Você está na página 1de 14

Processo de metaprojeto para o desenvolvimento

estratégico e a inovação das organizações


Metadesign process for organizational strategic development and innovation

Franzato, Carlo; PhD; Unisinos


cfranzato@unisinos.br

Celaschi, Flaviano; PhD; Politecnico di Milano


flaviano.celaschi@polimi.it

Resumo

O artigo analisa o processo de metaprojeto, seguindo uma subdivisão em quatro fases


principais: pesquisa projetual, elaboração de cenários, concepção e implementação. Focando
especialmente nas duas fases intermediárias, o artigo apresenta os resultados de uma
experiência de pesquisa-ação que desenvolvemos junto a uma empresa de portas de
segurança. Esta experiência ajuda compreender como o design contribui para o
desenvolvimento estratégico e a inovação das organizações.

Palavras Chave: Design estratégico; Inovação; Metaprojeto; Cenários; Conceitos projetuais.

Abstract

The article analyses the metadesign process, following a subdivision into four main phases:
design research, scenarios elaboration, conception and implementation. Focusing especially
on the two intermediary phases, the article presents the results of an action-research
experience that we developed within a security door company. This experience helps to
understand how design contributes to the strategic development and the innovation of the
companies.

Keywords: Strategic design; Innovation; Metadesign; Scenarios; Concepts.


Introdução
O design é hoje considerado um recurso indispensável para o projeto, o
desenvolvimento e o aprimoramento das estratégias empresariais e para o alcance da
inovação. Nas empresas de alto envolvimento com o design, que incorporam a cultura de
projeto no cerne da organização, o design é considerado um paradigma de inovação.
Por isso, a relação entre design, estratégia e inovação, está sendo objeto de um intenso
estudo por pesquisadores e profissionais da área do design, bem como de outras áreas, em
primeiro lugar, das econômicas. Dessa forma, nas últimas duas décadas foi produzido um
constructo conceitual volumoso que nos permite explicar como o design possa e deva subir
até os níveis estratégicos das organizações, para além do mero desenvolvimento de novos
produtos (MAGALHÃES, 1997).
Apesar disso, são ainda raros os trabalhos que apresentam averiguações experienciais
da atuação do design nesses níveis. A produção intelectual desse filão de estudos, que tem
respaldo nas melhores práticas de profissionais, agências de consultoria em design e
empresas, propõe variados modelos para conceituar o design e comunicar o seu valor, mas
frequentemente não discute criticamente os processos projetuais. Dessa forma, existe uma
lacuna de investigações entre as mais significativas para o desenvolvimento científico e
disciplinar do design (CROSS, 1999: 5-6).
Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir uma pesquisa aplicada que
desenvolvemos para a empresa de portas de segurança Gardesa, usando a impostação
metodológica da pesquisa-ação. Desenvolvemos um processo de metaprojeto, envolvendo
atores internos e externos à empresa, com o objetivo de identificar caminhos para o
desenvolvimento estratégico e a inovação da organização. Contudo, não pretendemos afirmar
que os resultados que obtemos sejam efetivamente inovadores, nem afirmar que a inovação
seja facilmente alcançável por meio de processos similares ao que será apresentado. O nosso
propósito é de proporcionar uma análise fenomenológica de um processo de metaprojeto com
essas finalidades.

1. Processo de metaprojeto orientado para a inovação


A abordagem metaprojetual prevê a evolução de uma reflexão acerca do projeto em
desenvolvimento, paralela e para além dele, que fundamente e justifique o projeto em si, em
relação ao contexto que o originou e em relação ao cenário para o qual é destinado. Isso
implica o aprofundamento do problema e dos objetivos do projeto, então a definição do
melhor processo para procurar uma solução satisfatória (DE MORAES, 2010). Sobretudo, tal
abordagem leva às extremas conseqüências os princípios propostos por Donald Schön (1983),
no sentido que, em suplemento da “reflexão-na-ação” que ocorre naturalmente ao longo do
processo projetual, o metaprojeto estimula uma ulterior reflexão finalizada a conscientizar
plenamente os diversos atores envolvidos no projeto em respeito do seu significado.
Dessa forma, o metaprojeto é especialmente apropriado para o desenvolvimento de
processos empresariais orientados a re-pensar radicalmente a atuação de uma organização, a
definir as suas estratégias futuras e a inová-las.
O modelo apresentado na figura a seguir foi construído para descrever um processo de
metaprojeto orientado para a inovação, a partir do ciclo de aprendizagem experiencial de
David Kolb (1984). O trabalho de Kolb é aqui relevante, especialmente porque cruza a obra
de diversos pesquisadores dos processos de aprendizagem (DEWEY, 1938; LEWIN, 1951;
PIAGET, 1970), com a obra de outros pesquisadores dos processos criativos (WALLAS,
1926), de tomada de decisões (SIMON, 1947) e de solução de problemas (POUNDS, 1965).
De um lado, isto é, o autor considera questões que tornarão determinantes para os estudos

