quieta.
Tenho certeza de que ela está pensando em Marcel – desejando
poder ajudá-lo com mais do que apenas pensamentos.

Finalmente a porta se abre. Marcel sai da sala de cirurgia


improvisada. Suas roupas estão manchadas de sangue e ele
parece exausto. Mas há um sorriso em seu rosto bonito.

— Ele está bem, — ele diz para nós.

O alívio que toma conta de mim é indescritível. Eu pulo


de pé.

— Posso vê-lo? — Eu pergunto.

— Sim, — diz Marcel. — Ele está acordado agora.

Corro para a sala apertada. Cyrus ainda está lavando as


mãos na pia, ao lado de uma pilha de gaze manchada de
sangue.

— Cuidado, — ele resmunga. — Não o abrace muito forte.

Mikolaj está deitado na cadeira do dentista, meio


reclinado, meio apoiado. Sua cor ainda está horrível. Sua
camisa foi cortada, então posso ver os muitos lugares onde
Cyrus e Marcel costuraram, prenderam e enfaixaram ele.

Seus olhos estão abertos. Eles parecem tão claros e azuis


como sempre. Eles me encontram imediatamente, puxando-
me para ele.

— Miko, — eu sussurro, pegando sua mão e levando-a


aos meus lábios.
— Você estava certa, — diz ele.

— Sobre o que?

— Você disse que eu não morreria. Achei que sim. Mas


você está sempre certa...

Ele estremece, ainda com dor.

— Não precisamos conversar agora, — digo a ele.

— Sim, precisamos, — diz ele, fazendo uma careta. —


Ouça Nessa... Jonas, Andrei e os outros... eles estão indo atrás
do seu irmão. Não só eles, a Bratva também. Kolya Kristoff...

— Vou ligar para Callum, — eu digo. — Vamos avisá-lo.

Eu posso dizer que é difícil para ele falar, porque ele ainda
está muito esgotado. Mas ele está determinado a ter certeza de
que eu entendo o perigo.

— Eles querem matá-lo.

Mikolaj queria matar meu irmão também. Agora ele está


fazendo o possível para salvá-lo. Por mim. Só por mim.

Ele me escolheu em vez de seu desejo de vingança.

Ele me escolheu em vez de seus irmãos.

Ele me escolheu ao invés de sua própria vida.

— Obrigada, Miko, — eu digo.


Eu me inclino sobre ele, com cuidado para não pressionar
contra seu corpo ferido, e o beijo suavemente nos lábios. Ele
tem gosto de sangue, fumaça e laranja. Como nosso primeiro
beijo.

— Vamos lá, — diz Marcel da porta. — Vou levá-la ao seu


irmão.

— Não vou deixar você, — digo a Mikolaj, agarrando-me


à sua mão.

— Vamos ficar juntos, — Miko concorda, tentando se


sentar.

— Ei! Você é louco!? — Cyrus grita, correndo e tentando


fazer com que ele se deite novamente. — Você vai arrancar
todos os seus pontos.

— Estou bem, — diz Mikolaj, impaciente.

Ele não está bem, mas parece determinado a transformar


isso em realidade.

— Não podemos ficar por aqui, temos muito o que fazer,


— diz Miko.

— Você quase morreu, — lembra Marcel.

Mikolaj ignora isso totalmente, como se já fosse um


passado distante. Ele está se endireitando, fazendo uma
careta, mas não pensando na dor. Sua mente está trabalhando
a um milhão de milhas por minuto, traçando estratégias,
formulando nossos próximos passos. Metade de seus homens
pode ter se voltado contra ele, mas ele ainda é o mesmo líder e
planejador. Ele ainda é o chefe.

— Precisamos ir para o lado oeste, para a Prisão do


Condado de Cook.

— Do que você está falando? — Marcel diz, pensando


claramente que Mikolaj perdeu a cabeça.

Mikolaj geme, colocando os pés no chão e lentamente se


levantando.

— Vamos pegar Dante Gallo, — diz ele.


27

Sinto como se tivesse sido atropelado por um caminhão


de lixo. Não há uma parte de mim que não esteja latejando,
queimando ou imóvel. Cyrus me avisa que, se eu não tomar
cuidado, vou abrir as feridas e começar a sangrar de novo.

Eu gostaria de dormir por cerca de uma semana. Mas não


há tempo para isso.

Jonas e Kristoff certamente já se encontraram para


planejar seu ataque final contra Callum Griffin. Não sei se eles
ainda vão tentar atacá-lo na inauguração da biblioteca, ou se
vão mudar para outra coisa.

O que eu sei com certeza é que os Griffin vão precisar de


todo o poder de fogo que puderem para afastá-los. O que
significa que preciso reunir qualquer um dos meus homens
que ainda sejam leais e libertar Dante também. Quando se
trata de defesa estratégica, você precisa do seu atirador.

Enquanto dirigimos para o lado oeste da cidade, Nessa


liga para Callum do meu telefone. Posso ouvir os dois lados da
conversa no pequeno confinamento do carro.

— Cal, sou eu, — diz Nessa.


— Nessa! — Ela chora. Eu ouço o alívio intenso em sua
voz. — Graças a Deus! Você está bem? Onde você está? Eu vou
te buscar!

— Estou bem, — ela garante. — Ouça, eu tenho que...

— Onde você está? Estou indo agora!

— Cal, — ela diz, — me escute! A Bratva e o Braterstwo


estão vindo atrás de você. Talvez de Aida também. Eles podem
vir para a inauguração da biblioteca. Eles querem te matar.

Ele fica em silêncio por um momento, processando isso.


Em seguida, ele diz: — Você está falando sobre Mikolaj Wilk e
Kolya Kristoff?

— Kristoff, sim. Mas não Mikolaj. É seu tenente, Jonas, e


alguns de seus homens.

Uma pausa mais longa.

— Nessa, o que está acontecendo? — Callum pergunta.

— Vou explicar tudo para você, — diz Nessa. — Na


verdade, eu te encontro em casa em... — ela olha para mim.
Eu levanto um dedo. — Uma hora.

Há silêncio do outro lado da linha. Callum está confuso,


tentando descobrir o que diabos está acontecendo agora. Ele
está procurando por Nessa há semanas, e agora ela está
ligando para ele do nada, não agindo como um refém em tudo.
Ele está se perguntando se isso é uma armadilha, se ela está
sendo forçada a dizer isso.
— Estou bem, — garante Nessa. — Venha me encontrar.
Confie em mim, irmão mais velho.

— Eu sempre confio em você, — Callum diz de uma vez.

— Vejo você em breve, então.

— Amo você.

Nessa termina a ligação.

Já fiz uma ligação pessoal para o policial Hernandez. E


ele não está muito feliz com isso. Ele vai nos encontrar na
Prisão do Condado de Cook.

Já nos armamos com o estoque do esconderijo. Enquanto


Marcel dirige, mostro à Nessa como carregar uma Glock e como
colocar uma munição e se certificar de que a trava está
desligada. Mostro a ela como mirar e apertar o gatilho
suavemente.

— Tipo assim? — Diz ela, praticando com uma câmara


vazia.

— Certo, — eu digo. — Não a segure tão perto do rosto ou


ela vai bater em você no recuo.

Nessa lembra os passos perfeitamente – é uma espécie de


coreografia, afinal. Mas então ela pousa a arma no colo e me
olha com seriedade.

— Não quero machucar ninguém, — diz ela.


— Eu também não quero que você faça isso, — digo a ela.
— Isso é apenas para o último caso.

Dirigimos até o La Villita Park e esperamos.

Depois de cerca de quarenta minutos, um carro-patrulha


para perto de nós. O policial de aparência muito irritada
Hernandez sai do banco do motorista. Ele olha ao redor para
se certificar de que ninguém o verá neste canto deserto do
estacionamento, então ele abre a porta traseira para que Dante
Gallo possa sair.

Dante ainda está usando seu uniforme de prisão, que


parece um uniforme de médico bronzeado com “DOC 32
Condado Cook” estampado nas costas. Ele não tem sapatos
adequados, apenas meias e chinelos. Suas mãos estão
algemadas na frente dele. O uniforme é um pouco pequeno
demais, fazendo com que ele pareça maior do que nunca. Seus
ombros se tensionam contra o material e as algemas prendem
seus pulsos. Seu cabelo escuro está penteado para longe, seu
rosto sem barbear.

Eu me arrasto para fora do Land Rover, com muito mais


dificuldade. Quando Dante me vê, suas sobrancelhas pretas
fecham como uma guilhotina e seus ombros se curvam como
se ele estivesse prestes a me atacar, as algemas que se danem.
Isto é, até Nessa se colocar entre nós. Então Dante parece que
viu um fantasma.

32 Departament of Corrections; Departamento de Correção – tradução.


— Nessa? — Ele diz.

— Não fique bravo, — implora Nessa. — Estamos todos


do mesmo lado agora.

Dante não parece acreditar nisso.

Hernandez está igualmente tenso.

— Eu tive que falsificar a papelada de transferência de


prisioneiro, — ele sibila para mim. — Você sabe em quantas
merdas até a cintura eu vou entrar? Não posso simplesmente
entregá-lo a você, serei demitido! Processado também.

— Não se preocupe, — digo a ele. — Você pode dizer que


fez tudo sob coerção.

— Como diabos eles vão acreditar nisso? — Hernandez


grita, levantando as calças abaixo da barriga barriguda. — Eu
nunca concordei com isso, eu...

Cortei seu discurso atirando em sua perna. Hernandez


cai no chão, chorando e gemendo.

— Awww que merda! Seu desgraçado polonês de merda...

— Cale a boca ou vou atirar em você de novo, — digo a


ele.

Ele para de gritar, mas não para de gemer. Ele está


segurando sua coxa, chorando, embora eu tenha mirado no
músculo e nem mesmo acertei nenhuma artéria ou osso.
Realmente, ele não poderia ter pedido um tiro mais limpo.
Virando-me para Dante, digo: — Os russos e metade dos
meus homens estão indo atrás de Callum Griffin. Você pode
nos ajudar?

Dante olha para o policial Hernandez rolando na calçada


e depois de volta para mim.

— Provavelmente, — ele diz.

Ele levanta as mãos para que a corrente entre as algemas


se estique. — Não se esqueça das chaves, — diz ele.

Aceno para Marcel. Ele se ajoelha para tirar as chaves do


cinto de Hernandez.

— É melhor pressionar esse ferimento, — diz Marcel a


Hernandez, em tom de conversa.

Todos nós subimos de volta no Land Rover, Marcel e


Dante na frente, Klara, Nessa e eu atrás.

— Parecem confortáveis, — diz Marcel a Dante, acenando


para seu uniforme.

— Eles são, — Dante concorda. — A comida é horrível pra


caralho, no entanto.

Agora estamos prontos para voltar para a casa de Nessa


no lago. Estou deixando meu mundo e entrando no dela. Não
há nada que impeça os Griffin de me matar assim que entrar
por sua porta.

Não é disso que tenho medo, entretanto.


Tenho medo de perder o controle sobre Nessa.

Ela só estava ligada a mim porque era minha cativa?

Ou ela ainda vai me querer, quando tiver todas as outras


opções em suas mãos?

Só há uma maneira de saber.


28

Há um romance chamado Você não pode ir para casa


novamente. É sobre um homem que vai embora por um tempo
e, quando volta, tanta coisa mudou que ele não volta mais para
o mesmo lugar.

Claro, a coisa que mais mudou foi ele.

Quando finalmente vejo a casa dos meus pais novamente,


é a visão mais familiar e mais estranha que já vi. Eu conheço
sua arquitetura como meus próprios ossos. Mas também
parece mais brilhante, mais plano e mais simples do que eu
me lembrava. É uma casa adorável – apenas não tem a mesma
grandeza assustadora da casa de Mikolaj.

Essa mesma estranheza se apoderou de meus pais. Eles


estão vestidos como sempre, com roupas caras e bem
ajustadas, seus cabelos bem cortados e penteados. Mas eles
parecem mais velhos do que antes. Eles parecem cansados.

Isso me faz chorar quando eles envolvem seus braços em


volta de mim e me abraçam com mais força do que nunca.
Estou chorando porque senti muito a falta deles. E estou
chorando porque eles estão muito felizes por ter sua filha de
volta. Mas temo que eles não a tenham de volta – não a mesma.

Há uma explosão de indignação quando veem Mikolaj.


Meu pai está gritando e seus homens estão ameaçando atirar
em Miko e Marcel, e Mikolaj fica em silêncio, sem se defender
de maneira alguma, enquanto eu fico na frente dele, gritando
de volta para essas pessoas que eu amo, que estive esperando
tanto tempo para ver.

Então Callum e Aida entram na cozinha, e os abraços e


choro começam tudo de novo.

Demora muito até que todos nós nos acalmemos o


suficiente para falar racionalmente.

