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A reedição de uma obra fundamental

Elza Regis de Oliveira Muito me honra a solicitação da Profa Elza Regis de


Oliveira para eu escrever neste espaço algumas palavras
Graduada (1963) e Licenciada em História na UFPB
Elza Regis de Oliveira sobre a nova edição do seu extraordinário trabalho
(1964). Curso de Especialização em História do intitulado Teoria, História e Memória. Minhas palavras
Nordeste, na UFPE (1965). Curso de História da aqui são claramente dispensáveis diante da magnitude
deste seu trabalho ora entregue ao público interessado
Expansão Portuguesa, na Faculdade de Letras de
numa publicação cuidadosamente revisada. Em minha
Lisboa (1967-1968). Mestrado em História na UFRJ
modesta opinião a autora, com muita propriedade e
(créditos), 1973-1975. Monografia defendida na UFPE
proficiência, sinaliza na obra em tela o seu percurso
(1982), com bolsa de estudos da CAPES. Professora da
bem sucedido como profissional no campo da História,
disciplina História do Brasil (1965-1969), da UFPB. assim como o resultado grandiloquente de uma vida

Teoria, História e Memória


Professora titular das disciplinas Introdução à História e dedicada à pesquisa e à garimpagem das fontes
Paleografia da UFPB (1970-1991) Campus I. Chefe primárias da sua terra. Nesta última vertente vejo sua
eleita e reeleita do Departamento de História determinação infatigável, ao longo de várias décadas,
(1988-1991). Conselheira nos colegiados: Conselho na condição de uma das maiores pesquisadoras de
Universitário (1976-1978). Conselho do Centro de
A história passou por uma grande renovação no século XX, no que documentos do nosso período colonial, como uma
Ciências Humanas, Letras e Artes (1988-1991). diz respeito ao emprego de novas fontes, métodos, objetos e técnicas. dignificante prova de amor à Paraíba. Cumpre assim,
Conselho do Curso de Biblioteconomia (1976-1978). A concepção de história não é a mesma porque nada é igual após a por analogia, o primordial papel de um radiofarol
que orienta o curso seguro para os “marinheiros de
Fez o levantamento da documentação da Paraíba Segunda Guerra Mundial, como afirmou Lucien Febvre: “Os Annales primeira viagem” e confirma a rota adequada para os
no Arquivo Histórico Ultramarino - AHU de Lisboa, modificam-se porque à sua volta tudo se modifica: os homens e as “marinheiros experimentados” no “Mar Tenebroso” da
com bolsa de estudos concedida pelo Ministério dos
Negócios Estrangeiros de Portugal (1967-1969).
coisas; em uma palavra: o mundo. Extinguiu-se o mundo de ontem. História em que ambos se aventuram. Ao cumprir este
Extinguiu-se para todos".O avanço da história não foi possível sem o tipo de papel, o pesquisador desta área, não raro, corre o
Realizou a microfilmagem dos documentos da Paraíba, risco de receber um reconhecimento público bem aquém
no AHU (1979) destinados à UFPB, com recursos do alargamento das suas fronteiras em direção às ciências sociais, às do seu real valor, talvez porque ao elaborar seus estudos
CNPq. Participou do Projeto Resgate de Documentação ciências exatas, em particular à matemática, e às ciências biológicas - a meta principal é iluminar os trabalhos alheios e não a
Histórica Barão do Rio Branco do Ministério da a biologia. Essa convivência entre as ciências tornou-se um bem si próprio.
Cultura do Brasil, no Arquivo Histórico Ultramarino, Isto posto, a obra em questão é, quiçá, a mais importante
integrando a equipe da Paraíba como pesquisadora e
comum, patrimônio de todos - a interdisciplinaridade. que se produziu na minha terra, concernente a questões
supervisora, com bolsa de estudos do MinC (1998- teóricas e metodológicas da historiografia e tendo como
1999). Publicou: A Paraíba na crise do século XVIII: pano de fundo a pesquisa e a preservação documental
Subordinação e Autonomia (1755-1799), Fortaleza: da História da Paraíba (fundamentalmente ao longo do
Banco do Nordeste do Brasil, ETENE, 1985; Capitania nosso período colonial). Com esta publicação está de
parabéns não somente a Profa Elza Regis de Oliveira,
da Paraíba (verbete) In: Dicionário da Colonização
Magister da historiografia paraibana, mas também todos
Portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994; Catálogo
aqueles que cuidam bem da nossa História e a respeitam.
dos Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania da
Enfim, este é um magnífico exemplo de cultura histórica.
Paraíba Existentes no Arquivo Histórico Ultramarino Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, professor
de Lisboa. João Pessoa: Editora da UFPB, 2002 Emérito da Universidade Federal da Paraíba, Membro
(coautora). Sócia da União Brasileira de Escritores da ISBN: 9788577456956 da Academia Paraibana de Letras, Membro Efetivo
Paraíba e colaboradora da Revista do UNIPÊ. do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Sócio
2a Edição revisada Correspondente Brasileiro do Instituto Histórico e
9 788577 456956 Geográfico Brasileiro.

Capa.indd 1 26/10/12 08:36


TEORIA, HISTÓRIA E MEMÓRIA
CONSELHO EDITORIAL
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Maria de Fátima Agra (Ciências da Saúde)


Jan Edson Rodrigues Leite (Lingüística, Letras e Artes)
Maria Regina V. Barbosa (Ciências Biológicas)
Valdiney Veloso Gouveia (Ciências Humanas)
José Humberto Vilar da Silva (Ciências Agrárias)
Gustavo Henrique de Araújo Freire (Ciências Sociais e Aplicadas)
Ricardo de Sousa Rosa (Interdisciplinar)
João Marcos Bezerra do Ó (Ciências Exatas e da Terra)
Celso Augusto G. Santos (Ciências Agrárias)
Elza Régis de Oliveira

TEORIA, HISTÓRIA E MEMÓRIA

segunda edição revisada

Editora Universitária da UFPB


João Pessoa
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Reitor
RÔMULO SOARES POLARI
Vice-reitora
MARIA YARA CAMPOS MATOS

EDITORA UNIVERSITÁRIA
Diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA
Vice-diretor
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
Supervisor de editoração
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR

diagramação
EMMANUEL LUNA
capa
HOSSEIN ALBERT
revisão
LAERTE PEREIRA DA SILVA
O48t Oliveira, Elza Regis de.
Teoria, história e memória / Elza Regis de
Oliveira.- João Pessoa: Editora Universitária da UFPB,
2012.
328p.

1. História – teoria. 2. História - metodologia. 2. His-


tória e modernidade. 3. Memória histórica. 4. História –
documentos- preservação.

UFPB/BC CDU: 94

Direitos desta edição reservados à:


EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB
Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária – João Pessoa – Paraíba – Brasil
CEP 58.051-970

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

Foi feito o depósito legal


Agradecimentos

Aos professores da Universidade Federal da Paraíba:

Lúcia de Fátima Guerra Ferreira, pró-reitora de extensão e assuntos


comunitários, pelos recursos disponibilizados para esta publicação.

Ângelo Emílio da Silva Pessoa, autor do competente prefácio elaborado


para este livro, no qual demonstra talento de historiador.

Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins pela paciente leitura desta


obra, sugestões oferecidas e comentários que ilustram a capa deste livro.
SUMÁRIO

LISTA DE DOCUMENTOS MANUSCRITOS DO ARQUIVO HIS-


TÓRICO ULTRAMARINO DE LISBOA ........................................ 11

RELAÇÃO DAS TABELAS ............................................................. 15

PREFÁCIO....................................................................................... 17

INTRODUÇÃO ............................................................................... 27

PARTE I
QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Metodologia tradicional da história.........................................................35

Nova história e suas conexões com as ciências sociais, ciências exatas e


ciências biológicas ......................................................................................47

Paradigmas da ciência................................................................................59

Espaço da história.......................................................................................67

A importância da demografia na análise histórica ................................77


Considerações sobre A História em Migalhas de François Dosse ........87

Contribuição dos novos métodos e estudos de história ........................95

PARTE II
HISTÓRIA

Modernidade e história: algumas questões ...........................................115

Conjuntura e população da Europa no século XVI: França ..............133

Capitania da Paraíba nos seus vários aspectos .....................................149

A Paraíba na Crise do Século XVIII, em sua segunda


edição..........................................................................................................155

Escravidão na Paraíba do século XVIII .................................................171

Quebra-Quilos: lutas sociais no outono do império ...........................195

PARTE III
MEMÓRIA E PRESERVAÇÃO DE
DOCUMENTOS NA PARAÍBA

Fontes para a história da Paraíba em Portugal: arquivos de Lisboa...213

Memória histórica paraibana: problemas de preservação docu -


mental.................................................................................................235
Resgate dos documentos paraibanos em Portugal: Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa ............................................................................................249

Do sistema tradicional de arquivo ao eletrônico e digital....................255

Sobre o catálogo dos documentos da Capitania da Paraíba ............263

Considerações Finais ...............................................................................269

REFERÊNCIAS .........................................................................................273

ANEXOS....................................................................................................285
Fac-símile de documentos manuscritos do Arquivo Ultramarino de
Lisboa.
LISTA DE DOCUMENTOS MANUSCRITOS DO ARQUIVO
HISTÓRICO ULTAMARINO DE LISBOA

1 – 1654, agosto, 3, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao rei


D. João IV sobre a petição de André Vidal de Negreiros, na qual pede
a mercê de retirar os cobres dos engenhos de Inhobi e os da ribeira de
Goiana, que foram dos flamengos, por até o momento não ter recebido
coisa alguma para o seu sustento ............................................................287

2 – 1655, abril, 21, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D.


João IV sobre o pedido de João Fernandes Vieira para que sejam pagos
os seus soldos atrasados referentes à guerra de Pernambuco e os que
forem vencendo na Paraíba, com o seu posto de mestre de campo ...289

3 – 1657, julho, 12, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D.


Afonso VI sobre a petição dos oficiais da Câmara da Paraíba na qual pe-
dem que de Pernambuco se envie o sustento dos soldados da capitania
por o povo não poder fazê-lo, em razão das dificuldades que passam,
após a guerra holandesa ...........................................................................290

4 – 1658, fevereiro, 23, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao rei


D. Afonso VI sobre o requerimento dos oficiais da Câmara da Capitania
da Paraíba, no qual expõem as dificuldades dos moradores em razão da
guerra holanadesa .....................................................................................292

5 – 1663, outubro 26, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao rei


D. Afonso VI sobre a recusa de João Fernandes Vieira de pagar o
tributo referente ao açúcar, para o sustento da Infantaria, tendo mais
engenhos e fazendas que todos na capitania. O parecer é de que se
execute João Fernandes Vieira, pelo que estiver devendo à Fazenda
Real..............................................................................................................294

6 – 1694, novembro, 24, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao


rei D. Pedro II sobre a petição dos oficiais da Câmara da Paraíba pe-

11
Elza Régis de Oliveira

dindo a prorrogação de mais seis anos, para não serem executados nas
fábricas de seus engenhos, em razão da difícil situação financeira ....296

7 – 1717, junho, 8, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D.


João V sobre a carta do capitão-mor da Paraíba, João da Maia da Gama,
relativa à forma com que se podem introduzir negros na Capitania da
Paraíba, para fábrica dos engenhos .........................................................297

8 – 1723, dezembro, 24, Paraíba. Carta do capitão-mor da Paraíba,


João de Abreu de Castel Branco, ao rei D. João V sobre a notícia que
recebeu de pessoas de uma sumaca deste porto, a qual tinha ido buscar
escravos a troco de gêneros da terra e constou que, no Castelo de São
Jorge da Mina, estavam diferentes embarcações da Bahia, Pernambuco
e Rio de Janeiro, fazendo negócio de escravos a troco de ouro em pó e
em moeda, o que ordenou o Provedor da Fazenda Real tirasse devassa
desse caso ...............................................................................................300

9 –1724, dezembro, 15, Ribeira do Açú. Carta do ouvidor geral da Para-


íba, Manuel da Fonseca e Silva, ao rei D. João V sobre a correição que foi
fazer na ribeira do Piancó. Acha ser conveniente fundar-se vila, no sítio
da Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, tanto para o aumento dos
dízimos como para o bem comum..........................................................302

10 – 1725, agosto, 24, Paraíba. Carta do capitão-mor da Paraíba, João


de Abreu de Castel Branco, ao rei D. João V sobre a difícil situação em
que se encontram as companhias de Infantaria da Paraíba e a
necessidade dos vinte mil cruzados do produto da dízima para
socorrê-las .................................................................................................305
11 – 1732, setembro, 17, Lisboa. Carta do rei D. João V ao capitão-mor
da Paraíba, Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, sobre um emprésti-
mo que lhe concedeu de três mil cruzados, podendo este ser pago em
efeitos da terra, equivalente a dinheiro, por não haver moeda de ouro
nessa capitania ...........................................................................................307

12
Teoria, História e Memória

12 – 1733, junho, 13, Paraíba. Carta do Prior do Carmo da Reforma,


Frei Felipe do Espírito Santo, ao rei D. João V na qual comenta
a pobreza dos moradores da capitania por não poderem
contribuir com as esmolas que costumavam dar àquele
convento.....................................................................................................308

13 – 1752, julho, 6, Paraíba. Carta do Provedor da Fazenda Real da


Paraíba, Teotônio Fernandes Themudo, ao rei D. José I sobre a
Provedoria de Pernambuco não enviar à Paraíba os vinte mil cruzados
anuais, para pagamento da Infantaria e fortificações da capitania .....309

14 – 1754, maio, 8, Recife. Carta do capitão-mor de Pernambuco, José


Luís Correia de Sá, ao rei D. José I sobre a obrigação que tem aquela
provedoria de remeter, anualmente, os vinte mil cruzados à Paraíba do
produto da dízima. Ocorre, entretanto, que as frotas não são anuais, fi-
cando cinco anos com três frotas, sendo insuportável pagar por ano o
que se cobra por frota ...............................................................................311

15 – 1755, 10, dezembro, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino


ao rei D. José I sobre a representação do capitão-mor da Paraíba, Luis
Antonio de Lemos de Brito, a propósito dos vinte mil cruzados que a
Paraíba deveria receber do produto da arrematação da dízima das duas
capitanias, num só contrato, e as razões alegadas pelo Provedor da Fa-
zenda Real de Pernambuco, por não cumprir o precatório .................313
16 –1756, 14, dezembro, Lisboa. Consulta do Conselho
Ultramarino, na qual o rei D. José I comunica ao capitão-general
da Capitania de Pernambuco a incorporação do governo da
Capitania da Paraíba ao Pernambuco, na conformidade da Real
Resolução de vinte e nove de dezembro de mil setecentos e
cinquenta e cinco, mandando um oficial dos corpos que guarnecem
essas praças ocupar, interinamente, o posto de capitão-mor da
Paraíba.........................................................................................................318

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Elza Régis de Oliveira

17 – 1757, maio, 1, Paraíba. Carta de José Henriques de Carvalho, sar-


gento-mor do Regimento da cidade de Olinda, ao rei D. José I sobre o
capitão e general da Capitania de Pernambuco lhe mandar ocupar inte-
rinamente o posto de capitão-mor da Paraíba, tendo em vista a incor-
poração desta capitania à de Pernambuco em vinte e nove de dezembro
de mil setecentos cinquenta e cinco. Informa ainda que tomou posse no
governo da Paraíba em dois de abril do presente ano de mil setecentos e
cinquenta e sete..........................................................................................319

18 – 1782, agosto, 8, Paraíba. Carta do capitão-mor da Paraíba, Jerôni-


mo José de Mello e Castro, ao secretário de Estado da Marinha e Ul-
tramar, Martinho de Mello e Castro, sobre as providências que tomou
para a arrecadação dos fundos que os moradores da capitania deviam à
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba ........................................321

19 – 1791, 15, junho, Paraíba. Carta do capitão-mor da Paraíba, Jerôni-


mo José de Mello e Castro, ao secretário de Estado da Marinha e Ultra-
mar, Martinho de Mello e Castro, sobre a conclusão do exame das matas
da Paraíba. Trata também do embarque do açúcar, algodão e outros pro-
dutos pelos portos da Baía da Traição e Mamanguape. Diz ainda que se a
Paraíba fosse independente seriam mais vantajosos os lucros da fazenda
real ...............................................................................................................323

20 – 1798, abril, 17, Paraíba. Edital de Fernando Delgado Freire


de Castilho no qual proíbe os moradores da Capitania da Paraíba a
exportação de produtos para quaisquer portos que não sejam os do
Reino de Portugal..................................................................................326

14
RELAÇÃO DAS TABELAS

1 ‒ Rendas reais da Capitania da Paraíba...............................................184

2 ‒ População da Capitania da Paraíba ...................................................188

3 ‒ Cartografia e iconografia da Paraíba ................................................225

15
PREFÁCIO

Gosto de dizer aos meus alunos de graduação, nas aulas de


Introdução aos Estudos Históricos, que uma das vantagens de ser
historiador é saber como o tempo vivido é generoso com a nossa
profissão. A passagem do tempo significa uma dádiva de acúmulo de
experiências, de perspicácias que compensam largamente as agruras
do passar dos anos. Se um historiador está em sua plena forma por
volta dos quarenta anos, com certeza estará em melhores condições
nas fases da vida que se seguirem.
Digo isso em relação à Profª Elza Régis de Oliveira, que,
durante muitos anos, entre as décadas de 1960 e 1990, atuou no
Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba e de
quem fui aluno na disciplina Introdução aos Estudos Históricos,
quando iniciava o Curso, em 1985. Entusiasta da Escola dos Annales, a
professora apresentava aos seus alunos as obras de Marc Bloch, Lucien
Febvre e Fernand Braudel, defendendo com ardor os princípios de
renovação da História que esses mestres traziam, desde as primeiras
décadas do século XX. Naquela ocasião, a Profª Elza lançava a primeira
edição de sua importante obra “A Paraíba na crise do século XVIII”,
resultado de suas exaustivas pesquisas sobre o período colonial,

17
Elza Régis de Oliveira

notadamente em arquivos portugueses, que conhece como poucos.


Os anos se passaram e a Profª Elza continuou atuante, mesmo após
sua aposentadoria da UFPB, numa vida profissional extremamente
produtiva, na qual se destaca a contribuição inestimável para a nossa
historiografia, tendo participado da equipe do Projeto Resgate da
Documentação Histórica “Barão do Rio Branco,” em Lisboa.
Reunida essa vasta experiência de ensino e pesquisa, a Profª
Elza volta a nos presentear com uma nova obra, “Teoria, História
e Memória”, na qual enfeixa uma série de reflexões que vem
desenvolvendo sistematicamente desde a década de 1990, dispersas
por periódicos diversos, bem como alguns escritos ainda inéditos, que
chegam à luz com o livro que se lança.
O livro é composto de três partes principais: Questões teóricas e
metodológicas, História, Memória e preservação de documentos na
Paraíba. No final, a obra vai enriquecida por anexos de documentos
digitalizados do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. Nesses
capítulos, subdivididos em diversos tópicos, a autora descortina
uma série de reflexões que estão diretamente ligadas à sua prática
profissional que exerce como docente e pesquisadora de larga
experiência, fazendo um significativo balanço de suas incursões
no campo da teoria, abordando diversos temas associados às suas
pesquisas, e discutindo questões ligadas à memória e documentação,
campos nos quais tem atuado de forma incansável em sua trajetória de
historiadora.
Entre as discussões teóricas e metodológicas, Elza Régis nos
apresenta uma série questões de monta. Uma delas diz respeito
à chamada metodologia tradicional da História ou, digamos, aos

18
Teoria, História e Memória

procedimentos de crítica documental associados aos historiadores


metódicos, que foram objetos de cerrados ataques dos Annales desde
as primeiras décadas do século passado e que constituíram uma
das principais bases de renovação do conhecimento histórico nas
últimas décadas. Mas, com cuidado, a autora nos chama a atenção
e nos adverte para uma tendência apressada em considerar essa
forma de prática do ofício como totalmente superada e descartável.
Os procedimentos de crítica documental e prática da erudição,
desenvolvidos pelos metódicos, podem e devem ser incorporados
pelos novos historiadores, certamente em novo diapasão que não se
limite à pura e simples adesão ao documento, mas que não caia na
ingenuidade de se despir desses procedimentos críticos e apresentar
algo realmente velho sob as vestes da inovação. Saber quais os
percursos em que se deu a inovação é fundamental para sua efetiva
incorporação, para além das palavras de ordem tão despidas de
substância quanto estéreis.
Adiante, a autora recupera uma série de discussões travadas
em torno da interdisciplinaridade, um dos pontos fortes dos debates
e combates dos Annales, chamando a nossa atenção para as interações
estabelecidas entre a História, a Antropologia, a Matemática e a Biolo-
gia. Nesse ponto, além das discussões atuais e mais familiares, ligadas
aos hábitos e cultura material, nos lembra da importância da quanti-
ficação para o conhecimento histórico, especialmente nos campos da
economia e da demografia, além de ressaltar a superação da prejudicial
clivagem, estabelecida por longo tempo, percebendo o homem como
ser social e como ser biológico. Esse é o mote para discorrer adiante
sobre a emergência do pensamento complexo no campo da História,

19
Elza Régis de Oliveira

tendo como referência fundamental a obra de Edgar Morin e sua de-


fesa do paradigma da complexidade. Nesse sentido, o conhecimento
complexo deve superar a separação entre as ciências sociais e naturais
ou, mais diretamente, entre cultura e natureza, que marcaram o para-
digma científico de boa parte da modernidade, baseado nos modelos
de simplificação e ordenamento, que levaram a avanços inegáveis, que
se esbatem contra seus limites nos dias que correm. Nesse longo pro-
cesso, as relações, interações e fricções entre a ordem e a desordem, a
simplicidade e a complexidade, as partes e o todo, as permanências e
as mudanças, trazem a necessidade da emergência de novo paradigma,
que esteja aberto para considerar a presença do imprevisto, do alea-
tório, do descontínuo, do infinitamente provável, sem cair nos extre-
mos da apologia da desrazão, mas na construção de novos parâmetros,
mais flexíveis, para a aventura da razão, incluindo aí a percepção da
importância de outras formas de saber, além da ciência moderna.
Elza Régis volta à carga em relação às múltiplas possibilidades
de renovação dos estudos históricos, quando discute “O Espaço da
História”, realizando diversas incursões sobre questões que perpassam
as preocupações da história cultural e da nova história política, entre
elas as novas abordagens da biografia, que deixa de lado a narrativa
dos feitos individuais de um grande homem para perseguir a
percepção da relação entre um indivíduo e seu mundo, sendo possível
entrever na trajetória pessoal as diversas forças que atuam em uma
sociedade e em uma época. Não deixa de nos advertir, no final, sobre
os perigos de uma hiperespecialização na História, que promova o
que em outra passagem nos advertiu Edward Carr, sobre aqueles que
sabem cada vez mais sobre cada vez menos.

20
Teoria, História e Memória

A seguir, a autora discute de forma mais minudente a questão


das fronteiras abertas pela demografia histórica, que aprofundam o
nosso olhar sobre aspectos antes insuspeitados, abrindo possibilidades
de entendimento de determinadas dinâmicas de distintas sociedades,
que passam pela repetição de padrões de acontecimentos que podem
ser captados através de métodos e instrumentos de quantificação.
Nesse ponto, recupera importantes referências para entender a
emergência e as principais contribuições da demografia histórica
internacional e do Brasil.
Tece considerações sobre o conhecido e polêmico livro “A
História em Migalhas”, de François Dosse, resenhando sua discussão
em torno das distintas gerações dos Annales e do eventual desvio
dos seus novos representantes em relação aos pressupostos de seus
fundadores, Bloch e Febvre. Elza Régis se posiciona próxima às
posições de Dosse, quando alerta para os riscos da fragmentação dos
estudos históricos, imersos numa produção de migalhas distantes de
uma idéia de síntese.
Encerra a primeira parte da obra num texto mais alongado,
que realiza um conjunto de considerações sobre os novos métodos e
estudos de História, a partir das inovações propostas pelos Annales,
destacando as contribuições singulares de Bloch, Febvre e Braudel,
enfocando ainda mais de perto diversas obras, como a do historiador
Pierre Vilar e suas importantes investigações sobre a noção de
conjuntura, essencial para entender certos padrões de repetição e
oscilações verificados no campo da economia.
Na segunda parte do livro, “História”, a autora focaliza mais
detidamente uma série de questões que foram objeto de suas diversas

21
Elza Régis de Oliveira

pesquisas em distintas fases de sua carreira profissional. Logo de


início, dedica suas reflexões ao balanço do conceito de modernidade
e sua emergência histórica, destacando as inúmeras injunções
intelectuais e sociais que condicionam e estabelecem novas formas de
viver e compreender o mundo. Acompanha os principais movimentos
intelectuais que buscaram estabelecer essas novas visões de mundo,
relacionadas com o surgimento de experiências, como o alargamento
das fronteiras do mundo, a expansão dos meios de comunicação entre
populações distantes e antes desconhecidas, a aceleração dos ritmos
dos tempos dos homens e das sociedades.
Retoma, em seguida, de forma mais pontual, as questões
relacionadas com à demografia histórica, que já discutira teoricamente,
elaborando reflexões sobre conjuntura e população européia do
século XVI, tendo como foco a França. Acompanha os movimentos
detectados pelas distintas curvas de crescimento populacional,
relacionando-as à dinâmica da economia, demonstrando as
interpenetrações de fenômenos que passariam desapercebidos, caso
não dispuséssemos de métodos e instrumentos de quantificação que
permitissem captar essas situações a partir dos fatos aparentemente
banais e repetíveis, bem distantes daquela visão do fato singular e
extraordinário que marcaria uma concepção anterior de História.
Segue trazendo um breve estudo elaborado para verbete
de dicionário. Nesse estudo traça as linhas gerais da Capitania da
Paraíba, referentes aos séculos XVI e XVIII, e aponta um conjunto
de informações sobre a população, administração, economia, cultura,
aspectos da vida urbana, entre outros. Continuando seu foco na
Paraíba, dedica um estudo mais alentado sobre a escravidão nessa

22
Teoria, História e Memória

Capitania, especialmente considerando o século XVIII, marcado


pela crise econômica que se seguiu à expulsão dos holandeses e pela
subordinação crescente a Pernambuco, que já fora alvo de seu livro
anterior, já mencionado. Identifica os gargalos ligados à produção
econômica paraibana e à reprodução da força de trabalho escrava,
dependente do tráfico atlântico, sujeito, por sua vez, a diversas
conjunturas econômicas e políticas, não poucas vezes enfrentadas
manu militari nas diversas margens do Atlântico. Dependente
estruturalmente de um produto como o açúcar e subordinada à
Capitania vizinha do Sul, restava aos principais homens da terra
estabelecer formas de acomodação em relação ao conjunto de
circunstâncias, em geral desfavoráveis, com os quais defrontavam.
Importante destacar que nesse capítulo utiliza em profusão a
documentação do Arquivo Histórico Ultramarino, que palmilhou
minuciosamente nas diversas ocasiões em que desenvolveu trabalhos
com esse valioso acervo.
Dedica-se, em seguida, a discutir, de forma mais detida,
a obra “Quebra-Quilos: lutas sociais no outono do Império”, de
Armando Souto Maior, seu orientador no Mestrado que deu origem
ao seu primeiro livro, já mencionado. Apresenta em breves traços
o referido historiador e demonstra a afinidade da obra com as novas
concepções e práticas de História, também esposadas por Elza Régis.
Identifica os diversos condicionamentos econômicos e sociais que
estiveram associados ao movimento. Certamente, novas e mais
recentes contribuições sobre o “Quebra-Quilos” surgiram nos últimos
anos, mas é interessante percebermos, com a autora, os méritos que
transformaram a obra de Souto Maior numa referência indispensável

23
Elza Régis de Oliveira

para a análise não só desse movimento, como da conjuntura existente


na Paraíba e Pernambuco nos anos finais do Império.
Na terceira parte, “Memória e preservação de documentos na
Paraíba”, Elza Régis se detém, de forma mais específica, na sua larga
experiência com acervos documentais, mister a que dedicou boa
parte de sua vida profissional. Seus vastos conhecimentos dos acervos
coloniais, seu beneditino conhecimento de paleografia permitiram
que ela reunisse um conhecimento e uma experiência que deveria
estar plenamente disponível às novas gerações de historiadores em
formação, tal qual ela fez a partir da iniciativa de elaborar essa obra
que agora se lança.
De maneira mais breve, até porque já nos alongamos nesse
prefácio e nos cabe apenas o modesto e limitado papel de recomendar
vivamente a leitura da obra, diríamos que esta última parte de Teoria,
História e Memória se dedica á discussão de questões referentes
aos acervos documentais sobre a Paraíba existentes em instituições
diversas, especialmente em Portugal, e aos numerosos problemas
detectados em relação aos acervos documentais paraibanos,
muitos dos quais em lamentável estado de preservação (ou melhor,
poderíamos dizer, destruição), dada a conhecida incúria daqueles
que deveriam ser responsáveis pela sua conservação e a inexistência
de políticas sistemáticas de guarda e preservação. Destacando o
papel nunca devidamente reconhecido do Núcleo de Documentação
e Informação Histórica Regional da UFPB (NDIHR), a Profª Elza
aponta algumas importantes iniciativas nessa área, além de indicar
caminhos que podem e devem ser trilhados pelas novas gerações de
historiadores em formação. Fugindo um pouco ao livro da autora,

24
Teoria, História e Memória

mas não deixando de concordar com seus posicionamentos nesse


ponto, entendemos que a comunidade de historiadores do nosso
Estado precisa se mobilizar com maior contundência em relação a essa
questão da preservação dos acervos paraibanos.
A autora ainda continua a fazer suas reflexões sobre questões
referentes às fontes, enfocando diversos aspectos da importância do
Projeto Resgate da documentação paraibana no Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa. Entre eles, os impactos da acessibilidade
ampliada a esses documentos para os novos pesquisadores, inclusive
com o desenvolvimento de suportes técnicos conferidos pelo
desenvolvimento da informação eletrônica. Também apresenta uma
série de questões de âmbito institucional que estiveram envolvidas
na realização de um projeto de tal nível de complexidade, com vasta
equipe interdisciplinar em dois países distintos, e que teve de contar
com a reunião de inúmeras competências para chegar a bom termo, tal
qual tem chegado o Resgate, com o lançamento de diversos catálogos
e dos CD’s e microfilmes da documentação, que estão disponibilizados
em todo o país. As consequências positivas para a pesquisa histórica
sobre o período colonial estão começando a aparecer nos anos mais
recentes. Oxalá, projetos semelhantes se espraiem pelo próprio
país, salvando da ruína e disponibilizando preciosos acervos para os
pesquisadores. Novas iniciativas como essa contariam com a adesão
entusiasmada da Profª Elza, que continua de olhos postos nos desafios
que estão por vir nessa trincheira de luta dos profissionais da História.
Se a profissão pode ser generosa conosco, a Profª Elza soube
retribuir essa condição de forma igualmente generosa. Desde a
publicação da primeira edição de sua obra, “A Paraíba na crise do

25
Elza Régis de Oliveira

século XVIII”, uma das marcas distintivas da professora é gostar


de presentear seus alunos com livros, tal como nos informa na
apresentação da presente obra, com que ela pretende continuar a
presentear as novas gerações que se formam. Que a generosidade
de partilhar o conhecimento e presentear os alunos com livros seja
igualmente retribuída com a atenta leitura da obra “Teoria, História
e Memória”, marca de uma historiadora que sabe reconhecer a
generosidade de nossa profissão. Eu como ex-aluno da Profª Elza na
disciplina Introdução aos Estudos Históricos e, casualmente, professor
da mesma disciplina vinte e cinco anos depois, só posso confessar a
minha satisfação de poder prefaciar a obra que ora se lança.

João Pessoa, agosto de 2010.

Ângelo Emílio da Silva Pessoa


Departamento de História (UFPB)
Coordenador do Curso de História (UFPB)

26
INTRODUÇÃO

Os trabalhos aqui apresentados foram escritos em diferentes


épocas de nossa vida profissional. Apenas quatro deles datam da
década de 1990. Outros foram publicados, entre o ano de 2000 e
o de 2010, nos Anais da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica
(SBPH), em São Paulo, na Revista Clio da Universidade Federal
de Pernambuco, na Revista do UNIPÊ e na Revista Horizonte da
Universidade Federal da Paraíba.
Quanto às QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS,
nos anos de 2009 e 2010, foram escritos todos os trabalhos, com
exceção de dois: Metodologia tradicional da história e Contribuição
dos novos métodos e estudos de história. Na data acima indicada
incluímos: Nova história e suas conexões com as ciências sociais,
ciências exatas e ciências biológicas, Paradigmas da ciência, Espaço
da história, Importância da demografia na análise histórica,
Considerações sobre a A História em Migalhas, de François Dosse.
Na primeira parte acima referida, entre outros assuntos,
consideramos principalmente três: Metodologia tradicional da
história, em se tratando da crítica histórica e da sua aplicação
no trabalho do historiador. A Introdução aos Estudos Históricos

27
Elza Régis de Oliveira

de Charles Victor Langlois e Charles Seignobos é uma obra de


fundamental importância e desconhecimento sobre ela, além de
incidir em erros graves, deforma a verdade e a explicação históricas.
A análise de um documento envolve os aspectos interno e externo. A
atribuição da autoria de um documento não é tarefa para qualquer
um. No trabalho do Projeto Resgate-Paraíba, em Lisboa, enfrentamos
problemas como os de datação de documentos, ilegibilidade, manchas
que dificultam a leitura, mas tudo foi resolvido com a experiência da
equipe da Paraíba. Aliás, nesse trabalho tão complexo, não foi somente
isso o mais difícil que nos ocorreu.
Outro assunto diz respeito à Nova História e suas conexões
com as cências sociais, ciências exatas e ciências biológicas, para
desmistificar a suposta oposição entre elas. Isso não deixa de causar
uma certa perplexidade, o que é compreensível, uma vez que essa
dicotomia marcou, desde o século XIX, o pensamento cientifíco.
Nos Paradigmas da ciência, afirmamos que não há oposição entre as
ciências sociais e as naturais.
Sobre HISTÓRIA, destacamos Modernidade e história:
algumas questões, Conjuntura e população da Europa no século XVI:
França, Capitania da Paraíba nos seus vários aspectos, verbete escrito
com o nome “Paraíba, Capitania da”, para o Dicionário da História
da Colonização Portuguesa no Brasil, editado em Lisboa, em 2004, A
Paraíba na crise do século XVIII, em sua segunda edição, Escravidão
na Paraíba do século XVIII, Quebra-Quilos: lutas sociais no outono
do Império. A quase totalidade dos trabalhos referidos é inédita,
com exceção de alguns, como foi dito acima, publicados em revistas
especializadas.

28
Teoria, História e Memória

Nessa parte, são três os assuntos objetos de nossas


considerações: Modernidade e história, Escravidão na Paraíba do
século XVIII e o movimento quebra-quilos, tema de estudo e análise
do historiador Armando Souto Maior.
A modernidade é uma fase de longa duração, por abranger
vários séculos como a estrutura socioeconômica da Europa na qual
a transição ocorreu nos quadros do Antigo Regime: a passagem da
economia dominial para o modo de produção capitalista; a transição
do regime servil para o assalariado, entre outras questões.
O Quebra-Quilos: lutas sociais no outono do Império deixa
evidente a difícil situação econômica daquela fase com os orçamentos
deficitários, nos quais as receitas não cobriam as despesas. A situação
econômica era crítica e a social muito grave: desemprego, fome,
miséria e baixos salários eram os ingredientes da crise, sendo o
quebra-quilos produto desta.
A escravidão na Paraíba do século XVIII constitui um
capítulo da história socioeconômica e política do Brasil Colonial,
na qual a Paraíba está inserida, uma vez que não podemos dissociar
essa problemática da conjuntura geral, seja ela de expansão ou de
depressão, cuja análise será feita adiante. A escravidão será analisada
à luz da documentação manuscrita do Arquivo Histórico Ultramarino
de Lisboa, do século XVI ao XIX, o que permite o estudo das questões
relacionadas com o assunto: importação, comércio de escravos na
Costa da Mina, São Tomé e Ilha do Príncipe, constituindo o tráfico
negreiro um dos negócios mais rentáveis do comércio colonial.
Quanto à última parte, MEMÓRIA E PRESERVAÇÃO DE
DOCUMENTOS NA PARAÍBA, apenas Fontes para a história da

29
Elza Régis de Oliveira

Paraíba em Portugal: arquivos de Lisboa é anterior a 1990, datando


os demais da última década: Memória histórica paraibana: problemas
de preservação documental, Resgate dos documentos paraibanos em
Portugal: o Arquivo Histórico Ultramarino, Do sistema tradicional de
arquivo ao eletrônico, Sobre o catálogo de documentos da Capitania
da Paraíba, escrito para o ato do lançamento da referida obra, em 13
de dezembro de 2002.
Nesse contexto, tratamos da preservação de nossa memória
como condição essencial à sobrevivência da História. Não foi sem
razão que o Ministério da Cultura do Brasil realizou um dos mais
ousados projetos de resgate dos documentos coloniais em seis países
da Europa: Portugal, Espanha, Holanda, França, Itália e Inglaterra. Tal
projeto envolveu dezenas de pesquisadores, historiadores, paleógrafos e
arquivistas brasileiros, cuja execução durou dez anos na Europa.
Questão da maior relevância, atualmente, é a preservação dos
documentos no Brasil. Muitos dos acervos precisam ser urgentemente
recuperados, para conservar a nossa memória, que está em processo
de destruição e abandono. É preciso não somente resgatar os
documentos, mas preservá-los, tornando-os acessíveis ao público,
democratizando a informação.
Nos ANEXOS, temos os documentos da memória histórica
paraibana que nos dão uma ideia do que possuímos e da importância
deles. Estão em fac-símile e são procedentes do Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa. Já a documentação da Paraíba, a qual
se encontra no NDIHR/UFPB, está em CD-ROMs. Quanto à
durabilidade desse suporte, tratamos da questão num dos trabalhos
deste livro: do sistema tradicional de arquivo ao eletrônico. Em

30
Teoria, História e Memória

Portugal, nossos documentos com mais de quinhentos anos estão em


excelente estado de conservação. Ainda nos anexos, relacionamos
documentos dos séculos XVII e XVIII, apesar de a Paraíba possuir
documentos desde 1593, que não constam nos anexos deste livro em
razão da grande quantidade.
Os estudos aqui apresentados concentram-se principalmente
nas áreas de Teoria da História e preservação de documentos, por
duas razões: a primeira é o fato de termos exercido, durante vinte
anos, a docência na disciplina Introdução aos Estudos Históricos, na
Universidade Federal da Paraíba; a segunda é termos cumprido três
missões de trabalho em Lisboa, durante quase três anos, em vários
arquivos.
Em 1998, participamos do Projeto Resgate "Barão do Rio
Branco" de documentação brasileira, em Portugal, do Ministério da
Cultura do Brasil, quando então integramos a equipe de trabalho da
Paraíba com os professores Mozart Vergetti de Menezes e Maria da
Vitória Barbosa Lima. Na UFPB, a professora Rosa Maria Godoy
Silveira, então chefe do Departamento de História, ratificou o
convite feito por aquele Ministério e ao mesmo tempo fez um
apelo para que retornássemos a Lisboa, tendo em vista a
experiência já adquirida naqueles acervos. Da mesma forma, o
convite foi reforçado por Esther Caldas Bertoletti, coordenadora
técnica do Projeto Resgate "Barão do Rio Branco". Elas não
deixaram de ter razão quanto à argumentação para que
aceitássemos mais uma vez o terceiro e desafiante trabalho no
Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, o qual não deixou
de se constituir numa honrosa missão. Apesar de o
trabalho ser muito desgastante, decedimo-nos a aceitar
o convite, mesmo estando aposentada da Universidade Federal da

31
Elza Régis de Oliveira

Paraíba. O dever de realizar aquele trabalho falou mais alto na nossa


consciência de pesquisadora e historiadora.
Participar do Projeto Resgate "Barão do Rio Branco" e,
em particular, do Projeto Resgate-Paraíba nos emociona até hoje,
pelos resultados a que chegamos. Conviver no Arquivo Histórico
Ultramarino, dia a dia, durante tantos meses em Lisboa, com
outras equipes de trabalho do Brasil, do Pará ao Rio Grande do Sul,
é algo inesquecível, não só pela abnegação demonstrada por todos
os integrantes daquele belíssimo projeto de trabalho, mas também
pelo objetivo maior: o de resgatar parte da documentação brasileira
em Portugal.
As questões teóricas aqui estudadas constituem uma reflexão
do próprio métier d’historien (usamos aqui as palavras de Marc
Bloch). Os historiadores têm o direito e o dever de refletir no caráter
da Ciência da História e nos rumos que ela tem tomado: ciência
interdisciplinar e plural. Com esta publicação, evitamos que esses
trabalhos fiquem dispersos em revistas de difícil localização. Outros,
inéditos, ainda ficariam sem publicação. Portanto, resolvemo-nos a
dar uma destinação melhor à matéria, editando-a e doando-a, como
sempre o fizemos, aos alunos do Curso de História da Universidade
Federal da Paraíba. Essa é mais do que uma satisfação, uma realização
pessoal: doar livros para quem quer estudar. Esperamos que este
segundo livro tenha, como o primeiro, também sua utilidade.

32
PARTE I

QUESTÕES TEÓRICAS E
METODOLÓGICAS
Metodologia tradicional da história

O início do século XX marca uma fase de


grandes transformações no que diz respeito não só às ciências
naturais, mas também às ciências sociais, devido à Teoria da
Relatividade. Velhos conceitos desabaram diante de novas
evidências. Teorias até então aceitas perderam o seu valor, o que
significa ser a ideia de progresso fundamental a toda atividade
científica, deixando a ciência de ser estática.
No decorrer da história das ciências, verificaram-se rupturas
epistemológicas em verdadeiros saltos: na astronomia, física,
psicologia, química, biologia, matemática e história. Para Barradas de
Carvalho,

A hierarquia dos conhecimentos, ou das ciências, ordena-se de acordo com a


cronologia da revolução epistemológica que as faz saltar de um estádio que tem
como base uma epistemologia do sensível a um estádio que tem como base uma
epistemologia do inteligível. O primeiro chamaremos estádio pré-científico. Ao
segundo chamaremos estádio científico. (CARVALHO, 1972, p. 42).

Essas modificações substituíram o esquema de verdade única e


imutável pelo conceito de pluralidade, em que insiste Gaston Bachelard.
O próprio conceito de ciência adquiriu maior flexibilidade. No presente,

35
Elza Régis de Oliveira

não mais se discutem os problemas científicos à luz do Racionalismo


de Descartes. O científico, para ele, teria de ser demonstrado
matematicamente. O que não fosse provado através de leis, perderia o
rigor científico. As exigências já não são as mesmas, os valores mudaram
em consequência do próprio desenvolvimento científico. “A ciência já
não obedece à razão” mas, como mostra Bachelard, “a ciência instrui a
razão. A razão deve obedecer à ciência, à ciência mais evoluída, à ciência
em evolução.” (BACHELARD, 1972, p. 201).
Marc Bloch está de acordo com Bachelard, quando diz :

Nossa atmosfera mental já não é a mesma. A teoria cinética dos gases, a


mecânica einsteiniana, a teoria dos quanta, alteraram profundamente a ideia
que ainda ontem toda gente formava da ciência. Não a apoucaram.
Mas tornaram-na mais flexível. Substituíram, em muitos pontos, o certo
pelo infinitamente provável; o rigorosamente mensurável pela noção da
eterna relatividade da medida. Não sentimos já a obrigação de
procurar impor a todos os objetos do saber um modelo intelectual
uniforme, haurido nas ciências da natureza física; pois até nesse domínio
tal modelo deixou de ser aplicado. (BLOCH, 2001, p. 49).

O século XIX teve grande importância não somente para a


história, como também para outras ciências sociais. Até então, esse
campo do saber ficou um tanto relegado, em face do pensamento
naturalista que, por três séculos, dominou o espírito científico europeu.
O científico teria de ser demonstrado matematicamente, como
afirmamos acima, concepção que teve sérias consequências para a
história, passando os historiadores a assimilarem os métodos
naturalistas à procura de leis, desviando-se de sua própria tarefa, isto é,
a compreensão dos fatos históricos. Os que se arriscaram nessa empresa
colheram resultados negativos.

36
Teoria, História e Memória

Em consequência disso, surgiu uma filosofia positivista a


serviço das ciências naturais e, sob essa influência, uma historiografia
positivista, cujos representantes encontram-se em vários países.
O historiador Toynbee tem sido criticado por adotar princípios
derivados das ciências naturais. Tudo isso persiste, apesar de
os filósofos alemães terem definido, no século XIX, posições
completamente lógicas quanto às ciências históricas.
Dilthey, Windelband, Xenopol e Rickert exerceram influência
decisiva no pensamento filosófico do século XIX, ao estabelecerem
a distinção entre ciências naturais e culturais. O primeiro, na
“Introdução às Ciências do Espírito, assumiu a posição – onze
anos antes de Windelband – de que a História trata de indivíduos
concretos e as ciências da natureza tratam de generalizações abstratas.”
(COLLINGWOOD, s/d., p. 267). O segundo, em 1894, afirmou que
a história e a ciência são duas coisas diferentes, cada uma delas com
o seu método próprio. “A ciência – explicou – tem por objetivo a
formulação de leis gerais; a história é a descrição de fatos individuais.”
Batizou pomposamente esta distinção, afirmando que há duas espécies
de ciência: ciência nomotética, que é a ciência, no sentido vulgar da
palavra, e a ciência idiográfica, que é a história (COLLINGWOOD,
s/d., p. 73).
Xenopol chamou a atenção para a diferença entre fatos de
sucessão (na história) e fatos de repetição (nas ciências naturais), para
aprofundar as características diversas entre as ciências. Para ele, as
ciências de repetição caracterizam-se pela formulação de leis e as de
sucessão, pela série histórica, que é única e particular nas condições de
tempo em que se realiza. (RODRIGUES, 1957).

37
Elza Régis de Oliveira

É preciso que se diga que essa concepção de ciência era


própria do século XIX. Hoje, sabemos que os fenômenos de repetição
ocorrem, sobretudo, na história econômica e que as ciências sociais,
para alçarem a categoria de ciência, não precisam da formulação de
leis. (LE GOFF, 1988).
Rickert não somente estabeleceu a diferença entre os dois
tipos de ciência, mas chegou às últimas consequências metodológicas.
Declarou que “as ciências naturais e as do espírito se acham agora
nitidamente separadas desde o ponto de vista de seu conteúdo. É de
supor que, partindo da distinção de seus materiais, seja possível assim
compreender a distinção entre seus métodos.” (RICKERT, 1971, p.
36-37).
Até o final do século XIX, a história foi o que se convencionou
chamar de história tradicional, fiel aos princípios de uma metodologia
representativa do espírito historiográfico até então dominante. Nesse
mesmo século, Charles V. Langlois e Charles Seignobos, autores do
manual de metodologia Introdução aos Estudos Históricos, os quais
comentaremos adiante, concebiam a história de modo bem diferente
da centúria seguinte, sendo fácil precisar a nova orientação firmada pelo
grupo dos Annales. (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1972).
A história tradicional foi reduzida à descrição dos
acontecimentos políticos, à história dos reis, das guerras e até mesmo de
heróis. Conforme Braudel, “digamos mais claramente, em lugar de
événementielle o tempo curto, à dimensão dos indivíduos, da vida
cotidiana, de nossas ilusões, de nossas rápidas tomadas de consciência –
o tempo por excelência do cronista, do jornalista.” (BRAUDEL,
1978, p. 45).

