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SINOPSE
VARSÓVIA, POLÓNIA
1 Iguaria polonesa, massa crocante que derrete na boca, são fritas e polvilhadas com açúcar.
Nosso pai tinha um bom emprego na Huta Warszawa
Steel Works. Ele era técnico de manutenção, trazendo para
casa um salário de quase seis mil zlotys2 por mês. O suficiente
para nos manter com sapatos novos, com uma geladeira cheia.
Até que ele foi cozido como uma lagosta em uma panela
enquanto trabalhava em um alto-forno. Ele não está morto.
Apenas tão queimado que mal consegue apertar os botões do
controle remoto enquanto assiste televisão o dia todo,
enfurnado em seu quarto.
Nossa mãe foi embora. Ouvi dizer que ela se casou com
um contador e se mudou para Cracóvia. Eu não tenho notícias
dela desde então.
2 Moeda polonesa.
Os viciados adormecem em pilhas de trapos, injetando-se com
krokodil3 russo apodrecendo.
Não há resposta.
— Isso é bom.
Uma vez que seu corpo está fora do caminho, percebo que
sua namorada estava parada diretamente atrás dele. Ela é
baixa, loira e curvilínea, usando lingerie de renda barata. Ela
leva a mão à boca, prestes a gritar.
— Dezesseis, — eu respondo.
— Sim.
4 O açougueiro
— Sim, — digo sem vacilar.
— Ninguém.
Agora ele parece zangado. Ele dirige sua fúria contra seus
próprios homens. Ele diz: — Um ajudante de garçom perseguiu
e matou dois dos meus soldados, sozinho?
— Sim. — Eu concordo.
— Por quê?
CHICAGO
— Não, — eu digo.
— Absoluta.
Eu hesito.
CHICAGO
6 Departamento de Justiça.
Antes que pudéssemos contra-atacar, os Gallo formaram
uma aliança inesperada com os Griffin, a realeza da máfia
irlandesa no auge do crime em Chicago. Os Gallo casaram sua
única filha com Callum, o único filho dos Griffin.
— Bom. — Eu concordo.
— Espere, — eu respondo.
Então, algo que Jonas nem mesmo pegou: Chaz tem uma
garrafa de Crown Royal que ele escondeu no prédio. É uma
bebida de primeira, dezoito dólares a dose. Toda vez que um
cliente pede, Chaz serve de sua própria garrafa que ele colocou
na prateleira no lugar da minha bebida. Em seguida, ele pega
todo o pagamento e o joga diretamente em seu pote de gorjetas.
— E quanto a Chaz?
Eu faço uma pausa. Estava ansioso para ver o rosto
daquele filho da puta nojento quando ele percebesse que foi
pego. Seu sorriso presunçoso desapareceria, substituído por
medo, então terror abjeto. Eu o faria implorar, suplicar e se
mijar antes de tirar meu pagamento de sua pele.
9 É uma canção do grupo de rap Digital Underground de seu álbum de estreia Sex Packets.
10 Movimento de dança com os ombros e os punhos se movendo em sincronia em um movimento
circular fluido.
11 É uma dança rápida de vários passos que incorpora movimentos populares.
Triangle12. Marnie tenta convencer o DJ a tocar Lizzo, mas ele
diz que não tem permissão, tem que seguir seu roteiro.
— Oh.
12 Movimento de dança que requer três participantes, dançando em sincronia, daí o nome triângulo.
Agora me sinto pior do que nunca. Meu trabalho é
realmente tão ruim que Jackson pensou que eu simplesmente
não merecia crédito? Mas se for esse o caso, por que ele o usou
no show?
Tudo que sei é que é lindo. Ela parece sem esforço, sem
peso, como uma folha ao vento.
A única coisa que não amo é como minha irmã fica mal-
humorada logo de manhã.
Minha irmã ficaria linda se ela sorrisse. Ela tem pele como
mármore, lindos olhos verdes e lábios tão vermelhos quanto
seu cabelo. Infelizmente, tem o temperamento de um pit bull.
E não é um bom pit bull – o tipo que é treinado para ir direto
para a garganta em cada encontro.
— Você sabe que temos uma empresa de investimento?
— Ela diz.
— Sim.
Não.
Ela não diz isso, mas o adendo tácito é que eu não tenho
um emprego no império Griffin.
