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DOMINGO DE PÁSCOA (Jo 20, 1-8)

A RESSURREIÇÃO DO SENHOR
(Pe. Ignácio dos padres escolápios)

INTRODUÇÃO: Dos quatro evangelhos canônicos que a tradição identifica com Marcos, Mateus,
Lucas e João, somente este último autor foi testemunha ocular (19, 35) que escreveu afirmando
a verdade de seu testemunho (21, 24). Isso indica que ele esteve lá como testigo de vista. Mas
também seu testemunho poderia ser como ouvinte indireto, pois logicamente não ouviu as
palavras entre Jesus e Pedro. Daí sua autoridade e importância como ouvinte de uma tradição
imediata, reconhecida. É precisamente o que aconteceu com Marcos e Mateus(Lc 1,2). Lucas se
apresenta como o investigador e ordenador dos fatos narrados por testemunhas oculares e
espalhados por ministros [oficiais] da Palavra.(Lc 1, 20). Se Marcos, Mateus e Lucas não são as
testemunhas oculares do quarto evangelho, sim são testemunhas oficiais de uma tradição que
pode ter muitas lacunas e até importantes deficiências como todo relato humano de segunda
mão; mas temos a certeza de que os fatos não são inventados. Disso deduzimos que as
conclusões são importantíssimas porque são de testemunhas auriculares nos quais a
primitiva Igreja acreditava e eram fatos reais aqueles em que essa fé estava fundamentada. Há
dentro dessas narrações, interpretações que dependem do ambiente e das tradições do antigo
Israel que se fundam tanto na Torah [lei escrita] como na Mishná[lei falada]. Por isso
escolhemos como linha essencial o evangelho de João. A única testemunha ocular e auricular
dos fatos do Domingo da Ressurreição.
DIA: Todos os evangelistas estão de acordo em que era o primeiro dia seguinte ao sábado [te
mia ton sabbaton] A tradução literal seria no un [dia entendido] da semana. Na realidade mia
significa uma [dia é feminino em grego] e está implícita a palavra emera [dia], sendo possível a
tradução primeira no lugar de uma; ou seja, o grego usa o numeral [um] pelo cardinal
[primeiro]. Semana é a tradução de sabbaton dos sábados em plural. Não existe, pois,
dificuldade em traduzir: no primeiro dia da semana.
HORA: De manhã,ainda estando às escuras, diz João. Marcos dirá muito cedo, quando o sol
estava saído, o que parece uma contradição. Lucas fala de uma alvorada profunda que o latim
traduz por ao primeiro romper do dia. Unicamente Mateus discorda e assim podemos ler: Depois
do sábado, no alvorecer do primeiro [dia] do sábado. O advérbio Opsé significa depois, muito
tempo após, tarde no dia, no fim. O latim da vulgata serviu para confundir, traduzindo vespere
autem sabbati: na tarde do sábado; porque véspera significa a tarde do dia. As vésperas são as
orações que se recitam na tarde do dia, mas sempre ao redor das cinco da tarde. Porém hoje
todas as traduções dizem: passado o sábado. Logo todos coincidem no dia. E na hora.
AS MULHERES: Marcos fala de Maria, a Madalena, Maria de Jacó e Salomé (16, 1). Mateus
de Maria, a Madalena e a outra Maria (28, 1), expressão repetida de 27, 61. Sabemos que essa
outra era a mãe de Tiago e de José (27, 56), os chamados irmãos de Jesus(Mt 13, 55). Para
Lucas são muitas as mulheres; além da Madalena e Maria de Jacó, estava Joana e as demais
mulheres com elas ( 24, 10). Evidentemente Lucas está se referindo às mulheres que
acompanhavam Jesus com suas posses como diz em 8, 3: Joana, mulher de Cuza, o procurador
de Herodes, Susana e várias outras. Como vemos, eram ricas e nada diz das que eram parentes
de Jesus como Maria de Jacó ou parentes dos discípulos como Salomé, a mãe dos filhos de
Zebedeu que era ao mesmo tempo parente de Jesus. Já João fala unicamente de Maria, a
Madalena, porque provavelmente seja a única que viu o Senhor ressuscitado (Jo 20, 117),
embora a outras tinham visto os anjos.(Lc 24, 23) e também porque ele afirma no seu
evangelho que narra como testemunha os fatos que escreve. Só com a Madalena ele teve
contato e por isso despreza, ou melhor não pode contar fatos dos quais ele não foi testemunha.