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).


sobre a aprendizagem e o desenvolvimento organizacional, incluindo as experiências de
pesquisa-ação de Kurt Lewin. Do outro, considera questões determinantes especificamente
para os estudos sobre as práticas projetuais.
Como já sugerido por Lewin e Piaget, Kolb propõe que a aprendizagem experiencial
perpasse ciclicamente através de quatro momentos polares: da experiência concreta para a
conceituação abstrata por meio da observação reflexiva, e da conceituação abstrata de volta
para a experiência concreta por meio da experimentação ativa.
Diversos autores concordam que nos quadrantes do ciclo de Kolb podem ser situadas
estas quatro macro-fases do processo projetual: pesquisa, análise, síntese e realização
(KUMAR, 2004: 3; JONAS, 2007: 199-201; CAUTELA, 2007: 62; CELASCHI, DESERTI,
2007: 56, 129).
O modelo proposto recupera esta tradição e introduz o conceito de inovação, que é o
objetivo principal dos processos em exame e que, por isto, foi colocado em posição central. O
design age como força centrípeta na direção da inovação, deformando o ciclo da
aprendizagem experiencial na espiral da inovação dirigida pelo design (FRANZATO, 2011).

Fig. 1: A espiral da inovação dirigida pelo design (FRANZATO, 2011: 53)

Na primeira fase realizam-se as pesquisas destinadas a alimentar o projeto. Tais


pesquisas, de um lado, focam no contexto de partida do processo e especialmente na empresa,
no seu mercado e no seu público-alvo. De outro, focam no desenvolvimento de um sistema
original e abrangente de referências projetuais (projetos exemplares, estímulos criativos,
tendências emergentes, etc.) Chamamos estes dois tipos de pesquisa respectivamente de
“pesquisa contextual” e “pesquisa blue-sky” (CELASCHI, DESERTI, 2007; CAUTELA,
2007).
Na segunda fase, os resultados das pesquisas são analisados e re-interpretados para
prospectar contextos alternativos ao de partida, ou seja, novos cenários, e identificar

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)


trajetórias de inovação. Esta fase é propriamente analítica só se contextualizada dentro do
processo como um todo, ainda se a elaboração dos cenários deve ser considerada uma
atividade eminentemente sintética.
Na terceira fase são concebidos diversos conceitos projetuais, ou seja, embriões de
novos produtos, que concretizarão as trajetórias de inovação. Nesta fase, os designers
expressam a sua maneira peculiar de agir sinteticamente, dando, virtualmente, forma aos
novos produtos, modelando-os e visualizando-os.
Na quarta fase passa-se para a implementação efetiva dos resultados, começando com
um planejamento das ações que a empresa deve fazer para capitalizar o aprendizado e
progredir ao longo de uma determinada trajetória de inovação. Nesta etapa, alguns dos
conceitos projetuais são detalhados, prototipados e, eventualmente, produzidos e
comercializados.

