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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA...................................................................................... 3
FARMACODINÂMICA .............................................................................................................. 5
FARMACOCINÉTICA.............................................................................................................. 24
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ................................................................................... 38
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO ............................................ 42
FARMACOLOGIA DO PROCESSO INFLAMATÓRIO E FEBRIL .................................. 63
FARMACOLOGIA DA DOR ................................................................................................... 80
FARMACOLOGIA DO TRATO GASTROINTESTINAL .................................................... 98
DROGAS DE ABUSO ........................................................................................................... 106
DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS ............................................................................. 112
SISTEMA ENDOCANABINÓIDE ........................................................................................ 119
ANTIDEPRESSIVOS ............................................................................................................. 122
ANSIOLÍTICOS ...................................................................................................................... 129
FARMACOGERIATRIA ........................................................................................................ 134
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA
➢ Definição (pharmakon = fármaco, medicamento ou droga)
A farmacologia corresponde ao estudo das substâncias que interagem com
sistemas vivos através de processos químicos, particularmente pela ligação com
moléculas reguladoras que ativam ou inibem processos corporais normais.
As substâncias químicas podem produzir efeitos no organismo que variam
entre benéficos e maléficos. Quando o efeito produzido é benéfico, chamamos a
substância química em questão de fármaco e a farmacologia médica é a ciência
que estuda esses fármacos e seu uso para prevenir, diagnosticar ou tratar
doenças, através de efeitos no próprio organismo humano ou por efeitos tóxicos
reguladores em parasitas que infectam o paciente.
Quando o efeito produzido é apenas maléfico, chamamos a substância
química em questão de agente tóxico e a ciência que estuda essa substância e
sua toxicidade é a toxicologia. Alguns fármacos podem apresentar efeitos
benéficos e maléficos simultaneamente, nestes casos, os efeitos maléficos são
chamados de efeitos adversos e uso é realizado de acordo com o ponderamento
entre a ação benéfica x maléfica da substância.
As principais áreas da farmacologia são:
• Farmacologia geral: conceitos básicos e gerais aplicáveis à maioria das
classes de drogas.
o Farmacocinética: “o que o organismo faz com a droga”.
o Farmacodinâmica: “o que a droga faz com o organismo”.
• Farmacologia aplicada (especial): drogas reunidas em grupos de ação
farmacológica e/ou clínica similar.
• Farmacotécnica: preparação de formas terapêuticas.
• Farmacoterapia: terapia medicamentosa (prevenção e tratamento).
• Farmacologia clínica: efeitos das drogas no ser humano:
• Toxicologia: campo da farmacologia que estuda os efeitos indesejáveis das
drogas nos sistemas vivos.
➢ Conceitos iniciais
• Droga: é toda e qualquer substância química que interage com receptores
presentes em organismos vivos gerando uma ação, benéfica ou maléfica. No
entanto, não necessariamente essa substância tem um efeito terapêutico.
• Fármaco: é toda e qualquer substância química que tem um efeito
terapêutico, ou seja, é uma droga utilizada exclusivamente com caráter
benéfico ou terapêutico ao organismo.
• Medicamento: é a forma mais elaborada de um fármaco, isto é, a formulação
química que contém o princípio ativo (fármaco) e demais substâncias
associadas (polímeros, açúcares, excipientes, etc.). Os medicamentos são
encontrados em diversas “apresentações”, como comprimidos, cápsulas,
xarope, supositório, entre outras.
• Princípio ativo: é aquela substância que tem atividade.
• Remédio: o conceito de remédio é extremamente amplo, pois pode ser um
medicamento, que contém um fármaco, ou algo que não contém substâncias
químicas. Dessa forma, remédio significa qualquer ação ou substância que
promova um efeito benéfico, como fisioterapia, massagem, conversas,
terapias, alguns alimentos, etc.
FARMACODINÂMICA
➢ Conceitos de farmacodinâmica
A farmacodinâmica é o ramo da farmacologia que estuda o efeito das
drogas, ou seja, estuda como os fármacos agem sobre seus sítios-alvo para
alcançar seus efeitos, desejados e indesejados, sendo que o efeito ocorrerá se
houver interações químicas com constituintes celulares.
Uma vez que a distribuição dos fármacos não é uniforme entre os tecidos
(farmacocinética), para que haja uma certa interação é necessário um
constituinte celular, chamado alvo farmacológico ou receptor, que pode ser
proteína, DNA (antitumorais, carcinogênicos, mutagênicos, antimicrobianos),
pequenas moléculas (bifosfonados nos sais de cálcio).
Dessa forma, os fármacos alteram a velocidade ou a magnitude de uma
resposta celular intrínseca, portanto, um fármaco não cria uma nova função,
apenas modifica funções já existentes no organismo.
No entanto, um fármaco pode se ligar a componentes, chamados aceptores,
que não causam comumente qualquer alteração na resposta bioquímica ou
celular, por exemplo, albumina sérica.
Sob o ponto de vista numérico, as proteínas constituem o grupo mais
importante de receptores farmacológicos, como:
1. Receptores fisiológicos: o receptor β-adrenérgico possui interação com o
propranolol, o qual inibe a ação da adrenalina.
2. Enzimas: a di-hidrofolato redutase é o receptor farmacológico para o
metotrexato, o qual inibe a síntese de pirimidinas.
3. Moléculas carreadoras (ou transportadoras): o transportador de sódio nos
túbulos renais é bloqueado pelos diuréticos tiazídicos.
4. Canais iônicos: o canal de sódio sensível à voltagem é importante para ação
de anestésico locais.
Como dito anteriormente, as drogas não criam efeitos, apenas modificam as
funções. Assim, pode-se dizer que uma substância é agonista, quando ao se
ligar em um receptor (R), tende a torna-lo ativado; ou antagonista, quando sua
ligação não conduz a ativação.
É importante levar em conta que, para a maioria dos fármacos, a ligação e a
ativação são processos reversíveis e dinâmicos, pois dependem das constantes
de dissociação. Ou seja, a constante de dissociação (K–1) mede a força de
interação (afinidade) entre a droga e o receptor.
Por outro lado, a atividade intrínseca ou eficácia (α e β) é a capacidade de
ativar ou não o receptor, portanto um agonista possui atividade intrínseca,
enquanto um antagonista não possui atividade intrínseca.

Afinidade: é a tendência de um fármaco se ligar aos receptores.


Eficácia: é a tendência de um fármaco de, uma vez ligado, ativar o receptor.

A capacidade da molécula de um fármaco de ativar um receptor é, na


verdade, uma característica que se manifesta de modo gradual, e não como um
processo do tipo tudo ou nada. Dessa forma, a interação droga-receptor pode
ocorrer da seguinte maneira:
• Agonista total ou pleno: é capaz de produzir uma resposta máxima (a maior
resposta que o tecido é capaz de dar), ou seja, sua afinidade e eficácia, sendo
o valor de α = 1.
• Antagonista: possui afinidade, mas sua eficácia é nula (α = 0), ou seja, o
antagonista se liga ao receptor, porém não o ativa.
• Agonista parcial: possui afinidade e eficácia relativa, consequentemente, o
composto produz apenas uma resposta submáxima (0 < α < 1).
• Agonista inverso: possui afinidade, mas eficácia negativa (-1 < α < 0).
Observe, na imagem abaixo, que se um fármaco L ligar-se seletivamente ao
Ra, a resposta produzida será máxima (agonista pleno). Se L tiver a mesma
afinidade por Ri e Ra, não causará alteração alguma no equilíbrio entre os dois e
não produzirá nenhum efeito na atividade final (composto inativo). Se L puder
ligar-se ao receptor Ra em uma conformação ativa, mas também se ligar ao
receptor Ri inativo com menos afinidade, o fármaco produzirá uma resposta
parcial e L será um agonista parcial. Se houver Ra em quantidade suficiente para
produzir uma elevação da resposta basal na ausência do ligando (atividade
constitutiva independente do agonista), então a atividade será inibida; neste
caso, o fármaco L será um agonista inverso.
Acreditava-se que os receptores são ativados apenas quando a molécula de
um agonista se liga a eles, no entanto, há exemplos em que pode ocorrer um
nível apreciável de ativação mesmo na ausência de ligantes, isso é chamado de
ativação constitutiva. Quando um ligante é capaz de reduzir o nível de ativação
constitutiva, o fármaco recebe a denominação de agonista inverso. Ou seja, os
agonistas inversos ligam-se seletivamente à forma inativa do receptor e desviam
o equilíbrio conformacional no sentido do estado inativo

➢ Especificidade dos fármacos


Os fármacos possuem tipos e subtipos de receptores. Por exemplo, os
receptores do tipo β-adrenérgicos apresentam os subtipos β1 e β2. Dessa forma,
os fármacos possuem seletividade por um determinado tipo de receptor
(exemplo: receptor β-adrenérgico) e possuem especificidade pelo subtipo de
receptor (exemplo: receptor β1).
É importante notar que nenhuma droga é completamente específica para um
receptor, pois esta especificidade depende da dose. No entanto, quanto maior a
especificidade, maior é a capacidade de prever os efeitos colaterais e como
reduzi-los ou evita-los. Uma droga dita específica não necessariamente significa
ter efeitos colaterais menos importante. Por exemplo: a droga amiodarona inibe
canais de K+, Na+ e Ca2+ no músculo cardíaco e bloqueia receptores β-
adrenérgicos, portanto, não apresenta especificidade nenhuma, mas seus
efeitos contribuem para ação antiarrítmico.
Além disso, as drogas menos potentes têm maior probabilidade de possuírem
efeitos colaterais, uma vez que para terem ação precisam ser administradas em
doses maiores. Consequentemente, a especificidade é perdida e os efeitos
colaterais são maiores. É valido notar que, dependendo da estereoisomeria, uma
substância pode possuir propriedades diferentes. Conclui-se, portanto, que
nenhuma droga está livre de efeitos colaterais.
Diversos fatores podem influenciar o efeito de uma droga, como
especificidade da droga pelos receptores, expressão dos receptores nos
diferentes tecidos, acesso ao receptor e concentração no sítio de ação,
farmacogenética e interações medicamentosas.

➢ Dessensibilização e tolerância
A dessensibilização ou taquifilaxia é quando a diminuição do efeito do
fármaco ocorre rapidamente. Enquanto que na tolerância, a diminuição do efeito
do fármaco ocorre mais gradual (dias ou semanas).
Os mecanismos são diversos, como: alterações nos receptores, translocação
de receptores, depleção de mediadores, aumento da metabolização do fármaco,
adaptação fisiológica e extrusão ativa do fármaco das células.

➢ Relação estrutura-atividade
É importante realizar uma avalição de como o fármaco ou o ligante endógeno
interage com o seu receptor. Com a identificação do ligante endógeno, é possível
criar modificações que podem levar a alterações cinéticas e dinâmicas mais
favoráveis.
➢ Aspectos quantitativos da relação droga-efeito
A relação droga-efeito obedece a lei de ação das massas, isto é, a resposta
será gerada por um receptor ocupado por um fármaco. Portanto, a interação
entre o fármaco e seus receptores caracteriza-se por: (1) ligação do fármaco ao
receptor e (2) geração da resposta em um sistema biológico, conforme ilustrado
na equação a seguir, onde o fármaco ou o ligante é representado pela letra L e
o receptor inativo pela letra R:

Nessa equação, a primeira reação depende de uma constante de


associação (K+1); ou no sentido inverso, uma constante de dissociação (K–1).
No sentido direto, haverá a formação reversível do complexo ligante-receptor LR,
que é determinada pela propriedade química de afinidade. Se LR (droga) for um
agonista, haverá ainda a ativação do receptor (LR*), que depende de uma
constante de ativação (K+2) e uma constante de desativação (K-2).
Utilizando a lei de ação das massas é possível calcular a constante de
dissociação em equilíbrio (KD), que é descrita pela razão entre as constantes de
dissociação e associação (K-1/K+1). Portanto, em equilíbrio:

Assim, quanto maior for o KD, menor será a afinidade da droga pelo receptor.
Para calcular as constantes de associação e dissociação é necessário fazer
um experimento em que se avalie o efeito da concentração de uma determinada
droga versus a ligação ao receptor, como no gráfico A. Nesse caso, a diferença
entre a ligação total e a ligação não específica representa a ligação específica.
A ligação específica corresponde a uma hipérbole retangular, como no gráfico B.
Portanto, quanto maior a concentração de um fármaco, maior é a sua ligação ao
receptor até um Bmáx, que é a capacidade de ligação da droga ao receptor. Além
disso, a Bmáx reflete a densidade de receptores no tecido, levando-se em conta
ligação de um agonista total. É possível transformar a escala de concentração
(gráfico B) em uma escala logarítmica, representada por uma curva sigmoide
(gráfico C). Dessa forma, pode-se calcular a metade da capacidade de ligação
(KD) que revela a afinidade da droga para esse receptor. A utilidade desses
dados é avaliar receptores de reserva, super sensibilidade ou ausência de
receptores, dessensibilização e tolerância.
➢ Quantificação do agonismo
A moeda corrente básica da farmacologia do receptor é a curva de dose-
resposta (ou concentração-resposta), que representa o efeito observado de
um fármaco em função da sua concentração no compartimento receptor. Em
sistemas “in vitro” utiliza-se o termo concentração (M ou mol/L), já quando é
aplicado em sistema “in vivo” o termo correto é dose (mg/kg).
Dessa maneira, ao invés de avaliar a ligação da droga ao receptor, é avaliado
o efeito da droga. O gráfico abaixo ilustra uma curva de dose-resposta típica,
que atinge um valor máximo quando o fármaco ocupa todos os sítios receptores.
A concentração do fármaco que produz 50% da resposta máxima quantifica sua
atividade e é descrita como EC50 (concentração eficaz para produzir 50% de
resposta) ou DE50 (dose efetiva para produzir 50% de resposta).

Importante: é válido ressaltar que essas curvas não podem ser usadas para
medir a afinidade da droga, pois a resposta não é necessariamente
proporcional à ocupação dos receptores.

Além disso, as curvas dose-resposta podem ajudar a calcular o índice


terapêutico, que descreve a seletividade com que o fármaco produz efeitos
desejáveis versus indesejáveis. Isso pode ser determinado através da razão
entre a dose letal (DL50) e dose efetiva (DE50):
As curvas dose-resposta são úteis também para calcular a potência e a
eficácia entre duas drogas. Basicamente, quando dois fármacos produzem
respostas equivalentes, o fármaco cuja curva de dose-resposta (ilustrada no
gráfico da esquerda) está situada à esquerda da outra (isto é, a concentração
que produz a metade do efeito máximo [EC50] é menor) é considerado mais
potente. O gráfico da direita mostra que as drogas podem possuir DE50 e
potência bastante similar, mas com comportamentos diferentes. Nesse caso, a
inclinação (slope) da curva verde representa uma droga mais segura, pois com
o aumento da dose, a resposta (efeito) não se altera abruptamente.

➢ Quantificação do antagonismo
Os padrões característicos de antagonismo estão associados a determinados
mecanismos de bloqueio dos receptores:
• Antagonismo competitivo (reversível): ocorre quando um fármaco com
afinidade por seu receptor, mas sem eficácia intrínseca, compete com o
agonista pelo sítio de ligação primário do receptor. A magnitude do desvio da
curva à direita depende da concentração do antagonista e da sua afinidade
pelo receptor. Note que, nesse caso, o efeito máximo sempre é atingido, pois
se a concentração de agonista for superior ao do antagonista competitivo, o
agonista é capaz de restabelecer sua ocupação (antagonismo reversível).

As características marcantes do antagonismo competitivo são:


1. Deslocamento da curva log da concentração x efeito do agonista para a
direita, sem nenhuma mudança na inclinação ou no efeito máximo.
2. O antagonista estabelece com o receptor ligações do tipo Van Der Walls,
as quais são fracas. Quando ocorre aumento da concentração do
agonista, o antagonista se desliga.
• Antagonismo não-competitivo (irreversível): ocorre quando o antagonista
se liga ao receptor na mesma posição do agonista, mas se dissocia dos
receptores muito lentamente, ou não se dissocia, o que resulta no fato de não
ocorrer alteração na ocupação do antagonista quando o agonista é
adicionado. Note que efeito de um antagonista irreversível é insuperável, e a
ocupação total pelo agonista não pode ser atingida.

As características marcantes do antagonismo não-competitivo são:


1. A constante de dissociação é muito baixa, o que causa um desvio à direita
na curva de dose-resposta, com redução adicional da resposta máxima.
2. O antagonista estabelece com o receptor ligações do covalente, as quais
são mais fortes. Assim, apesar do aumento da concentração do agonista,
o antagonista não se desliga ou se desliga lentamente.

➢ Modelo dos dois estados do receptor


O modelo dos dois estados prevê que o receptor ocupado é capaz de passar
de um estado de “repouso” (R) para um estado ativado (R*), sendo o R* facilitado
pela ligação de uma molécula de um agonista, mas não de uma molécula de um
antagonista. Como já descrito, os receptores podem apresentar uma ativação
constitutiva (isto é, a conformação R* pode ocorrer sem que qualquer ligante se
una aos receptores), assim o fármaco administrado encontra uma mistura com
equilíbrio entre R e R*.
Dessa forma, se o fármaco tiver maior afinidade por R* do que por R, causará
um deslocamento no equilíbrio na direção de R* (ou seja, o fármaco promoverá
a ativação do receptor e será classificado como agonista). Se a preferência do
fármaco por R* for muito grande, quase todos os receptores ocupados adotarão
a conformação R*, e esse fármaco será um agonista pleno (eficácia positiva); se
o fármaco mostrar apenas seletividade moderada por R* (por exemplo, cinco a
dez vezes), uma proporção menor dos receptores ocupados irá adotar a
conformação R*, e este será um agonista parcial; se ele não mostrar nenhuma
preferência, o equilíbrio R:R* vigente não será perturbado, e esse fármaco será
um antagonista competitivo (eficácia zero), ao passo que, se preferir R,
deslocará o equilíbrio em direção a R e será um agonista neutro (eficácia
negativa). Em consequência, pode-se considerar a eficácia como uma
propriedade determinada pela afinidade relativa de um ligante por R e R*, uma
explicação conhecida como hipótese dos dois estados. O agonista inverso tem
maior afinidade por R do que por R*, deslocando o equilíbrio para a esquerda.

Resumindo: se o fármaco tiver:


✓ Afinidade por R*: agonista:
✓ Maior afinidade por R*: agonista pleno (eficácia positiva).
✓ Seletividade por R*: agonista parcial.
✓ Sem preferência: antagonista competitivo (eficácia zero).
✓ Afinidade por R: agonista neuro (eficácia negativa).
✓ Maior afinidade por R: agonista inverso.