Assim podemos compaginar a singeleza da Madalena em João com a pluralidade e a riqueza dos
detalhes dos outros evangelistas. O relato de João é pois, muito pessoal e relativo, mas
totalmente verídico.
A MADALENA: Ela está incluída em todas as listas e de modo especial recebe um trato
particular neste dia de domingo de Ressurreição. Mas quem foi na realidade Maria
Madalena? Os evangelhos falam de Maria, a Madalena [‘e Magdalene em grego]. Este apelido
sempre sai acompanhando o nome da mulher. Se fosse esposa de Jesus, como afirma o Códice
da Vinci, teriam dito Maria de Jesus assim como nomeiam a Maria mulher de Cléofas (Jo 19,
25). Mas é simplesmente Maria, a Madalena (sic). Mt 27, 56; e 28,1. Marcos 15, 40; 15, 47;16,
1 e 16, 9; Lucas 8, 2 e 24, 10 e finalmente João 19, 25; 20, 1 e 20, 18. Em todos os versículos é
Maria, a Madalena, exceto em Lc 8, 2 em que o evangelista explica Maria a chamada Madalena.
Pelo seu nome podemos dizer que não era casada, nem tinha parentes próximos vivos, como
filhos, tal como Maria de Cléopas ou Maria mãe de Tiago e José. O seu sobrenome não era
patronímico nem familiar, mas geográfico o que indica ser uma mulher solteira ou viúva sem
filhos. Magdala [também de nome Magadã] situava-se no lugar que hoje ocupa Tariquéia, cinco
quilômetros ao norte de Tiberíades, a cidade capital de Herodes Antipas. O nome primitivo talvez
fosse Migdal-El [= torre de Deus]. A palavra Tariquéia é de origem grega e significa pesca
salgada. Contava com uma frota de 230 barcas e uma população de 40 mil habitantes; mas
parece exagerada e teremos que deduzi-la a 4 mil. Era a cidade mais importante do lago,
incluindo Tiberíades. Esta foi fundada por Herodes Antipas nos anos 18 a 22 e chegou a ser a
capital da Galiléia, substituindo a Séforis. Tinha foro, estádio, um palácio real, templo pagão e
sinagogas. Flávio Josefo a rendeu a Vespasiano. Após a guerra e queda de Jerusalém o sinédrio
residiu nela e a escola rabínica que compilou o Talmud jerosolimitano no século IV e os
massoretas, que no século VIII, vocalizaram o texto das escrituras com pontos vocálicos
chamados tiberienses. Uma exegese moderna liga Magdalena com uma palavra hebraica que
significaria perfumista. Porém no pequeno dicionário de Sprong mais do que perfume a palavra
meged e seu derivado migdanah significa coisa preciosa como uma gema ou um presente muito
caro. Segundo o Talmud [o livro mais importante do judaísmo pos-bíblico, intérprete tradicional
da Torah que compreende a Mishnã e a Guemará], Magdalena significa cabelo crespo de mulher,
embora na sua rivalidade com o cristianismo diz dela que era adúltera. Não são pois, os
evangelhos mas o Talmud que denegriu a Madalena..De todos os relatos deduzimos: Maria
Madalena era uma mulher da qual Jesus tinha expulsado sete demônios que em termos
modernos diríamos uma doença mental grave como uma loucura ou esquizofrenia. Ela
acompanhava Jesus junto com outras mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e
também Joana mulher de Cuza, mordomo de Herodes [Antipas] e Susana e outras muitas as
quais o serviam com suas posses (Lc 8, 2-3). Joana era uma mulher de mais de 50 anos e todas
as mulheres que acompanhavam Jesus tinham essa idade. Um exemplo é a própria mãe de
Jesus, Maria mãe de Tiago e José, e Salomé, a mãe dos filhos de Zebedeu que estavam com a
Madalena ao pé da cruz, como diz Mateus (27, 56). A Madalena era amiga de Maria, a mãe de
Tiago e José, e é de supor da mesma idade, ou seja conforme diz Paulo em 1 Tm 5, 9 das
mulheres inscritas no grupo das viúvas com não menos de sessenta anos Era Maria Madalena
uma pecadora ou a pecadora de Lc 7, 36-50? É difícil admiti-lo pois, após narrar o caso da
pecadora em casa de Simão, no seguinte capítulo, Lucas (8,2) fala de Maria Madalena sem
indicar que se trata da mesma pessoa. Ser ou estar possessa não é o mesmo que ser pecadora.