38
Teoria, História e Memória

Um dos aspectos dessa historiografia que mereceu realce


foi o papel do indivíduo e dos grandes personagens como se estes
fossem, por si sós, capazes de conduzir a marcha dos acontecimentos
históricos. Assim, também, muitos teóricos atribuíram à raça e
ao meio um papel capital na história. (BERR, 1946). Hoje, não
é necessário muito esforço para se compreender que, muito mais
do que na atividade dos grandes personagens, a vida histórica deve
ser vista em todo o seu conjunto, sobretudo agora que dispomos de
novos métodos capazes de apreender a realidade social com maior
eficácia.
Na verdade, não se aceita mais o primado de um fator, na
explicação histórica, como fator determinante dos fatos. É preciso
levar em conta que o homem deve ser visto e estudado em seus mais
diferentes aspectos: econômico, social, político, demográfico, mental etc.
Presentemente, tem-se procedido a um revisionismo de certos
aspectos dessa historiografia, o que é perfeitamente coerente, uma vez
que a história pode e deve ser revista e reinterpretada por sucessivas
gerações de historiadores. Na historiografia contemporânea, nem
todos os defeitos resultantes de uma visão tradicional da história
foram completamente superados. Há, ainda, os que se satisfazem em
ser “ratos de arquivos,” entendendo que história se faz tão somente na
busca do documento. É evidente que a tarefa realizada pela heurística
quanto à descoberta, à classificação e à publicação de documentos, tem
contribuído para o progresso do conhecimento histórico. Mas essa
é apenas uma etapa do caminho que o historiador terá de percorrer,
seguida de outras que exigem maior habilidade, experiência e
completo domínio do seu ofício.

39
Elza Régis de Oliveira

Braudel (1978, p. 47) destaca:


A recente ruptura com as formas tradicionais da história do século XIX não
foi uma ruptura total com o tempo curto. Ela agiu, sabemo-lo, em benefício
da história econômica e social, em detrimento da história política. De
onde uma reviravolta e uma inegável renovação; de onde, inevitavelmente,
mudanças de método, deslocamento e centros de interesse com a entrada em
cena de uma história quantitativa que, certamente, ainda não deu a última
palavra.

Introducción a los estudios historicos, de Charles V. Langlois e


Charles Seignobos, 1897, obra fundamental de metodologia clássica, é
exaustiva nos pormenores, minúcias e regras que põe à disposição do
historiador para desempenhar o seu ofício. Os autores nos dão uma
noção clara das preocupações que envolviam essa metodologia e da
história que se praticou filiada aos mesmos princípios e
ensinamentos. É, sem dúvida alguma, uma obra imprescindível para
o conhecimento do historiador, mas é preciso não esquecer que a
história não se limita à crítica histórica. Evidentemente, como
manual, o citado livro encontra-se, em parte, desatualizado em face
dos novos progressos em torno da metodologia da história. O
referido livro nos dá uma ideia de história ainda muito presa aos
textos sem aqueles voos que, pouco depois, Marc Bloch e
Lucien Febvre alçaram.
Com isso, não queremos dizer que a crítica histórica esteja
superada mas, pelo contrário, afirmar a sua necessidade no trabalho do
historiador. Ela é tão válida e necessária que Jean Stengers, professor
da Universidade Livre de Bruxelas, escreveu uma das páginas mais
admiráveis sobre Unité ou diversité de la critique historique, mostrando
que o procedimento crítico é o que distingue o historiador amador do
historiador de ofício, e que “todos os historiadores dignos deste nome,
40
Teoria, História e Memória

todos os homens de ofício verdadeiro se reencontram e se comunicam


na aplicação de um mesmo método científico – a aplicação da crítica
histórica.” (STENGERS, 1963, p. 10).
Nesse mesmo estudo, Stengers chama-nos a atenção para a
diversificação da crítica histórica, conforme o assunto e os períodos
encarados. Ela depende da abundância ou limitação das fontes.
Traça-nos um perfil do que foi a crítica histórica feita por Pierre
Caron sobre os massacres de setembro de 1792, em Paris, e para a
qual este arrola quatorze testemunhas sobre o papel de Danton nos
massacres. Examina-as uma a uma, fazendo a eliminação das que julga
duvidosas, restando-lhe pouco mais que nada. Na verdade, costuma-
se responsabilizar Danton na participação dos massacres, mas Caron é
cauteloso ao perguntar:

Quais teriam sido, no momento dos massacres, seus sentimentos íntimos,


quaisquer que tenham sido suas reações? No fundo, diz Caron, nós não o
sabemos. Nós podemos unicamente formular hipóteses verossímeis e a
hipótese mais verossímil, tudo bem pesado, é que Danton tenha considerado
os massacres como um mal necessário. Eis, fortemente resumida,
uma página de crítica escrita por um especialista eminente de história
revolucionária. (STENGERS, 1963, p. 10).

A crítica acima é inflexível e aplicada a um fato da história


contemporânea. Stengers, apesar de muito exigente, não considera
essa crítica o modelo para a história contemporânea e muito menos
para um período onde as fontes são mais escassas. Refere-se à crítica
de Caron como um “caso limite”. Stengers examina, ainda nesse
seu estudo, como proceder com os textos únicos, fontes imprecisas
e certos aspectos da história das instituições, como, por exemplo,
os textos legislativos. Quanto às fontes únicas e duvidosas, é da

41
Elza Régis de Oliveira

opinião de que devemos sacrificá-las porque não há uma solução


intermediária; Para ele, “utilize-se a fonte ou renuncie de utilizá-la.”
(STENGERS, 1963, p. 10; 15).
Pierre Vilar sublinha a necessidade do método clássico ao
declarar:

Uma das primeiras coisas que o historiador tem o direito de exigir, desde
que se trate da história, é que as próprias regras de crítica clássica sejam
aplicadas. Se parte de um testemunho, é necessária a crítica do testemunho.
Não se pode partir de um testemunho não criticado. Nós temos então que
assumir todos os pontos do velho método histórico, que de fato não é mais
do que uma técnica absolutamente necessária. (VILAR, 1967, p. 41).

Ao nos referirmos ao livro de Langlois e Seignobos, dedicado


quase exclusivamente à crítica histórica, não tivemos a intenção de
menosprezá-lo, mas de demonstrar que os autores representam a
corrente tradicional da história. A obra de Seignobos História sincera
da nação francesa, ensaio de uma história da evolução do povo francês
é da linha conservadora de história. Lucien Febvre, um dos mais
críticos historiadores franceses da história "historicizante”, fez os
maiores ataques aos citados autores, à sua obra e à concepção de
história que defendiam nas inúmeras resenhas que escreveu
bem como nos Annales.
No apêndice do livro de Marc Bloch, Lucien Febvre manifesta
o desejo de ambos de dar um “novo Langlois e Seignobos, que teria
sido o manifesto de uma outra geração e a tradução de um espírito
muito diferente.” Frustou-o disso a morte de Marc Bloch. Desse novo
espírito que nos quiseram comunicar, não foram vãs as lições contidas
nos livros Apologie pour l’Histoire ou Métier d’Historien, de Marc

42
Teoria, História e Memória

Bloch, e Combats pour l’Histoire, de Lucien Febvre, acrescidas nos


Annales sob a direção dos dois.
Introducción al estudio de la história, de Ernest Bernheim,
é, pelo seu conteúdo, um livro preso à sua época, isto é, ao século
XIX. (BERNHEIM, 1957). Inserido dentro das mesmas perspectivas
metodológicas, norteou o espírito da investigação e do procedimento
do historiador, como Langlois e Seignobos. Ambos respiraram a
mesma atmosfera do método tradicional, sendo a historiografia
produzida a partir dessas linhas, portanto, um reflexo das mesmas
tendências metodológicas.
O século XIX, na Alemanha, do ponto de vista histórico e
metodológico, exerceu uma influência considerável nos rumos que
a história tomou, sendo atribuído semelhante papel ao que hoje
desfruta a França como escola de história, a partir dos Annales.
Bernheim apresenta no seu livro a seguinte divisão de história:
história narrativa, história pragmática e genética, que não nos serve,
em absoluto. Há muito tempo, se propôs a extinção das fronteiras
entre as ciências humanas como uma tentativa mais ampla de
análise e interpretação dos fatos. Esses compartimentos estanques,
especialmente na história, não têm nenhum sentido e só servem para
deformar a explicação da história. A sua concepção de história não
tinha sofrido as transformações que só ocorreriam no século seguinte.
Outro manual de Introducción al estudio de la história é o livro
de Bauer, cujo prefácio à primeira edição data de 1921. Apesar de
o autor ser do século XIX e a sua obra do início do século XX, suas
tendências se inclinam mais para aquele. (BAUER, 1957). Apresenta-
nos o referido autor a mesma divisão da história que já nos dava

43
Elza Régis de Oliveira

Bernheim, cujas críticas foram feitas linhas atrás. Sentimos que não
foi tocado pelo grande movimento de renovação da história, que
se esboçava no princípio do século XX, em que viveu. Já Langlois e
Seignobos não puderam escapar ao seu tempo.
Ao nos referirmos ao livro de Bauer, não deixamos de
reconhecer o domínio que exerceu sobre a matéria, ao tratar
da heurística, da crítica externa e interna. É bem alentada a sua
classificação de fontes, quando distingue as transmitidas oralmente,
por escrito e as que se agrupam sob o nome de plásticas. A sua
contribuição, como a de todos os autores do método clássico, foi
importantíssima e ainda o é, no que se refere principalmente à análise
crítica das fontes, meio ainda hoje indispensável ao historiador,
mesmo em face do surgimento de novos métodos.
Algumas das limitações que esses autores sofreram foram
próprias da época. A esse propósito, compreendemos muito bem
as críticas de Lucien Febvre ao referir-se a Seignobos. É claro que o
historiador, muitas vezes, está aquém do progresso da história. Por
outro lado, constatamos que nem todos acompanharam as últimas
renovações da história.
Hoje, há um equívoco perigoso para a história, cometido por
pessoas fascinadas pelos novos métodos no combate à história factual
ou tradicional como se esta tivesse perdido a sua importância diante
de tudo o que foi feito nesses últimos oitenta anos. O que se critica não
é o factual na história, mas o factualismo histórico. Lucien Febvre, que
sempre travou uma luta contra certos males da história, nunca chegou
a tal exagero, porque como historiador de profissão não podia cometer
tal tolice. Ele combateu a história “historicizante”, que professava Louis

44
Teoria, História e Memória

Halphen, no seu livro Introdução à História. A respeito dessa obra, Febvre


faz a seguinte observação: “Existe uma forma de história que, bastando
a si própria, pretende bastar também ao conhecimento histórico”. Suas
palavras encerram uma crítica ao livro de Louis Halphen a ao tipo de
história que se praticava. (MOTTA, 1978, p. 103-104).
Braudel faz também críticas à história tradicional mas
reconhece o seu valor quando diz: “ a história é a soma de todos as
histórias possíveis”. Com isso quer mostrar que, ao lado da história
conjuntural e da estrutural figura a história tradicional, visto que o
historiador pode e deve trabalhar com todos os tempos, uma vez que
eles se interpenetram. (BRAUDEL, 1978, p. 53).

REFERÊNCIAS

BAUER, Guillermo Wilhelm. Introducción al estudio de la Historia.


Barcelona: Bosch, 1957.
BERR, Henri. A Síntese em história. São Paulo: Perspectiva, 1946.
BERNHEIM, Ernest. Introducción al estudio de la historia.
Barcelona: Labor, 1957.
BLOCH, Marc. Introdução à história. Lisboa: Publicações Europa-
América, 1965. (Coleção Saber.)
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo:
Perspectiva, 1978.
BACHELARD, Gaston. Filosofia do novo espírito científico. Lisboa:
Presença, 1972.
CARVALHO, Joaquim Barradas de. Da História-crônica à história-
ciência. Lisboa: Livros Horizonte, 1972.

45
Elza Régis de Oliveira

COLLINGWOOD, Robin George. A Ideia de história. Lisboa:


Presença, s/d.
FEBVRE, Lucien. Combates por la historia. Barcelona: Ariel, 1971.
MOTTA, Carlos Guilherme. (Org.). Lucien Febvre. São Paulo, Ática,
1978.
LANGLOIS, Charles Victor; SEIGNOBOS, Charles. Introducción a
los estudios historicos. Buenos Aires: Pléyade, 1972.
PLEKHANOV. Reflexões sobre a História. Lisboa: Presença, 1970.
RICKERT, Heinrich. Introducción a los problemas da la filosofiía de
la história. Buenos Aires: Nova, 1971.
RODRIGUES, José Honório. Teoria da história do Brasil. São Paulo:
Nacional, 1957.
STENGERS, Jean. Unité ou diversité da la critique historique. In:
Raisonnement et démarches de l’historien. Belgique: Université
Libre de Bruxelles, 1963.
VILAR, Pierre. La Méthode historique. In: Dialetique marxiste et
pensée structurale. Paris: Tables Rondes, 1967.

46
Nova história e suas conexões com
as ciências sociais, ciências exatas e
ciências biológicas

Não podemos aludir à nova história sem nos referirmos


aos Annales, uma vez que estão intrinsecamente ligados, desde a
origem. Em 1929, em Estrasburgo, na França, Marc Bloch e Lucien
Febvre fundaram a revista de história Annalles, veículo das
novas ideias. Ambos pertenceram à Universidade de Estrasburgo.
Foi lá que se desenvolveu o espírito da interdisciplinaridade. Eles
foram os principais formuladores da nouvelle histoire. (REIS,
2000). No editorial do primeiro número dos Annales consta que o
objetivo é o de “renovar a história e promover a aproximação
com as ciências sociais.” (REIS, 2000, p. 112).
A revista foi publicada, em 1929, sob o título Annales d’Histoire
Économique et Sociale. Da redação dela participaram os historiadores
Henri Hauser, Georges Espinas, André Piganiol, Henri Pirenne, o
sociólogo Maurice Halbwachs, o economista Charles Rist e outros. Os
Annales receberam outros nomes: Annales d’Histoire Sociale (1934-
41), Mélanges d’Histoire (1942-44), depois, volta o nome Annales

47
Elza Régis de Oliveira

d’Histoire Sociale (1945), Annales: Économie, Societé, Civilisations


(1946), nome que conserva até hoje. (CAIRE-JABINET, 2003,
p. 118).
Marc Bloch (1886-1944) entrou para a Universidade de
Estrasburgo em 1919, após defender sua tese Rois et Serfs. Entre
outras obras de Bloch constam: Les Caractères originaux de l’histoire
rurale fançaise, La société féodale, Les rois thaumaturges, L’Étrange
défait. (CAIRE-JABINET, 2003, p. 126-127). Entre os aspectos
da renovação da história, defendeu um conhecimento
histórico a partir do presente, bem como a interdisciplinaridade.
Bloch viveu intensamente o seu tempo e como historiador de
ação entrou na luta clandestina contra o nazismo como militante dos
Movimentos Unidos da Resistência. Foi preso e na prisão escreveu
os manuscritos do Métier d’historien publicados após sua morte pelo
grande amigo Lucien Febvre, sob o título Apologie pour l’histoire ou
métier d’historien. Fez a “apologia da história, quando era sua principal
vítima.” Apologia não tem o sentido de elogio, mas de defesa da
história e do ofício de historiador. Detido e torturado pela Gestapo, foi
fuzilado em 16 de junho de 1944.
Lucien Febvre (1878-1956) foi também professor da
Universidade de Estrasburgo, onde entrou para lecionar em 1919.
É um especialista em século XVI. “Aborda a história através da
biografia, contemplando uma época e suas preocupações no destino
de uma personalidde: Lutero (Un destin: Martin Luther, 1928),
Rabelais (Le Problème de l’incroyance au XVIe. siècle; la religion de
Rabelais, 1942).”(CAIRE-JABINET, 2003, p.124). Considerado um
grande polemista, escreveu suas ideias sobre a história em centenas de

48
Teoria, História e Memória

artigos muitos dos quais publicados no seu Combats pour l’histoire e na


obra Pour une histoire à part entière. Febvre foi um dos mais ferrenhos
críticos da história tradicional. Defendeu a interdisciplinaridade, a
história total e global e a ampliação do conceito de fontes
históricas. (CAIRE-JABINET, 2003, p. 125). Tanto Febvre como
Bloch deixaram posteriormente Estrasburgo para lecionar em
Paris, atuando em instituições de ensino. Braudel retoma a
herança deixada por eles, completando a obra dos Annales e da
nouvelle histoire em proporções jamais atingidas.
Braudel (1902-1985) é não só continuador dos Annales mas
da nova história que ampliou, atualizou e divulgou aos quatro
cantos do mundo. Defendeu também a interdisciplinaridade, uma
nova temporalidade e concebeu novos métodos de história, como
o conjuntural e o estrutural. Entre as obras de Braudel destacamos:
La Méditerranée et le monde méditerranéen a l’époque de Philippe
II, Civilisation matérielle et Capitalisme du XVe - XVIIIe siècle, Écrits
sur l’Histoire, Histoire et sciences sociales, Le monde actuel, histoire et
Civilisations e Grammaire des Civilisations.
Conforme Dosse, existe descontinuidade do Projeto dos
fundadores, mas há continuidades, como a relação interdisciplinar,
entre outros aspectos. Ele diz que “a história chegou à fragmentação,
à produção de “migalhas” de conhecimento sobre “objetos-migalha.”
(REIS, 2000, p. 127), mesmo porque os fundadores dos Annales
defenderam a história global; porém a terceira geração dos Annales
(1968-1988?) não aceitou visões totais da história. Abordamos as três
gerações dos Annales, quando tratamos da História em Migalhas de
François Dosse.

49
Elza Régis de Oliveira

Dos Nouvelles Annales já falava Lucien Febvre quando lançou, em


1946, o Manifesto Face ao Vento, ao declarar: “Os Annales
modificam-se porque à sua volta tudo se modifica : os homens e as coisas;
em uma palavra o mundo: Extinguiu-se o mundo de ontem.
Extinguiu-se para todos.” (FEBVRE apud DOSSE, 2003, p. 151). Dosse
acha que esse é o momento do triunfo dos Annales e a derrocada da
história “historicizante” sob o impacto da Segunda Guerra Mundial. “A
partir de 68, fala-se em Nouveles Nouvelles Annales.” (REIS, 2000, p.
112). Desde a fundação os Annales se renovaram para continuar a
existir com tudo o que lhe foi acrescentado no decorrer do século XX:
novas fontes, métodos, objetos e técnicas. É nisso que reside o segredo de
serem os Annales sempre novos, apesar de ter completado oitenta anos,
em 2009.
A interdisciplinaridade constitui o núcleo central dos Annales e
da nouvelle histoire, marco da renovação dos estudos de história. O
recurso à interdisciplinaridade é uma forma de convivência
entre as ciências, no sentido de romper as fronteiras que separavam
umas das outras. Isso porque o estudo do social não deve ser feito
isoladamente. A história se enriqueceu na convivência com as
outras ciências sociais, ampliando a sua explicação à medida que
tomou emprestado métodos, objetos e técnicas de outras ciências,
notadamente da antropologia. No início da interdisciplinaridade,
o encontro da história foi com a economia, sociologia, geografia e
demografia. Depois, com outras disciplinas: a psicanálise,
antropologia, literatura e linguística. Houve encontro com as
ciências exatas, em particular, com a matemática e com as ciências
naturais – a biologia.

50
Teoria, História e Memória

Relação entre a história e a antropologia

No início, deu-se a aproximação da História com a


economia, sociologia, geografia, demografia, antropologia e
psicologia. Todas estas, pela união com as ciências sociais,
passaram a ser ciências compostas: história econômica, história
social, geo-história, demografia histórica, antropologia histórica e
psicologia histórica. Foram feitas também alianças com as
disciplinas: linguística, literatura, semiótica etc. O resultado desse
convívio tem sido muito proveitoso.
Para Le Goff, "a história econômica e social [...] não é mais
a frente pioneira da história nova: a antropologia – de pouco peso
no início dos Annales, ao contrário da economia, da
sociologia, da geografia – tornou-se a interlocutora privilegiada.” (LE
GOFF, 1988, p. 53). Conhecida a aproximação com as outras ciências
sociais e com o resultado positivo a que se chegou, os novos Annales
lançaram um novo olhar para a antropologia.
A aproximação entre a história, a antropologia e as outras
ciências foi uma tarefa difícil. Não devemos menosprezar a atuação
da nova história, no que diz respeito às articulações e diálogos que
empreendeu para que essa união se concretizasse.
Em relação à antropologia histórica podemos colocar entre
os aspectos da civilização material ou cultura material, vários itens
pela abrangência do estudo da antropologia. Na lista de setores
incluídos nesse conceito por Carlos Reis, temos: “o meio ambiente, a
ecologia, a vida cotidiana, habitação, alimentação, vestuário, técnicas,
ofícios, instrumentos de trabalho.” (REIS, 2000, p. 113). Além da
cultura material, destacamos a cultura imaterial. Marconi e Presotto

51
Elza Régis de Oliveira

(2007, p. 26) relacionam crenças, conhecimentos, aptidões, hábitos,


significados, normas, valores.
Le Goff acrescenta:

A antropologia conquistou a história por baixo, isto é, pelas expressões mais


anódinas, menos formuladas, da vida cultural: as crenças populares, os ritos
que impregnam a vida cotidiana ou se prendem à vida religiosa, as culturas
minoritárias ou clandestinas, em suma o folclore. (LE GOFF, 1988, p. 148)

Foi com a escola dos Annales que uma nova perspectiva


surgiu para o historiador com a abordagem da cultura material. Com
Braudel, temos o estudo da cultura material na sua obra Civilização
Material e Capitalismo. Alguns dos temas tratados por Braudel, na
obra acima citada, incluem: alimentação, moradia, vestuário, técnicas,
moedas etc. (BRAUDEL, 1970, p. 215, 252, 318, 361).
Le Goff afirma: “a vida material são os homens e as coisas, as
coisas e os homens.” (1988, p. 185). Acrescenta: “Para rejuvenescer a
denominação antiga de história dos costumes, poderíamos definir a
antropologia histórica como uma história dos hábitos: hábitos físicos,
gestuais, alimentares, afetivos, hábitos mentais. Porém, que hábito não
é mental?” (LE GOFF, 1988, p. 133).

Relação entre a história e a matemática

Ocorreu uma aproximação importante entre a história e a


matemática. Braudel discorre sobre a necessidade de “preparar o social
para as matemáticas do social, que deixaram de ser unicamente as
nossas velhas matemáticas tradicionais: curvas de preços, de salários,
de nascimentos.” (BRAUDEL, 1982, p. 28). Ele assinala:

52
Teoria, História e Memória

O que se põe à disposição das matemáticas sociais qualitativas não são os


números, mas relações que devem ser definidas com suficiente rigor para
poder ser-lhes atribuído um sinal matemático, a partir do qual serão estudadas
todas as possibilidades matemáticas desses sinais, já sem preocupações com a
realidade social que representam. (BRAUDEL, 1982, p. 32).

Le Goff esclarece: “Uma nova ciência nasceu, a matemática


social, mas a sua utilidade tem sido até hoje mais clara para a
sociologia, a psicologia, a linguística e a geografia, do que para a
história.” (LE GOFF, 1988, p. 48).
A história quantitativa é a entrada sistemática do número,
da quantidade no domínio da interpretação histórica. A partir de
1946, a segunda geração dos Annales radicalizou uma abordagem
quantitativa. A quantificação invadiu várias especialidades da história.
É claro que nem todos os fatos históricos são quantificáveis, uma vez
que importantes épocas históricas não dispõem de documentação
estatística. Na história quantitativa, os temas dominantes são os
econômicos: salários, preços, rendas e demográficos: nascimentos,
casamentos e mortes.
Observa o autor de A História Nova que o fato histórico
tornou-se fenômeno de repetição.

O historiador-economista fi ca surpreso com a frequência das repetições.


Não é que só a repetição lhe interesse. Ao contrário de alguns economistas,
ele não despreza o singular. Na história econômica, ao contrário do que se
observa em outras partes da história, tudo o que é importante é repetido.
Mais ainda: os fenômenos de repetição não acontecem na curta duração
mas na média e na longa duração, onde é possível constatá-los. (LE GOFF,
1988, p.107).

Na história quantitativa destacamos o nome de François


Simiand, que não era historiador mas economista e sociólogo.

53
Elza Régis de Oliveira

Segue-se, mais tarde, Ernest Labrousse, cujos trabalhos


enriqueceram a análise e a explicação dos fatos históricos. A obra
de Simiand, sob o título Recherches anciennes et nouvelles sur le
mouvement général des prix du XVIe siècle au XIXe siècle e a de
Ernest Labrouse: Esquisse du mouvement des prix et des revenus en
France au XVIIIe siècle, confirmam o sucesso da aplicação do método
quantitativo na história, cujo emprego não se limitou, mesmo a
princípio, à França.
Os trabalhos de Earl J. Hamilton, publicados em 1933 e
1936, imprimiram um maior vigor no desenvolvimento do
método quantitativo. As suas obras são consideradas por Magalhães
Godinho como as de maior originalidade, depois da Primeira Guerra
Mundial. Não devemos esquecer o nome de Henri Hauser nem a
sua obra Recherches et documents sur l’histoire des prix en France
de 1500 à 1800. Citemos também François Furet e o seu trabalho Le
quantitatif en histoire. Deixamos de mencionar outros autores
da história quantitativa, por serem muitos.
Ainda, Godinho faz a seguinte advertência:

Para a análise histórico-estrutural, são indispensáveis séries extraídas de


fontes homogêneas e contínuas, com identidade de local, ao longo de muitas
dezenas de anos, e se possível, ao longo de séculos, ora em relação aos
preços que tais séries são mais fáceis de coligir, ora em relação aos salários.
(GODINHO, s/d. p. 90, 91, 106).

É importante ressaltar que os preços funcionam como uma


espécie de “termômetro”, diagnosticando as fases de alta e baixa,
portanto, de flutuações da atividade econômica. Outros preferem
situá-los como “indicadores” dessa marcha.

54
Teoria, História e Memória

Relação entre a história e a biologia

Le Goff afirma:

Esse encontro surge do desejo da história nova de construir uma história do


homem total, com o seu corpo e sua fisiologia situados na duração social.
Surge também da preocupação de grandes biólogos em fazer da história
de sua ciência um instrumento de pesquisa, fazendo intervir a história, a
geografia, a antropologia, a sociologia, a demografia.(LE GOFF, 1988, p. 48).

Essa aproximação com a biologia dá-se também devido à


separação que houve entre natureza e cultura, o que sempre marcou
o paradigma clássico, ou seja, do Renascimento, paradigma obsoleto
devido aos avanços da ciência, em especial da biologia e em razão
de estar sendo construído o paradigma da complexidade, assim
denominado por Edgar Morin. Na verdade, não existe oposição entre
ciências naturais e culturais, uma vez que o homem é um ser biológico
e cultural. Voltamos a falar sobre história e biologia nos Paradigmas
da Ciência.
A interdisciplinaridade é um recurso que rompe as fronteiras
entre as ciências, no sentido de um melhor convívio. Assim, todas as
ciências podem se beneficiar dessa espécie de bem comum, ou
seja, emprestando ou tomando por empréstimo conceitos, métodos,
técnicas e objetos. Essa é a grande abertura para solucionarem-se
questões, darem-se explicações, recorrendo-se às ciências vizinhas, e
se avançar o conhecimento científi co.

55
Elza Régis de Oliveira

REFERÊNCIAS
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abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
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Rio de Janeiro: Cosmos, 1970.
BURGUIÈRE, André. Dicionário das Ciências Históricas. Rio de
Janeiro: Imago, 1993.
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dução de Laureano Pelegrin. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
DOSSE, François. A historia em migalhas: dos Annales à Nova
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GODINHO, Vitorino Magalhães. Introdução à história econômica.
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GUSDORF, Georges. Introduction aux sciences humaines. Paris:
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LE GOFF, Jacques (Dir.). A história nova. São Paulo: Martins Fontes,
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LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber: manual
de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul; Editora da UFMG, 1999.

56
Teoria, História e Memória

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves.


Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2007.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1999.
______. Novos paradigmas da ciência. Seminário Brasil século XXI.
Campinas-SP: UNICAMP, 1988. Texto mimeografado.
REIS, José Carlos. A Escola dos Annales. A inovação em História. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
______. História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade
e verdade. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

57
Paradigmas da ciência

Entendemos por paradigma um modelo, um padrão, uma


referência, algo a ser seguido. Tomemos como exemplo o paradigma
clássico, que, durante mais de três séculos, dominou o pensamento
científico. Como modelo de ciência, vale por um determinado tempo,
estando hoje em processo de superação. Podemos dizer que os grandes
avanços da astrofísica e da biologia genética são, até certo ponto,
responsáveis por uma nova visão de ciência e de mundo.
Este estudo é uma tentativa de resumir os paradigmas
da ciência: paradigma clássico ou paradigma da simplificação e
paradigma da complexidade ou bioantropossociológico, denominação
empregada por Edgar Morin. Interessam-nos, além de outros
livros seus, estes dois: Ciência com consciência (1999) e Introdução
ao pensamento complexo (2007), além de algumas das ideias do
historiador F. Sgarbi Lima, constantes do seu trabalho O Fim do
Paradigma Clássico (1982).
O estudo dessa temática surge do nosso desejo de entender
o porquê da separação entre ciências culturais, hoje ditas ciências
sociais, e ciências naturais – a biologia. Essa é uma falsa oposição, uma
vez que o homem é um ser biológico e cultural, como já afirmamos.

59
Elza Régis de Oliveira

Temos duas realidades que não podemos separar. Não há dicotomia


entre natureza e cultura. Hoje, tenta-se abandonar o paradigma
clássico que marcou a nossa visão de mundo e foi responsável pela
disjunção que comentaremos adiante.

Paradigma clássico ou da simplificação

Essa maneira de pensar o homem é própria do paradigma


clássico, ou seja, da simplificação, da disjunção entre natureza e
cultura, objeto e sujeito, que tem em Descartes um dos seus principais
formuladores. O homem não é o que afirmou aquele filósofo: uma
“máquina mecânica”, mas um ser biológico e cultural.
Argumenta Edgar Morin: estamos, portanto, no início
da formação de um novo paradigma, isto é, paradigma da
complexidade, que tenta fazer a inclusão de noções que, até o
presente, estão separadas. “Porque, se quisermos conhecer o homem,
do ponto de vista biológico, como um ser anatômico, iremos ao
departamento de biologia e se quisermos estudar o homem cultural
nos departamentos das ciências humanas e sociais.” (MORIN, 1988,
p. 16).
Para melhor compreensão nossa Morin se expressa da seguinte
forma:
De um lado, temos um universo dos objetos objetivos, submetidos
ao conhecimento determinista e do outro temos o universo do
sujeito, do espírito, entregue ao conhecimento subjetivo, reflexivo.
Efetivamente, temos uma separação histórica entre o que podemos chamar
a cultura humanística, reflexiva, filosófica e literária e a cultura científica
que vai se desenvolver, notadamente, a partir do século XIX. (MORIN,
1988, p.6).

60
Teoria, História e Memória

Não é possível entendermos o paradigma da complexidade


sem uma visão do paradigma da simplificação. Este é que põe
ordem no universo e expulsa dele a desordem. Podemos dizer
que hoje a ciência convive com a ordem e com a desordem, com
a harmonia e com a desarmonia. Também com o que é aleatório.
Para os astrofísicos, o universo surge de uma grande explosão.
Big-Bang é “a teoria segundo a qual o universo, em seu estado
inicial, apresentava-se sobre forma bastante condensada e que
sofreu violenta explosão.” (MICHAELIS, p. 326). Para Morin, “isto
nos conduz a uma idéia espantosa: o universo começa como uma
desintegração, e é ao se desintegrar que ele se organiza.” (MORIN,
2007, p. 62).
Observamos que os grandes domínios aparecem separados:
ciências do homem, ciências biológicas e ciências físicas. A nova
história fez da interdisciplinaridade um instrumento de superação, no
sentido de que a história saísse do isolamento em que se encontrava,
passando a conviver com as demais ciências sociais. Essa colaboração
mútua enriqueceu não só a explicação da história, mas também
de outras ciências sociais. Por que não recorrermos também à
transdisciplinaridade?
O historiador Sgarbi Lima, no seu trabalho O Fim do
Paradigma Clássico, diz:
O homem de Pico della Mirandola – podemos dizer: o homem do
Renascimento – é fruto de uma antropologia bíblica que o desarticula da
natureza e o coloca no plano sobrenatural; o homem de Monod [Jacques]
resulta de uma antropologia biológica, ou melhor, de uma antropologia
genética, de base bioquímica, e aparece inteiro com natureza. (LIMA, 1988,
p. 142).

61
Elza Régis de Oliveira

Afirma ainda: “para compreender o homem, é necessário


inseri-lo de vez na natureza.” (LIMA, 1982, p. 145).
A ciência clássica eliminou a aleatoriedade. Hoje, a ciência
admite a aleatoriedade para compreender tudo o que é evolutivo.
Diz Morin (1999, p. 29): “não existe um universo acabado, finito e
pronto para funcionar eternamente. Existe uma extensão, um espaço-
tempo indefinido, infinito.” A ciência clássica excluiu o observador da
observação. Hoje, o conhecimento científico exige que o observador se
inclua em sua observação.

Paradigma da complexidade

Ainda quanto aos paradigmas, Morin mostra que é preciso


outro princípio de explicação que não seja o da separação, que marcou
o paradigma clássico ou da simplificação. Como já afirmamos, a
ciência convive com a ordem e com a desordem, com a harmonia
e com a desarmonia. Foi exatamente o velho paradigma clássico,
hoje em crise, que manteve a “grande disjunção natureza e cultura,
objeto e sujeito.” (MORIN, 1999, p. 30).
Está em formação o novo paradigma da complexidade, que
tenta fazer a inclusão de tudo o que foi rejeitado antes. A ciência
clássica eliminou a desordem, o cosmo, a natureza, o homem. “O
cosmo e a ressurreição do cosmo se situam entre os anos 20 e os anos
60. Também a ressurreição do homem, mas não ainda em todas as
ciências humanas.” (MORIN, 1988, p. 15).
Na verdade, os grandes avanços da ciência, em especial os da
biologia, ciência mais revolucionária, com a decifração do código

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Teoria, História e Memória

genético, sequenciamento do DNA, revolução genética in vitro,


engenharia genética, clonagem, uso de células-tronco, conduzem os
cientistas à formação de um novo paradigma mais complexo e mais
rico de explicação do universo, o paradigma da complexidade, como
já nos referimos. É provável que todas essas conquistas científicas
tenham possibilitado “um novo modo de pensar o real”.

Ciências humanas e, em especial, a história

Diz Morin (1988, p. 12-13):

Algumas ciências humanas acham que podem se constituir eliminando


o homem. É o que sugere Lévi-Strauss: As ciências humanas devem se
constituir não se fundando sobre a idéia de homem, mas a eliminando.
Finalmente, podem-se fazer ciências humanas, e mesmo Psicologia,
eliminando o homem para ver pulsões, comportamentos.

Os historiadores dos Annales, movimento de renovação


da história (1929), foram acusados de fazer uma história
“antropocêntrica”, na qual o homem é o principal objeto. Em seu
livro, A História em Migalhas, François Dosse afirma: “o homem
permanece no centro do discurso dos Annales. Ele é o objeto da
História. O homem dos Annales é o homem médio, não o homem
eterno, não a natureza humana, mas o homem social percebido no
meio da sociedade circundante.” (DOSSE, 2003, p. 144). Ele acusa
os historiadores dos novos Annales pelo fato de o homem estar
descentrado ou até mesmo ausente do discurso histórico, como o fez
Le Roy Ladurie. Complementando, Carlos Reis diz que este autor
“falará de uma ‘história imóvel’ e de uma ‘história sem os homens’.

63
Elza Régis de Oliveira

Esta última, ele a fará através da história do clima, que não pretende
explicar a história humana [...], mas tratando os fatos sociais como
coisas.” (REIS, 2000, p. 116).

O apelo dos cientistas das ciências da natureza

Os historiadores entenderam o apelo dos cientistas das ciências


da natureza. Com estes, mantiveram um diálogo o que sempre
recusaram antes. Portanto, é com propostas transdisciplinares que, em
1972, Emmanuel Le Roy Ladurie, historiador francês, ficou ao lado de
Jacques Monod, biólogo, e de François Jacob, biólogo e geneticista,
num colóquio intitulado: “L’Unité de l’homme: invariants biologiques
et universaux culturels,” colóquio esse proposto por Edgar Morin.
O que se busca é a explicação do homem recorrendo-se a todas as
ciências: “Não se quer as partes do todo, mas o todo das partes”, o
homem total. Diz Morin: “Eu tenho como impossível o conhecimento
do todo sem conhecer singularmente as partes, mas eu tenho como
impossível também conhecer as partes sem o conhecimento efetivo do
todo.” (MORIN, 1988, p. 14).
Diante de todo esse processo de associação, recomposição e
revolução epistemológica pelo qual passaram as ciências, Edgar Morin
acredita no surgimento de uma nova ciência e na construção do
paradigma da complexidade, que virão de novos conhecimentos e de
novas descobertas científicas.
Observou Sgarbi Lima:

a substituição do paradigma é um processo lento, geralmente silencioso,


quase imperceptível. A mutação em curso esboça-se, historicamente, na

64
Teoria, História e Memória

primeira metade do século XX e alcança, no período de 1960 a 1980, sua fase


de maior celeridade. Essa mutação decorre, notadamente, das conquistas
havidas no campo das ciências naturais e da tecnologia, e não por efeito de
inovações conceituais ou metodológicas que tivessem ocorrido nas ciências
sociais. (LIMA, 1982, p. 141).

Concluindo, entendemos que, para se conhecer o homem, é


preciso cessar de vez com as fronteiras existentes entre as ciências
à busca do homem total.

REFERÊNCIAS
BURGUIÈRE, André. (Org.). Dicionário das Ciências Históricas.
Rio de Janeiro: Imago, 1993.
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MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand
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65
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______. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Tradução de


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______. Novos paradigmas da ciência. Seminário Brasil século XXI.
Texto mimeografado. Campinas, SP: UNICAMP, 1988.
REIS, José Carlos. História e teoria: historicismo, modernidade,
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______. A Escola dos Annales: a inovação em História. São Paulo: Paz
e Terra, 2000.

66
Espaço da história

Com esta temática não nos propomos mergulhar com


profundidade nesse vasto campo, mas apenas fazer considerações
sobre algumas das ciências que compõem este imenso universo. Em
um dos textos aqui publicados escrevemos sobre a nova história e suas
conexões com as ciências sociais, com as exatas e com as biológicas.
Nele tratamos da relação entre a história e a antropologia. Por essa
razão, não iremos tecer novas considerações sobre esta última. Outro
assunto, a demografia histórica: pelas mesmas razões, não faremos
novas colocações sobre o tema.
Decidimo-nos a intitular este trabalho Espaço da História
porque já tínhamos outros títulos, como o Território do Historiador, de
Le Roy Ladurie, Domínios da História, de Ciro Flamarion Cardoso e
Ronaldo Vainfas, o Campo da História, de José D’Assunção Barros. O
alargamento desse espaço data de muitas décadas. Não podemos dizer
que foi uma conquista fácil porque houve marchas e contramarchas e
incorporações gradativas, apesar dos ataques de estruturalistas, como
Lévi-Strauss.
Não foram cordiais mas tensos os diálogos e debates de Claude
Lévi-Strauss com os historiadores e, em particular, com Braudel.

67
Elza Régis de Oliveira

O pensamento estruturalista, que dominará os anos 60, atacava a história


com uma velha argumentação: factual, narrativa, diacronia simples, não
científica. E exige formalização matemática, ênfase no repetitivo, recusa da
cronologia e do tempo concreto por um tempo lógico, categorial. (REIS,
2000, p. 103).

Hoje, essa acusação não tem sentido, uma vez que “os
fenômenos de repetição ocorrem sobretudo na história econômica.
Nesta, ao contrário do que se observa em outras partes da história,
tudo o que é importante é repetido.” (LE GOFF, 1988, p. 107-108).
Braudel, “parceiro-adversário dos estruturalistas”, não deixa
sem respostas os ataques feitos por Lévi-Strauss. Aquele “será obrigado
a lembrar Lévi-Strauss que ele estava desinformado sobre a história,
que ele se referia a uma história que, desde os anos 20, não existiria
mais.” (REIS, 2000, p. 103).
As fronteiras estão abertas e sem limites. Nesse particular, não
há recuo, tendo em vista a dimensão que essa abertura tomou. É como
se fosse um mercado comum entre as ciências sociais, utilizando-se de
um bem comum que é patrimônio de todos – a interdisciplinaridade.
Um dos primeiros historiadores que percebeu a necessidade do
alargamento das fronteiras da história foi Lucien Febvre, como uma
maneira de superar a crise que a história passava no início do século
XX. Na sua conferência Viver a História, pronunciada, em 1941, em
Paris, convoca os historiadores para a convivência com as
outras ciências sociais. (FEBVRE, 1965, p. 32).
Braudel defende, como Febvre, a união com as ciências sociais
‒ a interdisciplinaridade. Sobre a relação da história com as ciências
sociais, une a prática à teoria, no seu livro La Mediterranée et le monde
méditerranéen à l’époque de Philippe II, ao abrir um capítulo sobre a

68
Teoria, História e Memória

influência do meio ambiente, a economia, a sociedade e a política


do Mediterrâneo. É considerada uma "obra de geo-história".
O nome da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale
anuncia que a nova história seria econômica e social e não mais política.
As primeiras alianças da história foram feitas com a economia, geografia,
sociologia, demografia, antropologia e, depois, com a psicologia e
psicanálise. É preciso que se diga que, de início, a psicologia, a economia
e a sociologia resistiram a esse “abraço conciliador da história”. Depois,
foram feitas novas alianças com outras disciplinas.
Em relação ao campo da história, podemos citar:

História da cultura material, geo-história, história social, história


demográfica, história econômica, história política, história cultural, história
antropológica, história das mentalidades, historia do imaginário, história da
sexualidade, história da arte, história das ideias, história do direito, história
da vida privada, história da religião. (BARROS, 2004, p. 18, 19).
Portanto, uma profusão de domínios. Incluem-se também a
história psicológica e a psicanalítica. Temos, portanto, especialidades e
sub-especialidades nesse domínio que não pára de se expandir.
A renovação da história passou pela geografia humana s ob a
inspiração de Paul Vidal de la Blache. Foi criada a escola
geográfica francesa. Toda a renovação da geografia humana era
produzida pela revista Annales de Géographie, que desde 1891
circulava na França. Houve aproximação entre historiadores e os
geógrafos. Os Annales d’Histoire Économique et Sociale foram
inspirados nos Annales de Géographie. "O Espaço: é
a geografia." O Tempo: é a história".(CAIRE-JABINET, 2003,
p.118).

69
Elza Régis de Oliveira

Lucien Febvre utilizou o espaço geográfico para escrever a sua


obra La terre et l’évolution humaine. Ele sofreu a influência do seu
professor Vidal de la Blache. Braudel, através de La Mediterranée et
le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II, “abordou aqui um
espaço e não um estado, uma paisagem extensa, o diálogo do homem
com a terra, com o clima. A ação humana se ordena no duplo campo
do espaço e do tempo.” (REIS, 2000, p. 24).
O prestígio de que já gozou a história econômica vem dos
primeiros tempos dos Annales. Na época de Bloch e Febvre, sessenta
por cento dos trabalhos publicados versavam sobre história
econômica. Depois, a produção caiu para quarenta por cento,
ficando numa posição bem inferior ao que foi anteriormente. Nas
décadas de 1960 e 1970, houve uma efervescência dos estudos de
história econômica e, depois, uma retração. (CARDOSO; VAINFAS,
1997).
Para Le Goff "a história econômica e social não é mais a linha
de frente da nova história e sim a antropologia". Posteriormente, a
história social procurou delimitar o seu espaço. Para Reis (2000, p. 110),
“Albert Soboul procurará definir o seu campo, distinguindo-o do campo
da história econômica e demográfica. Soboul procura traçar a separação
e a complementariedade entre história econômica e social.” A história
econômica e social enveredou pela quantificação, que é utilizada na
análise dos fenômenos econômicos e sociais. A história quantitativa surge
ao lado da história econômica em oposição à história política tradicional.
A questão da quantificação em história foi abordada num dos textos deste
livro, sob o título Contribuição dos novos métodos e estudos de história.
A história social, por ocasião da criação dos Annales, situou-
se ao lado da história econômica, o que se confirma pelo nome
70
Teoria, História e Memória

Annales d’Histoire Économique et Sociale, em oposição à historiografia


factualista. A questão que se coloca é se a história social é uma
especialidade ou uma subespecialidade da história.
Barros, adverte:

Não é o tipo de fato ‒ político, econômico, social ou cultural por definição


‒ o que define uma subespecialidade da história, mas sim o enfoque que o
historiador dá a cada um desses tipos de fatos [...]. A história social estuda
certos objetos mais evidentes: os modos e mecanismos de organização
social, as classes sociais e outros tipos de agrupamentos, as relações sociais
(entre estes grupos e dos indivíduos no seu interior), e os processos de
transformação da sociedade. (BARROS, 2004, p. 110; 112-113).