— Sim.
Não.
Talvez ele esteja certo. Como posso fazer uma grande arte
quando quase não experimentei nada? Fui protegida e mimada
minha vida inteira. A arte vem do sofrimento – ou, pelo menos,
da aventura. Jack London teve que ir para o Klondike e perder
todos os dentes da frente para o escorbuto antes de poder
escrever The Call of the Wild.
— Bem aqui.
Ela terá toda a ala leste para si. Jonas tem seus
aposentos no térreo, assim como Andrei e Marcel. Eu fico na
ala oeste.
Eu fui sequestrada!
Agora mesmo.
Por fim, chego a uma escada larga e curva que desce para
o nível inferior. Olho para baixo, mas não vejo nenhuma luz
nessa direção. Deus, é desorientador andar por um lugar
estranho no escuro. Estou perdendo meu senso de tempo e
direção. Cada som parece amplificado, mas isso só me
confunde mais. Não sei dizer se os rangidos e gemidos que
ouço são de uma pessoa ou apenas dos rangidos da casa.
Eu o reconheço imediatamente.
Ou assim pensei.
Tento falar com ela, mas não acho que fale inglês. Ou
talvez ela apenas tenha sido instruída a não me responder.
Uma ou duas vezes ela me lança um olhar solidário,
principalmente quando fico mais desgrenhada e irada, mas
não tenho ilusões de que ela vai me ajudar. Por que ela deveria
arriscar seu trabalho por uma estranha?
Isso me cansa. Mas tudo bem. Não tenho nada para fazer
neste maldito quarto de qualquer maneira. Não existem livros.
Nenhum papel na escrivaninha. A única maneira de passar
meu tempo é olhando pela janela.
— Klara? — Eu digo.
Ela concorda.
Klara não responde, mas acho que vejo o mais ínfimo dos
sorrisos puxando seus lábios. Se ela me entende, então
definitivamente concorda.
Mikolaj vê isso.
Eu engulo em seco.
Ai meu deus.
Não quero ceder a ele. Mas não sei o que mais posso fazer.
Ele me colocou em uma armadilha. Cada movimento que faço
apenas aperta o laço.
Mikolaj ri.
— Solte-me! — Eu estalo.
Não quero ficar aqui com ele, mas não quero ser mandada
para a cama. Não quero ficar trancada lá de novo, entediada e
sozinha. Por mais que eu despreze Beast, esta é a conversa
mais longa que tive em toda a semana.
Eu imagino.
Estou curioso para ver para onde ela irá, o que fará.
Fiquei entediado de vê-la dentro de seu quarto.
Agora ela está olhando para mim. Agora ela está me vendo
– com repulsa completa.
— Sabe, você deveria ser mais legal comigo, — ela diz com
raiva. — Eu recebo muitas ofertas de outros caras. E de outros
bares também.
— O que!?
Seu dinheiro.
Sua vida.
Ele vai pagar tudo e ainda não vai ter Nessa de volta.
Ele me apavora.
Ele me odeia. Isso explode em seu rosto, toda vez que olha
para mim.
É patético.
É doentio.
— Rozumiem. — Compreendo.
Ou eu poderia escapar.
Não acho que Jonas seria tão cortês. Ele parece gostar de
me assediar quase tanto quanto seu chefe.
Assim que ele passa, encontro o caminho de volta para o
conservatório envidraçado. Faz muito mais calor durante o dia
do que à noite. Ainda assim, minha pele parece gelada quando
passo pelo banco onde Mikolaj estava sentado. Está vazio
agora. Estou sozinha, a menos que ele esteja escondido em
algum outro lugar em todas essas plantas.
Meu irmão Callum sabe como lutar, como atirar com uma
arma. Ele foi ensinado a ser um líder, um planejador, um
executor.
Ele olha para mim até que eu encolho sob seu olhar.
Então fica entediado e se afasta de mim.
Sem pensar, grito: — Não acho que seu pai fosse muito
modelo! Cortando o dedo do próprio filho!
Tão previsível.
A inscrição diz:
Inez Clark
1873-1880
Ao Brincar na Chuva
É o que eu esperava.
Ela sorri.