2. Cenários e conceitos projetuais no processo de metaprojeto


A maioria das novas abordagens projetuais fundamenta-se em pesquisas que
proporcionem os conteúdos indispensáveis para a concepção de produtos e serviços
inovadores. Tais pesquisas são desenvolvidas usando diversos métodos e técnicas que podem
proceder de outras áreas disciplinares. Disso deriva um desafio crucial para o design
contemporâneo: como interpretar e utilizar essas pesquisas nas fases de concepção?
O metaprojeto soluciona esse problema através de um instrumento que permite uma
passagem fluida e sem solução de continuidade entre a fase de análise e a fase de síntese, ou
seja, o cenário (FRANZATO, 2011: 57).
A construção de cenários é uma técnica de origem militar que as empresas começaram
a usar a partir dos anos 60, para prever as evoluções do seu contexto de atuação competitiva a
longo prazo e afinar com antecedência as melhores políticas econômicas a se seguir, de forma
a minimizar os riscos e maximizar as oportunidades (SCHWARTZ, 1991; VAN DER
HEIJDEN, 1996).
No âmbito do design, este instrumento assumiu formas peculiares, tanto que Ezio
Manzini e François Jégou (2004) distinguem esses cenários destinados a orientar as políticas
econômicas de uma empresa (“Policy-Orienting Scenarios”), de outros tipos de cenários
elaborados pelos designers e destinados a orientar a sua atividade projetual (“Design-
Orienting Scenarios”). Os autores definem estes últimos como:

Conjuntos de visões motivadas e articuladas, finalizadas a catalisar as energias dos


diversos atores envolvidos em um processo projetual, a gerar entre eles uma visão
comum e, desejavelmente, a fazer com que as suas ações convirjam em uma mesma
direção (ib., p. 193, trad. nossa).

Sintetizando as pesquisas preparatórias ao projeto, os cenários propõem diversas


hipóteses para o desenvolvimento empresarial, praticáveis pela empresa em um prazo
geralmente não muito longo. As hipóteses são discutidas, selecionadas e eventualmente
reinterpretadas pelos diversos atores envolvidos no processo, de maneira tal que eles possam
compartilhar objetivos estratégicos e identificar as melhores maneiras para atingi-los. Dessa
forma, o objetivo final de um cenário é instigar a discussão entre os diversos atores que
participam do processo, para que eles possam tomar decisões compartilhadas (ib.).
Por isto, estes cenários são representações visuais de fácil leitura. Ainda se as
características formais dos cenários não são predeterminadas e estes podem assumir diversos
formatos, todos são visuais, pois os cenários servem de apoio à discussão e devem estimulá-la
e facilitá-la (ver BÜRDEK, 2006: 361-363).

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).


O cenário escolhido e redefinido por meio da discussão, representa uma nova
configuração do contexto de atuação competitiva da empresa, alternativa à presente ou futura.
Além disso, o cenário evidencia trajetórias de inovação e já as primeiras linhas guias
projetuais que permitirão percorrê-las. Em outras palavras, o cenário incuba os conceitos
projetuais que serão desenvolvidos na fase sucessiva do processo de inovação dirigida pelo
design (fase de síntese), inspirando, guiando e articulando o projeto de novos produtos e
serviços empresariais, de maneira tal que estes resultem efetivamente coerentes com a oferta
das empresas e as suas estratégias (MANZINI, JÉGOU, 2004: 194).
Por outro lado, os conceitos projetuais explicitam o cenário em forma de projeto e
podem ser considerados como exemplos essenciais para clareá-los e para defini-los
projetualmente. Por esta evidente continuidade entre cenário e conceitos projetuais, as duas
partes ficam numa relação de complementaridade e de reciprocidade.
No final da fase de síntese, os conceitos projetuais são oportunamente avaliados para
selecionar os conceitos viáveis mais interessantes, que serão implementados na fase
sucessiva. O fato de alguns conceitos projetuais serem escolhidos para a implementação e
outros não, porém, não significa classificá-los por qualidade. Nos processos de metaprojeto, a
implementação de um conceito tem uma importância relativa, pois o seu principal resultado é
o aprendizado que a empresa desenvolve sobre si mesma, o seu contexto de atuação
competitiva e os novos cenários possíveis, as trajetórias de inovação que poderiam ser
percorridas.
Todos os conceitos projetuais concorrem a esse aprendizado, não somente os
escolhidos para a implementação. Muitas vezes, aliás, mesmo os conceitos projetuais que não
são viáveis, resultam nos mais relevantes para o aprendizado da empresa.
Os conceitos projetuais não viáveis, de fato, normalmente são propostos pelos
designers para refletir sobre uma questão que foi evidenciada durante o processo de
metaprojeto. Na agência de consultoria em design e inovação IDEO, estas propostas
projetuais são chamadas de “conceitos sacrificiais”:

Um conceito sacrificial é uma ideia ou solução criada para ajudar a entender melhor
o problema. É um conceito que não precisa ser viável, realizável ou possível já que o
seu único propósito é buscar o entendimento mais profundo. Um bom conceito
sacrificial incita uma conversa, estimula os participantes a se serem mais específicos
em suas histórias, e ajuda a verificar e a desafiar conclusões (IDEO, 2009: 42).