Tratamos de alguns aspectos da cultura material em um dos


trabalhos contidos neste livro, denominado Nova história e suas
conexões com as ciências sociais, ciências exatas e ciências
biológicas, onde Le Goff destaca a preferência da história nova pela
antropologia. Citamos a obra de Braudel, Civilização Material e
Capitalismo, onde ele estuda a alimentação, moradia, vestuário,
moedas etc. (BRAUDEL, 1970, p. 84, 145, 252, 361).
Além do que foi citado da cultura material, podemos incluir
o estudo dos utensílios. Barros destaca móveis, objetos decorativos,
ferramentas, máquinas e matérias-primas. Para ele, “o estudo atento
dos objetos da cultura material faz com que esta especificidade
da história esteja intimamente associada à arqueologia. Mas, de
qualquer maneira, a História da Cultura Material e a Arqueologia
frequentemente andam juntas.” (BARROS, 2004, p. 31-32). O
historiador da cultura material pode partilhar de outros enfoques
como a história das mentalidades, do imaginário e da história

71
Elza Régis de Oliveira

antropológica fazendo interconexões, mas conservando sua


especificidade. (BARROS, 2004, p.31).
Quanto ao estudo das mentalidades, podemos citar, no
início dos Annales, o trabalho de Lucien Febvre, Le Problème de
l’incroyance au XVIe siècle: La Religion de Rabelais (1942). Ele não foi
pioneiro nesses estudos, uma vez que, bem antes, Michelet publicou
La sorcière, em 1862. Da nova fase da história das mentalidades, após
Febvre, Robert Mandrou publicou Magistrats et sorciers en France
au XVIIe siècle, em 1968.(CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.135). Jean
Delumeau “estudou um complexo de medos de longa duração que
estruturaram o modo de sentir do homem europeu durante muito
tempo. Philippe Ariès e Michel Vovelle estudaram os sentimentos do
homem diante da morte.” (BARROS, 2004, p. 37-38).
Os historiadores das mentalidades fazem parte da nova
história, tendência esta que se afirmou com resultados positivos. Ainda
quanto aos medos, nas pegadas de Delumeau, podemos citar a obra
de Georges Duby Ano 1000, Ano 2000: na pista de nossos medos, um
paralelo entre “medos medievais, medos de hoje, inseridos na história
da cultura.” (DUBY, 1999, p. 11).
Na História da Cultura, Edward Thompson é
considerado um dos melhores historiadores ingleses e pioneiro na
renovação dos estudos culturais. A Escola Inglesa, à qual pertence,
foi decisiva para uma releitura do materialismo histórico, no
sentido de tornar flexível a visão dicotomizada entre infraestrutura e
superestrutura. A partir daí, “o mundo da cultura passa a ser
examinado como parte integrante do ‘modo de produção’ e não
como um mero reflexo da infraestrutura econômica de uma
sociedade.” (BARROS, 2004, p. 62).
72
Teoria, História e Memória

Thompson estudou a cultura popular através de movimentos


sociais ou de ritos a eles vinculados e “admite relações entre a
dita cultura das classes subalternas e das classes dominantes,
pretensamente hegemônica, esboçando uma noção de inter-relações
recíprocas entre os dois universos culturais.” (CARDOSO; VAINFAS,
1997, p. 157-158). Examina a cultura e a sociedade numa “perspectiva
popular, marginal, incomum, não oficial das classes oprimidas – o
que também o coloca como um dos pioneiros da chamada História
Vista de Baixo.” Uma das mais importantes obras de Thompson é a
Formação da Classe Operária Inglesa, em três volumes.
(BARROS, 2004, p. 66).
Integrando ainda a Escola Inglesa do marxismo, temos Eric
Hobsbawm e John Edward Christopher Hill. Este último, autor de O
Mundo de Ponta-cabeça e de A Revolução Inglesa de 1640, faz parte da
nova história cultural. Da Escola de Frankfurt temos figuras notáveis:
Theodor Adorno, Hebert Marcuse, Walter Benjamin e, depois,
Jürgen Habermas, sendo filósofos, sociólogos e psicólogos. “Voltam-se
para a cultura de massas, para o papel da ciência e da tecnologia na
sociedade moderna, para a família, para a sexualidade.” (BARROS,
2004, p. 71-72).
No que se refere à psicanálise, o historiador Durval Muniz (s/d.,
p. 6) diz:
A questão da racionalidade absoluta, já questionada por Nietzsche, sofre
um duro golpe com a descoberta do inconsciente por Freud. A descoberta
de que existem aspectos de nossa mente que não são controlados pela razão
e que, portanto, motivam ações, comportamentos, reações etc. que também
fogem de uma racionalidade total,

73
Elza Régis de Oliveira

fez com que fossem incluídos como fatos explicativos da


história aspectos antes desprezados pelo seu caráter
considerado menos racional: “o amor, o medo, o ódio, a paixão, o
mito, o sonho, o sexo, passam a ser temas históricos.” (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, s/d., p. 6).
Contra a história política, “historicizante” se insurgiram
os fundadores dos Annales, Bloch e Febvre. Era uma história
voltada para os grandes personagens, heróis, guerras, batalhas e
revoluções. História cronológica e linear. Esse tipo de história não
deveria mais ocupar um lugar de destaque na historiografia e, por isso,
o“objetivo número um dos Annales era destronar a história política.”
A nova história política não se ocupa com os heróis, os grandes
personagens da história, mas
Com as grandes massas anônimas, mesmo quando toma para seu objeto um
indivíduo, não visa mais a excepcionalidade das grandes figuras políticas,
como na história positivista, em que os historiadores acreditavam que os
‘homens fazem a História.’ (BARROS, 2004, p. 107).
A velha história política desde 1930 foi rejeitada pela mais nova
historiografia e, somente em 1980, retorna com um “sentido
novo.” (BARROS, 2004, p. 107).
Tudo o que foi rechaçado está de volta, ou seja,
os "fantasmas da história nova": o evento, a narração, a
história política, a biografia. (REIS, 2000, p. 135).
O modelo de narração que se imitava era o da biografia: entre o
nascimento e a morte, articulam-se os eventos de uma vida individual
(FURET, 1982, p. 73 e ss.). [...] A estrutura narrativa da história
tradicional significava isto: narrar os eventos políticos, recolhidos nos
próprios documentos, em sua ordem cronológica, em sua evolução
linear e irreversível, tal como se passaram. (REIS, 2000, p. 74).

74
Teoria, História e Memória

Hoje, a biografia aceita pela nova história leva em conta o


contexto em que o indivíduo viveu, para reconstruir o tecido social
sobre o qual o biografado atuou. É uma teia de esferas em que o
historiador tem de atuar: econômico, social, político, cultural.
Para o historiador José Jobson de Andrade Arruda, é preciso
“partir de um fragmento aparentemente desprezível, a vivência histórica
de um único ser humano e não de uma coletividade social, e avançar
rumo às formações sociais mais complexas, incluindo famílias, grupos,
instituições.” (GAUDÊNCIO, 2007, p. 14). Hoje, em vez de a biografia
ser unicamente política, como no passado, ela é sobretudo sociocultural.
O campo da história pluralizou-se, mas, por outro lado, temos a
fragmentação da história em inúmeros territórios particulares: história
cultural, história econômica, história social, história demográfica,
história antropológica, história do imaginário, história das ideias, entre
outras histórias. Vivemos na era da especialização, da subespecialização,
da micro-história, e não da história global ou total. “O oceano da
historiografia acha-se hoje povoado por inúmeras ilhas, cada qual com a
sua flora e a sua fauna particulares.” (BARROS, 2004, p. 9).
O autor de O campo da História assinala:

Os problemas pertinentes à fragmentação do saber afetam também,


de maneira intermitente, a prática historiográfica de nossos dias.
[...]Isolado no seu pequeno mundo, o historiador deve enfrentar os
riscos da sua hiper-especialização ao mesmo tempo em que recebe
estímulos sociais e institucionais para aprofundá-la cada vez mais.
(BARROS, 2004, p. 13-14).

Essa profusão de domínios não deixa de ser, de certa forma,


positiva mas, por outro lado, a hiperespecialização tem promovido a
perda do domínio de uma cultura mais completa e abrangente.

75
Elza Régis de Oliveira

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A moda que


incomoda: as novas tendências teóricas na historiografia brasileira.
Texto mimeografado, s\d.
BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e
abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais. Lisboa: Presença,
1982.
BURGUIÈRE, André. (Org.). Dicionário das ciências históricas. Rio
de Janeiro: Imago, 1993.
BURKE, Peter. A revolução francesa da historiografia: a escola dos
Annales, 1929-1991. São Paulo: EDUNESP, 1991.
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Org.). Domínios
da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.
DUBY, Georges. Ano 1000 ano 2000: na pista de nossos medos. São
Paulo: EDUNESP, 1999.
FEBVRE, Lucien. Combats pour l’Histoire. Paris: Armand Colin,
1965.
GAUDÊNCIO, Francisco de Sales. Joaquim da Silva: um empresário
ilustrado do império. Bauru, SP: Edusc, 2007.
LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
LOPES, Marcos Antônio (Org.). Fernand Braudel: tempo e história.
Rio de Janeiro: FGV, 2003.
REIS, José Carlos. A escola dos Annales: a inovação em história. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.

76
A Importância da demografia
na análise histórica

A Demografia conta com pouco mais de três séculos de


existência, desde o seu aparecimento na Inglaterra, por volta de 1660.
Surge naquele momento de mutação pré-estatística da civilização pré-
industrial. Nasceu de uma preocupação social, ou seja, a mortalidade,
que atingiu índices muito elevados naquele país. (CHAUNU, 1976).
Um dos primeiros trabalhos é o de John Graunt, publicado em
1662, sob o título Observations sur les bills de mortalité. “Graunt estuda
notadamente em seu livro a divisão dos falecimentos por idades, as causas
desses falecimentos, seu balanço com os nascimentos, o ritmo de cresci-
mento da população.” (GUILLAUME; POUSSOU, 1970, p. 245-246).
Seguindo quase a mesma linha de Graunt, William Petty
publica, em 1683, ses Observations sur les bulletins de mortalité de
Dublin et, en 1687, Essais d’arithmétique politique.
No fim do século XVII, na Inglaterra, as pesquisas de maior
importância são de Gregory King. Ele publica uma importante obra
intitulada Observations et conclusions naturelles et politique sur l’état et
la situation de l’Angleterre.

77
Elza Régis de Oliveira

Essa demografia tradicional é essencialmente voltada para


os estudos sobre a morte. Isso deve-se, em parte, aos problemas
que a fizeram surgir, problemas esses ligados ao alto índice de
mortalidade que, em 1660, afligia a Inglaterra, como já afirmamos.
Em 1760, dá-se o aparecimento da demografia francesa.
Em 1756, La Michodière teve a ideia de escrever La recherche des
naissances, mariages et morts de 1690 à 1699 et de 1747 à 1756,
comparando dois decênios. Em 1762, o abade d’Expilly tinha
começado a publicar seu Dictionnaire géographique, historique et
politique des Gaules et de la France. Em 1776, Messance, colaborador
de Michodière, publica Recherches sur la population des généralités
d’Auvergne, de Lyon, de Rouen et de quelques provinces et ville du
royaume. (GUILLAUME; POUSSOU, 1970, p. 248-249).
Além da publicação de todos esses trabalhos, entre 1750 e 1770,
aparece a obra de Moheau intitulada Les Recherches et considérations
sur la population de la France, publicada em 1778. Chaunu considera
teóricos os autores da demografia do final do século XVIII, incluindo
nessa categoria Malthus (1776-1834).
No fim do século XVIII e início do século XIX, um
autor polêmico destaca-se na demografia pelas posições
assumidas em torno de questões relativas a essa ciência. Trata-se
de Malthus, que, em 1798, publica sua obra Essay on the Principle
of Population as it Affects the Fature Improvement of the
Society, que se torna célebre. O sucesso que obteve o fez
aprofundar suas pesquisas em razão da consciência que
tinha da insuficiência de seus materiais. O ensaio de 1798
constitui apenas os primeiros capítulos das reedições
sucessivas.Em 1803, publica a segunda edição de seu ensaio, com
78
Teoria, História e Memória

uma documentação mais rica. O ensaio perde seu caráter de obra


polêmica.
P. Guillaume e J.P. Poussou fazem questão de dizer que as
ideias de Malthus não se encontram unicamente no Ensaio e nas suas
edições sucessivas, mas no artigo que escreveu em 1824 sob o título
Population e, em 1830, em outro, sob o título A summary View of the
Principle of Population.
Uma das suas ideias desenvolvidas no Ensaio e que até hoje
causa grandes discussões é a de que:

Montre que l’équilibre entre subsistances et population ne dépend ni de


l’homme, ni des structures socio-politiques, ni de leur perfectibilité: La
puisssance d’accroissement de la populations est infiniment plus grande
que cella de la terre à produire les subsistances de l’homme. La population,
quand elle n’est pas freinée, augmente selon une progression géométrique.
Les subsistances seulement selon une progression arithmétique. C’est en
quelques mots l’explication très simple des malheurs de l’humanité: la
population tend à dépasser ses moyens de subsistances. (GUILLAUME;
POUSSOU, 1970, p. 253-254).

Verdade é que Malthus tem sido não só criticado mas até


mesmo injuriado. Isto porque a sua teoria sobre a população é pouco
conhecida, mal empregada e até deturpada.
Para Jack Parson, a Teoria da População Total de Malthus é
bem mais complexa do que a simples equação homem-alimento pela
qual frequentemente é louvado ou atacado.

Acreditava que o homem está sujeito a leis naturais físicas e ecológicas e que
não pode fugir às suas consequências, mas também é dotado de inteligência
e capacidade de previsão que lhe permitem entender os mecanismos da
natureza e, se assim o quiser, evitar possíveis problemas. (PARSON, 1977, p.
29-30).

79
Elza Régis de Oliveira

Não podemos tirar conclusões apressadas e considerar


Malthus inimigo do crescimento populacional. Ele diz em seu Ensaio
desconhecer seus princípios como inimigo da população e chega a
declarar que os “inimigos” que combate são “o vício e a desgraça”. A
sua teoria se presta às mais diferentes interpretações, mas ocorre que o
maltusianismo não é todo o pensamento de Malthus.
Autoridades, como Guillaume e Poussou são da opinião de
que é preciso recolocar Malthus na sua época, porque não é justo
dissociar sua teoria do tempo em que viveu e dos problemas que se
descortinavam diante de seus olhos.

L’Essai a été connu pour un autre monde. Ce monde, c’est celui d’un XVIIIe
siècle où la disette, sinon la famine est toujours présente d’une Angleterre
où la misère ne cesse de s’accroître en nombres absolus sinon en nombres
relatifs, où les “lois des pauvres” ne remplissent nullement leur office. Cette
faim permanente, cette immense misère, c’était pour notre continent un
monde que s’achevait précisément dans l’Angleterre où vivait Malthus.
(GUILLAUME; POUSSOU, 1970, p. 259-260).

Com os Annales, a história deixa de ser uma


ciência confinada, abrindo um diálogo franco com as ciências
sociais. A interdisciplinaridade veio eliminar as fronteiras que
separavam as ciências umas das outras, oferecendo uma análise e
explicação dos fatos humanos sob uma visão mais ampla da realidade
social.
A demografia histórica, uma das mais novas ciências
sociais, com pouco mais de meio século de existência, demonstra
os bons resultados a que se chegou com trabalhos de grandes
demógrafos, tanto no Brasil como no exterior.
Chaunu afirma:

80
Teoria, História e Memória

De todos os casamentos entre ciência humana e história, nenhum outro é


tão frutuoso quanto este, a demografia é a mais central, a mais importante
das ciências do homem. Toda ciência humana, sem uma poderosa base
demográfica, não passa de um frágil castelo de cartas; toda história que
não recorre à demografia, priva-se do melhor instrumento de análise.
(CHAUNU, 1976, p. 375).

A história aproxima-se muito da demografia, visto ser ela a


ciência que lida com o tempo e com o espaço, mas também se liga a
este espaço, uma vez que ele só assume caráter de “entidade histórica”,
quando se refere ao número de homens que alimenta e faz crescer.
Dentro dessa perspectiva, o espaço é também função de demografia.
Chaunu acrescenta:

Toda a história está aí, na vida que flui, na vida que morre. A História, a
verdadeira, situa-se necessariamente no tempo da vida e no tempo da morte.
A morte é inteiramente própria da vida. O homem em face do homem é o
homem em face da vida, portanto, em face da morte. Sim, a demografia e a
história são realmente complementares. (CHAUNU, 1976, p. 376-377).

A demografia hoje não corresponde à simples contagem dos


seres humanos, uma vez que envolve um conjunto dos mais variados
problemas.
A propósito das afinidades entre a história e a demografia, André
Burguière faz a seguinte observação: “O historiador demógrafo recusa-
se algumas vezes a reconhecer nos fenômenos demográficos a marca
das contradições sociais, pelo seguinte motivo: ele se recusa a integrar os
fatos biológicos no discurso histórico.” (BURGUIÈRE, 1976, p. 63).
A ligação da demografia com a economia e com o
desenvolvimento econômico é um fato que se vem observando no
decorrer de toda a história. Não existe sociedade que apresente

81
Elza Régis de Oliveira

desenvolvimento sem demografia. Isso não é uma lei, mas uma


evidência científica. Por outro lado, nada impede que sociedades
tenham se desenvolvido sem crescimento populacional, mas o que
constatamos é que nas sociedades primitivas, agrícolas e industriais,
houve desenvolvimento econômico e crescimento populacional. Tudo
indica que esses elementos caminham paralelamente.
É preciso não esquecer os frutos da aproximação da história
com a estatística e desta com a demografia. Aquela tem sido
utilizada como método de investigação para os diversos ramos
do saber humano, a qual a história tem incluído em suas análises,
tirando o melhor proveito. Na história quantitativa, o seu êxito está
demonstrado nos trabalhos de François Simiand, Ernest Labrousse e
Earl Hamilton. Na demografia histórica, a sua importância tem sido
da maior relevância, haja vista o que se tem produzido nessa área
com o referido método. Assim, a estatística histórica e a demografia
histórica são grandes aliadas da história, abrindo novas perspectivas,
principalmente para a análise dos fatos socioeconômicos.

Desenvolvimento dos estudos de demografia histórica

Dizer da importância da demografia histórica é reconhecer


o significado de que ela se reveste para a história. Essa
nova abordagem da história deu outra dimensão no tratamento dos
fatos históricos. Hoje, o historiador não pode ignorar o dado
demográfico sob pena de suas análises conterem lacunas. Chaunu
tem razão em afirmar: “Toda história que não recorre à
demografia, priva-se do melhor instrumento de análise.” (CHAUNU,
1976, p. 375).
82
Teoria, História e Memória

Afirma Maria Luiza Marcílio:

O nascimento da demografia histórica prende-se à problemática dos


anos do pós-Segunda Grande Guerra. Por um lado, os países do chamado
Terceiro Mundo demonstraram desde então acelerado ritmo de crescimento
demográfico, devido essencialmente à queda acentuada de sua mortalidade.
Paralelamente, ao desenvolvimento industrial, ou imediatamente posterior
a ele, as taxas demográficas demonstravam tendências a mudanças,
iniciando-se em geral pela queda gradual da mortalidade, seguindo-se à
da fecundidade, frutos da industrialização, do progresso científico e da
urbanização. (MARCÍLIO, 1977, p. 1-2).

Na defasagem temporária entre a queda da mortalidade e


da fecundidade, estava um período de rápido crescimento relativo
das populações, ou seja, a fase da “transição demográfica”, até que
o equilíbrio fosse restabelecido nas “taxas industriais”, “onde a
mortalidade e a fecundidade, agora em níveis baixos, resultavam
no reencontro de um crescimento populacional normal e lento”.
(MARCÍLIO, 1977, p. 1-3).
Um dos primeiros trabalhos de demografia histórica em bases
científicas é do historiador Pierre Goubert, com o seu Beauvais et les
Beauvaisis de 1600 a 1730, contribution à l’histoire sociale de la France
du XVIIe siècle. Louis Henry, demógrafo, preocupou-se em investigar
a queda precoce e gradual da fecundidade francesa. Para isto, contou
com a ajuda do historiador e arquivista Michel Fleury, que lhe
mostrou a importância dos registros paroquiais franceses. Essas fontes
permitiram-lhes o estudo da fecundidade e da mortalidade
antigas. (MARCÍLIO, 1977). Além da França, Marcílio refere-se à
produção científica de estudos demográficos nos Estados Unidos, Grã-
Bretanha e outros países.

83
Elza Régis de Oliveira

Na América Latina, a demografia histórica tem despertado o


maior interesse. Estudos surgem na Argentina, México, Chile e Brasil.
Neste último país, destacamos o trabalho da historiadora e demógrafa
Maria Luiza Marcílio sobre A Cidade de São Paulo: Povoamento e
População (1750-1850), onde aplica os métodos de Louis Henry e
Michel Fleury.
Os estudos de demografia histórica envolvem questões da maior
relevância: casamento, ilegitimidade, o atraso na idade do casamento, fe-
cundidade, natalidade, mortalidade, celibato, práticas anticonceptivas e
expectativa de vida. Para o estudo desses assuntos, torna-se indispensá-
vel o recurso às fontes que possam responder a tais indagações.

Fontes e métodos

Thomas H. Hollingsworth escreveu sobre Uma conceituação


de demografia histórica e as diferentes fontes utilizadas em seu estudo,
no qual destaca as seguintes fontes: censo, registro civil da população,
nascimentos, mortes e casamentos, censos eclesiásticos, lista de
taxação de impostos, registros paroquiais, genealogias, seguros e listas
profissionais, outras fontes escritas e não escritas. (MARCÍLIO,
1977, 32-39).
Para a análise dessas fontes, se tem utilizado a matemática,
a estatística e o processamento eletrônico de dados, na tentativa de
responder às questões suscitadas pela demografia que tem os seus
componentes socioeconômicos.
Em síntese, podemos concluir que, apesar de a demografia
histórica ser uma ciência nova, o seu campo está semeado de fecundos

84
Teoria, História e Memória

trabalhos, fato de que podemos inferir que o seu amanhã será tanto
mais fértil quanto o presente.

REFERÊNCIAS

BURGUIÈRE, André. A demografia. In: História: novas abordagens.


Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.
CHAUNU, Pierre. História e demografia. In: A história como ciência
social: a duração, o espaço e o homem na época moderna. Rio de
Janeiro: Zahar, 1976.
GUILLAUME, P.; POUSSOU, J. P. Demographie historique.
Collection U. Paris: Armand Collin, 1970.
GOUBERT, Pierre. História social e demografia. In: A história social:
problemas, fontes e métodos. Lisboa: Cosmos, 1973.
HENRY, Louis. Manuel de démographie historique. Paris: Droz,
1970.
MARCÍLIO, Maria Luiza. Demografia histórica. São Paulo: Pioneira, 1977.
______. A cidade de São Paulo: povoamento e população (1750-
1850). São Paulo: Pioneira, 1974.
MEUVRET, Jean. Les données démographiques et statistiques en
histoire moderne et contemporaine. In: L’histoire et sés méthodes.
Encyclopédie de la Pléiade: Belgique: Gallimard, 1961.
NOUSCHI, André. Histoire et démographie. In: Initiation aux
sciences historiques. Paris: Fernand Nathand, 1967.
LASLETT, Peter. La vie quotidienne d’autrefois: la naissance,
le mariage, la mort. In: Un monde que nous avons perdu. Paris:
Flammarion, 1969.

85
Considerações sobre A História em
Migalhas de François Dosse

François Dosse não é um personagem estranho ao nosso meio.


Muito pelo contrário, esteve em João Pessoa no Simpósio Nacional
da Associação Nacional de Professores Universitários de História –
ANPUH - em 2003. Proferiu conferência, lançou seu livro, objeto
de nossas considerações, debateu conosco suas ideias. Enfim, a sua
presença foi marcante entre nós, especialmente pelo conteúdo de sua
“obra-libelo.”
Em primeiro lugar, Dosse situa os Annales, movimento de
renovação da História, de 1929, destacando os fundadores Marc Bloch e
Lucien Febvre. Analisa todas as fases que os Annales passaram: Na
primeira geração (1929-1946), foi fundada a revista Annales, marco
da renovação dos estudos de história, sob a direção de Bloch
e Febvre. (REIS, 2000, p. 93). Destaca-se um “terceiro nome fundador
dos Annales”: o de Ernest Labrousse. (REIS, 2000, p.97). Na segunda
geração (1946-1968), figuram Febvre e Braudel, além de outros
historiadores de expressão. “Braudel será a figura central da
segunda fase dos Annales.” (REIS, p. 102; 106). A terceira geração

87
Elza Régis de Oliveira

(1968-1988?) tem Braudel à frente. Na direção dos Annales, Braudel


não fica sozinho, a partir de 1968. Tem a colaboração dos
historiadores J. Le Goff, A. Burguière, E. Le Roy Ladurie, J.
Revel, M. Ferro, R. Mandrou, muitos da segunda geração dos
Annales, além de outros. (REIS, 2000 112; 115).
Sobre o livro A História em Migalhas: dos Annales à Nova
História, seu autor fez uma crítica contundente ao que chama de
novos Annales, com um tom de denúncia sobre os desvios do projeto
dos fundadores Bloch e Febvre. Dosse declara que o seu combate
à terceira geração é semelhante àquele travado por Bloch e Febvre
contra a história tradicional ou “historicizante” de Charles Victor
Langlois e Charles Seignobos, autores do século XIX, representantes da
escola metódica francesa. Esses desvios ele chama de “fragmentação”,
“descontinuidade” dos Annales e recebe os maiores ataques dos novos
Annales, cujas figuras exponenciais são Jacques Le Goff e Pierre
Nora, entre outros.
No prefácio de seu livro à edição brasileira, Dosse
comenta a reação do “núcleo dirigente dos Annales” à sua obra.
Os novos Annales tentaram ignorá-lo e “estabeleceu-se que
jamais se faria referência A História em Migalhas.” (DOSSE,
2003, p. 8). Porém, dada a repercussão da obra, inclusive no
Brasil, não foi possível mantê-la no anonimato. Braudel reafirma
os compromissos com os fundadores, inclusive com a
interdisciplinaridade, mas, para Dosse, “há um rompimento com
os fundadores.” Ele declara que o autor do La méditerranée et le
monde méditerranéen a l' époque de Philippe II inovou para continuar
a obra dos fundadores. Ele é cauteloso e diz: “Fernand Braudel
é, antes de tudo, um construtor de impérios e se ocupa em
88
Teoria, História e Memória

agrupar vassalos e em delegar-lhes poderes nas múltiplas parcelas do


território sobre que reina como mestre.” (DOSSE, 2003, p. 182-183).
Dosse considera Henri Berr precursor dos Annales e diz
que ele “preconiza a história-síntese, a história global, a história
que levaria em consideração todas as dimensões da realidade, dos
aspectos econômicos às mentalidades, em perspectiva
científica.” (DOSSE, 2003, p. 67-68). O autor da História em
Migalhas defende a continuidade do projeto dos fundadores. Entre a
década de 1930 e a de 1980, Dosse constata as seguintes
continuidades: “a mesma negação do político, e a mesma relação
interdisciplinar com as ciências sociais.” (REIS, 2003, p. 76). Existem
descontinuidades uma vez que os novos recusam a história global.
“Não se tem mais a história mas histórias.” (REIS, 2003, p. 76). A
nova história defende a pluralidade de objetos e de métodos.
O projeto original dos Annales situa-se na modernidade,
onde o Racionalismo e o Iluminismo figuram, entre outros temas. É o
império da Razão. “A Razão governa o mundo. A pós-modernidade
situa-se a partir de 1945, desde o fim da Segunda Guerra Mundial".
(REIS, 2003, p. 42).

A obra de Nietzche é um esforço para vencer a Razão. Ele nega o discurso


da modernidade, rompendo com a racionalidade do projeto moderno. A
pós-modernidade [...] desconstrói a metafísica humanística da subjetividade
moderna – deslegitima, deslembra, desmemoriza, quer esquecer o discurso
da Razão que levara ao totalitarismo, ao holocausto, às guerras mundiais.
Desacreditada, a Razão passa-se à sua desconstrução. (REIS, 2003, p. 42; 45).

Realmente, na pós-modernidade a história não é a mesma


dos Annales de 1929. Para Jacques Le Goff, a história é nova em

89
Elza Régis de Oliveira

apresentar “novos problemas”, “novos métodos” e “novos objetos”.


Muitos desses últimos pertencem ao domínio da antropologia. Para
ele, novos objetos foram incorporados à história.

Pela sua aparente intemporalidade, como o clima, o corpo, o mito, a festa,


seja pela sua inclinação para a história imóvel ou oculta: a mentalidade, os
jovens; seja pelas suas ligações com as novas ciências e seu desvio em direção
à história: o inconsciente da psicanálise, a língua da linguística moderna, a
imagem cinematográfica, seja, enfim, pela escandalosa mudança de ótica que
inflingimos a um objeto: o livro, considerado como um produto de massa e
não mais como produção de elite. (LE GOFF; NORA, 1976, p. 14).

A nova história ampliou o campo do documento histórico; não


só o documento escrito, como queriam Langlois e Seignobos, mas uma
“multiplicidade de documentos.” Le Goff (1988, p. 28) acrescenta:

Escritos de todas os tipos, documentos figurados, produtos de escavações


arqueológicas, documentos orais etc. Uma estatística, uma curva de preços,
uma fotografia, um filme, [...] uma ferramenta, um ex-voto são, para a nova
história, os documentos de primeira ordem.

A tônica dos fundadores dos Annales é o estudo do econômico


e social, em detrimento do político. Em sua História Nova, Le Goff
anuncia que a "história econômica e social dos fundadores não está
na linha de frente dos novos Annales."

A antropologia – de pouco peso no início dos Annales, ao contrário da


economia, sociologia, geografia – tornou-se a interlocutora privilegiada.
A fobia da história política não é mais um artigo de fé, porque a noção
de política evoluiu e as problemáticas do poder impuseram-se à história
nova. Do mesmo modo, como Pierre Nora mostrou, o acontecimento
está sendo reabilitado, em bases novas. A história das mentalidades e das
representações [...] tornou-se uma das principais linhas de força. (LE GOFF,
1988, p. 53).

90
Teoria, História e Memória

Para Marc Bloch, “a história é a ciência dos homens no


tempo”. Lucien Febvre acrescenta: “ciência da mudança perpétua das
sociedades.” Conforme nos referimos, esses historiadores foram
acusados de fazer uma história “antropocêntrica”, na qual o homem
é o principal objeto. (REIS, 2000, p. 96).
A segunda geração dos Annales foi dominada
pelo quantitativismo. Os estudos econômicos baseados na
estatística foram inspirados por François Simiand. Despontam nessa
fase Ernest Labrousse, Emmanuel Le Roy Ladurie, François Furet,
Pierre Vilar, Pierre Chaunu. Em relação à história econômica, social
e demográfica, temos, conforme Le Goff (2001, p. 77): “séries de
preços e salários, séries de registro civil antigo: batismos,
casamentos, enterros [...]; registros paroquiais [...]. contratos,
arrendamentos, testamentos, inventários”. São utilizados os
procedimentos da estatística. Para Le Goff (1988, p. 50), “o
documento básico, a unidade de informação é, de agora em diante, o
dado, não o fato, e o corpus é o agrupamento de dados reclamado
pelo computador.” Portanto, temos uma produção de fontes nunca
antes utilizadas.
Ainda, inovando os objetos, temos a obra de Georges Duby
sobre o medo: Ano 1000, Ano 2000: na Pista de Nossos Medos.
Citemos a obra de Peter Burke e Roy Porter: História Social da
Linguagem e a de Roger Chartier: A aventura do livro: do leitor ao
navegador. Hoje a atitude do historiador é de perplexidade diante
de tantas inovações nesse mundo globalizado, onde tudo fica
ultrapassado rapidamente pelos meios de comunicação
inclusive a Internet. Ainda para Reis, “nessa cultura pós-
moderna não se retém mais o passado, que é apenas evocado. Vive-
se um perpétuo presente.
91
Elza Régis de Oliveira

A função da mídia é manter vivo o presente-contínuo. A realidade é


transformada em imagens.” (REIS, 2003, p. 47).
Tomar o presente como objeto da história é uma influência
das ciências sociais. Em relação ao assunto, é preciso que se diga que
o presente não se esgota em si mesmo, uma vez que tem raízes
no passado. Evocamos Marc Boch, para quem a história é a
compreensão do presente pelo passado e vice-versa. Há uma ligação
entre os tempos os quais é impossível dissociar. O passado não
existe isoladamente como um peso morto. O presente é também
história. A importância do passado existe à medida que serve para
construir o presente e este para iluminar o passado.
Dos Annales de 1929 até 2009, temos oitenta anos, o que
torna necessária uma atualização. O problema é que todo esse
avanço levou à fragmentação dos estudos históricos, faltando
unidade, síntese. Afastamo-nos de uma história global. François
Dosse não deixa de ter razão. Temos uma “produção de
migalhas” sobre um “objeto-migalha.” (REIS, 2000, p. 128). “O
que faria a união da história e das ciências sociais estava além do
método, era o objeto comum: o homem social.” (REIS, 2000, p. 81).
Desde 1988, os Annales estão sendo repensados, a
partir dos fundadores. A interdisciplinaridade, seu núcleo
central, está sendo reavaliada. Para Carlos Reis, conforme seu
livro A Escola dos Annales, “pretendeu-se o trabalho coletivo,
pela aproximação com as ciências sociais; obteve-se, na verdade,
a fragmentação da história em inúmeros territórios particulares,
com seus respectivos muros.” (REIS, 2000, p. 128). Como
já dissemos, nessa revisão, estão de volta os “fantasmas da
história nova,” tudo o que foi abandonado: o evento, a narração,
92
Teoria, História e Memória

que não é a história narrativa, a história política e a biografia, esta de


forma contextualizada, inserindo o indivíduo no tempo em que viveu,
levando em conta os aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais,
entre outros.

REFERÊNCIAS

BLOCH, Marc. Apologia da história ou ofício do historiador. Rio de


Janeiro: Zahar, 2001.
DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova
História. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000: na pista de nossos medos. São
Paulo, UNESP, 1999.
LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
______. Uma vida para a história: conversações com Marc Heurgon.
São Paulo: UNESP, 2007.
LE GOFF, Jacques; Pierre Nora (Dir.). História: novos problemas. Rio
de Janeiro: F. Alves, 1976.
LOPES, Marcos Antônio (Org.). Fernand Braudel: tempo e história.
Rio de Janeiro: FGV, 2003.
OLIVEIRA, Franklin de. Morte da memória nacional. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967.
REIS, José Carlos. A Escola dos Annales. A inovação em história. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
______. História & teoria: historicismo, modernidade,
temporalidade. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

93
Contribuição dos novos métodos e
estudos de história

Conforme Braudel, uma nova ciência da história se


anuncia desde 1900, com a Revista de Síntese Histórica, e, em
1929, com os Annales. A primeira, sob a direção de Henri Berr,
autor do livro sobre Síntese Histórica, marcou, como a segunda, um
progresso considerável na historiografia deste século. Marc Bloch e
Lucien Febvre fundaram os Annales d’Histoire Économique et
Sociale, ao qual nos referimos anteriormente, imprimindo-lhe
um espírito muito diferente daquele da história no século anterior.
Com os Annales, a História deixou de ser uma ciência
confinada, abrindo um diálogo franco com as demais ciências sociais:
a economia, a sociologia, a geografia humana e a psicologia. Essas
ciências passaram a se auxiliar mutuamente, quebrando, assim, as
barreiras que as separavam. O próprio título da revista denuncia as
preocupações desse movimento inovador, cujo princípio não seria
somente o fato político, mas o econômico, o social como já afirmamos.
Com isso, não queremos afimar que a utilização do fator
econômico na história seja uma novidade dos Annales. Estes

95
Elza Régis de Oliveira

imprimiram maior força a um domínio que, desde o século XIX,


despertara interesse, porém, a interpretação econômica da história
tomou maior impulso com Marx e com o seu materialismo histórico
ou dialético. Godinho mostra que a história tem procurado explicar
o domínio do econômico e do social no sentido de achar outros
desenvolvimentos. (GODINHO, 1971). A relação entre as ciências
sociais constituíram uma necessidade no alargamento das fronteiras em
que se encontravam limitadas, oferecendo uma análise e explicação dos
fatos humanos sob uma visão muito mais ampla da realidade social.
Jean L’Homme acentua a importância de uma colaboração
mútua entre o historiador e o economista, mostrando a atitude deste
diante da história econômica e a utilidade desta para o seu trabalho.
Mesmo se esforçando o economista em construir a sua teoria, não
poderá fazê-lo sem o conhecimento dos fatos históricos que lhe
servirão de apoio. Interrroga como explicar os movimentos de longa
duração, ciclos, crises e outros fatos, senão na sua realidade histórica.
O economista, preocupado frequentemente com a generalização,
sistematização e construção da sua teoria, despreza certos detalhes
que só o trabalho paciente do historiador pode oferecer como dado
indispensável à sua construção teórica. Portanto, é o historiador quem
fornece os numerosos fatos básicos para suas análises.
Nesse estudo está resumido o seu pensamento ao declarar:

Sim, o economista utiliza os trabalhos do historiador mas é perfeitamente


um direito fazê-lo. Toda ciência contribui para edificar os conhecimentos
cujo conjunto forma uma espécie de bem comum, que não é reservado nem
a um saber individual, nem a uma ciência particular. Ir buscar esse bem
comum é uma necessidade absoluta. Os frutos do trabalho completo serão

96
Teoria, História e Memória

eles próprios também de uso coletivo e, por exemplo, as interpretações feitas


pelos economistas poderão, por sua vez, serem utilizadas pelos especialistas
da política, da sociologia. Por que não pelos historiadores mesmos?
(L’HOMME, 1964, p. 297; 306).

Lucien Febvre é considerado o criador da psicologia histórica


com Le Problème de l’incroyance au XVIe siècle.Na sua obra Lévi-Strauss
faz a seguinte referência a Febvre, quando diz que:

Ele apela constantemente para atitudes psicológicas e estruturas lógicas


que o estudo de documentos, como o dos textos indígenas permite apenas
atingir indiretamente, porque elas sempre escaparam à consciência dos que
falavam e escreviam. (LÉVI-STRAUSS, 1970, p. 41-42).

Fernand Braudel, na sua obra La Méditerranée et le monde


méditerranéen à l’époque de Philippe II, estuda o espaço e o tempo
naquela época, aprofundando sua análise histórica na convivência
com as outras ciências sociais, ponto para o qual vem, repetidas vezes,
chamando a atenção dos historiadores. É neste livro que trata da
influência do meio ambiente, da economia, da sociedade e da política do
Mediterrâneo, colocando em prática a sua teoria, como já nos referimos.
O estudo de J. Kruithof sugere uma aproximação entre a
sociologia e a história e vice-versa. Apesar dos pontos comuns que
essas duas ciências possuem no exame dos fenômenos humanos, deve
ser levado em consideração o fato de que cada uma o faz segundo o
seu ponto de vista. Diz o mesmo autor que as análises sociológicas
“carecem de duração e perspectiva. Elas apresentam os fatos de modo
muito estático, estrutura sem evolução.” (KRUITHOF, 1963, p. 109).
A esse respeito, o historiador poderá ser útil ao sociólogo, oferecendo
dados de um passado mais distante.

97
Elza Régis de Oliveira

Na verdade, no século XIX, o historiador ainda fazia a


reconstrução dos fatos humanos sem considerar “suficientemente
as estruturas sociais, evolução sem estruturas”. Hoje sabemos que
o historiador não se atém à mera descrição dos acontecimentos
históricos, mas dedica-se ao estudo das estruturas sociais. Isso fi cou
claro desde 1924, com o trabalho de Georges Lefebvre, Les paysans
du nord pendant la révolution française, e o de Ernest Labrousse,
apresentado em 1955 ao Congresso das ciências históricas, em Roma,
intitulado Novas vias para uma história da burguesia ocidental nos
séculos XVIII e XIX, além de outros. (KRUITHOF, 1963). Portanto, não
somente o sociólogo estuda as estruturas, mas também o historiador,
para poder explicar a evolução do conjunto dos fatos históricos.
A estatística tem sido utilizada como método de investigação
para os diversos ramos do saber humano. Foi incluída na história
em suas análises, tirando o melhor dos proveitos. Na história
quantitativa, o seu êxito está demonstrado nos trabalhos de François
Simiand, Ernest Labrousse e Earl J. Hamilton. Na demografia
histórica, a sua importância tem sido da maior relevância, haja
vista o que se tem produzido nesse setor através do referido
método. (KULA, 1973).
A demografia tem contribuído, de maneira fundamental,
na análise dos fatos históricos. Hoje, não se compreende mais uma
história que despreza o dado demográfico, visto ser este um dos
melhores instrumentos de análise. Apesar da demografia histórica
ser uma ciência nova, os passos dados até agora são por demais
significativos. Basta lembrar os trabalhos de Pierre Goubert, Louis
Henry e Michel Fleury, para não falar em tantos outros. (MARCÍLIO,

98
Teoria, História e Memória

1977). A utilização dos registros paroquiais como fonte tem permitido


uma visão mais ampla dos fatos históricos, respondendo a certas
indagações até pouco tempo sem solução.
Há, no início deste século, um movimento de renovação da
história, mas também de todas as ciências humanas. O movimento da
história foi iniciado por Marc Bloch e Lucien Febvre, com os Annales,
e continuado por Fernand Braudel, como já dissemos. Estes três
historiadores marcaram o aparecimento de uma nova história, cujos
traços fundamentais tentamos sintetizar.
Marc Bloch, grande medievalista, aprofundou suas concepções
de história no livro Apologie pour l’histoire ou Métier d’historien.
Concebia a história da mesma forma que Lucien Febvre: “o homem
não, nunca o homem, as sociedades humanas, os grupos organizados,
propósito que não há que considerar, de resto, como tendente a excluir
da história o estudo do indivíduo.” Marc Bloch toma esse estudo na
sua dimensão temporal, quando afirma: “ciência dos homens,
dissemos nós. É ainda muito vago. Temos de acrescentar: dos
homens no tempo.” (BLOCH, 1965, p. 29).
Continuamos as lições de Bloch, transcrevendo algumas
passagens do seu Métier d’historien:

Compreender o presente pelo passado e o passado pelo presente. A


ignorância do passado não se limita a prejudicar o conhecimento do
presente; compromete, no presente, a própria ação. [...]. A incompreensão
do presente nasce fatalmente da ignorância do passado, mas talvez não seja
mais útil esforçarmo-nos por compreender o passado, se nada sabemos
do presente. [...]. O conhecimento do presente interessa mais diretamente
ainda à inteligência do passado [...] porque o caminho natural de qualquer
investigação se faz do mais bem ou do menos mal conhecido para o mais
obscuro. (BLOCH, 1965, p. 39-40; 42; 44).

99
Elza Régis de Oliveira

As lições de crítica histórica de Marc Bloch são de uma


suavidade extraordinária, comparadas às de Langlois e Seignobos.
Não são regras que ele nos apresenta, mas uma atitude, diante
das fontes, que não é a de um juiz caturra, mas do historiador
que vai compreender os fatos e não julgá-los. Realmente, mostra-
nos Marc Bloch (1965, p. 122) que o historiador agia como uma
“espécie de juiz dos infernos, encarregado de distribuir pelos
heróis mortos o elogio ou a reprovação.” Não é esse o sentido da
história, de inferir juízos de valor, de distribuir a sentença como
o faz o juiz, mas de compreender e explicar. A sua atitude nunca
será de passividade, limitando-se a reproduzir as fontes tais como
se apresentam, mas, em suma, de analisá-las. Para ele, o trabalho
de recomposição só poderá vir depois da análise, como um
prolongamento dela.
Nessa reflexão de Marc Bloch, percebe-se uma renovação
do pensamento histórico no século XX, imprimida não só por
ele mas também pelo seu grande amigo Lucien Febvre e outros
que vieram depois. As palavras compreender, explicar e analisar
são encontradas constantemente no decorrer do seu livro,
deixando bem clara a sua posição de historiador, bem como
a do homem de ação, que dedicou a vida à fidelidade aos seus
princípios.
Lucien Febvre percebeu a crise que, no início do século XX,
atingiu as ciências sociais e, em especial, a história. Entendeu que esta
podia ser superada com a solidariedade entre as mesmas. Por isso,
apelou para a interdisciplinaridade, na sua conferência Viver a
História, referida em linhas atrás.

100
Teoria, História e Memória

As palavras de Febvre traduzem um apelo à renovação


da História, a fim de que não fique à margem do progresso e da
transformação que tão vertiginosamente se processa diante de
nós. Isso não se fará sem um esforço de rompimento de laços com
o esquema tradicional, substituindo-se as velhas noções por outras
mais novas e ajustadas à nova ordem de coisas. Trata-se, sobretudo,
de um avanço metodológico da história, sem o qual não se fará
seu próprio desenvolvimento científico. O historiador deverá estar
preparado para assumir a responsabilidade que lhe compete em tudo
isso.
Lucien Febvre, um dos nomes mais influentes da
historiografia f rancesa no século X X , deixou uma admirável obra
de investigação histórica que marcou, juntamente com os Annales,
uma transformação no pensamento histórico, a qual partiu
da França. As suas reflexões sobre a história, produto de várias
aulas e conferências, foram condensadas no livro Combats pour
l’Histoire.
Braudel, em quem tantas esperanças depositou Lucien Febvre,
sucedeu-o na cátedra de História da Civilização Moderna, no Colégio
de França e na direção dos Annales, tendo como historiador exercido,
na atualidade, um papel considerável nos novos rumos que a história
tomou na França e no mundo. Tanto é assim que a chamada “escola
histórica francesa” indica os rumos da história.
Continua fazendo o mesmo apelo que Lucien Febvre fez
às outras ciências sociais, no sentido de um melhor convívio e
solidariedade, cessando as fronteiras recíprocas existentes. Da
experiência e convívio com as ciências vizinhas a história não só
se enriqueceu, mas encontrou uma nova forma de tratar os fatos
101
Elza Régis de Oliveira

históricos em certos domínios, utilizando, por exemplo, os métodos


quantitativos, aplicados inicialmente à história econômica.
O tempo, fator inseparável da história, é um dos temas no
qual Braudel centrou as suas preocupações, constituindo motivo de
debates entre historiadores e sociólogos. É a questão da diacronia e da
sincronia. Ele afirma: “não há um tempo social de uma única e simples
duração, mas um tempo social com mil velocidades, mil lentidões que
não têm quase nada a ver com o tempo jornalístico da crônica e da
história tradicional.” (BRAUDEL, 1965, p. 10).
Braudel concebeu três níveis de tempo: curto, semilongo
ou semicurto e muito longo, correspondendo cada um deles a
uma espécie de história: tradicional, conjuntural e estrutural. Em
relação à história estrutural, queremos dizer que não nos referimos
ao estruturalismo, que é algo diferente. É preciso não confundir o
interesse dos historiadores pelas estruturas sociais, que não é recente.
A respeito disso, Georges Lefebvre publica um trabalho, em 1924,
e Ernest Labrousse, em 1955. Entre esse aspecto considerado e o
estruturalismo, existe uma diferença que Albert Soboul denuncia:

Afirmo, pois, em conclusão, que há uma oposição fundamental entre


análise histórica e análise estruturalista. A análise histórica não recusa o
conceito de estrutrura, porém a natureza desse conceito e o modo como é
utilizado diferem radicalmente para os estruturalistas e os historiadores.
LABROUSSE; GOLDMAN, s/d., p. 46).

Continuando sobre o tempo da história e sobre esta, apoiada


na duração, temos uma nova forma de tratar os fatos, em cujos
princípios se orienta boa parte dos trabalhos de história. Tanto a
história econômica como a social beneficiaram-se com as novas

102
Teoria, História e Memória

medidas do tempo, sem as quais, tornar-se-ia impossível o estudo do


movimento dos salários, curvas de preços, aumento demográfico.
Braudel, ao afirmar que “a história é a soma de todas as
histórias possíveis”, não teve a intenção de eliminar uma das formas de
história em benefício das outras. O historiador pode e deve trabalhar
com todos os tempos, visto que eles se interpenetram. Ele deu uma
maior ênfase à história econômica e social, visto que os seus fatos se
prestam melhor à quantificação.
A história conjuntural dá um maior sentido aos fatos históricos,
quando inseridos numa dada conjuntura, como salienta Pierre Vilar
(1966, p. 29):

A noção de conjuntura nos obriga a olhar além das fronteiras da região


estudada, sempre temos tendência a buscar explicações locais, internas,
imediatas. Se sabemos que este êxito ou aquela dificuldade têm analogias
muito mais além das fronteiras do país observado, nosso sistema de
explicação se amplia.

Ele considera útil, mas difícil de manejar, a noção de ciclo


conjuntural. Esses ciclos são tratados também por Gaston Imbert com,
mais ou menos, a mesma duração.
Vilar considera os seguintes ciclos conjunturais: trends
seculares, ou seja, tendências de longa duração abrangendo até mais
de um século; ciclo de Kondratieff com a duração de uns 50 anos, e
o de Juglar com 10 anos. (VILAR, 1965-1966). Imbert considera,
além desses, o ciclo de Kitchim com duração de uns três anos e
meio.(IMBERT,1959, p.3).Nos ciclos maiores inserem-se períodos
menores. Um exemplo disso é a conjuntura europeia do século XVI
a qual, apesar de ter sido de expansão, verifica-se breves recessões

103
Elza Régis de Oliveira

intercíclicas, como as de 1520-25, 1550-55, 1570-75, 1588-95 e 1600-05.