➢ Agonismo tendencioso
As diferentes conformações que os receptores são capazes de adotar podem
ser preferencialmente estabilizadas por diferentes ligantes, produzindo
diferentes efeitos funcionais pela ativação de diferentes vias de transdução de
sinal. Seria possível esperar que todos os agonistas que ativam o mesmo tipo de
receptores evocassem a mesma sequência de respostas. No entanto, está claro
que diferentes agonistas podem exibir tendência para gerar uma resposta em
vez de outra, ainda que estejam atuando no mesmo receptor, provavelmente
porque estabilizam diferentes estados conformacionais do receptor.

Na imagem A, o receptor R está acoplado a duas respostas intracelulares


(resposta 1 e resposta 2). Quando os diferentes agonistas, indicados em
vermelho e verde, ativam o receptor, desencadeiam as duas respostas de
maneira similar. Isso é o que podemos considerar agonismo convencional. Na
imagem B, está ilustrado o agonismo tendencioso, no qual dois agonistas se
ligam ao mesmo local do receptor, mas o agonista vermelho é melhor em
desencadear a resposta 1, enquanto o agonista verde é melhor em desencadear
a resposta 2.

➢ Modulação alostérica
Além do local de ligação do agonista (chamado de ligação ortostérico), no
qual os antagonistas competitivos também se ligam, as proteínas dos receptores
possuem muitos outros locais de ligação (ditos alostéricos). Dessa forma, os
moduladores alostéricos se ligam a locais no receptor diferentes do local de
ligação do agonista e conseguem modificar a atividade do agonista.
Os modulares alostéricos podem influenciar a função do receptor de várias
maneiras: (1) alteração da afinidade do agonista, (2) alteração da eficácia do
agonista ou (3) desencadeando eles mesmos, diretamente, a resposta.
➢ Outras formas de antagonismo
Outros mecanismos também podem ser responsáveis por interações
inibitórias entre os fármacos. Os mais importantes são:
• Antagonismo químico: quando duas substâncias se combinam em solução
e o efeito do fármaco ativo é perdido. Como quelantes, por exemplo
dimercaprol, que quelam íons Ca2+; ou quando anticorpos, como infliximabe,
bloqueiam determinadas citocinas (ação anti-inflamatória).
• Antagonismo farmacocinético: quando um fármaco reduz a concentração
de outro por aumento de metabolização.
• Bloqueio da relação receptor-resposta: quando um fármaco, ao invés de
bloquear o receptor, bloqueia a resposta adiante do receptor.
• Antagonismo fisiológico: quando dois fármacos possuem efeitos
fisiológicos opostos e um bloqueia o efeito do outro.

➢ Receptores das moléculas reguladores


Como visto anteriormente, as drogas exercem suas funções através da sua
interação com um receptor. A função de um receptor, portanto, é captar o ligando
e transmitir o sinal para dentro da célula. Dessa forma, todos os receptores
possuem um domínio de ligação do ligando e um domínio efetor.
As ações reguladoras de um receptor podem ser produzidas diretamente em
seu alvo célula ou podem ser propagadas por moléculas de sinalização celular
intermediária conhecidas como transdutores. O receptor, seu alvo celular e
quaisquer moléculas intermediárias envolvidas são conhecidos como sistema
receptor-efetor, ou via de transdução dos sinais. Em muitos casos, a proteína
efetora celular proximal não é o alvo fisiológico final, mas sim uma enzima, um
canal iônico ou uma proteína de transporte que produz, transfere ou decompõe
uma molécula pequena ou um íon conhecido como segundo mensageiro. É
importante ressaltar, ainda, que a difusão e as ações intracelulares desses
segundos mensageiros são limitadas pela sua compartimentalização, isto é, há
uma localização seletiva dos complexos transdutor-efetor-interrupção do sinal.
O sistema receptor-efetor é um sistema com características peculiares:
• Integração: os receptores e suas proteínas efetoras e transdutoras
associadas também atuam como integradores de informação, na medida em
que coordenam os sinais provenientes de vários ligandos entre si e com a
atividade diferenciada da célula alvo.
• Amplificação: a via de transdução de sinais geralmente contém enzimas e
conjuntos enzimáticos que amplificam cataliticamente o sinal pretendido.
Assim, uma única molécula produz uma resposta muito grande.

➢ Famílias estruturais e funcionais dos receptores fisiológicos


Os receptores das moléculas fisiológicas reguladoras podem ser
classificados em famílias funcionais, cujos representantes compartilham
estruturas moleculares semelhantes e mecanismos bioquímicos comuns.
Existem quatro famílias principais de receptores:
• Canais iônicos: são também conhecidos como receptores ionotrópicos,
possuem, em geral, quatro ou cinco subunidades transmembranas e tanto a
parte N-terminal (domínio de ligação) e C-terminal estão no meio extracelular.
• Receptores acoplados às proteínas G (GPCR): são também conhecidos
como receptores metabotrópicos, possuem, em geral, sete subunidades
transmembrana, sendo que a parte N-terminal é extracelular e a C-terminal é
intracelular. A terceira alça citoplasmática é o local de ligação da proteína G.
• Receptores ligados a quinases: englobam os receptores enzimáticos, os
quais apresentam um domínio extracelular (N-terminal) conectado a um
domínio intracelular (C-terminal) por uma α-hélice única transmembrana.
• Receptores nucleares: são receptores que regulam a transcrição gênica, os
quais possuem um domínio de ligação do ligante e um domínio de ligação ao
DNA (dedos de zinco).

➢ Receptores acoplados às proteínas G (GPCR)


A proteína G é uma proteína heterotrimérica (ou seja, possui três
subunidades: α, β e γ), sendo que a subunidade α apresenta atividade GTPásica.
Assim, o acoplamento da subunidade α a um receptor ocupado por um agonista
promove a troca do GDP ligado pelo GTP intracelular. A subunidade Gα ativada
ligada ao GTP e o dímero βγ liberado ligam-se e regulam os efetores. O sistema
volta ao estado basal com a hidrólise do GTP da subunidade α e esta reação é
acentuadamente potencializada pelas proteínas RGS (reguladores da
sinalização da proteína G).
Portanto, tanto o completo Gα quanto o completo βγ poderão modular os
seus efetores.
• Complexo Gα: as subunidades α formam quatro famílias (GS, Gi GG e G12/13),
que são responsáveis pelo acoplamento dos GPCRs aos efetores
relativamente diferentes. A subunidade α da GS sempre ativa a adenilato
ciclase; a subunidade α da Gi pode inibir a adenilato ciclase; a subunidade α
da GG ativa todas a fosfolipase C; e as subunidades α da G12/13 ligam-se aos
fatores de permuta guanina (GEFs).
• Complexo βγ: ativam canais de K+, inibem canais de Ca2+ controlados por
voltagem e ativam quinases PI-3 (PI3K).
Após a ativação do receptor acoplado à proteína G, a enzima adenilato
ciclase (AC) pode ser estimulada pela subunidade α da GS ou inibida pela a
subunidade α da Gi. Caso ocorra sua estimulação, essa enzima sintetiza um
segundo mensageiro: o AMPc, que é formado a partir de um ATP. A O AMPc
ativa, entre outras enzimas, a proteína quinase A (PKA). A PKA, por sua vez,
pode fosforilar uma variedade de alvos fisiológicos, como ativar a lipase
(aumentando a lipólise); inativar a glicogênio sintase (reduzindo a síntese de
glicogênio); e ativar a fosforilase quinase (que, em última análise, irá aumentar
a quebra de glicogênio). A ação do AMPc pode ser inibido pela ativação da
enzima fosfodiesterease (PDE), que transforma o AMPc em 5’AMP.

Além disso, a subunidade α da GG é capaz de ativar a fosfolipase C, a qual


é responsável pela síntese de outros dois segundos mensageiros, o inositol
trifosfato (IP3) e o diacilglicerol (DAG). Inicialmente, a ativação da fosfolipase
C mediada por receptor resulta na clivagem do fosfatidilinositol bisfosfato (PIP2),
um fosfolideo de membrana, formando, assim:
• DAG: que ativa a proteína quinase C (PCK).
• IP3: que aumenta a liberação de Ca2+ do retículo endoplasmático para o meio
intracelular.
Um outro grupo de segundo mensageiro é o GMPc. Nesse caso, também
ocorre ativação da fosfolipase C, pela subunidade α da GG, liberando IP3 e DAG.
O IP3, como visto anteriormente, libera Ca2+ no meio intracelular. No entanto,
esse aumento da concentração de cálcio intracelular em um célula endotelia, por
exemplo, pode ativar uma enzima chamada óxido nítrico sintetase endolial
(eNOS), o qual transforma o aminoácio arginina em NO e citrulina. O NO é um
gás que se difunde para o músculo liso vascular, onde ativa a guanilato ciclase.
A guanilato ciclase transforma o GTP em GMPc, cujo efeito é o relaxamento
vascular.
➢ Dessensibilização do GPCR
Como estudado anteriormente, dessensibilização (ou taquifilaxia) é quando
a diminuição do efeito do fármaco ocorre rapidamente. A dessensibilização é
característica da maior parte dos receptores acoplados às proteínas G (GPCRs).
Dessa forma, essa dessensibilização ocorrerá principalmente quando houver
grandes quantidades de agonistas para o determinado receptor.
Na ativação prolongada do agonista do GPCR, determinados receptores de
quinases acoplados à proteína G (GRKs) são recrutados para a membrana
plasmática e fosforilam o receptor. A essa altura, a arrestina (ARR) liga e desloca
o GPCR para vesículas revestidas de clatrina para uma subsequente
internalização nos endossomas, num processo dependente de dinamina (Dyn).
O GPCR, então, é desfosforilado por uma fosfatase (PP2A) ou é reenviado para
a membrana plasmática, ou ainda é degradado pelos lisossomas.

Observação: há dois processos principais envolvidos na dessensibilização:


✓ Fosforilação do receptor (PKA, PKC e GRKs).
✓ Internalização do receptor (endocitose).

➢ Canais iônicos
Os fluxos iônicos passivos gerados pelos gradientes eletroquímicos das
células são regulados por uma família numerosa de canais iônicos localizados
na membrana. A família de canais iônicos diferentes pode ser dividida em
subfamílias com base nos mecanismos que abrem os canais, sua arquitetura e
os íons que eles conduzem. Assim, existem três principais tipos de canais
iônicos:
• Canais controlados por voltagem: canais de Na+, K+, Ca2+ e Cl-. Na
imagem abaixo é possível visualizar um canal de Na + ativado por voltagem
com o poro nos estados aberto e fechado.

• Canais controlados por ligantes (ionotrópicos): canais de acetilcolina


(Ach), glutamato, glicina e ácido γ-aminobutírico (GABA). A ativação desses
canais é responsável pela maioria da transmissão sináptica pelos neurônios
do SNC e do sistema nervoso periférico. A imagem abaixo representa um
receptor nicotínico de acetilcolina controlado por ligando expresso na junção
neuromuscular do músculo esquelético.

• Canais controlados por temperatura: também chamados de canais


receptores de potencial transitório (TRP), desempenham várias funções em
fenômenos sensoriais, inclusive dor, sensibilidade térmica, osmolaridade,
sensibilidade tátil, olfato, visão e audição.

Observação: as funções dos canais iônicos podem ser alteradas por:


• Ligante ortostérico ou alostérico.
• Através de uma ação indireta que envolve a proteína G.
• Através de alteração no nível de expressão dos canais (gabapentina).
Muitos fármacos e mediadores fisiológicos exercem seus efeitos através da
alteração do comportamento dos canais iônicos. Dessa forma, algumas drogas
podem: bloquear o canal (tanto interno quanto externamente); gerar alteração
das quinases pela modulação dos receptores acoplados às proteínas G; e
podem bloquear a inativação desses canais, mantendo o canal aberto.

➢ Receptores ligados à quinases


Esses receptores de membrana são bastante diferentes dos canais
controlados por ligantes e dos GPCRs, tanto em estrutura como em função. Eles
medeiam as ações de uma ampla variedade de proteínas mediadoras, incluindo
fatores de crescimento e citocinas, e hormônios como a insulina e a leptina, cujos
efeitos são exercidos principalmente em nível de transcrição gênica.
Os principais tipos são:
• Receptores tirosina quinase (RTK): esses receptores possuem cadeias
polipeptídicas simples, com grandes domínios extracelulares ricos em
cisteína, e uma região intracelular com uma ou duas enzimas tirosina-
quinase. O receptor de insulina e de vários fatores de crescimento pertence
à classe dos RTKs. Observe na imagem abaixo que a primeira etapa que
ocorre após a ligação do agonista é a dimerização, que leva à
autofosforilação do domínio intracelular de cada receptor. Então, proteínas
com domínio SH2 (como Ras, PI3-K, Akt) ligam-se ao receptor fosforilado, e
são, elas próprias, também fosforiladas. Consequentemente, será ativado
uma cascata de quinases, que agirão especialmente na transcrição gênica.

Importante: comparando os receptores RTK com os canais iônicos e com os


receptores acoplados às proteínas G é possível notar que uma resposta via
RTK é mais lenta, uma vez que há a necessidade de síntese proteica.
• Receptores serina/treonina quinase: é similar aos RTKs em estrutura,
porém fosforila resíduos de serina e/ou treonina em vez de tirosina.
• Receptores de citocinas que recrutam tirosina quinase: esses receptores
carecem de atividade enzimática intrínseca. Quando ocupados, ativam várias
tirosina quinases, tal como as Jak (Janusquinase).

➢ Receptores nucleares (NR)


Os receptores nucleares estão localizados, em geral, no citoplasma da célula
ou diretamente no núcleo. Portanto, devido aos receptores não se situarem na
membrana celular apenas as drogas lipossolúveis são capazes de agirem
nesses receptores.
Ao contrário de outros receptores descritos, os receptores nucleares podem
interagir diretamente com o DNA, através de duas alças ricas em dedos de
zinco, que são alças ricas em cisteína em sua cadeia de aminoácidos e que são
mantidas em uma conformação específica por íons zinco. A função principal
dessa porção da molécula é reconhecer e se ligar ao DNA da célula.
O receptor hormonal nuclear (OR), ilustrado na imagem a seguir, quando está
em seu estado inativo e ligado a um correpressor, não é capaz de se ligar ao
DNA. No entanto, quando uma droga ou um agonista (triângulo amarelo) e um
coativador ligam-se ao complexo, há uma alteração de conformação e os dedos
de zinco são capazes de se ligarem a região promotora de um determinado gene
e a transcrição dos genes pode ser modulada tanto positivamente quanto
negativamente.
FARMACOCINÉTICA
➢ Conceito de farmacocinética
A farmacocinética é a relação entre a administração de
um fármaco, a evolução temporal de sua distribuição e a
magnitude da concentração obtida em diferentes regiões do
corpo. Em outras palavras, a farmacocinética é a área da
farmacologia responsável pelo estudo do caminho
percorrido pelo medicamento no corpo, indo desde
administração, absorção, distribuição, biotransformação
(metabolismo) até a excreção.
• Absorção: processo pelo qual o agente terapêutico é
transportado para o plasma sanguíneo (pode ser direta
ou indiretamente).
• Distribuição: processo através do qual o fármaco deixa
a corrente sanguínea, passando para os tecidos (seja
no interstício ou no interior das células).
• Biotransformação: processo de metabolização do
fármaco, podendo ocorrer no fígado ou nos tecidos.
• Excreção: processo de eliminação do fármaco e seus
metabólitos. Geralmente ocorre através da urina, das
fezes ou da bile.

Dica:
✓ FarmacoCinética é a ação do Corpo sobre a droga.
✓ FarmacoDinâmica é a ação da Droga sobre o corpo.

➢ Absorção
Absorção é a transferência de um fármaco do seu local de administração para
a corrente sanguínea. A velocidade e a eficiência da absorção dependem do
ambiente onde o fármaco é absorvido, das suas características químicas e da
via de administração (o que influencia sua biodisponibilidade). Excetuando a via
intravenosa, as demais podem resultar em absorção parcial e menor
biodisponibilidade. Dessa forma, as barreiras podem ser externas, como a pele
(epitélio pavimentoso estratificado); ou internas, como as mucosas, as quais
possuem especializações de membrana (zona de oclusão, desmossomos), que
impedem a livre passagem das moléculas do fármaco por entre as células.
Portanto, dependendo das propriedades químicas, os fármacos podem ser
absorvidos do trato gastrointestinal por quatro mecanismos:
1. Difusão passiva.
2. Difusão facilitada.
3. Transporte ativo
4. Endocitose.
➢ Difusão passiva
A força motora da absorção passiva de um fármaco é o
gradiente de concentração através da membrana que separa
dois compartimentos corporais. Em outros termos, o fármaco se
move da região de concentração alta para a de concentração
baixa. A difusão passiva não envolve transportador, não é
saturável e apresenta baixa especificidade estrutural. A maioria
dos fármacos é absorvida por esse mecanismo. Os fármacos
hidrossolúveis atravessam as membranas celulares através de
canais ou poros aquosos, e os lipossolúveis movem-se
facilmente através da maioria das membranas biológicas,
devido à sua solubilidade na bicamada lipídica.
O número de moléculas apolares que atravessam a
membrana plasmática por unidade de área na unidade de
tempo é determinado pelo coeficiente de permeabilidade (P), e pela diferença
de concentração nos dois lados. Existem alguns fatores físico-químicos que
influenciam o coeficiente de permeabilidade, como: a solubilidade na membrana
(coeficiente de partição da substância na fase da membrana plasmática e no
meio aquoso) e a difusibilidade (medida de mobilidade na bicamada lipídica).

Os gráficos acima mostram a importância da lipossolubilidade na permeação


de membranas. Note que um fármaco lipossolúvel (A) está sujeito a um gradiente
de concentração transmembrana (ΔCm) muito maior que um fármaco que não é
lipossolúvel (B). Consequentemente, ele se difunde mais rapidamente, apesar
de o gradiente de concentração aquoso (C1 – C2) ser o mesmo nos dois casos.
Outros fatores que influenciam na absorção de fármacos são o pH e o grau
de ionização. A maioria dos fármacos é ácido fraco ou base fraca. Fármacos
ácidos (HA) liberam um próton (H+), causando a formação de um ânion (A–):

𝑯𝑨 ⇋ 𝑯+ + 𝑨−

As bases fracas (BH+) também podem liberar um H+. Contudo, a forma


protonada dos fármacos básicos, em geral, é carregada, e a perda do próton
produz a base (B) não ionizada:

𝑩𝑯+ ⇋ 𝑩 + 𝑯+
Um fármaco atravessa a membrana mais facilmente se estiver não ionizado.
Assim, para os ácidos fracos, a forma HA não ionizada consegue permear
através das membranas, mas o A- não consegue. Para a base fraca, a forma não
ionizada, B, consegue penetrar através das membranas celulares, mas a BH+
protonada não consegue. Portanto, quanto maior o grau de ionização da
substância, menor será a taxa de absorção.