Outros conceitos projetuais poderiam não ser imediatamente viáveis, podendo tornar
viáveis em função de futuras mudanças do contexto de referência. Tais conceitos devem
entrar em um repertório de projetos que, segundo a lógica da “shelf innovation”, a
organização poderia recuperar para uma realização futura (NEVINS, WHITNEY, 1989;
CELASCHI, DESERTI, 2007: 137-139).

3. Método de pesquisa
O artigo baseia-se nos resultados de uma pesquisa aplicada que desenvolvemos para a
empresa de portas de segurança Gardesa, a partir de 2005.
A pesquisa, coordenada pelos professores Flaviano Celaschi e Alessandro Deserti, foi
desenvolvida usando a estratégia da pesquisa-ação. Realizamos ciclicamente diversos
processos de metaprojeto junto à administração da empresa e outros atores. Usamos essas
experiências como pretexto para refletir e discutir a empresa, de forma a propiciar um
processo de aprendizagem organizacional. O objetivo da pesquisa era a definição das novas
estratégias da Gardesa e a inovação dos seus processos, produtos e negócios.

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)


O artigo foca especialmente no primeiro ciclo metaprojetual. Este ciclo foi o mais
intensivo em termos de trabalho e o mais significativo em termos de aprendizagem
organizacional e de resultados, pois era a primeira vez que a empresa praticava um processo
de metaprojeto e este determinou as bases para os sucessivos.
O ciclo será analisado na próxima secção, re-percorrendo as fases do modelo
processual apresentado e remarcando os reflexos experienciais dos conceitos que foram
revisados.
Na seção sucessiva discutiremos especialmente a relação entre cenários e conceitos
que se estabeleceu ao longo deste primeiro processo de metaprojeto. Além disso, discutiremos
o significado que este processo assumiu para a empresa.

4. A experiência de metaprojeto desenvolvida para a empresa


Gardesa
A empresa Gardesa é a maior empresa italiana de portas de segurança, uma das
maiores da Europa. Este mercado está se expandindo progressivamente e isto desestimula as
empresas a procurar a inovação: desde o seu comparecimento no mercado, a porta blindada
não evoluiu substancialmente, sofrendo somente pequenas inovações de tipo incremental.
Neste contexto, uma das principais empresas competidoras está investindo consistentemente
em políticas de marca, procurando uma maior visibilidade no mercado nacional. Além disso,
outras empresas estão introduzindo no mercado produtos particularmente baratos,
frequentemente produzidos no exterior.
Por estas razões, a Gardesa resolveu investir em inovação, mas escolheu um caminho
diferente das outras competidoras, apostando no design. Não havendo uma grande tradição no
design, a empresa procurou uma colaboração com o Politecnico di Milano.
Montou-se uma equipe liderada pelos dois pesquisadores já mencionados, que contou
com cinco mestrandos em design. A partir da fase de síntese, a equipe foi integrada com a
colaboração de vinte e um alunos dos Cursos de Graduação e Mestrado em Design,
convidados para participar de um workshop desvinculado das atividades curriculares.

Fase de pesquisa. A pesquisa contextual foi desenvolvida ao longo de dois meses.


Além de focar sobre a empresa, a sua oferta mercadológica e o seu contexto de atuação
competitiva, tal pesquisa também focou na normativa que regula os requisitos das portas
blindadas nos diversos momentos do seu ciclo de vida.
Foi paralelamente desenvolvida uma pesquisa blue-sky focada nos aspectos
estilísticos, tecnológicos, sociais, antropológicos e mercadológicos do objeto porta e do
ambiente domestico de maneira geral. Para tanto, foram especificamente realizadas as
pesquisas seguintes:
 Pesquisa histórica de design e arquitetura;
 Pesquisa filmográfica;
 Pesquisa histórico-geográfica;
 Pesquisa de exploração do setor automotivo e náutico, para estudar as portas nos
carros e nos barcos, interpretados como segunda casa;
 Pesquisa de exploração dos setores de alto envolvimento com o design, como o
mobiliário ou a moda, para estudar as tendências em andamento e porvir;
 Pesquisa de materiais.