Klara remexe nas caixas. Espero que ela saiba o que está
procurando, porque poderíamos passar cem anos aqui sem
chegar ao fim de tudo. Vejo vestidos de noiva amarelados,
pilhas de fotos antigas, cobertores de bebê feitos à mão,
sapatos de couro surrados.
Há uma caixa inteira de vestidos da década de 1920, com
contas, penas e drapeados. Eles devem valer uma fortuna para
a pessoa certa. Parecem que deveriam ser exibidos em um
museu.
Ainda assim, ela vai cada vez mais rápido, saltando pelo
chão, descendo, rolando e pulando novamente.
Ela está praticando. Não, isso não está certo – ela está
criando algo. Refinando-o.
Desta vez ela está fazendo uma parte diferente. Desta vez,
ela é a caçadora, perseguindo a figura invisível pelo palco. Era
para ser um dueto – mas porque ela é a única aqui, está
representando as duas partes.
Ela olha para cima e me vê. Seu corpo fica rígido e sua
mão voa até a boca.
— O que?
— Um balé.
Isso me faz querer cortar fora suas bolas, cada uma delas.
Uma gota de suor desce por seu rosto, segue pelo lado da
garganta e passa pelo esterno, desaparecendo no espaço entre
os seios.
E esse orgasmo...
Ela pode ter escolhido, mas não acho que ela pagou por
isso. Não que eu quisesse – duvido que ela ganhe muito
dinheiro. Mas a alternativa é pior. Mikolaj disse a ela para
conseguir tudo isso? Porque eu deixei ele me beijar?
— Sim, — eu respondo.
Suponho que foi assim que ele acertou Tymon com três
tiros no peito. A prática leva à perfeição.
— Miller?
— Não, — eu digo.
Ela hesita. Há algo que ela quer. Ela está com medo de
me perguntar.
— Agora que você mencionou o sótão, — ela diz, — tem
um vestido lá em cima...
— Da kat... o quê?
Mas ela não tem intenção de dizer mais nada. Seu rosto
está pálido e assustado mais uma vez. Ela vê que me ofendeu,
sem saber por quê.
— É um show completo?
— Sim.
E genuinamente gentil.
— Nada, — eu digo.
Afaste-se dela.
— Tak, Szefie, — Jonas diz, com uma pequena inclinação
de sua cabeça. Sim, chefe.
Mas quando ele sai é ainda pior, porque sei que ele está
fazendo algo horrível, provavelmente para as pessoas que mais
amo.
Eu sabia.
É por isso que ele estava com raiva. Para homens brutais,
o amor é um risco. Eu descobri sua fraqueza.
Kurwa,
Ele tem que morrer, ou pelo menos ele tem que ser
cortado pelos joelhos, rebaixado em humildade abjeta. Eu o
conheço – sei que ele nunca aceitará isso. Eu vi seu rosto
quando Tymon enfiou a faca na lateral de Callum. Não houve
um sinal de rendição.
Eu atendo.
Kristoff ri baixinho.
— Dizem que Zajac era seu pai, — diz Kristoff. — Você era
seu filho legítimo?
— Está certo.
— Quando? — Eu digo.
— Amanhã à noite.
— Onde?
— Ótimo.
— Você acha que isso foi o melhor que eles podiam fazer?
Foi fraco pra caralho. Por que você acha que eles não
bombardearam esta casa?
28Conjunto de líquidos inflamáveis à base de gasolina gelificada, utilizados como armamento militar
incendiário convencional.
Afundo a bola oito sem nem olhar. Marcel dá uma
risadinha, e Jonas agarra seu taco de sinuca com tanta força
que seu braço treme. Parece que ele quer partir em dois.
— FORA! — Eu rujo.
Ainda assim, ela tem outra coisa vindo se pensa que vai
mandar em mim na minha própria casa, na frente dos meus
próprios homens. Ela não dá ordens aqui. Eu faço. Eu sou o
mestre. Ela é a cativa.
Nessa parece que está debaixo d'água. Sua pele está mais
pálida do que nunca. Ela fica na minha frente e começa a
balançar com a música.
Eu preciso de barulho
Ela olha para mim mais uma vez, nervosa e com os olhos
arregalados.
Não quero que ela faça isso porque está com medo,
porque está tentando me convencer a não machucar seu
irmão.
Eu queria ELE.
Até agora.