Por isso, a concentração efetiva da forma permeável de cada fármaco no seu


local de absorção é determinada pelas concentrações relativas entre as formas
ionizada e não ionizada. A relação entre as duas formas é, por sua vez,
determinada pelo pH no local de absorção e pela força do ácido ou base fracos,
que é representada pela constante de ionização, o pKa:
𝑯𝑨
𝒑𝑲𝒂 = 𝒑𝑯 + 𝒍𝒐𝒈 ( − )
𝑨
(Equação de Henderson-Hasselbalch)

Observação: o pKa é uma medida da força da interação de um composto com


um próton. Quanto menor o pKa de um fármaco, mais ácido ele é. Ao
contrário, quanto maior o pKa, mais básico ele é.

Resumindo: a distribuição de um fármaco entre sua forma ionizada e não


ionizada depende do pH do ambiente e do pKa do fármaco. Portanto, um
fármaco ácido terá absorção melhor em meio ácido, uma vez que, nesta
situação, há predomínio da sua forma não ionizada (HA) que é absorvida mais
facilmente. Já um fármaco básico, a absorção será melhor em meio básico, já
que haverá deslocamento da equação em direção à forma não ionizada (B),
que atravessa a membrana mais facilmente.
➢ Partição pelo pH e aprisionamento iônico
A ionização afeta não apenas a velocidade com a qual os fármacos
atravessam as membranas, mas também a distribuição de equilíbrio das
moléculas dos fármacos entre compartimentos aquosos, se houver diferença de
pH entre eles. A figura abaixo mostra como um ácido fraco (por exemplo,
aspirina, pKa de 3,5) e uma base fraca (por exemplo, petidina, pKa de 8,6)
estariam distribuídos, no equilíbrio, entre três compartimentos do organismo,
quais sejam: plasma (pH de 7,4), urina alcalina (pH de 8) e suco gástrico (pH de
3). Em cada compartimento, a razão entre as formas ionizada e não ionizada de
um fármaco é determinada pelo seu pKa e o pH do compartimento. Presume-se
que a forma não ionizada possa atravessar a membrana e consequentemente
alcançar concentrações iguais em cada compartimento, e que a forma ionizada
não consegue atravessá-la. O resultado é que, no equilíbrio, a concentração total
(ionizada + não ionizada) do fármaco será diferente em cada compartimento,
com um fármaco ácido sendo concentrado no compartimento com um pH alto
(“aprisionamento iônico”) e vice-versa.

Resumindo: aprisionamento iônico é um fenômeno que acontece quando o


fármaco se encontra na sua forma iônica dentro de determinados
compartimentos e, nesta forma, fica impedido de sofrer absorção. Portanto:
✓ Droga ácida se acumula em regiões de pH básico.
✓ Droga básica se acumula em regiões de pH ácido.
A partição pelo pH tem várias consequências importantes:
• A acidificação da urina acelera a eliminação de bases fracas e retarda a de
ácidos fracos. Por outro lado, a alcalinização da urina tem o efeito oposto:
reduz a eliminação de bases fracas e aumenta a de ácidos fracos.
• O aumento do pH do plasma (por exemplo, pela administração de
bicarbonato de sódio) faz com que ácidos fracos sejam extraídos do SNC
para o plasma. O oposto também é verdadeiro.

➢ Difusão facilitada
Outros fármacos podem entrar na célula por
meio de proteínas transportadoras transmembrana
que facilitam a passagem de moléculas grandes,
como cátions orgânicos. Essas proteínas
transportadoras sofrem alterações conformacionais,
permitindo a passagem de fármacos ou moléculas
endógenas para o interior da célula, movendo-os de
áreas de alta concentração para áreas de baixa concentração. Esse processo é
denominado difusão facilitada. Ele não requer energia, pode ser saturado e pode
ser inibido por compostos que competem pelo transportador. Na difusão
facilitada, o transporte de cátions orgânicos é do tipo uniporte.

➢ Transporte ativo
Esta forma de entrada de fármacos também
envolve transportadores proteicos específicos,
como ânions orgânicos que atravessam a
membrana. O transporte ativo dependente de
energia é movido pela hidrólise de ATP e estão
acoplados ao gradiente eletroquímico de Na+ ou
outros íons. Ele é capaz de mover fármacos contra
um gradiente de concentração, ou seja, de uma região com baixa concentração
de fármaco para outra com concentração mais elevada. Esse processo é
saturável. Os sistemas de transporte ativo são seletivos e podem ser inibidos
competitivamente por outras substâncias cotransportadas. Nesse caso, pode
haver transporte de uma molécula em troca de outra (antiporte) ou o transporte
de duas moléculas juntas na mesma direção (simporte).

➢ Endocitose e exocitose
Estes tipos de absorção são usados para
transportar fármacos excepcionalmente grandes
através da membrana celular. A endocitose envolve
o engolfamento de moléculas do fármaco pela
membrana e seu transporte para o interior da célula
pela compressão da vesícula cheia de fármaco. A
exocitose é o inverso da endocitose. Muitas células
usam a exocitose para secretar substâncias para
fora por um processo similar ao da formação de vesículas.
➢ Fatores que influenciam a absorção
• Características químicas do fármaco (pKa).
• Solubilidade do fármaco.
• Formulação farmacêutica e via de administração.
• Superfície de absorção e fluxo de sangue local.
• Área disponível para absorção.
• Tempo de contato com a superfície de absorção.
• Degradação/inativação (enzimática, pH).
• Metabolismo da primeira passagem.

➢ Biodisponibilidade
A biodisponibilidade representa a taxa e a extensão com que um fármaco
administrado alcança a circulação sistêmica. Por exemplo, se 100 mg de um
fármaco são administrados por via oral, e 70 mg desse fármaco são absorvidos
inalteradamente, a sua biodisponibilidade é de 0,7, ou 70%. Dessa forma, a
concentração plasmática do fármaco varia com o tempo e depende da dose
administrada e da via de administração.
A administração intravenosa confere 100% de biodisponibilidade. No entanto,
outros modos de administração de fármacos, como intramuscular, subcutânea e
oral, conferem biodisponibilidades diferentes, pois enfrentam diversas barreiras
durante a absorção.
A biodisponibilidade é calculada pela concentração máxima (Cmax) alcançada
pelo fármaco em um determinado tempo (Tmax):

𝑩𝒊𝒐𝒅𝒊𝒔𝒑𝒐𝒏𝒊𝒃𝒊𝒍𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 = 𝑪𝒎𝒂𝒙 𝒙 𝑻𝒎𝒂𝒙

➢ Principais vias de administração de fármacos


A via de administração é determinada primariamente pelas propriedades do
fármaco (por exemplo, hidro ou lipossolubilidade, ionização) e pelos objetivos
terapêuticos (por exemplo, necessidade de um início rápido de ação,
necessidade de tratamento por longo tempo, ou restrição de acesso a um local
específico). As vias principais de administração de fármacos incluem: oral,
sublingual, retal, intravenosa, intramuscular e subcutânea.
➢ Via oral
A administração oral oferece várias vantagens: os
fármacos orais são facilmente autoadministrados; evita-se
a ocorrência de níveis sanguíneos elevados (picos
plasmáticos) repentinos; e possibilidade do uso de lavagem
gástrica, em caso de intoxicação. Porém, existem algumas
desvantagens: necessidade da cooperação do paciente; e
o baixo pH do estômago inativa alguns fármacos. Além
disso, existe uma passagem de tempo entre a
administração do fármaco e uma latência para o efeito.
Quando um fármaco é absorvido a partir do trato
gastrointestinal, primeiro ele entra na circulação portal
antes de entrar na circulação sistêmica. Se o fármaco é
rapidamente biotransformado no fígado ou na parede
intestinal durante essa passagem inicial, a quantidade de
fármaco inalterado que tem acesso à circulação sistêmica
diminui. Isso é denominado biotransformação (ou
metabolismo) de primeira passagem.
Fármacos com intensa biotransformação de primeira
passagem devem ser administrados em dosagem suficiente
para assegurar a quantidade necessária de fármaco ativo
no local de ação desejado. Como há variações individuais
acentuadas na extensão deste metabolismo de primeira
passagem para o mesmo fármaco, é difícil prever sua
concentração sanguínea quando administrado por via oral.
Além disso, existem alguns fatores importantes na
absorção oral: propriedades físico-químicas, tamanho das
partículas e formulações, fluxo sanguíneo, motilidade do
trato gastrointestinal e esvaziamento gástrico.

Observação: o conteúdo intestinal (alimentado ou jejum) altera a absorção no


trato gastrointestinal:
✓ Estase gastrointestinal ou aumento excessivo de motilidade (como
diarreria) reduz a absorção.
✓ Presença de alimento aumenta o fluxo sanguíneo local, aumentando
a absorção.
✓ Hipovolemia ou insuficiência cardíaca reduzem o fluxo sanguíneo,
reduzindo a absorção.

➢ Via sublingual
A colocação do fármaco sob a língua permite que ele se difunda na rede
capilar e, assim, entre diretamente na circulação sistêmica. A administração
sublingual tem várias vantagens, incluindo facilidade de administração; absorção
rápida (latência curta); capacidade de evitar a biotransformação de primeira
passagem, pois a drenagem da boca dirige-se para a veia cava superior,
desviando da circulação portal; e maior biodisponibilidade comparada à via oral.
No entanto, existem algumas desvantagens, como: irritação da mucosa;
possibilidade de engolir a droga, podendo perder o efeito do fármaco; e sabor
desagradável.

➢ Via retal
Como 50% da drenagem da região retal não passa pela circulação portal, a
biotransformação dos fármacos pelo fígado é minimizada com o uso desta via.
A via retal permite a administração de drogas líquidas (enema) ou drogas em
forma de supositórios. As vantagens da via retal são: evitar a destruição do
fármaco no ambiente gastrointestinal; evita náusea e/ou vômito; degradação
enzimática baixa; e pode ser usada em pacientes inconscientes ou não
cooperativos. Por outro lado, essa via possui baixa aceitação e adesão;
metabolização pré-sistêmica parcial (presença de CYP3A4 nos segmentos
proximais do intestino); e a duração do efeito é imprevisível, devido a interação
do conteúdo retal e latência para defecação.

Observação: em termos de biodisponibilidade:


administração sublingual > administração retal > administração oral

➢ Via intravenosa (IV)


A injeção IV é a via parenteral mais comum. Ela é útil para fármacos que
não são absorvidos por via oral. A via IV permite um efeito rápido e um grau de
controle máximo sobre a quantidade de fármaco administrada. Quando injetada,
toda a dose de fármaco é administrada na circulação sistêmica quase
imediatamente. A administração IV é vantajosa para fármacos que podem
causar irritação quando administrados por outras vias, porque o fármaco se dilui
no sangue rapidamente. Porém, diferentemente dos fármacos administrados por
via oral, os que são injetados não podem ser retirados por meio de estratégias
como a ligação a carvão ativado. A administração IV pode inadvertidamente
causar infecção por meio de contaminação no local da injeção. Ela também pode
precipitar constituintes do sangue, causar hemólise ou outras reações adversas
se for introduzida muito rapidamente ou se alcançar concentrações elevadas.

➢ Via intramuscular (IM)


Fármacos administrados por via IM podem estar em soluções aquosas, que
são absorvidas rapidamente, ou em preparações especializadas de depósito,
que são absorvidas lentamente. À medida que o veículo se difunde para fora do
músculo, o fármaco precipita-se no local da injeção. O fármaco então se dissolve
lentamente, fornecendo uma concentração sustentada durante um período de
tempo prolongado.

➢ Via subcutânea (SC)


Esta via de administração, como a IM, oferece absorção por difusão simples
e é mais lenta do que a via IV. A injeção SC minimiza os riscos de hemólise ou
trombose associados à injeção IV e pode proporcionar efeitos lentos, constantes
e prolongados. Esta via não deve ser usada com fármacos que causam irritação
tissular, porque pode ocorrer dor intensa e necrose.
➢ Distribuição de fármacos
Distribuição de fármacos é o processo pelo qual um
fármaco reversivelmente abandona o leito vascular e entra
no interstício (líquido extracelular) e, então, nas células dos
tecidos. A passagem do fármaco do plasma ao interstício
depende do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo regional,
da permeabilidade capilar, do volume do tecido, do grau de
ligação do fármaco às proteínas plasmáticas e tissulares e
da lipofilicidade relativa do fármaco.

➢ Permeabilidade capilar
A permeabilidade capilar é determinada pela estrutura
capilar e pela natureza química do fármaco. A estrutura
capilar varia em termos de fração exposta da membrana
basal com junções com frestas entre as células endoteliais:
• No fígado e no baço, uma fração significativa da
membrana basal é exposta em razão de os capilares
serem descontínuos e grandes, através dos quais podem
passar grandes proteínas plasmáticas.
• No cérebro, a estrutura capilar é contínua, e não existem
frestas. Para entrar no cérebro, o fármaco precisa passar
através das células endoteliais dos capilares do SNC ou
ser transportado ativamente. Já fármacos lipossolúveis
entram facilmente no SNC, pois se dissolvem na
membrana das células endoteliais. Fármacos ionizados
ou polares em geral fracassam tentando entrar no SNC,
pois não conseguem passar através das células
endoteliais, as quais não apresentam junção com
frestas. Essas células intimamente justapostas formam
junções estreitadas que constituem a barreira
hematoencefálica.

➢ Ligação de fármacos a proteínas plasmáticas


Alguns fármacos circulam na corrente sanguínea ligados
às proteínas plasmáticas. A ligação reversível às proteínas
plasmáticas fixa os fármacos de forma não difusível e
retarda sua transferência para fora do compartimento
vascular. A albumina é a principal proteína ligadora e pode
atuar como uma reserva de fármaco (à medida que a
concentração do fármaco livre diminui, devido à eliminação,
o fármaco ligado se dissocia da proteína). Isso mantém a concentração de
fármaco livre como uma fração constante do fármaco total no plasma.
Existem algumas condições que afetam a forma livre do fármaco no plasma,
como: interações com outras drogas (competição pelo mesmo sítio de ligação
na albumina), gravidez, fatores fisiológicos (como a idade) ou patológicos (como
doenças renais e hepáticas) e queimaduras.
➢ Distribuição dos fármacos no organismo
Os principais compartimentos líquidos do organismo são plasma, líquido
intersticial, gordura, líquido intracelular e transcelular. Dentro de cada um desses
compartimentos aquosos, as moléculas de fármacos estão presentes tanto livres
em solução quanto na forma ligada, mas apenas a fração livre é capaz de
movimentar-se entre os compartimentos. O padrão do equilíbrio de distribuição
entre os diversos compartimentos depende, portanto, da:
• Permeabilidade através das barreiras teciduais.
• Ligação dentro dos compartimentos.
• Partição pelo pH.
• Partição óleo:água.

Dessa forma, pode-se calcular a distribuição de fármacos no organismo


através de uma equação chamada volume aparente de distribuição (Vd), que
fornece uma medida de distribuição do fármaco entre o sangue e os tecidos. Em
outras palavras, o volume de distribuição aparente é definido como o volume
necessário para conter a dose total do fármaco (Q) no organismo, na mesma
concentração presente no plasma (Cp):
𝑸
𝑽𝒅 =
𝑪𝒑

Fármacos com Vd elevado possuem a tendência a se acumularem em algum


tipo de tecido, como o tecido adiposo que se torna um reservatório.
➢ Depuração de fármacos por meio da biotransformação
Após o fármaco entrar no organismo, inicia-se o seu processo de remoção,
que consiste na sua perda irreversível do corpo. Existem dois principais
processos de depuração: metabolismo (ou biotransformação), que é uma
conversão enzimática de uma entidade química em outra; ou excreção, que é a
eliminação da substância quimicamente inalterada ou de seus metabólitos.
Através da urina, os rins eliminam mais eficazmente os compostos polares.
No entanto, os rins não conseguem eliminar os fármacos lipofílicos de modo
eficiente, pois estes facilmente atravessam as membranas celulares e são
reabsorvidos nos túbulos contorcidos distais. Por isso, os fármacos lipossolúveis
são primeiramente biotransformados no fígado, sobretudo com a ação do
sistema do citocromo P450 (CYP), em substâncias mais polares (hidrofílicas),
usando dois grupos gerais de reações, denominados fase I e fase II.

• Reações de fase I: as reações de fase I são catabólicas (redução, oxidação


ou hidrólise) e frequentemente geram produtos mais reativos, isto é, possuem
atividade farmacológica. Essas reações convertem fármacos lipofílicos em
moléculas mais polares, introduzindo ou desmascarando um grupo funcional
polar, como –OH ou –NH2, as quais servirão como ponte de ataque para as
reações de fase II. As reações de fase I são catalisadas pelo sistema
citocromo P450 (CYP).
• Reações de fase II: as reações de fase II são anabólicas (conjugação com
sulfato, metil ou acetil) e frequentemente geram produtos mais hidrossolúveis
e inativos. O fármaco conjugado altamente polar é então excretado pelos rins
ou pela bile. A maioria dessas reações ocorrem no fígado, contudo outros
tecidos também estão envolvidos, como o pulmão e o rim.
➢ Indução de citocromo P450 por fármacos
Certos fármacos são capazes de aumentar a síntese de uma ou mais
isoenzimas CYP. Isso resulta no aumento da biotransformação de fármacos e
pode levar a reduções significativas nas concentrações plasmáticas dos
fármacos biotransformados por essas isoenzimas CYP, com concomitante
redução do efeito farmacológico. Por exemplo, a rifampicina, um fármaco
antituberculose, diminui de modo significativo a concentração plasmática dos
inibidores de HIV protease, diminuindo, assim, sua capacidade de suprimir a
replicação do HIV. As consequências do aumento da biotransformação de
fármacos incluem:
1. Menor concentração do fármaco no plasma.
2. Menor atividade do fármaco, se o metabólito é inativo.
3. Aumento da atividade, se o metabólito é ativo.
4. Redução do efeito terapêutico do fármaco.

Observação: fármacos tais como analgésicos, anticonvulsivantes, hipnóticos


e hipoglicemiantes orais estimulam a sua própria biotransformação e a de
outras drogas (tolerância farmacocinética). Além disso, o uso de paracetamol
e etanol gera um aumento de metabólitos tóxicos e dano hepático.