Os dados, recolhidos e elaborados, foram compartilhados entre os atores envolvidos


no processo, analisados criticamente e organizados em um dossiê extenso e denso de
informações.

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).


Fase de análise. Procedeu-se sintetizando as pesquisas em um cenário embasado no
conceito geral que a porta de entrada na habitação (não ainda a porta de segurança) deve ser
re-significada no ambiente domestico e valorizada. Para tanto, a pesquisa contextual foi
determinante. Esta reflexão, de fato, foi derivada repensando o objeto porta na triangulação
entre a empresa, os lojistas e os consumidores, e por meio do benchmarking com as outras
empresas concorrentes (fig. 2). Desta forma surgiram as duas trajetórias de inovação
seguintes:
 Da porta como objeto, para a porta como lugar;
 Da porta como acabamento de construção, para a porta como elemento de decoração.

No caso específico da empresa Gardesa, este processo de re-significação devia


evidentemente passar pelo conceito de segurança, cuja necessidade justifica o produto porta
blindada. Por meio das pesquisas foi possível questionar as razões originarias do produto,
para entender se a porta blindada devesse focar na segurança ou devesse considerar a
segurança como um de seus pré-requisitos básicos, para se concentrar em outros focos. Para
tanto, as pesquisas de referências foram determinantes. Pesquisando outros setores de alto
envolvimento com o design, por exemplo, foram encontradas duas referências muito
significativas: os relógios Swatch e os celulares Xelibri extrapolavam das próprias funções
primárias, para se tornarem acessórios de moda e detalhar o estilo dos seus usuários.
Por estas razões, atingindo à cultura humanística (especialmente à teoria psicanalítica
freudiana), resolveu-se aliar o conceito de segurança com o conceito de liberdade (fig. 3).
Desta forma surgiram as duas trajetórias de inovação seguintes:
 Da segurança como foco, para a segurança como requisito básico;
 Da segurança para o binômio segurança-liberdade.

Este raciocínio, aqui exposto de maneira extremamente simplificada, foi representado


por meio de em uma apresentação de diversas laminas, da qual propomos exemplarmente as
imagens que seguem.

Fig. 2: Trajetórias que Gardesa poderia percorrer (CELASCHI, DESERTI, 2007: 146)

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)


Fig. 3: Mapeamento visual do binômio segurança-liberdade (CELASCHI, DESERTI, 2007: 133)

Fase de síntese. As pesquisas e o cenário foram apresentados aos participantes do


workshop “Abitare la soglia” (habitar a soleira), que foi desenvolvido de forma extensiva por
meio de diversos encontros em um arco de tempo de cerca de dois meses. Os conceitos
projetuais que seguem ilustram alguns dos resultados elaborados pelos grupos de alunos.

Fig. 4: “Over” por Baglieri, Bartoli e Costacurta (CELASCHI, DESERTI, 2007: 147)

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).


Fig. 5: “Frame 3D” por Fioravanti e Franzato (CELASCHI, DESERTI, 2007: 148)

Fig. 3: “Theta” por Caputo, Giordano e Nardi (CELASCHI, DESERTI, 2007: 150)

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)


Fig. 6: “Asola” por Baglieri, Bartoli e Costacurta (CELASCHI, DESERTI, 2007: 151)

Fase de realização. Os conceitos projetuais foram avaliados pelo seu significado para
a empresa e pela sua viabilidade técnica e comercial. “Over” (fig. 1) ficou no nível de
conceito projetual. “Frame 3D” (fig. 2) foi amplamente revisto com a contribuição de outros
designers, desenvolvido até o protótipo e apresentado em feiras (fig. 5). “Theta” e “Asola”
(fig. 3, 4) foram efetivamente implementados e hoje estão incluídos no catálogo da empresa
(fig. 6).

Fig. 7: “Frame 3D”, evoluído com Cavalleri, Di Pino e Galisai, na feira SAIE 2 de Bologna (fotografias dos
autores)

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).