Por quê?!
Eu nunca o vi assim.
Agora meu coração está doendo, e não sei por quê. Por
que eu deveria ter simpatia por Beast?
Então ele desce ainda mais, até o meio das minhas coxas.
Acho que ele está tão perdido quanto eu. Ele não sabe o
que fazer.
— Está certo.
Por isso, fico olhando em silêncio para Klara até ela parar
de falar, mordendo o lábio e enxugando as mãos molhadas
convulsivamente no avental.
— Eu nunca!
Jonas pega a mão dela para que ela possa pegar a saia e
entrar sem sujar o vestido. Estou irritado por ele estar tocando
nela. Estou irritado por ela permitir.
Não consigo olhar para ela. Eu não posso nem dar a ela o
menor sinal de simpatia.
Ele nos leva para sua sala de jantar formal, onde a mesa
está cheia de comida. Kristoff se senta em um lado da mesa,
junto com três de seus principais tenentes. Sento-me do outro
lado, com Nessa ao meu lado e Jonas e Marcel em cada
extremidade.
Nessa está pálida e silenciosa, sem vontade de tocar na
comida.
— Não, — eu digo.
— Tenha cuidado, — Kristoff diz suavemente. — Lembre-
se de quem é seu amigo nesta sala e de quem é seu inimigo.
Seus olhos estão frios. Ele olha para Nessa – não com
luxúria desta vez, mas com ressentimento.
— Bem aqui?
— Sim.
— Você me promete?
Ela olha para mim com aqueles olhos verdes claros, sem
um traço de mentira neles.
Aceno rigidamente.
— Eu não...
Outra batida de sua cabeça contra a parede e Jackson
grita: — Tudo bem, tudo bem! Ela trabalhou no programa.
— Como?!
— Mas... mas...
— O que?
Ele se encolhe.
31Disputa em que todos sacam suas armas e apontam uns para os outros, onde quem atira primeiro
tem a vantagem. Muito visto em filmes de faroeste.
E, do nada, ele nos levou até o Yard. Eu nem pensei sobre
Bliss estar lá. Eu quase tinha esquecido que o show existia,
vivendo no estranho mundo de fantasia da mansão de Mikolaj.
Mas quando vi Marnie e Serena no palco, soube exatamente
onde estávamos.
— Quem? — Eu exijo.
— Aquele diretor.
— Sim.
— Por quê?
Estou pasma.
Mikolaj quebrou o braço de Jackson... por mim. É o favor
mais estranho que alguém já fez por mim.
— Oh, — eu digo.
— De que?
— De você, Nessa.
— Sim.
Cada vez que Mikolaj fala comigo, cada vez que olha para
mim, ele está jogando um pequeno fio de seda de aranha em
volta de mim. Cada um é tão fino e leve que não os noto.
Quando dançamos juntos, quando ele me beija. Quando ele
olha na minha direção...
Tudo o que aconteceu até agora entre nós foi por acidente.
Acho que ele não queria essa conexão entre nós mais do
que eu. Aconteceu do mesmo jeito. É real. Eu não acho que
poderia cortá-la se quisesse.
Eu já sei a verdade.
Todo esse tempo ele ficou olhando nos meus olhos, sem
piscar, infinitamente paciente. Esperando que eu faça minha
escolha.
— Eu sei, — eu digo.
Não vejo Mikolaj, mas acho que ele ainda está lá dentro.
Desço correndo as escadas, descalça. Tenho certeza de
que meu cabelo está uma bagunça e não escovei os dentes.
Não me importo. Eu preciso falar com ele.
— Não, — eu digo.
Mikolaj suspira.
— Você não vai precisar mais disso. Você vai para casa
hoje, — diz Mikolaj.
Não sei se estou feliz. Eu sei que deveria, mas tudo que
pareço sentir é uma confusão doentia.
— Sobre o que?
— Não.
É por isso que seus homens estão com raiva. Ele está
desistindo de sua parte de barganha e não recebe nada em
troca.
Sua voz está baixa e seu corpo está tenso. Percebo que,
independentemente do que Klara diga, ela está assustada. Ela
também não sabe o que vai acontecer.
— PARE O CARRO!
Eu não me importo.