➢ Inibição de citocromo P450 por fármacos


A inibição da atividade das isoenzimas CYP é uma fonte importante de
interações de fármacos que leva a efeitos adversos graves. A forma mais comum
de inibição é pela competição pela mesma isoenzima. Alguns fármacos, contudo,
são capazes de inibir reações das quais nem são substratos, provocando
interações. As consequências do aumento da indução incluem:
1. Diminui a velocidade de produção de metabólitos.
2. Acúmulo do fármaco no plasma (aumento da meia-vida).
3. Aumento do possível efeito farmacológico.
➢ Metabólitos farmacologicamente ativos
Em alguns casos, um fármaco somente se torna farmacologicamente ativo
depois de metabolizado. Por exemplo, o enalapril, um inibidor da enzima
conversora de angiotensina, é hidrolisado para a sua forma ativa, o enalaprilate.
Tais fármacos, nos quais o composto original não é ativo, são chamados de
pró-farmacos.

➢ Fatores individuais que afetam o metabolismo dos fármacos


• Farmacogenômica.
• Etnicidade.
• Idade e sexo.
• Dieta e ambiente.
• Interações medicamentosas metabólicas.
• Doenças que afetam o metabolismo dos fármacos.

➢ Excreção de fármacos pelos rins


Os fármacos devem ser suficientemente polares para serem eliminados do
organismo. A saída do fármaco do organismo ocorre por numerosas vias, sendo
a eliminação na urina por meio dos rins a mais importante. A eliminação de
fármacos pelos rins na urina envolve os processos de filtração glomerular,
secreção tubular ativa e reabsorção tubular passiva.
1. Filtração glomerular: o fármaco livre (não ligado à
albumina) e de baixo peso molecular difunde-se através
das fendas capilares para o espaço de Bowman como
parte do filtrado glomerular. Na filtração glomerular
ocorre 20% da depuração da droga livre, pois o fármaco
ligado a albumina não é capaz de ser filtrado.
2. Secreção tubular ativa: a secreção ocorre
primariamente nos túbulos proximais por dois
mecanismos de transporte ativo que exigem energia: um
para ânions (OAT) e outro para cátions (OCT). Cada um
desses sistemas de transporte apresenta baixa
especificidade e pode transportar vários compostos.
Assim, pode ocorrer competição entre fármacos pelos
transportadores em cada um dos sistemas. A secreção
tubular ativa é o principal mecanismo de excreção (80%).
3. Reabsorção tubular distal: enquanto o fármaco se
desloca em direção ao túbulo contorcido distal, sua
concentração aumenta e excede à do espaço
perivascular. A manipulação do pH da urina, para
aumentar a fração ionizada do fármaco no lúmen, pode
ser feita para minimizar a retrodifusão e, assim,
aumentar a depuração de um fármaco indesejável. Ou
seja, uma base é excretada mais rapidamente em urina
ácida, que favorece a forma iônica e impede a absorção
(aprisionamento iônico).
➢ Outras vias de excreção
A depuração de fármacos pode ocorrer também por intestinos, bile, pulmões,
leite, entre outros. A depuração corporal total e a meia-vida do fármaco são
variáveis importantes da sua depuração, sendo usadas para otimizar o
tratamento medicamentoso e minimizar a toxicidade.
• Os fármacos que não são absorvidos após administração oral ou fármacos
que são secretados diretamente para os intestinos ou na bile são eliminados
com as fezes.
• Os pulmões estão envolvidos primariamente na eliminação dos gases
anestésicos (por exemplo, isoflurano).
• A eliminação de fármacos no leite pode expor a criança lactente aos
medicamentos e/ou seus metabólitos ingeridos pela mãe, e é uma fonte
potencial de efeitos indesejados na criança.
• A excreção da maioria dos fármacos no suor, na saliva, nas lágrimas, nos
pelos e na pele ocorre em pequena extensão.

➢ Meia-vida
Alguns fármacos são eliminados mais rapidamente que outros. Esta
velocidade é determinante para a meia-vida, que é definida como o tempo
necessário para que a concentração plasmática do fármaco reduza à metade.
Algumas situações clínicas podem aumentar a meia-vida, entre elas:
diminuição do fluxo sanguíneo renal ou hepático; diminuição na capacidade de
extrair o fármaco do plasma, como na doença renal; e diminuição da
biotransformação, por exemplo, quando outros fármacos inibem a
biotransformação ou na insuficiência hepática. Há também situações em que há
redução da meia-vida: aumento do fluxo sanguíneo hepático; aumento da
biotransformação; e menor ligação às proteínas plasmáticas.

➢ Monitoramento terapêutico
Monitoramento terapêutico é o uso de ensaios que permitem determinar a
concentração plasmática, interpretar e aplicar o resultado dessa concentração
para desenvolver regimes de tratamento seguros e eficazes.

Observação: quando fazer o monitoramento terapêutico?


✓ Quando existir uma boa correlação entre a concentração plasmática e o
efeito.
✓ Quando existir uma variação individual muito grande para determinada
dose de fármaco.
✓ Quando a droga tiver um baixo índice terapêutico.

Observação: quando não fazer o monitoramento terapêutico?


✓ Quando não houver uma faixa de dose bem definida relacionada ao efeito.
✓ Quando a droga produz metabólitos ativos que podem interferir na coleta
dos dados.
✓ Independente da dose, efeitos tóxicos podem acontecer.
✓ Quando não há consequências significantes associadas a níveis muito
baixos ou muito alto de droga.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
➢ “Quando um remédio briga com o outro”
As interações de drogas constituem um fator importante nas consultas em
pronto socorro e nas admissões hospitalares, sendo que essas interações de
drogas representam cerca de 3 a 5% das reações adversas evitáveis no hospital.
Logicamente, um dos fatores que estão associados ao risco de interações é
o número de fármacos, pois quanto maior o número de drogas administradas a
porcentagem de pacientes com reações adversas aumenta exponencialmente.

Além do número de fármacos, existem outros fatores associados aos riscos


de interações medicamentosas, como: número de comorbidades, idade, fatores
genéticos e duração do uso associado.
As interações de drogas podem aumentar ou diminuir o efeito do fármaco:
• Quando a interação aumenta o efeito do fármaco:
o Efeito positivo: ocorre uma potencialização do efeito clínico.
o Efeito negativo: ocorre aumento dos efeitos tóxicos do medicamento.
• Quando a interação diminui a ação do fármaco:
o Efeito positivo: ocorre diminuição dos efeitos tóxicos do medicamento.
o Efeito negativo: ocorre a diminuição do efeito do outro fármaco.
As interações entre as drogas podem ser classificadas em dois grupos:
• Farmacocinética: quando uma droga B altera a concentração de droga A,
devido a alteração da absorção, distribuição, biotransformação ou excreção
da droga A.
• Farmacodinâmica: quando a droga B altera o efeito farmacológico da droga
A sem alterar a concentração da droga A no fluido tecidual.

➢ Interações farmacocinéticas
As interações farmacocinéticas em relação a absorção ocorrem, em grande
parte, no trato gastrointestinal. Além disso, pode ocorrer interação local, como
no músculo, alterando o fluxo sanguíneo e, consequentemente, a absorção. As
interações farmacocinéticas no trato gastrointestinal são devido às:
• Alterações físico-químicas: como drogas que alteram o pH (ranitidina,
cimetidina, antiácidos), quelação (tetraciclina e Ca2+; cafeína e haloperidol) e
adsorção (carvão ativado).
• Alterações da motilidade gastrointestinal: quanto maior o esvaziamento
gástrico, maior é a velocidade de absorção de drogas. Esse efeito pode ser
causado pela metoclopramida. O inverso também é verdadeiro, quanto
menor o esvaziamento gástrico, menor é a velocidade de absorção de
drogas. Esse efeito pode ser causado por opiáceos, atropina e
antidepressivos (tricíclicos).
• Alterações da flora bacteriana.
• Função da mucosa.
Uma vez que a droga é absorvida ocorre a sua distribuição. Assim, as
interações farmacocinéticas em relação a distribuição dependem de vários
fatores estudados da aula de farmacocinética, como: fluxo sanguíneo, ligação a
proteínas plasmáticas, ligação a proteínas teciduais e transporte ativo para o
local de ação. O exemplo a seguir mostra que 85% de uma droga está ligada a
uma proteína plasmática (albumina) e apenas 15% está farmacologicamente
ativo. Com a administração de uma segunda droga que possui maior afinidade
pelos sítios de ligação da proteína plasmática, a primeira droga é deslocada,
aumentando a sua fração disponível. No entanto, rapidamente essa porção
farmacologicamente ativa é redistribuída e metabolizada pelo organismo. Dessa
forma, após algum tempo a fração não-ligada volta para o seu estado basal.
Em relação ao deslocamento de proteínas plasmáticas, as interações de
drogas são clinicamente significantes quando:
• Administração de drogas que provoca o deslocamento (maior afinidade) é
iniciada em altas doses após início do tratamento com droga a ser deslocada.
• O volume de distribuição da droga deslocada é pequeno.
• A resposta à droga é mais rápida do que sua redistribuição ou eliminação.
Após o fármaco ser distribuído pelo organismo, inicia-se a etapa de
biotransformação, que ocorre principalmente no fígado. A maioria das
interações relativas a enzimas da fase I está relacionada ao citocromo P450.
Existem fármacos, chamados indutores, que podem induzir o aumento da
síntese do citocromo P450, como os barbitúricos, carbamazepina, rifampina,
ingestão crônica de álcool e cigarro. Essa indução aumenta a velocidade de
metabolização, consequentemente, aumenta-se a velocidade de produção de
metabólitos. Se os metabólitos forem tóxicos, aumenta-se a chance de uma
toxicidade; se os metabólitos forem inativos, diminui-se a chance de efeitos
terapêuticos; já se for uma pró-droga, aumenta-se a velocidade de conversão na
droga ativa. Além disso, os indutores diminuem a meia-vida sérica e as
concentrações séricas (livre e total) da droga original.
Por outro lado, existem fármacos, chamados inibidores, que podem inibir a
atividade do citocromo P450, como cimetidina, propoxifeno, vários ISRS, álcool
agudo em usuário ocasional. Essa inibição diminui a velocidade de
metabolização, consequentemente, diminui-se a velocidade de produção de
metabólitos. Se for uma pró-droga, diminui-se a velocidade de conversão na
droga ativa, o que diminui a sua eficácia. Além disso, se a droga original é quem
possuir a atividade metabólica, os inibidores irão diminuir a depuração total,
aumentando a sua meia-vida sérica, aumentando as concentrações sérias (livre
e total) e aumentando a atividade farmacológica (terapêutica ou tóxica).

➢ Sinergismo
Existem duas situações para o sinergismo:
• Adição: efeito da interação é igual a soma dos efeitos das drogas
isoladamente (C = A + B).
• Potenciação: efeito da interação é maior do que a soma dos efeitos das
drogas isoladamente (C > A + B).
➢ Antagonismo
As interações antagonistas foram estudas nas aulas de farmacodinâmica,
sendo as mais importantes:
• Farmacológica: competitivo (reversível e irreversível) ou não competitivo.
• Fisiológica.

➢ Interação com substâncias não terapêuticas


• Tabaco: o uso do tabaco aumenta a biotransformação de fármacos.
• Interação droga-alimentos: grapefruit (toranja) pode inibir a biotransformação
da felodipina (anti-hipertensivo), pois os componentes do suco de toranja
inibem a CYP3A4, consequentemente o paciente terá uma crise hipotensiva;
o leite e os alimentos lácteos podem reduzir a absorção das tetraciclinas e,
consequentemente, diminuir o seu efeito terapêutico; alimentos contendo
vitamina K podem reduzir a ação da warfarina.
• Interação droga-álcool: o etanol tem uma ação aguda em bebedores
ocasionais, pois é um inibidor da metabolização hepática; já em bebedores
crônicos, o álcool é um indutor enzimático; em bebedores de longa data, o
paciente entra em um quadro de insuficiência hepática, levando a cirrose.
• Interação droga-fitoterápicos: exemplo disso, é a erva de São João, uma vez
que ela é um indutor enzimático do citocromo P450.

➢ Por que utilizar associação de fármacos?


• Tratamento de comorbidades.
• Tratamento da fase aguda + tratamento profilático.
• Tratamento de efeitos adversos.
• Potencializar tratamento inicial.
• Acelerar o início da melhora.

➢ Etapas de avaliação do risco para interações de drogas


1. Obter uma história do uso de medicações (AVOID MISTAKES)
✓ Allergies? (tem alguma alergia).
✓ Vitamins and herbs? (toma alguma vitamina ou fitoterápico).
✓ Old drugs? (faz uso de drogas antigas ou de “vendas livres”).
✓ Interactions? (vivenciou algum tipo de interação medicamentosa).
✓ Dependence? (é dependente de alguma droga ou fármaco).
✓ Mendel? (história familiar do uso de fármacos).
2. Pacientes de alto risco (qualquer paciente tomando duas medicações).
3. Consulte um texto de referência.
4. Consulte um farmacêutico/farmacologista especialista na área.
5. Avalie o risco clínico da interação.
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
➢ Simpático x Parassimpático
O sistema nervoso autônomo (SNA) regula as exigências diárias das funções
corporais vitais sem a participação consciente do cérebro, agindo de forma
autônoma. Devido à natureza involuntária do SNA, bem como das suas funções,
ele também é denominado sistema nervoso visceral, vegetativo ou involuntário.
Dessa forma, o SNA regula o que não é voluntário, como a contração de
músculo liso de vasos e vísceras, todas as secreções exócrinas e algumas
endócrinas, os batimentos cardíacos e o metabolismo energético.
O SNA eferente é dividido nos sistemas nervosos simpático, parassimpático
e entérico. O impulso nervoso, ao sair da medula espinhal, pode percorrer
diferentes caminhos:
• Sistema nervoso simpático: nervo pré-ganglionar curto → gânglios
paravertebrais toracolombares → nervos pós-ganglionar longos.
• Sistema nervoso parassimpático: nervo pré-ganglionar longo → gânglio
próximo ao órgão efetor → nervo pós-ganglionar curto.

O sistema simpático distribui-se a efetores em todo o organismo, ao passo


que a distribuição do parassimpático é muito mais limitada. Essa organização
permite uma descarga difusa do sistema simpático. O sistema parassimpático,
em contraste, tem gânglios terminais muito próximos ou no interior dos órgãos
inervados, tendo, assim, influências mais circunscritas.
Ambos os sistemas, simpático e parassimpático, têm gânglios onde o
transmissor é a acetilcolina (ACh) da fibra pré-ganglionar; a ACh atua em
receptores nicotínicos nos nervos pós-ganglionares. A ACh é o neurotransmissor
predominante nos nervos parassimpáticos pós-ganglionares e atua em
receptores muscarínicos. A noradrenalina (NE) é o principal neurotransmissor
dos nervos simpáticos pós-ganglionares, atuando em receptores α e β
adrenérgicos.
Portanto, os termos simpático e parassimpático são designações anatômicas
e não dependem do tipo de transmissor químico liberado das terminações
nervosas, nem do tipo de efeito – excitante ou inibidor.

✓ Funções do sistema nervoso simpático (ou toracolombar): embora


continuamente ativa em algum grau (por exemplo, na manutenção do
tônus do leito vascular), a divisão simpática tem a propriedade de adequar
a resposta às situações estressantes, como trauma, medo, hipoglicemia,
frio e exercício.
✓ Funções do sistema nervoso parassimpático (ou craniossacral): a
divisão parassimpática está envolvida com a manutenção da homeostasia
do organismo. Ela é essencial para a vida, pois mantém funções corporais
essenciais como a digestão e eliminação de resíduos. A divisão
parassimpática geralmente atua para opor ou equilibrar as ações da
divisão simpática.

➢ Neurotransmissores
A comunicação entre os neurônios – e entre os neurônios e os órgãos
efetores – ocorre por meio da emissão de sinais químicos específicos
(neurotransmissores) pelos terminais nervosos. Essa liberação é desencadeada
pela chegada do potencial de ação no terminal nervoso, levando à
despolarização. Um aumento no Ca2+ intracelular inicia a fusão das vesículas
sinápticas com a membrana pré-sináptica e a liberação do seu conteúdo. Os
neurotransmissores difundem-se rapidamente pela fenda ou pelo espaço
sináptico (sinapse) entre os neurônios e combinam-se com receptores
específicos na célula pós-sináptica (alvo). A fibra nervosa autônoma pode ser
dividida em dois grupos com base no tipo de neurotransmissor liberado:
• Acetilcolina: se a transmissão é mediada pela acetilcolina, o neurônio é
denominado colinérgico. A acetilcolina intermedeia a transmissão do impulso
nervoso por meio dos gânglios autônomos nos sistemas nervosos simpático
e parassimpático. A transmissão dos nervos pós-ganglionares autônomos
para órgãos efetores no sistema parassimpático e para alguns órgãos do
sistema simpático também envolve a liberação de acetilcolina.
• Norepinefrina (ou noradrenalina) e epinefrina (ou adrenalina): quando a
noradrenalina e a adrenalina são os neurotransmissores, a fibra é
denominada adrenérgica. No sistema simpático, a noradrenalina intermedeia
a transmissão dos impulsos dos nervos pós-ganglionares autônomos para o
órgão efetor.
➢ Transmissão adrenérgica
Esse tipo de transmissão envolve as chamadas catecolaminas, que que
contêm um núcleo catecol (anel benzênico com dois grupos hidroxil adjacentes)
e uma cadeia lateral amina. As catecolaminas são: a norepinefrina ou
noradrenalina (NE), o principal transmissor da maioria das fibras simpáticas
pós-ganglionares e de certas vias do SNC; a dopamina (DA), o transmissor
predominante do sistema extrapiramidal dos mamíferos e de várias vias
neuroniais mesocorticais e mesolímbicas; e a epinefrina ou adrenalina (EPI), o
principal hormônio da medula suprarrenal.
Na disciplina de farmacologia médica básica é importante conhecer os
principais aspectos dos mecanismos de síntese, armazenamento, liberação,
recaptação e inativação das catecolaminas e da sua modificação por fármacos.
A síntese das catecolaminas se dá da seguinte forma:
1. Tirosina: a tirosina entra na célula por transportador de sódio.
2. DOPA: a tirosina é convertida em DOPA pela tirosina hidroxilase.
3. Dopamina: a DOPA é transformada em dopamina (dopamina-β-hidroxilase).
4. Norepinefrina: a proteína VMAT leva a dopamina para dentro de vesículas,
onde ela é transformada em noradrenalina.
5. Epinefrina: a noradrenalina é N-metilada no tecido cromafim para dar origem
à epinefrina. Esse grupo metil aumenta a ação β-adrenérgica.
As catecolaminas são armazenadas em vesículas, assegurando, assim, a
sua liberação regulada por influxo de íons Ca2+; esse armazenamento diminui o
metabolismo intraneuronal desses transmissores e o seu extravasamento da
célula. Além disso, a noradrenalina liberada na fenda sináptica pode atuar em
receptores pré-sinápticos, regulando a sua própria liberação, e também a do ATP
coliberado. Acredita-se que isso ocorra para que a noradrenalina liberada exerça
um efeito inibitório local sobre as terminações das quais ela se origina: o
chamado mecanismo de retroalimentação autoinibitória. O mecanismo de
retroalimentação inibitório opera por meio dos receptores α 2-adrenérgicos, que
inibem a adenilil ciclase e impedem a abertura de canais de Ca2+.