E como alguns intérpretes afirmam, a palavra pecadora em Lucas significa mulher pagã ou
mulher judia,casada com um pagão, muito mais do que mulher pública. Tampouco se pode
identificá-la com Maria de Betânia pois o evangelho de João distingue perfeitamente ambas
pessoas. A nossa Maria tem o nome de a Madalena do lugar da Galiléia, ou a perfumista caso se
admita o apelido; mas a Galiléia está no norte e Betânia é uma vila da Judéia, no Sul. Por outra
parte Maria, a de Betânia, é chamada de irmã de Lázaro ou irmã de Marta. Poderíamos confundir
a pecadora de Lucas 7, 36-50 com Maria de Betânia, porque ambas ungem os pés de Jesus com
perfume e secam com seus cabelos. Parece que era um costume aceitado na época. A mulher,
no caso da pecadora na casa de Simão, teve lugar na Galiléia e os convivas eram fariseus. O
próprio Simão a considera como pecadora e desconhecida de Jesus. Isso seria impossível para
Maria de Betânia que é rodeada de amigos, que entram na casa onde estava sentada e a
acompanham na dor. Pelo contrário Maria fez a unção na Judéia em casa do Simão, o leproso,
em Betânia com os discípulos como convivas e o aparente desperdício do rico nardo poucos dias
antes da morte de Jesus. E Jesus não só a conhecia bem como era amigo de todos os seus
familiares. Este fato da unção em Betânia, narrado por Mateus e Marcos, sem indicar o nome da
mulher, tem alguns detalhes diferentes do descrito por João, como o de que o perfume foi
derramado na cabeça de Jesus. Lucas fala de uma pecadora em casa de Simão e coincide com
João em notar que ela ungiu os pés do Mestre. Ao máximo poderíamos deduzir que Maria de
Betânia, a de João, era a pecadora de Lucas. Porém isto está fora de cogitação porque o mesmo
Lucas fala de Maria de Betânia em 10, 39-42 sem falar da identidade das duas. E a pecadora de
Lucas era uma desconhecida de Jesus, enquanto a Maria de Betânia era íntima amiga dele e dos
discípulos. O próprio João distingue em seu relato entre Maria [a de Betânia] a quem chama
simplesmente Maria em 20, 11 e 20, 16, e Maria a Madalena em 19, 25; 20, 1 e 20, 18. Os
textos evangélicos nunca identificam Maria Madalena com a pecadora ou com Maria de
Betânia. A Igreja grega celebra três festas diferentes, uma para cada mulher. A Igreja latina
antes de S. Agostinho(+430) falava de três mulheres a exceção de uma única passagem. Foi S.
Gregório Magno(590-604) que de fato identificou as três mulheres. A identificação foi muito
posterior ao concílio de Nicéia(325). Não houve pois, na Igreja primitiva intenção alguma de
sujar a imagem de Maria Madalena, como afirma também o Códice da Vinci. Era uma mulher
que, agradecida, seguia Jesus e com suas posses ajudava o colégio apostólico. Nada mais nem
nada menos podemos afirmar. A Koinonia com Jesus: De um trecho do evangelho apócrifo de
Filipe o logion [dito] 32: três eram as que caminhavam continuamente com o Senhor: sua mãe
Maria, a irmã desta e Madalena a quem se designa como companheira [koinonós]. Maria é com
efeito sua irmã, sua mãe e sua companheira. Que devemos dizer disto? Em primeiro lugar o
texto é um papiro cópia do século IV, e o original é do fim do século II ou início do século III,
bastante tardio. Segundo, a palavra koinonós tem o significado original de sócio, participante
com outro de alguma coisa, não de mulher para a que se usa a palavra gyné. Koinonós só sai
duas vezes nos evangelhos: uma com o significado de cúmplices, [os fariseus não queriam ser
cúmplices dos que mataram os antigos profetas] (Mt 23, 20). A outra em Lc 5, 10 em que fala
dos filhos de Zebedeu como sócios dos irmãos Pedro André. Um exemplo da palavra gyné:
Quem repudiar sua mulher [gyné] dirá Lucas o mais grego de todos os evangelistas em 16, 18.