Fig. 8: “Theta” e “Asola” no catálogo empresarial (www.gardesa.com)

5. Discussão da experiência
A experiência analisada é um claro exemplo de como nos processos de metaprojeto as
investigações preparatórias, a sua interpretação e tradução nos cenários, a concepção de ideias
originais e a sua implementação, estejam em um relacionamento fluido e osmótico. Apesar de
ter identificado claramente as quatro fases de pesquisa, análise, síntese e realização, a
continuidade entre elas não permite delimitar o valor de cada uma, nem os seus efeitos.
Realiza-se uma fusão entre pesquisa e projeto: não somente os projetos desenvolvidos
explicitam os cenários e as suas trajetórias de inovação, mas também as pesquisas que os
cenários resumem.

Neste sentido, podemos relevar que os projetos “Frame 3D” e “Asola” resultam
essenciais para a re-significação do objeto porta no ambiente domestico.
“Frame 3D” explicita particularmente a trajetória “da porta como objeto, para a porta
como lugar”, procurando uma expansão tridimensional do objeto porta. Esta trajetória era
considerada muito importante no contexto do processo de metaprojeto, mas o projeto resultou
tecnologicamente e comercialmente inviável. Apesar disso, foi pedido aos projetistas de
continuar o desenvolvimento do seu conceito sacrifical, para assim continuar esta reflexão.
Para tanto, a equipe de projeto foi reforçada com o auxilio de três designers.
“Asola” explicita a trajetória “da porta como acabamento de construção, para a porta
como elemento de decoração”, procurando importar no setor mercadológico das portas
blindadas, linguagens procedentes do setor náutico (os cantos da porta arredondados) e
automotivo (o design da maçaneta).

Os projetos “Theta” e “Over”, ao contrário, trabalham a cerca do binômio segurança-


liberdade.
“Theta” explicita a trajetória “da segurança como foco, para a segurança como
requisito básico”, recuperando um ícone do passado, o antigo sistema de fechamento com
barra de madeira. Tal solução sublinha que a segurança é uma característica das portas de
entrada bem antes do comparecimento das portas blindadas. Desta forma, “Theta” considera a
segurança como pré-requisito. Além disso, este projeto enfrenta eficazmente uma dimensão
gestual que o cenário tinha sugerido somente entrelinhas e que poderia ser explorada mais
aprofundadamente em futuros processos projetuais. Ainda, similarmente com o caso anterior,
“Theta” procura uma contaminação de linguagens entre épocas diferentes.

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)


“Over” explicita a trajetória “da segurança para o binômio segurança-liberdade”,
propondo o vidro, normalmente associado com a fragilidade, como material do painel da
porta blindada. Desta forma, os mecanismos de fechamento internos à porta ficam visíveis,
demonstrando uma segurança atrevida, ao passo que o este projeto garante a liberdade visual
entre interno e externo.

Além disso, a experiência testemunha a potencialidade do design para a aprendizagem


e a inovação das organizações. O processo de metaprojeto permitiu à organização refletir
sobre si mesma e as próprias estratégias e tal reflexão comportou outros tipos de resultados
para a empresa.
Após desse primeiro ciclo processual, na empresa foi criado um design center para o
desenvolvimento dos ciclos sucessivos. A constituição deste núcleo, além de garantir a
internalização da tecnologia metaprojetual e da sua prática, determinou uma re-estruturação
da empresa com um design center focado no projeto de novos produtos ao lado do
departamento de pesquisa e desenvolvimento já existente, focado na sua engenharia.
É importante precisar que a equipe de pesquisadores ficou monitorando os ciclos
sucessivos para dar continuidade à pesquisa-ação e garantir o seu êxito. Designers externos
continuaram sendo envolvidos nos processos seguintes. Por exemplo, em 2009 a empresa
lançou a coleção “Prêt-à-porter”, desenvolvida com Agatha Ruiz de la Prada
(www.gardesa.com).
Com a introdução desses novos produtos, as estratégias de portfólio da empresa
mudaram e no seu catálogo é hoje presente uma seção reservada a eles.