Além da síntese de novas moléculas, as reservas de NE nas porções


terminais das fibras adrenérgicas também são abastecidas por recaptação da
NE após sua liberação. Após a captação, as catecolaminas podem ser
metabolizadas e inativadas (em células neuroniais e extraneuroniais) ou
reestocadas em vesículas (nos neurônios). Esse processo serve para encurtar a
ação da noradrenalina liberada, assim como para reciclá-la.
• Captação intraneuronal (ou captação I): é realizada pelo transportador de
noradrenalina presente na membrana plasmática (geralmente conhecido
como NET, transportador de noradrenalina).
• Captação extraneuronal (ou captação II): fígado e músculo esquelético.
Duas enzimas intracelulares são importantes nos passos iniciais da
transformação metabólica das catecolaminas:
• Monoaminoxidase (MAO): a MAO está ligada à membrana externa das
mitocôndrias. Ela é abundante nas terminações nervosas noradrenérgicas,
mas também é encontrada no fígado, no epitélio intestinal e em outros
tecidos.
• Catecol-O-metiltransferase (COMT): a COMT realiza a metilação de um
dos grupos hidroxila do catecol, produzindo um derivado metoxi. A COMT
está ausente nos neurônios noradrenérgicos, mas é encontrada na medula
da suprarrenal e em muitas outras células e tecidos.
O produto final formado pela ação sequencial de MAO e COMT é o 3-metoxi-
4-hidroxifenilglicol (MHPG). Esse composto é parcialmente conjugado a
derivados sulfato ou glicuronídeo, que são eliminados na urina, mas a sua
maioria é convertida a ácido vanililmandélico (VMA) e eliminado na urina nessa
forma. Em pacientes com tumores do tecido cromafim (feocromocitoma) que
secretam essas aminas (uma causa rara de hipertensão arterial), a eliminação
urinária de VMA encontra-se acentuadamente aumentada, sendo utilizada como
teste diagnóstico para essa condição.
➢ Receptores adrenérgicos (adrenoceptores)
No sistema nervoso simpático, várias classes de adrenoceptores podem ser
diferenciadas farmacologicamente. Duas famílias de receptores, designadas α e
β, são classificadas com base nas suas respostas aos agonistas adrenérgicos
adrenalina, noradrenalina e isoproterenol. Subsequentemente, observou-se que
existem dois subtipos de receptores α (α1 e α2), cada um compreendendo três
subclasses (α1A, α1B, α1D e α2A, α2B, α2C) e três subtipos de receptor β (β1, β2 e
β3) – ao todo, nove subtipos distintos –, todos os quais são típicos receptores
acoplados à proteína G. Os receptores α são subdivididos em dois grupos, α1 e
α2, com base nas suas afinidades por agonistas e α-bloqueadores.
• Receptores α1: estes receptores estão presentes na membrana pós-
sináptica dos órgãos efetores e intermedeiam vários dos efeitos clássicos,
envolvendo contração de músculo liso. A ativação dos receptores α 1 inicia
uma série de reações por meio da fosfolipase C ativada pela proteína G,
resultando na formação do segundo mensageiro IP3 e de DAG. O IP3 inicia a
liberação de Ca2+ do retículo endoplasmático para o citosol, e o DAG ativa
outras proteínas no interior da célula.
Receptores α1:
✓ Músculo cardíaco: efeito inotrópico/cronotrópico positivo.
o α1A: hipertrofia do miocárdio.
o α1D: muito encontrado nas artérias coronárias.
✓ Vasoconstrição (pele, mucosa, arteríolas coronárias).
o α1A: contração de vasos de pequeno calibre.
o α1D: contração de vasos de grande calibre.
✓ TGI: redução motilidade/tônus.
✓ Glicogenólise hepática.
✓ Esfíncteres: contração.
✓ TGU: contração.
✓ Trígono da bexiga: contração.
✓ Olhos: contração do músculo radial da íris.

• Receptores α2: estes receptores estão localizados primariamente nas


terminações de nervos simpáticos pré-sinápticos e controlam a liberação de
noradrenalina. Quando um nervo simpático adrenérgico é estimulado, parte
da noradrenalina liberada “retorna” e reage com os receptores α2 na
membrana pré-sináptica. A estimulação dos receptores α2 promove
retroalimentação inibitória e inibe liberação adicional de noradrenalina do
neurônio adrenérgico estimulado. Essa ação inibitória serve como
mecanismo local para modular a saída de noradrenalina quando há atividade
simpática elevada. Receptores α2 também são encontrados em neurônios
pré-sinápticos parassimpáticos. A noradrenalina liberada do neurônio
simpático pré-sináptico pode difundir esses receptores e interagir com eles,
inibindo a liberação de acetilcolina (ACh). Em contraste com os receptores
α1, os efeitos da ligação com os receptores α2 são mediados pela inibição da
adenililciclase e pela redução nos níveis intracelulares de AMPc.

Receptores α2:
✓ Vasoconstrição.
✓ TGI: redução motilidade/tônus.
✓ Redução da secreção de insulina.
✓ Aumento da agregação plaquetária.
✓ SNC: sedação e controle inibitório da salivação.
✓ Pré-sináptico: reduz liberação de noradrenalina e acetilcolina.

Os receptores α1 e α2 são classificados adicionalmente em α1A, α1B, α1C e α1D,


e em α2A, α2B e α2C. Essa classificação estendida é necessária para entender a
seletividade de alguns fármacos. Por exemplo, a tansulosina é um antagonista
seletivo de α1A e é usada para o tratamento da hiperplasia benigna de próstata.
Ela tem menos efeitos adversos cardiovasculares porque visa a receptores do
subtipo α1A encontrados primariamente no trato urinário e na próstata, e não
afeta o subtipo α1B encontrado nos vasos sanguíneos.
Os receptores β regulam inúmeras respostas funcionais, incluindo a
frequência e a contratilidade cardíacas, o relaxamento do músculo liso e
múltiplos eventos metabólicos em vários tecidos, incluindo células adiposas e
hepáticas e musculoesqueléticas. Os adrenoceptores β podem ser subdivididos
em três principais subgrupos, β1, β2, e β3, com base nas suas afinidades por
agonistas e antagonistas adrenérgicos. A ligação de um neurotransmissor a
qualquer dos três receptores β resulta na ativação de adenililciclase e aumenta
a concentração de AMPc no interior da célula.
• Receptores β1: são encontrados principalmente no coração, no qual são
responsáveis pelos efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos das
catecolaminas.
• Receptores β2: são responsáveis pelo relaxamento da musculatura lisa em
vários órgãos.
• Receptores β3: estão envolvidos na lipólise e também em efeitos no músculo
detrusor da bexiga. Os polimorfismos neste receptor podem favorecer riscos
de obesidade e diabetes.

Receptores β1:
✓ TGI: redução motilidade/tônus.
✓ Miocárdio: cronotrópico/inotrópico positivo.
✓ Nodo AV: aumento da velocidade de condução de impulsos.
✓ Célula justaglomerular: aumento da liberação de renina.
✓ Pré-sináptico: aumento da liberação de noradrenalina.

Receptores β2:
✓ TGI: redução motilidade/tônus.
✓ Músculo detrusor: relaxamento.
✓ Músculo esquelético e fígado: glicogenólise.
✓ Músculo liso vascular de músculo esquelético: dilatação.
✓ Útero e brônquios: relaxamento.

Receptores β3:
✓ Aumenta a lipólise no tecido adiposo.
✓ Polimorfismo no receptor: risco de obesidade e diabetes.
➢ Drogas simpatomiméticas
Os fármacos adrenérgicos atuam em receptores adrenérgicos que são
estimulados pela norepinefrina (noradrenalina) ou pela epinefrina (adrenalina).
Os fármacos adrenérgicos que ativam os receptores adrenérgicos são
denominados simpaticomiméticos, e os que bloqueiam a ativação dos receptores
adrenérgicos são os simpatolíticos. Os simpaticomiméticos são classificados
quanto a sua ação:
• Agonistas de ação direta: estes fármacos atuam
diretamente nos receptores α ou β, produzindo
efeitos similares aos resultantes da estimulação dos
nervos simpáticos ou da liberação de adrenalina da
medula suprarrenal. Exemplos de agonistas de
ação direta incluem adrenalina, noradrenalina,
isoproterenol e fenilefrina.
• Agonistas de ação indireta: estes fármacos
podem bloquear a captação de noradrenalina ou
promover sua liberação das reservas
citoplasmáticas ou das vesículas dos neurônios
adrenérgicos. A noradrenalina, então, atravessa a
sinapse e se liga aos receptores α ou β. Exemplo
de inibidor da captação de noradrenalina (NE) é a
cocaína e de liberadores de NE são as anfetaminas.
• Agonistas de ação mista: a efedrina e seu
estereoisômero, pseudoefedrina, estimulam os
receptores adrenérgicos diretamente e liberam
noradrenalina do neurônio adrenérgico.

➢ Agonistas de ação direta: adrenalina


Na medula suprarrenal, a noradrenalina é metilada à adrenalina, que é
armazenada nas células cromafins junto com noradrenalina. Sob estimulação, a
medula suprarrenal libera cerca de 80% de adrenalina e 20% de noradrenalina
diretamente na circulação. A adrenalina interage com os receptores α e β. Em
doses baixas, predominam os efeitos β (vasodilatação) no leito vascular; em
doses altas, os efeitos α (vasoconstrição) são os mais fortes.
Os diversos usos terapêuticos da adrenalina incluem:
• Arritmias e IAM: as principais ações da adrenalina são no sistema
cardiovascular, pois ela reforça a contratilidade do miocárdio (inotropismo
positivo: ação β1) e aumenta a frequência de contração (cronotropismo
positivo: ação β1). O débito cardíaco aumenta. Esses efeitos aumentam a
demanda de oxigênio pelo miocárdio. A adrenalina ativa receptores β 1 nos
rins, promovendo a liberação de renina. A renina é uma enzima envolvida na
produção de angiotensina II, um vasoconstritor potente. A adrenalina contrai
as arteríolas da pele, das mucosas e das vísceras (efeito α) e dilata os vasos
que vão ao fígado e aos músculos esqueléticos (efeito β 2).
• Reação de hipersensibilidade tipo I: a histamina é vasodilatadora e
broncoconstritora, portanto, a histamina é o antagonista fisiológico da
dopamina. Dessa forma, a adrenalina é o fármaco de escolha para o
tratamento das reações de hipersensibilidade tipo I em resposta a alérgenos,
pois além de ser vasoconstritora e broncodilatadora, a adrenalina liga-se aos
receptores β2 dos mastócitos e reduz a degranulação dessas células.
• Broncoespasmo: a adrenalina causa poderosa broncodilatação por ação
direta na musculatura lisa bronquial (ação β2).
• Anestésico locais: soluções de anestésicos locais podem conter baixas
concentrações de adrenalina. A adrenalina aumenta significativamente a
duração da anestesia local, produzindo vasoconstrição no local da injeção.
Isso permite que o anestésico local permaneça no local da injeção antes de
ser absorvido para a circulação sistêmica.

➢ Agonistas de ação direta: noradrenalina


Como a noradrenalina é o neurotransmissor dos nervos adrenérgicos,
teoricamente ela deveria estimular todos os tipos de receptores adrenérgicos.
Contudo, administrada em doses terapêuticas, o receptor α-adrenérgico é o mais
afetado. A noradrenalina é usada no tratamento do choque, pois aumenta a
resistência vascular e, assim, aumenta a pressão arterial. Ela não tem outros
usos clínicos significativos.
➢ Agonistas de ação direta: dopamina
A dopamina – metabólito precursor imediato da norepinefrina – está presente
naturalmente no SNC nos gânglios basais, onde funciona como
neurotransmissor, bem como na medula suprarrenal. Suas ações terapêuticas:
• ICC: a dopamina exerce efeito estimulante nos receptores β 1 cardíacos com
efeito inotrópico e cronotrópico positivos. Em concentrações muito elevadas,
ela ativa os receptores α1 dos vasos, causando vasoconstrição.
• Trauma ou falência renal e choque: a dopamina dilata as arteríolas renais
e esplâncnicas, ativando os receptores dopaminérgicos e aumentando,
assim, o fluxo sanguíneo para os rins e para outras vísceras. Esses
receptores não são afetados por fármacos α ou β-bloqueadores. Por isso, a
dopamina é clinicamente útil no tratamento do choque, no qual uma intensa
atividade simpática pode comprometer a função renal.

➢ Agonistas de ação direta e seletivos para receptores α1


Diversos fármacos podem mimetizar as ações dos receptores α 1 e,
diferentemente das catecolaminas que possuem um tempo de meia-vida muito
curto, essas drogas possuem um tempo de meia-vida maior, pois não sofrem o
mecanismo de recaptação e são levemente degradadas pela MAO e pela COMT.
Dentre os fármacos mais conhecidos, estão: fenilefrina, nafazolina, efedrina,
mefentermina, fentermina, metaraminol, oximetazolina e xilometazolina. Os
principais usos terapêuticos dos agonistas α1 incluem:
• Tratamento da hipotensão: a fenilefrina é um vasoconstritor que aumenta as
pressões sistólica e diastólica. Ela não tem efeito direto no coração, mas
induz bradicardia reflexa quando administrada por via parenteral. É usada no
tratamento da hipotensão em pacientes hospitalizados ou cirúrgicos.
• Choque (associado a anestesia espinhal).
• Midríase: contração do músculo radial da íris.
• Descongestão nasal: vasoconstrição da musculatura dos vasos do nariz.
• Associação aos anestésicos locais.
• Redução de hemorragias superficiais.

➢ Agonistas de ação direta e seletivos para receptores α2


Outros fármacos podem mimetizar as ações dos receptores α 2, mas não há
seletividade entre os subtipos α2A, α2B e α2C. Essas drogas também possuem um
tempo de meia vida maior, não são recaptadas e são degradadas pela MAO e
pela COMT. Os principais fármacos são: clonidina (t1/2 = 12 horas), apraclonidina,
dexmedetomidina, xilazina, metildopa (metilnoradrenalina), guanfacina e
moxonidina. Os principais usos terapêuticos dos agonistas α2 incluem:
• Tratamento da hipertensão: como a clonidina, pois ela atua centralmente em
receptores α2 pré-sinápticos, produzindo inibição dos centros vasomotores
simpáticos, diminuindo a estimulação simpática para a periferia.
• Contenção química: a clonidina também pode minimizar os sintomas que
acompanham a retirada dos opiáceos, do cigarro ou dos benzodiazepínicos.
• Sedação: na ventilação mecânica pode ser usado o dexmedetomidina.
• Pré-anestesia.
➢ Agonistas de ação direta e seletivos para receptores β1
As principais drogas desse grupo são: dobutamina, isoproterenol e
xamoterol. Dentre os usos terapêuticos estão:
• ICC, IAM e descompensação cardíaca após cirurgia cardíaca: a dobutamina
aumenta a frequência e o débito cardíaco com poucos efeitos vasculares. A
dobutamina é usada para aumentar o débito cardíaco na insuficiência
cardíaca aguda, bem como para dar apoio inotrópico após cirurgia cardíaca.
O fármaco aumenta o débito cardíaco e não eleva significativamente a
demanda de oxigênio pelo miocárdio − sua principal vantagem sobre os
outros simpaticomiméticos.
• Bloqueio atrioventricular.
• Asma: o isoproterenol não é mais usado, pois, apesar de ser um potente
agonista β, causa taquicardia.

➢ Agonistas de ação direta e seletivos para receptores β2


Existem vários tipos de drogas seletivas para receptor β2, as mais usadas no
Brasil são: salbutamol, terbutalina, procaterol, pirbuterol, fenoterol, ritodrina,
salmeterol, formoterol, bambuterol, indacaterol, vilanterol e olodaterol. A principal
diferença entre esses fármacos reside no tempo de meia-vida.
Dentre os usos terapêuticos desse grupo estão:
• Asma: salbutamol e terbutalina são usados como broncodilatadores e
administrados em um dispositivo inalador de dosagem controlada.
• DPOC e bronquite.
• Relaxante uterino: a terbutalina é usada também como relaxante uterino, para
evitar o parto prematuro (efeito tocolítico).

Observação: enquanto salbutamol e terbutalina são fármacos β 2-agonistas


de ação curta (SABA); salmeterol e formoterol são β2-agonistas de longa ação
(LAMA). Uma dose única por um inalador dosável, por exemplo, um inalador
de pó, provê broncodilatação por 12 horas; o salbutamol, por exemplo, provê
menos de 3 horas.

➢ Agonistas de ação indireta


Agonistas adrenérgicos de ação indireta causam a liberação, inibem a
captação ou inibem a degradação da epinefrina ou da norepinefrina. Eles
potencializam os efeitos da epinefrina ou da norepinefrina endógenas, mas não
atuam diretamente nos receptores pós-sinápticos. Os principais fármacos são:
anfetamina (t1/2 = 12 horas), dextroanfetamina, metanfetamina, metilfenidato
(ritalina), dexmetilfenidato, pemolina, efedrina, tiramina e fenilpropanolamina.
Dentre os usos terapêuticos desse grupo estão:
• Narcolepsia (distúrbio crônico do sono).
• Distúrbios de atenção por hiperatividade.
• Obesidade (efeito anorexígeno).
Observação: a cocaína é a única entre os anestésicos locais que tem a
propriedade de bloquear o transportador de noradrenalina dependente de
sódio-cloreto (Na+/Cl-) necessário para a captação celular de noradrenalina
pelo neurônio adrenérgico. Em consequência, a noradrenalina se acumula na
fenda sináptica, resultando em aumento da atividade simpática e potenciação
das ações da adrenalina e da noradrenalina. Por isso, pequenas doses de
catecolaminas produzem efeitos muito aumentados em indivíduos que usam
cocaína. Semelhantemente às anfetaminas, a cocaína pode aumentar a
pressão arterial por ação α1-agonista e efeitos estimulantes β.

➢ Drogas simpatolíticos
Os antagonistas adrenérgicos (também denominados bloqueadores
adrenérgicos ou simpatolíticos) ligam-se aos receptores adrenérgicos, mas não
iniciam os usuais efeitos intracelulares mediados pelos receptores. Esses
fármacos atuam ligando-se reversível ou irreversivelmente aos receptores,
evitando, assim, sua ativação pelas catecolaminas endógenas. Como os
agonistas, os antagonistas adrenérgicos são classificados de acordo com suas
afinidades relativas para os receptores α ou β no sistema nervoso simpático.
Numerosos antagonistas adrenérgicos têm papéis importantes na clínica,
principalmente para tratar doenças associadas com o sistema cardiovascular.