Meu pai está encostado na bancada da cozinha, os braços


cruzados. Ele está olhando mortalmente para Mikolaj, com
raiva demais para falar. Minha mãe está servindo bebidas para
quem quiser. Posso ver sua mão tremendo enquanto ela tenta
derramar uma dose constante de uísque em cada um dos
copos.

Cal está sentado perto de Mikolaj, um em frente ao outro


na mesa da cozinha. Ele também está bravo, mas está ouvindo
enquanto Mikolaj explica, brevemente e sem emoção, a
situação atual com os Bratva e os Braterstwo que ficaram do
lado de Jonas.

É engraçado – geralmente meu pai se sentava naquela


cadeira. Cal está ocupando seu lugar, pouco a pouco. Eu sabia
que ele iria algum dia, mas ver isso me faz perceber que
estamos todos crescendo. As coisas mudam. E elas nunca
mais voltam.

A essa altura, Nero e Sebastian também chegaram. Todos


os três irmãos de Aida se sentam ao lado dela nas banquetas
do bar, com os irmãos alinhados do mais novo ao mais velho.

Sebastian está do lado direito dela. Ele é o mais novo dos


irmãos e o mais alto. Ele tem cabelos escuros e crespos e um
rosto gentil. Ele costumava jogar basquete, até que Jack Du
Pont pisou em seu joelho – um dos últimos atos feios na
rivalidade entre nossas famílias. Sebastian ainda manca um
pouco, embora Aida me diga que está melhorando. Estou
surpresa em vê-lo aqui. Ele é um estudante universitário e
geralmente fica no campus, sem se envolver com este lado dos
negócios da família. Sua presença mostra como isso é sério.

Ao lado de Sebastian está Nero Gallo. Suponho que você


poderia dizer que ele é o mais bonito dos irmãos de Aida – se é
que o diabo pode ser bonito. Sinceramente, Nero me apavora.
Ele é selvagem e violento, e seus lábios carnudos estão sempre
retorcidos em um sorriso de escárnio. Ele é o caos encarnado.
Nunca posso ficar confortável perto dele, sem saber o que ele
vai dizer ou fazer.

Então há Dante. Ele é o mais velho e o único que pode


manter os outros na linha. Não sei se já o ouvi dizer dez
palavras seguidas. Ele é construído como uma montanha e
parece mais velho do que sua idade real. Ao contrário de
Sebastian, que tem metade das garotas de sua escola
apaixonadas por ele, e Nero, que faz questão de seduzir
mulheres, nunca vi Dante com uma garota. Aida me disse que
ele já se apaixonou, há muito tempo. Mas a garota quebrou
seu coração.

Finalmente, temos Aida. Ela é a única pessoa que não


parece nada diferente. E a única sorrindo sem reservas. Ela
está muito feliz por me ter de volta. Ao contrário de todo mundo
que parece querer matar Mikolaj, ela está olhando para ele com
curiosidade, seus penetrantes olhos cinza observando cada
detalhe de sua pessoa, desde suas tatuagens, passando por
seus braços enfaixados, até sua expressão resignada.

Mikolaj parece deslocado na casa dos meus pais, mais do


que qualquer outra pessoa. Ele pertence a sua própria mansão
gótica escura. Neste espaço claro e limpo, ele é obviamente um
estranho.

Todo mundo está discutindo sobre o que devemos fazer


com Jonas e Kristoff.

Dante quer partir para a ofensiva e atacar os russos


agora.

— Podemos dividir suas forças, — diz ele. — Não


queremos lutar contra os Braterstwo e os Bratva ao mesmo
tempo.

Meu pai acha que devemos esperar e reunir informações


para sabermos o que eles planejaram.
— Eles já combinaram forças, se o que Mikolaj diz for
verdade, — diz meu pai, com uma expressão que significa que
ele não considera a honestidade de Mikolaj um dado adquirido.

— Sim, — diz Nero, — mas já sacudimos aquela árvore e


não recebemos nenhuma porra de maçã. Se não conseguimos
encontrar Nessa depois de um mês de procura, quantas
décadas você acha que vai demorar para encontrar uma boa
fonte?

Enquanto eles estão discutindo, Aida e Callum estão


murmurando um para o outro. Durante uma pausa na
conversa, Aida diz a Mikolaj: — Seus homens pensam que você
está morto?

— Sim, — Miko concorda.

— Essa é uma vantagem que temos, — diz Aida.

— Eles planejam me atacar na inauguração da biblioteca?


— Callum diz.

— Sim.

— Então devemos deixá-los, — diz Callum.

Ninguém gosta dessa ideia, muito menos meu pai.

— Você precisa cancelar o evento e ficar escondido, — diz


ele.

— Os russos são bons em matar pessoas, — diz Callum.


— Você não pode evitar todos os carros-bomba, carros ou
atiradores no meio da multidão. Devemos fingir que não
sabemos nada para atraí-los.

Aida aperta os lábios, infeliz com isso. Mas ela não


discute com Cal – pelo menos, não na frente de todo mundo.

Depois de outra pausa contemplativa, Marcel diz: —


Posso ter uma ideia.

Todo mundo se vira para olhar para ele, pois é a primeira


vez que ele fala. Klara está sentada ao lado dele, o mais perto
que você pode chegar sem realmente tocar.

A única coisa que não contei à minha família é que Marcel


é quem matou Jack Du Pont. Nós temos ressentimento
suficiente na sala sem adicionar isso à mistura.

— Qual é a sua ideia? — Nero Gallo diz, desconfiado.

— Bem... — Marcel olha para Dante. — Não sei se você


vai gostar...
29

São 3:00 da manhã e estou dirigindo para o Jungle, com


Nero Gallo no banco do passageiro ao meu lado e Sebastian no
banco de trás. Aida também queria ir, mas Dante não
concordou.

— Eu atiro melhor do que Seb, — ela argumentou.

— Eu não dou a mínima, — disse Dante, sem rodeios. —


Você não vai para um tiroteio.

— Porque eu sou uma garota? — Aida disse,


furiosamente.

— Não, — disse Dante. — Porque você é a favorita do


papai. Isso vai matá-lo se algo acontecer com você.

— Deixe-os ir — Callum disse a ela, colocando a mão em


seu braço. — Temos nossos próprios planos a fazer.

Aida balançou a cabeça ressentida, mas não discutiu


mais.

Enquanto dirigimos para o clube, Nero me observa em vez


da estrada.
— Se você trair meu irmão, a primeira bala da minha
arma vai bem entre seus olhos, — ele me diz.

— Se eu quisesse matar Dante, poderia ter feito isso esta


tarde, — digo.

— Você poderia ter tentado, — Nero zomba. — Dante não


é tão fácil de matar.

— Nem eu, — digo com uma risada curta. Acho que provei
isso hoje, se nada mais.

Contornamos o Jungle na parte de trás.

O clube está fechado à noite, todas as luzes externas


desligadas. Ainda assim, uma dúzia de carros está estacionada
no estacionamento traseiro. Estou “morto” há menos de um
dia e Jonas já está se sentindo em casa no meu clube.

Na verdade, sinto-me meio morto. Posso estar enfaixado,


mas estou rígido e dolorido. Eu sei que não sou tão rápido
quanto antes. Um bom soco no estômago onde Franciszek me
acertou com sua faca, e voltarei de onde comecei.

Não há tempo para curar, no entanto.

Marcel ligou para Jonas da cozinha dos Griffin, fingindo


se reconciliar. Jonas atendeu após apenas um toque.

— Marcel, — disse ele, seu tom confiante e provocador. —


Tendo dúvidas sobre de que lado você está?
— Não fiquei do lado de Mikolaj, — disse Marcel,
friamente. — Eu não dou a mínima para aquele traidor. O que
eu fico ofendido é qualquer pessoa tentando colocar as mãos
em Klara.

— Klara interferiu em nossos negócios, — disse Jonas.

— Eu não dou a mínima se ela atirou na cara do Papa, —


Marcel rosnou ao telefone. — Klara agora me pertence,
entendeu?

Ele olhou para Klara. Seus olhos se encontraram. O


choque de energia que passou entre eles foi palpável.

— Tudo bem, certo. Não quero machucar Klara. Afinal,


ela é minha prima — disse Jonas, magnânimo. — Mas você
atirou em Simon. E isso é um problema.

— Tenho uma oferta de paz, — disse Marcel. — Dante


Gallo. Achei que você gostaria de esfolá-lo vivo antes de colocar
uma faca em seu coração.

— Você está com Dante Gallo?

— Ele está no meu porta-malas agora, — disse Marcel. —


Interceptei a transferência dele esta tarde. Atirei no policial e o
fiz prisioneiro. Eu ia jogá-lo no rio com as algemas, pelo Zajac.
Mas achei que você gostaria de fazer as honras.

— Isso é muito generoso da sua parte, — disse Jonas,


com o tom de um rei aceitando um tributo de um senhor.

— Onde você quer que eu o leve? — Marcel disse.


Foi assim que descobrimos exatamente onde Jonas
estaria naquela noite. Tornar-se chefe não o deixou menos
desleixado. Ele é preguiçoso e confiante demais.

Marcel entra primeiro no Jungle, pela porta da frente,


arrastando Dante Gallo, que consentiu em ter mais uma vez
os pulsos algemados à sua frente e um saco colocado na
cabeça.

Seus irmãos não gostaram nada disso.

— É assim que tem que ser, — Marcel disse a eles,


rispidamente. — Jonas não é um idiota completo.

Enquanto Marcel vai pela frente, Nero e eu entramos


sorrateiramente pela porta dos fundos. Jonas não mudou as
fechaduras. Por que ele iria? Apenas um fantasma tem a outra
chave.

Sebastian fica do lado de fora, atuando como nosso vigia.

Nero e eu nos esgueiramos pelos escritórios dos fundos,


passando pelo depósito. Nós nos separamos, Nero flanqueando
à esquerda e eu à direita.

Quando entro no espaço principal do clube, vejo meus


homens espalhados entre as cabines, servindo-se de todas as
bebidas da prateleira de cima. Há cerca de quinze soldados no
total. Desses quinze, tenho certeza de que três me traíram:
Andrei, Franciszek e Jonas. Simon também, mas ele está
morto.
Não posso ter certeza de onde reside a lealdade dos outros
homens.

Tudo o que sei é que eles estão gostando da generosidade


de seu novo líder. Aleksy e Andrei parecem embriagados,
enquanto Olie está prestes a ficar bêbado. Ninguém está
vigiando. Ninguém está totalmente sóbrio. Desleixado,
desleixado, desleixado.

Jonas está bebendo direto de uma garrafa de Redbreast.


Seu cabelo penteado para trás está despenteado e seus olhos
parecem vermelhos. Ele ruge de prazer ao ver Marcel
empurrando Dante Gallo para o centro do grupo.

— Aí está você, meu irmão! E com esse presente!

Marcel puxa o saco da cabeça de Dante. Dante olha


estoicamente ao redor para o grupo, sem vacilar enquanto
todos zombam ao vê-lo.

— Aqui está o homem que atirou em Zajac! — Jonas grita.


— De longe. Como um covarde de merda.

Ele está falando em inglês para que ambos os homens e


o próprio Dante entendam. Jonas cambaleia até Dante, até que
estejam nariz com nariz. Ele está respirando hálito de uísque
bem no rosto de Dante. Ambos são homens corpulentos, mas
enquanto Jonas tem o corpo macio de um urso, Dante é tão
duro quanto um novilho adulto. Seus braços flexionam contra
as algemas, parecendo que ele poderia quebrar o aço sem nem
mesmo tentar.
— Tire essas algemas e veremos quem é o covarde, —
Dante diz a Jonas, em sua voz baixa e uniforme.

— Tenho uma ideia melhor, — diz Jonas. — Você matou


The Butcher. Portanto, vou matá-lo como The Butcher teria
feito – pedaço por pedaço. Vou cortar suas orelhas, seu nariz,
seus dedos, seus pés. Vou desmontar você, meio quilo de carne
de cada vez. E só então, quando você for um caroço cego e sem
som... só então vou deixar você morrer.

Os olhos negros de Jonas estão brilhando. Seu sorriso


parece mais do que cruel – é quase louco. O poder está subindo
à sua cabeça, ampliando todas as suas piores características.

Jonas puxa sua faca de seu cinto – a mesma com a qual


ele me apunhalou esta manhã. Ele a segura sob a luz fraca, de
modo que o fio da navalha da lâmina brilhe. Ele limpou meu
sangue, pelo menos.

Ouço o farfalhar de Nero Gallo ficando tenso, do meu lado


esquerdo. Ele está se preparando para se mover. Ele não vai
ficar parado enquanto seu irmão sofre.

Nem eu.

— O que vocês dizem? — Jonas grita para os homens. —


Qual pedaço de Dante Gallo devo cortar primeiro?

— Você deve terminar um trabalho antes de começar


outro, — eu digo, caminhando para a luz.
Há uma agitação audível entre meus homens. Eu os vejo
olhando rapidamente entre Jonas e eu. Os que estão mais
bêbados parecem perplexos, como se estivessem delirando.