Portanto, ciclos do tipo Kitchim e Juglar são encontrados num
movimento longo (trend secular).
Conforme Pierre Vilar, “no seio desses trends seculares, existem
pelos menos desde o final do século XVIII, ciclos de uns cinquenta anos
chamados de Kondratieff, compostos de 25 anos de facilidade: fase
“A” de Simiand, de alta geral dos preços, e de 25 anos de estagnação
dos preços e, portanto, de menor facilidade nos negócios, fase “B”
de Simiand." (VILAR, 1965). Na época industrial, seguem os
ciclos econômicos periódicos (conjunturais), o que não acontecera na
época pré-industrial, em que as estruturas se mantinham secularmente.
Imbert nos informa que, durante muito tempo, os economistas se
descuidaram de estudar o movimento de longa duração. Somente após
a Primeira Guerra Mundial, foi que Nicolas Dimitrievich
Kondratieff chamou a a tenção sobre a importância desse movimento
do ponto de vista econômico, político e sociológico. Depois, outros
seguiram essas tendências, como Simiand, Joseph Schumpeter e M.
Dupriez.
Imbert (1959, p. 3), ao estudar os ciclos acima mencionados, de
que nos fala Vilar, adverte:

Esses diversos movimentos nos aparecem como ritmos da vida econômica


dos povos. Não se encontram sempre todos superpostos; certos são
característicos de um país, outros de uma época. Sua natureza não é sempre
idêntica, ela varia com as condições e as estruturas econômicas, políticas e
sociais que formam a infraestrutura dos sistemas econômicos.

Pierre Vilar, trata da história quantitativa, no seu artigo Pour


une meilleure compréhension entre économistes et historiens:“histoire

104
Teoria, História e Memória

quantitative” ou économétrie rétrospective? Ao mesmo tempo,


mostra-se cheio de reservas a respeito do novo método. Suas
críticas, bem pesadas são uma espécie de medida de ponderação
do historiador, que não se apressa em adotar a novidade, mas,
antes, saber o que convém ou não à história. Sua atitude demonstra
um certo receio e chega mesmo a declarar que a sua reação seria
provisória. Os favoráveis e os contra o método quantitativo foram
esclarecidos, tornando tão quente o debate que chega a dizer: “isso
não é mais um encontro entre economia e história. Isto parece uma
cisão. Aquilo mesmo com que recusamos nos resignar.” (VILAR,
1965, p. 293; 312).
Os estudos de história quantitativa tentam imprimir uma
maior precisão à análise dos fenômenos econômicos e sociais,
com a introdução sistemática da quantidade no domínio da
interpretação histórica. No início do século XX, a quantificação
começou a ser utilizada tanto na história econômica como
na social. Foi, sobretudo, a partir de 1930 que esses estudos
se intensificaram com a publicação de obras consideradas
fundamentais nesse ramo de pesquisa. A origem da quantificação
dos fenômenos sociais, notadamente a dos demográficos, remonta
ao século XVII. Em 1835, aparecia um trabalho pioneiro de
Quételet sobre a aplicação da estatística à sociologia e, no século
XX, François Simiand abria à história um novo horizonte ao
empregar a quantificação no tratamento dos fatos, em 1902.
Seguiram-se, mais tarde, Ernest Labrousse e outros, com
trabalhos enriquecedores na explicação e interpretação da
história. (HOLANDA, 1972).

105
Elza Régis de Oliveira

Na realidade, nem todos os fatos se prestam à quantificação.


Perruci (1973, p. 2) emite a seguinte opinião:

O método quantitativo cedo invadiu outras especialidades históricas, como


a história social, a história política, a história das mentalidades ou das
ideias e até mesmo outras ciências sociais como a linguística, por exemplo.
Ele considera a história quantitativa como uma tendência metodológica
derivada da história econômica e não como um ramo novo das ciências
históricas.

Esse novo método ultrapassou aquele tipo de abordagem da


história tradicional dita événementielle, presa ao relato puramente
factual, voltando-se para uma história não do indivíduo, mas muito
mais preocupada com os fatos significativos da atividade humana.
Pierre Goubert (1973, p. 2) esclarece:

A história começou a considerar o jogo das classes sociais, o crescimento


demográfico, a vida econômica interna e externa dos agrupamentos político-
sociais como fatores decisivos para a explicação do fenômeno humano
através do tempo.

A obra de François Simiand e a de Ernest Labrousse, já citadas,


revelam a importância do método quantitativo na história. Os trabalhos
de Earl J. Hamilton, publicados, em 1933 e 1936, imprimiram um maior
vigor ao desenvolvimento do método. Na década de1930, não deve ser
esquecido o nome de Henri Hauser, bem como sua obra Recherches et
documents sur l’histoire des prix en France de 1500 à 1800.
Uma das dificuldades que têm sido apontadas em relação ao
desenvolvimento dessas pesquisas prende-se à questão das fontes não
somente dispersas, mas até mesmo desaparecidas. Guy de Holanda
(1972, p. 72) argumenta:

106
Teoria, História e Memória

A história quantitativa, econômico-demográfica, a rigor, com algumas


exceções, não dispõe de documentação suficiente anterior ao século XIX;
com boa vontade, pode-se recuar, para a Europa, tal limite ao século XVII.
Para a América Latina, as falhas dos arquivos limitariam ainda mais os
marcos cronológicos retrospectivos.

Apoiada na estatística, surge uma nova história econômica


em que os preços e salários, além de outros “indicadores” da vida
econômica, passam a ser considerados como indispensáveis, visto
disso dependerem as flutuações da economia. Magalhães Godinho
refere-se a certas categorias de fontes para o estudo da evolução dos
preços e salários como:

a) Registro de compras ou vendas efetivas e de pagamentos de serviços


prestados; b) registros de preços e salários correntes num dado mercado;
c) estivas camarárias ou estimativas feitas por instituições oficiosas; d)
tabelas fixadas pelas autoridades; e) recibos ou quitações soltas, indicações
desgarradas mas em circunstâncias precisas. (GODINHO, s/d., p. 96).

Para isso, tornou-se indispensável o exame de uma


documentação que antes, praticamente, nenhum interesse despertara
pela história, como a dos hospitais, casas de assistência e conventos,
cujos dados nos revelam os preços de produtos agropecuários e
industriais, contidos nos seus livros de receita e despesa, referentes à
produção nacional e à de importação.
O levantamento das séries numéricas de preços ou de salários
constituem dados importantíssimos na análise dos fenômenos
econômicos, quando submetidos à quantificação. Exige-se que as
séries sejam homogêneas e extraídas das fontes da mesma natureza,
isto é, de um mesmo produto. Não é possível trabalhar com séries

107
Elza Régis de Oliveira

descontínuas e heterogêneas, sendo estas últimas utilizadas como


dados comparativos no caso da interrupção das séries estudadas.
Mesmo assim, tudo deve ser feito com bastante cuidado com
o preenchimento das lacunas existentes. As séries devem ser
cronológicas, uma vez que não é possível apurar rigorosamente nada
com “números descontínuos, heterogêneos e desgarrados”.
Magalhães Godinho (s/d., p. 29) afirma:

Para análise histórico-estrutural são indispensáveis séries numéricas


extraídas de fontes homogêneas, com identidade de local, e contínuas ao
longo de muitas dezenas de anos, e se possível de séculos; ora, é em relação
aos preços que tais séries são muito mais fáceis de coligir; e, seguidamente,
quanto aos salários. As séries de preço, além de facilidade documental,
servem-nos bem de indicadores da marcha geral da economia; isso não quer
dizer que as transformemos nos instrumentos essenciais de explicação.

Para Meuvret, uma pesquisa bem dirigida e orientada sobre


as séries numéricas pode nos revelar aspectos completamente novos
ou antes descuidados da atividade humana. Para reforçar esse ponto
de vista, basta apenas lembrar que boa parte das fontes que servem
diretamente a esse tipo de estudo se encontravam quase totalmente
abandonadas. Tem toda razão quando afirma que “as ciências
humanas têm sido renovadas pela estatística.” (MEUVRET, 1961, p.
925; 933).
Os historiadores que se dedicam à história quantitativa têm
sublinhado com frequência o significado do estudo dos preços.
Nos trabalhos de Pierre Vilar, de Gaston Imbert e do próprio
Magalhães Godinho, predomina a temática dos preços pela
importância acima assinalada.

108
Teoria, História e Memória

Os preços funcionam como uma espécie de “termômetro”,


diagnosticando as fases de alta e de baixa, portanto, de flutuação da
atividade econômica. Outros preferem situá-los como “indicadores”
dessa marcha. A oscilação dos preços está em função da produtividade,
isto é, maior ou menor produção, extração dos metais, numerário em
circulação. Evidentemente, outros fatores agem concomitantemente
como força desse movimento.
Gaston Imbert alude ao trend secular dos preços,
ressaltando que a sua elevação corresponde tanto a um período de
desenvolvimento da vida econômica como a um despertar da mesma
atividade.

Assim, no século XII, com o trend secular dos preços à alta, encontra-se
um desenvolvimento da vida econômica, seja na França, seja na Inglaterra.
No século XV, o mesmo fenômeno se reproduz, a alta geral dos preços
corresponde a um despertar da atividade econômica. O movimento lento
de alta do trend dos preços a partir dos meados do século XVIII prepara o
desenvolvimento do capitalismo industrial, cujo extraordinário crescimento
das quantidades produzidas trará a baixa regular do trend secular dos preços
a partir de 1815. (IMBERT, 1959, p. 21; 23).

Sobre outros fatores que respondem pela alta e baixa dos


preços, torna-se indispensável o conhecimento da obra de Pierre
Vilar, Oro y Moneda en la Historia (1450-1920). Quanto aos salários,
é preciso dizer que nem sempre acompanharam os preços, ficando em
atraso em relação a estes. A respeito disso, é oportuno lembrar as
considerações de Hamilton, na sua obra O Tesouro americano e o
florescimiento do capitalismo.(HAMILTON, 1929, p.18; 21). A história
quantitativa, que, inicialmente, deu relevo especial ao estudo dos
preços, não se limitou a isso, ampliando a pesquisa e o estudo “sobre

109
Elza Régis de Oliveira

o crescimento e o desenvolvimento econômico através dos fatores da


oferta e da procura, em outras palavras, dos fatores demográficos, da
produção e da renda.”
A validade científica desse método tem seu triunfo
assegurado pelos resultados plenamente comprovados nos trabalhos
desenvolvidos, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Em
linhas atrás, tivemos a preocupação de ressaltar o que se tem feito
nesse domínio. Esses estudos continuam a despertar o interesse de
historiadores, economistas e outros cientistas sociais pela eficácia do
próprio método. A aplicação da quantificação às ciências sociais não
significa, absolutamente, uma moda, como acontece com outros
métodos que, como tendência natural, cedo são ultrapassados mas, ao
contrário, a introdução da quantidade tem sido uma necessidade entre
aquelas ciências, visando-se a uma maior objetividade na análise dos
dados e resultados obtidos.
Vimos o que se vem realizando no domínio da história
quantitativa fora do Brasil, sendo interessantes algumas considerações
finais do que se tem feito entre nós. A respeito disso, Gadiel
Perruci lembra o Congresso de história quantitativa do Brasil,
realizado em Paris, há alguns anos, por iniciativa de Frédéric
Mauro, no qual foram apresentados cerca de trinta trabalhos. Os
assuntos versavam sobre preços, problemas monetários, demografia
histórica, capitais estrangeiros, entre outros.
No que se refere ao Brasil o estudo e a pesquisa sobre
história quantitativa têm sido limitados, fato que está a merecer
maior atenção dos historiadores. Apesar disso, foram desenvolvidos
trabalhos em São Pulo, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Recife etc.

110
Teoria, História e Memória

REFERÊNCIAS

BLOCH, Marc. Introdução à história. Tradução de Maria Manuel


Miguel e Rui Grácio. Lisboa: Europa-América, 1965.

BRAUDEL, Fernand. La méditerranée et le monde méditerranéen à


l’époque d Philippe II. Paris: Armand Colin, 1966.

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Presença, 1972.
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no colégio de França. Revista de História, n. 63. São Paulo, 1965.
GODINHO, Vitorino Magalhães. Teoria da história e historiografi a.
Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1971.
______. Introdução à história econômica. Lisboa: s/d.
HAMILTON, Earl J. El tesouro Americano y e el florescimiento del
capitalismo (1500-1700). Barcelona: Ariel, 1929.
______. El tesoro americano y a revolução de los precios en Espana,
1501-1650. Barcelona: Ariel, 1975.
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Histórica. Ano 1, n. 2, Rio de Janeiro, 1972.
IMBERT, Gaston. Des mouvements de longue durée Kondratieff.
Aix-en-Provence: La Pensée Universitaire, 1959.
LABROUSSE, Ernest et al. Sistema e liberdade: estrutura social e
história. Lisboa: Presença, s/d.
LUCIEN, Febvre. Combats pour l’histoire. Paris: Armand Colin,
1965.

111
Elza Régis de Oliveira

L’HOMME, Jean. L’attitude de l’économiste devant l’histoire


économique. Paris: Avril-juin, 1964.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1970.
MARCÍLIO, Maria Luiza. Demografia histórica. São Paulo: Pioneira,
1977.
MEUVRET, Jean. Les séries statistiques et la recherche historiques.
In: ENCYCLOPÉDIE de la Pléiade: L’Histoire et ses méthodes.
Belgique: Gallimard, 1961.
PERRUCI, Gadiel. Métodos quantitativos em história. Conferência
apresentada à XXV Reunião Anual da SBPC, Rio de Janeiro: 1973.
KRUITHOF, J. Qu’est-ce qui est important dans l’histoire? Un
approche sociologique: In: Raisonnement et demarches de
l’historien. Belgique: Université Libre de Bruxelles, 1963.
KULA, Witold. Problemas y metodos de la historia económica.
Barcelona: Península, 1973.
VILAR, Pierre. Oro y moneda en la história (1450-1920). Barcelona:
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______. L’Or dans le monde du XVI siècle à nos jours. Cours
professé en Sorbonne, année universitaire, 1965-66.
______. Pour une meilleure compréhesion entre économistes et
historiens: “Histoire quantitative” ou économétrie rétrospective?In:
Revue Historique. Paris, 1965.

112
PARTE II

HISTÓRIA
Modernidade e história:
algumas questões

A modernidade constitui uma nova temporalidade histórica,


uma vez que os fatos que a caracterizam ocorreram nestes últimos três
ou quatro séculos, mudando a história da humanidade. Essa fase pode
ser compreendida como uma época de significativas transformações na
estrutura política, econômica, social, mental e cultural da Europa ocidental.
Para Giddens, “modernidade refere-se a estilo, costume de vida
ou organização social que emergiram na Europa a partir do século
XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em
sua influência.” (GIDDENS, 1991, p. 11).
Afirma Carlos Reis (2003, p. 28):

O conceito de modernidade, portanto, assim como o próprio processo


que ele designa, revela uma tensão: no início, dos séculos XIII-XVI,
representa a ruptura com o passado de universalismo cristão e abre um
presente secularizado, com suas consequências – racionalização da ação e
fragmentação da vida interna do homem ocidental. Também a liberação de
toda a referência ao passado.

Para nós, não há sentido em determinar os limites da


modernidade, ou seja, início e término, por ser uma longa discussão

115
Elza Régis de Oliveira

que pouco acrescenta ao debate das suas grandes questões:


Expansão marítima, Renascimento, Revolução Comercial, Reforma,
Revolução Industrial, Revolução Francesa, Capitalismo, Liberalismo
etc. Nos limites deste trabalho, não pretendemos esgotar o assunto
mas apenas tratar de alguns temas relativos à essa época, pela
complexidade da matéria envolvida: política, economia, sociedade,
culturas filosófica e artística, desenvolvimento técnico e científico,
bem como as mudanças ocorridas na estrutura da sociedade
europeia, sobretudo nos séculos XVII, XVIII e XIX.

Revolução intelectual

A ciência moderna impõe a secularização e a separação entre o


poder temporal e o espiritual.

Com o Renascimento, a Reforma e as grandes Navegações, o tempo se


pluralizou. O mundo religioso não salva e não explica mais todas as esferas
do mundo profano. O mundo se desencantou, ou seja, se fragmentou em
esferas de valores distintos, com racionalidade interna específica. Cada
esfera possui a sua lógica interna, que articula de modo próprio meios e
fins. Os fins e meios econômicos são específicos da esfera econômica. (REIS,
2003, p. 24).

No período de 1620-1630 a 1650-1675, num quadro de


aparente imobilismo, ocorre uma das maiores revoluções intelectuais,
a do pensamento, cuja tônica é a matematização do conhecimento. “A
análise matemática é a ferramenta com a qual os homens da revolução
científica viriam a reconstruir o universo.” (CHAUNU, 1974, p. 90,
92).

116
Teoria, História e Memória

Esse fenômeno, que ocorre no domínio do pensamento, na


superestrutura, é essencialmente urbano, com marcas da presença
burguesa e não atinge a massa. A estrutura continua na longa
duração, com as permanências que vão do século XIII ao XVIII:
regime senhorial, crises e fomes.(OLIVEIRA, 2007). No século XVII,
ocorre, no domínio do pensamento, o que os historiadores
chamam de milagre científico. Isso porque, fora do campo das ideias,
o século XVII fora de penúria e crise em todas as atividades.
Cinco grandes pensadores nos legaram um mundo novo,
causando, com suas concepções, verdadeiras rupturas no pensamento.
Trata-se de Galileu, Kepler, Descartes, Leibniz e Newton. Esses
pensadores substituíram o movimento circular pelo elíptico e
aquela concepção de universo fechado por universo sem limites,
introduzindo, assim, a ideia de infinito, de movimento e mutabilidade,
em oposição à de universo parado. Coube a Leibniz e a Newton a
descoberta do cálculo infinitesimal, em 1675, quase ao mesmo tempo,
por caminhos diferentes. (CHAUNU, 1976, p. 123).

Racionalismo

Descartes (1596-1650) lança os fundamentos da ciência


moderna e as bases de um novo método científico, no seu Discurso
sobre o Método. Como a ciência medieval estava ligada à religião e ao
dogmatismo, ele estabelece a autonomia da ciência ao declarar que
a verdade científica se impõe pela razão. Fundador do Racionalismo,
“considera a razão a única fonte autêntica do saber.” (DESCARTES,
1975, p. 27-28; 43; 46).O Racionalismo afirmou o triunfo da razão

117
Elza Régis de Oliveira

sobre a fé e inspirou toda a filosofia do século XVIII. Este século é


cartesiano, herdeiro das ideias de Descartes.
Os princípios gerais do método, os grandes caminhos do espírito, os
processos intelectuais básicos continuam sendo, tanto em Newton como
nos outros, Descartes, que é o grande mestre do pensamento do século
XVIII. Este século guardou, da herança de Descartes, a dúvida metódica e
a recusa de acreditar e dele conservou a concepção mecanicista do mundo.
O mundo é, desta forma, uma imensa máquina construída por Deus a
cujo funcionamento Ele assiste. Tal concepção do universo-máquina, este
mecanismo universal, foi adotado por todos os homens do século XVIII.
(MOUSNIER; LABROUSSE, 1961, p. 15, 17).

Hoje, sabemos que o homem não é uma “máquina mecânica,”


como pensava Descartes, mas um ser biológico e cultural.

Iluminismo

Mudança significativa se processa na estrutura mental da


sociedade europeia com o Iluminismo, amplo movimento de ideias
do século XVIII, o qual prepara a transformação política, cultural e
científica da Europa. O Racionalismo é a fonte que inspira a filosofia do
século XVIII. Há, com Newton, uma nova concepção de razão. Não se
trata de verdades eternas e imutáveis, mas da aquisição contínua dessas
verdades submetidas à observação, à confrontação e à experimentação.
O Iluminismo teve sua expressão máxima entre os escritores
franceses, sendo temas básicos de sua propaganda: a liberdade, o
progresso e o homem. Essas ideias repercutem na elite intelectual da
época, particularmente entre a burguesia, que nela encontra o devido
apoio para sua ascensão ao poder, na França, nas últimas décadas do
século XVIII. A ideologia vigente era contra o Antigo Regime, as formas

118
Teoria, História e Memória

feudalizantes da economia e da sociedade e, no aspecto político, contra


o absolutismo, ou seja, o governo arbitrário. Em religião, são desferidos
golpes contra a Igreja Católica, guardiã do Antigo Regime.
Na França, os filósofos Montesquieu, Voltaire, Rousseau e
os enciclopedistas Diderot e D’Alembert destacam-se no campo das
novas ideias. Elas encerram uma crítica à sociedade em que viviam,
contribuindo para minar as bases do Antigo Regime. A influência das
novas ideias teve um grande impacto na transformação da Europa,
naquela época.
Montesquieu (1689-1755) e Voltaire (1694-1778) foram os
grandes nomes da teoria política liberal. O primeiro destaca-se pela
sua teoria da separação dos poderes, contida na célebre obra O Espírito
das Leis. O segundo “sustentava que todos os homens são dotados
pela natureza de direitos iguais à liberdade, à propriedade e à proteção
das leis.” (BURNS, 1978, p. 599-600).
Rousseau (1712-1778) é conhecido como o pai da democracia.
Suas obras mais importantes são: O Contrato Social e o Discurso sobre
a origem da desigualdade. O referido autor sustentava:

A soberania é indivisível e que toda ela passa à comunidade quando se


constitui a sociedade civil. A vontade geral, expressa pelo voto da maioria,
é o tribunal de última instância. O estado, que na prática significa a
maioria, é legalmente onipotente. (BURNS, 1978, p. 599; 603).

O indivíduo

David Harvey refere-se à modernidade como um rompimento


com o passado, caracterizado por um processo de rupturas e
fragmentações sem-fim. (HALL, 2000, p.16). Nas sociedades modernas,

119
Elza Régis de Oliveira

ao contrário do que ocorre nas sociedades tradicionais, as mudanças


são muito mais rápidas e até parece que vivemos uma revolução
permanente.
No final do século XX, ocorreu uma transformação
das sociedades modernas, um “deslocamento ou descentração do
sujeito”. Uma nova concepção de sujeito está processando-se.
“O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção de
pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado,
dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação.” (HALL,
2006, p.10). Com a pós-modernidade, há uma mudança do
conceito de indivíduo, mesmo porque as velhas identidades que o
apoiavam estão em declínio, fragmentaram-se. Há, portanto, uma crise
de identidade, um processo de mudança, um deslocamento
daquelas referências que davam sustentação ao indivíduo. Esse
sujeito unificado está fragmentando-se e não tem uma única
identidade, mas várias. É o sujeito pós-moderno que não tem uma
identidade fixa, permanente. “Uma vez que o sujeito moderno
emergiu num momento particular (seu nascimento) e tem uma
história, segue-se que ele também pode mudar e, de fato, sob certas
circunstâncias, podemos contemplar sua morte.” (HALL, 2006, p. 24).
Tudo isto está ligado, em parte, ao processo de
desenvolvimento do capitalismo tardio, multinacional ou de
consumo. (REIS, 2003, p.47). Produziu-se uma “concepção mais
individualista do sujeito”, com a perda de suas referências. Não há
valores sólidos e tudo é muito fluido, ocorrendo uma degradação dos
valores morais e éticos do indivíduo.
“O pós-moderno é corretamente relacionado com uma
sociedade em que os estilos de vida do consumidor e o consumo de

120
Teoria, História e Memória

massa repercutem na vida dos seus membros.” (Lyon, 1998, p. 87). O


consumismo, a compulsão pelas compras, pelos shoppings influenciam
o indivíduo em função do apelo dos meios de comunicação,
impulsionado pela facilidade dos cartões de crédito. A busca de
produtos mais aperfeiçoados domina a vida dos indivíduos. Os objetos
produzidos não têm a mesma durabilidade de antes porque já foram
projetados e fabricados para entrar em desuso, pelos novos modelos
e tecnologias, a exemplo dos celulares, computadores, televisores etc.
(BAUMAN, 2001, p. 89-90, 99-100).
Enfim, [...] “a produção da cultura foi integrada na produção de
mercadorias em geral, de modo que lutas antes limitadas à produção
agora se refletem nas esferas culturais.” (LYON, 1998, p.100).

Revolução Francesa

Os princípios em que se fundamentava a monarquia absoluta,


representada por Luis XIV, Luís XV e Luís XVI, foram abalados
pelas doutrinas dos filósofos que exigiam reformas, no sentido de
acabar com os privilégios e com as injustiças sociais. Causas internas
e externas precipitaram a revolução. Entre as causas externas, citamos
a independência dos Estados Unidos da América do Norte (1776) e
como causas internas, as de natureza intelectual, política, econômica e
social. Já nos referimos à influência doutrinária dos filósofos do século
XVIII, que contribuíram para solapar as bases do Antigo Regime.
Também do ponto de vista social, a ascensão da burguesia detentora
do poder econômico e político.
A situação econômica do povo também contribuiu:

121
Elza Régis de Oliveira

Havia, sem dúvida, muita miséria entre os moradores dos bairros pobres de
Paris, sobretudo durante o rigoroso inverno de 1788-89. Mas não foi essa
gente que fez a revolução; apenas participou dela após ter sido deflagrada
por outros. Nunca será demais acentuar que a Revolução Francesa foi
desencadeada como um movimento da classe média. Seus objetivos iniciais
interessavam à burguesia. Essa classe não se compõe de míseros rebotalhos
humanos, desgraçados, famintos e desesperados. A burguesia francesa
passara a ser a classe econômica dominante. Afora a terra, quase toda a
riqueza produtiva estava em suas mãos. (BURNS, 1978, p. 590-600).

Em suma, a Revolução Francesa constituiu um dos mais


significativos acontecimentos da história, pela sua repercussão em
todo o mundo. Influenciou a independência de vários países
da América Latina, inclusive a do Brasil. A “Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão” foi promulgada em setembro
de 1789. Nela estão contidos os princípios da filosofia liberal do
século XVIII. “Tanto a propriedade como a liberdade, a segurança e
a resistência à opressão são declaradas direitos naturais. A
liberdade de palavra, a tolerância religiosa e a liberdade de
imprensa, entre outros princípios, são declaradas invioláveis.” As
ideias de liberdade foram herdadas da Revolução Francesa, bem
como os princípios de igualdade e fraternidade. (BURNS,1978, p.
608).

Conjuntura do século XVIII

A conjuntura do século XVIII é de expansão, mas é somente a


partir de 1740-1750 que se inicia a retomada da expansão na Europa,
uma vez que a depressão do século XVII parece projetar-se na
primeira metade do século XVIII. Este século conheceu duas fases
contrastantes: na sua primeira metade, a de progresso lento e, na
122
Teoria, História e Memória

segunda, de acelerado crescimento, particularmente em sua fase final.


Essa expansão está ligada ao progresso econômico, social,
ao desenvolvimento agrícola e comercial, à industrialização e a
outros fatores que agiram favoravelmente.
Enquanto, na superestrutura, se passa essa grande
definição, isto é, a revolução intelectual, na estrutura da
sociedade ocorrem grandes transformações no panorama da
Europa. Entre o plano econômico, social, político e o das ideias, há
um descompasso. (CHAUNU, 1976, p.126). Não encontramos
um desenvolvimento uniforme. No século XVII, apesar da
revolução intelectual, houve um declínio econômico e social. As
modificações que ocorreriam ao longo do século XVIII, início de
uma transformação estrutural, são apoiadas, ideologicamente,
por um ideário filosófico e político-econômico concebido pelos
filósofos do Iluminismo.

A transição

No século XVIII, está processando-se a mudança do Antigo


Regime, constituindo a Revolução Francesa (1789) e a Revolução
Industrial (1760), aspectos dessa mudança. A evolução é lenta não só
na França, onde o regime feudal sobreviveu apesar da revolução, mas
também na Inglaterra. O “terminus é imperceptível na Inglaterra,
onde a transição ocorreu, quase sem ser notada, gradualmente, entre
o início do século XVI e o final do século XIX.” (CHAUNU, 1974, p.
95).

123
Elza Régis de Oliveira

É, portanto, nos quadros do Antigo Regime, dentro de suas contra-


dições, que se dá a passagem da economia dominial para o modo de pro-
dução capitalista, a transição do regime servil para o assalariado.
(NOVAIS, 1979). Nesse processo de transformação, o capital mercantil
ou comercial foi de grande importância. Gerado na circulação de
mercadorias, tem como uma de suas fontes de acumulação a política
mercantilista que, por meio do "pacto colonial" promove essa acumulação.
Com exceção da Inglaterra, onde a transição do Antigo
Regime ocorreu mais cedo, o que se verifica no resto da Europa é a
permanência da estrutura senhorial marcando os ritmos da história
do Ocidente, do século XIII ao XVIII, num processo de longa
duração. (OLIVEIRA, 2007, p.38,39).
A Inglaterra, no início do século XVIII, é ainda caracterizada
pela estrutura do Antigo Regime, do ponto de vista econômico e
social. Ela deixa de ser feudal, passando a novo modelo econômico, à
medida que a transição vai ocorrendo. Essa mudança não acaba de se
processar no século XVIII, como já foi dito.
Peter Laslett, ao examinar a mudança da estrutura pré-industrial
para a industrial, chegou à conclusão de que a Inglaterra não foi atingida,
como outros países, de maneira tão drástica, pelas crises de fomes e por epi-
demias do século XVII, ficando quase imune a essas catástrofes. França,
Espanha e Itália encontravam-se em posição diferente. (LASLETT, 1969).

Capitalismo

Retomamos algumas questões sobre o capitalismo. Um dos


pontos em que os historiadores estão em desacordo é quanto à

124
Teoria, História e Memória

contribuição do capital comercial para a Revolução Industrial. Muitos


autores seguem a tese tradicional de Paul Mantoux, a qual dá ênfase
ao excedente da balança comercial inglesa, comércio que lhe assegura
um saldo, que resultou em investimentos. Para o citado autor, “o
progresso da indústria teria sido quase impossível, se não fosse
precedido de algum movimento comercial.” (MANTOUX, 1973, p. 42;
75; 91).
Phyllis Deane diz:
Na economia recém-industrializada as poupanças tendiam a ser geradas,
pelas indústrias - até pelas emprêsas - que as investiam. Os lucros
adquiridos na agricultura era geralmente reinvestidos na agricultura, e os
lucros do algodão geralmente retornavam ao algodão (ou, de qualquer
maneira, a alguma indústria relacionada com o processamento de tecidos).
(DEANE, 1973, p. 192)
Em outra passagem do livro, ela afirma: "mais de um século de
comércio exterior coroado de êxito havia criado um volume de lucros
acumulados." (DEANE, 1973, p. 190). Por "lucros acumulados"
entendemos a formação de capital. Phyllis Deane referindo-se ao capital
argumenta: "[...] menos da metade do total consistia em capital industrial,
comercial e financeiro (tais como ações na bolsa, maquinaria, canais e bens
de estrangeiros)". (DEANE, 1973, p. 181).
Na edição deste livro em 2012 afirmamos que Phyllis Deane e Paul
Bairoch negam a significação do comércio exterior inglês no
desenvolvimento do capitalismo industrial, o que foi um equívoco. Talvez,
eles pudessem ter dado maior ênfase a formação do capital comercial.
Assim sendo, os argumentos trazidos pela corrente tradicional não
podem ser esquecidos haja vista a luta da Inglaterra pelo controle das rotas
ao desalojar a Espanha e Portugal no século XVII e, depois, a Holanda.
Mousnier e Labrousse estão de acordo com Mantoux, ao
relacionar o desenvolvimento do capitalismo ao comércio a longa
distância. Para eles, "o comércio, sobretudo o grande comércio marítimo e
colonial, acumula capitais na Europa ocidental, onde se amontoa, durante
todo o século, a maior parte da produção mundial de ouro e prata em
contínuo aumento." (1965, p. 129).

125
Elza Régis de Oliveira

Liberalismo

O liberalismo surgiu na Europa no século XVIII, atingindo o


seu ápice no final do século XIX. Tem duas vertentes: o liberalismo
econômico e o político. A principal ideia do liberalismo econômico é
a da não intervenção do Estado na atividade econômica. É o
“laissez-faire, laissez-passer”. O Estado deve abster-se de controlar
a iniciativa privada ou de regulamentá-la. (RÉMOND, 1976, p.
89-90). Para o citado autor, há uma relação entre o Liberalismo
e a burguesia.

O liberalismo é a máscara dos interesses de uma classe. É muito


íntima a concordância entre as aplicações da doutrina liberal e os
interesses da burguesia. O liberalismo é, portanto, o disfarce do domínio
de uma classe, do açambarcamento do poder pela burguesia capitalista: é a
doutrina de uma sociedade burguesa, que impõe seus interesses, seus
valores, suas crenças. (RÉMOND, 1976, p. 31-32).

Do ponto de vista político, o liberalismo opõe-se


ao absolutismo. Montesquieu foi um dos principais opositores
deste regime. O Espírito das Leis “introduziu novos métodos e
novas concepções na teoria do Estado.” Ele tornou-se conhecido
pela sua teoria da separação dos poderes, para dificultar o abuso
de poder pelo indivíduo; por isso, dividiu-os em legislativo,
executivo e judiciário.

Burguesia

Entra em cena um novo personagem na história – o


burguês, que almeja o lucro e a salvação, incompatíveis com os

126
Teoria, História e Memória

princípios cristãos na época. (REIS, 2003, p. 23). “No século XVIII,


o crescimento da burguesia não foi uniforme nos Estados europeus.
Na Inglaterra, se assiste ao poder da burguesia que venceu a
Revolução de 1688.” (MOUSNIER; LABROUSSE, 1961, p. 189).
Na França, “a burguesia fez a Revolução e a Revolução entregou-
lhe o poder. A burguesia reserva para si o poder político pelo
censo eleitoral. Ela controla o acesso a todos os cargos públicos e
administrativos.” (RÉMOND, 1976, p. 31). O peso de sua influência
é notório na Inglaterra e na França. Para este autor, essa burguesia
exerce função administrativa, possui cultura universitária e tem
dinheiro.
Nos séculos XVI e XVII, a burguesia está ligada à
expansão marítima e comercial. Os burgueses enriquecidos com
as atividades mercantis acumulam capitais, prestígio político e
social. A burguesia do século XVIII investe seu capital na indústria
e na produção. Tanto a burguesia comercial como a industrial
desempenharam um papel revolucionário no quadro das mudanças
que se operavam na Europa nos séculos XVI, XVII e XVIII.
(OLIVEIRA, 2007, p.46).
Quanto aos usos e costumes, a sociedade francesa se aburguesa.

O espírito burguês penetra na literatura, na arte, numa parte da nobreza.


A partir de 1750 toda a gente veste-se de preto, e é difícil distinguir os fi
dalgos dos burgueses. No tempo de Luís XVI é prova de bom gosto, para os
nobres, não trazer espada, mas uma simples bengala, como os burgueses. Os
fi dalgos abandonam a peruca. Alguns afetam maneiras simples, “costumes
sensíveis.” Um príncipe insiste em apresentar a princesa, sua esposa, ao
regimento que comanda, dizendo: “Meus filhos, esta é a minha
mulher.” (MOUSIER; LABROUSSE, 1961, p. 197).

127
Elza Régis de Oliveira

Desenvolvimento da técnica

O desenvolvimento da técnica está inserido no contexto das


duas revoluções industriais. A primeira Revolução Industrial ocorreu
entre 1760-1860 e a segunda, a partir de 1860.
Burns sintetiza os seguintes inventos da primeira fase: “a
máquina de fiar inventada por James Hargreaves em 1767, o
tear mecânico patenteado por Cartwright, em 1785, o
descaroçador inventado por Eli Whitney em 1792, a máquina a
vapor de Thomas Newcomen, em 1712. Coube a James Watt, em
1763, aperfeiçoar a máquina de Newcomen, produção de
“máquinas-ferramentas e nos métodos científicos da manufatura de
ferro”, cujo pioneiro foi John Wilkinson, em 1774. (BURNS, 1978, p.
667; 670).
No que se refere aos meios de transporte, temos as estradas de
ferro que Richard Trevithick “construiu em 1800 com 150 quilômetros
de estrada de Londres a Plymouth.” Quanto à navegação a vapor,
James Rumsey conseguiu movimentar um barco exclusivamente a
vapor a sete quilômetros por hora.
Em termos de comunicação, um dos fatos mais importantes
da primeira fase da Revolução Industrial foi a invenção do telégrafo.
Em 1837, foi inventado o telégrafo elétrico pelas seguintes pessoas: o
alemão Karl Steinheil, o inglês Charles Wheatstone e o alemão Samuel
Morse.
A Segunda Revolução Industrial data de 1860. Ainda
conforme Burns, são três os principais acontecimentos: “a invenção
do processo de Bessemer na siderurgia, em 1856; a invenção do
motor de combustão interna, em 1876.” a invenção do dínamo, “uma

128
Teoria, História e Memória

máquina capaz de converter a energia mecânica em energia elétrica.”


A partir daí, o uso do vapor foi decrescendo. Em 1876, Nikolaus Otto
“inventou o primeiro motor de combustão interna bem sucedido.”
Destaca-se, também, a invenção do automóvel, sendo difícil
identificar um só inventor. “Daimler e Benz construíram veículos a
gasolina na Alemanha pela altura de 1880.” (BURNS, 1978, p. 678;
680).
Entre outros inventos, surgem as máquinas voadoras.

Otto Lilienthal, Samuel P. Langley e outros iniciaram experimentos com


máquinas mais pesadas do que o ar. O trabalho de Langley foi continuado
pelos irmãos Wright, que, em 1903, realizaram o primeiro vôo bem sucedido
num aeroplano movido a motor. Em 1908, os irmãos Wright voaram perto
de 100 milhas (160 km). (BURNS, 1978, p. 673).

Relacionamos ainda: o telefone, inventado por Alexander


Graham Bell, o telégrafo sem fio, a invenção da luz elétrica
“que foi concebida em primeiro lugar por Sir Humphrey Davy,
aproximadamente em 1820, mas só se tornou um êxito comercial em
1879, quando Thomas A. Edison inventou a lâmpada de filamento
incandescente.” (BURNS, 1978, p. 679-680).
Esses são os grandes inventos da modernidade, entre outros,
conquistas das mais significativas, que mudaram a Europa e o mundo
na corrida para o século XX.
São muitas as críticas à modernidade e, em especial, ao
Racionalismo e ao Iluminismo. Entre os seus grandes críticos estão
Nietzsche (1844-1900) e Heidegger (1889-1976), precursores da pós-
modernidade. Alguns autores propõem uma releitura da
modernidade, um resgate crítico do Racionalismo e do Iluminismo.

129
Elza Régis de Oliveira

REFERÊNCIAS

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Alegre: Globo, 1978.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar,
2001.
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l’homme à l’époque moderne. Paris: SEDES, 1974.
DEANE, Phyllis. A revolução industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
DESCARTES, René. O discurso sobre o método. São Paulo: HUMUS,
1975.
DOMINGUES, Maurício José. La modernidad contemporânea en
América Latina. Buenos Aires: Siglo Vintiuno, 2009.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo:
UNESP,1991.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A, 2006.
LASLETT, Peter. Un monde que nous avons perdu. Les structures
sociales pré-industrielles. Paris: Flammarion, 1969.
LEFEBVRE, Georges. El nascimiento de la historiografia moderna.
Barcelona: Martinez Roca, 1974.
LIMA, Fernando Sgarbi. O fim do paradigma clássico. IV Semana de
História. São Paulo: UNESP, 1982.
_____. Fundamentos históricos do espírito capitalista (Na Europa
Ocidental–séculos XIII a XVI). Tese de concurso à Livre Docência
da cadeira de História Moderna da Faculdade de Filosofia,Ciências e
Letras da Unversidade do Distrito Federal. Rio de Janeiro: [s.n], 1956.

130
Teoria, História e Memória

LYON, David. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998.


MANTOUX, Paul. La révolution industrielle au XVIIIe. Siécle. Paris,
GENIN, 1973.
MAURO, Frédéric. História econômica mundial: 1790-1970. Rio de
Janeiro: Zahar, 1973.
MOUSNIER, Roland; LABROUSSE, Ernest. O espírito do século. In:
O século XVIII: o último século do Antigo Regime. 2. ed. São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, 1961. (História Geral das Civilizações)
NOVAIS, Fernando. Portugal e o Brasil na crise do antigo sistema
colonial: 1977-1808. São Paulo: Hucitec, 1979.
OLIVEIRA, Elza Regis de. A Paraíba na crise do século XVIII:
subordinação e autonomia (1755-1799). João Pessoa: UFPB, 2007.
REIS, José Carlos. História e teoria: historicismo, modernidade,
temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: FGV, 2003.
RÉMOND, René. Introdução à historia do nosso tempo: o século
XIX (1815-1914). São Paulo: Cultrix, 1976.
TOURAINE, Alain. Um novo pardigma: para compreender o mundo
de hoje. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

131
Conjuntura e população da
Europa no século XVI: França

Com a nova dimensão da história, no início do século


passado, e com o progresso que se vem operando em torno da
metodologia e dos estudos de história, um dos aspectos dessa
nova atitude científica é a da sua aproximação com as ciências
sociais. Nessa perspectiva, a história encontrou, na convivência
com as demais ciências sociais, no caso a demografia, um meio de
ampliar a explicação da história, como acontece também em relação à
economia, à sociologia, à geografia e outras ciências.
A relação entre a história e as demais ciências sociais
constituiu uma necessidade no alargamento das fronteiras em que se
encontravam limitadas, oferecendo uma análise e explicação dos fatos
humanos, sob uma visão muito mais ampla da realidade social.
Braudel (1978, p. 178) emite a seguinte opinião:

Todas as ciências do homem, sem exceção, são auxiliares, alternadamente,


umas das outras e, para cada uma delas, é lícito (do ponto de vista pessoal,
mas não exclusivo, que é e deve ser o seu) domesticar, para seu uso, as outras
ciências sociais. Não é pois questões de hierarquia, fixada de uma vez por
todas e, se não hesito, de minha parte, do ponto de vista egoísta que é o

133
Elza Régis de Oliveira

meu, em alinhar a demografia entre as ciências auxiliares da história. Desejo


que a demografia considere a história como uma, entre algumas outras, de
suas ciências auxiliares. O essencial é que todas as explicações do conjunto
se harmonizem, acabem por se reunir; que elas esbocem ao menos, um
encontro.

A propósito das afinidades entre a história e a demografia,


André Burguière fez a seguinte observação:

Se o historiador demógrafo recusa por vezes reconhecer nos fenômenos


demográficos marcas de contradições sociais, é porque ele recusa mais
profundamente integrar os fatos biológicos no discurso histórico.
(BURGUIÈRE, 1974, p. 59).

Os frutos da convivência com a demografia não são um


privilégio da história. A ligação da demografia com a economia e
o desenvolvimento econômico é um fato que se vem observando
no decorrer de toda a história. Não existe sociedade que apresente
desenvolvimento sem mudanças na demografia. Isso não é uma lei,
mas uma evidência científica.
É preciso não esquecer os bons resultados da aproximação
da história com a estatística e desta com a demografia. Esta última
tem sido utilizada como método de investigação para os diversos
ramos do saber humano, o qual a história tem incluído em suas
análises, tirando o melhor dos resultados. Na história quantitativa,
o seu êxito está demonstrado nos trabalhos de François Simiand,
Ernest Labrousse e Earl Hamilton, como já afirmamos. Na
demografia histórica, a sua importância tem sido da maior
relevância, haja vista o que se tem produzido nesse setor, com o
referido método.

134
Teoria, História e Memória

A análise dos fatos históricos não pode ser feita isoladamente,


sem se levar em consideração toda uma problemática de conjunto
em que estão inseridos. Procurar compreender certos fenômenos,
buscando explicações locais, internas, não é evidentemente a solução,
visto que muitos fatos têm suas raízes e analogias além das fronteiras
do país estudado. Assim sendo, temos que recorrer aos estudos de
conjuntura, para não cairmos no perigo de diminuir a dimensão dos
fenômenos estudados.
Essa visão de dinâmica conjuntural não se limita
apenas à história, pois a demografia também não pode explicar,
satisfatoriamente, seus fenômenos fora dessa perspectiva. Tanto isto
é verdade que Ernst Wagemann afirma: “a demografia seria, antes de
tudo, o estudo das flutuações demográficas e de suas consequências.
Seria, assim, uma ciência da conjuntura, curiosamente calcada sobre a
economia conjuntural.” (apud BRAUDEL, 1987, p. 182).
Não podemos deixar de reconhecer que as oscilações
demográficas do passado estão ligadas à conjuntura. Daí Braudel
afirmar que Ernst Wagemann tem o seu ponto de vista:

Reconhece no Ocidente os seguintes ritmos demográficos: séculos X-XIII,


aumento apreciável da população; século XIV, diminuição catastrófica,
com a Peste Negra; século XV, estagnação; século XVI, surto considerável
(na Europa Central, precisa Wagemann); século XVII, estagnação
ou diminuição, século XVIII, aumento considerável; século XIX,
desenvolvimento “intempestivo”; século XX, aumento ainda, mais lento.
(BRAUDEL, 1978, p. 182).

Verificando os três grandes impulsos demográficos dos


séculos X-XIII, XVI e XVIII, podemos afirmar que todos estão ligados

135
Elza Régis de Oliveira

à economia conjuntural, ao desenvolvimento econômico, como


veremos.
Na segunda metade do século XI, as transformações que
se processaram na Europa, do ponto de vista econômico, com o
desenvolvimento do comércio, estão ligadas aos progressos agrícolas,
técnicos, ao crescimento demográfico e ao renascimento da vida
urbana. A partir daí, a curva de crescimento econômico é significativa,
tornando-se esse ritmo mais acelerado no século XII, como veremos
abaixo.
A circulação da moeda intensificou-se nos séculos XII e
XIII, em proporções nunca atingidas nos séculos IX ao XI. Tudo isso
se explica pela expansão comercial, sendo necessário o uso daquele
instrumento em larga escala. Houve um aumento da massa de
metais na Europa, proveniente da exploração das minas de prata na
Europa Central, a partir do século XII. Esse aumento foi também
proveniente do comércio com balança excedente, praticado pelos
italianos nas costas da Barbéria.
A partir de 1050, dá-se um verdadeiro renascimento da vida
urbana, com a fundação de novas cidades que, durante o século XII,
continuou seu movimento ascensional. O desenvolvimento das
cidades é um fenômeno ligado a todas as transformações que se vêm
processando, sejam agrárias, demográficas ou comerciais.
O aparecimento das feiras motivou, ainda mais, o comércio,
permitindo o encontro entre os produtos do Mediterrâneo e os do Mar
do Norte. As principais feiras foram a de Flandres e a da Champanha,
sendo esta última mais notável. Tornaram-se verdadeiros centros de
comércio internacional, reunindo mercadores de várias praças da
Europa.
136
Teoria, História e Memória

Desenvolveram-se os meios de comunicação com a melhoria


dos caminhos e dos transportes. A navegação marítima, sobretudo a
do Mediterrâneo e a do Mar do Norte, constituiu o grande veículo da
expansão comercial europeia. No Mediterrâneo, são usados navios de
maior capacidade a partir do século XIII. De grande utilidade para a
navegação foi o uso da bússola, cujo aparecimento no Ocidente data
de 1190.
A partir do século XIII há na Europa não só um crescimento
populacional mas também econômico.
Conforme Chaunu, fato de maior significação é a densidade
de povoamento nos fins do século XIII, o qual atinge mais de 40
habitantes por quilômetro quadrado, índice anteriormente jamais
visto. É o mundo europeu que se amplia pelo crescimento demográfico e,
em consequência, se obriga a produzir mais para alimentar maior
número de pessoas.
Essa expansão manifesta-se não somente no aspecto
demográfico, mas no setor urbano e comercial. É evidente que não
podemos reduzir todo esse desenvolvimento do século XIII a um
desses aspectos. Apesar de insistirmos no crescimento demográfico,
sabemos que este, por si só, não foi responsável pelo progresso.
Além desses fatores, podemos encontrar outras razões
para o desenvolvimento do século XIII. Lembremos que o índice
de crescimento agrícola do século XIII só foi superado no XVIII.
Isso permitiu uma melhor dieta alimentar do homem europeu.
Ao lado disso, o uso de novas técnicas deve, também, ser levado
em conta. (CHAUNU, 1972. p. 257).