➢ Antagonistas dos receptores α-adrenérgicos


Fármacos que bloqueiam os receptores α afetam profundamente a pressão
arterial. Como o controle simpático normal dos vasos ocorre em grande parte por
ações agonistas nos receptores α-adrenérgicos, o bloqueio desses receptores
reduz o tônus simpático dos vasos sanguíneos, resultando em menor resistência
vascular periférica. Isso induz a taquicardia reflexa resultante da redução da
pressão arterial.
Esses antagonistas podem ser não seletivos, α1-seletivos e α2-seletivos. As
drogas prazosin, doxazosin, terazosin, temazosin, tansulosina, bunasozin e
alfuzosin são bloqueadores competitivos seletivos de receptores α1 e são úteis
no tratamento da hipertensão. Todos esses fármacos diminuem a resistência
vascular periférica e a pressão arterial, causando relaxamento dos músculos
lisos arteriais e venosos. Além disso, esses fármacos causam alterações
mínimas no débito cardíaco, no fluxo sanguíneo renal e na velocidade de filtração
glomerular. Tansulosina e alfuzosina são exemplos de outros antagonistas α 1-
seletivos indicados no tratamento da hiperplasia benigna da próstata (HBP).
Os antagonistas α2-seletivos, como ioimbina e idazoxan, aumentam a
liberação de noradrenalina e têm sido usados como estimulante sexual e no
tratamento da disfunção erétil (não recomendado). Os antagonistas não
seletivos, como tolazolina e fentolamina, são antagonistas competitivos
reversíveis e não são mais indicados, exceto a fentolamina tratamento de curta
duração do feocromocitoma.
Dessa forma, o uso terapêutico dos antagonistas α está relacionada a
hipertensão, hipertrofia prostática benigna e ao feocromocitoma. Os efeitos
colaterais incluem: hipotensão, sonolência, diarreia e redução da ejaculação.

➢ Antagonistas β-adrenérgicos
Todos os β-bloqueadores disponíveis para a clínica são antagonistas
competitivos. Os β-bloqueadores não seletivos atuam em receptores β 1 e β2, ao
passo que os β-antagonistas cardiosseletivos bloqueiam principalmente
receptores β1. Embora todos os β-bloqueadores reduzam a pressão arterial, eles
não causam hipotensão postural, pois os receptores α permanecem funcionais.
Por isso, o controle simpático normal dos vasos é mantido.
As principais drogas desse grupo incluem: propranolol, timolol, pindolol,
nadolol, labetalol e carvedilol (observe que todos os nomes dos β-bloqueadores
terminam em “olol”, exceto labetalol e carvedilol).
Alguns fármacos, chamados de β-bloqueadores cardiosseletivos, como
atenolol, esmolol, metoprolol, practolol e nebivolol, bloqueiam preferencialmente
os receptores β1, pois minimizam a indesejada broncoconstrição (efeito β 2)
observada com o uso do propranolol em pacientes asmáticos. Dessa forma, os
β-bloqueadores cardiosseletivos são úteis em pacientes hipertensos com função
respiratória comprometida.
Dentre os principais usos terapêuticos estão:
• Hipertensão: o propranolol não diminui a pressão arterial em pessoas com
pressão sanguínea normal. Ele diminui a pressão arterial na hipertensão por
diversos mecanismos. O mecanismo primário é a redução do débito cardíaco,
mas a inibição da liberação de renina pelos rins, a diminuição na resistência
periférica total no uso prolongado e a redução do efluxo simpático do SNC
também contribuem para o seu efeito anti-hipertensivo.
• IAM: o propranolol e outros β-bloqueadores têm efeito protetor no miocárdio.
Assim, o paciente que teve um infarto pode ser protegido contra um segundo
ataque com o uso profilático dos β-bloqueadores.
• Arritmias cardíacas e insuficiência da válvula mitral.
• Redução dos sintomas periféricos da ansiedade.
• Glaucoma: tratado como timolol é eficaz para diminuir a pressão intraglobular
no glaucoma. Isso ocorre por diminuição da secreção do humor aquoso pelo
corpo ciliar.
• Profilaxia da enxaqueca: o propranolol é um dos β-bloqueadores mais úteis
para essa indicação devido a sua natureza lipofílica, que lhe dá acesso ao
SNC.
• Hipertiroidismo: são eficazes em diminuir a ampla estimulação simpática que
ocorre no hipertiroidismo. No hipertiroidismo agudo (tempestade tireóidea ou
tireotoxicose), os β-bloqueadores podem salvar a vida e proteger contra
arritmias cardíacas graves.
No entanto, existem diversos efeitos colaterais dos β-bloqueadores, como:
broncoconstrição, bradicardia, insuficiência cardíaca, hipoglicemia, fadiga e
extremidades frias.

Observação: existem alguns fármacos com atividade simpatomimética


intrínseca (ASI), isto é, são antagonistas com atividade agonista parcial,
como o pindolol, oxprenolol e alprenolol. Esses fármacos também têm a
capacidade de estimular fracamente os receptores β1 e β2 ao qual se ligam,
mas inibem a estimulação pelas catecolaminas endógenas mais potentes,
adrenalina e noradrenalina. O resultado dessas ações opostas é um efeito
bem diminuído na frequência e no débito cardíaco se comparado ao efeito de
β-bloqueadores sem ASI. Dessa forma, os β-bloqueadores com ASI são
eficazes em pacientes hipertensos com bradicardia moderada, pois uma
redução adicional da frequência cardíaca com esses fármacos é menos
pronunciada.
➢ Transmissão colinérgica
O ciclo vital de síntese, de armazenamento e de liberação de acetilcolina
(ACh) é similar em todas as sinapses colinérgicas, incluindo as junções
neuromusculares esqueléticas e as terminações pré-ganglionares simpáticas e
parassimpáticas. A síntese da acetilcolina acontece através da reação entre a
acetilcoenzima A (CoA) e a colina, catalisada pela colina acetiltransferase
(ChAT). A colina, proveniente da dieta, entra no citoplasma por transportador
dependente de sódio, enquanto a acetilcoenzima A já se encontra dentro da
célula, por ser produto de degradação do metabolismo celular. Uma vez
sintetizada, a acetilcolina é armazenada dentro de vesículas sinápticas. Sobre
estas vesículas, atuam algumas proteínas, as VAMPs (proteínas de membrana
associadas a vesículas) e as SNAPs (proteínas sinaptossômicas associadas a
nervos). Ambas, juntamente com o cálcio internalizado por um potencial de ação,
vão fazer com que a vesícula contendo acetilcolina se funda com a membrana
celular, levando à liberação do neurotransmissor, que cai na fenda sináptica.
Dessa forma, a ACh exerce seu efeito ao se ligar nos receptores pós-
sinápticos e tem sua ação cessada por conta da acetilcolinesterase (AChE),
enzima que inativa a ACh de forma muito rápida, clivando-a em acetato e colina.

A ACh liberada das vesículas sinápticas difunde-se através do espaço


sináptico e se liga a receptores pós-sinápticos na célula-alvo. Esses receptores
pós-sinápticos colinérgicos (colinoceptores) são divididos em duas classes:
1. Muscarínicos.
2. Nicotínicos.
➢ Receptores muscarínicos
Os receptores muscarínicos pertencem à classe dos receptores acoplados à
proteína G (receptores metabotrópicos). Esses receptores, além de se ligarem à
ACh, reconhecem a muscarina, um alcaloide que está presente em certos
cogumelos venenosos. Porém, os receptores muscarínicos apresentam baixa
afinidade pela nicotina. Há cinco subclasses de receptores muscarínicos.
Inúmeros mecanismos moleculares diferentes transmitem o sinal gerado na
ocupação do receptor pela ACh:
• Receptor M1 (“neural”): receptor encontrado no SNC (córtex e hipocampo),
célula parietal, glândulas salivares e brônquios. Quando esse receptor é
ativado, ele sofre uma mudança conformacional e interage com uma proteína
G, designada Gq, a qual, por sua vez, ativa a fosfolipase C. Isso leva à
produção de segundos mensageiros IP3 e DAG. O IP3 causa aumento no
Ca2+ intracelular. O cálcio, então, pode estimular ou inibir enzimas ou causar
hiperpolarizacão, secreção ou contração. O DAG ativa a proteinocinase C,
uma enzima que fosforila inúmeras proteínas no interior da célula. Há
diversos efeitos relacionados ao receptor M1, como: aumento da função
cognitiva (aprendizado e memória); aumento da excitabilidade do SNC;
diminuição da liberação de dopamina e locomoção; aumento da secreção
gástrica; e aumento da despolarização de gânglios autônomos.
• Receptor M2 (“cardíaco”): receptor presente em coração (átrios), músculo
liso do trato gastrointestinal e SNC. A ativação do subtipo M2 estimula a
proteína G, denominada Gi, a qual inibe a adenililciclase (AMPc) e aumenta
a condutância do K+. Os efeitos são: no nodo SA reduz a despolarização e
causa hiperpolarização; diminui a frequência cardíaca (efeito inotrópico
negativo); no nodo AV, reduz a velocidade de condução; no átrio diminui o
período refratário; no ventrículo há uma discreta redução da contratilidade;
no músculo liso aumenta a contração; tremor; hipotermia; e analgesia central.
• Receptor M3 (“glandular”): receptor presente no endotélio, olho, músculo
liso do trato gastrointestinal e em glândulas (gástricas e salivares). A sua
ativação ocorre igual ao receptor M1, ou seja, pela interação com uma
proteína G e aumento de IP3 e DAG no citoplasma. Dentre os efeitos estão:
aumento da ingesta calórica e peso corporal; aumento da secreção salivar e
gástrica; contração do músculo liso do trato gastrointestinal; acomodação
ocular; vasodilatação; e síntese de óxido nítrico (NO).
• Receptor M4: presente no pulmão e no SNC (córtex e estriado) e ativado da
mesma maneira que o receptor M2, isto é, diminuição de AMPc e aumento da
condutância de K+. Os efeitos são: aumento da locomoção (aumento da
liberação da dopamina no SNC); analgesia; e autoreceptor.
• Receptor M5: presente na substância negra, glândulas salivares e olho (íris
e músculo ciliar), tem seu mecanismo de transdução de sinal igual ao M 1 e
M3 (aumento de IP3 e DAG). Seus principais efeitos são: aumento da
dilatação em artérias cerebrais e arteríolas; e aumento da procura de drogas
de abuso e recompensa.
➢ Receptores nicotínicos
Os receptores nicotínicos, além de ligarem a ACh, reconhecem a nicotina,
mas têm baixa afinidade pela muscarina. O receptor nicotínico é composto de
cinco subunidades e funciona como um canal iônico disparado pelo ligante. A
ligação de duas moléculas de ACh provoca uma alteração conformacional que
permite a entrada de íons sódio, resultando na despolarização da célula efetora.
A nicotina em concentração baixa estimula o receptor; em concentração alta, o
bloqueia. Esses receptores se localizam a junção neuromuscular (antagonista:
pancurônio); ganglionar (antagonista: trimetafan); e sistema nervoso central
(antagonista: metilaconitina).

➢ Drogas parassimpatomiméticas
Os fármacos colinérgicos, denominados parassimpatomiméticos, atuam em
receptores que são estimulados pela acetilcolina. Os parassimpatomiméticos
são classificados quanto a sua ação:
• Agonistas colinérgicos de ação direta: mimetizam os efeitos da acetilcolina
atuando diretamente nos receptores, como ésteres da colina e alcaloides.
• Agonistas colinérgicos de ação indireta ou anticolinesterásicos: não
possuem ação sobre os receptores colinérgicos, mas inibem a enzima
acetilcolinesterase, como os anticolinesterásicos de vida curta (reversíveis),
de ação intermediária (reversíveis) e anticolinesterásicos irreversíveis.

➢ Agonistas colinérgicos de ação direta: acetilcolina


A acetilcolina é um composto amônio quaternário que não consegue penetrar
membranas. Embora seja o neurotransmissor de nervos parassimpáticos e
somáticos, bem como dos gânglios autônomos, não tem importância terapêutica,
devido à sua multiplicidade de ações (que provoca efeitos difusos) e à sua rápida
inativação pelas colinesterases. Suas ações incluem: diminuição da frequência
(cronotropismo negativo), do débito cardíaco e da pressão arterial, entre outros.

➢ Agonistas colinérgicos de ação direta


A modificação na estrutura da molécula ACh levaram ao desenvolvimento de
compostos derivados de ésteres da colina, clinicamente mais importantes do que
a ACh, como: a metacolina, carbacol, betanecol e pilocarpina.
• Metacolina: apresenta ações muscarínicas. Usado na atonia de intestino,
bexiga e vesícula biliar pós-cirurgias.
• Carbacol: apresenta ações muscarínicas e nicotínicas. Devido a sua alta
potência, inespecificidade por receptor e duração de ação relativamente
longa (resistente à degradação pela colinesterase), o carbacol raras vezes é
usado em terapêutica, exceto no olho, como fármaco miótico no tratamento
do glaucoma, por causar contração pupilar e diminuição da pressão
intraocular.
• Betanecol: praticamente sem uso atualmente, mas pode ser utilizado para
testar a função pancreática, pois aumenta a secreção e contrai o esfíncter de
Oddi, causando aumento da amilase pancreática.
• Pilocarpina: um alcaloide presente na Pilocarpus jaborandi e possui ações
nicotínicas e muscarínicas. Comparado com a ACh e seus derivados, a
pilocarpina é muito menos potente; porém, por não possuir carga elétrica,
penetra no SNC nas dosagens terapêuticas. A pilocarpina apresenta
atividade muscarínica e é usada primariamente em oftalmologia, como no
glaucoma e na síndrome de Sjögren, caracterizada por xerostomia e falta de
lágrimas, pois produz rápida miose e contração do músculo ciliar.
Portanto, os diversos efeitos farmacológicos dos colinérgicos de ação direta
incluem: redução da frequência e do débito cardíaco; vasodilatação generalizada
(mediada pela produção de NO e aumento da produção de GMPc); contração de
músculos lisos (exemplo: brônquios); aumento do peristaltismo (náuseas e
vômitos); aumento da secreção glandular (lacrimal, sudorípara, salivar e
brônquica); e ativação do músculo constritor da pupila.

➢ Agonistas anticolinesterásicos reversíveis


Os inibidores da acetilcolinesterase (fármacos anticolinesterásicos, ou
inibidores da colinesterase) promovem ações colinérgicas indiretamente,
prevenindo a degradação da ACh. Isso resulta em acúmulo de ACh na fenda
sináptica, aumento a resposta intracelular na célula pós-sináptica. Os inibidores
reversíveis da acetilcolinesterase podem ser classificados como fármacos de
ação curta ou intermediária.
O principal fármaco de ação curta é o edrofônio (t1/2 = 3 a 4 minutos), pois é
eliminado rapidamente pelo rim. É usado no diagnóstico da miastenia gravis,
uma doença autoimune causada por anticorpos contra o receptor nicotínico nas
junções neuromusculares. Isso causa sua degradação e reduz o número de
receptores disponíveis para interação com a ACh. O edrofônio pode ser usado
também para avaliar o tratamento inibidor da colinesterase, para diferenciar
entre crises colinérgicas e miastênicas e para reverter os efeitos de
bloqueadores neuromusculares não despolarizantes após a cirurgia.
Os principais anticolinesterásicos de ação intermediária são: fisostigmina,
neostigmina, piridostigmina, demecário e ambenônio, os quais são poucos
absorvidos no trato gastrointestinal e não cruzam a barreira hematoencefálica,
sendo utilizados, portanto, para o tratamento da miastenia gravis; enquanto
tacrina, donepezil, galantamina e rivastigmina, cruzam melhor a barreira
hematoencefálica e são usadas no tratamento da doença de Alzheimer.
➢ Agonistas anticolinesterásicos irreversíveis
Inúmeros compostos organofosforados sintéticos apresentam a propriedade
de ligar-se covalentemente à acetilcolinesterase. O resultado é um aumento de
longa duração (3 a 5 dias) nos níveis de ACh em todos os locais onde ela é
liberada. Vários desses fármacos são extremamente tóxicos e foram
desenvolvidos como agentes “contranervos” com fins militares (não possuem
uso clínico). Os principais compostos são: tabun, sarin, soman, paraoxon,
fention, melation, ecotiopato, diflos e VX (extremamente tóxicos).
De modo geral, os efeitos farmacológicos dos anticolinesterásicos são:
redução da frequência e do débito cardíaco; vasodilatação generalizada (NO);
contração de músculos lisos (exemplo: brônquios); hipermotilidade do trato
gastrointestinal; aumento da secreção glandular (lacrimal, sudorípara, salivar a
brônquica); ativação do músculo constritor da pupila; e fasciculação muscular
(paralisia da musculatura respiratória).
Os anticolinesterásicos irreversíveis produzem uma forma de enzima
acetilcolinesterase que não pode ser espontaneamente regenerada (ou é muito
lenta). Assim, o tratamento se faz através da (1) pralidoxima, pois a sua adição
permite a reativação das enzimas acetilcolinesterases; ou da (2) atropina, pois é
capaz de reverter todos os efeitos sistêmicos da crise colinérgica.

➢ Drogas parassimpatolíticos
Antagonista colinérgico ou fármacos parassimpatolíticos é um termo geral
para os fármacos que se ligam aos receptores muscarínicos ou nicotínicos e
previnem os efeitos da acetilcolina ou outros agonistas colinérgicos. Os
compostos de amônio terciário, como atropina, escopolamina (hioscina),
ciclopentolato, tropicamida, diciclomina, trihexafenidila, homatropina, tolterodina,
cruzam mais facilmente a barreira hematoencefálica; enquanto que os
compostos de amônio quaternário, como propantelina, metantelina, ipratrópio,
tiotrópio, glicopirrolato e metilescopolamina, não apresentam tal ação.
Os efeitos farmacológicos dos anticolinérgicos incluem:
• Olho: bloqueiam toda a atividade muscarínica no olho, resultando em
midríase persistente (dilatação da pupila), ausência de resposta à luz e
cicloplegia (incapacidade de focar a visão para perto).
• Respiratório: reduzem as secreções do trato respiratório superior e inferior
(boca, faringe e brônquios). São usados em crises leves de asma.
• Trato gastrointestinal: são usados como antiespasmódico para reduzir o
tônus e motilidade da musculatura e relaxamento de esfíncteres.
• Trato geniturinário: atropina é um forte dilatador do ureter e da bexiga para
retirada de cálculo renal; enquanto que tolterodina e darifenacina reduzem a
incontinência urinária (bexiga hiperativa).
• Coração: a atropina produz efeitos divergentes no sistema cardiovascular,
dependendo da dose. Em doses baixas, o efeito é a diminuição da frequência
cardíaca, devido ao bloqueio dos receptores M1 nos neurônios pré-juncionais
(ou pré-sinápticos) inibitórios, permitindo assim aumento da liberação de
ACh. Dosagens mais altas de atropina causam aumento progressivo na
frequência cardíaca pelo bloqueio dos receptores M2 no nódulo sinoatrial.
• Circulação: ação pequena devido à ausência de M3 em leitos vasculares.
• SNC: redução do tremor no mal de Parkinson.
• Útero: pacientes relatam a melhora de cólicas.
• Glândulas sudoríparas: redução da secreção.
O uso dos anticolinérgicos produz alguns efeitos colaterais, como: dispepsia
(dor na parte superior do abdômen), xerostomia (boca seca), constipação, visão
borrada e prejuízo cognitivo.