Jonas se vira, seu rosto se contorce em choque e irritação.

— Mikolaj, — ele rosna.

— Em carne.

— Ou o que sobrou de você, — ele zomba. — Você não


está parecendo muito bem, irmão.

— Ainda o dobro do chefe que você nunca será, Jonas, —


eu digo.

Seus olhos escurecem e ele muda o aperto no cabo da


faca, de cima para baixo. De ferramenta em arma.

— Você não é mais um chefe, — diz ele.

— O chefe é chefe até a morte, — eu o lembro. — Estou


muito vivo.

Há uma agitação entre meus homens. Posso ver Olie,


Patryk e Bruno resmungando para os outros. Eles parecem
mais surpresos ao me verem ainda vivo, e mais insatisfeitos
com qualquer história que lhes foi contada. Os outros têm
menos certeza.

Eu terei que colocar essa incerteza para descansar.

Levanto minha mão, um sinal para Nero Gallo ficar


parado.
Se Nero, Marcel e eu começarmos a atirar, meus homens
provavelmente ficarão do lado de Jonas. Mas com o empurrão
certo, eles voltarão para mim. Todos nós poderíamos sair disso
inteiros. Bem... a maioria de nós.

— Você nos traiu, — Jonas cospe para mim.

— Isso é engraçado, vindo do homem que me apunhalou


pelas costas, — eu digo.

— Você escolheu aquela prostituta irlandesa em vez de


nós, — Andrei sibila.

— Estou fazendo uma aliança com os irlandeses e os


italianos também, — digo a eles.

— Você quer que lambamos suas botas, — diz Jonas.

— Quero que fiquemos ricos juntos, — corrijo-o. — Eu


quero todos vocês em Maseratis em vez de caixões.

— Isso é besteira! — Jonas grita, saliva voando de sua


boca. — Ele dirá qualquer coisa para salvar sua pele, e proteger
aquela vadia. Ele não se importa conosco. E ele não liga para
Zajac! Eles mataram nosso pai! Zajac merece nossa vingança.

— Eu tirei Nessa deles, — eu digo. — Melhor mantê-la do


que matá-la. Melhor dividir o poder com os irlandeses do que
um mausoléu com Zajac.

— Essas são as palavras de um cachorro tremendo, —


Jonas cospe.
— Você acha que estou com medo? — Pergunto-lhe. —
Você acha que pode liderar meus homens melhor do que eu?
Então prove, Jonas. Não com quatro homens contra um. Prove
só você e eu. Homem contra homem. Chefe contra chefe.

Jonas sorri, seus olhos negros brilhando loucamente. Ele


aperta a faca com mais força. Não acho que ele teria
concordado com isso ontem. Ontem eu era o melhor lutador.
Hoje estou quase morto.

Jonas sabe que estou ferido. Ele sabe que tem vantagem.

— Se é isso que você quer, irmão, — ele diz.

Nós circulamos um ao outro, na área aberta do clube


geralmente usada para dançar. As únicas luzes nesta área são
as luzes verdes filtradas que dão a aparência de grama alta e
folhagem da selva. Jonas e eu circulamos como predadores.
Como dois lobos lutando pelo controle da matilha.

Em uma briga, Jonas pode levar vantagem porque ele é


mais pesado do que eu. Em uma luta de faca, geralmente sou
mais rápido. Mas não sou rápido agora. Meu braço direito está
pesado e meu corpo está exausto. Tento não mostrar essas
lesões, mas sei que não estou me movendo tão bem como de
costume. Jonas sorri, farejando sangue.

Nós nos entrelaçamos, Jonas fazendo algumas fintas em


minha direção. A chave para a luta com faca é o jogo de pernas.
Você tem que manter a distância certa do seu oponente. Isso é
complicado, porque o alcance de Jonas é um pouco maior que
o meu.

Imagine dois boxeadores se enfrentando em um ringue.


Então pense quantas vezes Muhammad Ali foi atingido, mesmo
sendo o melhor do mundo em se esquivar de golpes. Você não
pode se dar ao luxo de tirar tantos cortes de uma faca.

Portanto, mantenho um amplo espaço entre nós. Jonas


continua tentando se lançar dentro daquele círculo, cortando
meu rosto e corpo. Eu evito seus cortes por pouco, embora
tenha que me afastar para fazer isso. Sinto pontos se abrindo,
na minha barriga e nas minhas costas.

Não estou tentando cortar Jonas. Estou buscando algo


diferente – sua mão com a faca.

Jonas me ataca novamente. Desta vez sou muito lento.


Ele abre um longo corte no meu antebraço esquerdo. O sangue
escorre pela pista de dança. Agora eu tenho que evitar isso
também, ou arriscar escorregar nisso.

— Vamos, — Jonas grunhe, — Pare de se esquivar. Venha


e lute comigo, suka.

Finjo baixar minha guarda. Isso significa que tenho que


baixar minha guarda por um momento. Jonas corre, cortando
sua faca bem no meu rosto. Eu me abaixo, de novo um pouco
lento demais. Eu sinto uma queimação cortando minha
bochecha direita. Mas Jonas chegou perto. Corto as costas de
sua mão com a faca, cortando músculos e tendões. Chamamos
isso de “desfigurar a cobra”. O efeito é imediato – ele não
consegue mais segurar. Sua faca cai e eu a pego no ar, então
agora estou segurando uma lâmina em cada mão.

Jonas tropeça para trás, seus pés escorregando no meu


sangue. Ele cai com força e eu pulo em cima dele, pronto para
cortar sua garganta.

Andrei e Franciszek sabem o que acontecerá se Jonas


morrer. Eles correm para ajudar seu líder caído.

Dante Gallo intercepta Franciszek. Ele aperta os punhos,


ainda algemado, e lança o braço para cima como um martelo,
batendo sob o queixo de Franciszek. A cabeça de Franciszek
vira para trás e ele navega na direção oposta, batendo em uma
das cabines vazias.

Andrei ainda está correndo para mim, puxando a arma


do casaco. Estou segurando Jonas. Enfiei uma faca em seu
ombro para prendê-lo no lugar, como um inseto em uma
montaria. A outra lâmina está bem em sua garganta. Vou ter
que deixá-lo ir, pular e encontrar Andrei.

Antes que eu possa fazer isso, ouço o estalo de um tiro.

Andrei para de correr. Sua arma cai molemente de sua


mão. Então ele cai de joelhos e tomba.

Eu olho para trás, onde Nero Gallo estava escondido,


pensando que ele era o atirador. Nero está parado perto do bar,
de boca aberta, sua expressão tão estupefata quanto a minha.
Em vez disso, viro na direção oposta, para a porta da
frente.

Sebastian Gallo abaixa sua arma. Ele disparou do outro


lado da sala, atingindo Andrei na nuca. Acho que Aida estava
errada sobre sua pontaria.

Meus outros homens parecem congelados, sem saber o


que fazer. Eles não sabem o que está acontecendo, não há
precedente para tudo isso.

Eu sei de uma coisa com certeza.

Só pode haver um chefe.

Jonas ainda está lutando e cuspindo embaixo de mim,


um braço inútil por causa da faca em seu ombro, mas o outro
punho tentando balançar e acertar cada parte de mim que
consegue alcançar.

— Eu deveria ter sido o chefe, — ele cospe. — Era meu


direito pelo sangue...

— Você não é nada como Zajac, — digo a ele. — Você não


tem o cérebro dele ou a honra dele.

— Vá para o inferno! — Ele uiva, enquanto se contorce e


se debate.

— Vejo você lá, irmão, — digo a ele.

Cortei sua garganta de orelha a orelha.


O sangue escorre como um lençol, molhando minha mão.
Eu limpo na camisa de Jonas, e a lâmina da minha faca
também.

Então eu me levanto, recusando-me a estremecer.

Meu rosto está latejando, meu braço também. O sangue


está escorrendo pela frente da minha camisa, de onde meus
pontos foram arrancados. Eu permaneço alto, de qualquer
maneira. Não posso deixar meus homens verem fraqueza.

Todos eles me encaram, chocados e culpados. Não tenho


certeza do que fazer.

É Marcel quem age primeiro. Ele caminha até mim e se


ajoelha na minha frente.

— É bom ter você de volta, chefe, — diz ele.

Olie e Bruno seguem de perto, ajoelhando-se na minha


frente para que o sangue de Jonas encharque os joelhos de
suas calças.

— Perdoe-me, chefe, — diz Bruno. — Eles me disseram


que você estava morto.

O resto dos meus soldados corre para se ajoelhar. Esta é


a posição de penitência. Qualquer punição que eu queira
aplicar, eles aceitarão.

Se eu fosse Zajac, tiraria um dedo de cada um deles.

Mas eu não sou Zajac. Os culpados já foram punidos.


— Dante Gallo sem algemas, — digo a Marcel.

Ele destrava as algemas e Dante, Nero e Sebastian estão


na beira da pista de dança, ombro a ombro. Meus homens os
olham com olhares desconfiados, alguns ainda com raiva.

— Nossa disputa com os italianos acabou, — digo aos


meus homens. — O mesmo com os irlandeses.

— E quanto a Zajac? — Olie diz baixinho.

— Vou colocar um monumento em seu túmulo, — diz


Dante Gallo, em sua voz estrondosa. — Em homenagem à nova
amizade entre nossas famílias.

Olie acena com a cabeça uma vez.

— Levantem-se, — eu digo para o resto dos meus


homens. — Limpem essa bagunça. Vocês se divertiram – agora
é hora de voltarem ao trabalho.

Quando meus homens começam a colocar o clube em


ordem, volto para meu escritório com os irmãos Gallo.

— Que porra foi esse tiro? — Nero diz para Sebastian.

Sebastian dá de ombros.

— Eu te disse, — ele diz a Nero. — Eu sou o atleta da


família. Eu tenho os reflexos mais rápidos.

— Como o inferno, — zomba Nero. — Eu só tinha um


ângulo de merda.
Dante coloca uma mão pesada no ombro de Sebastian.

— Você está bem? — Ele pergunta ao irmão.

— Sim, — Sebastian dá de ombros.

Seu rosto parece preocupado. Acho que foi o primeiro


homem que ele matou.

Eu também não estou feliz com isso. Conheço Andrei há


seis anos. Ele morava na minha casa. Jogamos sinuca juntos
e Chaturanga. Comemos na mesma mesa. Rimos das mesmas
piadas.

Mas em nosso mundo, vocês são irmãos ou inimigos. Não


há meio-termo.

Uma vez dentro do meu escritório, ligo para Kolya Kristoff.


Ele atende após alguns toques, sua voz rouca de sono, mas
seu cérebro tão agudo como sempre.

— Eu não esperava o nome de um homem morto no meu


telefone, — diz ele.

— Você atendeu para ver como é do outro lado?

Ele ri. — Me esclareça.

— Você teria que perguntar a Jonas.

— Ah, — ele suspira. — Seu reinado não durou muito.

— Fiz as pazes com os Griffin e os Gallo.

Kristoff ri baixinho.
— Então, a pequena Nessa Griffin colocou a coleira em
seu pescoço, em vez disso.

Não vou morder a isca.

— Nosso acordo está cancelado, — digo a ele.

— Um acordo entre dois não pode ser quebrado por um,


— diz Kristoff.

— Faça o que quiser, — digo a ele. — Só saiba que os


Griffin estão esperando por você. Se você tentar pegar Callum
e Aida, você será massacrado.

— Veremos, — diz Kristoff.

Ele desliga o telefone.

Olho para os irmãos Gallo.

— Ele é um merdinha arrogante, não é? — Nero diz.

Dante faz uma careta.

— Estarei esperando na biblioteca, — diz ele. — Se


Kristoff for estúpido o suficiente para mostrar a cabeça por lá,
vou explodi-la de seus ombros.
30

Mikolaj volta para a casa dos meus pais nas primeiras


horas da manhã. Ele tem um corte recente no lado direito da
bochecha e outro no braço. Manchas escuras na frente e nas
costas de sua camisa mostram que suas feridas se abriram
novamente. Corro para o quintal para encontrá-lo. Ele está
mais pálido do que nunca e quase cai em meus braços.

— Oh meu Deus! — Eu choro, segurando seu rosto em


minhas mãos. — O que aconteceu? Você está bem?

— Sim, — ele diz. — Eu estou bem.

Pressiono minha testa contra a dele, então eu o beijo,


garantindo a mim mesma que ele está respirando ainda, que
ele cheira e tem o mesmo gosto de sempre.

Ele envolve seus braços em volta de mim, seu coração


batendo contra meu peito. Ele esfrega o rosto no meu ouvido.

— Nessa! — O choro agudo de minha mãe nos


interrompe.

Eu solto Mikolaj.
Ela está parada na porta, olhando para nós com uma
expressão horrorizada.

— Entre em casa, — ela sibila.

De longos hábitos de obediência, volto para a cozinha,


onde minha mãe e meu pai estão lado a lado, braços cruzados
sobre o peito e expressões proibitivas em seus rostos.