137
Elza Régis de Oliveira

Admite-se que o século XIII tenha dado uma resposta


adequada. Esse foi o momento em que a civilização europeia ocidental
encontrou uma base sobre as demais civilizações do Planeta. O
que se verifica do século XIII em diante e mais no século XV é um
alargamento do espaço. Parece que este só foi possível no momento
que a Europa intensificou a densidade demográfica, produção agrícola
etc.
No século XIII, a única civilização que se encontrava em
situação privilegiada era a chinesa, mas esta não foi capaz de romper
seus limites, dando uma resposta, como a Europa se propôs, no
caminho da expansão marítima.
O crescimento demográfico, até o século XIII, não foi um
fenômeno europeu, mas de caráter geral. Do século XI ao XIII,
o aumento populacional da China foi espantoso em relação aos
indicadores anteriores. No início do século XIII, a população chinesa
atingiu uma cifra de 120 a 130 milhões de habitantes, momento
em que foi batida pela invasão mongol. No final do século XV, a
população chinesa ficou reduzida a uns 60 milhões. (CHAUNU, 1972,
p. 5).
Chaunu acrescenta:
Parece claro que os cataclismos unidos na China à invasão mongol levaram
consigo a morte de sessenta a sessenta e cinco milhões de homens, de 15
a 20% da humanidade. A grosso modo um desastre comparável ao que se
abateu sessenta e cinco anos mais tarde sobre a Europa, ou na primeira
metade do século XVI, sobre a humanidade pré-colombiana. (CHAUNU,
1972, p. 29).

138
Teoria, História e Memória

Antes mesmo dos meados do século XIV, esse avanço europeu


foi destruído especialmente por ocasião da peste de 1348-1350, “que
varreu, em alguns meses, menos da metade, porém seguramente mais
de um terço da população europeia.” (CHAUNU, 1972, p. 15).
A partir dos meados do século XIV, inaugura-se uma
conjuntura de depressão, que atinge seu ponto crítico no final da
centúria. A baixa prossegue por todo o século XV, até 1480
aproximadamente, quando certos pontos apresentam uma retomada
de conjuntura.
Essa depressão relaciona-se com a crise feudal dos séculos XIV
e XV, fim da Idade Média, que se caracterizou pela decadência da
agricultura feudal, das manufaturas e do comércio. O declínio
demográfico foi também outro fator que marcou o retrocesso dessa
fase.
Geralmente, atribui-se à Peste Negra de 1348 a
responsabilidade por tantos insucessos do século XIV, o que, em parte,
não deixa de ser verdade. É que, à depressão econômica geral,
veio somar-se o trágico trinômio: fome, peste e guerra.
A peste, praticamente esquecida durante séculos na Europa,
reaparece produzindo vazios imensos por toda parte. Alcança a
Itália, França, Inglaterra, Alemanha, países escandinavos e a
Península Ibérica.
Completando esse quadro de crise econômica, surge a “fome
monetária”. Magalhães Godinho (1963, p. 119) assinala:

139
Elza Régis de Oliveira

Desde a Peste Negra, se não um pouco antes, a crise preparava-se em surdina


por toda parte e as guerras internacionais vão fazer sentir opressivamente o
seu peso. É sob o signo da depressão, ou pelo menos da estagnação, que se
coloca o século que decorre de meio de Trezentos a meio de Quatrocentos,
tanto na Itália como na Europa setentrional. Foi Marc Bloch quem
melhor pôs o problema: o grande drama monetário da Idade Média no seu
ocaso – penúria de espécies, desvalorização da moeda de conta – foi, de raiz
comum a todos os países europeus; não pode, afi gura-se-me, ser exposto de
maneira justa e útil, se não for em conjunto. E, por outro lado, como
compreender os caracteres mais profundos desta época, se ao boom dos
séculos XII e XIII não vimos opor o slump dos dois séculos seguintes?

O século XVI caracteriza-se por uma conjuntura de


expansão, com breves recessões, prosseguindo a alta até o início
da centúria seguinte.

A conjuntura do século XVI é de modo geral de desenvolvimento e de alta


e está ligada à expansão marítima e comercial, à ampliação dos mercados e
aumento de poder aquisitivo de novos grupos. Tudo dentro das estimulantes
condições gerais, reforçadas pelo afluxo de metais que, de início e por longa
fase, trouxe o numerário indispensável ao volume e progressão crescente das
trocas. (FREIRE, 1978, p. 120).

Realmente, em boa parte, a conjuntura de expansão do século


XVI liga-se às questões dos metais preciosos, mas não é só isso.
Devemos levar em consideração outros fatores de grande importância
dessa fase de acentuado progresso, os quais permitiram mudanças
consideráveis nesse século, e que não se prendem apenas ao aspecto
externo do continente europeu, mas às questões internas de muita
significação.

140
Teoria, História e Memória

Para Philippe Wolff , é todo um problema de mentalidade que é


preciso levantar. O grau de desenvolvimento que a sociedade
europeia alcançou no século XVI foi consequência, em parte, de sua
maturidade, do seu desenvolvimento econômico, social, demográfico,
técnico etc.,
Levando-se em conta a evolução populacional da Europa,
diríamos que a conjuntura do século XVI, como tivemos ocasião de
examiná-la, caracteriza-se por uma tendência à expansão, ou seja, ao
crescimento.
No século XVI, por falta de trabalhos, é difícil seguir a evolução
da população europeia, mesmo aproximadamente. P. Guillaume e J.P.
Poussou colocam as seguintes questões sobre os dados da população
na Europa:

L’Italie avait-elle au début du siècle 10 millions d’habitants comme le pense


Cipolla? 5,5 millions comme le veut Russell? Quant à la France, si 18
millions est une estimation raisonnable, elle reste conjecturelle. Pour J. Nadal
la population de l’Espagne serait passée, entre 1541 et 1591, d’environ
7,4 millions à environ 8,4. (GUILLAUME; POUSSOU, 1970, p. 112).

Na Europa, entre 1500 e 1570, um dos fatos mais significativos


do século XVI é o crescimento da população. No que diz respeito à
França, os dados confirmam um grande impulso da população nos
dois primeiros terços do século XVI, particularmente na França
meridional.
É certo que os níveis populacionais atingidos no século XIII só
foram ultrapassados no início dos séculos XVI e XVIII. O crescimento
populacional na França, no século XVI, tem sido demonstrado por
vários demógrafos, que se apoiam em fontes que comprovam os fatos.

141
Elza Régis de Oliveira

P. Guillaume, e J.P. Poussou, argumentam:

Nos sources les plus intéressantes en ce domaine sont les mouvements


longs des courbes de baptêmes dressées à partir des registres paroissiaux
conservés. Ces courbes permettent de tenir pour certaine la montée de
population car nous les possédons aussi bien pour des paroisses rurales
(Souvigny em Sologne, Montreuilsur-Ille em Ille-et-Vilaine, Pannecé em
Loire-Atlantique, les campagnes de Valladolid) que pour des paroisses
urbaines (Gérone et Valladolid em Espagne, Bologne en Italie...). D’autre
part, grâce aux compoix, E. Le Roy Ladurie reencontre en Languedoc
montpelliérain des taux d’accroissement décennaux de 11,5% en moyenne.
L’accroissement aurait donc été fort. (GUILLAUME; POUSSOU, 1970, p.
112. Grifos dos autores).

Com as atas de batismo do século XVI, foi possível traçar


a curva do crescimento populacional da França. Essas atas são
encontradas a partir de 1464. Seu conteúdo foi enriquecendo-se
no decorrer do tempo. Os gráficos referentes às curvas de batismos
mostram-nos o crescimento da população no século XVI.
Esse avanço da população sofre uma queda a partir de 1570.
Evidentemente, essas perdas foram ocasionadas pelas guerras de
religião da França, epidemias em outras áreas da Europa e crise de
subsistência. Essas crises tiveram lugar na Europa, nos anos de 1591,
1597 e, sobretudo, no de 1598. Portanto, no final do século XVI,
há uma queda no crescimento da população.
Numa perspectiva conjuntural, somos levados a
considerar os problemas demográficos associados aos fatores
socioeconômicos, que não são os únicos responsáveis pelo
crescimento e declínio da população. É preciso, também, que os
dados demográficos sejam levados em consideração, tais como:
fecundidade, mortalidade, natalidade e seu controle, o que, sem

142
Teoria, História e Memória

dúvida alguma, nos vem trazer esclarecimentos sobre o fenômeno


estudado.
Para estudarmos os fatores que, em parte, respondem
pelo crescimento ou queda da população, tais como natalidade,
mortalidade, fecundidade e contracepção, foi indispensável o recurso a
determinadas categorias de fontes.
Mostra-nos Chaunu que, desde 1517, Paris tinha um registro
que, em 1871, foi destruído pela Comuna. Verificando-se a grande
importância desses livros de registro civil, vários Estados europeus
introduziram seu uso no século XVI; batismos, falecimentos e
casamentos eram registrados simultaneamente.
Antes mesmo de o Estado legislar sobre o registro, este já
existia. Em 1563, no Concílio de Trento, é prescrito tanto o registro
de casamento quanto o de batismo. Também havia o registro total das
mortes, especialmente de crianças, embora fosse falho. Só em 1736 é
que o verdadeiro registro civil nasceu na França. (CHAUNU, 1976,
p.407).
Datam do século XV os mais antigos registros, com algumas
exceções. Na Itália, encontramos registros de batismos de 1314 e de
falecimentos, em 1373. Conforme Chaunu, “a Itália manuseava os
registros corretamente em meados do século X. A Espanha vinha
em segunda posição, a França e os Países Baixos, em terceira
posição, a Alemanha e a Inglaterra depois, com uma defasagem
de alguns anos.” (1976, p. 405). No século XVI, há uma “revolução
dos registros paroquiais”, que atinge a França, chegando quase a
uma perfeição no século XVII, e, no século XVIII, em vários lugares.
Para explicarmos a dinâmica do crescimento populacional,
temos de investigar, ao lado dos fatores socioeconômicos, como já o
143
Elza Régis de Oliveira

dissemos, os dados demográficos relativos à fecundidade, natalidade


e contracepção do “novo padrão demográfico”, que, ao contrário do
antigo regime demográfico,volta-se para a vida.
Conforme o demógrafo Henrique Levy (1978, p. 6), “notou-
se que, em algumas províncias da França, a fecundidade começou
a declinar mesmo antes de a industrialização se espalhar e antes, ou
simultaneamente, com o declínio da mortalidade.”
O controle da natalidade, uma maior expectativa de vida e
a idade tardia no casamento são características do “new pattern”,
que “é na maioria do tempo, alcançado na Europa densa (dos 35, 40
habitantes por quilômetro quadrado) ao Norte dos Pirineus e ao Norte
de Roma, cerca de 1550-1570. Talvez antes (?).” (CHAUNU, 1976, p.
409).
A contracepção na França, ou seja, o controle da natalidade
é um fato que, muito cedo, marca a história demográfica deste país.
A prática de restrição dos nascimentos é um avanço espantoso da
França, em relação aos restantes países da Europa Ocidental. Através
dos estudos de Pierre Goubert, foi demonstrado que a contracepção
foi praticada desde 1700, até mesmo antes. Parece que se trata de “um
controle voluntário de nascimento do meio popular.” (GOUBERT,
1973, p. 36).
Um fato importante é a modificação da estrutura matrimonial,
que se processa antes mesmo do século XVI, na Inglaterra,
primeiramente, nos Países Baixos, Norte da França e no eixo romano.
Abandona-se o casamento pré-pubertário e pubertário
por um casamento “modelo de transição”. A Inglaterra, nesse
particular, coloca-se à frente dos demais países da Europa.Diz Chaunu:

144
Teoria, História e Memória

Conhecemos perfeitamente a situação dos séculos XVII e XVIII, quando a


idade das mulheres no casamento se situa em todos os lugares, na Inglaterra,
na França, nos Países Baixos, na Itália do Norte e na Alemanha, entre 25 e
28 anos. Sabemos que esta situação já era a da Inglaterra no século XVI. No
grande burgo de Colyton, em Devon, perfeitamente conhecido graças a uma
excelente documentação e a seu tratamento por computador, a média da
idade no casamento situa-se, de 1546 a 1560 em 27 anos para as mulheres e
27 anos para os homens (a idade média das mulheres sobe para 30 anos de
1647 a 1719, voltando a descer para 27 anos de 1720 a 1769 e caindo para 25
anos de 1770 a 1839). A Revolução está feita, na Inglaterra do século XVI.
Temos indícios suficientes para supor que o modelo que se aplica no mundo
antigo é o modelo do casamento universal e pubertário. (CHAUNU, 1976, p.
418-419).

O atraso na idade do casamento, que pode ser visto como


uma das formas de contracepção, contribuiu para a freagem da
fecundidade, mediante a constituição de famílias pequenas, impedindo
um crescimento rápido da população.
É difícil dispormos de estudos sobre a França, do século XVI,
para mostrar como esses dados influíram no crescimento ou queda da
população. O estudo que vem esclarecer a questão, à luz desses dados,
ultrapassa os limites propostos no nosso trabalho, ou seja, o século
XVI. Referimo-nos ao estudo de Pierre Goubert sobre o Beauvais et le
Beauvaisis, do século XVII. Este autor, tratando da queda populacional
ligada ao fator econômico, diminuição da produção agrícola, subida de
preços alimentares, diagnosticou também o fenômeno:

Crise de sobremortalidade puramente epidêmica, de pura morbidez, sem


casualidade econômica direta aparente, aparece melhor, agora, à luz dos
trabalhos, entre outros, de Jean Marie Gouesse sobre a formação do casal
no Oeste. A correlação que liga, em tempo de crise, mortalidade, por um
lado, nupcialidade e natalidade, pelo outro, é normalmente uma correlação
positiva. (CHAUNU, 1976, p. 454-455).

145
Elza Régis de Oliveira

Procuramos estudar os ritmos demográficos da França do


século XVI, ligados à noção de conjuntura, para compreendermos a
pluralidade dos fatores que respondem pelas pulsações demográficas.
Portanto, só nessa teia de relações, podemos apreender a verdade
dos fatos, num sistema de explicação mais amplo, ultrapassando
o factualismo histórico. Assim, vimos a importância do dado
demográfico no domínio da interpretação histórica, permitindo, sem
dúvida alguma, um maior dimensionamento da análise dos fenômenos
estudados.
Deixamos claro, também, que os fatores socioeconômicos,
sem esquecer os fatores políticos, são responsáveis, em parte, pelo
crescimento e queda da população, mas isto só não basta como
explicação, pois, ao lado daqueles fatores, procuramos mostrar que,
simultaneamente, outros dados explicam o referido movimento,
como sejam: fecundidade, natalidade, mortalidade, contracepção etc.
Estamos de acordo com Chaunu, quando afirma: “de todos
os casamentos entre Ciência Humana e História, nenhum
outro é tão frutuoso quanto este, a demografia é a mais
central, a mais importante das ciências do homem.” (CHAUNU,
1976, p. 375).

REFERÊNCIAS

BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo:


Perspectiva, 1978.
BURGUIÈRE, André. La démographie. In: LE GOFF, Jacques; NORA,
Pierre (Dir.). L’Histoire. Paris: Gallimard, 1974.
CHAUNU, Pierre. A história como ciência social: a duração, o espaço
e o homem na época moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
146
Teoria, História e Memória

______. La expansión europea: siglos XIII al XV. Barcelona: Labor,


1972.
FONSECA, Célia Freire A. A economia europeia e a colonização do
Brasil: a experiência de Duarte Coelho. Rio de Janeiro: CFC/IHGB,
1978.
GODINHO, Vitorino Magalhães. Os descobrimentos e a economia
mundial. Lisboa: Arcádia, 1963.
GOUBERT, Pierre. História social e demografia. In: A história social:
problemas, fontes e métodos. Lisboa: Cosmos, 1973.
GUILLAUME, Pierre; POUSSOU, Jean-Pierre. Demographie
historique. Paris: Armand Colin, 1970.
LE GOFF, Jacques. La baja Edad Média. México: Siglo Veintiuno, s/d.
LEVY, Henrique. O mundo moderno tropical sob o ponto de
vista demográfico. Recife: Seminário Tropicologia, 1978. (Cópia
mimeografada)

147
Capitania da Paraíba nos seus
vários aspectos

Criada em 1574, a Paraíba surgiu do desmembramento da


Capitania de Itamaracá e despontou no processo de conquista e
expansão territorial a partir de Pernambuco, com o objetivo de
garantir a posse efetiva da terra ocupada, alvo da ameaça constante
de estrangeiros. A conquista da Paraíba foi um empreendimento de
caráter oficial. Para a execução dessa tarefa, foram enviadas cinco
expedições, em 1574, 1575, 1582, 1584 e 1585. Somente nesse último
ano a sua conquista foi efetivada.
Capital. ‒ A cidade de Nossa Senhora das Neves, capital da
Paraíba, fundada em 1585, foi a terceira do Brasil que nasceu com esta
condição, sem antes ser vila. Tal privilégio deveu-se ao fato de ter sido
fundada por ordem do rei em Capitania da Coroa. A cidade teve vários
nomes ao longo da história: Frederica, Paraíba e, atualmente, João
Pessoa.
Povoações Principais. ‒ O povoamento processou-se no
sentido leste-oeste, do litoral para o sertão e vice-versa, podendo-
se falar de duas vertentes de povoamento: uma, a do litoral, com
a exploração da cana-de-açúcar; e outra, a do sertão, de iniciativa
149
Elza Régis de Oliveira

particular, com base na pecuária. Dos núcleos populacionais surgidos


no litoral e no sertão é que nasceram as vilas paraibanas. No século
XVIII, foram elevadas à categoria de vila as povoações então existentes
na Paraíba: em 1758, Alhandra e Pilar, em 1762, São Miguel da Baía da
Traição e Monte-Mor da Preguiça: em 1768, Conde (Jacoca), em 1772,
Pombal, em 1790, Campina Grande (Vila Nova da Rainha) e em 1800,
São João dos Cariris Velhos (Vila Real de São João dos Cariris Velhos),
também em 1800, a Vila de Sousa (Jardim do Rio do Peixe).
População. ‒ Os dados sobre a população da Paraíba no século
XVII são escassos e, no século XVIII, contraditórios. Em 1755, Irineu
Ferreira Pinto avaliou a população da capitania em 30.000 habitantes.
Já Southey estimou em 52.000, no mesmo ano. Somente no final do
século XVIII e no início do século XIX, por ordem régia, se procedeu
a um censo da população, obtendo-se os seguintes dados: em 1798, o
total de brancos, índios, pretos e mulatos era o de 39.894 habitantes,
em 1799, 50.464, em 1800, 56.475, em 1801, 55.573, em 1802, 50.835,
em 1804, a população declinou, ficando em torno de 38.814, e, em
1805, atingiu a cifra de 49.358 habitantes. Nos anos de 1804 e 1805, a
população diminuiu, em consequência da seca e da fome ocorridas no
ano de 1803.
Administração. ‒ A Capitania Real da Paraíba, criada como
Capitania da Coroa, à custa do Erário Régio, foi governada por
capitães-mores designados pelo rei, que gozavam de autonomia
administrativa. Quando se deu sua anexação a Pernambuco, em 29
de dezembro de 1755, a Paraíba perdeu essa prerrogativa, passando
o capitão-mor a ser um mero executor das ordens de Pernambuco.
Essa subordinação fazia-se sentir nos vários aspectos da vida dos

150
Teoria, História e Memória

seus habitantes: político, econômico e militar. A Paraíba passou por


um processo de subcolonização que durou quase meio século (1755-
1799). A sua autonomia foi restaurada pela Carta Régia de 17 de
janeiro de 1799, autonomia de direito mas não de fato, uma vez que
sobreviveram vínculos de dependência à capitania pernambucana,
através de órgãos administrativos e judiciários cuja jurisdição
continuou a se estender, repetidas vezes, sobre a Paraíba.
Administração Eclesiástica. ‒ As capitanias do Norte
ficaram sob a jurisdição do bispado da Bahia, criado em 1551, com
sede na cidade de Salvador. Quando ocorreu a criação da diocese
de Olinda, em 1676, a Paraíba ficou subordinada a ela, até à criação
do seu próprio bispado, tardiamente, no período republicano, em
1892. Mesmo com a autonomia da capitania em 1799, o governo
eclesiástico continuou na dependência da diocese de Olinda. Do
século XVI ao final do século XVIII, as paróquias criadas na capitania
já ultrapassavam o número de dez. Nessa época, era grande a escassez
de padres.
Economia. ‒ Esta contou com duas linhas de produção: uma,
a grande lavoura da cana-de-açúcar e depois a do algodão; outra, a
economia de subsistência. A cana-de-açúcar teve a sua prosperidade
assegurada até à primeira metade do século XVII, quando a economia
da capitania entrou numa crise de longa duração, que foi do fim da
guerra holandesa à anexação da Paraíba a Pernambuco (1755), indo
um pouco mais além, isto é, antes de 1799, com a autonomia da
capitania paraibana. Com o declínio do açúcar, na segunda metade
do século XVIII, ocorreu a ascensão de um outro produto, o algodão,
cultivado em terras do agreste e do sertão. A economia de subsistência

151
Elza Régis de Oliveira

consistia em mandioca, milho, arroz e feijão. A pecuária deixou de ser


uma atividade complementar para se tornar autônoma. Ela é a base da
ocupação do sertão. No século XVIII, foi criada a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba (1759-1780), numa fase de pouca prosperidade
do açúcar. Uma das suas finalidades era a de ativar a economia, no
sentido de incrementar a produção e, ao mesmo tempo, incentivar
outras plantações.
Cultura. ‒ Na Paraíba, os resultados das culturas literária e
científica despontaram mais tarde. Cabe destacar a importância da
instrução, em que, como educadores, os jesuítas tiveram um papel
relevante. O ensino elementar era um prolongamento da catequese e
o secundário, feito nos colégios jesuítas fundados no Brasil, a partir
do século XVI. O Colégio da Paraíba foi fundado em 1683. Além
dos colégios, os jesuítas fundaram, no século XVIII, os seminários,
datando o da Paraíba de 1745. Quando ocorreu a expulsão dos
jesuítas em 1759, deu-se uma desagregação do ensino e a Paraíba
ficou por muito tempo sem escolas. Em 1772, por ordem régia, foram
restabelecidas aulas de primeiras letras, bem como as de gramática
portuguesa e latina nas principais vilas da capitania. Nesse mesmo ano,
instituiu-se o subsídio literário para custear o ensino público. Só em
1821 foram criadas as primeiras aulas de ler e escrever no interior da
Paraíba, nas vilas então existentes. Quanto ao aspecto artístico, a maior
produção concentrou-se na arquitetura religiosa, onde predominou
o estilo barroco. Entre as igrejas e os conventos da Paraíba, nos
séculos XVI e XVII, destacaram-se: a igreja com o Convento de Santo
Antonio, conhecida por São Francisco; a igreja com o Mosteiro de
São Bento e a igreja com o Convento de Nossa Senhora do Carmo. Na

152
Teoria, História e Memória

arquitetura civil, distinguiram-se velhos casarões de azulejos, alguns


dos quais ainda existentes, e, na arquitetura militar, a Fortaleza do
Cabedelo, também conhecida por Forte de Santa Catarina, que data
dos fins do século XVI.

REFERÊNCIAS

ATLAS GEOGRÁFICO DO ESTADO DA PARAÍBA. João Pessoa:


Grafset, 1985.
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 1978.
BARBOSA, Florentino. Monumentos históricos e artísticos da
Paraíba. João Pessoa: A União, 1953.
BURITY, Glauce Maria Navarro. A presença dos franciscanos na
Paraíba. João Pessoa: Gráfica JB, 2008.
LEAL, José. Itinerário histórico da Paraíba. João Pessoa: s/d.
MACHADO, Maximiano Lopes. História da Província da Paraíba.
João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1977. 2. v.
MELLO, José Octávio de Arruda (Coord.). Capítulos de história
colonial da Paraíba. Campina Gande-PB: Grafset, 1987.
______. História da Paraíba: lutas e resistência. João Pessoa: UFPB,
1994.
OLIVEIRA, Elza Regis de. A Paraíba na crise do século XVIII:
subordinação e autonomia (1755-1799). Fortaleza: BNB/ETENE, 1985.
PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a história da Paraíba.
João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1977. 2. v.

153
A Paraíba na Crise do Século XVIII,
em sua segunda edição
(exposição por ocasião do lançamento
do livro em 18 de outubro de 2007)

No livro A Paraíba na Crise do Século XVIII, trabalhamos com


conjuntura e estrutura, tempo semilongo ou semicurto, tempo muito
longo (trend secular), tendo constatado que as crises econômicas
da Paraíba nos séculos XVII e XVIII são crises de longa duração e se
repetem por mais de um século, de 1655 a 1755, ultrapassando esses
limites. Crises sistemáticas que foram uma constante na história
econômica da Paraíba, pelo menos na história colonial. Os fenômenos
de repetição ocorrem, sobretudo, na história econômica.(LE GOFF,
1988, p.107). Utilizamos, também, o tempo curto, portanto, os
três níveis de tempo de Braudel porque para ele todos os tempos se
interpenetram.
A referida obra aborda o processo de anexação da Capitania
da Paraíba à de Pernambuco, em 1755, e de sua autonomia, em 1799.
Trata, também, das implicações, ou seja, das consequências político-
administrativas desse ato sobre a capitania e a vida de seus habitantes.

155
Elza Régis de Oliveira

O livro contém cinco capítulos: o primeiro intitula-se A


conjuntura de expansão europeia, o segundo, Portugal e o Brasil: uma
crise de estrutura, os três últimos sobre a Paraíba: A Capitania da
Paraíba antes da anexação, da anexação à autonomia: 1755-1799
e a autonomia reconquistada.
No primeiro capítulo, verificamos que o século XVI é
caracterizado pela expansão marítima e comercial, ampliação dos
mercados, poder aquisitivo de novos grupos – a burguesia, alta de
preços, além de aumento demográfico.
Procuramos mostrar que existe um descompasso entre o
ritmo de expansão da França, o da Inglaterra e o de Portugal. Este
último país não acompanhou os dois anteriores no caminho da
industrialização; mergulhou numa das mais profundas crises de sua
história, crise estrutural, uma vez que, em 1760, temos na Europa uma
conjuntura de expansão, coincidindo a Revolução Industrial com o
declínio de Portugal.
No segundo, deixamos claro que, no século XVIII, Portugal
continua agrário, sem sintomas de modernização, numa estrutura
que se define por um profundo imobilismo. Também não possuía
indústrias.
Conforme Jorge Borges de Macedo é na dualidade Portugal-
Brasil que se assenta todo o sistema econômico português do tempo. O
maior peso da produção era proveniente do açúcar, do tabaco, do ouro
e dos diamantes do Brasil, enquanto da África vinham os escravos e da
Ásia, as especiarias. No que diz respeito à exportação portuguesa, além
dos produtos coloniais, constavam os da produção nacional, como
o vinho, o sal, as frutas e o azeite. Na pauta das importações, figuravam

156
Teoria, História e Memória

têxteis, trigo e outros gêneros alimentícios. As importações sempre


foram maiores do que as exportações, sendo o déficit das importações
cobertos com ouro, como veremos adiante.
A primeira metade do século XVIII, que coincide com o
reinado de D. João V, foi para Portugal uma fase de prosperidade e
de relativa estabilidade assegurada pela produção do açúcar, do ouro,
do diamante e do tabaco do Brasil, além dos produtos da Ásia e da
África, já referidos. O açúcar, produto mais importante da economia
brasileira, entra em decadência entre 1660 e 1695. Há uma queda
acentuada dos preços, aliada a dificuldades de aquisição de mão de
obra escrava pelo seu elevado custo. A queda de produção e dos preços
do açúcar brasileiro são decorrentes da instalação dos holandeses nas
Antilhas, a qual gerou, a partir de então, o regime de concorrência,
quebrando, dessa forma, o monopólio dos portugueses.(FURTADO,
1964, p. 36-37).
Ao lado do açúcar, cultivou-se o tabaco, desde o início do
século XVII, sendo a sua importância decorrente do fato de ser uma
mercadoria básica para troca por escravos na África. A Bahia era o
maior produtor de tabaco na época colonial, vindo depois Alagoas.
Outro produto, o algodão, assume no século XVIII uma
posição de relevo na economia brasileira. Como áreas produtoras
temos o Maranhão, Pernambuco e Bahia. Merece referência a cultura
do algodão na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Na segunda metade
do século XVIII, o algodão passa a ocupar um lugar de destaque na
economia brasileira, em face de sua utilização nas indústrias europeias,
particularmente as da Inglaterra, durante a guerra de Independência
dos Estados Unidos (1776-1783).

157
Elza Régis de Oliveira

No início do século XVIII, desenvolve-se a mineração de ouro


no Brasil, no reinado de D. João V. As primeiras descobertas de ouro
registram-se em 1691. Em 1728, são descobertas as primeiras jazidas
diamantíferas, em Minas Gerais. A situação nos primeiros tempos do
reinado de D. João V, de apuros financeiros, muda completamente
com a chegada regular do ouro brasileiro. É estranho que, ao lado
dessas riquezas, as notícias de pobreza e miséria fossem constantes,
o que se explica pela má administração das mesmas riquezas e pelos
imensos gastos do monarca esbanjador.
O reinado de D. João V é tido como afortunado e pródigo,
sendo muitas as indicações dessa aparente prosperidade, traduzidas
no luxo da corte, nas magníficas festas régias, espetáculos de óperas.
Falta de controle nos gastos públicos e o que diz respeito aos da corte.
Gasta-se sem medida, o que indica desequilíbrio nas finanças públicas.
Em 1748, sinais de crise manifestaram-se antes do final do
reinado de D. João V, diagnosticada pela baixa considerável do
movimento do porto de Lisboa. Em 1760, com D. José I, a crise torna-
se evidente. Crise estrutural, por afetar toda a estrutura em que se
fundamentou a sua economia. Não é apenas a crise da mineração do
ouro (1760-1780), mas, ao mesmo tempo, de numerosos produtos: o
açúcar (1749-1776); os diamantes (1760-1780) e o mercado escravista,
a partir de 1760. Crise na colônia significou crise na metrópole, o
que se deve à dependência de Portugal do seu comércio externo e à
permanência das formas arcaizantes de sua economia. Sem açúcar,
sem ouro e sem diamantes, Portugal empobreceu, sobrevindo a crise
financeira do Estado. O erro de Portugal foi pagar com o ouro o
déficit da sua balança comercial, num momento que todas as nações

158
Teoria, História e Memória

da Europa esforçavam-se para obtê-lo. (OLIVEIRA, 2007, p.


66-67). Realmente, a situação de Portugal era crítica, com o declínio
da produção econômica do Brasil e, praticamente, com a inexistência
de indústrias em seu solo.
No terceiro capítulo, sobre a Paraíba antes da anexação,
tratamos da crise econômica da Paraíba como um reflexo da
crise portuguesa e por isso não pode ser desvinculada do
contexto Portugal-Brasil. Crise essa que não se explica nas
fronteiras do século XVIII mas recua ao século XVII, após a guerra
holandesa. Procuramos mostrar que a anexação da Paraíba a
Pernambuco, em 1755, tem suas origens no século XVII, em
1654, com o declínio econômico da Paraíba após a guerra holandesa.
Uma carta dos oficiais da Câmara da Paraíba ao Rei, e m
8 d e janeiro de 1655, mostra a situação de devastação da
capitania. Nela, “não ficou pedra sobre pedra.” Dos mais de vinte
engenhos em funcionamento antes e depois da guerra, por volta
de 1663, não moíam mais que nove. A produção do açúcar, que era
a de dez mil e doze mil caixas numa safra, antes da guerra, depois
dela era apenas cem caixas. A exportação e a importação estavam
muito reduzidas, assim como a receita da Provedoria da Fazenda
Real da Paraíba e os dízimos do Rei.
Essa situação se reflete na primeira metade do século XVIII,
que também é de crise. A situação da capitania é bastante crítica.
Foi atingida pela seca dos anos de 1710 e 1715, que causou muita
devastação, morrendo grande parte do gado. De 3.000 cabeças não
ficaram mais do que 600. Perda de canaviais, falta de escravos para
o cultivo da lavoura. Ocorreu outra seca entre 1724 e 1725, seguida
de uma praga de lagartas, que se propagou nos anos subsequentes.

159
Elza Régis de Oliveira

Uma carta do capitão-mor ao Rei, de 25 de junho de 1724, diz:


“Os frutos da terra, assim mandiocas como legumes, se extinguiram
quase de todo, de sorte que os moradores se têm sustentado de raízes
de mato impróprias para o seu alimento.” Houve, também, uma
grande cheia em 1729, a qual dá conta ao Rei o capitão-mor, em carta
de 22 de junho de 1729. Essa cheia inundou as várzeas da capitania,
destruiu engenhos, levou grande parte do gado, a maior parte das
canas dos moradores, deixando-lhes pouco mais que as roupas.
Em razão de todas essas vicissitudes, encontra-se a capitania em
estado de extrema pobreza e necessidade. A pobreza dos moradores é
tal que o prior da Reforma do Carmo, Frei Felipe do Espírito
Santo, queixa-se ao Rei de não poderem os moradores concorrer
com as esmolas que costumavam dar para o sustento de 18
religiosos que ali vivem. Essa situação de crise é agravada não
somente pelas secas e enchentes, mas pela falta de assistência do
Estado Português às capitanias.
A produção colonial da Paraíba compreende: o açúcar,
principal atividade econômica, a pecuária e o algodão. O açúcar
inicia o seu declínio entre 1650 e 1660, com a queda de produção e de
exportação decorrentes não só da guerra e da expulsão dos holandeses,
mas do regime de concorrência que se estabeleceu nas Antilhas, cuja
referência fi zemos anteriormente.
O algodão, na segunda metade do século XVIII, voltou a
ocupar lugar de destaque na economia brasileira, em função de
sua utilização nas indústrias europeias. Ao contrário da cana-de-
açúcar, que se desenvolveu em terras férteis da beira-mar, a pecuária
expandiu-se para o interior, em terras secas, como o agreste e o sertão.

160
Teoria, História e Memória

O gado serviu não só como produto alimentício mas também como


força motriz para os engenhos. Contribuiu para o povoamento do
sertão.
A exportação da Paraíba colonial era feita pelo porto de
Pernambuco. Os produtos da Paraíba escoavam por aquele porto,
em virtude das facilidades de embarque e de melhores condições
operacionais, apesar de funcionar o porto da Paraíba.
Como a maior parte da produção da Paraíba era
exportada via Pernambuco, poucos eram os navios que
vinham ao porto da Paraíba. Também a limitada produção
concorre para isso. Os moradores e os senhores de engenho
locais queixam-se de o porto paraibano ser pouco frequentado
por navios, fato que lhes causa grandes transtornos. Temendo os
prejuízos por não embarcarem a sua produção, como acontecia,
representam ao Rei sobre a necessidade que têm de mandar seus
gêneros para Pernambuco.
As contendas sobre a abertura e fechamento do
porto da Paraíba eram frequentes. Os moradores querem o
porto aberto e os oficiais da Câmara fechado. As
justificativas daqueles oficiais são insuficientes para deixar de
prevalecer a vontade dos moradores. Isso dá margem para se
supor uma possível articulação dos oficiais da Câmara da
Paraíba com os comerciantes de Pernambuco.
Somente no final do século XVIII, o porto da Paraíba foi
definitivamente aberto para o comércio direto com o Reino, quando
Fernando Delgado Freire de Castilho resolveu mandar abri-lo,
através do edital de 17-4-1798. Os portos para onde se exportava
a produção da Capitania da Paraíba eram o de Lisboa e o de
161
Elza Régis de Oliveira

Pernambuco. Das exportações para o Reino constam açúcar, algodão,


couro em cabelo, sola, vaquetas, farinha, mel, madeira e aguardente.
Apesar de a Carta Régia de 17 de janeiro de 1799, que
desanexava a Paraíba de Pernambuco, conceder àquela capitania
o direito de fazer diretamente comércio com o Reino, eram ainda
poucos os navios que nela aportavam, além da reduzida produção
exportada. A maior parte da produção da Paraíba escoava através
do porto de Pernambuco. A superioridade desse porto se dá pelo
fato de ser mais bem aparelhado e ter mais movimento, portanto,
mais oportunidade de embarques da produção paraibana. No espaço
de Pernambuco, há mais equipamentos instalados, o que concorre
para subordinar as outras capitanias (Paraíba, Rio Grande do Norte
e Ceará), que não dispõem de condições favoráveis de porto e de
armazenagem.
Da anexação à autonomia (1755-1799) é o assunto do 4º
capítulo. Diante da situação de dificuldades da capitania paraibana, o
Rei resolve fazer uma consulta ao Conselho Ultramarino. Este propõe
uma solução: a de anexar a Paraíba à Capitania de Pernambuco. A
anexação cumprir-se-á pela Resolução Real de 29 de dezembro de
1755.
O governo da Metrópole, em vez de tomar a responsabilidade
que lhe competia no caso, adotando diretamente as medidas
necessárias, transfere para Pernambuco a pesada tarefa de recuperar
a Paraíba. Assim, vê-se a mentalidade do colonizador, a qual era a de
explorar a capitania, não lhe prestando nenhum socorro, mas muito
ao contrário: o Rei mandava buscar dinheiro para casamento dos
príncipes, subsídio literário etc.

162
Teoria, História e Memória

O povo da Paraíba não recebeu com indiferença a ordem real


da anexação. A Câmara pronunciou-se contrária através de uma
longa carta, em que analisa as condições que a capitania tinha para
ser autônoma e a inconveniência da subordinação. Na verdade, não
encontramos razões que fundamentem a anexação, sendo
ponderáveis as alegações da Câmara: as despesas não diminuiriam e a
capitania não se queixaria ao Rei da falta de dinheiro, se Pernambuco,
como o dão a entender os oficiais da Câmara, não consumisse as
suas rendas. Depois, a pobreza não era tão agressiva quanto podia
parecer, pois os moradores da Paraíba ofereceram cem mil
cruzados para a reconstrução de Lisboa, quando se deu o terremoto
de 1755. Mesmo em situação de dificuldades, a capitania nunca
deixou de contribuir, quando solicitada, conforme já mencionamos.
Se não encontramos razões que fundamentassem a anexação,
além das de ordem econômica, analisadas no capítulo anterior do
livro, tudo nos faz crer que havia interesses subjacentes à subordinação
da capitania. Por outro lado, a anexação se inseria dentro do plano
de racionalização da política pombalina de conter gastos, concentrar
recursos e não dispersá-los numa época de crise, como a dos
meados do século XVIII, em Portugal. Há um objetivo político de
centralização, comando e fiscalização, mediante a da jurisdição de
Pernambuco.
A Metrópole estava, de fato, interessada na anexação, pois dessa
centralização e controle poderia obter melhor proveito. Pernambuco
não deixava de estar também interessado na anexação, não só em face
da sua antiga pretensão expansionista, mas também das vantagens
e dos lucros que disso lhe poderiam advir. Se a produção da Paraíba

163
Elza Régis de Oliveira

embarcava pelo porto de Pernambuco, era evidente que o fisco dessa


última capitania colhia suas vantagens. O fato de Pernambuco não
mandar os vinte mil cruzados anuais do produto da arrematação
da dízima da Paraíba mostra que, obviamente, tinha interesse nos
recursos que efetivamente pertenciam à Paraíba.
A Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba fora criada
em 1759, coincidindo com uma fase de pouca prosperidade do
açúcar. As vantagens da companhia para a área de sua
exploração não foram compensadoras, como se pode pensar.
Houve sempre muita insatisfação do povo com a opressão e com
os vexames que ela lhe causava. Queixa-se a Câmara da Paraíba
da grande elevação dos preços depois do estabelecimento da
companhia. Alegava, ainda, a mesma Câmara que a companhia
aumentava os preços de seus gêneros, diminuindo os dos que
recebia da produção da capitania. Tal fato contribuía para sua
maior decadência, achando-se a maior parte dos seus proprietários
com os bens sequestrados.
O comércio entra também em decadência, pelas razões
expostas. Os senhores de engenho e os homens de negócio, com
os bens sequestrados, estão reduzidos à mais lamentável miséria,
sendo geral o descontentamento. Essa é a situação da Capitania da
Paraíba, mais ainda agravada após os 10 anos de administração da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba.
Acontecem conflitos de jurisdição entre as duas capitanias.
Pernambuco arroga a si mais poderes; por isso, a Paraíba não
deixa de reclamar os limites da subordinação, gerando repetidos
desentendimentos com a sua vizinha ao sul.

164
Teoria, História e Memória

Entendia o capitão-mor da Paraíba, Jerônimo José de Melo e


Castro, que o general de Pernambuco procurava ultrajá-lo com atos
de usurpação à sua jurisdição; por isso, pediu ao Rei, em contínuas
cartas, que declarasse os limites da subordinação. Em razão das
reclamações sobre os limites da subordinação acima referidos, José
César de Menezes, governador de Pernambuco, envia ao capitão-mor
da Paraíba uma longa exposição sobre os problemas entre as duas
capitanias. (OLIVEIRA, 2007, p.118, 119).
Diz José César:
Toda jurisdição desse governo expirou depois que S. Magestade foi servido
extingui-lo e incorporar com esta capitania, em virtude da Real Resolução
de 29 de dezembro de 1755. Nem o título de Governador pode provir a sua
pretendida jurisdição, pois estando esta abolida pelas Reais Determinações
já mencionadas, fica sem dúvida que o título é unicamente honorário e
dirigido só a condecorar o distinto caráter da ilustre pessoa de V.Sª.

Na segunda metade do século XVIII, a Paraíba tenta


desenvolver-se, sobretudo nas duas últimas décadas, favorecida pelas
providências da rainha D. Maria I, na agricultura. Se estabelecermos
uma comparação entre a primeira e a segunda metade do século
XVIII, podemos constatar que houve melhoria do nível
econômico da Paraíba.
A crise do século XVIII ultrapassa-lhe os meados, podendo-
se precisar para a última década a retomada do nível de crescimento
econômico da capitania, o que, ao final, vai justificar a sua autonomia.
Temos com D. Maria I uma mudança na política econômica de
Portugal. O período se inicia com a extinção das companhias de
comércio. Há, nessa fase, um incentivo à produção agrícola e uma
política no sentido de diversificar a produção.

165
Elza Régis de Oliveira

A análise dos dados fazendários da época mostra elevação


da receita da capitania, na segunda metade do século XVIII, em
comparação com a primeira; ocorre, entretanto, em 1777, uma
grande seca no Nordeste, com graves repercussões sobre a Paraíba. A
seca provocou a falta de alimentos, a morte de gados e escravos. Em
consequência, a capitania ficou totalmente arrasada, tornando-se
difícil sua recuperação.
Em 1798, toma posse no governo da capitania Fernando
Delgado Freire de Castilho. Para ele, o desenvolvimento da Paraíba
é inviável, por ficarem todos os lucros do seu comércio em
Pernambuco, que não tem poupado meios para esse fim. Logo de
início, fez publicar o edital de 17 de abril de 1798, proibindo o
comércio indireto. Toda a exportação seria feita diretamente para os
portos do Reino, livrando-se a Paraíba da dependência do porto de
Pernambuco.
Envia o capitão-mor da Paraíba ao Rei uma análise da situação
da Paraíba, fundamentando as razões para ela tornar-se autônoma.
Dirige à Metrópole, em várias ocasiões, pareceres, requerimentos
e memórias sobre os motivos para a Paraiba não ficar subordinada a
Pernambuco. Em um dos documentos, diz que a sujeição não tem
feito mais do que sufocar a indústria e a agricultura e aumentar
o monopólio de Pernambuco, para onde se faz a exportação dos
gêneros da capitania. Lamenta que, há mais de 20 anos, não vem
um só real de Pernambuco. Considera três pontos fundamentais
para o desenvolvimento da Paraíba: o comércio, a agricultura e a
administração das rendas reais. Todas necessitavam de absoluta
independência de Pernambuco.

166
Teoria, História e Memória

A rainha D. Maria I pede a Fernando Delgado “um exame


imparcial das desvantagens da incorporação para a Fazenda Real e
dos prejuízos que possa ter pela falta de execução das ordens reais,
cobrança menos ativa de suas rendas dependentes de Pernambuco.”
Fernando Delgado envia à Rainha um documento, em 9 de janeiro de
1799 e, 8 dias depois, pela Carta Régia de 17 de janeiro de 1799, ela
resolve separar a Paraíba de Pernambuco.
Assim, ficou separada a Paraíba de Pernambuco e livre de um
processo de subcolonização que durou 44 anos, tendo a experiência
mostrado que essa dependência convinha mais aos interesses de
Pernambuco do que aos da Paraíba. (OLIVEIRA, 2007, p.130).
O tempo mostrou que a anexação da Paraíba a Pernambuco não
fora uma solução adequada, uma vez que não recuperou a Paraíba.
A sujeição só serviu para aprofundar os problemas da capitania
subalterna, contribuindo para o seu atraso. A subordinação envolveu
aspectos políticos, econômicos e militares.
No quinto capítulo, sobre a autonomia reconquistada,
podemos verificar que a Capitania da Paraíba não se encontrava
em uma situação confortável, pois muitos problemas persistiam. O
capitão-mor Fernando Delgado Freire de Castilho queixa-se ao Rei de
não ter um regimento particular, pelo qual se rejam os governadores.
Houve mal-estar dos capitães-mores da Paraíba, porque muitas coisas
que diziam respeito à capitania continuavam na dependência de
Pernambuco, sendo necessário mandar buscar as ordens reais para se
regerem.
Durante o lento processo de recuperação da autonomia
da Paraíba, sobreviveram vínculos de dependência à capitania

167
Elza Régis de Oliveira

pernambucana, por intermédio de órgãos administrativos e


judiciários, cuja jurisdição continuou a se estender, repetidas vezes,
sobre a Paraíba. As finanças da Paraíba continuavam submetidas
a Pernambuco, como se vê na Carta Régia de 24 de janeiro de 1799,
dirigida a Fernando Delgado Freire de Castilho.
Quanto ao edital do referido capitão-mor, mandando que
se fizesse a exportação dos gêneros da Paraíba diretamente para o
Reino estes ainda se exportavam pelo porto de Pernambuco. No
ano de 1798, entraram no porto da Paraíba, vindas de Lisboa e de
Pernambuco, cinco embarçações (galera, brigue e sumaca), saindo
igual número. Em 1799, se repetiu o mesmo número e o mesmo
movimento do ano anterior. Em 1800, entraram quatro e saíram
quatro. Em 1801, incidiu esse mesmo número. Em 1802, entraram
sete embarcações, saindo seis. Em 1804, entraram quatro, com igual
número de saídas. Em 1805, foram cinco as galeras e as sumacas que
entraram e saíram.
Durante a fase de anexação, foram conservados os
limites geográficos da Capitania da Paraíba, sem modificações. A
circunscrição judiciária era bem mais ampla do que os limites da
capitania. Mozart Vergetti argumenta:

Criada em 25 de janeiro de 1688, a jurisdição da Ouvidoria Geral da


Paraíba ultrapassava significativamente as dimensões geográficas dos
limites da noção espacial e política da capitania e quanto à questão
judiciária, a Comarca da Paraíba teve, como suas anexas, as comarcas de
Itamaracá, Rio Grande e também a comarca do Ceará. (MENEZES, 2012, p.
61).