Conclusões
Como vimos no começo do artigo, a literatura de design recupera o ciclo de
aprendizagem experiencial de David Kolb para descrever um processo de metaprojeto. De
fato, a abordagem metaprojetual procura uma reflexão acerca do projeto em desenvolvimento
e para além dele, que proporciona a aprendizagem da equipe de designers e da organização
como um todo. Dessa forma, o processo de metaprojeto torna-se um caminho praticável para
o desenvolvimento estratégico e a inovação das empresas.
A experiência apresentada proporciona uma verificação experimental de como isso
acontece, evidenciando que os processos em análise necessitam de um empenho intelectual
notável durante todas as suas fases, das pesquisas preparatórias ao projeto, até o seu
desenvolvimento e implementação. Ainda, a experiência evidencia a importância que os
cenários assumem nos processos metaprojetuais como instrumentos de conexão entre as
pesquisas e o projeto. Sobretudo, os cenários resultam determinantes para evoluir as
estratégias organizacionais, pois conseguem representá-las, oferecendo um suporte para a sua
interpretação e discussão.
Cabe ressaltar, porém, que a experiência desenvolvida não serviu somente para
verificar experimentalmente o constructo teórico derivado da literatura. Na nossa pesquisa, a
prática projetual foi fundamental para compreender a dimensão reflexiva do metaprojeto,
descrever um processo metaprojetual através das suas fases e explorar as potencialidades das
suas ferramentas. Neste sentido, acreditamos que para o desenvolvimento científico da área
seja necessário explorar formas de pesquisas que incluam práticas projetuais com o direto
envolvimento dos pesquisadores.
Em outras palavras, mais uma vez afirmamos a complementaridade da pesquisa de
base e aplicada, e conseguintemente do mundo acadêmico e empresarial. Por isso, essas duas
dimensões devem ser conjugadas, apesar das dificuldades que as suas diferentes naturezas
comportam. De maneira especial, a pesquisa de base deve ser desenvolvida continuamente e

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).


ao longo de prazos extensos, enquanto a pesquisa aplicada pode ser desenvolvida
periodicamente e ao longo de prazos necessariamente mais rápidos. Formas de
relacionamento duradouras entre universidade e empresa, como o que foi relatado, podem
permitir uma sintonização mais fácil entre as duas dimensões.

Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer a empresa e especialmente a Massimiliano Baglieri
pela participação competente e disponibilidade que demonstraram durante a experiência e na
elaboração deste artigo.

Referências
CELASCHI, F.; DESERTI, A. Design e Innovazione. Milano: Carocci, 2007.

CROSS, N. Design Research: A Disciplined Conversation. Design Issues, v. 15, n. 2, 1999, p.


5-10.

DEWEY, J. Experience and Education. New York: Kappa Delta Pi, 1938.

FRANZATO, C. O processo de inovação dirigida pelo design. Um modelo teórico. Redige, v.


2, n. 1, 2011, p. 50-62.

IDEO. Human centered design: Kit de ferramentas. 2009. Disponível em:


http://www.ideo.com/work/human-centered-design-toolkit/, acessado em: 24/01/2012.

JONAS, W. Design research and its meaning to the methodological development of the
discipline. In: MICHEL, R. (org.). Design research now: Essay and selected projects.
Basileia: Birkhäuser, 2007, p. 187-206.

KOLB, D. A. Experiential learning: experience as the source of learning and development.


New York: Prentice-Hall, 1984.

KUMAR, V. Innovation Planning Toolkit. In: FutureGround Design Research Society


International Conference. Melbourne, 17 a 21 Nov. 2004. Proceedings of the FutureGround
Design Research Society International Conference. Victoria: Monash University Press,
2004.

LEWIN, K. Field Theory in Social Sciences. New York: Harper & Row, 1951.

MAGALHÃES, C. F. Design Estratégico. Rio de Janeiro: CNI/Senai-Cetiqt, 1997.

MORAES, D. Metaprojeto: O design do design. São Paulo: Blucher, 2010.

PIAGET, J. Genetic Epistemology. Middlesex: Columbia University Press, 1970.

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)


POUNDS, W F. The Process of Problem Finding. Sloan School of Management Working
Paper, n. 145-65, 1965.

SCHÖN, D. A. The Reflective Practitioner. How Professionals Think in Action. New York:
Basic Books, 1983.

SIMON, H. A. Administrative Behaviour. New York: Macmillan, 1947.


WALLAS, G. The Art of Thought. New York: Harcourt Brace, 1926.

10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).

Você também pode gostar