Mikolaj me segue.

Os irmãos Gallo estão com ele, e Marcel também.

Assim que Klara vê Marcel, ela corre até ele. Ela o beija,
assim como eu fiz com Mikolaj. Quando Marcel supera sua
surpresa, ele a pega e a beija com mais força, antes de colocá-
la no chão novamente.

Eu gostaria de comemorar esse desenvolvimento, mas,


infelizmente, tenho que voltar minha atenção para meus pais
furiosos.

— Isso acabou, — meu pai diz, severamente, apontando


entre Mikolaj e eu.

— O que quer que você tenha feito com ela, — minha mãe
grita para Mikolaj, — ainda assim você mexeu com a cabeça
dela...

— Eu o amo, — eu digo.

Meus pais me encaram, perplexos e enojados.


— Isso é ridículo, — diz minha mãe. — Ele sequestrou
você, Nessa. Te manteve prisioneira por semanas. Você sabe o
que passamos, sem saber se você estava viva ou morta?

Ela vira seu rosto coberto de lágrimas para Mikolaj, seus


olhos azuis cheios de raiva.

— Você tirou nossa filha de nós, — ela sibila. — Eu


deveria castrar você.

— Ele salvou minha vida, — digo a eles. — Todos queriam


me matar. Os russos, seus próprios homens... ele arriscou
tudo por mim.

— Só porque ele te roubou em primeiro lugar! — Minha


mãe chora.

— Você não conhece homens assim, — meu pai me diz.


— Violentos. Cruéis. Assassinos.

— Criminosos? — Eu digo, quase rindo da ironia. —


Papai... eu sei como são os mafiosos.

— Ele não é como nós, — meu pai rosna.

— Você não sabe como ele é! — Eu estalo.

— Nem você! — Minha mãe chora. — Ele manipulou você


Nessa. Você é uma criança! Você não sabe o que está dizendo...

— Eu não sou uma criança! — Eu grito de volta para ela.


— Talvez eu fosse quando saí, mas não sou mais.
— Você está dizendo que quer ficar com este animal? —
Meu pai exige.

— Sim, — eu digo.

— Absolutamente não! — Ele grita. — Eu vou matá-lo


com minhas próprias mãos primeiro.

— Não é sua escolha, — eu digo a eles.

— Diabos que não é, — diz meu pai.

— O quê, você vai me deixar de castigo? — Eu rio,


amargamente. — A menos que você queira me trancar
novamente, você não pode me manter longe dele.

— Nessa, — diz Mikolaj. — Seus pais estão certos.

Eu me viro, chocada e indignada.

— Não, eles não estão! — Eu choro.

Mikolaj pega minha mão, suavemente, para me acalmar.


Ele aperta meus dedos, sua mão quente e forte como sempre.

Então ele encara meus pais, sereno e firme.

— Peço desculpas pela dor que causei a vocês, — diz ele.


— Eu sei que isso vai ser difícil para vocês entenderem, mas
eu amo Nessa. Eu a amo mais do que amo minha própria alma.
Eu nunca a machucaria. E isso inclui afastá-la de sua família
novamente.

— Miko...
Ele aperta minha mão, silenciosamente me pedindo para
ser paciente.

— Eu trouxe Nessa de volta para sua casa. Tudo o que


estou pedindo é sua permissão para continuar a vê-la. Eu
quero me casar com ela. Mas vocês estão certos, ela é jovem.
Eu posso esperar. Há muito tempo para vocês me conhecerem.
Para vocês verem que irei cuidar e proteger sua filha para
sempre.

Ele está tão exausto que sua voz sai rouca. Mesmo assim,
sua sinceridade é inegável. Até meus pais podem ouvir. Sem
querer, sua raiva desaparece. Eles trocam olhares ansiosos.

— Ela fica aqui, — diz minha mãe.

— Você a visita aqui, — diz meu pai.

— Concordo, — afirma Mikolaj.

Não é o que eu quero, não mesmo. Eu entendo que ele


está tentando fazer isso por mim, para preservar meu
relacionamento com minha família. E também para me dar
tempo de crescer um pouco mais. Para ter certeza do que
desejo a longo prazo.

Mas já sei o que quero.

Eu quero Mikolaj. Quero voltar para a casa onde cada dia


com ele é como um sonho mais vivo que a realidade. Eu quero
ir para casa.
Nas semanas seguintes, mergulho em uma nova rotina.
Estou dormindo no meu antigo quarto. Não parece o mesmo
de antes. Livrei-me dos bichinhos de pelúcia, dos travesseiros
com babados e das cortinas rosa. É um espaço muito mais
simples agora.

Não voltei para Loyola. Perdi muitas aulas neste semestre


e percebi que não me importo. Eu só estava obtendo esse
diploma para deixar meus pais felizes. Meus verdadeiros
interesses estão em outro lugar.

Em vez disso, todos os dias vou ao Lake City Ballet. Quase


terminei minha obra principal. Trabalho horas e horas nos
estúdios abertos, às vezes sozinha e às vezes com os outros
dançarinos. Marnie está desenhando meus sets e Serena
dançará um dos papéis secundários. Eu serei a líder. Não
porque seja tecnicamente a melhor dançarina, mas porque
este balé é tão pessoal para mim que não suportaria que outra
pessoa o apresentasse.

Jackson Wright tem dado um apoio tão extraordinário


que quase tenho medo de que ele tenha sido sequestrado por
alienígenas e um clone colocado em seu lugar. A primeira vez
que o vi, ele tinha um gesso e uma tipoia no braço e estava tão
ansioso para me receber de volta que quase tropeçou nos
próprios pés. Ele não parecia com seu jeito elegante de sempre
– o cabelo uma bagunça e saltitante como o inferno,
assustando-se cada vez que alguém batia em seu ombro ou
batia uma porta.

Obviamente, ele estava patrocinando meu balé por


coerção. Mas conforme continuamos trabalhando juntos, acho
que ele realmente ficou animado. Ele se ofereceu para dirigi-lo,
espontaneamente, e me deu conselhos genuinamente úteis.
Após o ensaio, ele me puxa de lado e diz: — Não posso acreditar
que isso saiu de você, Nessa. Sempre pensei que você fosse
uma nota só. Uma nota bonita, mas não o suficiente para fazer
uma música inteira.

Eu bufo. Confie em Jackson para temperar um elogio com


um insulto.

— Obrigada, Jackson, — eu digo. — Você tem sido


surpreendentemente útil. Acho que você não é completamente
um idiota, afinal.

Ele faz uma careta, engolindo a réplica que ele claramente


quer me dar.

Mikolaj vem me ver quase todas as noites. Caminhamos


ao longo da margem do lago. Ele me fala sobre ter crescido em
Varsóvia, sobre seus pais biológicos e sobre Anna. Ele me
conta todos os lugares que ela queria visitar. Ele me pergunta
para onde eu gostaria de ir, de todos os lugares do mundo.

— Bem... — Eu penso sobre isso. — Sempre quis ver o Taj


Mahal.
Ele sorri. — Anna também. Eu ia levá-la, assim que
tivéssemos dinheiro.

— Meus pais nunca quiseram ir porque é muito quente.

— Eu gosto de calor, — sorri Mikolaj. — Muito melhor do


que neve.

Está nevando agora. Flocos grandes e pesados que caem


em câmera lenta. Eles estão presos no cabelo de Mikolaj e
cobrindo seus ombros. Tivemos que nos preparar para a
caminhada. Ele está vestindo um casaco azul marinho com a
gola levantada. Estou usando uma parca branca com uma
franja de pelo em volta do rosto.

— E quanto a esse? — Pergunto-lhe. — Não é bonito?

— Este é o primeiro inverno que não odeio, — diz ele.

Ele me beija. Seus lábios estão queimando no meu rosto


congelado. A neve é tão densa que não consigo ver o lago ou
minha casa. Poderíamos ser as únicas duas pessoas no
mundo. Poderíamos ser duas figuras dentro de um globo de
neve, suspensos para sempre.

Eu quero fazer muito mais do que beijá-lo. Desabotoo seu


casaco para poder deslizar minhas mãos para dentro. Corro
minhas mãos sobre seu torso duro e quente sob sua camisa.
Ele não se importa que meus dedos estejam frios. Ele me puxa
para mais perto, beijando-me mais profundamente.
Tenho o cuidado de não o tocar nos lugares que ainda
estão curando. As bandagens sumiram, mas as feridas eram
profundas e os pontos ainda não foram retirados.

Normalmente os homens do meu pai estão nos


espionando, onde quer que andemos no local. Hoje a neve está
muito densa. Eles não poderão nos ver.

Deslizo minha mão pela frente da calça jeans de Miko,


dentro de sua cueca. Seu corpo aqueceu minha mão. Ele não
vacila quando eu seguro seu pau. Ele geme e morde
suavemente meu lábio entre os dentes.

— Quero estar perto de você de novo, — digo a ele.

— Eu deveria estar ganhando a confiança de seus pais,


— diz ele.

— Isso pode levar cem anos, — eu gemo. — Você não


sente minha falta?

— Mais do que eu jamais pensei que poderia sentir de


alguma coisa.

Ele tira o casaco e o espalha sobre a neve. Então ele me


coloca em cima dele. Ele desabotoa minha calça jeans e a puxa
um pouco para baixo – o mesmo com a sua. Posicionando-se
em cima de mim, ele desliza seu pau no espaço estreito entre
minhas coxas e o empurra para dentro.

Porque ainda estou de jeans, minhas pernas estão juntas.


Isso torna o espaço para seu pênis menor e mais apertado do
que nunca. O atrito é insano. Ele mal empurrou para dentro e
para fora de mim. Estou apertando-o com força, ao longo de
cada centímetro de seu comprimento.

No primeiro impulso, ele engasga como se fosse desmaiar.

— Bom Deus, Nessa, — ele geme. — Você vai me matar.

— Por quê? — Eu digo.

— É muito. É muito bom.

É uma sensação absurdamente boa. Mas é muito mais do


que isso. Eu me sinto conectada a ele, como se estivéssemos
nos tornando uma alma e também um corpo de carne
emaranhada. Eu sei que ele está sentindo o que estou
sentindo. Pensando o que estou pensando. Ele está me
amando como eu o amo: insanamente, sem razão, sem limite.

Mesmo que nosso movimento seja tão restrito, não


importa. Nós dois estivemos reprimidos e sofrendo um pelo
outro. O clímax é quase imediato. Em menos de um minuto,
sinto aquele calor e prazer que floresce e cresce dentro de mim
até transbordar. Então estou gozando, apertando mais forte do
que nunca em torno de seu pau. Miko me solta também,
envolvendo seus braços com tanta força que meus ossos se
dobram. Ele explode com um som estrangulado, tentando não
gritar muito alto.

Queremos ficar lá por mais tempo. Está frio demais. Meus


dentes estão batendo. Eu me levanto, puxando minha calça
jeans e abotoando-a novamente. Eu posso sentir seu esperma
pingando de mim, encharcando minha calcinha. Eu amo essa
sensação. É tão primitivo e cru. A marca mais certa de que
pertenço a ele, e apenas a ele.

Uma vez que estamos vestidos, ele me beija novamente.

— Eu vou te levar para casa em breve, — ele me promete.

Ele sabe que a casa dos meus pais não é mais minha
casa.

Às vezes, ele traz Marcel e Klara para me visitar.


Assistimos filmes lá embaixo no cinema, com legendas em
polonês para Klara, porque o inglês dela ainda é uma merda.
Posso dizer que incomoda meus pais nos ouvir falar polonês.
Eles me olham como um changeling33.

Eles não se ajustaram à diferença em mim. Minha mãe


quer me levar para fazer as coisas que costumávamos fazer:
compras, brunch, shows. Eu vou junto com ela e tento ser
alegre, ser o que ela quer que eu seja. Mas sinto uma falta
terrível de Miko. Existe essa barreira entre minha mãe e eu.
Ela não quer falar sobre aquele mês que eu perdi. Ela quer que
eu seja exatamente como era antes. Eu simplesmente não
consigo, não importa o quanto eu tente.

Estranhamente, a pessoa que parece mais feliz por me ter


de volta é Riona. Ela estava enfurnada em seu escritório de
advocacia na noite em que voltei para casa, trabalhando até de

33Criança trocada, no folclore europeu significa a troca secretamente de uma prole de fada ou troll
por uma criança humana.
madrugada. Quando ela viu a mensagem dos meus pais,
abandonou suas pastas e veio correndo para casa, abraçando-
me por cerca de dez vezes a quantidade que ela já tinha me
abraçado antes. Eu poderia até ter visto a menor lágrima em
seus olhos, embora ela nunca tivesse deixado uma cair.