Em 1723, o Ceará foi separado da jurisdição da Paraíba, com


ouvidor próprio.

168
Teoria, História e Memória

Problemas de ontem e de hoje: porto da Paraíba e porto de


Cabedelo. Na época colonial, a maior parte da nossa exportação não
era feita pelo porto da Paraíba, localizado no Varadouro, mas pelo
porto de Pernambuco, pois os moradores da Paraíba preferiam o
porto vizinho por razões óbvias: obterem melhor preço, a produção
paraibana era pouca e os navios que vinham à Paraíba eram raros,
os gêneros da produção da Paraíba ficavam de trinta a quarenta
dias no seu porto, esperando os navios para levar a sua produção.
Além dos prejuízos causados pela demora, aqueles navios deviam
ainda se incorporar à frota de Pernambuco, quando houvesse
ventos e águas favoráveis para saírem em comboio, evitando
a pirataria.
Hoje, a situação do porto de Cabedelo é crítica. Os navios
que vêm a este porto são um ou dois por mês. 90% da produção é
exportada pelo porto de Suape, em Pernambuco. Também pelo porto
de Pecém, no Ceará, e Santos, em São Paulo. "O porto de Cabedelo
foi construído na interventoria de Antenor Navarro." (BURITY,
2010, 265-276).
Janaína Araújo (2007, p. 4) escreveu um artigo “Discutindo o
porto”. Diz ela:
A empresa Alpargatas de Campina Grande, por exemplo, exporta dez
milhões de pares de sandálias por mês via porto de Santos, a três mil
quilômetros de distância, quando essa exportação poderia ser feita pelo
porto de Cabedelo, a 120 km da fábrica, caso o mesmo tivesse as condições
de infra-estrutura necessárias. O canal de acesso ao terminal, que sofreu
drenagem há pouco tempo, não tem capacidade para competir com outros
portos.

A responsabilidade dessa situação é de todos os governos


que foram negligentes, no que diz respeito à falta de investimentos
169
Elza Régis de Oliveira

na infraestrutura. Alguns meses, vêm um ou dois navios; noutros,


nenhum. Isso é um retrocesso, o que nos faz lembrar a época
colonial. Estamos falando da situação do porto de Cabedelo em 2012,
quando da publicação deste livro. É urgente uma ação em defesa do
referido porto.
O desenvolvimento econômico de uma região depende muito
de um porto eficiente para escoar a sua produção. A Paraíba não
pode continuar na dependência dos portos de Pernambuco, do
Rio Grande Norte e do Ceará. Precisamos, no mínimo, de um porto
independente e operacional para dinamizar a economia paraibana.

170
Escravidão na Paraíba do século XVIII

As fontes brasileiras sobre a escravidão encontram-se dispersas


dentro e fora do país. Não é sem razão que o Arquivo Nacional do Rio
de Janeiro, no ano do Centenário da Abolição da Escravatura, montou
um programa para reunir essas fontes, na tentativa de elaborar um
roteiro que deverá incluir fontes de todos os Estados brasileiros.
A Paraíba, integrando o mesmo programa, realiza o difícil
trabalho de arrolamento de fontes na capital e nos diversos
municípios. Além do Arquivo Público do Estado e dos de particulares,
é fundamental a busca dessas fontes nos cartórios e arquivos
paroquiais. As fontes paraibanas sobre a escravidão encontram-se
também dispersas no próprio Estado, fora dele e no exterior.
Neste trabalho, utilizamos as fontes manuscritas conservadas
nos arquivos portugueses sobre a escravidão e o tráfico de escravos.
Destacamos três arquivos que, pela importância de seus acervos,
merecem destaque. Referimo-nos ao Arquivo Histórico Ultramarino,
ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo e ao Arquivo Histórico do
Ministério das Finanças, todos em Lisboa.
No Arquivo Histórico Ultramarino, possuímos, nas caixas de
documentos da Paraíba, dados preciosos sobre a escravidão. Também

171
Elza Régis de Oliveira

de grande importância são os códices da Paraíba, contendo, entre


outros papéis, leis, decretos e alvarás sobre o comércio de escravos. Essa
documentação que se encontra microfilmada e hoje digitalizada na
Universidade Federal da Paraíba, no Núcleo de Documentação e
Informação Histórica Regional, permitiu-nos estudar os diversos
aspectos da escravidão na Paraíba: comércio, contratos, rendas reais,
direitos sobre escravos, navegação à Costa da Mina, importação de
escravos, gêneros de resgate, legislação sobre o assunto e monopólio da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba. Nas caixas de documentos
de Pernambuco, existe muita informação de interesse paraibano.
No Arquivo Histórico do Ministério das Finanças,
encontramos, fazendo parte de seus fundos, a documentação da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759-1780).
Interessam-nos os dados dessa companhia, pois ela fazia o comércio
e a importação de escravos na área de sua atuação. Os papéis avulsos
e os livros da companhia contêm dados para o estudo da escravidão.
Não menos importante é o Arquivo da Alfândega de Lisboa, onde
pesquisamos documentos relativos à Paraíba sobre o açúcar e escravos.
A escravidão deve ser inserida dentro de um contexto mais
amplo – o do capitalismo mercantil ou comercial. Este, gerado
na circulação de mercadorias, tem como uma de suas fontes de
acumulação a política mercantilista, que, por meio de certos
mecanismos – o sistema do “pacto colonial” – promove essa
acumulação.
Mercantilismo, escravidão e capitalismo são partes integrantes
do processo de colonização europeia, desenvolvido no Novo Mundo.

172
Teoria, História e Memória

Essa colonização, que se chamou de moderna, tinha objetivo


fundamentalmente comercial: o de produzir para o mercado externo.
A colonização da América abria um mercado consumidor certo
para os produtos europeus. Essa colonização assentou suas bases no
trabalho escravo, uma das formas de exploração colonial. O tráfico
negreiro constituiu um dos negócios mais rentáveis do comércio
colonial, fonte de grandes lucros para os mercadores e para a Coroa,
uma das formas de acumulação de capital.
O escravismo moderno faz parte da expansão comercial. Sua
existência nas áreas coloniais configurava-se como uma saída para o
problema da mão de obra. No que diz respeito a Portugal, a população
era insuficiente, mesmo em meados do século XVI. A falta de braços
fez com que se recorresse, em grande escala, à mão de obra escrava,
primeiro dos mouros e, depois, de negros.
No século XV, Portugal assentou as bases para o comércio
que desenvolveria com a costa africana, através das feitorias lá
edificadas. Na costa africana, os portugueses traficaram marfim, ouro
e escravos. Conforme Ribeiro Júnior (1976, p.122), no seu livro
Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro, “a Costa da Mina
correspondia ao golfo da Guiné – área que teve diferentes designações
através dos séculos: Costa do Marfim, Costa do Ouro, e Costa de
Escravos." Era a Costa da Mina o alvo do mais importante
escambo realizado por Portugal.
Para Magalhães Godinho (1965, p. 531), em Os Descobrimentos
e a Economia Mundial, “é ao rei que pertence de direito o ouro
da Mina e durante todo o século XV e a maior parte do século XVI
não acede sequer a arrendar esse estanco, explora-o diretamente por

173
Elza Régis de Oliveira

intermédio de suas feitorias no Golfo da Guiné e da Costa da Mina.”


Entre as mercadorias que os portugueses escambavam por ouro,
figuram: alambeis, lanifícios, tecidos de linho, artefatos de latão ou de
cobre.
O comércio de escravos foi, sem dúvida, um dos negócios
lucrativos do Rei de Portugal. No século XVII, vão para Mina negros
jalofos, entre o Cabo Verde e Gâmbia, mas a maior parte provém de
São Tomé.
São Jorge, além de reexportador para Portugal, vai tornar-se o grande
mercado de fornecimento de escravos das civilizações negras da floresta
equatorial. Os mineradores precisavam constantemente desta mão de obra
para a mineração do ouro e para o seu transporte até o litoral. O papel de
distribuidor de escravos ao mundo negro das regiões auríferas manteve-o
São Jorge pelo século XVI adiante. (GODINHO, 1965, p. 531).

No que diz respeito ao comércio de escravos, a perda do


monopólio do Rei de Portugal deu-se quando os portugueses, no
século XVII, foram despojados de seus postos, que foram passados aos
holandeses, franceses e ingleses. Estes ocupavam os pontos estratégicos
desse comércio tanto no Atlântico como no Índico. A partir de então,
mesmo durante o século XVIII, os holandeses dificultaram o comércio
dos portugueses com a costa africana, impondo condições.
No que diz respeito ao Nordeste brasileiro, o problema da mão
de obra escrava ligou-se, inicialmente, à cultura do açúcar e, depois,
à pecuária e ao algodão. Quando a economia do açúcar entrou em
crise, por volta de 1650-1660, além da baixa do preço, acrescente-se
as dificuldades de aquisição de mão de obra escrava, pelo seu elevado
custo. O declínio do açúcar relaciona-se com a perda do monopólio
português.

174
Teoria, História e Memória

Como já afirmamos, após a guerra holandesa, na


Capitania da Paraíba, sem dúvida uma das mais danificadas,
mais de vinte engenhos em funcionamento antes da guerra, por
volta de 1663, não moíam mais que nove.(¹) Na segunda
metade do século XVII, os documentos confirmam os
pedidos de concessão para reedificação de engenhos na Paraíba.
Os pedidos eram feitos pelos senhores de engenho e
lavradores de cana, para não serem executados por dívidas
atrasadas, enquanto estivessem fabricando seus engenhos
e cultivando suas lavouras.(²) Em geral, a duração dos
pedidos tinha o prazo de seis anos, no fim do qual geralmente
solicitavam prorrogação. Esses pedidos, feitos pela Câmara ao
Rei datam dos anos de 1658, 1663, 1665, 1668, 1669, 1670 e
1674.
Atendendo aos moradores da Bahia, o Rei ordenou que eles
não fossem executados, por dívidas, nas fábricas dos engenhos e
lavouras de cana, mas somente nos rendimentos de suas fazendas.
O mesmo privilégio mandou estender a Pernambuco, Itamaracá e
Paraíba, onde a principal lavoura era a cana-de-açúcar.(³)
No que se refere ainda ao pagamento das dívidas, a Câmara
de Pernambuco enviou ao Rei um pedido dos senhores de
engenho daquela capitania, para que eles não fossem obrigados a
entregar os escravos aos seus credores e as execuções das dívidas
fossem feitas nos rendimentos de suas lavouras de cana.(4)
A situação crítica da capitania, em fins do século XVII, com a
desorganização da cultura do açúcar e reconstrução dos engenhos,
contribuiu para a diminuição da importação de escravos na Paraíba.
Apesar disso, não se deixou de trazer negros. Comprovam-no dados
sobre um negociante do Reino que mandou dois navios à Paraíba
175
Elza Régis de Oliveira

buscar açúcar e levar negros para vender àqueles moradores des -


providos de escravos, para os trabalhos dos engenhos.(5)
A crise da economia paraibana, após a guerra holandesa, proje-
tou-se no século XVIII. No início desse século a Paraíba continuou na
tentativa de recuperar-se dos desgastes sofridos no século anterior, mas
essa marcha é dificultada não só pela ação da conjuntura, de lenta recu-
peração, mas também pela ocorrência de calamidades, como as secas e
as enchentes, que agiram desfavoravelmente na sua recuperação. O açú-
car, principal produto da capitania, encontrou, na primeira metade do
século XVIII fatores desfavoráveis ao seu desenvolvimento, não chegan-
do sua produção à quarta parte do que se produzira.(6)
Do ano de 1710 para o de 1711, ocorreu uma seca, com grande
devastação, morrendo grande parte do gado na capitania. Houve
fazendas em que, de três mil cabeças, não ficaram mais que seiscentas.
A seca que sobreveio no sertão, atingiu também, no litoral, canaviais.
Em consequência, os contratadores da capitania tiveram grandes
prejuízos.(7) Em 1712, continuou a mesma seca. Foi de tal sorte
que, nesse ano, a produção não chegou a 150 caixas de açúcar.(8)
Por outro lado, a lavoura ressentia-se de braços escravos para
o seu cultivo. Considerando a falta de escravos para os trabalhos,
mandou o Rei que se introduzissem em cada ano, na capitania,
duzentos ou trezentos escravos angolanos, pagando-lhe em açúcar
os moradores que os adquirissem. Propôs, ainda, que os senhores
de engenho ajustassem entre si uma companhia para mandar buscar
negros por sua conta na Costa da África.(9)
Sobre o assunto, tomou o maior interesse o capitão-mor
João da Maia da Gama, enviando um patacho à Costa da Mina, o

176
Teoria, História e Memória

qual trouxe 170 escravos. Não houve senhor de engenho que


comprasse um, pelas dificuldades em que se encontravam.
Outro patacho que foi buscar escravos trouxe, na segunda
viagem, 270 cabeças. O capitão-mor, tendo feito todo o possível
para remediar a falta de escravos, lamentou ao Rei a pobreza da
capitania e de seus moradores. No mesmo documento, diz ainda
que, exceto dois engenhos, os mais estão perdidos e geralmente
desfabricados, não sendo possível moer, se não é a “providência
que tem tomado de repartir os índios das aldeias para lhes
fazerem lenhas.”(10)
João de Abreu de Castel Branco, em carta ao Rei, expôs a
difícil situação da capitania, pela falta de comércio, decadência dos
engenhos e dificuldades impostas ao negócio da Costa da Mina:
Outro motivo desse transtorno é que a procura de negros cresceu com a
exploração das minas no Brasil, região de onde vêm muitos compradores
a todos os portos do Brasil. Isso fez subir os preços, de forma que os
senhores de engenho não puderam adquiri-los.(11)

São frequentes as reclamações dos moradores ao Rei, contra a


falta que há de escravos na capitania, para o que pedem o envio de até
mil. Às reivindicações, respondeu o Rei:

Do porto de Pernambuco onde se proveem os moradores da Paraíba, vão


todos os anos 1.500 escravos ou mais para as minas, por mar e terra. Destes
podem os suplicantes comprar os que quiserem como o fazem os
moradores da Bahia e Rio, que se sacrificam em comprar por justos
preços. Quanto mais que tenho notícia que, na Paraíba, [temos] duas
sumacas que navegam para a Costa da Mina, armadas pelos moradores da
mesma terra, e me dizem que os escravos que fazem os vão levar a Bahia
e o Rio, buscando maior lucro. Pois, se os moradores da mesma terra
vão buscar sua conveniência, onde lhes parece, quem haverá de levar
escravos à Paraíba pelo preço que oferecem?(12)

177
Elza Régis de Oliveira

A aquisição de escravos na Costa da Mina era feita a troco de


gêneros da terra, sendo o tabaco um dos produtos apreciados para o
escambo. O capitão-mor da Paraíba declara que, em uma das sumacas
que foi à Costa da Mina, enviou 40 rolos de tabaco para compra de
escravos.(13) O Rei, para evitar a saída de ouro e moeda, tabaco fino dos
portos do Brasil, mandou proibir o desvio desses gêneros para a costa
da África.(14)
A razão da grande falta de escravos para os engenhos e a
cultura do tabaco, motivou não só proibições, mas leis para se
evitar que, da Bahia e de Pernambuco e das demais capitanias
do Brasil, continuassem a enviar escravos para as minas. Não
bastando tais providências, o Rei, por resolução de 17 de
setembro de 1706, ameaçou punir os governadores e ministros
que não observassem essa resolução, suspendendo seus cargos e
ofícios. Ficariam também inabilitados para entrar no serviço real e,
além do mais, obrigados a pagar dois mil cruzados para a Fazenda
Real.(15)
Para completar o quadro de flagelo da capitania, de que
vínhamos tratando, sobreveio, em 1724, uma seca e uma praga
de lagarta. Essa seca propagou-se nos anos subsequentes. Foi tal a
esterilidade da capitania, que não só os moradores, mas os escravos,
têm padecido por falta de alimentos.(16)
João de Abreu de Castel Branco, em carta ao Rei,
referia-se à petição dos senhores de engenho sobre o miserável
estado em que se encontravam pela calamidade da seca de
1724, que causou a morte de mais da metade dos escravos
que possuíam. Em face da situação, pediam para introduzir nessa

178
Teoria, História e Memória

capitania algumas embarcações de escravos para, com o seu trabalho,


reerguerem os engenhos. Dizia ainda o capitão-mor que seria
interessante escolher para o governo dessa capitania uma pessoa
que, por cabedais ou crédito, pudesse transportar de Angola para
este porto o número de oitocentos ou 1000 escravos, ajustando-se
antecipadamente o preço deles com a Câmara e com os moradores da
capitania.(17) No ano de 1725, em razão da seca passada, não se fez
nos engenhos da capitania nenhuma caixa de açúcar, fato que mostra
quão diminuída estava a produção na primeira metade do século
XVIII.(18)
Repetidas queixas dos moradores sobre a falta de
moeda na capitania,(19) as quais eram atribuídas ao seu fluxo para
Pernambuco, onde os moradores adquiriam mantimentos. Para Célia
Freire A. Fonseca, em seu livro A Economia Europeia e a Colonização
do Brasil (1978, p. 179), contribuiu para essa falta a “quase ausência
de economia monetária na colônia e, portanto, regime quase total
de economia natural.” Ora, sabe-se que os pagamentos faziam-se
com produtos da terra, tendo o capitão-mor da Paraíba pedido um
empréstimo de três mil cruzados ao Rei, comprometendo-se a enviar a
quantia em gêneros da terra.(20)
Ainda no que diz respeito às calamidades da Paraíba, ocorreu,
no ano de 1729, uma grande cheia, que causou muita destruição
na capitania: muitas caixas de açúcar se perderam, assim nos passos
como nos engenhos. Estes ficaram, em sua maior parte, arruinados e
os partidos de cana entulhados de areia, ficando muita terra perdida.
Também as canas foram levadas dos partidos sem ficarem sementes.
Não restou nenhum gênero de lavoura, roça e legumes que os
moradores pudessem aproveitar.(21)
179
Elza Régis de Oliveira

Essa situação de crise é agravada não somente pelas secas e


enchentes, mas também pela falta de assistência do Estado português
às capitanias. Os moradores reclamavam, constantemente, contra as
dificuldades que passavam – pobreza e miséria – sem que houvesse
nenhuma sensibilidade para com seus problemas, por parte do poder
real. Havia, portanto, muita extorsão e nenhuma ajuda. O pior é que,
em situações difíceis como essas, eram feitos pela Metrópole pedidos
de donativos.
O comércio de escravos com a Costa da Mina era disciplinado
mediante leis, decretos, alvarás, nem sempre cumpridos com o devido
rigor. Sobre o mesmo comércio, temos a seguinte provisão real:

Hei por bem de ordenar que nenhuma embarcação, de qualquer parte


que seja, possa navegar dos portos do Brasil para a Costa da Mina, ainda
que seja para os portos da mesma costa e da África pertencentes aos
domínios desta Coroa, nem ainda receba carga alguma para este efeito
sem que proceda licença do Vice-Rei ou Governador da capitania, donde
houver de sair.(22)

Em uma carta do conde de Sabugosa ao capitão-mor da


Paraíba, são feitas recomendações sobre o comércio com a Costa da
Mina, previsto na legislação em vigor. Assim ele se expressa:

As embarcações que dos portos do Brasil forem à Costa da Mina de


nenhuma maneira façam negócio algum com os portos holandeses, nem
com estes nem outra qualquer parte, ou no mar como costumam por ser
o único meio que há para se evitar a extração do ouro, moedas e tabaco fino
de que os holandeses se utilizam introduzindo-nos várias drogas da Europa.
(23)

Havia proibição do comércio de escravos com os holandeses na


Costa da Mina:

180
Teoria, História e Memória

Pela opressão que eles causavam, obrigando os navios portugueses que iam
ao Castelo de São Jorge a pagar dez por cento dos gêneros e fazendas que
levavam em ouro ou açúcar fi no ou em tabaco, provocando com isso
grande prejuízo à Fazenda Real.(24)

O comércio com a Costa da Mina era arriscado pelas


perturbações, proezas e naufrágios que aconteceram aos navios deste
porto, causados pelos piratas:

O preço dos negros tem subido a tamanha exorbitância que não tem
proporção o lucro deles com o de seu trabalho. Para esse excesso não
deixou de concorrer a desordenada licença com que nas minas
se compram fiados por todo o preço, para que cavando ouro possa
render a seus donos o principal do que custam, o que só lá pode ser. E
como das mesmas minas vêm muitos compradores a todos os portos do
Brasil, cada dia alteram os seus preços de sorte que os senhores de
engenho nem lhe tem conta o comprá-los, nem podem conservar sem
negros as suas fábricas.(25)

No que diz respeito ao resgate de negros na Costa da Mina,


foram expedidas ordens reais às Mesas de Inspeção de Pernambuco,
Bahia e Paraíba, no sentido de regular os preços porque se deviam
resgatar os escravos da mesma costa. A Mesa de Inspeção da Paraíba
estava subordinada à de Pernambuco, em virtude da anexação.
(26) Para que os escravos não ficassem por preços exorbitantes, duas
providências deviam ser adotadas:

A primeira, que nunca no mesmo porto entrará um navio enquanto nele


estiver já outro fazendo o seu resgate; a segunda, que a Mesa desta capitania
com a da Bahia, regulem as quantidades dos gêneros pelos quais se devem
fazer os resgates dos escravos, segundo as qualidades e tamanho destes,
sem que possa exceder a taxa que se puser com graves penas contra
os transgressores.(27)

181
Elza Régis de Oliveira

Ainda sobre o referido comércio, podemos consultar o Regimento dos


Tratos e Resgates da Costa da Mina, com todas as disposições sobre
aquele negócio.(28)
Apesar das proibições do resgate de escravos com ouro
e moeda, na Costa da Mina, foi praticado o comércio ilegal,
o que motivou denúncias e devassas. O próprio capitão-mor
da Paraíba, João de Abreu de Castel Branco, denunciou ao Rei
que teve conhecimento, por pessoas que foram na sumaca deste
porto à Costa da Mina, de embarcações da Bahia, Pernambuco e
Rio de Janeiro, as quais foram resgatar escravos. Consta que o
referido negócio era feito a troco de ouro em pó. Alega aquele
capitão-mor que a sumaca da Paraíba, pela arqueação, podia
trazer duzentos e quarenta escravos e resgatou somente
sessenta, porquanto ia carregada com gêneros da terra. Não só
as embarcações referidas resgataram todos os escravos que
elas podiam conduzir, mas ainda sobraram muitos, dos quais
vieram alguns de Pernambuco na sumaca desse porto. Ordenou
o provedor da Fazenda tirasse devassa desse caso pela gente da
mesma sumaca e se achou que foram resgatados com ouro vinte
e sete escravos que vinham nela, pertencentes a Pernambuco, os
quais foram confiscados nessa alfândega.(29)
Figuram como rendas reais os direitos sobre os escravos
que vêm da África. Esses direitos eram administrados mediante
contrato arrematado no Conselho Ultramarino. Consta que
Manuel Correia Bandeira arrematou, no Conselho Ultramarino,
o direito da entrada de três mil quinhentos réis por cabeça de
escravos que saíam de todas as partes da Costa da Mina, São Tomé,

182
Teoria, História e Memória

Príncipe, Cabo Verde e mais anexas para a Paraíba e Pernambuco.


( 30) Também Hyeronimo Lobo Guimarães arrematou, por tempo
de três anos, o direito dos quatro mil quinhentos réis por escravo
que dessa capitania e da de Pernambuco vão para as minas, por
terra ou por mar.(31)
No que toca ainda aos direitos de escravos, o Rei enviou ordem
ao Provedor da Fazenda da Paraíba, alegando o seguinte:

Tem notícia que muitos navios que desse porto vão comerciar
na Costa da Mina, não se dão conta dos direitos dos resgates
que se fizeram dos negros na mesma costa, tendo ordenado que
a importância desse direito se envie em açúcar ao
Conselho Ultramarino, em Lisboa. ( 32)

Sobre a renda real proveniente dos direitos sobre os


escravos da Costa da África, elaboramos, com dados dispersos,
um quadro dos escravos procedentes da Costa da Mina.
Evidentemente, faltam alguns anos mas esses dados nos permitem
acompanhar os preços e as suas flutuações, no que se refere à
importação de escravos na Paraíba. As maiores baixas estão
relacionadas com as secas e com a difícil situação da capitania em
alguns anos.
Podemos constatar o fato de que os escravos que entravam
na Paraíba eram procedentes da Costa da Mina, em sua maior
parte, conforme dados abaixo. Essa tendência comprova-se antes e
depois dos meados do século XVIII, portanto, também na fase de
atuação da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba
(1759-1780).

183
Elza Régis de Oliveira

RENDAS REAIS DA CAPITANIA DA PARAÍBA


ESCRAVOS DA COSTA DA MINA
Anos Direitos s/escravos (em contos)
1723-1724 463$082
1724-1725 172$375
1725-1726 871$500
1726-1727 2.791$600
1727-1728 566$000
1728-1729 402$000
1732-1733 883$600
1733-1734 114$000
1744-1745 717$000
1747-1748 2.409$920
1753-1754 1.968$030
1755-1756 151$000
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa.

A criação da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba


coincidiu com uma fase de pouca prosperidade do açúcar, principal
produto de exportação da região. Sofria o açúcar os efeitos da
conjuntura, mas os preços não atingiram níveis muito baixos. A
companhia, dentro do espírito em que fora criada, na época
mercantilista, visava a atender os princípios do pacto colonial, não se
discutindo os benefícios de sua atuação, que deveriam reverter em
lucros para a Coroa.
Houve sempre muita insatisfação do povo com a opressão
e os vexames que a companhia lhe causava. Não sendo boa a situação

184
Teoria, História e Memória

que atravessava a Capitania da Paraíba, também sob o seu domínio,


acharam os oficiais da Câmara da Paraíba que deveriam representar ao
Rei os grandes inconvenientes da atuação da companhia.
Consta na denúncia que a maior parte dos senhores de engenho
“ficaram com suas fábricas de fogo morto, pela falta de assistência que
em cada um ano deve fazer a companhia em dinheiro, escravos e mais
fornecimentos, que carecem para o seu exercício e necessária
conservação.”(33) Alegava ainda a mesma Câmara que a companhia
aumentava os preços de seus gêneros, diminuindo os dos que
recebiam da produção da capitania.
Também na carta dos oficiais da Câmara, foi tratado o proble-
ma da aquisição de escravos da Costa da Mina e Angola para os traba-
lhos da capitania. Antes da companhia, navegavam mais de quatorze
embarcações por conta do comércio nas capitanias de Pernambuco e
da Paraíba. Em 1770 havia falta de escravos, pois, com apenas seis em-
barcações que iam à Costa da Mina, só a companhia manda buscá-los
e só ela os vende. O número de escravos que vinham era insuficiente.
Mesmo assim, são vendidos, no Rio de Janeiro, os melhores, ficando o
refugo de escravos sem agradar aos compradores. Alguns compravam
por oitenta, noventa e cem mil réis os que, no tempo do comércio li-
vre, valiam quarenta, cinquenta e sessenta.
O comércio entra também em decadência, pelas razões
expostas. Os senhores de engenho e os homens de negócio, com
os seus bens sequestrados, estão reduzidos à mais lamentável
miséria, sendo geral o descontentamento. Essa é a situação em que se
encontra a capitania, ainda mais, agravada após os dez anos de
administração da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba.

185
Elza Régis de Oliveira

Na segunda metade do século XVIII, a Capitania da Paraíba


tentou desenvolver-se, sobretudo nas duas últimas décadas,
favorecidas pelas providências de D. Maria I, na agricultura. Se
estabelecermos uma comparação entre a primeira e a segunda metade
do século XVIII, constatamos que há, nesta última, uma melhoria
do nível econômico da capitania. (OLIVEIRA, 2007, p. 121).
O que se verifica é uma mudança na política econômica de
Portugal, com a soberana.
Ocorre, entretanto, em 1777, uma grande seca no
Nordeste, fato este a que nos referimos, com graves repercussões
sobre a Paraíba. As secas de 1791, 1792 e 1793 estenderam-se
do litoral ao sertão, tanto na Paraíba como em Pernambuco,
como já foi dito. A seca não só provocou a falta de alimentos,
mas também a morte de gados e de escravos. Em
consequência, a capitania ficou totalmente arrasada, tornando-se
cada vez mais difícil sua recuperação.(34)
A receita e a despesa da capitania, na segunda metade do
século XVIII, nos permite verificar que há, nesse período, fases
de alta e de baixa. Apesar dos fatores que agiram
desfavoravelmente, evidencia-se uma certa tendência de
recuperação da economia paraibana, demonstrada através de sua
própria receita.
Jerônimo José de Melo e Castro, capitão-mor da Paraíba, tendo
conhecimento da situação de abandono da agricultura, com o desprezo
do plantio da mandioca, em face da ambição motivada pelo algodão,
cujas consequências são prejudiciais ao povo, chegando a faltar
farinha, resolveu tomar medidas visando a proteger o gênero básico da
alimentação dos moradores da capitania, a farinha de mandioca. Para
isso baixou um edital, no qual ordena:
186
Teoria, História e Memória

Cada casal seja obrigado a plantar e cultivar cinco mil covas de


mandiocas, e tendo filhos ou escravos capazes de trabalho cada um plante
e cultive três mil covas, visto indispensavelmente não lhe proibir a
[plantação] do algodão.(35)

Alegava, ainda, o mesmo capitão-mor que também a cultura da


cana-de-açúcar estava sendo menosprezada pela paixão com que os
moradores se dedicavam ao algodão.
Na segunda metade do século XVIII, o algodão esteve em
ascensão e o açúcar em declínio. A mão de obra escrava foi também
utilizada nessa cultura que se desenvolveu nas terras do sertão, ficando
a zona da mata para o cultivo da cana-de-açúcar.
Amaro Joaquim Raposo de Albuquerque, que governou a
capitania, de julho de 1805 a agosto de 1809, relatava em carta ao Rei
os grandes prejuízos das secas, causando a morte de gado e de escravos,
obrigando muitos engenhos a ficar de fogo morto. Diz, ainda, que, em
consequência das secas, o comércio ficou estagnado, deixando de vir os
melhores navios a este porto por falta de carga. A maior parte dos
senhores de engenho, os habitantes mais abastados dos sertões e
mesmo os negociantes desta cidade ficaram obrigados, para se
suprirem, a recorrer aos negociantes de Pernambuco, onde
hipotecavam os gêneros de suas futuras lavouras.(36)
Posteriormente, os senhores de engenho da capitania,
favorecidos pelo tempo em virtude da regularidade das estações,
pediam ao Rei a graça de isentá-los, por dez anos, da metade dos
direitos a serem pagos pela compra de escravos. Alegavam as
poucas forças que tinham para desenvolver seus engenhos.(37)

187
Elza Régis de Oliveira

Quanto à população da Capitania da Paraíba, em se tratando


dos pretos, estão disponíveis, no final do século XVIII e início do XIX,
dados relativos aos anos de 1798, 1799, 1800, 1801, 1802, 1804 e 1805.
Faltam os dados de 1803, em virtude da seca ocorrida naquele ano,
inclusive refletindo-se no ano de 1804, em que a população diminuiu.
Levando-se em consideração a ordem numérica, o maior índice
populacional é o de mulatos, seguindo-se o de brancos, pretos e índios.
Interessam-nos os pretos livres e os pretos cativos. Constata-se que era
significativo o número de pretos cativos, em comparação com os dos
pretos livres, conforme dados abaixo:

POPULAÇÃO DA CAPITANIA DA PARAÍBA (PRETOS)


Anos Pretos livres Pretos Cativos Total
1798 2.976 7.039 10.015
1799 3.558 8.761 12.319
1800 4.188 8.652 12.840
1801 4.393 8.360 12.753
1802 5.167 8.302 13.469
1804 4.084 5.943 10.027
1805 4.570 7.550 12.120
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa.

Assim, com a documentação de que dispomos nos arquivos


portugueses, nos foi possível abordar os diversos aspectos da
escravidão na Paraíba, no decorrer do século XVIII, permitindo-nos
uma visão ampla da escravidão e do tráfico negreiro.

188
Teoria, História e Memória

REFERÊNCIAS: FONTES MANUSCRITAS

1. A.H.U.PB.1. Sobre as dificuldades da capitania após a guerra,


número de engenhos e quantidades de açúcar fabricado, 20.03.1663.

2. A.H.U. PE.7. Sobre o pedido de prorrogação da execução por


dívidas para os moradores de Pernambuco e do Rio, a exemplo dos da
Paraíba, 17.02.1764.

3. B.G.C. Códice 707. Ordem real sobre a execução de dívidas


concedidas aos moradores de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, em
16.02.1668.

4. A.H.U.C.PE.2. Pedido ao Rei da Câmara de Pernambuco para os


senhores de engenho não serem executados em seus escravos, em
05.06.1699.

5. A.H.U.C.PB.2. Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei sobre o


pedido do negociante Francisco Mendes de Barros para ir a Paraíba
buscar açúcar e vender negros, em 25.01.1694.

6. A.H.U.C.PB.6. Carta de João de Abreu de Castel Branco ao Rei,


sobre a decadência dos engenhos, em 22.04.1722.

7. A.H.U.C.PB.6. De João da Maia da Gama ao Rei, sobre a seca e


as dificuldades pelas quais passava a capitania, em 27.05.1712.

8. A.H.U. C.PB.2. Sobre a reduzida produção da capitania, em


27.05.1712.

9. A.H.U. C.PB.7. Ordem real para se introduzirem escravos na


capitania, em 02.09.1715.

10.A.H.U.C.PB.6. De João da Maia da Gama, sobre os patachos que


mandou à costa da África buscar escravos, em 20.08.1716.

189
Elza Régis de Oliveira

11. A.H.U.C.PB.6. De João de Abreu de Castel Branco ao Rei


expondo as razões do miserável estado da capitania e a diminuição da
produtividade dos engenhos, em 22.04.1722.

12. A.H.U.C.PB.6. Dos moradores da Paraíba ao Rei, sobre a


necessidade que têm de escravos na capitania e o que diz o Rei sobre o
assunto, em 06.03.1726.

13. A.H.U.C.PB.8. Sobre a aquisição de escravos na Costa da Mina a


troco de gêneros da terra, em 03.12.1732.

14. A.H.U.C.PB.8. Do capitão-mor da Paraíba sobre ter recebido a


lei para se evitar a frequente extração do ouro e moeda, tabaco fino
e outros gêneros proibidos nas embarcações que dos portos desta
capitania navegam para a Costa da Mina e da África, em 08.02.1732.

15. A.H.U.C.PB.13. Resolução real punindo os governadores e


ministros que não cumprirem as leis sobre a saída de escravos da
Paraíba, de Pernambuco e das demais capitanias para as minas, em
17.09.1706.

16. A.H.U.C.PB.6.Carta de João de Abreu de Castel Branco ao


Rei, sobre a ruína da capitania e a falta de alimentos para os seus
habitantes, em 25.06.1724.

17. A.H.U.C.PB.6. Carta de João de Abreu de Castel Branco ao Rei,


sobre a difícil situação em que se encontra a capitania em virtude das
secas, e a necessidade que há de escravos, por ter morrido mais da
metade, em 21.07.1725.

18. A.H.U.C.PB.6. Sobre a inexistência de produção na capitania no


ano de 1725, em virtude da seca passada, em 31.07.1725.

19 A.H.U.C.PB.8. Sobre a dificuldade que há na capitania de moedas


de ouro, em 20.04.1732.

190
Teoria, História e Memória

20. A.H.U.C.PB.8. Sobre um empréstimo que o Rei fez à capitania,


concordando que fosse pago em gêneros da terra, em 17.09.1732.
21. A.H.U.C.PB.7. De Francisco Pedro de Mendonça Gorjão ao
Rei, sobre a difícil situação da capitania, em virtude da cheia, em
22.06.1729.
22. B.G.C.Códice 706. Provisão real proibindo o comércio com a
Costa da Mina e outros portos da África, sem licença do Vice-Rei ou
Governador da capitania, em 01.07.1730.
23. A.H.U.C.PE.24. Carta do Conde de Sabugosa ao Capitão-mor da
Paraíba, recomendando cumprir a legislação sobre o comércio com a
Costa da Mina, em 16.08.1731.
24. A.H.U.C.PB.6. Sobre o que os holandeses cobram para o resgate de
escravos na Costa da Mina, em 12.10.1722.
25. A.H.U.C.PB. Carta de João de Abreu de Castel Branco ao Rei
sobre a necessidade de negros para os engenhos e as dificuldades do
comércio com a Costa da Mina, em 22.04.1722.
26. A.H.U.C.PB.17. Ordem real extinguindo o governo da Paraíba, em
29.12.1755.
27. A.H.U.M.PB.12. Da Mesa de Inspeção do Recife para João
Bernardo Gonzaga, a propósito do resgate de escravos na Costa da
Mina, 23.11.1757.
28. Regimento dos Tratos e Resgates da Costa da Mina, em 20.03.1615.
29. A.H.U.M.PB.2. Carta de João de Abreu de Castel Branco ao Rei
sobre o resgate de escravos com ouro em pó na Costa da Mina, em
24,.12.1723.
30. B.G.C. Códice 1805. Ordem real sobre a arrematação do direito de
escravos feita por Manuel Correia Bandeira, em 22.09.1724.

191
Elza Régis de Oliveira

31. A.H.U.C.PB.6. Sobre a arrematação do contrato de escravos feita


por Hyerônimo Lobo Guimarães, em 25.01.1725.
32. B.G.C. Códice 1805. Do Rei ao Capitão-mor da Paraíba sobre
direitos de escravos, em 27.01.1722.
33. A.H.U.PB.32. Representação da Câmara junto ao Rei contra a
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, em 04.05.1770.
34. A.H.U.C.PB.17. De Fernando Delgado Freire de Castilho a
D.Rodrigo de Sousa Coutinho, sobre as consequências da seca na
capitania, em 01.08.1798.
35. A.H.U.C.PB.16. Edital obrigando os moradores da capitania a
plantar mandioca, face ao desprezo desse gênero e ambição pelo
algodão, em 17.03.1786.
36. A.H.U.M.PB.24. Carta de Amaro Joaquim Raposo de Albuquerque
ao Visconde de Anadia, relatando-lhe as dificuldades que tem passado
a capitania com as secas, em 10.07.1806.
37. A.H.U.M.PB.33. De Amaro Joaquim Raposo de Albuquerque
ao Visconde de Anadia, pedindo para isentar, por tempo de dez
anos, metade dos direitos dos escravos que vêm para este porto, em
10.07.1806.

Abreviaturas

A.H.U.M.C.PB.PE – Arquivo Histórico Ultramarino. Caixas de


documentos da Paraíba e de Pernambuco.
C.C.U. – Consulta do Conselho Ultramarino
A.H.M.F. – Arquivo Histórico do Ministério das Finanças

192
Teoria, História e Memória

REFERÊNCIAS

FONSECA, Célia Freire de Aquino. A economia europeia e a


colonização do Brasil: a experiência de Duarte Coelho. Rio de Janeiro:
CFE/IHGB, 1978.
GODINHO, Vitorino Magalhães. Os descobrimentos a economia
mundial. Lisboa: Sá da Costa, 1965, 2v.
RIBEIRO JÚNIOR, José. Colonização e monopólio no nordeste
brasileiro: a companhia geral de Pernambuco e Paraíba (1759-1780).
São Paulo: Hucitec, 1976.

193
Quebra-Quilos:
lutas sociais no outono do Império

Autor: Armando Souto Maior


Bacharel em Direito e em História. Fez pós-graduação na
Universidade de Perúgia (1969); na Fundação Leriei, na Itália
(1970), e na Universidade de Lisboa (1968). Livre-docente.
Professor titular do Departamento de História do Centro de Filosofia
e Ciências Humanas da UFPE. Integrou o corpo docente dos cursos de
graduação, mestrado e doutorado em História da UFPE. Foi pró-
reitor de pós-graduação e pesquisa na mesma universidade.

Um humanista

O historiador Armando Souto Maior era portador de


cultura humanística: filosofia, direito, literatura e artes. Hoje, essa
visão de cultura clássica ampliou-se para alcançar novos ramos
do saber: história, economia, política, sociologia, antropologia e
geografia. Souto Maior era cultor de tudo isto, além de poliglota.
Dominava o inglês, o francês, o espanhol e o italiano. No presente, é
cada vez mais raro encontrar pessoas dotadas de cultura humanística,

195
Elza Régis de Oliveira

em função da fragmentação do saber, da especialização, da


hiperespecialização e dos novos campos de atuação do historiador
ou de outro cientista social, fato este que vem acompanhado de
perdas da unidade da cultura humanística.
São territórios, domínios, espaços criados e demarcados
pelos próprios historiadores para abrigarem as suas preferências. O
século XX é o século da especialização, da micro-história e não da
história total, como pretendiam os fundadores dos Annales. Desta
forma, estamos ficando, cada vez mas, distantes de uma cultura
humanística.

Obra
Como historiador Armando Souto Maior integra a
historiografia nacional ao lado de grandes expoentes: José Honório
Rodrigues, Boris Fausto, Francisco Iglésias, José Jobson de Andrade
Arruda, Fernando Novais, José Carlos Reis e Ciro Flamarion Cardoso.
Publicou Quebra-Quilos: lutas sociais no outono do Império
(tese de livre-docência), Perspectiva histórico-sociológica de uma
revolução medieval, Ensaios, Problemática social de Roma no século
II a.C., História da Antiguidade, História geral, História Medieval
e Moderna, História do Brasil. Tendo em vista as ligações da
história nova com a literatura, incluímos O Gato Paralelo e o Diabo
no Divã.
Entre os livros publicados do historiador Armando
Souto Maior, consideramos Quebra-Quilos um dos mais
importantes, pela pesquisa realizada e análise acurada sobre os
movimentos sediciosos desencadeados no Nordeste: Alagoas,

196
Teoria, História e Memória

Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, entre


outras províncias.
Do livro Quebra-Quilos, do historiador Armando Souto Maior,
consideramos três questões fundamentais, entre outras: as de ordem
teórico-metodológica, a crise econômica e social do Império.

Questão de ordem teórico-metodológica

Souto Maior possuía uma excelente base teórico-metodológica


de história, o que nos deixa perceber não só na elaboração do seu
livro Quebra-Quilos, mas também em conversas, quando éramos
sua orientanda. Suas pesquisas no Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, onde também trabalhamos entre 1974 e 1975, e no
Arquivo Público do Estado de Pernambuco demonstravam suas
preocupações com as fontes primárias, alicerce de toda a sua obra.
O historiador Armando Souto Maior utilizou os conceitos de
conjuntura e de estrutura na sua análise histórica, o que é totalmente
pertinente. Ele não teve a intenção de fazer história estrutural na
perspectiva braudeliana de história, porque conhecia muito bem
essas questões e sabia que a história estrutural se desenvolve na
longa duração e precisa de um vasto espaço de tempo, um século ou
mais, se quisermos detectar as permanências e os fenômenos de
repetição, que ocorrem sobretudo na história econômica. O
quebra-quilos foi um movimento de curta duração, com apenas sete
anos (1874-1881), mas guarda certas relações com a história
estrutural.
Souto Maior, não sendo um historiador quantitativista, trabalhou
com a questão de preços e salários, temática da história quantitativa, es-
197
Elza Régis de Oliveira

pecificamente da história econômica. Na história econômica mundial, os


preços estão à frente dos salários. Isso não é uma lei, mas uma constata-
ção. Essa temática é por demais importante, uma vez que os preços e os
salários são o termômetro da economia, como já nos referimos.

A crise econômica do Império

O livro Quebra-Quilos tem uma sólida base sócioeconômica. O


historiador Souto Maior dedicou um capítulo à economia nordestina,
onde fala na “herança secular da miséria e do déficit financeiro";
por isso, as receitas eram insuficientes e não cobriam as
despesas, revelando orçamentos deficitários. Para o autor, a
insurreição ou sublevação foi consequência da situação econômica
da época, da crise crônica, diante da qual, o Império, em sua
imobilidade, não teve forças para tomar as providências e debelar o
mal. Exemplo são as várias reformas que se fizeram necessárias e
que adiante comentaremos.
Foi sob essa óptica que ele examinou esses levantes populares,
ditos também insurreições, revoltas, sublevações e sedições, nomes
que aparecem nos documentos. Na sua metodologia, trata de questões
de conjuntura, nas quais esses movimentos estão inseridos, e da
estrutura decadente do Império quando, repetidas vezes, refere-se às
crises sistêmicas que se tornaram crônicas.
Na sua análise, Souto Maior argumenta:
Em 1870, os proprietários já não podiam pagar os salários tradicionais
aos trabalhadores do campo. Tal circunstância determinou intensa
oferta de trabalho braçal com suas consequências: o desemprego e a
redução dos salários. (1978, p.14).

198
Teoria, História e Memória

Diz ainda o autor do Quebra-Quilos: “No Brasil, o final do


século XIX não apresenta somente a crise de um sistema político, mas
também uma crise das formas de produção e dos relacionamentos
sociais tradicionais.” (SOUTO MAIOR, 1978, p. 3)
Em se tratando do Nordeste, as províncias de Sergipe, Alagoas,
Paraíba e Rio Grande do Norte lutaram contra a crise econômica.
A situação da Paraíba, em 1850, era tão séria que o Presidente da
Província “não podia arcar com a despesa para iluminar sua capital.”
Pernambuco não fugiu à regra, sendo fácil constatar essa afirmativa,
uma vez que a sua receita era insuficiente para cobrir a despesa, em
1872.
Em 1876, Henrique Augusto Milet, na sua obra Os Quebra-
Kilos e a crise da lavoura, dá conta da difícil situação enfrentada pelos
agricultores nordestinos. Não era só a agricultura mas também o
comércio e a indústria que compartilhavam o mesmo drama. A crise
não se restringiu à zona açucareira, mas atingiu também o algodão.
A crise algodoeira nordestina tem relação com o desenvolvimento
da cultura do algodão nos Estados Unidos. O açúcar também sofria a
concorrência internacional, como veremos.(SOUTO MAIOR, 1978,
p.13).
Acreditamos que o quebra-quilos decorreu da distância entre
o povo e as classes privilegiadas, uma vez que o maior ônus da difícil
situação recaiu sobre os menos favorecidos, como hoje. Para nós, as
razões dessas insatisfações são muito mais profundas e emergem da
estrutura socioeconômica obsoleta, que provocou não somente crises
permanentes, mas grandes injustiças contra o povo desprotegido.
Houve interesses inconfessáveis, razões subjacentes que, sob
o pretexto do aumento de impostos, da adoção do sistema métrico
199
Elza Régis de Oliveira

decimal, da Lei Censitária e da Lei do Recrutamento Militar,


promoviam essas rebeliões. As autoridades do Império estavam
certas de que os padres, ressentidos com a Questão Religiosa, como
foi o caso dos bispos D. Vital e D. Macedo, foram os mentores dessas
rebeliões.
O Governo Imperial necessitava promover reformas para a sua
própria sobrevivência. Reformas como a da concentração fundiária,
e a da centralização administrativa, a abolição do trabalho escravo,
o recrutamento militar, sem distinção de classes sociais, e a redução
de impostos, que se tornavam urgentes, além de necessárias. A essas
questões juntavam-se outras causas que se somavam aos ingredientes
das sublevações. De todas essas insatisfações, podemos antever o ocaso
do Império e o advento da Republica.
Diz Souto Maior (1978, p. 1):
O que se pretende, sobretudo, além da revelação de fatos e
documentos novos sobre este centenário e o pouco conhecido
movimento social brasileiro, é demonstrar que não é um fenômeno
isolado, não apenas paraibano ou pernambucano. Suas raízes estão
espalhadas numa vasta área geográfica que compreende quase todo o
Nordeste.