Evidentemente o evangelho gnóstico não identifica A Madalena com a mulher, esposa de Jesus.
E pelo que respeita ao beijo na boca [número 55] não era um beijo carnal ou sexual mas um
beijo gnóstico pelo qual são fecundados os perfeitos e que estava em uso entre os gnósticos
valentinianos, que por meio do beijo recebiam e transmitiam a semente pneumática. Com isso
está declarada esta questão.
QUE VIRAM AS MULHERES? Todas elas viram o sepulcro aberto ou se preferimos a pedra
removida (Mc 16, 4; Mt 28, 2; Lc 24, 2 e Jo 20, 1). Sobre a pedra da entrada do sepulcro há
uma unanimidade: ela era grande e era uma roda que se rolava para tampar a boca do mesmo.
Sobre esta pedra, há duas maneiras de interpretar sua remoção: estava rolada de novo como
parece indicar Mc 16, 4, Mt 28, 2 e Lc 24, 1;[ pois todos usam o termo kylio grego] rolar no
caso apokylio . Distinguem entre pros- kylio rolar em direção a; e apo-kylio rolar aparte ou para
fora. Porém João, o único que viu o sepulcro, usa o verbo airo [levantar] como se a pedra
tivesse sido violentamente arrancada, o qual é traduzido por revolvida [port] removida[esp]
ribaltata, virada [ital] e taken away, arrancada [ingl]. Evidentemente assim se explica melhor a
passagem de Mateus que diz: O anjo do Senhor descendo do céu girou a pedra e sentou-se
sobre ela (Mt 28, 2). Caso rolasse a pedra até o lugar primitivo dentro da cavidade da rocha
seria impossível se assentar sobre ela mas se a pedra fosse lançada fora como numa explosão
desde o interior, ela ficava deitada, diante da boca do sepulcro e facilmente serviria de assento.
Optamos por esta opção que o quarto evangelista nos oferece.
O RECADO: A coisa estava feia para as mulheres. Ao ver o sepulcro aberto elas se
perguntam: Quem ou como poderia ter rolado a pedra que era pesada e um problema para as
forças de uma só pessoa? A Madalena voltou imediatamente para avisar os apóstolos de que
alguma coisa terrível tinha acontecido com o corpo do Senhor. Que ela estava acompanhada no
momento da visão da pedra removida podemos deduzir de suas palavras aos dois apóstolos:
Tiraram do sepulcro o corpo do Senhor e não conhecemos onde o colocaram. O plural indica
que ela fala em nome de todas, sem ser este o caso de um plural majestático. O sepulcro não
estava muito longe dos muros e ao máximo seria um ou dois quilômetros de distância entre o
sepulcro e o lugar onde estavam os dois apóstolos. Uma outra observação: a volta da Madalena
seria a mais rápida possível, daí que ela não estivesse presente à aparição dos anjos às outras
mulheres. Marcos (16, 5)dirá que entraram no monumento e viram um adolescente sentado à
direita [às direitas em grego]. Mateus confusamente une a aparição do anjo aos soldados com a
visão do mesmo pelas mulheres. Do relato de Mateus (28, 1-7) parece que as mulheres nem
entraram no sepulcro [foram vê-lo], mas estavam perto do mesmo quase junto aos guardas que
no momento ficaram desacordados como mortos; e então as mulheres ouviram o anúncio: Não
está aqui..ressuscitou. É um relato tão diferente que não parece provável ser historicamente
certo mas produto de uma apologética, cuja tradição Mateus redige em seu evangelho. Lucas
(24, 3-4)afirma que entraram no monumento e não encontraram o corpo do Senhor. Durante
um tempo elas ficaram sem saber o que pensar. Foi então que dois anjos se colocaram junto
delas em roupas fulgurantes. Lucas pois, admite um tempo entre a entrada no sepulcro, o
encontro do corpo desaparecido e a aparição dos anjos. Foi o tempo suficiente para que a
Madalena voltasse pedindo ajuda aos apóstolos.