Desde então, ela foi ao Lake City Ballet várias vezes para
almoçar comigo, algo que ela nunca se preocupou em fazer
antes. Nunca costumávamos passar muito tempo juntas,
então ela não espera que eu me comporte de uma maneira
particular. Ela apenas pergunta como está indo o balé e se
temos uma data marcada para a primeira apresentação. Ela
me pergunta qual música estou usando e faz uma lista de
reprodução com as músicas para ouvir no caminho para o
trabalho. Ela até reserva pedicure para nós duas nas manhãs
de sábado, para aliviar meus pés doloridos, embora eu possa
dizer que está matando-a ficar sentada ali por quarenta
minutos inteiros sem verificar seu e-mail.

Mais estranha ainda é a amizade que surgiu entre Riona


e Dante Gallo. Ela passou várias semanas tentando libertá-lo
da prisão da primeira vez, então ela teve que gastar várias
outras depois que ele foi “sequestrado por uma gangue rival”
durante uma transferência fraudulenta de prisioneiro. No
final, ela usou a história obscura do oficial Hernandez para
fazer com que a acusação de assassinato fosse retirada.
Ajudou o fato de o oficial O'Malley ter concordado em
testemunhar contra seu ex-parceiro. Não sei quem pagou o
suborno por isso – Mikolaj ou os Gallo – mas tenho certeza de
que não foi barato.

Acho que Dante e Riona conversaram muito, todas as


vezes que Riona o visitou na prisão. Dante é uma presença
muito calmante. Riona parece menos frágil perto dele, menos
pronta para arrancar a cabeça de alguém à menor provocação.

Eu reúno minha coragem para perguntar a ela se ela o


acha bonito. Ela revira os olhos para mim.

— Nem tudo é um casamento por amor, Nessa, — diz ela.


— Às vezes, homens e mulheres são apenas amigos.

— Tudo bem, — eu digo. — Eu só pensei que você poderia


estar curiosa para ver aquele amigo em particular sem
camisa... visto que ele é construído como uma rocha.

Riona bufa, como se ela estivesse acima de considerações


mesquinhas, como bíceps protuberantes e abdominais com
tanquinho.

Meus pais não gostaram exatamente de Miko, mas estão


começando a perceber que o que sinto por ele é muito mais do
que uma paixão passageira. A cada dia o vínculo entre nós fica
mais forte. Sinto falta de sua casa – as paredes de pedra, o
telhado rangendo, a luz fraca, o jardim coberto de vegetação.
O cheiro de poeira, tinta a óleo e o próprio Mikolaj. Sinto falta
de vagar por esse labirinto, continuamente atraída para o
homem no centro. Aquele que me puxa como um ímã.
Eu sei que ele está sozinho sem mim. Agora que Jonas e
Andrei se foram, são apenas Miko, Marcel e Klara. E mesmo
aqueles dois podem se mudar para seu próprio apartamento
em breve.

Mikolaj se mantém ocupado com o trabalho. Construindo


seus negócios, expandindo seu império sem entrar em conflito
direto com minha família ou a de Aida. Estamos todos
coexistindo... por enquanto.

O único fio que está pendurado são os russos. Na tarde


da inauguração da biblioteca, estávamos todos esperando: os
homens de Miko, os Gallo e os homens de meu pai também.
Dante estava no telhado de um prédio vizinho, rifle em punho,
vigiando qualquer sinal de Kristoff ou de qualquer um de seus
homens.

Mas não havia nada. Nem um Bratva à vista. O evento


correu perfeitamente.

Talvez eles desistiram, sabendo que estavam em minoria


e derrotados.

Afinal, é uma cidade grande. Muitos crimes por aí.


31

É a noite do balé de Nessa.

Tenho esperado por isso quase tão ansiosamente quanto


a própria Nessa. Talvez mais, porque estou simplesmente
animado para ver isso, enquanto Nessa fica cada vez mais
ansiosa quanto mais perto fica.

Eu não estou preocupado. Já sei que vai ser brilhante.

Está sendo apresentado no teatro Harris. Aquele idiota do


Jackson Wright está dirigindo. Eu tinha planejado visitá-lo
mais algumas vezes se ele desse qualquer merda a Nessa –
apenas casualmente, é claro. Como um lembrete gentil. Não
são necessários ossos quebrados, a menos que ele me irrite.
Mas provou ser desnecessário. Ele foi sugado para o projeto
quase tanto quanto a própria Nessa.

Nessa conseguiu ingressos para todos os seus amigos e


familiares, deliberadamente me sentando ao lado de seus pais.
Não é a posição mais confortável, mas tenho que aproveitar
todas as oportunidades que puder para conhecê-los. Não
espero que eles gostem de mim. Eles podem nem mesmo parar
de me odiar. Eles têm que me aceitar, no entanto, porque não
vou deixar Nessa.

Sinceramente, minha paciência está se esgotando. Achei


que poderia demorar – mas superestimei minha própria
determinação.

Eu a quero de volta. Eu a quero totalmente. Eu a quero


como minha noiva.

Estou sentado ao lado de Fergus Griffin. Ele é um homem


alto, esbelto, de aparência inteligente, bem-vestido, com lindas
mechas grisalhas no cabelo e modos cultos. Para o olho
destreinado, ele parece um rico empresário de Chicago. Eu o
vejo como ele realmente é – um camaleão que assume a
aparência que melhor se adapta aos seus propósitos. Não
tenho dúvidas de que quando ele estava quebrando os joelhos
como um segurança, parecia uma vingança ambulante.
Quando ele subiu na hierarquia da máfia irlandesa, tenho
certeza de que se vestia como um gangster. Agora ele se
comporta como se tivesse vivido toda a sua vida na crosta
superior.

É difícil dizer quem ele realmente é, por baixo de tudo


isso. Posso adivinhar algumas coisas: ele deve ser inteligente e
estratégico, com um núcleo de aço. Você não chega ao topo de
nenhuma outra maneira.

Mas ele não pode ser o sociopata criminoso comum.


Porque ele fez Nessa. Ele a criou. Aquele coração gentil e mente
criativa dela devem ter vindo de algum lugar.
Talvez de Imogen Griffin. Ela está sentada do lado oposto
do marido. Eu a sinto olhando para mim, com aqueles olhos
azuis frios que ela passou para o filho.

— Você é um patrono das artes? — Ela me pergunta,


asperamente.

— Não, — eu digo.

Depois de um momento de silêncio frio, acrescento: — Eu


gosto de dançar.

— Você gosta? — Sua expressão gelada derrete por um


mínimo grau.

— Sim. Minha irmã e eu fazíamos dança folclórica quando


éramos jovens. — Respiro fundo, tentando pensar como as
pessoas normais falam quando conversam. — Ganhamos um
prêmio uma vez, pela Polonaise. Odiávamos dançar juntos
porque sempre brigávamos – Anna queria liderar. Ela era
melhor do que eu. Eu deveria ter deixado. Provavelmente só
vencemos porque éramos muito parecidos, como um conjunto
combinado. Os juízes acharam fofo.

As palavras saem mais rápido, uma vez que eu entro no


fluxo delas. Ajuda que Imogen e Nessa sejam um pouco
parecidas. Isso ajuda a aliviar o constrangimento.

Imogen sorri.
— Dancei dança salão com meu irmão Angus, — diz ela.
— Nós pensamos que era tão embaraçoso estarmos juntos.
Nunca ganhamos nenhum prêmio.

— Você precisava de um parceiro melhor, — diz Fergus.

— Eu espero que você não esteja falando sobre você, —


Imogen ri. Ela me diz: — Ele quebrou meu pé no nosso
casamento. Pisou bem na ponta dos pés.

Fergus franze a testa. — Eu tinha muito em que pensar.

— E você estava bêbado.

— Levemente embriagado.

— Completamente bêbado.

Eles trocam um olhar divertido, então se lembram de que


estou sentado ao lado deles e me odeiam.

— De qualquer forma, — Fergus diz. — O talento de Nessa


vem de sua mãe.

Ouço o orgulho em sua voz. Eles amam Nessa – isso está


claro.

Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, as luzes


diminuem e a cortina sobe.

O conjunto é impressionante, épico em tamanho e escala.


Parece uma floresta verdejante e brilhante. A música é leve e
alegre também. Três garotas saem vestidas de verde, azul e
rosa – Nessa, Marnie e Serena.
Percebo que Serena Breglio manteve o cabelo castanho
que os russos deram a ela. Acho que ela decidiu que gostou.
Eu não sei o quanto Nessa contou a ela sobre por que ela foi
sequestrada e, em seguida, abruptamente liberada novamente.
Eu sei que Serena é uma das melhores amigas de Nessa, e isso
não mudou. Então, em um acesso de culpa, anonimamente
paguei o saldo dos empréstimos estudantis de Serena. Era
quarenta e oito mil. Menos do que ganho em uma semana, mas
um monte de turnos no café onde Serena trabalha para
complementar seu magro salário de dançarina.

Alguns meses atrás, eu diria que ela teve sorte de não


termos cortado sua garganta e jogado em uma vala. Agora sou
o Papai Noel. Isso é o quão mole eu fiquei.

As três meninas estão dançando em uma formação que


Nessa me diz ser chamada de pas de trois. Seus vestidos são
suaves, não rígidos como um tutu. Cada vez que elas giram, a
saia soa em forma de pétalas de flores.

Eu assisti muito pouco de balé, mas as coreografias de


Nessa são hipnotizantes. Há muito movimento e interação,
padrões que mudam e evoluem, quase sem repetição.

Os pais de Nessa estão fascinados, desde o início. Eles se


inclinam para frente, os olhos fixos no palco. Posso ver pelas
suas expressões de surpresa que nem eles perceberam como o
trabalho de Nessa pode ser bonito.

Perto do final da dança, Nessa se separa das outras duas


meninas. Elas saem do palco pela esquerda, enquanto Nessa
atravessa na direção oposta, vagando como se estivesse
perdida.

Conforme ela se move pelo palco, a iluminação muda. A


floresta que parecia brilhante e acolhedora agora se torna
densa e escura. A música também se altera, passando de
alegre a assustadora.

Nessa chega a um castelo. Depois de alguma hesitação,


ela entra.

O conjunto do castelo desliza pelo chão em seções,


travando no lugar ao redor dela. O cenário é incrivelmente
detalhado – o trabalho de Marnie. Enormes janelas de vidro de
chumbo dão às paredes uma sensação de gaiola, e há uma
aparência esfarrapada, envelhecida e negligenciada em tudo,
até os castiçais derretidos nos lustres.

Dentro do castelo, Nessa encontra Beast.

Beast é interpretado por Charles Tremblay, um dos


principais dançarinos do Lake City Ballet. Normalmente, ele é
alto, em forma e de aparência amigável, com cabelo louro-
morango desgrenhado de surfista e um leve sotaque sulista.
No palco ele está irreconhecível. Maquiagem e próteses o
transformaram em um monstro – meio lobo, meio humano,
como um lobisomem no meio de sua transformação.

Tudo em seu movimento também mudou. A arrogância


confiante se foi. Agora ele se lança pelo palco com uma
velocidade enervante, rente ao chão, como um animal.
Nessa me disse que o escolheu exatamente por este
motivo – sua capacidade de “atuar” tão bem como dançar.

Eu sei que eles estão ensaiando juntos por horas todos


os dias, algo que geralmente me deixaria terrivelmente
ciumento. Exceto que todas as noites quando eu a visito, Nessa
corre para mim como se ela não me visse em cem anos. Como
se ela não aguentasse mais um segundo de distância. Então
eu sei em quem ela está pensando, mesmo quando está
dançando nos braços de outro homem.

Beast atrai Nessa para dançar com ele.

Os acordes sedutores de “Satin Birds” começam a tocar.


Soltei um longo suspiro. Eu não sabia que Nessa sequer se
lembrava daquela música, muito menos que ela planejava usá-
la no balé. Isso traz meu próprio salão de baile à vista diante
dos meus olhos e me faz lembrar vividamente da primeira noite
em que segurei Nessa em meus braços.

Os dois estão valsando pelo palco, primeiro com


relutância, depois com maior velocidade e intensidade.

Eu vejo Nessa recriando aquele momento entre nós. Não


me importo que ela tenha me retratado como um monstro. Na
verdade, é adequado. Eu era um animal selvagem naquela
noite. Eu queria rasgá-la em pedaços e engoli-la inteira. Eu
mal consegui controlar meu desejo por ela.

O que eu não percebi é o quão forte o desejo dela já era


de volta. Eu vejo agora, quando ela olha para o rosto de Beast.
Eu vejo como ela está intrigada. Como está atraída por ele,
apesar de todas as inclinações naturais dela.

O balé continua.

É o conto de fadas clássico da Bela e a Fera. Mas também


é a nossa história, a minha e a de Nessa. Ela está misturada
em pedaços do que aconteceu entre nós.

Estou revivendo tudo de novo.

Esqueço que estou sentado ao lado de seus pais. Eu


esqueci que há mais alguém neste teatro. Apenas vejo ela e eu,
como nos separamos e voltamos juntos, repetidamente,
nenhum de nós foi capaz de resistir à atração que nos atraiu e
nos prendeu com força. Ela está me mostrando toda a nossa
história de novo, uma fantasia sombria recontada através de
seus olhos.