A situação econômica do Nordeste, revelada no “Estado


Financeiro das Províncias publicada pela Presidência do Conselho de
Ministros, em 1886, esclarece que Pernambuco e Paraíba já tinham um
sério déficit em 1876-1877, e que continuaram a tê-lo.” (SOUTO
MAIOR, 1978, p. 6). Essa situação era enfrentada também por outras
províncias. As receitas eram insuficientes, o que revelava orçamentos
deficitários. A crise se instalou em toda parte, tornando-se um mal
crônico.

200
Teoria, História e Memória

Para Milet, a crise começou em 1872. Não ficou restrita à zona


açucareira, uma vez que o algodão também estava ameaçado. O
custo da produção do açúcar era alto em relação aos preços, que
haviam despencado. Apesar disso, a produção do açúcar e do algodão
continuou a ser tributada com os mesmos impostos, situação essa que
se tornou insustentável, uma vez que os preços dos produtos quase
não cobriam os custos da produção.
A crise do algodão do Nordeste estava ligada à produção deste
gênero nos Estados Unidos. Com a Guerra da Secessão americana, o
Brasil passou a exportar o algodão para aquele mercado, tendo os
preços quadruplicado. Terminada a guerra, a produção americana foi
reativada, diminuindo as exportações brasileiras. O açúcar brasileiro
sofreu a concorrência do açúcar de cana fabricado nas
Antilhas. (SOUTO MAIOR, 1978, p. 13.), fato a que já nos referimos.
Anteriormente, fizemos apenas referências às causas
dos quebra-quilos, mas vamos agora tecer considerações sobre
elas: aumento de impostos, adoção do sistema métrico decimal,
Lei do Recrutamento Militar, Questão Religiosa e Lei Censitária.
Souto Maior afirma: “fora a decretação dos novos impostos
provinciais a principal causa do movimento e o fruto da ignorância
de uma população pobre e desamparada.” (SOUTO MAIOR, 1978, p.
31-32).
Uma das causas significativas das sublevações do quebra-quilos
foi o aumento dos impostos e a substituição das antigas medidas
lineares pelo novo padrão de pesos e medidas – o sistema métrico
decimal. O povo, por ignorância e desinformação, não aceitou o
novo sistema, pois além de estar acostumado com o antigo, temia ser
prejudicado. As feiras foram sempre alvos dos protestos porque era
201
Elza Régis de Oliveira

ali que se cobravam os impostos municipais, inclusive o chamado


“imposto do chão”.
A Lei do Recrutamento Militar despertou um sentimento de
revolta. Isso se explica:

Ela só existia para o homem do povo. Cansado de viver foragido pelas


matas, via-se de momento preso e algemado a fim de pagar o duro imposto
do sangue, sentando praça no Exército e na Marinha. A camada média e a
camada superior da sociedade brasileira estavam a salvo desse pesado ônus.
(1978, p. 112),

Tal fato constituía um privilégio odioso.


A Lei Censitária, sobre registros de nascimento e de óbitos
provocou revolta como argumenta Souto Maior (1978, p. 36):

A população enfurecida organizara-se em grupos, depredaram


muitas casas. Um deles, composto de mais de duzentas pessoas, chegou a
invadir a Vila do Ingá, onde destruiu todos os livros e papeis
existentes na casa do Juiz de Paz.

Tudo indica que há uma vinculação entre o movimento


quebra-quilos e a Questão Religiosa. Esta foi um conflito entre o poder
temporal e o espiritual. Os bispos D. Vital e D. Macedo foram presos
por desobediência ao Poder Imperial. Ocorreram manifestações de
adesão aos referidos bispos e pregações contra o governo nos sermões
dominicais de vários padres, entre os quais se destacaram o padre
Ibiapina e o padre Calixto da Nóbrega, considerados mentores do
movimento.
Por várias vezes, a questão dos bispos havia sido discutida no
Conselho de Estado. Um dos pronunciamentos mais importantes

202
Teoria, História e Memória

foi o do visconde do Rio Branco. Desconfiava das ligações entre os


quebra-quilos e a Questão Religiosa, atribuindo a culpa do movimento
aos padres jesuítas. No seu parecer, é enfático ao declarar: “Os padres
jesuítas são cabeça do movimento.” Em uma carta ao Imperador, de
18 de dezembro de 1874, dizia “suspeitar que os jesuítas eram autores
de um vasto plano de subversão, bem disfarçado.” Em outra carta a D.
Pedro II, de 22 dezembro de 1874, declarava-se convencido de que “o
plano de agitação que perturbava Pernambuco e Paraíba era jesuítico,
com a colaboração de alguns políticos do Partido Liberal.” (SOUTO
MAIOR, 1978, p. 69-70). Não parecia ser pela absolvição dos culpados,
pelo que afirmava: “O mais provável é que eles vejam na clemência do
Poder Moderador, uma confissão de fraqueza do Governo e da
ineficácia dos seus meios repressivos.” O visconde do Rio Branco
mereceu toda confiança de D. Pedro II e, por isso, a sua palavra foi
sempre ouvida.
Um voto radical é o do marquês de São Vicente. “Segundo ele,
o que há da parte da Igreja é um sistema organizado e firmemente
disposto a predominar sobre o poder político. Vencê-lo ou capitular,
é a questão.” (SOUTO MAIOR, 1978, p. 64-65). O voto do visconde
de Abaeté não acenava no sentido de anistia.
Quanto aos participantes, o quebra-quilos, apesar de ser
um movimento popular, teve a adesão de figuras de
destaque: juízes, delegados, advogados, padres, senhores de
engenho etc. “O missionário Ibiapina surgirá na documentação
oficial sobre o quebra-quilos como extremamente suspeito”. Ele
não chegou a ser denunciado, mas o padre Calixto da Nóbrega
foi preso, julgado e absolvido. Portanto, não podemos considerar
os revoltosos de 1874 apenas como marginais, bandidos, ladrões, e
escravos.
203
Elza Régis de Oliveira

Merece atenção especial o movimento quebra-quilos na


Paraíba, pela sua extensão e intensidade, uma vez que muitas vilas
e povoados foram atacados por bandos com grande número de
participantes.

Fagundes, pequeno distrito do termo de Campina Grande, fora, entretanto,


o primeiro barril de pólvora a explodir e, a sete de novembro de 1874, já O
Despertador noticiara o acontecimento. A sedição iniciada no Município de
Campina Grande alastrara-se, atingindo Cabaceiras, S. João do Cariri,
Ingá, Alagoa Nova, Alagoa Grande, Bananeiras e Areia. (SOUTO MAIOR,
1978, p. 33).

Além dessas vilas, incluíam-se ainda Mamanguape, Cuité e


Pilar. Em Ingá, cerca de mil pessoas bem armadas invadiram a feira e a
casa do mercado, destruindo pesos e medidas.
A propósito do quebra-quilos na Paraíba, Souto Maior (1978,
p. 35) faz a seguinte indagação:

Por que não em Areia ou Teixeira? Por que não em Goiana ou Pau d’Alho,
na Província de Pernambuco, ou em qualquer outra cidade do interior da
Paraíba? Tinha Fagundes uma tradição de revolta adquirida por ocasião do
Ronco da Abelha.

Em cada município, o movimento adquire particularidades,


“variando desde a ignorância, o fanatismo religioso até os sonhos da
tomada de poder.” (SOUTO MAIOR, 1978, p. 35).
Assim se expressa o historiador do Quebra-Quilos:

a sedição paraibana não fora subestimada na Corte, que percebera, desde já,
o perigo. Já a 26 de novembro de 1874, o intendente interino do Ministério
da Guerra escrevera ao presidente provincial informando que nomeara
o Brigadeiro Herculano da Silva Pedra para sufocar a sedição incipiente.
(SOUTO MAIOR, 1978, p. 29)

204
Teoria, História e Memória

Consta que, fazendo parte do armamento, foram enviados três ca-


nhões de montanha de calibre 4. Isso mostra o quanto foi temida a suble-
vação dos quebra-quilos da Paraíba, não só por sua organização, número
de participantes, mas também por uma certa consciência da luta que tra-
vavam. Luta, sobretudo, contra os impostos etc. Referindo-nos à consci-
ência dos quebra-quilos, não quer dizer que tivessem uma ideologia.
A repressão foi muito cruel não só pelas prisões, indiciamentos
e julgamentos, mas, sobretudo, pelas torturas. O autor do Quebra-
Quilos assim comenta:

Pior e mais violenta do que a atuação dos quebra-quilos foi a repressão


das forças comandadas pelo capitão Longuinho, hoje tristemente famoso
pelos ‘coletes de couro’, tortura que aplicou aos que lhe foram apontados ou
denunciados como quebra-quilos. Amarrados os prisioneiros, eram, em
seguida, metidos em grosseiros coletes de couro cru. Ao ser molhado, o
couro encolhia-se, comprimindo o tórax das vitimas quase asfixiando-as.
(SOUTO MAIOR, 1978, p. 33).

Como o quebra-quilos na Paraíba tomou grandes proporções


e repercussões, a repressão foi mais dura, no que se refere às prisões,
indiciamentos e torturas.
Em Pernambuco, quando chegaram as primeiras notícias do
quebra-quilos da Paraíba o grande temor era o de que aquela província
fosse contaminada pela sedição paraibana. Notícias dos quebra-
quilos da Paraíba não deixavam de constituir uma ameaça à província
vizinha. Um dos primeiros a se intimidar foi o juiz de direito de
Itambé, João Francisco da Silva Braga, o qual enviou informações ao
governo sobre os acontecimentos da província vizinha.
Pela proximidade com o território paraibano, Itambé foi
um dos primeiros alvos do movimento sedicioso. O temor era pela

205
Elza Régis de Oliveira

proximidade da fronteira de Itambé com a Paraíba. A primeira


investida foi de pequenas proporções. “Apenas 63 homens, quase
todos vestidos com roupa de couro, destruindo os novos pesos e
medidas que encontravam nas casas de comércio e alguns papéis que
se achavam na pequena casa que servia de coletoria.” (SOUTO
MAIOR, 1978, p. 104). Logo após esses acontecimentos de
Itambé, a sedição espalhou-se por Goiana, Caruaru, Limoeiro,
Gravatá, Garanhuns, Vitória, Buíque, Vila de Santo Antão, Bezerros,
Barreiros, Igaraçu e Palmares, entre outras localidades. Ocorreram
também muitas prisões.
Em dezembro de 1874, o quebra-quilos chegou a Maceió,
sendo as causas da revolta as mesmas que levaram a Paraíba e
Pernambuco a se rebelarem. Alagoas não deixou de estar inserida na
crise, mas não tinha déficit orçamentário como as outras províncias.
Ali, a sedição tinha as mesmas características das demais províncias.
O que mudou de uma para outra foi a maior ou menor intensidade
do movimento. Nas províncias de Alagoas, de Pernambuco, da
Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará, ocorreram repressões,
prisões e indiciamentos, sendo a repressão da Paraíba a mais
violenta, com a aplicação do “colete de couro”, conforme referência
já feita.
Agitações se deram também no Rio Grande do Norte. “O
presidente da Província do Rio Grande do Norte considerava o
quebra-quilos preocupante pela forma como os revoltosos agiram.
Cerca de quatrocentas pessoas invadiram a Junta Paroquial, onde
eram feitos os trabalhos de recrutamento, ameaçando matar o juiz de
direito e todos os membros da junta se a Lei do Recrutamento tivesse
execução naquela freguesia.” (SOUTO MAIOR, 1978, p. 192).
206
Teoria, História e Memória

No Ceará, aconteceram as mesmas revoltas, sem a gravidade


dos acontecimentos da Paraíba. Souto Maior emite a seguinte
explicação:

Esses quebra-quilos cearenses revoltaram-se apenas contra o recrutamento


discriminatório. A designação quebra-quilos consagrada pela documentação
do Códice 603 do Arquivo Nacional deverá, entretanto, aplicar-se mais pela
generalização do que pelo paralelismo histórico com os sediciosos de
1874, em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte.(SOUTO
MAIOR, 1978, p. 189).

A crise social
A crise social traz o desemprego, o rebaixamento de salários,
a fome, a miséria, de modo que um fator arrasta os demais. Do livro
Quebra-Quilos do historiador Souto Maior, transcrevemos um trecho
de um dos artigos do bacharel em direito José Antonio de Figueiredo,
contra o governo, publicado em A Província, no fim do ano de
1874, que ilustra muito bem a situação do povo, no apagar das
luzes do Império:
O povo constantemente vítima de recrutamentos bárbaros, verdadeira
caçada humana; o povo encurralado por tributos excessivos, [...] o povo
faminto e nu, embora nascido em um país fertilíssimo; o comércio e a
lavoura em deplorável estado; os proprietários e lavradores das províncias
do Norte, forçados pela necessidade de venderem os poucos escravos que
possuem os quais às centenas, são conduzidos mensalmente em vapores
que os levam para o Sul. (SOUTO MAIOR, 1978, p. 57).
Há uma certa semelhança entre a situação do Império (pelo
menos no Nordeste, onde há pobreza, miséria e fome) e a nossa nos
dias atuais, cujos problemas são acentuados pela exclusão social. O

207
Elza Régis de Oliveira

Brasil, um país de riquezas incalculáveis e imensas potencialidades,


convive com a miséria e com a fome do seu povo. Celso Furtado, na
sua obra publicada em 2002, Em busca de novo modelo: reflexões sobre
a crise contemporânea, diz:

Há no Brasil 53 milhões de pobres ‒ cerca de 34% da população. Nessa


massa de pobres há um subconjunto de 22 milhões de indigentes – cerca de
14% da população - , que não têm nem sequer como comprar os alimentos
que lhes garantam o consumo mínimo calórico vital. (FURTADO, 2002, p.
11).

Esses dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada


(IPEA), mas sabemos que o número de pobres diminuiu.
Ainda é tempo de revertermos essa situação social que não é
apenas um barril de pólvora, como já se disse em relação ao Império,
mas uma bomba alimentada pelas tensões sociais, prestes a explodir
a qualquer momento, tendo em vista o clima em que vivemos de
verdadeira guerrilha urbana nas grandes cidades brasileiras. Isso nos
faz acreditar que os problemas do passado têm reflexos no presente.
Finalmente, cabe acrescentar que a revolta quebra-quilos era
contra a situação reinante, os efeitos da crise econômica e social do
Império, que constituíra, no novo sistema de pesos e medidas e no
recrutamento militar, aspectos dessa crise, um ingrediente a mais, a
gota d’água.
Para nós, as razões dessas insatisfações são muito mais profundas
e emergem da própria condição social, da distância entre o povo e as
classes privilegiadas, da estrutura obsoleta em que vegetava a população.
Geralmente, todo período de crise é um prenúncio de
mudanças. Assim, a crise do final do Império a qual fora também

208
Teoria, História e Memória

institucional, deságua no período republicano com perspectivas de


retomada da economia e do alcance de novos índices sociais.

REFERÊNCIAS

FURTADO, Celso. Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise


contemporânea. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

SOUTO MAIOR, Armando. Quebra-Quilos: lutas sociais no outono


do Império. São Paulo: Nacional; Brasília: INL; Recife: IJNPS, 1978.

209
PARTE III

MEMÓRIA E PRESERVAÇÃO
DE DOCUMENTOS NA
PARAÍBA
Fontes para a história da Paraíba em
Portugal: arquivos de Lisboa

Os acervos relativos à Paraíba e conservados em Portugal foram,


entre 1951 e 1958, objetos de pesquisa feita pelo historiador
pernambucano José Antonio Gonsalves de Mello, que, em seu vasto
trabalho realizado naquele país, fez investigações sobre os documentos
da história do Nordeste, dando-nos a conhecer muita coisa sobre a
Paraíba, cedendo, inclusive, ao Departamento de História da
Universidade Federal da Paraíba ampliações de microfilmes obtidos
durante aquelas suas pesquisas.
Depois de Gonsalves de Mello, de quem fui aluna,
continuamos em Portugal a investigação sobre as fontes para
a História da Paraíba, de novembro de 1967 a fevereiro de
1969, a primeira das três missões de trabalho realizadas em
Lisboa. Uma das pesquisas feitas consta do levantamento de
fontes históricas da Paraíba Colonial, existentes no Arquivo
Histórico Ultramarino, em Lisboa, onde se encontra o maior
acervo de documentos relativos ao Brasil. Incluem também
pesquisas realizadas em outros arquivos, conforme as notas aqui
apresentadas. Resultam elas do conhecimento pessoal desses
acervos. Não tivemos, naquela época, a pretensão de reuni-las, o que
somente agora fazemos para servir de informação a possíveis
interessados.
213
Elza Régis de Oliveira

Não é fácil descrever o que existe, mas impõe-se a necessidade


de informar o que possuímos de precioso para nossa história.
Destacamos alguns arquivos que possuem maior interesse para nós,
visto o número em Lisboa chegar a trinta. (RAU, 1961, p.V).
Além disso, os arquivos de outras cidades portuguesas, como Évora,
Porto e Coimbra, possuem grande importância para nossos estudos.
Na sua maioria, encontram-se manuscritos de interesse
paraibano, os quais possibilitam o conhecimento de alguns fatos
desconhecidos de nossa história, além de oferecer perspectivas para
novas interpretações. Há aspectos de nossa história que precisam ser
vistos através de documentos ainda não estudados. Estes permitirão
uma nova visão dos fatos. Há também outros aspectos que estão a
merecer maior ampliação de conhecimentos, sobretudo por meio de
estudos monográficos.
Entre os arquivos europeus, merecem lugar de destaque os de
Portugal, notadamente os de Lisboa, os quais, pela importância de
seus fundos, reúnem não só os documentos da História de Portugal
continental, mas do ultramar português. Também os da Espanha, em
razão do domínio espanhol, e os da Holanda, em face da ocupação
holandesa. Todos esses arquivos citados foram trabalhados, inclusive
os da França, Itália e Inglaterra, pelo Projeto Resgate "Barão do
Rio Branco."
Em Portugal, os documentos sobre o Brasil são incalculáveis
nos arquivos de Lisboa, sem contar com os de outras cidades
portuguesas acima citadas. Podemos encontrar, em quase todos,
fatos que nos dizem respeito, constituindo fonte magnífica para
a pesquisa histórica brasileira. Nos arquivos de Lisboa, a docu -
-
214
Teoria, História e Memória

mentação não é só de grande interesse, mas rica sobre o Brasil e,


particularmente, de boa qualidade, no que se refere à Paraíba.
Destacam-se, entre os documentos existentes, os papéis oficiais, quer
das secretarias régias, quer dos vários conselhos e outros órgãos
criados pela Coroa portuguesa, inclusive mapas e plantas de edifícios e
de outras obras públicas do Brasil.
De alguns arquivos, em que tivemos oportunidade de trabalhar
no interesse da História da Paraíba, passamos a fornecer elementos ou
dados que servem para ilustrar e aquilatar não só o valor quantitativo,
mas qualitativo do que ali existe.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Este é o maior de Lisboa e, sem dúvida alguma, um dos mais


importantes da Europa pela riqueza documental e paleográfica ali
depositada. Não é o arquivo que se agrupa a maior parte da
documentação do Brasil, mas ele concentra documentos de grande
valor para a história de Portugal continental e ultramarino. É assim
chamado por ter funcionado em uma das torres do Castelo de São
Jorge, em Lisboa.
A palavra tombo significa inventário ou tombamento
de documentos. Daí a designação de Torre do Tombo, oriunda do
lugar onde permanecia esse arquivo. Quando ocorreu o
terremoto de 1755, muita documentação perdeu-se, mas se
conseguiu recuperar grande parte, imprimindo-se nova organização.
Como não foi possível continuar no local, o acervo foi transferido
para outro local, entretanto, conservou o antigo nome de Torre
do Tombo.
215
Elza Régis de Oliveira

(AZEVEDO; BAIÃO, 1905). Em 1998, conhecemos a nova sede do


referido arquivo.
Nele, encontramos elementos preciosos de grande interesse
para o Brasil. Convém salientar que ali se guardam as cartas de Pero
Vaz de Caminha e de Duarte Coelho nos seus originais. De valor
é o atlas do cosmógrafo João Teixeira, feito no ano de 1640, com
um levantamento de toda a costa marítima do Brasil, com mapas
iluminados. O mapa da Paraíba nos dá uma visão de toda a sua costa,
inclusive portos, baías, rios, lagoas etc.
Entre as diversas coleções de nosso interesse, consultamos
os documentos dos Manuscritos da Livraria, das Chancelarias Reais,
do Corpo Cronológico, da Junta do Comércio e da Junta do Tabaco.
Nos livros das Chancelarias Reais, de D. Afonso V, Filipe II, D. João
V, D. José I e D. João VI, localizamos espécies variadas: alvarás, cartas
patentes, cartas de doações e confirmações de sesmarias, provisões de
cargos etc. (FIGUEIREDO, 1922).
Na Chancelaria de D. João III, encontra-se a “Doação das
terras a Pero Lopes de Sousa, em 1534” (Itamaracá), que constitui
um documento de valor não só de interesse para a Paraíba, mas
fundamental ao estudo da colonização das terras no Brasil, bem como
do início das sesmarias. No mesmo documento consta o “traslado
do Acordão da sentença”, figurando toda a sucessão da Capitania de
Itamaracá até à posse do Marquês de Cascais. (SOUSA, 1945, p.3,
8). Ainda na Chancelaria de D. João III, deveria localizar-se o Foral
dado a Pero Lopes de Sousa, em 1534, pelo mesmo Rei; entretanto, lá
não se encontra, devendo ter sido o original que serviu para sua
publicação, procedente de outro acervo.

216
Teoria, História e Memória

No Corpo Cronológico, encontramos, entre tantos


documentos, uma carta datada de primeiro de outubro de 1585,
de “El Rei a Fructuoso Barbosa e Martim Leitão, sobre a factura
(sic) da fortaleza da barra da Paraíba”. Localiza-se também no
Corpo Cronológico um documento importantíssimo: a concessão a
Fructuoso Barbosa para a conquista da Paraíba, de 1579.
As coleções da Junta do Comércio e a da Junta do
Tabaco, além de incluírem documentação das várias capitanias do
Brasil, reúnem, papéis de valor para o estudo da história econômica
da Paraíba, embora em quantidade reduzida. Na Junta do Comércio,
estão os ofícios e cartas das Mesas de Inspeções das capitanias do
Brasil, com documentos sobre a inspeção do açúcar na Paraíba.
Os Manuscritos da Livraria contêm papéis de interesse
brasileiro. Anotamos informes relativos à Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba, de inegável valor para o estudo da história
dessa instituição pombalina. Entre os documentos não catalogados,
existem livros sobre contratos de gado, açúcar e mais gêneros da
Capitania da Paraíba, bem como os livros de receita e despesa do
século XVIII.

Arquivo Histórico Ultramarino

Este arquivo é a casa da História do Brasil porque nele se


concentra a maior parte dos documentos de interesse brasileiro em
Portugal. É importante salientar que ali estão depositados, também,
documentos relativos aos domínios ultramarinos portugueses no
Brasil, na Ásia, na África e na Oceania.

217
Elza Régis de Oliveira

No tocante à documentação do Brasil, este é o mais rico, não


só qualitativa, mas quantitativamente. Os fundos são constituídos de
variada documentação de natureza política, econômica, administrativa
e religiosa. O arquivo é formado também por documentação avulsa,
códices, mapas etc., obedecendo a uma classificação geográfica e
cronológica.
Esse arquivo agrupa os documentos do Conselho Ultramarino
criado em 1643 por D. João IV como uma das medidas urgentes
da Restauração, pois a administração ultramarina necessitava de
atenção em face dos inúmeros problemas que se faziam patentes.
Esse Conselho foi extinto em 1833, por decreto de D. Pedro, duque
de Bragança, terminando, então, a primeira fase de suas atividades.
Somente em 1851, o Conselho foi restaurado e, dezessete anos depois,
novamente extinto, em 1868, sendo substituído por outro órgão
administrativo. (CAETANO, 1967, p. 23, 29, 39).
Nesse arquivo, a primeira seção compreende a documentação
do Conselho Ultramarino anterior a 1833. A esses papéis estão
anexos outros oriundos do Conselho da Fazenda, da Guerra etc.
Pertencem à primeira seção duas coleções: a dos figurinos militares e a
da cartografia com documentos referentes ao Brasil. Fazem parte da
segunda seção os documentos posteriores a 1833, também do
Conselho Ultramarino, relativos à segunda fase, e papéis provenientes
de outros órgãos de criação mais recente.
A documentação do Brasil estava classificada em maços e
caixas de documentos antes do Projeto Resgate. Temos também os
códices, onde são registrados decretos, leis, consultas, cartas régias,
mercês e registros de regimentos. Num desses códices, encontra-

218
Teoria, História e Memória

se o Regimento de 1548, que D. João III deu a Tomé de Sousa, fato


que serve para bem se aquilatar o valor desse acervo. O maior volume
da documentação do Brasil diz respeito à Bahia, Rio de Janeiro,
Pernambuco e Minas, pela importância que essas capitanias tiveram
na vida socioeconômica e política do Brasil, o que não é de admirar
que assim o fosse.
Aqui nos interessa informar acerca do que diz respeito à
Paraíba, como afirmamos em linhas atrás. Na relação dos documentos
da Paraíba, tínhamos quarenta e seis caixas e maços de documentos.
Com o trabalho de classificação a que se tem procedido nessa
documentação, os maços e caixas sofreram alterações, perfazendo
hoje, em relação à Paraíba, um total de quarenta e sete, em vez de
quarenta e seis.
Quando, em 1998-1999, participávamos da execução do
Projeto Resgate “Barão do Rio Branco”, em Lisboa, no que diz
respeito aos documentos da Paraíba, contávamos com quarenta e sete
caixas e maços de documentos, conforme nos referimos acima. Nós,
os pesquisadores brasileiros, procedemos a uma nova classificação
e organização da documentação do Brasil, no Arquivo Histórico
Ultramarino, por ordem cronológica. Cada documento recebeu uma
capilha com a data do mesmo. Hoje, a Paraíba possui um total de
cinquenta caixas de documentos, tendo sido os maços incorporados
às caixas. O acréscimo de três caixas deveu-se ao fato de terem sido
anexados à Paraíba documentos nossos que se encontravam nas caixas
de Pernambuco.
Para avaliarmos a tarefa do pesquisador no meio daquele
mundo de documentos, registre-se que tínhamos apenas publicado,
219
Elza Régis de Oliveira

no que se refere ao Brasil, o catálogo dos documentos de São Paulo.


Quando do Projeto Resgate “Barão do Rio Branco,” verificou-se que o
catálogo da Capitania de São Paulo feito por Alfredo Mendes Gouveia,
não fora concluído faltando a serem inventariadas trinta caixas de
documentos. Entre 1998 e 1999, à frente de um trabalho conclusivo,
estavam a arquivista Heloísa Liberalli Bellotto e os pesquisadores
Gilson Sérgio Matos Reis, José Roberto de Souza, Eliane Bisan Alves e
Paula Cristina dos Santos. (ARRUDA, 2000, p. 9-14).
No tocante a Pernambuco, existia na sala de consulta do
Arquivo Histórico Ultramarino uma vasta relação de documentos
feita pelo historiador José Antonio Gonsalves de Mello, quando este
procedia às suas investigações, com objetivo de fazer microfilmagem.
Como consequência da nossa segunda viagem de pesquisa a Lisboa,
em 1979, deixamos, no Arquivo Histórico Ultramarino, na data
acima referida, um catálogo de documentos com 662 páginas,
com toda a documentação da Paraíba verbetada em dois volumes,
intitulado Documentos para a História da Paraíba: Arquivo Histórico
Ultramarino. Todos esses subsídios foram de grande valia até à
elaboração de todos os catálogos das capitanias brasileiras pelo Projeto
Resgate “Barão do Rio Branco.” Quando procedíamos a uma revisão
do nosso antigo catálogo para publicação, o que não ocorreu, tivemos
a feliz notícia da participação da Paraíba no referido projeto para
resgate de sua documentação.
Além disso, encontramos na documentação de Pernambuco
muitas informações que interessam à História da Paraíba, em face das
ligações estreitas desta com aquela capitania, especialmente devido à
anexação da Capitania da Paraíba à de Pernambuco (1755-1799).

220
Teoria, História e Memória

Arquivo Histórico do Ministério das Finanças

Este arquivo possui, além de função administrativa, função


histórica. Nele se guardam documentos de importância da História de
Portugal e do Brasil, no que se refere principalmente aos fundos das
companhias pombalinas.
Salienta Virgínia Rau (1961, p. 5), em seu excelente roteiro:

Um dos núcleos do AHMF de maior valor para os investigadores é aquele


das Companhias Gerais do Comércio e Navegação, denominadas do Grão-
Pará e Maranhão, e de Pernambuco e Paraíba, imortantíssimo para a história
econômica e social do Brasil e de Portugal, assim como para o estudo da
fundação e povoamento das aldeias como os escravos negros, do comércio
da importação entre Portugal e os seus domínios ultramarinos.

De maneira muito particular, interessam-nos os dados da


Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, de grande valor
para o estudo de sua atuação econômica nessa área do Nordeste.
No catálogo dos documentos existentes no Arquivo do
Ministério das Finanças, temos como integrantes desse acervo,
enfeixando os mais variados assuntos, os seguintes livros: Diários
Auxiliares, Livros dos Credores, Livros dos Devedores, Vendas,
Contas Correntes, Copiadores das Contas Correntes, Livro Mestre,
Entradas no Armazém, Livro da Porta, Livro de Registro das Ações,
Livro de Registro de Decretos e Alvarás, Faturas de Pernambuco, Livro
de Cessões, Livros dos Recibos dos Pagamentos por Conta de Capital,
Livros dos Recibos de Lucros Partíveis, Livro de Demonstrações,
Enfardamentos (de fazendas das fábricas para Angola, Paraíba,
Pernambuco e Goa, e comestíveis para Pernambuco).

221
Elza Régis de Oliveira

Dentre esses livros citados, alguns têm de 3 a 29 e


estão produzidos em manuscritos. Em 1968, encontramos
trabalhando naquele acervo o professor José Ribeiro Júnior,
para a sua tese Colonização e Monopólio do Nordeste
Brasileiro: A Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba
(1759-1780). Nesse arquivo, temos também a documentação da
Companhia do Grão-Pará e Maranhão. Esta foi objeto de pesquisa e
tese do professor Manuel Nunes Dias.
Ainda contamos ali com a documentação referente à Junta
de Liquidação dos fundos da referida Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba. Além desse arquivo, encontramos elementos
preciosos nesse setor das Companhias no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo, Biblioteca Nacional (seção dos Reservados) e no
Arquivo Histórico Ultramarino, nas caixas de Pernambuco e Paraíba.

Biblioteca Nacional de Lisboa

Esta biblioteca conta com a chamada Seção dos Reservados,


isto é, de livros raros e de manuscritos, com fontes para o estudo
da História de nosso país. Os manuscritos dividem-se em duas
coleções, ambas de grande interesse para o Brasil: A “Coleção
Pombalina” e o chamado “Fundo Geral”, com documentos
históricos, políticos, administrativos, econômicos e jurídicos.
Dentre os assuntos, temos: doações de terras, engenhos, escravos,
contratos, colonização, aldeamentos, índios, jesuítas, legislação,
companhia de comércio.
O que possuímos sobre a nossa história é limitado; entretanto,
podemos salientar como documento importantíssimo sobre a Paraíba:

222
Teoria, História e Memória

Sumário das Armadas que se fizeram e guerras que se deram na conquista


do rio Paraíba escrito e feito por mandado do muito reverendo Padre em
Cristo, o Padre Cristovão de Govêa, visitador da Companhia de Jesus de
toda a Província do Brasil. (LEITE, 1949, p. 166).

É o Sumário das Armadas de suposta autoria de Simão Travassos,


padre português que viveu aqui no Brasil. Temos duas cópias do Sumário,
uma na Biblioteca Nacional de Lisboa, que é a melhor, e outra na de
Évora.
O Sumário das Armadas constitui um relato das guerras e de
demais ocorrências que sucederam na conquista da Paraíba, em cujas
páginas se pode avaliar quão dificultosa e cheia de riscos foi essa em-
presa, que, além de custar muito, sacrificou inúmeras vidas humanas.
São páginas cheias de heroísmo cujos feitos tiveram a Paraíba
como palco das grandes lutas travadas para “dilatar a fé e o império”.

Arquivo da Alfândega de Lisboa

Apesar de integrar, na sua maior parte, os documentos


relativos às alfândegas de várias cidades portuguesas, notadamente a
de Lisboa, este arquivo possui manuscritos de valor sobre o açúcar e o
tabaco do Brasil.
Quanto à Paraíba, além de outros documentos, temos várias
provisões em que o Rei concede isenção de impostos para aqueles que
reedificassem engenhos. Assim, temos as concessões feitas aos
senhores de engenho da mesma capitania: João do Rego Barros,
Martim Gonçalves, Francisco do Rêgo Barros, João Fernandes Vieira,
Francisco Fernandes Furna etc. Provisões, decretos, alvarás e ordem
real são as espécies de documentos existentes.

223
Elza Régis de Oliveira

Do Brasil, muitos documentos nos interessam quando resultam


de medidas gerais, como vários decretos regulando peso das caixas e
taras, além de alvarás estabelecendo penalidades para os infratores.

Biblioteca da Ajuda

Nessa biblioteca, como em quase todos os arquivos de Lisboa,


podemos encontrar manuscritos referentes ao Brasil. Excelentes
informações existem sobre as capitanias do Nordeste, salientando-se
a receita e despesa destas no começo do século XVII. (MELLO,
1959). Em consultas realizadas, tivemos ocasião de verificar que o
material sobre a Paraíba não é abundante; entretanto, temos
elementos sobre a história econômica do açúcar e do couro.
Do que nos interessa, anotamos ainda o Roteiro de todos os
sinais da costa do Brasil, de provável autoria de Luis Teixeira, feito no
século XVI. É vista a costa da Paraíba em alguns dos seus aspectos, no
mapa Brasil – costa leste do Cabo Branco a Maceió. (TEIXEIRA,
1968).
Ao fazermos referência a esses arquivos, não ficou esgotada a
documentação que interessa ao estudo da Paraíba em Lisboa. Apenas
foi nosso objetivo reunir essas notas para termos uma visão das nossas
fontes.

Cartografia e iconografia

Nos arquivos portugueses, localizam-se plantas e mapas


que integram as fontes cartográficas a respeito do Brasil. Merece
nossa atenção o que ali existe a respeito da Paraíba e por isso mesmo
providenciamos a sua microfilmagem.
224
Teoria, História e Memória

É presumível que, em outros arquivos nos quais não


realizamos investigações, tenhamos elementos sobre a Paraíba,
uma vez que os possuem sobre o Brasil. Nesse caso, podemos
nos referir ao Arquivo de Desenhos da Direção da Arma de
Engenharia de Lisboa, que contém enorme quantidade
de desenhos cartográficos diversos e compreendem todos
os ramos da engenharia, quer relativos a Portugal e ilhas
adjacentes, quer ao Brasil.
Reunimos aqui, além do que foi referenciado também
plantas e mapas de grande valor para o estudo da História da
Paraíba, de renomados pintores e cartógrafos, que nos permitem
uma maior visão do que possuímos, cuja relação encontra-se abaixo.
Vários desses mapas cartográficos e inconográficos foram publicados
no Brasil, como se vê nos mesmos.
Cartografia e iconografia da Paraíba

I – PARAÍBA
Título: Brasil – costa leste do Cabo Branco a Maceió
Dimensões:
In:
Cota: Luis Teixeira‒ Roteiro de todos os sinais na costa
do Brasil. Edição comemorativa do V Centenário
de Pedro Álvares Cabral. Reprodução fac-similar
do ms. 51-VI-38 da Biblioteca da Ajuda; leitura
diplomática; comentários e índice de vocábulos.
Edição preparada por Max Justo Guedes. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968, p. 153.
Observação: O referido roteiro, que inclui o mapa onde se vê a
costa da Paraíba, data do século XVI, 1587(?).

225
Elza Régis de Oliveira

II - PARAÍBA
Título: “Ville et Château de Frederyca dans l’île de Parayba
em 1628”.
Dimensões: 10,0 x 14,7cm.
In: Luis Silveira ‒ Ensaio de Iconografia das Cidades
Portuguesas do Ultramar. Lisboa: Ministério do
Ultramar. V. IV, p. 523, estampa 959.
Cota: Brésil, par M. Ferdinand Denis, 1846, Paris,
gravura nº 88.
Observação: Ignora-se a origem desta gravura.

III – PARAÍBA
Título: “Abbildüng der Statt and Vestüg PARAYBA in der
Landschaft BRASÍLIA”.
Dimensões: 272 x 359mm.
In: Seção de Plantas e Mapas do Arquivo Histórico
Ultramarino – Lisboa.
Cota: Alberto Iria ‒ Catálogo da Exposição
Cartográfica e Iconográfica Comemorativa do
V Centenário do Nascimento de Pedro Álvares
Cabral Descobridor do Brasil. Lisboa, 1968.
Observações: 1 – s/data
2 – Microfilmado e cedido por nós ao Museu do
Estado da Paraíba, onde se encontra afixado na
Sala de História.
Obs. ‒ Esse museu encontra-se desativado.

226
Teoria, História e Memória

IV – PARAÍBA
Título: Sítio da Paraíba com algumas construções.
Dimensões: 85 x 124mm.
In: Seção de Plantas e Mapas do Arquivo Histórico
Ultramarino – Lisboa.
Cota: Alberto Iria ‒ Catálogo da Exposição
Cartográfica e Iconográfica Comemorativa do
V Centenário do Nascimento de Pedro Álvares
Cabral, Descobridor do Brasil. Lisboa, 1968.
Observação: Ins. – Antonio Peres Calhao, 1634.

V – PARAÍBA
Título: “Afbeelding der Stadt em Fortressen van Parayba”.
Dimensões:
In:
Cota: Francisco Adolfo de Varnhagen ‒ História Geral
do Brasil. 2º v. 5. ed., p. 244-245.
Observações: 1 – Abaixo da reprodução lê-se: Planta do Sítio da
Paraíba, 1634.
2 – Do lado esquerdo, ocorre uma legenda
explicando todos os pontos do dito sítio: fac-
símile reduzido do desenho de uma planta do rio,
fortes e cidade da Paraíba com as obras feitas pelos
holandeses quando dela se apoderaram, publicado
pouco depois, em 1635, em Amsterdã, por Claes
JanssVisscher.

227
Elza Régis de Oliveira

VI – PARAÍBA
Título: “Descrição de todo o marítimo da terra de Santa
Cruz chamada vulgarmente Brasil, feito por João
Teixeira cosmógrafo de Sua Majestade, ano 1640”.
Dimensões:
In: Arquivo Nacional da Torre do Tombo – Lisboa.
Cota:
Observação: A mencionada descrição de todo o marítimo da
Terra de Santa Cruz... etc., em forma de atlas, traz
o mapa da costa marítima da Paraíba.

VII – PARAÍBA
Título: “Ostium Fluminis Paraybae”.
Dimensões: 49,0 x 33,0cm.
In: Nestor Goulart Reis e Paulo Bruna ‒ Catálogo
de Iconografia das Vilas e Cidades do Brasil
Colonial 1500-1720. São Paulo: Deptº de História
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo. 1964 – Publicação nº
14.
Cota: Gaspar Barléu ‒ História dos feitos recentemente
praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício
Conde de Nassau, ora governador de Wesel,
Tenente-General de Cavalaria das Províncias-
Unidas sob o Príncipe de Orange. Tradução e
Anotações de Cláudio Brandão. 2. ed., Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, MCMXL.
Observação: Gravura feita por Franz Post, 1645.

228
Teoria, História e Memória

VIII – PARAÍBA
Título: “Paraíba”
Dimensões: 48,0 x 37,0 cm.
In: Nestor Goulart Reis e Paulo Bruna ‒ Catálogo
de Iconografia das Vilas e Cidades do Brasil
Colonial 1500 – 1720. São Paulo, Deptº de
História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo. 1964. Publicação nº
14.
Cota: Gaspar Barléu ‒ História dos feitos recentemente
praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes, sob o governo do ilustríssimo João Maurício
de Nassau, ora governador de Wesel, Tenente-
General de Cavalaria das Províncias-Unidas, sob
o Príncipe de Orange. Tradução e anotações de
Cláudio Brandão. 2. ed., Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, MCMXL.
Observação: Gravura executada por Franz Post, 1645.

229
Elza Régis de Oliveira

IX – PARAÍBA
Título: “F L Paraíba”
Dimensões: 48,0 x 37,0 cm.
In: Nestor Goulart Reis e Paulo Bruna ‒ Catálogo
de Iconografia das Vilas e Cidades do Brasil
Colonial 1500-1720.
São Paulo: Deptº de História da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo, 1964. Publicação nº 14.
Cota: Gaspar Barléu ‒ História dos feitos recentemente
praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes, sob o governo do ilustríssimo João
Maurício Conde de Nassau, para governador
de Wesel, Tenente-General de Cavalaria das
Províncias-Unidas, sob o Príncipe de Orange.
Tradução e Anotações de Cláudio Brandão. 2a. ed.,
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, MCMXL.
Observação: s/data.

230
Teoria, História e Memória

X – PARAÍBA
Título: Planta da Fortaleza de Santa Catarina do Cabedelo
Dimensões: 654 x 483 mm.
In: Seção de Plantas e Mapas do Arquivo Histórico
Ultramarino – Lisboa.
Cota: Alberto Iria ‒ Exposição Cartográfica e Icono-
gráfica Comemorativa do V Centenário do Nas-
cimento de Pedro Álvares Cabra, Descobridor
do Brasil. Lisboa, 1968.
Observações: 1 – Esta planta foi tirada por Iosé de Lemos, capitão
da infantaria da Capitania de Pernambuco, no
século XVIII.
2 – Microfilmada e cedida por nós ao Museu do
Estado da Paraíba, onde se encontra afixada na
Sala de História.
3 – Esse museu encontra-se desativado.

XI – PARAÍBA
Título: Carta de Mostração da Baía da Traição.
Dimensões:
In: Seção de Plantas e mapas do Arquivo Histórico
Ultramarino – Lisboa.
Cota: Alberto Iria ‒ IV Colóquio Internacional de
Estudos Luso-Brasileiros. Lisboa, Separata de
Studia, revista, nº 17, 1966.
Observações: 1 – Executada por Dionísio Ferreira Portugal,
século XVII.
2 – Microfilmada e cedida por nós ao Museu do
Estado-Paraíba, hoje desativado.

231
Elza Régis de Oliveira

XII – PARAÍBA

Título: “Antiga Povoação da Paraíba”


Dimensões:
In:
Cota: Francisco Adlofo de Varnhagen ‒ História Geral
do Brasil. 2º v. 5a. ed., p. 244-245.
Observação: Gravura executada por A.F. Lamaitre.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, Jobson de Andrade (Coord.). Documentos


manuscritos avulsos da Capitania de São Paulo. Bauru-SP:
Edusc; Fapesp; Imesp.
AZEVEDO, Pedro A. de; BAIÃO, Antonio. O arquivo da Torre do
Tombo: sua história, corpos que compõem e organização. Lisboa: [s.
n.], 1905.
BOLETIM DO ARQUIVO HISTÓRICO COLONIAL. Lisboa: [s.n.],
1950.
CAETANO, Marcelo. O Conselho Ultramarino: esboço da sua
história. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1967.
FIGUEIREDO, A. Mesquita de. Arquivo Nacional da Torre do
Tombo. Roteiro Prático. Lisboa: Universal, 1922.
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio
de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1949.
MELLO, José Antonio Gonsalves de. A Universidade do Recife e a
pesquisa histórica. Recife: Imprensa Universitária, 1959.

232
Teoria, História e Memória

RAU, Virgínia. Arquivos de Portugal: Lisboa. Lisboa: Comissão


Cultural Luso-Americana, 1961.
SOUSA, Antonio Caetano de. Provas da história genealógica da Casa
Real Portuguesa. Coimbra: Atlântida, 1945.
TEIXEIRA, Luis. Roteiro de todos os sinais da costa do Brasil. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968. Edição comemorativa do V
Centenário de Pedro Álvares Cabral.

233
Memória histórica paraibana:
problemas de preservação documental

A transformação que se vem operando na história, corresponde


ao seu próprio desafio, no sentido de ajustar-se às exigências da
ciência contemporânea. Dentro dessa perspectiva, a história passou
por uma total renovação, ao redefinir seu conceito, ao diversificar seus
métodos e ao anexar “novos objetos que até agora lhe escapavam e se
situavam fora do seu território.” (LE GOFF, 1976, p. 13).
Essa mudança não se fez sem o desenvolvimento das fontes
históricas, cujos horizontes foram ampliados por Lucien Febvre,
quando diz:
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida, quando eles
existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando
não existem. Com tudo o que a inteligência do historiador lhe pode
permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta de flores habituais.
Pois, com palavras, com sinais, paisagens e telhas. Com formas de
campo e ervas daninhas. Com exames de pedras feitos por geólogos e
com análises de metais feitas por químicos. Numa palavra, com tudo o
que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime
o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser
do homem. (FEBVRE, 1965, p. 428).

235
Elza Régis de Oliveira

A história nova alargou o campo do documento histórico:

A história de Langlois e Seignobos, essencialmente fundada sobre os


documentos escritos, foi substituída por uma multiplicidade de
documentos: escritos de todas as sortes, documentos figurados, produtos
de escavações arqueológicas, documentos orais etc. Uma estatística, uma
curva de preços, uma fotografia, um filme, ou um passado mais
longínquo, do pólen fóssil, um utensílio, um ex-voto, são para a
história nova os documentos de primeira ordem. (LE GOFF, 1978, p.
213).

O historiador não pode renunciar a uma de suas principais


tarefas – a busca do documento ‒ sob pena de caminhar no vazio.
O recurso às fontes históricas é uma das principais etapas que terá
de percorrer no seu trabalho, seguida de outras (análise, crítica,
interpretação e síntese) que exigem não menos experiência do seu ofício.

Considerações gerais sobre preservação

Os avanços da história, também relacionados com o progresso


tecnológico, uso de computadores, microfilmadoras, leitores,
gravadores e xerox, devem estar voltados para uma política consciente
de preservação, que garanta a integridade física do documento e o
futuro da pesquisa histórica sem as ameaças que pairam no presente.
Depois de 1950, o desenvolvimento da memória eletrônica
constitui uma verdadeira revolução no campo da memória. Com a
história quantitativa e a utilização do computador pelos historiadores
temos:

Doravante uma nova periodização na memória histórica: uma idade


pré-estatística e uma idade quantitativa. Tornam-se necessários novos

236
Teoria, História e Memória

arquivos, onde o primeiro lugar é ocupado pelo corpus, a fita magnética.


O novo documento é armazenado e manejado nos bancos de dados.
(ENCICLOPÉDIA EINAUDI, 1984, p. 97-98).