➢ Bloqueadores neuromusculares (BNMs)


Os BNMs bloqueiam a transmissão colinérgica entre o terminal nervoso motor
e o receptor nicotínico no músculo esquelético. Os BNMs são úteis clinicamente
durante cirurgias para facilitar a intubação endotraqueal e oferecer relaxamento
muscular completo, na ortopedia é importante para correção de deslocamentos
ou para alinhamentos de fraturas, também é utilizado para prevenção de trauma
durante terapia eletroconvulsiva e para controle de espasmos musculares.
Os BNMs possuem alguma similaridade química com ACh e atuam nos
receptores placa motora da junção neuromuscular (JNM) de duas formas:
• Antagonistas competitivos dos receptores (tipo não despolarizante):
atracurio, pancurônio, vecurônio, rocurônio e cisatracúrio. Esses fármacos,
em doses baixas, competem com a ACh pelo receptor sem estimulá-lo e
impedem a despolarização da membrana da célula muscular e inibem a
contração muscular. Enquanto em doses altas, podem bloquear os canais
iônicos na placa motora. Isso leva a um enfraquecimento adicional na
transmissão neuromuscular, reduzindo, assim, a possibilidade de os
inibidores da colinesterase reverterem a ação dos bloqueadores.
• Agonistas dos receptores (tipo despolarizante): succinilcolina. Esses
fármacos atuam por despolarização da membrana plasmática da fibra
muscular, similarmente à ação da ACh. Entretanto, esses fármacos são mais
resistentes à degradação pela (AChE) e, assim, despolarizam as fibras
musculares de modo mais persistente.
FARMACOLOGIA DO PROCESSO INFLAMATÓRIO E FEBRIL

➢ Resposta inflamatória
A resposta inflamatória é caracterizada pelos cinco sinais cardinais: calor,
rubor, dor, edema e perda de função. A inflamação não é a doença em si, apenas
está presenta em diversas doenças, incluindo: infecções por parasitas, fungos,
bactérias e vírus; anafilaxia; doenças ambientais (inalação de fumaça, exposição
à asbesto, etc.); artrite reumatoide, gota, doenças autoimunes (como lúpus
eritematoso sistêmico) e intestinais (doença de Crohn); doenças crônicas tais
como diabetes e aterosclerose; isquemia miocárdica; acidente vascular cerebral;
e algumas doenças neurodegenerativas (doenças de Parkinson e Alzheimer).
Portanto, a resposta inflamatória tem a função de restringir, diluir e destruir o
agente agressor. No entanto, durante esse processo de defesa, muitas células
do próprio indivíduo são destruídas. É nesse momento, em que o dano tecidual
causado pela inflamação é maior do que o benefício de defesa, que se faz
necessário o tratamento farmacológico para bloquear a resposta inflamatória.

➢ Mediadores inflamatórios
No local da inflamação, algumas células secretam mediadores inflamatórios,
que servem para ativar ou aumentar aspectos específicos da inflamação. Dentre
esses mediadores, os mais importantes são: substância P; bradicinina e outras
cininas; C5a e C3a (anafilotoxinas do sistema complemento); histamina; óxido
nítrico (NO); e prostaglandinas (via COX-1).
• Substância P: liberada principalmente por neurônios nociceptivos (neurônios
sensoriais relacionados com a percepção da dor), quando estes são
estimulados por ATP, ácidos ou estiramento. Uma vez liberada, atua em
receptores NK-1 presentes nas células endoteliais, mastócitos e nos próprios
neurônios nociceptivos, provocando vasodilatação, aumento da
permeabilidade vascular, dor e liberação de histamina.
• C3a e C5a: possuem uma origem plasmática através da ativação do sistema
complemento e atuam em receptores, C3aR e C5aR, localizados em
mastócitos e células endoteliais, culminando na liberação de histamina e
migração celular.
• Bradicinina e outras cinininas: quando há uma lesão tecidual, ocorre uma
exposição de substâncias carregadas negativamente, principalmente o
colágeno, o qual ativa o fator XII (fator de Hageman). Uma vez ativado, o fator
XIIa ativa a pré-calicreína, presente no plasma, em calicreína. Esta, por sua
vez, transforma o cininogênio em cininas (como: calidina e bradicinina).
Essas duas cininas podem seguir três caminhos diferentes: (1) atuar em
receptores B2; (2) sofrer metabolização pela cininase I em peptídeos ativos,
os quais tem preferência por receptores B1; ou (3) sofrer metabolização pela
cininase II em peptídeos inativos. Ao ligar-se aos receptores localizados nas
células endoteliais há uma vasodilatação e aumento da permeabilidade
vascular, enquanto que ao liga-se aos receptores localizados nos neurônios
nociceptivos ocorre a percepção da dor.
• Histamina: sob ação da substância P, C3a e C5a ocorre a degranulação dos
mastócitos e liberação da histamina. Na resposta inflamatória, este
mensageiro químico se liga os receptores do tipo H1 presentes em células
endoteliais, provocando vasodilatação e aumento da permeabilidade
vascular, e em neurônios pruritogênicos, provocando prurido.
• Óxido nítrico (NO): a histamina, bradicinina e outras cininas e a substância
P ligam-se aos seus receptores nas células endoteliais provocando um
aumento de Ca2+ intracelular. A liberação desse íon ativa a NO sintase
constitutiva (cNOS), que transforma L-arginina em NO e citrulina. O NO
difunde-se para músculo liso vascular e ativa a enzima guanilato ciclase,
transformando GTP em GMPc. O aumento de GMPc no músculo liso vascular
promove a vasodilatação.
• Prostaglandinas: os derivados do ácido araquidônico podem ser formados
em qualquer tipo celular, pois são derivados dos fosfolipídios de membrana
celular. Assim, toda vez que houver o aumento de Ca2+ intracelular, haverá a
ativação da fosfolipase A2, a qual transforma o fosfolipídio de membrana em
glicerol e ácido araquidônico. Esse ácido graxo pode ser metabolizado por
diversas enzimas, dentre elas: a cicloxigenase-1 (COX-1), que dá origem a
endoperóxidos cíclicos (PGH2), os quais são muito instáveis e, por isso, são
transformadas em prostaglandina I2 (pela PGI2 sintetase); ou em tromboxano
(pela TXA1 sintetase); ou em prostaglandinas D2, E2 e F2α (pelas isomerases);
e 5-lipoxigenase, que dá origem a leucotrienos B4, C4, D4 ou E4.
Observe que todos esses mediadores são formados rapidamente e, portanto,
para permanecer por mais tempo, é necessária uma amplificação da resposta
inflamatória. A função de amplificação é realizada principalmente por citocinas.

➢ Citocinas
O organismo reconhece um determino patógeno através de padrões
moleculares associados à patógenos (PAMPs). As PAMPs são um conjunto
limitado e definido de padrões moleculares conservados que estão presentes em
todos os microrganismos de uma determina classe (patogênica ou comensal).
Dessa forma, o organismo desenvolveu um grupo correspondente de
receptores, conhecimento como receptores de reconhecimento de padrão
(PRRs), que detectam a presença do patógeno. Os receptores do tipo Toll (TLR)
pertencem a uma das famílias mais importantes para a resposta inflamatória.
Como as respostas inflamatórias não ocorrem apenas quando há uma
infecção, pode-se dizer que existem padrões moleculares associados ao
dano (DAMPs). As DAMPs são um conjunto limitado e definido de padrões
moleculares conservados que estão presentes no hospedeiro, em geral, no meio
intracelular, e que é liberado após o dano tecidual. Exemplo: DNA mitocondrial.
Portanto, tanto as PAMPs quanto as DAMPs atuam em receptores do tipo
Toll, os quais desencadeiam uma cascata de quinases, levando ao aumento de
diversos fatores de transcrição, por exemplo:
• Síntese de citocinas, como IL-1β e TNF-α.
• Síntese de receptores B1 de cininas.
• Síntese de moléculas de adesão (migração celular).
• Síntese de COX-2 e, consequentemente, derivados do ácido araquidônico.
• Síntese de iNOS e, consequentemente, de NO.
Assim, embora apenas um macrófago tenha entrado em contato com o
agente agressor, diversos tipos celulares ficaram ativados através das citocinas.
Conclui-se que, a principal função das citocinas é manter a comunicação entre
as diferentes células (leucócitos, neurônios e células endoteliais), amplificando
o sinal da resposta inflamatória.

➢ Edema
O edema é dependente de dois processos:
1. Vasodilatação.
2. Aumento da permeabilidade venular nas vênulas pós-capilares.
Quando se inicia a resposta inflamatória, há a liberação da substância P,
bradicinina e histamina, que provocam um aumento de Ca2+ intracelular. O
influxo desse íon: (1) ativa a cNOS no endotélio, produzindo NO; e (2) ativa a
COX-1, produzindo prostaglandina (PG). Tanto o NO quanto a PG promove a
vasodilatação. Com o decorrer da inflamação, há a amplificação causada pelas
citocinas (IL-1β, TNF-α, IL-6), as quais causam: (1) indução de iNOS, produzindo
mais NO; e (2) indução da COX-2, produzindo mais PG. Consequentemente,
aumenta-se ainda mais a vasodilatação.

Além da vasodilatação, algumas substâncias como histamina, bradicinina e


substância P promovem a contração das células endoteliais das vênulas pós-
capilares. Dessa forma, há a formação de poros, os quais permitem a saída de
proteínas, principalmente albumina. Em virtude do aumento da quantidade de
soluto fora do vaso, aumenta-se a pressão oncótica e, consequentemente, há a
formação do exsudato inflamatório.

Clínica médica: normalmente, o edema é composto por líquido pobre em


proteína, sendo chamado de transudato. Esses casos são gerados por
alterações hemodinâmicas, principalmente aumento da pressão hidrostática
ou diminuição da pressão oncótica, como visto na insuficiência cardíaca,
renal, hepática e desnutrição. Mas há também os tipos de edema gerados
pelo processo inflamatório, no qual é chamado de exsudato e nesse caso o
líquido é rico em proteínas – o edema aqui é causado pelo aumento da
permeabilidade vascular (ou invasão tumoral), gerado na inflamação com o
objetivo de facilitar a chegadas das células imunes para as regiões afetadas.

Portanto, é possível observar que essa sequência de ações (vasodilatação e


o aumento da permeabilidade venular) é responsável, além do edema, pelo calor
e pelo rubor, uma vez que a região fica com um fluxo sanguíneo aumentado.
Como citado anteriormente, a função da resposta inflamatória é restringir,
diluir e destruir o agente agressor. Assim, essas ações garantem a restrição e a
diluição do agente agressor.
➢ Destruição do agente agressor
A destruição do agente agressor é realizada pela migração de leucócitos, a
qual depende de indução de moléculas de adesão, como: selectinas (induzidas
por uma baixa concentração de citocinas e responsáveis pela etapa de rolagem);
e integrinas (induzidas por uma alta concentração de citocinas e com adesão
mais forte quando comparada às selectinas).
Na matriz extracelular, os leucócitos seguem o gradiente de concentração de
quimiocinas (citocinas quimiotáticas) e são atraídos para o foco inflamatório.
Nessa região, os polimorfonucleares fagocitam os agentes agressores e os
eliminam por uma explosão oxidativa (principalmente peróxido de hidrogênio).
Em seguida, os monócitos deixam o vaso sanguíneo, tornando-se macrófagos,
e seguem o mesmo caminho dos leucócitos para, agora, realizar a limpeza
tecidual e restos celulares. Eventualmente, pode ocorrer a migração de linfócitos,
porém, estes estão relacionados a resposta imune adaptativa.

➢ Dor
A dor é “uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a
uma lesão tecidual real ou potencial ou descrita em termos de tal lesão”.
Enquanto as fibras Aα e Aβ conduzem propriocepção e toque leve, os
nociceptores (receptores da dor) são terminações nervosas livres que
carreiam informações da periferia para o sistema nervoso central. Essas fibras
são do tipo Aδ (dor em pontada) e C (dor em queimação) e possuem um alto
limiar de desencadeio, ou seja, são menos sensíveis. As fibras do tipo Aδ são
um pouco mais calibrosas e mais mielinizadas que as fibras C,
consequentemente, as fibras Aδ transmitem informações mais velozmente que
as fibras C. Além disso, elas se diferem no sentido de as fibras Aδ conduzirem
informações de dor mais localizadas, enquanto fibras C são relacionadas a dor
irradiada. Outra característica interessante é que elas são polimodais, pois
informações mecânicas, químicas e térmicas ativam um receptor no nociceptor
que faz com que o sistema integre a informação e responda às mudanças do
ambiente. Essas terminações nervosas livres, além de serem estimuladas por
calor, frio, estímulos mecânicos e ácido, são estimulados por diversas
substâncias, incluindo: histamina, serotonina, bradicinina, prostaglandinas (as
quais fazem sensibilização das fibras nociceptivas), ATP, H+, fator de
crescimento neural, TNFα, endotelinas e outras interleucinas.
Terminologia:
✓ Nocicepção: descreve o componente sensorial da dor.
✓ Hiperalgesia: potencialização da dor.
✓ Alodinia: processo que transforma uma sensação não dolorosa em dolorosa.
✓ Dor nociceptiva: dor sem uma patologia associada.
✓ Dor inflamatória: dor que ocorre durante o processo inflamatório.
✓ Dor neuropática: o sistema nociceptivo está alterado promovendo dor.
✓ Nociceptores: são os receptores de dor (terminações nervosas livres).

As moléculas de prostaglandinas, quando ligadas aos seus receptores, os


quais são acoplados a proteínas G estimulatórias, promovem o aumento do
AMPc e, consequente, ativação da PKA. A PKA age fosforilando os canais de
Na+ do tipo NaV 1,8/1,9, facilitando a entrada deste íon para o interior celular. A
entrada de sódio reduz a diferença de potencial entre o meio interno e externo.
Dessa forma, fica facilitada a estimulação do neurônio, aumentando a frequência
de disparo dos potenciais de ação.

O potencial de ação, então, viaja ao longo do axônio até chegar na primeira


sinapse no corno dorsal na medula espinhal. Os principais neurotransmissores
que serão liberados durante essa sinapse são: o fator neuronal (BDNF), o
glutamato e a substância P.
Em uma resposta inflamatória, há a liberação de interleucinas, como IL-1β,
IL6 e TNFα, que induzem síntese da COX-2. Essa enzima converte ácido
araquidônico em prostaglandinas, as quais promovem a sensibilização
periférica. Se o neurônio tiver uma atividade muito intensa, as células da medula
espinhal também terão expressão de COX-2 e, por consequência, ocorrerá a
sensibilização central.

➢ Controle da temperatura corporal


A resposta inflamatória é uma resposta localizada, ou seja,
termina com rubor, calor, dor, edema e perda de função. No
entanto, se a quantidade de citocinas produzidas for muito grande,
estas encontrarão a corrente circulatória e, por consequência,
chegarão ao hipotálamo, a região que controla a temperatura
corporal. Portanto, a febre é uma resposta sistêmica.
Para o controle da temperatura corporal, alguns receptores
detectam a temperatura do ambiente e enviam as informações
para o corno dorsal da medula espinhal (DH). Depois de uma
segunda sinapse com o neurônio do núcleo lateral parabraquial
(LPB), as fibras acendem para a área pré-óptica do hipotálamo
(MnPO).
• Calor: os neurônios gabaérgicos (inibitórios) da área pré-óptica
medial são sensíveis ao calor. Toda vez que houver ativação
desses neurônios, eles inibirão o tremor muscular, a produção
de calor no tecido adiposo marrom (BAT) e a vasoconstrição.
• Frio: no ambiente frio, as informações sensoriais aferentes
promovem a inibição dos neurônios inibitórios, o que por
consequência induz respostas como tremor, produção de calor
no tecido adiposo marrom e vasoconstrição cutânea. Dessa
forma, a temperatura corporal pode-se manter constante.
➢ Resposta febril
A febre é um aumento regulado da temperatura corporal para níveis acima
daqueles considerados normais decorrente de uma alteração no ponto de
regulação da temperatura do hipotálamo.
Portanto, em uma resposta inflamatória as citocinas (TNFα, IL-1β e IL6)
quando produzidas em grande quantidade chegam à área pré-óptica do
hipotálamo anterior e induzem a síntese de COX-2 nas células endoteliais. A
COX-2, por sua vez, é capaz de sintetizar prostaglandina E 2, que atua no
receptor EP3, alterando a frequência de disparo dos neurônios hipotalâmicos,
resultando em uma resposta febril.
Ou seja, a prostaglandina E2 inibe os neurônios inibitórios da área pré-óptica
medial, favorecendo o tremor, produção de calor e vasoconstrição. É importante
notar que o hipotálamo não deixa de controlar a temperatura, na realidade ele
controla com um limiar de temperatura maior.

➢ Anti-inflamatórios não-esteroidais (AINES)


Os anti-inflamatórios não-esteroidais são drogas do tipo da aspirina (ou ácido
acetilsalicílico). O mecanismo de ação é a inibição da ciclooxigenase (COX).
Como visto anteriormente, a COX é a enzima marca-passo na rota metabólica
onde o ácido araquidônico é convertido em prostaglandinas, sendo que a enzima
COX-1 é constitutiva e seus derivados fazem parte do metabolismo fisiológico; e
a COX-2 é induzida por citocinas durante a resposta inflamatória.

Dessa forma, ao inibir a COX, os anti-inflamatórios bloqueiam a síntese de


prostaciclina, tromboxanos e prostaglandinas (E2, D2 e F2α), não alterando a
síntese de leucotrienos. Portanto, o bloqueio da COX é anti-inflamatório, porque
o fármaco impede que as prostaglandinas promovam a vasodilatação e, por
conseguinte, reduz o edema, calor e rubor. No entanto, a permeabilidade
vascular não será afetada, uma vez que não há participação direta da
prostaglandina, mas sim da bradicinina, histamina e substância P.
No que se refere à dor, as prostaglandinas são importantes para a
sensibilização das fibras nervosas periféricas. Assim, com o bloqueio da COX-2
a fibra deixa de ser sensibilizada, conferindo ao medicamento a propriedade de
ação analgésica, sendo que quanto mais cedo o tratamento da dor, maior o efeito
analgésico. Além disso, ao bloquear a síntese de prostaglandinas, os neurônios
inibitórios da área pré-óptica medial não serão inibidos e, por consequência,
ficarão ativos e inibirão a produção de calor pelos músculos, tecido marrom e
vasoconstrição. O resultado final é a redução da temperatura corporal, ou seja,
os AINES possuem efeito antipirético.