A VISÃO DE PEDRO E JOÃO: Os detalhes apontam a testemunha ocular presente aos
fatos. Unicamente João fala do encontro dos panos mortuários. Totalmente crível, pois; máxime
que não narra fato sobrenatural algum que em últimas instâncias poderia ser produto de
fantasias. Tentaremos traduzir da melhor maneira possível o relato de João. João ou o discípulo
preferido por Jesus, chegou e se inclinou e sem entrar viu os panos deitados. Mas o mais
importantes é o que João declara mais adiante como testemunha ocular. Pedro entra e então
João tem uma visão mais detalhada do que tinha acontecido. Os versículos 6 e 7 têm sido
traduzidos de forma diferente. (6) Pedro entrou dentro do monumento [sepulcro] e vê os
othonia [panos de linho] keimena [postos ordenadamente]. Vamos explicar detalhadamente o
significado das palavras e depois traduzir livre, mas corretamente a frase. Entrou em aoristo. Vê
em presente,indicando um presente histórico que realça a veracidade do testemunho pessoal. O
sepulcro recebe o nome de mneméion ou seja monumento funerário, que podemos traduzir por
mausoléu, ou tumba sepulcral monumental. Uma outra palavra é othonia que o latim traduz por
linteamina [roupa de linho]. No singular pode significar qualquer pano de linho desde uma vela
de barco, um vestido e até panos mortuários. A lã era considerada imprópria para vestimentas
puras como eram as dos sacerdotes e logicamente também para cobrir os cadáveres, impedindo
que objetos de procedência animal poluíssem os mortos por contato direto. A palavra está pois,
em perfeita consonância com a relíquia que conhecemos como Santo Sudário de Turim. Mas a
palavra que tem dado lugar a maior número de polêmicas é Keimena. É o particípio de presente
da voz média do verbo Keimai que podemos traduzir por estando deitados. Podemos encontrar
dois significados diferentes desta palavra no texto grego dos evangelhos;1) Tratando-se de
coisas inanimadas keimenon [singular] significa colocados, ordenados, postos aí, como traduz
propriamente a vulgata: posita [posto, situado, colocado com certa ordem sem estar tirado].
Assim em Jo 2, 6: estavam keimenai as talhas de pedra das bodas de Caná. 2) Respeito a
pessoas significa a postura jacente, deitado, em oposição a de pé ou sentado. Um exemplo é Lc
2, 12 quando o anjo anuncia aos pastores que viriam o menino deitado na manjedoura. Assim
Mateus 28, 6 o anjo anuncia às mulheres: Vede o lugar onde jazia. No caso pois, optaremos por
o significado dispostos em ordem. Não creio que possamos traduzir por desinflados, aplanados
como disse meu antigo e queridíssimo professor de grego, hebraico e bíblia o Pe. .Balaguer
(qepd). Alude o professor a que uma cidade conquistada é também keimene ou seja arrasada,
as muralhas tendo desabado. Porém são textos evangélicos. Porém existe uma outra forma de
ver as cidades keimenai, como mortas, como um morto jaz inerte, sem vida, sem pensar em
muralhas desmoronadas. E os dois exemplos evangélicos podem ser perfeitamente traduzidos
como ordenadamente postos. Assim será nossa tradução: vê os panos mortuários depositados
ordenadamente.
O SUDÁRIO: Vejamos o significado de soudarion grego. Geralmente era o lenço próprio
para tirar o suor do corpo. Era o lenço de grande tamanho que cobria o rosto dos mortos. Ele
estava sobre sua cabeça(7). Isto indica que cobria rosto e nuca como se fosse um capuz, que
aliás era veste mandatária dos condenados à morte como diz Cícero: I lictor, colliga manus,
caput obnubito, arbore infelice suspendito. Vai, lictor, ata as mãos, tampa a cabeça,
pendura-o da árvore infeliz. Parece que os mortos de morte natural tinham um sudário que era
atado ao redor do rosto [opsis autou soudario periededeto , traduzido ao latim por fácies illius
erat ligata], como eram ligados os pés e também as mãos porém com faixas[keiriais grego].