Se é dever do Estado, a preservação do documento, isso


não exclui a participação do indivíduo e da sociedade, porque, na
realidade, o problema da preservação do documento está ligado à
existência de uma consciência histórica.
É também uma questão relacionada com a historiografia e que
afeta, sem dúvida, a produção historiográfica. O historiador ou assume
um comprometimento com a defesa do documento ou, do contrário,
poderá ver ameaçada a sua principal ferramenta de trabalho.
A política de preservação no país foi sempre voltada para a
defesa do patrimônio histórico e artístico, inspirada na criação do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ficando o
documento histórico um tanto relegado. A falta de um programa
de recuperação da nossa memória coletiva, em se tratando do
documento, motivou a criação, no país, de centros de documentação
na década de 1970. Somente em 1979, foi criada a Fundação Pró-
Memória, subordinada inicialmente ao Ministério da Cultura, como
meio de recuperar a nossa memória e salvá-la do estrago, em face das
péssimas condições de conservação.
Preservar documentos não significa guardá-los mas torná-los
acessíveis ao público, democratizando a informação, que não deve ser
privilégio de alguns, mas ampliada à sociedade, portanto, socializada.
Para isso, é preciso que a legislação seja maleável. Os Estados Unidos
possuem uma das mais flexíveis, podendo-se consultar documentos
com vinte e cinco anos e até dez anos de existência. Na Europa, o

237
Elza Régis de Oliveira

prazo de cinquenta anos foi reduzido para trinta, a partir de 1967. No


Brasil, os prazos são maiores e vão além de cinquenta (RODRIGUES,
1969). Estamos, muito atrasados em matéria de legislação de arquivos,
em face da longa tradição colonial de sigilo. É de se esperar que nova
legislação venha modificar esse quadro.
A falta de uma política arquivística eficiente até então tem
levado ao desperdício do muito que existe em nossos acervos
documentais, pela falta de condições técnicas de preservação,
inadequada organização dos seus fundos e carência de instrumentos
indicativos de pesquisa, catálogos e índices, tudo em prejuízo da
pesquisa histórica.
José Honório emite a sua crítica:
O problema das fontes brasileiras agrava-se, como em todos os países em
desenvolvimento ou subdesenvolvidos, inclusive alguns países europeus,
como Portugal e Espanha, tão diretamente ligados ao Brasil, pelo atraso
de suas instituições arquivísticas inteiramente indiferentes aos problemas
essenciais da seleção, avaliação e destinação de seus documentos. A
consequência é o acúmulo fantástico, a divisibilidade de inúmeros depósitos,
inteiramente acumulativos e não funcionais. (RODRIGUES, 1969, p. 123).

No que diz respeito à conservação de documentos, são sérios


os problemas ligados à sua destruição. Parte desses estragos deve-se
aos efeitos naturais do tempo – umidade e ar seco em excesso. A ação
das larvas de insetos e de rataria é outro mal que precisa de combate
decisivo e sistemático. Todos esses problemas contribuem para tornar
mais facilmente deterioráveis os documentos, de difícil conservação
por sua própria natureza. (SALMON, 1979).
A perda de documentos deve-se, também, ao descuido do
poder público. Apesar de ser atribuição do Estado a preservação

238
Teoria, História e Memória

do documento, o que se verifica é a negligência das autoridades


governamentais. Documentos são extraviados, roubados e colocados
em leilão. A sua destruição deliberada ou involuntária é uma forma de
aniquilamento da memória nacional.
Outro obstáculo que defronta a preservação de documentos é a
enorme massa de papéis, sendo necessário proceder à sua classificação.
Há, ainda, a falta de espaço e de técnicos. Paradoxalmente, à
conservação de papéis, Maria Amélia Porto Miguéis, do Centro de
Documentação da Fundação Casa Rui Barbosa, observou, a respeito
de sua eliminação, que é “uma tarefa tão difícil como a própria
preservação e organização deles.” (MIGUÉIS apud DIAS, 1979, p. 52-
55).
No Brasil, a falta de uma mentalidade do homem público para
a preservação de papéis tem causado a perda de documentos valiosos
em arquivos particulares, inclusive a sua destruição. O historiador
Hélio Silva, em suas pesquisas sobre a história mais recente do país,
observou: “se o homem público não organiza seu arquivo e não
o entrega a uma instituição, depois que morre a primeira coisa
que a família faz é passar um pente fino, para não comprometer.”
(DIAS, 1979, p. 53). A propósito disso, cita exemplos de pessoas
que empreenderam esforços notáveis na guarda e conservação de
documentos e de pessoas que negligenciaram.
Não só a preservação do documento está a merecer maior
amparo do poder público, mas também a pesquisa histórica, embora
esta não possa depender essencialmente da iniciativa governamental.
Em relação a esta problemática, Otaciano Nogueira faz a seguinte
observação:

239
Elza Régis de Oliveira

Um país que atravessa os desafios que enfrentamos, inicialmente de


ordem econômica, de ordem social e com sucessão de clivagens políticas
que vêm sendo a nossa sina, não pode fazer conscientemente uma opção
de investimentos na área cultural, enquanto não são atendidos aqueles
requisitos fundamentais que geram as crises sociais. (NOGUEIRA, 1980, p.
16).

Mas, sem descuidarmos dos nossos problemas mais urgentes,


faz-se necessária a aplicação de recursos substanciais em educação e
cultura no nosso país, pois a ação educativo-cultural é um componente
básico do desenvolvimento econômico e social.

O problema paraibano

O problema da preservação de documentos na Paraíba é apenas


um aspecto de uma questão mais ampla de caráter nacional – o das
fontes brasileiras. Nada mais oportuno do que colocarmos as nossas
preocupações, em face da situação ameaçadora em que se encontram
os nossos documentos, seja pelo descuido, seja pelo abandono, fato
que constitui uma ameaça à pesquisa histórica no âmbito estadual.
Um dos nossos primeiros historiadores a denunciar o estado
de ruína dos documentos na Paraíba foi Irineu Ferreira Pinto. O
problema, como se vê, não é novo, pois em 1908, quando publicou
Datas e Notas para a História da Paraíba, nos alertava para a situação
ameaçadora de nossa documentação, lembrando que:

Alguns desses documentos se achavam em tal estado de ruína que me foi


preciso muito cuidado na abertura dos livros e usar de lentes para lê-los.
Felizmente, porém, cheguei ainda a tempo de salvar da voragem das traças
estas preciosidades históricas que talvez dez anos depois não existissem.
(PINTO, 1908, p.7).

240
Teoria, História e Memória

Ao que tudo indica, parece ter-se cumprido esse trágico


destino, pois não existe no Arquivo Público do Estado a mais
expressiva documentação colonial dos séculos XVI e XVIII. Estivemos
lá e, se existe, não foi encontrada nem dela temos notícia. (OLIVEIRA,
2007, p. 20). Do século XVIII, não temos conhecimento, no mesmo
arquivo, da documentação referente à fase da subordinação da Paraíba
a Pernambuco (1755-1799); nem tampouco da documentação
referente à Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (l759-1780),
importantíssima para a compreensão dos problemas econômicos e da
política que, nesse particular, empreendeu a Metrópole na região.
Argumenta ainda Irineu Pinto, na introdução de suas Datas e
Notas para a história da Paraíba:

Tive também de consultar alguns autores de nomeada e segui-los, porque


para os primeiros dias da Paraíba há o que está escrito, à exceção de alguns
documentos nos arquivos de Portugal e Holanda, nada resta entre nós para
fazermos a história daqueles tempos. (PINTO, 1908, p. 7).

Tem inteira razão o eminente historiador paraibano no


depoimento dado a respeito de nossa mais antiga documentação. Não
só isso, pois o que conseguiu salvar e condensar em suas Datas e
Notas é o que de mais expressivo nos restou aqui na Paraíba. O valor
dessa documentação coletada, precioso guia e roteiro de pesquisa,
bem pode ser avaliado pelos pesquisadores e estudiosos da história
da Paraíba. Esta vasta documentação abrange os períodos da Colônia
e do Império. Por outro lado, a documentação dos séculos XVI, XVII,
XVIII e início do XIX encontra-se muito bem conservada no Arquivo
Histórico Ultramarino de Lisboa, o qual concentra o maior volume de

241
Elza Régis de Oliveira

documentos brasileiros no exterior e, em especial, da Paraíba.


Podemos encontrar documentos da Paraíba em trinta arquivos em
Lisboa, além daqueles que estão em Coimbra, Porto e Évora, como
já mencionamos. (RAU, 1961, p. 6, 8).
A documentação a que alude Irineu Pinto foi, segundo suas
declarações, apanhada nos arquivos do Estado, particularmente no
Arquivo Público. As várias mudanças de local do Arquivo Público do
Estado concorreram para estragar ainda mais a documentação. A falta
de cuidado com a documentação foi lamentável. Quando o arquivo
se encontrava na rua das Trincheiras, em 1976, testemunhamos as
péssimas condições do prédio e o estrago da documentação causado
pelas chuvas, devido a goteiras. Hoje, o Arquivo Público do Estado,
instalado no Espaço Cultural, continua com problemas de acesso à
documentação, por falta de guias indicativos de seus fundos, além de
outros, inclusive por falta de conservação de documentos.
(OLIVEIRA, 1986, p.11).
Na Paraíba, deve-se proceder a um trabalho de resgate de
fontes que estão na iminência de desaparecer, pela situação de
abandono em que se encontram. Existem documentos que não podem
mais ser recuperados, tal é o seu estado de quase destruição. Para
salvá-los, um dos meios é a microfilmagem; o outro é a restauração.
A falta de recursos para esse fim concorre para que a documentação
seja destruída em pouco tempo. Além disso, a falta de técnicos
especializados constitui outro problema.
Como medida de preservação, faz-se necessário o arrolamento
das fontes históricas dispersas em vários locais: prefeituras,
câmaras municipais, cartórios, paróquias, escolas, hospitais e bancos.

242
Teoria, História e Memória

A publicação de roteiros e de guias de documentos impõe-se não


só como forma de facilitar o acesso a eles, mas como medida de
preservação. Também a publicação de obras que reúnam documentos
históricos. Assim, podemos entender que preservar não é só guardar
documentos, mas envolve um trabalho bem mais amplo: o de tornar
acessível a informação ao público.
Em relação às atividades documentais ligadas à preservação,
ao arrolamento e à sistematização de fontes, a Universidade Federal
da Paraíba vem ocupando um espaço, desde a criação do Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR), em 1976.
No que se refere à preservação de documentos paraibanos, a
Coordenação do NDIHR, exercida então pela professora Rosa Maria Godoy
Silveira (1976-1981), empenhou-se na realização dos seguintes trabalhos:
• Organização e microfilmagem do Arquivo de João Pessoa,
pertencente ao IHGP.
• Microfilmagem dos Relatórios de Presidentes da Província,
dentro do Plano Nacional de Microfilmagem de Periódicos
Brasileiros, coordenada pela Biblioteca Nacional. Foram
adquiridos setenta rolos de microfilmes das províncias
nordestinas, da Bahia ao Maranhão.
• Levantamento dos periódicos paraibanos, para microfilmagem
dentro do plano acima mencionado.
• Levantamento de documentos cartoriais da Paraíba, além da
publicação de um arrolamento do material.
• Microfilmagem e catalogação de documentos paraibanos
no exterior, nos arquivos portugueses. (CADERNOS DE
ESTUDOS REGIONAIS, 1979, p. 4, 6).

243
Elza Régis de Oliveira

Entendemos que uma política de preservação de documentos,


na Paraíba, inclui também a aquisição de nossas fontes no exterior.
Perseguindo tal objetivo, o Núcleo de Documentação e Informação
Histórica Regional-UFPB colaborou com o projeto da autora deste
trabalho para microfilmar a documentação paraibana em arquivos
portugueses. Em 1979, três arquivos foram projetados para esse
trabalho: Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Nacional da
Torre do Tombo e Arquivo Histórico do Ministério das Finanças.
Foi microfilmada apenas a documentação do Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa, referente à Paraíba, com auxílio do CNPq.
(OLIVEIRA,2007,p.20). Essa documentação compreende quarenta
e sete caixas e maços de documentos, anterior ao Projeto Resgate -
Paraíba. A microfilmagem que se encontra no referido núcleo inclui,
além dos papéis avulsos, os códices e a cartografia. É a mais expressiva
documentação paraibana em Portugal, não só quantitativa mas
qualitativamente, referente à época colonial. (OLIVEIRA, In: O Norte,
1984, p. 2).Com o Projeto Resgate do Minc, passamos a ter 50 caixas.
Muito importante seria a realização de um trabalho
semelhante ao que se fez em Portugal (levantamento e
microfilmagem de documentos) noutros arquivos da Europa,
especialmente nos da Espanha e Holanda). Atualizando as
informações podemos afirmar que isso já foi feito, através do
Projeto Resgate "Barão do Rio Branco", entre 1995 e 2005. A
propósito dos arquivos da Espanha, José Antonio Gonsalves de
Mello destaca, entre outros, o “Archivo General de Simancas,
como o mais importante centro de documentação histórica
espanhola referente ao nordeste brasileiro.” (MELLO, 1959,
p.21-22). Essa ideia de resgate dos nossos documentos na Espanha
244
Teoria, História e Memória

e Holanda é anterior ao Projeto-Resgate "Barão do Rio Branco", na


Europa, cuja duração ultrapassou os oito anos do ministro Francisco
Corrêa Weffort. Ainda no sentido de recuperar a memória histórica
paraibana, o Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional
implantou, em 1980, o Programa de História Oral, que reúne hoje
depoimentos da maior importância de vários ex-governadores da
Paraíba: José Américo, Rui Carneiro, Pedro Gondim, João Agripino,
Ernani Sátiro, Ivan Bichara sobre vários assuntos. Os depoimentos de
José Américo, Rui Carneiro e João Agripino foram coordenados por
especialistas da Fundação Getúlio Vargas. Já os de outros governadores,
ampliados para as elites políticas paraibanas, foram realizados por uma
equipe de pesquisadores daquele órgão.
Entre outros trabalhos que estão sendo desenvolvidos o
levantamento atualmente, destacamos: Fontes de documentos para a
para a História História da Industrialização e da UFPB. Este último, em
sua fase final, terá como resultado o catálogo de fontes da UFPB:
Documentos para construção de uma história.
Na atual gestão, o Núcleo de Documentação e Informação
Histórica Regional, na linha de preservação documental, vem
empenhando-se na elaboração de instrumentos de pesquisa: catálogos,
índices de assuntos dos relatórios de presidentes de província, e na
atualização de nossos documentos mais antigos, com o objetivo de
divulgá-los mais amplamente. Se a documentação pública padece
de uma falta de consciência dos nossos dirigentes, a documentação
privada sofre de uma falta de esclarecimento de seus detentores
sobre a sua função social. Muitas pessoas que têm presença marcan-
te na história paraibana, temem expor seus documentos à consulta

245
Elza Régis de Oliveira

pública, julgando que fazer ciência da História equivale a intrigas


de intimidades pessoais. Ora, isso é uma completa desinformação.
Neste sentido, deve-se remarcar a criação da Fundação Casa de José
Américo e a organização especializada de seu acervo particular, cujo
acesso permitirá, sem dúvida, aprofundar a compreensão de muitos
temas de nossa história mais recente. (ANDRADE, 1983).
Outro exemplo de preservação de arquivo privado é a organização
do acervo da Associação Comercial de João Pessoa. Vem sendo
realizada por docentes do Departamento de História da UFPB.
Preservar as fontes é uma tarefa de todos nós, sobretudo hoje,
quando a história tenta se libertar de velhas concepções, buscando o
estudo, a compreensão do homem na sua dimensão maior, em todas
as formas e manifestações, bem como a compreensão do social em
sua totalidade. Para melhor se explicar, recorre às outras ciências
humanas, utilizando-se da interdisciplinaridade.

REFERÊNCIAS

CADERNOS DE ESTUDOS REGIONAIS: Arrolamento de acervos


cartoriais para a história da Paraíba. João Pessoa: UFPB/NDIHR, 1979.
(número especial)
FEBVRE, Lucien. Combats pour l’histoire. Paris: Armand Colin,
1965.
LE GOFF, Jacques. (Dir.). La nouvelle histoire. Paris: CEPL, 1978.
LE GOFF, Jacques. Memória. In: Enciclopédia Einaud. Porto:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984.
MELLO, José Antonio Gonsalves de. A Universidade do Recife e a
pesquisa histórica. Recife: UFPE, 1959.

246
Teoria, História e Memória

NOGUEIRA, Otaciano. História e pesquisa histórica no Brasil. Brasil


Tempo e Cultura III. João Pessoa, SEC, 1980.
OLIVEIRA, Franklin de. Morte da memória nacional. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967.
OLIVEIRA, Elza Regis de. Sobre a História da Paraíba: os documentos
dos arquivos portugueses. João Pessoa: O Norte, 1984, 5 ago. Edição
histórica comemorativa à abertura do IV Centenário de Fundação da
Paraíba.
______. Memória histórica paraibana: problemas de preservação
documental. Revista Ciência Histórica. João Pessoa, 1986, nº 1.
PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a história da Parayba.
Paraíba do Norte: Imprensa Oficial, 1908.
PERIÓDICOS brasileiros em microformas. Catálogo coletivo, Rio de
Janeiro, Biblioteca Nacional, 1981.
RODRIGUES, José Honório. A pesquisa histórica no Brasil. São
Paulo: Nacional, 1969.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Relatório de atividades do NDIHR/
UFPB, 1976-1980. João Pessoa: mimeo., 1980.

247
Resgate dos documentos
paraibanos em Portugal:
Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa

O Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa é herdeiro do


Arquivo Histórico Colonial e dos documentos provenientes da antiga
Seção da Marinha e Ultramar, da Biblioteca Nacional de Lisboa
e de vários órgãos metropolitanos voltados para a administração
do Ultramar português: Mesa da Consciência e Ordens, Conselho
da Fazenda, Conselho da Índia, Conselho da Guerra e Conselho
Ultramarino.
A documentação é relativa à história econômica, social,
política, administrativa, religiosa, jurídica, tributária e territorial,
do Brasil do século XVI ao século XIX, um verdadeiro tesouro
documental. Os fundos desse arquivo são constituídos por
documentação avulsa, códices, cartografias e iconografias, conforme
referência feita anteriormente.
A documentação avulsa abrange todas as capitanias brasileiras.
É uma massa documental gigantesca. Um exemplo disso é a Capitania
de Minas Gerais, com quase duzentas caixas de documentos, cujo

249
Elza Régis de Oliveira

trabalho foi coordenado pelo professor Caio Boschi. Foi publicado


o catálogo da referida capitania em 1998, e o lançamento ocorreu
em Lisboa, tendo participado do referido ato. A Bahia possui,
aproximadamente, trezentas caixas, Pernambuco mais de duzentas e a
Paraíba cinquenta.
Sobre os códices, Virginia Rau, em seu trabalho Arquivos de
Portugal: Lisboa, diz:

Os códices são livros de registro de regimentos, leis, decretos, cartas régias,


consultas, mercês, requerimentos de partes, como por exemplo: Registro de
ofícios, cartas, provisões e regimentos; registro de consultas (1617-1833),
abrangendo 66 volumes; registro de sesmarias (1795-1825), em 5 volumes.
(RAU, 1961, p. 6).

Os códices formam um conjunto documental de grande valor


histórico, constando em um deles o Regimento de 1548, doado pelo
Rei D. João III, ao primeiro governador do Brasil, Tomé de Sousa.
A cartografia e a iconografia do Brasil são riquezas incalculáveis
e envolvem todas as capitanias brasileiras. A tipologia dos
documentos é de espécie variada; cartas patentes, cartas régias,
cartas precatórias, cartas de sesmaria, requerimentos, consultas
do Conselho Ultramarino, leis, decretos, alvarás, provisões,
portarias, certidões, informações, despachos, bilhetes, recibos e
autos, entre outras.
Entre os assuntos tratados, destacamos: problemas
de jurisdição entre a Paraíba e Pernambuco, contratos, rendas reais,
receita e despesa, produção, exportação (mapas estatísticos do final do
século XVIII e início do XIX), engenhos, escravos, comércio,
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, justiça, ensino,
religiosos, indígenas, correio marítimo, fortificações, salientando-se
250
Teoria, História e Memória

a abundante documentação sobre a Fortaleza do Cabedelo, capitães-


mores, holandeses, jesuítas, legislação, memórias, descrição da
capitania, rios, fauna e flora, anexação da Capitania da Paraíba à de
Pernambuco e autonomia em 1799.
Quanto ao resgate dos documentos da Paraíba, em Portugal,
podemos distinguir três fases: a primeira, diz respeito às pesquisas do
historiador José Antonio Gonsalves de Mello na Europa: Portugal,
Espanha, Holanda, França e Inglaterra, entre 1951-1952 e 1957-1958.
Em Portugal, além dos documentos de Pernambuco, no Arquivo
Histórico Ultramarino, microfilmou parte dos documentos da Paraíba
cedendo cópias ao Departamento de História da UFPB, em 1965, as
quais até hoje têm sido utilizadas tanto em pesquisas como nas aulas
de Paleografia.
Integrando a segunda fase, realizamos como bolsista do
governo português, Ministério dos Negócios Estrangeiros, o
arrolamento de toda a documentação da Paraíba no acima citado
arquivo, de novembro de 1967 a fevereiro de 1969. Foram feitos
também os verbetes num total de três mil setecentos e vinte
documentos. Eles fazem parte do nosso catálogo intitulado
Documentos para a História da Paraíba: Arquivo Histórico
Ultramarino, inédito.
A terceira fase, a de recuperação da memória histórica
paraibana, diz respeito ao Projeto Resgate de Documentação
Histórica"Barão do Rio Branco" referente aos documentos
manuscritos da Capitania da Paraíba, no Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa. O trabalho de resgate dos documentos
brasileiros, na Europa (Portugal, Espanha, Holanda, França,
Itália e Inglaterra) foi coordenado pelo Ministério da Cultura do

251
Elza Régis de Oliveira

Brasil, sendo assessora especial e coordenadora técnica, Esther


Caldas Bertoletti, a quem todos nós pesquisadores ficamos muito a
dever. Esse trabalho é comemorativo dos Quinhentos Anos do
Descobrimento do Brasil.
O Projeto Resgate "Barão do Rio Branco" referente à Paraíba
teve o apoio da Universidade Federal da Paraíba: Departamento de
História, Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional e
do Governo do Estado da Paraíba - Fundação Espaço Cultural.
A equipe da Paraíba, composta pelos professores Elza Regis de
Oliveira, Mozart Vergetti de Menezes e Maria Vitória Barbosa Lima,
permaneceu seis meses em Lisboa, de setembro de 1998 a março
de 1999, desenvolvendo o trabalho de resgate da documentação
paraibana, com bolsa de estudos do Ministério da Cultura do Brasil. A
documentação foi reordenada e lido cada documento para o preparo
de verbetes, no período entre 1593 e 1827. De volta a João Pessoa,
tivemos mais seis meses de trabalho, para a redação final dos verbetes
e correção.
Esses documentos do Projeto Resgate subsidiam várias
áreas do conhecimento: história, economia, sociologia, geografia,
antropologia etc. Estão à disposição dos pesquisadores e se encontram
na Universidade Federal da Paraíba, no Núcleo de Documentação
e Informação Histórica Regional, na Fundação Espaço Cultural -
FUNESC e no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, conforme
referência feita anteriormente.
Esperamos que esse valioso acervo da memória histórica da
Paraíba Colonial possa dinamizar a pesquisa histórica do referido
período. Enfim, o Projeto Resgate Barão do Rio Branco demonstra o

252
Teoria, História e Memória

esforço e a capacidade de realização de uma política cultural das mais


expressivas do Ministério da Cultura do Brasil.
Neste espaço, transcrevemos as palavras de Esther Caldas
Bertoletti, coordenadora técnica do Projeto Resgate “Barão do Rio
Branco”, do seu trabalho Portugal-Brasil: um mar oceano de documentos.
Sintetiza, neste memorável texto, o longo e desafiante trabalho do Projeto
Resgate "Barão do Rio Branco", na Europa, referindo-se aos pesquisadores,
historiadores, paleógrafos e arquivistas brasileiros. Ela afirma:
Emociona-me ver brilhar os olhos cansados das inúmeras horas diárias de
leitura exaustiva dos documentos, textos manuscritos que os
conhecimentos da paleografia conseguem decifrar. Como gostaria que os
seus rostos, as suas fisionomias por vezes refletindo o peso do cansaço
de horas trabalhadas estivessem visíveis e gravados na memória de
todos aqueles que do fruto deste labor irão se valer. Olhos cansados das
telas dos computadores e da leitura continuada dos documentos dos
séculos XVI-XVIII [...]. Creio que podemos nos utilizar aqui das
palavras de Winston Churchill diante das batalhas aéreas que se
travaram nos céus da Inglaterra na Segunda Guerra Mundial: nunca
tantos deveram tanto a tão poucos. (BERTOLETTI, 2000, p.109).

Bertoletti nos transfere os elogios e as honrarias que


recebeu pelo trabalho acima referido que não é anônimo, já que
a nossa participação fica registada nos catálogos dos documentos e
nos CD-ROMs. Esta é a expressão do reconhecimento de um
trabalho de grande dimensão e repercussão como é o do Projeto
Resgate "Barão do Rio Branco". Somos também devedores,
tendo em vista a participação de todas as instituições que
colaboraram nos planos federal e estadual, para a realização
dessa obra monumental e das pessoas que apoiaram-na.
Reconhece as grandes dificuldades enfrentadas num trabalho
da magnitude do Projeto Resgate no qual foram trabalhadas todas as

253
Elza Régis de Oliveira

capitanias brasileiras, e que se não fosse o apoio de todos ao


referido projeto “seria ainda apenas um sonho e não
uma realidade.” (BERTOLETTI, 2000, p.127-128).

254
Do sistema tradicional de arquivo ao
eletrônico e digital

Com essa temática, nosso objetivo é o de proceder a


uma abordagem sobre o arquivo tradicional, onde domina o papel e
o arquivo eletrônico e digital. A respeito disso, temos,vantagens e
desvantagens principalmente em se tratando da preservação digital e
da durabilidade dos suportes.
Especificamente, analisamos um arquivo tradicional – o caso do
Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. Conserva a documentação
colonial brasileira, desde 1500, com o descobrimento do Brasil, até à
independência, em 1822. Na verdade, naquele acervo, a documentação
vai mais além: até 1830. O arquivo foi todo informatizado, graças ao
Projeto Resgate de Documentação Histórica "Barão do Rio Branco",
do Ministério da Cultura do Brasil.
Toda a documentação brasileira do Arquivo Histórico
Ultramarino foi microfilmada em Lisboa e, depois, digitalizada no
Rio de Janeiro. No referido arquivo, foram feitos os verbetes de cada
documento com a especificação de data, remetente, destinatário e
tipologia, trabalho paciente e cansativo que consumiu seis horas

255
Elza Régis de Oliveira

diárias de trabalho, das treze às dezenove horas. A partir dos verbetes,


foram feitos os catálogos dos documentos das capitanias brasileiras.
O resgate da documentação está amparado no “princípio de
patrimônio comum e de herança da humanidade. (UNESCO).”
Portanto, os países colonizadores têm direito à “propriedade real” do
documento e os colonizados, à “propriedade virtual” do documento por
meio de cópias fac-similadas, microfilmadas, digitalizadas. (BERTOLETTI,
2000, p. 108).
As novas tecnologias foram aplicadas não só nos arquivos mas
também às bibliotecas, fato que provocou, num caso e noutro, uma
verdadeira revolução. A maior parte das informações que hoje possuímos
está em papel e, em menor quantidade, em forma eletrônica e
digital. O computador tem sido uma ferramenta não só de
modernização mas de efeito multiplicador nos mais variados aspectos
e, em especial, no trato dos documentos. Não estamos isoladamente
no mundo, uma vez que compartilhamos de todo esse progresso
extraordinário que nos aproxima, mesmo distantes, ao mesmo
tempo que podemos nos utilizar de algo tão importante à disposição de
todos e sem fronteiras – a Internet.
No que se refere aos arquivos eletrônicos e digitais, podemos
distinguir os seguintes suportes: CD-ROM, CD-R, DVD, disquetes,
fitas magnéticas, microfilmes, pen-drive, Hard Disk-HD, e cartões de
memória, tendo-se de levar em conta os seguintes aspectos:
durabilidade, acessibilidade, preservação e armazenagem. A
durabilidade depende das condições de armazenagem dos documentos
e da preservação dos suportes.

Durabilidade

É relativo afirmar que um arquivo em suporte eletrônico é


mais durável e mais seguro do que o de forma tradicional. Um

256
Teoria, História e Memória

arquivo eletrônico, levando-se em conta "a temperatura de 10° a 40°C, a


umidade relativa do ar de 20° a 80º, pode durar dez, vinte, e até cem
anos". Conhecemos microfilmes que se deterioraram com vinte anos de
uso. Isso diz respeito à documentação colonial da Paraíba, microfilmada
por nós no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, em 1979.
Encontra-se a mesma no Núcleo de Documentação e Informação
Histórica Regional da UFPB. É importante considerar a durabilidade
dos suportes e a obsolescência dos equipamentos.

Acessibilidade

Antes de 1995 e do trabalho do Projeto Resgate as dificuldades de


consulta dos manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino eram
muito grandes. O trabalho que desenvolvíamos foi difícil pela falta de
organização e de classificação dos documentos. Toda a verbetação,
classificação e organização daquele acervo, do séc. XVI à metade do séc.
XIX foi feita por pesquisadores, historiadores, paleógrafos e arquivistas
brasileiros. O trabalho de resgate da nossa documentação colonial, além
de Portugal, foi feito também na Espanha, na Holanda, na França, na
Itália e na Inglaterra, fato a que já nos referimos anteriormente.
Hoje, é indiscutível a facilidade de consulta aos CD-ROMs,
microfilmes e catálogos de documentos que estão à disposição de
todos os pesquisadores, seja no Brasil ou no exterior. Não são todos os

257
Elza Régis de Oliveira

países ricos que possuem um trabalho de resgate como o que foi feito
pelo Brasil.

Preservação

A preservação é um aspecto fundamental e está ligada à


informação, seja ou não eletrônica. Diz respeito aos documentos, à
história e à memória. O nosso legado, seja o referente ao patrimônio
histórico, artístico ou cultural, deve ser transmitido às gerações
futuras. Um povo deve cultivar a sua memória, as suas tradições.
Franklin de Oliveira, em Morte da Memória Nacional, indaga:

Pode uma nação sobreviver se for atacada de amnésia histórica? Pode um


povo elaborar o seu futuro, ou mesmo chegar a compreender o seu presente,
se perder a lembrança de suas raízes? Quando um país perde o sentimento
de sua continuidade histórica, que outra coisa pode erguer-se à sua frente,
ao defrontar com o futuro, senão o vácuo? (OLIVEIRA, 1967, p. 35.)

Preservação é condição essencial, sem a qual não existe


memória nem, consequentemente, história. Não foi sem razão que o
Brasil cuidou do seu patrimônio cultural preservando as suas fontes
manuscritas relativas ao Brasil colonial no exterior, num esforço
gigantesco, enviando a Portugal e a outros países da Europa já
citados equipes de pesquisadores que trabalharam naqueles países,
preparando os verbetes de todos os documentos, posteriormente
publicados em catálogos.
O Brasil precisa também cuidar dos seus documentos aqui no
próprio país, num grande mutirão, como o que foi feito no exterior,
tentando-se preservar uma massa enorme de documentos locais. Por

258
Teoria, História e Memória

falta de uma política de preservação do documento histórico, muitas


informações foram perdidas. Chamou-nos à atenção a historiadora
Virginia Rau, em Lisboa, sobre a falta de preservação de nossos
documentos, quando fomos lá fazer um curso sobre História de
Portugal e proceder a pesquisas, em 1968 e 1969, cumprindo bolsa de
estudos do governo português. Sua fala foi em tom de muita censura, o
que até hoje não esquecemos. Estava conosco a Profª Cleonir Xavier de
Albuquerque, da UFPE, também bolsista daquele governo.

Paralelismo das durações

No que se segue, é importante aplicar o princípio do


paralelismo. Portugal é um país cuja documentação vem da
Idade Média. Seu primeiro rei foi D. Afonso Henriques, em 1139.
Portanto, já vão aí oitocentos e setenta e três anos de história. No que
toca ao Brasil, nossa documentação colonial manuscrita que data de
1500, com a Carta de Pero Vaz de Caminha, atinge um total de pouco
mais de quinhentos anos. Se os documentos eletrônicos podem durar
cem e duzentos anos e os de papel, mais de quinhentos anos,
levando-se em conta os documentos de 1139, em Portugal, precisamos
estabelecer um paralelo entre a durabilidade de um e de outro. É
preciso não esquecermos o fato de que o papel utilizado naqueles
manuscritos antigos é superior ao de hoje. Ainda devemos considerar
a obsolescência dos suportes e dos equipamentos. Outra questão
refere-se às condições de armazenagem. Os arquivos tradicionais estão
sujeitos a terremotos, como foi o de 1755, em Lisboa, que destruiu
parte da documentação conservada em uma das torres do Castelo de

259
Elza Régis de Oliveira

São Jorge. Incêndios e tsunamis também podem ocorrer e ser


fatais. Hoje, com as cópias de CD-ROMs espalhadas em vários
países, anteriormente colônias portuguesas, espanholas, francesas,
esse risco foi, até certo ponto, eliminado.
Em síntese, diríamos, que os dois tipos de arquivo têm
aspectos positivos e negativos. Com o aperfeiçoamento da
tecnologia, será possível aumentar a expectativa da duração dos
arquivos eletrônicos. Só o tempo dirá. No momento, isso é uma
interrogação.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e


teoria geral do processo eletrônico. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação:
economia, sociedade e cultura. 6. ed. rev. e ampl. Tradução de Roneide
Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2002, v. 1.
BERTOLETTI, Ester Caldas. Brasil-Portugal, um mar oceano de
documentos. In: Revista Real Gabinete Português de Leitura. Rio de
Janeiro: Tavares & Tristão, 2000.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade.
Fundamentos de metodologia científi ca. São Paulo: Atlas, 1985.
MURARO, Rose Marie. A automação e o futuro do homem. Rio de
Janeiro: Vozes, 1969.
RONDINELLI, Rosely Curi. Gerenciamento arquivístico de
documentos eletrônicos: uma abordagem teórica de diplomática
arquivística contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
OLIVEIRA, Franklin. Morte da memória nacional. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967.
260
Teoria, História e Memória

OLIVEIRA, Elza Regis de. Por uma política de preservação de


documentos paraibanos. In: Revista Ciência Histórica, n. 1, 1996.
______. Resgate da memória histórica paraibana. Os documentos do
Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. João Pessoa: Jornal Correio
da Paraíba, 3/05, 1999.
OLIVEIRA, Elza Regis de; MENEZES, Mozart Vergetti de; LIMA,
Maria da Vitória Barbosa (Orgs.). Catálogo dos documentos
manuscritos avulsos referentes à Capitania da Paraíba, existentes
no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. João Pessoa: UFPB,
2002.

261
Sobre o catálogo dos documentos da
Capitania da Paraíba (apresentação de
lançamento em 13 de dezembro de 2002

O Projeto Resgate “Barão do Rio Branco”, patrocinado


pelo Ministério da Cultura do Brasil, da documentação brasileira
no exterior, notadamente em Portugal, no Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa, tem uma dupla finalidade: a de resgatar e a de
preservar a nossa memória, essencial condição para a sobrevivência
da própria história não apenas como conhecimento mas, sobretudo,
fundamento de identidade das sociedades humanas, dando-lhes lastro
para a sua construção, continuidade e transformação. Este resgate
traz, utilizando-nos das palavras de José Américo de Almeida, “o selo
da perpetuidade”, de um patrimônio cultural nosso, jamais reunido
em tempo algum, raro e precioso, a que muitos se referem como um
verdadeiro “tesouro documental”.
A concretização do Projeto Resgate “Barão do Rio Branco”
deve-se ao apoio e à participação do Ministério da Cultura
do Brasil e do Instituto de Investigação Científica
Tropical de Portugal. Essas instituições, em 1995, assinaram
um acordo, visando o reordenamento da documentação brasileira

263
Elza Régis de Oliveira

naquele país, à elaboração de verbetes, à publicação dos catálogos, à


microfilmagem dos documentos e à sua transposição para CD-ROMs.
Além do governo federal, colaboraram com o Projeto Resgate “Barão do
Rio Branco” governos estaduais, universidades, fundações, arquivos, órgãos
financiadores – a CAPES e o CNPq – e uma equipe brasileira de
pesquisadores, historiadores, paleógrafos e arquivistas.
São responsáveis pela concretização do Projeto Resgate “Barão do
Rio Branco”: Francisco Corrêa Weffort, Ministro da Cultura, por sua
sensibilidade ao compreender a relevância do projeto e dar-lhe todo o apoio
necessário; embaixador Wladimir Murtinho, coordenador do Projeto;
Esther Caldas Bertoletti, coordenadora técnica do mesmo projeto, a sempre
lutadora de causas culturais indelevelmente significativas; Maria Luiza
Abrantes, diretora do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa e José
Sintra Martinheira, técnico superior arquivista, também do mesmo arquivo
responsável pela recepção e assistência à equipe da Paraíba.
No caso do Projeto Resgate “Barão do Rio Branco”, temos também a
participação das seguintes personalidades: ex-governador, José Targino
Maranhão, em cuja gestão, em 1998, foi concedida ao projeto a
contrapartida financeira do governo da Paraíba; magnífico reitor da
Universidade Federal da Paraíba, Prof. Jader Nunes de Oliveira, e diretora
do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB, Profa. Maria
Yara Campos Matos. Estes dois últimos disponibilizaram recursos para a
publicação do Catálogo dos Documentos Manuscritos Avulsos Referentes à
Capitania da Paraíba, Existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de
Lisboa, que hoje está sendo entregue ao público.

264
Teoria, História e Memória

Além destes, contamos com a valiosa contribuição das


destacadas pessoas: Prof. Francisco de Sales Gaudêncio, Secretário da
Educação e Cultura e coordenador geral do Projeto Resgate-Paraíba
quando, esteve então à frente da presidência da FUNESC, com todo o
suporte institucional; Profª. Rosa Maria Godoy Silveira, coordenadora
acadêmica do Projeto Resgate-Paraíba, autora do Projeto e do prefácio
do catálogo, coparticipante, com a equipe de elaboração, da sua
revisão, a cujas expensas pessoais foram feitas as inúmeras correções
de digitação do trabalho; Profª. Ivanice Frazão de Lima e Costa,
presidente da Fundação Casa de José Américo que abriu mão de
recursos da sua instituição para serem investidos no Projeto Resgate; e
Prof. José David Campos Fernandes, diretor da Editora Universitária,
que não mediu esforços, com a sua equipe, para a edição do catálogo.
Dirigimos menção muito especial aos professores e colegas
Mozart Vergetti de Menezes e Maria Vitória Barbosa Lima, os quais,
com eficiência e profissionalismo, trabalharam conosco em Lisboa. A
eles o nosso tributo por tão importante trabalho.
Finalmente, registramos o nosso agradecimento à imprensa
pela cobertura dada na divulgação da nossa pesquisa documental e
seus resultados, especialmente ao jornalista Evandro Nóbrega, do
jornal O Norte, que desde o início de nossas atividades em Lisboa, tem
apontado à opinião pública o significado do Projeto para a História
da Paraíba. Em nome dele agradecemos aos demais articulistas pelas
matérias publicadas.
Agora, reportamo-nos à documentação brasileira no Arquivo
Histórico Ultramarino de Lisboa. A estimativa do seu montante
atinge aproximadamente trezentos mil documentos. Outros duzentos

265
Elza Régis de Oliveira

mil estão dispersos em trinta arquivos de Lisboa. A documen-


tação do citado arquivo está disposta em três grandes seções:
Documentos Avulsos, acondicionados em duas mil e oitenta e seis
caixas de documentos, Códices, Cartografia e Iconografia. (RAU, 1961).
A Paraíba tem uma documentação dentre as mais expressivas,
depois da Capitania da Bahia, da de Pernambuco e da do Maranhão.
Bahia conta com 54.368 documentos, Sergipe, 495, Alagoas, 532;
Pernambuco, 20.029, Rio Grande do Norte, 684, Ceará, 1.431; Piauí,
1.716 e Maranhão, 13.118. A Paraíba possui 3.523 documentos
no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa e abrange o período
compreendido entre 1593 e 1826. O trabalho do Projeto Resgate-
Paraíba inclui: o Catálogo dos Documentos Manuscritos Avulsos
Referentes à Capitania da Paraíba, Existentes no Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa; 57 rolos de microfilmes e um conjunto de
6 CD-ROMs. Integra ainda esse conjunto documental os códices, a
cartografia e a iconografia da Paraíba.
O trabalho da equipe da Paraíba naquele acervo consistiu na
leitura de cada documento para o preparo dos 3523 verbetes, “trabalho
ingente”, desgastante mas ao mesmo tempo gratificante. A equipe do
Projeto Resgate-Paraíba optou por elaborar os índices onomástico,
toponímico e de assuntos da documentação, com base em uma leitura
mais detalhada de cada documento, a partir dos CD-ROMs, ora
recebidos.
Algumas possíveis falhas ocorridas serão posteriormente
corrigidas, porquanto não tivemos condições de voltar a Lisboa para
confrontar documentos e tirar dúvidas. Muitas delas foram revisadas
tomando-se por base catálogo por nós anteriormente elaborado em

266
Teoria, História e Memória

dois volumes, resultante da pesquisa realizada em Lisboa entre


1967-1968 e início de 1969, seguida de microfilmagem dos
documentos em 1979 (caixas de documentos, códices, cartografia,
iconografia da Paraíba), microfilmes que se encontram no Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional da UFPB. Também
lançamos mão da “revisão eletrônica”, por meio da qual, enviamos a
Lisboa nossas dúvidas e problemas sobre os documentos, voltando as
soluções por e-mail.
Não somente a história, mas outras ciências sociais se
beneficiarão desse patrimônio cultural. O que faz avançar a ciência são
as novas descobertas e, no caso da história, os novos documentos. A
partir de hoje são inúmeras as perspectivas abertas com estas fontes:
a correção de equívocos, a reinterpretação de muitos aspectos de
nossa história, a abertura de novas temáticas ainda não investigadas,
dinamizando-se a pesquisa histórica.
O Catálogo dos Documentos Manuscritos da Capitania da
Paraíba não é senão um novo Irineu Ferreira Pinto. Representa
não só a atitude de outra geração de historiadores mas também
uma nova proposta de trabalho dentro dos princípios da moderna
arquivística. Esperamos que o acesso ao referido catálogo e aos CD-
ROMs possa revigorar a pesquisa histórica paraibana, tendo em vista a
multiplicidade de assuntos a serem estudados.
Aproveitando o ensejo, e sempre preocupados com a memória
histórica da Paraíba, lançamos um apelo ao Governo do Estado
no sentido de implementar o Sistema Estadual de Arquivos, pois
importantes acervos ainda estão a merecer um Projeto Resgate em
versão estadual. Ou seja: rearranjo dos documentos, elaboração de

267
Elza Régis de Oliveira

catálogos que sirvam de orientação aos pesquisadores e, ainda, sua


informatização. É uma tarefa para jovens pesquisadores que estejam
dispostos a enfrentar desafios.
Além do mais, devemos promover uma política de arquivo no
âmbito estadual, política esta que consiste no resgate, arrolamento
de fontes históricas dispersas na capital e no interior, além da
publicação de catálogos indicativos delas. Faz-se também necessária
a restauração de documentos a ser feita por técnicos especializados,
além da informatização, fato para o qual já chamamos à atenção das
autoridades. Essas ideias estão contidas num dos trabalhos deste livro
intitulado Memória histórica paraibana: problemas de preservação
documental.
Por tudo isto, a equipe sente-se honrada e gratificada
em participar do Projeto Resgate-Paraíba. Em nome da
coordenadora técnica do Projeto Resgate-Brasil, Esther Caldas
Bertoletti, do coordenador geral, Prof. Francisco de Sales
Gaudêncio, da coordenadora acadêmica, Profa. Rosa Maria
a.
Godoy Silveira e da equipe executora, Prof Elza Regis de
Oliveira, Prof. Mozart Vergetti de Menezes e Profa. Maria da Vitória
Barbosa Lima reiteramos o nosso agradecimento a todos que
colaboraram para o êxito deste magnífico trabalho.
Elza Regis de Oliveira e em nome da
Equipe do Projeto Resgate-Paraíba

268
Considerações Finais

Nestas considerações, fizemos uma rápida análise sobre


alguns trabalhos deste livro: Paradigmas da ciência, Espaço da
história, A importância da demografia n a análise histórica e A
História em Migalhas, de François Dosse, questões teórico-
metodológicas da história e de sua relação interdisciplinar.
Um assunto que é objeto de nossas reflxões refere-se aos
Paradigmas da ciência, especificamente o paradigma da complexidade,
o qual tende a superar a diferença que sempre existiu entre ciências
naturais e ciências culturais, estas denominadas hoje de ciências sociais.
O paradigma clássico ou renascentista foi o modelo que marcou,
durante mais de três séculos, o pensamento científico europeu e teve
em Descartes seu principal inspirador. A ciência clássica eliminou a
aleatoridade, a desordem, o cosmo, a natureza e o homem. O paradigma
da complexidade tenta fazer a inclusão de tudo o que foi rejeitado. Hoje,
a ciência convive com a ordem, desordem, harmonia, desarmonia e
aleatoriedade. Edgar Morin discorre sobre o surgimento de uma nova
ciência e da construção do paradigma da complexidade. Tal surgimento
e tal construção resultarão de novos conhecimentos e de novas
descobertas científicas. A estas nos referimos anteriormente.

269
Elza Régis de Oliveira

No Espaço da história, verificamos que a abertura das fronteiras


às outras ciências tomou uma dimensão tal que não é possível haver
retrocesso. Isso é válido não só para a história, mas também para as
outras ciências sociais, que através da interdisciplinaridade e da
transdiscipliaridade, visam produzir um conhecimento sem fronteiras.
O alargamento desse espaço, como assinalamos, não foi uma conquista
fácil, uma vez que as incorporações foram gradativas e não deixaram
de receber os maiores ataques.
O alargamento do campo da história através das
ciências sociais: economia, sociologia, antropologia, geografia,
política, demografia, entre outras, enriqueceu a explicação da história,
uma vez que ela tomou emprestado de outras ciências métodos e
técnicas, para a análise dos seus fatos. Não somente a história
lançou mão das ciências sociais, mas também das exatas e das
biológicas, para uma convivência interdisciplinar.
No que se refere à demografia , podemos dizer que a análise
demográfica ultrapassou a simples contagem dos seres humanos. Não
constitui apenas um dado quantitativo dos fatos. Envolve problemas
tão complexos que, através dela, podemos desvendar a estrutura
econômica e social de um povo.
Do ponto de vista conjuntural, os fenômenos demográficos
estão associados a uma pluralidade de fatores. Assim, podemos
conhecer as causas que respondem pelas pulsações demográficas. A
utilização da demografia pela história deu uma nova dimensão no
tratamento dos fatos históricos. Tanto isto é verdade que o historiador

270
Teoria, História e Memória

não pode desprezar o dado demográfico, sob pena de cometer falhas


em suas análises.
Merecem análise as críticas feitas por François Dosse, no
seu livro A História em Migalhas, que dizem respeito aos rumos
que a história tomou. Uma delas refere-se à “fragmentação da
história em inúmeros territórios particulares com os seus respectivos
muros”. A fragmentação do saber, por meio da especialização e da
hiperespecialização, vem acompanhada de perdas de uma cultura
mais abrangente, com sérias consequências. Essa questão necessita de
maior aprofundamento, tendo em vista os desvios da história e dos
historiadores na ambição de uma ciência especializadíssima.
Os Annales estão repensando as suas relações com as ciências
sociais devido ao resultado da interdisciplinaridade, a
fragmentação da história e a produção em “migalhas” sobre o
conhecimento histórico. É possível que haja uma correção de rumo, se
é que algo está errado. “A terceira geração” teria renunciado a
“história global”, a busca da “síntese total" e "ter-se-ia perdido
nos fragmentos do saber.” (REIS, 2000, p.125-127).

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Teoria, História e Memória

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