Finalmente, há um dueto entre Beast e Nessa que


acontece em uma noite de tempestade. A iluminação do palco
imita a aparência de chuva, pontuada por raios.

No início, o dueto é como um combate cruel – violento e


agressivo. Beast arrastando Nessa, puxando-a de volta quando
ela tenta escapar. Até mesmo levantando-a sobre a cabeça e
carregando-a pelo palco. Mas à medida que a dança continua,
seus movimentos ficam sincronizados. Seus corpos estão
fortemente unidos, então eles ficam perfeitamente alinhados,
mesmo nas formações mais ultrajantes.
Logo eles estão se movendo como uma pessoa, cada vez
mais rápido. Nessa me disse que esta é a dança mais difícil
tecnicamente. Ela estava com medo de não ser capaz de
acompanhar Charles.

Ela está mais do que acompanhando. Ela está dançando


melhor do que eu já vi antes – rápida, precisa, apaixonada. Ela
é incrível pra caralho.

Não consigo tirar meus olhos dela. O teatro está


completamente silencioso. Ninguém quer nem respirar, caso
interrompam a dupla girando pelo palco. É erótico e etéreo ao
mesmo tempo. É hipnotizante.

Quando eles finalmente param, presos no centro do


palco, envolvidos em um beijo, a multidão explode. Os
aplausos são estrondosos.

Imogen e Fergus Griffin estão olhando um para o outro.


Eles estão maravilhados com o desempenho de Nessa. Mas é
mais do que isso. Eles sabem o que significa, tão bem quanto
eu. Eles viram como Nessa realmente se sente. Ela colocou seu
coração no palco para que todos vissem.

No final do show, os aplausos continuam e continuam. O


elenco sai para receber seus arcos. O público os aplaude de pé,
exceto por um homem que desliza para fora de sua cadeira e
sai pela porta lateral antes que Nessa venha fazer sua
reverência.
O movimento do homem chama minha atenção. Por mais
emocionado e satisfeito que esteja por Nessa, não consigo
desligar essa parte do meu cérebro. A parte que está sempre
procurando algo fora do lugar.

Nessa caminha pelo palco, corando de prazer enquanto a


multidão grita mais alto do que nunca. Ela faz uma reverência
e então examina a multidão, procurando por sua família.
Quando ela me vê, ela me sopra um beijo.

Jackson Wright agarra a mão dela e a levanta em triunfo.


Ele finalmente tirou o gesso, o que parece ter melhorado seu
ânimo. Ele está sorrindo, parecendo genuinamente orgulhoso.

Enquanto os dançarinos voltam para os bastidores mais


uma vez, saímos para o saguão para esperar por Nessa. Ela
está mudando de roupa, provavelmente falando
animadamente com seus amigos. Todos estarão no topo da
onda de seu sucesso.

Eu espero ao lado dos pais de Nessa, com Callum, Aida e


Riona. Imogen está quieta, como se tivesse muito em que
pensar. Aida está falando o suficiente para todos.

— Foi o melhor balé que já vi. É o único balé que eu já vi,


mas tenho certeza de que se eu assistisse a outros, ainda
pensaria isso.

— Foi lindo, — concorda Riona.


— Eu senti como se houvesse uma metáfora em algum
lugar... — Aida reflete, lançando seus olhos cinzentos astutos
em minha direção.

Callum dá a ela um olhar severo para fazê-la calar a boca.

Ela sorri para ele, nem um pouco castigada. Eu posso ver


o canto de sua boca se curvando em resposta.

Garçons em smokings circulam pelo saguão, carregando


bandejas cheias de taças de champanhe borbulhante. Fergus
Griffin pega uma taça em uma das bandejas e engole. Ele
oferece um copo para sua esposa, mas ela balança a cabeça.

Meu estômago está roncando. Ainda não jantei. Duvido


que Nessa também. Talvez eu pudesse convencer Fergus a me
deixar levá-la a algum lugar para comemorar...

O elenco sai para o saguão. Eles vestiram roupas


normais, mas não tiraram a maquiagem pesada do palco,
então estão longe de se misturarem. Uma linha sinuosa se
forma, como uma linha de recepção. Amaldiçoo o quão longe
estou, terei que esperar minha vez de falar com Nessa.

Há um fluxo no movimento da multidão. As pessoas caem


naturalmente na linha ou se afastam para sair do caminho.
Mais uma vez, com o canto do olho, vejo um movimento que
não se encaixa perfeitamente no padrão. Um homem com um
casaco de lã caminhando em direção aos membros do elenco
vindo do canto da sala.
Ele tem cabelo escuro, seu colarinho puxado para cima,
então não posso ver seu rosto. Mas eu vejo sua mão,
alcançando seu casaco.

Olho para Nessa, diretamente em linha com a trajetória


do homem. Ela mudou para leggings e um suéter de tricô, seu
rosto ainda maquiado do palco com cílios postiços e bochechas
rosadas. Seu cabelo está preso em um coque apertado,
salpicado de purpurina. Ela está corada e rindo, os olhos
brilhando de prazer.

Enquanto eu observo, ela ergue os olhos e me olha nos


olhos. Seu sorriso se irradia, então vacila quando ela vê a
expressão no meu rosto.

Começo a correr em direção a ela.

O homem está tirando uma arma do casaco. Ele está


retirando a trava de segurança, levantando o cano.

Estou abrindo caminho pela multidão. Bato em um


garçom, derrubando a bandeja de champanhe de sua mão.
Vidros voam para todos os lados. Pego a bandeja de prata no
ar e corro para frente, gritando — NESSA!

Em câmera lenta, vejo o homem apontar a arma direto


para o rosto dela. Nessa também vê. Ela congela no lugar, os
olhos arregalados, as sobrancelhas escuras voando para cima.
Os dançarinos de cada lado dela se encolhem. Ela está
sozinha, desprotegida, assustada demais para levantar as
mãos.
Salto para frente, a bandeja estendida.

A arma dispara como um canhão.

Sinto o choque quando ele me atinge, simultaneamente


com o barulho.

Eu bato em Nessa, derrubando-a no chão e cobrindo-a


com meu corpo. Não sei onde a primeira bala atingiu. Espero
sentir várias outras, crivando minhas costas.

Há mais três tiros, mas não sinto nenhuma dor. Eu


sufoco Nessa, mantendo-a presa debaixo de mim para que
nada possa machucá-la. Durante toda a gritaria e correria de
pessoas tentando fugir, eu a cubro, mantendo-a segura.

Quando abro os olhos, vejo o rosto ensanguentado e


rosnando de Kolya Kristoff. Ele está deitado no chão na minha
frente. Completamente morto.

Fergus Griffin está parado sobre ele, a fumaça ainda


subindo do cano de sua arma. Seu rosto está contorcido de
raiva, seus olhos verdes brilham demoniacamente por trás da
armação sensível de seus óculos. Agora eu vejo – o verdadeiro
gangster por trás do verniz de civilidade.

Seus olhos disparam em minha direção e posso ler seus


pensamentos tão claramente quanto os meus: ele poderia
mover aquela arma um centímetro para a direita e atirar em
mim agora, resolvendo o último de seus problemas.
Em vez disso, ele a mantém apontada exatamente onde
está e coloca outra bala nas costas de Kristoff. Então ele enfia
a arma de volta dentro do paletó.

Callum Griffin está me ajudando a levantar. Puxo Nessa


também, olhando freneticamente para ela em busca de sinais
de danos.

— Você está bem? — Eu pergunto a ela.

Ela está tremendo de choque, os dentes batendo juntos,


mas ela não parece ferida.

— Estou bem, — diz ela.

Ela está se agarrando a mim, seus braços em volta do


meu pescoço.

Eu vejo a mandíbula de Fergus se contrair. Nessa é sua


filhinha – geralmente ela corria para ele para se consolar.

Callum pega a bandeja de prata. Tem uma marca do


tamanho de uma bola de softball, bem no centro.

— Puta merda, — diz ele. — Como você sabia que isso


funcionaria?

— Eu não sabia, — eu digo.

Imogen joga os braços em volta de Nessa, as lágrimas


rolando pelo seu rosto.

— Oh meu Deus, — ela soluça, — eu não aguento mais


disso.
— Callum, — Fergus diz, nitidamente. — A polícia estará
aqui em um minuto. Leve Aida e vá para casa. Você não precisa
do seu nome associado a isso.

Ele olha para mim.

— Presumo que você também não tenha o registro mais


limpo.

— Eu não vou embora sem Nessa, — digo a ele.

Sua expressão suaviza levemente. — Estarei aqui com


ela, — diz ele. — Vamos prestar depoimento à polícia. Então,
podemos encontrá-lo em casa.

— Vou ficar com você, — Riona diz a ele, cruzando os


braços sobre o peito. — Como consultora jurídica.

Eu hesito. Não quero deixar Nessa, mas Kristoff está


morto. Não adianta lutar com Fergus. Não quando estamos
finalmente começando a nos dar bem.

Beijo Nessa suavemente nos lábios. Os pais dela estão


assistindo, mas eu não dou a mínima.

— Vejo você em casa, — digo a ela. — Você estava


inacreditável esta noite, Nessa. Não deixe que isso prejudique
seu triunfo. Você é uma estrela do caralho.

Ela me beija novamente, não querendo me soltar.

Ouço sirenes, e gentilmente retiro suas mãos do meu


pescoço.
— Vejo você em breve, — eu digo.

Quando me viro para sair, Fergus me dá um tapinha no


ombro.

— Obrigado, — diz ele, com voz rouca. — Você foi mais


rápido do que eu. Eu não teria chegado a tempo.
32

É véspera de Natal.

Minha mãe adora o Natal. Normalmente ela dá uma


grande festa. Ou, se for apenas a nossa família, fazemos todas
as pequenas tradições irlandesas, como fazer um anel de
azevinho para a porta e colocar uma vela na janela. Depois
cozinhamos nosso próprio fudge, colocamos pipoca na lareira
e abrimos um presente para cada um, que é sempre um
pijama.

Esta noite estou fazendo algo diferente.

Estou indo para o extremo norte da cidade, para a casa


de Mikolaj.

Volto de manhã para fazer panquecas e abrir presentes


com meus pais.

Mas esta noite somos Miko e eu, sozinhos, pela primeira


vez em muito tempo.

Fiquei surpresa por meus pais concordarem. Acho que


eles perceberam depois do balé que isso é real e não vai
desaparecer.
Afinal, Miko salvou minha vida. Ele avistou Kristoff antes
de qualquer outra pessoa. Ele bloqueou a bala indo direto para
o meu rosto. Então ele me protegeu com seu próprio corpo. Foi
isso que deu tempo ao meu pai para atirar em Kristoff pelas
costas.

Acho que a Bratva vai precisar de um novo chefe de novo.

Esperançosamente, o novo não guardará o mesmo


rancor. Os russos não aceitam alianças quebradas.

Ainda assim, valeu a pena se finalmente provasse para


meus pais que Mikolaj me ama. Realmente, realmente me ama.

Estou dirigindo para vê-lo em um novo Jeep, verde


exército desta vez em vez de branco. Foi um presente de Natal
antecipado dos Gallo. Aida o escolheu e Nero trabalhou sua
magia nele. Ele ruge como um motor a jato agora, sem
mencionar os pneus gigantes A / T, o guincho, o kit de
levantamento e os deslizadores de rocha que ele acrescentou.
Parece que eu poderia dirigir por cima de uma montanha.

Sério, eu simplesmente vou para o estúdio na maior parte


do tempo. Já estou trabalhando em outro balé.

Os pneus são ótimos na neve. O vento sopra do lago,


selvagem e úmido.

Eu não me importo. Nem mesmo uma nevasca poderia


me manter em casa esta noite.
Miko está cuidando de mim. Ele abre os portões
automaticamente quando eu me aproximo. Dirijo até a casa,
que parece mais alta e escura do que nunca sob o cobertor
branco que cobre o telhado.

A porta da frente está aberta. Deixo o Jeep na frente e


corro para dentro.

Entro no brilho de centenas e centenas de velas. Toda a


entrada está cheia delas – todas as alturas e tamanhos
diferentes, brilhando no escuro. As velas são brancas e a luz
que lançam é ouro rico, enchendo o espaço com o cheiro de
fumaça e cera de abelha doce. Mikolaj está me recebendo em
casa.

Sigo o caminho através das velas, pelo andar principal,


até a estufa.

É sempre verão aqui. As plantas estão grossas e verdes


como sempre. Mikolaj está esperando por mim no banco, como
eu sabia que ele estaria. Ele se levanta quando me vê. Está
vestido mais formalmente do que o normal, com uma camisa
de botões e calças, seu cabelo penteado cuidadosamente.
Posso sentir o cheiro de sua colônia e, por baixo disso, o cheiro
de sua pele de tirar o fôlego.