Ela irá para casa com sua mãe e pai, irmã e irmão. Eles
a envolverão em seus braços, lágrimas serão derramadas,
alegria compartilhada. Ela ficará feliz e aliviada. E o que
aconteceu aqui entre nós vai começar a parecer uma loucura
para ela. Será como um sonho febril – real no momento, mas
desaparecendo à luz do dia.
— Não.
— Claro que você vai. É por isso que você é o chefe, — diz
Jonas. Ele sorri. Jonas sempre sorri, não importa seu humor.
Ele tem sorrisos de raiva, sorrisos de zombaria e sorrisos de
engano. Este é difícil de ler. Quase parece triste.
— Não!
Klara tira uma pistola do bolso do avental. Com as mãos
trêmulas, ela aponta para Jonas.
— O que? Eu...
E eu o escolhi também.
Não sei como seria um futuro com Mikolaj. Ele tem uma
escuridão dentro dele que me apavora. Eu sei que ele fez coisas
horríveis. E seu ressentimento em relação à minha família
ainda está queimando.
— Sobre o que?
Eu posso dizer que é difícil para ele falar, porque ele ainda
está muito esgotado. Mas ele está determinado a ter certeza de
que eu entendo o perigo.
— Amo você.
— Sim.
— Nem eu, — digo com uma risada curta. Acho que provei
isso hoje, se nada mais.
Nem eu.
— Em carne.
Jonas sabe que estou ferido. Ele sabe que tem vantagem.
Sebastian dá de ombros.
Kristoff ri baixinho.
— Então, a pequena Nessa Griffin colocou a coleira em
seu pescoço, em vez disso.
Eu solto Mikolaj.
Ela está parada na porta, olhando para nós com uma
expressão horrorizada.
Mikolaj me segue.
Assim que Klara vê Marcel, ela corre até ele. Ela o beija,
assim como eu fiz com Mikolaj. Quando Marcel supera sua
surpresa, ele a pega e a beija com mais força, antes de colocá-
la no chão novamente.
— O que quer que você tenha feito com ela, — minha mãe
grita para Mikolaj, — ainda assim você mexeu com a cabeça
dela...
— Eu o amo, — eu digo.
— Sim, — eu digo.
— Miko...
Ele aperta minha mão, silenciosamente me pedindo para
ser paciente.
Ele está tão exausto que sua voz sai rouca. Mesmo assim,
sua sinceridade é inegável. Até meus pais podem ouvir. Sem
querer, sua raiva desaparece. Eles trocam olhares ansiosos.
Ele sabe que a casa dos meus pais não é mais minha
casa.
33Criança trocada, no folclore europeu significa a troca secretamente de uma prole de fada ou troll
por uma criança humana.
madrugada. Quando ela viu a mensagem dos meus pais,
abandonou suas pastas e veio correndo para casa, abraçando-
me por cerca de dez vezes a quantidade que ela já tinha me
abraçado antes. Eu poderia até ter visto a menor lágrima em
seus olhos, embora ela nunca tivesse deixado uma cair.
Desde então, ela foi ao Lake City Ballet várias vezes para
almoçar comigo, algo que ela nunca se preocupou em fazer
antes. Nunca costumávamos passar muito tempo juntas,
então ela não espera que eu me comporte de uma maneira
particular. Ela apenas pergunta como está indo o balé e se
temos uma data marcada para a primeira apresentação. Ela
me pergunta qual música estou usando e faz uma lista de
reprodução com as músicas para ouvir no caminho para o
trabalho. Ela até reserva pedicure para nós duas nas manhãs
de sábado, para aliviar meus pés doloridos, embora eu possa
dizer que está matando-a ficar sentada ali por quarenta
minutos inteiros sem verificar seu e-mail.
— Não, — eu digo.
Imogen sorri.
— Dancei dança salão com meu irmão Angus, — diz ela.
— Nós pensamos que era tão embaraçoso estarmos juntos.
Nunca ganhamos nenhum prêmio.
— Levemente embriagado.
— Completamente bêbado.
O balé continua.
É véspera de Natal.
Eu rio.
— Percebi.
Ela ri.
— Um pouco.
Agora que está aqui, não dou a mínima para nada disso.
Minha mãe sabe disso. É por isso que ela me deu o anel,
no final. Ela não quer que a mesma coisa aconteça conosco.
Eu coro.