Encontramos no mesmo evangelista duas descrições diferentes de cadáveres: Lázaro, e Jesus.
Um deles de morte natural, em que um sudário foi usado para cobrir o rosto e atado ou redor do
mesmo. No outro um sudário também foi colocado sobe a cabeça; cremos que poderia ser o
capuz. O corpo de Jesus foi envolto num lençol, segundo Lucas 23, 53 e mais explicitamente
João dirá que eram panos de linho[othonia], os mesmos que ele encontrou dispostos em ordem.
Temos uma prova de como os corpos eram sepultados ao vermos no dia de hoje os enterros dos
mortos no Oriente: Envoltos num lençol e com três ataduras. Uma no pescoço, outra nas mãos e
a terceira nos pés. Dentro desse <sarcófago> de linho teremos o rosto coberto de um lenço que
foi o que João viu ou meta ton othonion keimenon, allá khoris entetyligmenon eis ena topon. A
tradução latina é: non cum linteamínibus pósitum, sed separátim involútum in unum locum. A
tradução latina, como sempre, é literal e precisa. De ambas frases deduzimos: o sudário, que
estava [anteriormente] cobrindo a cabeça, não estava posto junto aos lençóis, mas fora [dos
mesmos], enrolado [do latim podemos traduzir tirado] a um único lugar [numa posição única]. É
esquisito que o eis ena topon seja um acusativo de movimento, que dificilmente pode ser
traduzido como estando [verbo estático] em um [outro] lugar mas deveríamos traduzir como
jogado [tomado do latim] para um lugar diferente. Esta é a única maneira de entender o texto
que é traduzido de tão diversas maneiras. Como interpreta-lo? Não posso assegurar nada como
certo. Porém dado o assombro de Pedro e a decisão de João de acreditar na ressurreição,
podemos dizer que naquele sepulcro havia dados suficientes para evitar o roubo e pensar numa
coisa sem explicação natural. Isso não tanto pelo modo como estavam os panos, mas pelo jeito
como eles viram o sudário. Se o corpo não estava dentro, é lógico que a mortalha estivesse
aplainada como vazia. Mas se o sudário não estava dentro da mortalha e era visto como
deixado fora da mesma em lugar visível isso quer dizer que saiu de dentro das ataduras
exatamente como o corpo, de modo incrível. Vamos explica-lo com um exemplo: imaginemos
que enterramos um familiar. Na preparação do morto, ao vesti-lo colocamos uma gravata no
defunto. Logo dentro do caixão, fechado com pregos, o enterramos. Dois dias após nessa tumba
comum vamos enterrar uma outra pessoa. Ao abrir a tampa do sepulcro vemos que a gravata
que estava no pescoço do defunto está fora do caixão, sendo que este está fechado com pregos
como no tempo em que o enterramos e ao abri-lo nos deparamos que o corpo não está lá. Que
pensaríamos? Pois de modo semelhante encontrou João o corpo que ele tinha ajudado a
amortalhar e no lugar da gravata o que estava fora da mortalha [fora do caixão para nosso
caso] era o sudário. Por isso, Pedro voltou para casa, muito surpreso com o que acontecera (Lc
24, 12). João, conforme seu propósito, nada diz sobre os sentimentos de Pedro, mas escreve
sobre o que ele viu e acreditou. Porém deixa entender que Pedro estava confuso ao terminar o
relato aclarando: Ainda não tinham compreendido que conforme as escrituras ele devia
ressuscitar dos mortos(9). Que delicadeza para com seu amigo e companheiro!