Corro para seus braços, beijando-o. O beijo continua e


continua, nenhum de nós querendo que acabe. Estou muito
feliz por estar de volta aqui. Não sei como um lugar tão
estranho poderia me servir tão bem, mas combina. Foi feito
para mim, cem anos antes mesmo de eu nascer. E Miko
comprou para nós, antes de saber que eu existia.

Quando finalmente nos separamos, ele tira o resto da


neve derretida do meu cabelo.

— Deus, eu senti sua falta, — diz ele.

— Eu tenho algo para você, — eu digo. — É só uma


coisinha.

Eu o puxo para fora da minha bolsa – embrulhado,


embora seja impossível disfarçar um livro.

Mikolaj rasga o papel. Ele sorri quando vê o que está


dentro.

É a primeira edição de “Through the Looking Glass” para


substituir a que estraguei. Tem uma capa vermelha rica,
estampada com uma borda dourada e um camafeu da Rainha
de Copas.

Ele abre na primeira página – uma ilustração de um


cavaleiro a cavalo.

— Você não tem isso em uma tatuagem ainda, — eu digo,


brincando com ele. — Você tem algum espaço em branco
sobrando? Talvez na planta do pé?

Ele me beija novamente, apertando-me com força.

— Obrigado, Nessa. É perfeito.


— Então, — eu digo, — devemos subir? Também sinto
falta do seu quarto...

— Você não quer seu presente? — Miko diz.

Tento esconder meu sorriso, sem sucesso. Sempre adorei


presentes. Mesmo os mais pequenos me deixam feliz. Amo ficar
surpresa.

Estou pensando que Mikolaj provavelmente me deu um


novo recorde. Ele me deixou ficar com o velho toca-discos e a
caixa de vinil vintage. Ele sabe que tenho usado para o novo
balé. Acho que ele tem um acréscimo para minha coleção.

Mas Miko realmente me surpreende, caindo sobre um


joelho.

— Não é exatamente um presente, — diz ele, — já que não


paguei por ele...

Ele puxa uma caixinha do bolso e abre. Por dentro, vejo


a última coisa que esperava no mundo: o anel da minha avó.

— O que? — Eu suspiro. — Como você...

— Eu era um cadáver quando te conheci, Nessa, — diz


ele. — Sem respiração. Sem coração. Sem vida. Não sentia
nada. Eu não me importava com nada. Então eu te vi e você
me acordou por dentro. Eu fui um idiota no começo. Eu estava
tão entorpecido que pensei que aquela faísca fosse ódio. Se eu
fosse uma pessoa normal, teria percebido que era amor. Amor
à primeira vista. Desde o segundo em que coloquei os olhos em
você.

Ele tira o anel da caixa e o ergue. O diamante cintila mais


intensamente do que nunca em seu ambiente antigo.

— Eu queria odiar você, porque isso era mais fácil. Mas


enquanto eu a observava, era impossível ignorar sua bondade,
sua inteligência, sua criatividade. Você é boa Nessa, verdadeira
e intrinsecamente boa de uma maneira que a maioria das
pessoas nunca poderia sonhar em ser. Mas você é muito mais
do que isso. Você é talentosa e linda e, porra, a mulher mais
sexy do mundo. Merda, eu não ia xingar durante isso.

Eu rio, e também soluço um pouco, porque estou muito,


muito feliz. Eu quero falar, mas não quero interromper Mikolaj.
Eu quero ouvir tudo o que ele tem a dizer.

— Eu odiava ficar longe de você nas últimas semanas, —


diz ele. — Mas quando conheci você Nessa, eu entendi o quão
importante sua família é para você. Eu roubei você da primeira
vez. Desta vez, eu queria a bênção deles.

Seus dedos se apertam na faixa do anel.

— Sua mãe me deu isso. Ela sabe que eu te amo. Amo


você mais do que dinheiro, poder ou minha própria vida. Eu
roubei você, Nessa. E você roubou meu coração. É seu para
sempre. Eu não poderia voltar atrás mesmo se quisesse.
Então, você quer se casar comigo?

— Sim! — Eu choro. — Claro que sim!


Ele desliza o anel no meu dedo.

Parece diferente na minha mão. Parece que pertence a


mim. Como se tivesse sido feito para mim.

— Eles realmente deram a você? — Eu pergunto a ele,


com espanto.

— De má vontade, — ele diz.

Eu rio.

— Isso ainda conta, — eu digo.

Ele me pega nos braços, beijando-me sem parar.

Então ele me carrega até seu quarto.

Há um fogo aceso na lareira. Ele me coloca na frente dela,


no tapete grosso.

— Deixe-me despir você, — digo a Mikolaj.

Ele fica parado, deixando-me desabotoar a frente de sua


camisa.

Centímetro por centímetro, eu exponho seu peito largo e


plano, duro com os músculos e escuro com a tinta. Corro meus
dedos sobre seu peito, na linha central de seu umbigo. A pele
de Mikolaj é incrivelmente lisa, para um homem. É uma
daquelas coisas enganadoras sobre ele. Sua aparência e como
ele se sente nunca combinam. Ele parece tão pálido quanto um
vampiro, mas está sempre quente ao toque. Ele é tão magro
que cada músculo parece capaz de cortar você, mas sua pele é
macia como manteiga. Seus olhos parecem vidro estilhaçado,
mas não são apenas um espelho, refletindo toda a dor do
mundo. Eles veem dentro de mim, até a minha alma.

Eu tiro sua camisa. Gentilmente toco as cicatrizes em seu


estômago, ombros e braços. A maioria delas está curada agora,
mas os sulcos brancos se destacam contra as tatuagens
escuras. Cada uma dessas marcas é um corte que ele tirou de
mim.

Desabotoo suas calças e as deslizo para baixo. Suas


boxers também. Agora ele está nu em frente ao fogo. A luz
dança em sua pele. Isso anima suas tatuagens, fazendo-as
parecer que ganharam vida, movendo-se por sua carne.

Seus olhos estão brilhando na luz bruxuleante. Eles


percorrem meu rosto, meu corpo. Ele tem aquela expressão de
fome em seu rosto. O olhar que nunca falha em sacudir meu
coração e fazê-lo bater no triplo de seu ritmo normal. Não
estamos nem nos beijando ainda, e minha pele já está
formigando, meus mamilos enrijecendo, a umidade
encharcando minha calcinha.

Não consigo tirar meus olhos dele. Nunca houve um


homem que pudesse parecer tão autoritário sem um ponto de
roupa. Há poder em cada grama desses músculos tensos. Há
ferocidade em seu olhar.

Mikolaj faria qualquer coisa por mim. E qualquer coisa


para mim. Ele não tem limite, nenhuma linha que não cruze.
É assustador e incrivelmente excitante.
Seu pênis está pesado contra sua coxa. Assim que meus
olhos caem sobre ele, ele começa a engrossar e enrijecer.

Como tudo sobre Mikolaj, seu pau é insanamente


estético. Espesso, branco, liso, de proporções perfeitas.
Quanto mais duro fica, mais liso e firme a pele se estica. Eu
sei como essa pele é macia – a mais macia em todo o seu corpo.
Quero tocá-lo com as partes mais sensíveis de mim.
Começando com meus lábios e língua.

Caio de joelhos na frente dele. Deixo a cabeça de seu pau


descansar pesadamente na minha língua. Provoco a ponta da
minha língua em torno da crista entre a cabeça e o eixo. Uma
pequena gota de fluido claro se forma na ponta de seu pênis, e
eu lambo, provando-o. Tem quase o mesmo gosto de sua boca
– limpa e rica e apenas um pouco salgada.

Fecho minha boca em toda a cabeça, sugando com mais


força. Mais fluido penetra na minha boca, como uma
recompensa. Mikolaj geme.

Balanço minha boca para cima e para baixo em seu pau,


o mais longe que posso, cobrindo-o com minha saliva. Então
uso minha mão para acariciar seu eixo enquanto lambo e
chupo a cabeça.

Só o fiz algumas vezes, mas já sinto que estou ficando


muito melhor nisso. Estou aprendendo a relaxar a mandíbula,
a usar a boca e as mãos em conjunto. Mikolaj geme. Posso
dizer o que é melhor para ele com base em sua respiração e na
maneira como move os quadris.
Depois de um minuto, ele me interrompe.

— Você não gosta disso? — Eu digo.

— Claro que gosto, — ele rosna.

Ele tira minhas roupas para que ambos fiquemos nus,


depois me puxa para baixo no tapete em frente à lareira. Ele
me puxa para cima dele, então estamos voltados para direções
opostas, minhas coxas em volta do seu rosto e seu pau de volta
na minha boca.

É um pouco mais difícil fazer de cabeça para baixo, mas


acho que posso lidar com isso. Até que ele enfia sua língua
dentro de mim ao mesmo tempo.

Puta merda, isso torna difícil me concentrar. Enquanto


estou chupando seu pau, ele está me penetrando com a língua
e esfregando meu clitóris com os dedos. O ângulo é diferente
do normal, assim como a sensação. Há algo incrivelmente
satisfatório sobre sua boca em mim e minha boca nele ao
mesmo tempo. Isso torna a sensação de seu pau contra minha
língua ainda mais prazerosa.

Meu coração está batendo cada vez mais rápido. O tempo


desde a última vez que estivemos sozinhos é muito longo.
Estou ansiosa e dolorosamente excitada. Eu me toco na cama
à noite, pensando nele, mas não é o mesmo que o gosto, cheiro
e sensação do próprio Mikolaj. Nada pode se comparar a isso.
Nada pode satisfazer a não ser ele.
Estou balançando meus quadris, esfregando minha
boceta contra sua língua. É tão bom que deve ser ilegal. Estou
gemendo perto de seu pau, ficando tão distraída que não posso
mais fazer minha parte no trabalho.

Mikolaj não se importa. Ele passa a me penetrar com os


dedos e lamber meu clitóris com a língua. Ele coloca um dedo
dentro de mim, depois dois. Estou gemendo e cavalgando em
seu rosto, as ondas de prazer passando por mim cada vez mais
perto até que não haja nenhuma pausa no meio, até que seja
uma longa corrida...

O orgasmo termina, mas estou ávida por mais. Eu não


consigo obter o suficiente dele. Nós estivemos separados por
muito tempo.

Eu me viro e subo em cima dele, seu pau deslizando


confortavelmente dentro de mim. O calor do fogo acaricia
minha pele. Queima contra meu rosto, meus seios nus, minha
barriga. Estou incrivelmente sensível depois desse clímax.
Cada golpe para cima e para baixo no pau de Mikolaj parece
despertar uma centena de novos receptores que eu nunca
soube que existiam.

Antes que eu perceba, estou construindo novamente. A


caminho de outro orgasmo, antes que o primeiro termine
adequadamente. Desta vez, a sensação é mais profunda,
concentrada dentro de mim em vez de no meu clitóris. A cabeça
de seu pênis está atingindo aquele segundo centro de prazer.
Cada golpe é como uma pederneira contra o aço, lançando
fagulhas.

De repente, as faíscas pegam e há um inferno de prazer


surgindo dentro de mim. Eu grito como se realmente estivesse
pegando fogo, um suspiro que se transforma em um grito. Meu
corpo todo fica tenso. Então desabo em cima de Miko, mole e
torcida.

Ele me vira de modo que fico de quatro e entra em mim


por trás. Gemo quando ele desliza para dentro. Seu pau é
muito grande – deste ângulo, está chegando ao fundo, batendo
contra meu colo do útero.

Eu arco minhas costas e isso ajuda um pouco. Ele agarra


meus quadris em suas mãos, afundando seus dedos em minha
carne. Sinto o quão forte ele é. Quanta energia ele ainda não
liberou sobre mim.

Ele não vai esperar mais. Começa a me foder com força,


batendo em mim repetidamente. É um prazer à beira da dor,
mas eu gosto. Eu amo sentir o quão poderoso ele é. Eu amo ele
assumir o controle. Eu amo como ele tira o que precisa de mim.

Ele está grunhindo com cada impulso, sua voz profunda


e animalesca. O fogo está tão quente que começamos a suar.
Sinto as gotas caindo de seu rosto e cabelo, caindo nas minhas
costas. Ele está batendo em mim cada vez mais forte e eu não
consigo o suficiente.

— Sim, — eu suspiro. — Continue...


Ele não iria parar de jeito nenhum. Seu corpo bate contra
o meu, seu pau empurrando o mais fundo que pode. Então ele
dá um último empurrão, segurando seu pau em sua posição
mais profunda, e ele explode dentro de mim. Sinto o esperma
fervendo, sem espaço para preencher. Quando ele puxa seu
pau para fora, ele puxa o esperma também, então escorre pelas
minhas coxas.

Eu afundo no tapete, deitando de lado, e Mikolaj deita


atrás de mim, abraçando-me. Eu me encaixo perfeitamente no
oco de seu corpo. Seus braços me envolvem, magros e fortes.

— Quando devemos nos casar? — Pergunto-lhe.

— Imediatamente, — diz ele.

— Você quer esperar pelo verão?

— Não, — ele rosna. — Não quero esperar mais um


minuto.
33

Encontro Geo Russo fora do The Brass Pole para entregar


as chaves. O pagamento dele atingiu minha conta bancária
esta manhã – ele será o novo dono de meus dois clubes de strip
(menos aquele que Nero Gallo queimou).

Russo estacionou seu Bentley. Ele é um homem baixo e


atarracado – completamente careca, com as mãos inchadas
como luvas de desenho animado. Ele parece satisfeito e
desconfiado do nosso negócio.

— Agora que está resolvido, — diz ele, enfiando as chaves


no bolso, — por que não me diz o verdadeiro motivo pelo qual
queria vender? O que é isso? Os homens perderam o gosto por
peitos?

Ele dá uma risada ofegante.

— Não, — eu digo, rigidamente. — Estou apenas indo em


uma direção diferente.

— Por Deus, — ele balança a cabeça em espanto. — Eles


disseram que você enlouqueceu por causa de uma garota, mas
eu...
Ele para, vendo minha expressão. Engole em seco, seu
pomo de adão balançando para cima e para baixo.

— Você vai terminar essa frase? — Eu pergunto a ele,


friamente.

— Não, — ele murmura, olhando para os meus sapatos.


— Minhas desculpas, Mikolaj.

— Você pode agradecer 'aquela garota' por me colocar de


tão bom humor, — digo a ele. — Caso contrário, quebraria a
porra do seu pescoço.

Volto para o carro, onde OIie está esperando para me


levar ao Jungle.

— Problemas, chefe? — Ele me pergunta, enquanto eu


deslizo para o banco de trás.

— Não, — eu digo. — Apenas pessoas esquecendo seu


lugar no mundo. Eu posso ter que dar um exemplo a alguém.

— Russo seria um bom lugar para começar, — grunhe


Olie. — Ele estala o chiclete.

— Percebi.

Não lamento deixar os clubes de strip irem embora. Há


muitas outras coisas para vender neste mundo – não tenho o
mesmo gosto por negociar mulheres como mercadoria.

Não vou me livrar do Jungle, no entanto. Foi o primeiro


lugar em que vi Nessa. E não estou tão reformado a ponto de
não querer vender bebidas alcoólicas. Na verdade, tenho
planos de abrir mais seis clubes – aqui e em St. Louis. Ainda
há espaço para expansão em Chicago e nas cidades vizinhas
ainda não reclamadas.

Pretendo reformar a casa também. Nessa não quer que


eu mude, mas digo a ela que devemos pelo menos ter
aquecimento adequado.

— Por quê? — Ela diz. — Eu não me importo se está frio.


Podemos ficar abraçados.

— Isso é bom para nós. Mas e as crianças?

Ela olha para mim, olhos verdes arregalados.

— Você quer filhos? — Ela pergunta, baixinho.

Eu nunca fiz isso antes. Mas com Nessa, eu quero tudo.


Quero todas as experiências que a vida tem a oferecer,
contanto que seja com ela.

— Eu posso esperar, — eu digo a ela. — Mas sim,


eventualmente.

— Eu também quero isso, — diz ela.

— Você tem certeza? — Eu sorrio. — Você sabe que


gêmeos são hereditários.

Ela ri.

— Nada com você é simples, não é?


— Não, — eu digo. — Realmente não é.

Para nossa lua de mel, planejei levá-la a Agra, para ver o


Taj Mahal. Mas Nessa quer ir para Varsóvia em vez disso.

— Eu quero ver onde você cresceu.

— É feio, — digo a ela. — E perigoso.

— A cidade inteira não é feia! — Nessa protesta. —


Existem palácios, parques e museus...

— Como você sabe?

— Eu pesquisei no Trip Advisor!!

Eu balanço minha cabeça, sorrindo para o otimismo


infinito de Nessa. Ela sempre encontra as partes bonitas de
qualquer coisa. Por que Varsóvia seria diferente?

— Vamos! — Ela me persuade. — Eu realmente quero ver


isso. E eu falo polonês agora...

— Um pouco.

— O que você quer dizer com 'um pouco?'

— Ehhh... — Eu encolho os ombros.

Ela coloca as mãos nos quadris, franzindo a testa para


mim.

— Quão bom é o meu polonês? Diga-me a verdade.


Não quero magoá-la, mas também não quero mentir para
ela.

— É tão bom quanto uma criança da quarta série, — digo


a ela.

— O que! — Ela grita.

— Uma criança inteligente da quarta série, — apresso-me


a acrescentar.

— Isso não é nada melhor!

— Está um pouco melhor. — Eu digo. — É uma


linguagem muito difícil.

— Quanto tempo você demorou para aprender inglês?

— Talvez uma semana, — eu digo. Isso não é verdade,


mas ela sabe que estou brincando com ela.

Ela tenta me dar um tapa brincalhão. Sou muito rápido –


pego a mão dela e beijo sua palma.

— Vamos para a Polônia ou não? — Ela exige.

Eu a beijo novamente, desta vez na boca.

— Você sabe que vou te levar a qualquer lugar que você


quiser, Nessa.
34

É o dia do meu casamento.

Você imagina aquele dia desde quando é uma garotinha.


Você imagina quais cores usará, como serão suas
lembrancinhas. Você planeja nos mínimos detalhes.

Agora que está aqui, não dou a mínima para nada disso.

A única coisa que estou imaginando é o homem


esperando por mim no altar.

Já estou ligada a ele, mente, corpo e alma. Tudo o que


resta a fazer é dizer as palavras em voz alta.

Minha mãe me ajuda a me arrumar de manhã. Ela tenta


fazer uma cara alegre, mas posso dizer que ela ainda está
preocupada com tudo isso.

— Você é tão jovem, — ela diz mais de uma vez.

— Vovó era mais jovem do que eu quando se casou, — eu


a lembro, levantando minha mão esquerda com seu adorável
anel antigo.

— Eu sei, — minha mãe suspira.


Minha avó era o bebê de sua família, assim como eu. Ela
era rica, mimada e tacitamente prometida a um banqueiro
vinte anos mais velho que ela. Então ela furou o pneu da
bicicleta, andando pelo calçadão. Foi até a oficina mais
próxima. Um jovem saiu de baixo de um carro – bagunçado,
suado, vestido com macacão e coberto de graxa.

Esse era meu avô. Eles escapavam para se ver sempre


que podiam. Ela disse que a primeira vez que se encontraram
no parque, ela nem tinha certeza de que era ele, porque ela
dificilmente o reconheceu bem esfregado.

Eventualmente, eles foram pegos, e seu pai jurou cortá-


la sem um centavo se ela visse aquele menino novamente. Eles
fugiram juntos na noite seguinte. O anel que ela usou no dia
do casamento era apenas uma faixa barata banhada a níquel.
Meu avô comprou o diamante para ela dez anos depois, depois
que se tornou um executor dos Callaghans.

Minha avó nunca mais falou com seus pais.

Minha mãe sabe disso. É por isso que ela me deu o anel,
no final. Ela não quer que a mesma coisa aconteça conosco.

Ela me beija suavemente na testa.

— Você está linda, Nessa, — diz ela.

Riona me traz meu buquê de rosas brancas. Eu não me


preocupei com as damas de honra, então ela está usando seu
estilo usual de vestido de bainha – apertado e liso, como uma
armadura. Seu cabelo ruivo está solto e brilhante em volta dos
ombros.

— Gosto quando você usa o cabelo assim, — digo a ela.

— Odeio quando está na minha cara, — diz ela. — Mas


eu queria estar bonita hoje.

Ela coloca as rosas ao meu lado na penteadeira.

— Quando seu novo balé será feito? — Ela me pergunta.

— Mais alguns meses, — eu digo.

— É outro conto de fadas?

— Eu não sei, — eu rio. — Não sei o que é ainda. Estou


experimentando.

— Isso é bom, — diz Riona, assentindo. — Admiro isso.

— Você admira? — Eu digo, surpresa.

— Sim, — ela diz. — Você está encontrando seu próprio


caminho. Isso é uma coisa boa.

— Riona, — digo, sentindo uma pontada de culpa. — Você


não queria o anel da vovó?

— Não, — ela franze a testa. — Eu te disse – eu nunca


vou me casar.

— Como você pode ter certeza?

Ela balança a cabeça.


— Eu sei como eu sou. Eu não sou romântica. E eu mal
consigo viver com minha própria família.

— Nunca se sabe, — digo a ela. — Você pode se


surpreender com quem chamar sua atenção algum dia.

Riona balança a cabeça para mim.

— Você pensa isso porque você é uma romântica, — diz


ela.

Aida vem me visitar por último, trazendo um par de seus


sapatos – os que ela usou em seu próprio casamento, nem
mesmo um ano atrás. Parece outra vida.

— Aí está, — ela diz. Ela olha meu anel, meu buquê e os


sapatos. — Agora você tem algo antigo e algo novo, algo
emprestado e... você tem algo azul?

Eu coro.

— Minha calcinha é azul, — digo a ela.

Ela ri. — Perfeito!

Ela me ajuda a calçar os sapatos e afivelá-los. É difícil


para mim me curvar totalmente com o vestido. É branco
brilhante, com mangas justas de renda transparente, costas
abertas e saia cheia de tule. Quando me olho no espelho, vejo
uma mulher adulta pela primeira vez. Eu vejo quem eu deveria
ser.

— Meus pais não estão muito felizes, — digo à Aida.


Ela encolhe os ombros.

— Eles também não ficaram felizes no dia do meu


casamento.

— Pelo menos foi ideia deles.

— Não importa, — Aida diz, ferozmente. — Cal e eu nos


odiávamos. Você e Miko são loucos um pelo outro. Tudo o que
importa é paixão. Um casamento estrangula e morre em
apatia. A paixão o mantém vivo.

— Então você não acha que eles eram casamenteiros


brilhantes? — Eu a provoco.

— De jeito nenhum! — Aida ri. — Foi pura sorte não


termos nos assassinado. Não dê muito crédito aos seus pais.

Eu sorrio. — Eu não estou ficando com medo. Nunca tive


mais certeza de nada.

— Eu sei, — diz Aida, me abraçando. — Vamos. Cal está


com seu casaco.

Atravesso o andar principal em direção à porta dos


fundos.

Estamos na casa de Mikolaj. Nós vamos nos casar no


jardim dele. Não importa que seja fevereiro – eu não poderia
me casar com ele em qualquer lugar, exceto aqui, sob os galhos
escuros e nus, sob um céu aberto.
Meu irmão envolve o manto branco grosso em volta dos
meus ombros. Ele fica atrás de mim, tão longo quanto a cauda
do meu vestido.

Saio para o jardim e atravesso a grama.

Não sinto frio nenhum. A neve está caindo, espessa e


macia. Isso torna o jardim totalmente silencioso, abafando
quaisquer sons vindos de fora dos altos muros de pedra.

Minha família está esperando por mim, junto com uma


dúzia de homens de Mikolaj. Vejo Klara parada ao lado de
Marcel, sorrindo animadamente. Ela está usando o vestido
preto do sótão, por baixo de um casaco longo, e está
absolutamente linda.

Mikolaj espera por mim sob o arco de uma treliça vazia.


Ele está vestindo um terno preto simples, seu cabelo penteado
para trás. Ele parece magro e austero, e impossivelmente
bonito. Meu coração bate como um pássaro ao vê-lo.

Assim que o alcanço, ele pega minhas mãos.

Não há padre ou ministro. Meus pais odeiam que não


estejamos fazendo isso em uma Igreja Católica, mas Miko não
é religioso, e não quero que ninguém faça nossos votos além
de nós. Mikolaj e eu vamos nos casar porque queremos, por
nenhuma outra razão e sob a autoridade de ninguém.

Miko segura minhas mãos com força e olha nos meus


olhos.
— Nessa, vou te amar cada segundo da minha vida. Eu
vou te amar exatamente pelo que você é e tudo o que você se
tornar. Tudo o que você quiser, eu farei acontecer para você.
Eu nunca vou te segurar. Sempre direi a verdade. Vou mantê-
la segura e feliz, a qualquer custo.

Engulo em seco, sem saber se posso me fazer falar. Minha


garganta está apertada de tanta emoção.

— Mikolaj, eu te amo de todo meu coração. Eu prometo,


você será o único homem no mundo para mim. Serei sua
amante e sua melhor amiga. Faremos as coisas difíceis e
divertidas. Faremos nossas escolhas juntos, para o bem de nós
dois. Sempre colocarei você antes de qualquer coisa, para que
nada possa se interpor entre nós.

Dou uma última olhada rápida para meus pais. Estou


deixando de lado sua aprovação, sua influência. Eu quis dizer
o que disse – Mikolaj é minha prioridade agora.

Ainda assim, estou feliz em ver que eles estão sorrindo


para mim, pelo menos um pouco. Eles querem que eu seja feliz.

Eu olho de volta para Mikolaj e estou feliz. Totalmente e


completamente.

Ele me puxa para um beijo e o resto do mundo


desaparece.

Estamos criando um novo mundo agora, conosco no


centro.

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