PISTAS: 1) Nos relatos da ressurreição vemos a descrição de um verdadeiro milagre. Em
todo fato sobrenatural existem dois fatores independentes: Um deles é o fato humano, que
todos podem ver e do qual podem ser testemunhas. No caso, a pedra rolada ou bruscamente
jogada fora [o sepulcro aberto], a ausência do cadáver que a Madalena atribui a roubo:
pegaram o corpo de Senhor e não sabemos onde o levaram (2). A disposição da mortalha que
mesmo aceitando traduções menos comprometidas, indicava alguma coisa de anormal. E está o
outro fator que é a causa de um fato sem explicação humana nem científica: Como pode
acontecer? E é precisamente nesta inexplicável causa que encontramos um poder transcendente
se finalmente cremos, ou um mistério que pensamos é produto do acaso ou de uma causa que
deixamos para o futuro poder descobrir, se o agnosticismo domina nosso pensamento.
2) A fé: Foi necessário o encontro pessoal para que os discípulos cressem em Jesus
ressuscitado, com a exceção de João. O sepulcro aberto e a disposição dos panos mortuários
foram suficientes para que, desses indícios, João acreditasse. Daí sua informação que parece
sem importância, mas que foi para ele o início de uma vida nova e da qual nós podemos
aprender uma lição extraordinária. Nós também temos unicamente indícios sem que exista o
encontro pessoal com Jesus. Porém deve existir uma vontade de crer para que esses indícios
não sejam um desperdício. É essa vontade que precede a fé e que será motivo de nossa
justificação como Paulo afirma (Rm 4, 3)
3) Os evangelhos recolhem informações, indícios e testemunhas que apontam à
transcendência de Jesus e a transcendência de nossas vidas, dependentes de Jesus. Todas as
demais religiões se apoiam em valores humanos ou humanizados da divindade. Não existe um
homem-Deus. A nossa, em valores divinos que são humanos em Cristo especialmente na sua
ressurreição que não é unicamente a de Jesus, mas também nossa como afirma Paulo. E sem
esta fé na ressurreição é vã a nossa fé(1 Co 15, 17) e sem essa esperança somos os mais
dignos de compaixão de todos os homens (idem 15, 19).
4) Diante do encontro pessoal de Cristo com seus apóstolos, o sepulcro vazio, os lençóis e
sua disposição passam a ser secundários. Eles passaram do Jesus de Nazaré ao Cristo Senhor
pela visão que tiveram de sua pessoa ressuscitada. Por isso que nos outros três evangelhos as
aparições são tão importantes e que os detalhes do sepulcro se tornam vagos e imprecisos.
Somente João os descreve minuciosamente porque foi neles que ele encontrou a sua fé. Foi o
único que acreditou sem ter visto o Senhor [o ressuscitado]. E neste sentido João é o discípulo
que melhor se assemelha a nós, porque sem ter visto acreditamos por indícios e informações de
testemunhas oculares. Por isso somos bem-aventurados(Jo 20, 29).
EXEMPLO: O encontro pessoal com o Senhor não é necessário. Podemos ver em João nosso
modelo como crentes ou em Tomé um modelo que necessita uma visão especial se a dúvida nos
atinge. Por isso, é bom recordar a conversão de André Frossard. Seu pai, Ludovico Oscar Frosard
aos 28 anos era secretário do partido socialista francês. Chamavam os católicos de negros. As
esquerdas esperavam dominar com a ciência e o progresso. Os negros eram o passado, os
inimigos do progresso. André, ateu perfeito desses que nem se perguntam pelo seu ateísmo,que
nem se planeiam o problema da existência de Deus tem como ídolo Marx, que preside sua
alcova com um retrato. Os homens não são irmãos mas camaradas. Aos 18 anos se torna amigo
de Willemim que tinha perdido a fé aos 15 e a recuperado aos 23 anos. Era o ano 1935 Ambos
se dirigem num carro a um jantar. Willemin pede que o espere pois quer entrar numa igreja
para rezar. Passam os minutos e como seu amigo não volta André decide busca-lo dentro da
igreja. Assim é que André descreve sua conversão: Bruscamente se desenvolve uma série de
prodígios, cuja inexorável violência desmantela num instante o absurdo de seu ser. Não escuto-
dirá ele- mas em minha mente se formam estas palavras: Vida espiritual e ele nesse instante
descobre o pai que é o Deus criador. Ao sair da Igreja encontra Willemin e confessa: Sou
católico, apostólico, romano. Deus existe e tudo é verdade. André termina o relato de sua
experiência com estas palavras: Amor, para chamar-te assim a eternidade será breve.

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