Resumindo: os AINEs são um grupo de fármacos que se diferenciam na sua


atividade anti-inflamatória, analgésica e antipirética:
✓ Anti-inflamatório: reduz o edema.
✓ Analgésico: reduz a sensibilização dos nociceptores.
✓ Antipirético: reduz a formação de prostaglandinas no hipotálamo.
✓ Migração celular: nenhum ou pouco efeito.

A maioria dos anti-inflamatórios não-esteroidais inibem inespecificamente a


COX-1 e a COX-2. Dessa forma, a inibição da COX-2 produz sempre um efeito
terapêutico. Enquanto que, a inibição da COX-1, por ser fisiológica, resulta em
efeitos colaterais mais significativos. As diferenças na forma dos locais de
ligação entre essas duas enzimas permitiram o desenvolvimento de inibidores
COX-2 seletivos (coxibes). Esses inibidores seletivos da COX-2 geralmente
são moléculas mais volumosas e, por isso, conseguem competir com o ácido
araquidônico, mas não conseguem se ligar à COX-1.
É importante deixar claro que a maioria dos bloqueios dos AINES são
competitivos, isto é, são reversíveis em
condições com alta concentração da droga.
A única exceção é a aspirina ou ácido
acetilsalicílico (AAS) que se liga em ambas
as enzimas e as transfere o radical acetil,
bloqueando irreversivelmente tanto COX-1
quanto COX-2. Por consequência, as
enzimas ficam impossibilitadas de produzir
prostaglandinas.
A maioria dos não seletivos apresentam
uma meia-vida curta, no máximo 10 horas,
sendo que a grande maioria fica entre 2 e 4
horas de meia-vida e, por isso, devem ser
administrados de 6/6h ou de 8/8h. Por outro
lado, os seletivos apresentam meia-vida
maior, variando de 10 a 12 horas e, por isso,
podem ser prescritos como uma ou duas
vezes ao dia. A única exceção desse grupo
é o paracetamol, o qual apresenta atividade
analgésica e antipirética, mas sua atividade
inflamatória é bastante reduzida.
➢ Principais efeitos colaterais dos AINES
Dentro da classe dos AINES existem drogas com grupamentos químicos
diversos, logo, os efeitos colaterais podem ser bem distintos. Os seis efeitos
colaterais mais importantes são:
• Ulceração gástrica e intolerância.
• Bloqueio da agregação plaquetária.
• Inibição da motilidade uterina.
• Inibição da função renal mediada por prostaglandina.
• Efeitos cardiovasculares.
• Hipersensibilidade.

➢ Ulceração gástrica e intolerância


Fisiologicamente, para reduzir a acidez estomacal, a COX-1 produz
prostaglandina (PGE2) e prostaciclina (PGI2), as quais atuam em receptores EP
ou IP e que estão acoplados a proteína G inibitória. Esta, por sua vez, diminui a
ação da bomba de H+ e K+ e, consequentemente, diminui a secreção do H+ na
luz estomacal.
Dessa forma, os AINES ao bloquear a COX-1, retiram o papel protetor
exercido por essa enzima, conduzindo à intolerância, dispepsia e,
eventualmente, à ulceração gástrica. Existem algumas estratégias que podem
ser utilizadas para controlar esse efeito colateral:
• Utilizar AINES seletivos para COX-2.
• Combinar o uso de AINES com antagonistas de receptores H2 (cimetidina e
raniditina), que bloqueiam o efeito da histamina. A histamina se liga aos
receptores H2 das células parietais e intensifica a secreção do H+.
• Combinar o uso de AINES com agonistas dos receptores de prostaglandina
sintética (misoprostol ou cytotec).
• Inibidores diretos da bomba: bloqueiam irreversivelmente a bomba H +/K+
ATPase (omeprazol, pantoprazol e lansoprazol).
• Sucralfato: um polissacarídeo que forma uma barreira física contra acidez.

➢ Bloqueio da agregação plaquetária


Uma outra função fisiológica importante é a conversão, por ação da COX-1,
do ácido araquidônico em tromboxano A2 (TXA2), o qual promove a agregação
plaquetária e favorece a coagulação sanguínea normal.
Como as plaquetas não possuem núcleo, elas não podem sintetizar novas
enzimas quando inibidas pelo uso de AINES, e a falta de tromboxano persiste
durante toda a vida da plaqueta (3-7 dias). Assim, ao inibir a COX-1, inibe a
agregação plaquetária, o que pode causar hemorragias. É por esse motivo que
essas drogas são contraindicadas nos casos suspeitos de dengue, pois há
possibilidade que seja um quadro de dengue hemorrágica (2ª exposição). Em
casos de dengue, o paracetamol e a dipirona são indicados, pois não causam
problemas gástricos e bloqueio da agregação plaquetária.

➢ Inibição da motilidade uterina


No epitélio uterino, o ácido araquidônico é convertido em prostaglandina F2α,
o qual é responsável por causar a contração do miométrio. Por isso, uma
gestante que utilize AINES próximo do parto pode ter um retardo nas contrações.
A prostaglandina sintética (cytotec) foi lançada inicialmente para proteção
gástrica. No entanto, ela também induz contrações uterinas no útero gravídico e
atualmente é muito utilizada para provocar aborto.
➢ Inibição da função renal mediada por prostaglandinas
Em casos de insuficiência renal, há elevados níveis de vasoconstritores no
sangue. Para compensar, o rim sintetiza COX-2, que responsável pela produção
de PGE2, um vasodilatador que melhora na filtração glomerular.
O uso de AINES impede esse mecanismo compensatório, por inibição da
COX-2. Consequentemente, isso pode piorar o quadro de insuficiência renal e
resultar na retenção de sódio e água, causando edema. Pacientes com
hipertensão arterial ou cirrose estão sob maior risco.

➢ Efeitos cardiovasculares
Pacientes com hipertensão e aterosclerose apresentam muita chance de
desenvolvimento de trombos. Dessa forma, fármacos como o AAS, com alto grau
de seletividade pela COX-1, mostraram efeito protetor cardiovascular
provavelmente devido à redução na produção de TXA 2, impedindo a agregação
plaquetária. Como o AAS inibe irreversivelmente a COX-1, o efeito
antiplaquetário persiste por toda a vida da plaqueta. O uso crônico de doses
baixas assegura a inibição continuada conforme novas plaquetas vão sendo
produzidas. O AAS também é usado para diminuir o risco de morte em infarto do
miocárdio agudo e em pacientes submetidos a certos procedimentos de
revascularização.
Fármacos com maior seletividade relativa para a COX-2 são associados ao
aumento do risco de eventos cardiovasculares, possivelmente por diminuir a
produção de PGI2 mediada pela COX-2. O ibuprofeno inibe tanto a COX-1
quanto a COX-2; o diclofenaco em doses baixas bloqueia a COX-2 e em doses
altas, bloqueia as duas enzimas.
A droga mais utilizada para uma pessoa com risco cardiovascular é o
naproxeno, um AINE não seletivo, porém, bloqueia mais a COX-1 e, como esta
enzima está mais presente na plaqueta, ele evita a formação de trombos.

➢ Hipersensibilidade
Os pacientes com hipersensibilidade à aspirina apresentam na verdade
hipersensibilidade a todos os medicamentos da classe de AINES, exceto o
paracetamol e dipirona. Além disso, os AINEs devem ser usados com cautela
em pacientes com asma, pois a inibição da síntese de PGs pode causar desvio
em direção à produção de leucotrienos e, consequentemente, levar a
broncoconstrição e aumentar manifestações de asma.
➢ Anti-inflamatórios esteroidais (AIES)
A glândula suprarrenal é dividida em duas camadas: camada cortical (córtex)
e camada medular (medula). Essas duas camadas podem ser consideradas dois
órgãos distintos, de origens embriológicas diferentes, apenas unidos
anatomicamente. As adrenais, então, possuem dupla origem embriológica:
mesodérmica (região cortical) e neuroectodérmica (região medular).
A medula secreta epinefrina, ao passo que o córtex secreta dois tipos de
corticosteroides (glicocorticoides e mineralocorticoides) e os androgênios
suprarrenais. O córtex suprarrenal tem três zonas, e cada zona sintetiza um tipo
de hormônio esteroidal diferente a partir do colesterol:
• Zona glomerulosa: mais externa, produz mineralocorticoides (por exemplo,
aldosterona), que é responsável pela regulação do metabolismo da água e
do sal. A produção de aldosterona é regulada primariamente pelo sistema
renina-angiotensina.
• Zona fasciculada: camada intermediária, sintetiza os glicocorticoides (por
exemplo, cortisol), que estão envolvidos com o metabolismo normal e a
resposta ao estresse.
• Zona reticular: camada interna secreta os androgênios suprarrenais.
A secreção das zonas intermediária e interna e, em menor extensão, da zona
externa é controlada pelo hormônio adrenocorticotrópico (ACTH, também
denominado corticotropina), que é liberado em resposta ao hormônio liberador
da corticotropina (CRH), produzido pelas células da região parvocelular do
núcleo paraventricular do hipotálamo. É o chamado eixo hipotálamo-pituitária-
adrenal (HPA). Além disso, os glicocorticoides (cortisol) servem de feedback
negativo da secreção de ACTH e CRH.

O cortisol é o principal glicocorticoide humano. Normalmente, sua produção


é diurna, com pico pela manhã seguido de um declínio e um pico secundário,
pequeno, no fim da tarde. Diversos fatores como estresse, mudanças
ambientais, resposta inflamatória e infecções) influenciam a secreção.
Durante uma resposta inflamatória, ocorre a liberação de IL-1 e TNF, que são
capazes de estimular a produção de CRH pelo hipotálamo. Consequentemente,
é induzida a produção de cortisol pela adrenal. Dessa forma, quando os níveis
de cortisol estão elevados, esse hormônio também é capaz de controlar a
resposta inflamatória e, portanto, o cortisol não permite uma resposta
inflamatória exacerbada. Os fármacos análogos de cortisol reforçam o feedback
negativo reduzindo a síntese de citocinas. proteínas, os efeitos dos
corticosteroides não são, em sua maioria, imediatos, porém tornam-se aparentes
depois de várias horas. Esse fato possui importância clínica, devido à demora
geralmente observada para a manifestação dos efeitos benéficos da terapia com
corticosteroides.

➢ Receptores de corticosteroides
O cortisol é um hormônio esteroide derivado do colesterol. Dessa forma, a
característica lipofílica dessa molécula e de seus análogos é essencial para que
atravessem a membrana celular e possam chegam até os receptores, que são
estruturas intracelulares. Dentro da célula, essas substâncias regulam a
expressão dos genes responsivos aos corticosteroides, modificando, assim, os
níveis e o conjunto de proteínas sintetizadas pelos vários tecidos-alvo. Em
consequência do tempo necessário para modular a expressão gênica e a síntese
de proteínas, os efeitos dos corticosteroides não são, em sua maioria, imediatos,
porém tornam-se aparentes depois de várias horas. Esse fato possui importância
clínica, devido à demora geralmente observada para a manifestação dos efeitos
benéficos da terapia com corticosteroides.
Portanto, os receptores intracelulares possuem um domínio de ligante ao
cortisol (ou à droga) de maneira muito semelhante. Porém, como é possível
haver a ação distinta de glicocorticoides e mineralocorticoides? A especificidade
destes receptores está relacionada ao tecido. Os receptores glicocorticoides
(GC) são amplamente distribuídos pelo organismo, ao passo que os receptores
mineralocorticoides (MC) estão confinados principalmente nos órgãos de
excreção, como rins, colo e glândulas salivares e sudoríparas. Além disso, sabe-
se que a isoenzima 11β-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 2 (11β-HSD2)
desempenha um papel essencial na especificidade dos corticosteroides,
particularmente nos rins, no cólon e nas glândulas salivares. Essa enzima
metaboliza glicocorticoides, como o cortisol, a derivados 11-ceto inativos para os
receptores, como a cortisona. A cortisona nestes órgãos é inativa e não se liga
aos receptores de mineralocorticoide, permitindo a ação da aldosterona, que,
embora em menor quantidade, não é transformada.
➢ Mecanismos de ação dos glicocorticoides
As propriedades terapêuticas mais importantes dos glicocorticoides são suas
potentes atividades anti-inflamatórias e imunossupressivas. Esses efeitos
terapêuticos dos glicocorticoides são resultado de numerosas ações:
• Inibição da expressão de genes inflamatórios: o glicocorticoide ao entrar
na célula, forma um complexo com seu receptor que se dirige ao núcleo e,
através da presença de dedos de zinco, pode-se ligar a genes já ativados. A
presença deste complexo permite a ligação da histona desacetil transferase
(HDAC2), que desacetila as histonas e, consequentemente, realiza a
repressão gênica (compactação do material genético). Além disso, o
complexo glicocorticoide + receptor pode se ligar ao NF-kB ativo presente no
citoplasma, impedindo indiretamente a transcrição gênica e liberação de
citocinas pró-inflamatórias.
• Ativação da expressão de genes anti-inflamatórios: o complexo
glicocorticoide + receptor dirige-se ao núcleo com o objetivo de promover a
acetilação das histonas e, consequentemente, o desenrolar do material
genético. Assim, pode ocorrer a síntese do RNAm de proteínas anti-
inflamatórias como anexina-1 e receptores B2 adrenérgicos.
• Efeitos não genômicos: os glicocorticoides inibem a habilidade dos
leucócitos e dos macrófagos de responder a mitógenos e antígenos. Eles
inibem, através da enzima anexia I, a fosfolipase A2, que bloqueia a liberação
de ácido araquidônico (o precursor de prostaglandinas e leucotrienos) dos
fosfolipídios ligados à membrana. Finalmente, os glicocorticoides influenciam
a resposta inflamatória estabilizando membranas de mastócitos e basófilos,
o que resulta em menor liberação de histamina.
Resumindo: de maneira geral, os glicocorticoides, por diferentes mecanismos
de ação, reduzem a síntese de proteínas inflamatórias e aumentam a síntese
de proteínas anti-inflamatórias. Os possíveis mecanismos de ação, incluem:
✓ Inibição da transcrição de proteínas inflamatórias.
✓ Inativação do fator NF-kB, impedindo a síntese de citocinas inflamatórias.
✓ Aumento da transcrição de proteínas anti-inflamatórias.
✓ Diversos efeitos não genômicos.

➢ Principais eventos da resposta aos glicocorticoides


• Resposta ao edema: devido a ação dos glicocorticoides, a síntese de COX-
2 está bloqueada e não há liberação prostaglandinas e NO. Assim, não há
aumento da permeabilidade venular que ocorreria na resposta inflamatória.
• Resposta a migração celular: diferentemente dos AINES, os AIES
bloqueiam a migração celular, uma vez que não há citocinas induzindo a
expressão de moléculas de adesão para migração celular.
• Resposta a dor e hiperalgesia: é capaz de bloquear a dor. No entanto, não
é utilizado como droga primária para bloqueio da dor, porque seu efeito é
lento. Seu uso pode ser associado a um AINE.
• Reposta a febre: apresenta efeito antitérmico, pois bloqueia a síntese de
citocinas e COX-2 nas células endoteliais hipotalâmicas. Por consequência,
não há prostaglandinas, responsáveis pela resposta febril.
➢ Efeitos colaterais dos glicocorticoides
A maior parte dos efeitos colaterais dessas drogas ocorre pelo mesmo tipo
de mecanismo de ação: alteração da síntese de proteínas. Esses efeitos
colaterais podem ser resumidos a partir da síndrome de Cushing, um quadro de
hiperfuncionamento da pituitária e, consequentemente, da adrenal. Dessa forma,
quando um paciente fica exposto aos glicocorticoides por um período muito
prolongado, ele desenvolverá alguns sintomas da síndrome de Cushing.
• Efeitos sobre o metabolismo de proteínas: os glicocorticoides favorecem
a gliconeogênese, aumentando a captação dos aminoácidos pelo fígado e
pelos rins e elevando a atividade das enzimas gliconeogênicas. Eles também
aumentam a saída de glicose do fígado e aumentam o catabolismo de
proteínas nos músculos e nos ossos. Dessa forma, há uma tendência à
hiperglicemia (podendo ocorrer até mesmo diabetes induzida por GC); atrofia
muscular (com braços e pernas muito finos), adelgaçamento da pele devido
à falta de colágeno e necrose avascular da cabeça do fêmur.
• Efeitos sobre o metabolismo de lipídios: além de estimular o catabolismo
proteico (exceto no fígado), os glicocorticoides aumentam a lipólise nos
adipócitos periféricos (braços e pernas finos), fornecendo, assim, os
elementos e a energia necessários para a síntese de glicose. Esse aumento
ocorre devido ao efeito permissivo para os efeitos lipolíticos da adrenalina e
noradrenalina. Assim, ao mesmo tempo que ocorre a lipólise, há uma
redistribuição da gordura corporal, principalmente nos adipócitos do tronco e
da face (aumento da gordura abdominal e face de lua cheia).
• Efeitos sobre o balanço eletrolítico: podem ocorrer dois efeitos, (1) o efeito
mineralocorticoide, o qual aumenta a retenção de Na+ e excreção de K+ e H+;
e (2) o efeito glicocorticoide, que aumenta o papel permissivo na excreção de
água. O aumento na excreção de K+ gera fraqueza muscular.
• Efeitos sobre o sistema cardiovascular: podem ocorrer dois tipos de
hipertensão: (1) hipertensão resultante da atividade mineralocorticoide, pois
devido a retenção de Na+ ocorre a retenção de água, o que resulta em
hipertensão arterial; (2) hipertensão na síndrome de Cushing, pois ao usar
GCs por um período prolongado, reduz-se a sensibilidade dos vasos aos
vasodilatadores, consequentemente ocorre uma vasoconstrição que leva a
hipertensão. No primeiro caso, o ideal é o paciente reduzir a ingesta de sal
na dieta; enquanto que no segundo caso, o tratamento se faz com anti-
hipertensivos.
• Efeitos sobre a musculatura esquelética: concentrações permissivas de
corticosteroides são requeridas para função normal do músculo. No entanto,
o excesso de corticoide pode gerar dois efeitos: (1) efeito mineralocorticoide,
promovendo a hipocalemia e fraqueza muscular; (2) efeito glicocorticoide,
promovendo perda de proteínas e perda muscular. Ambos os efeitos causam
uma fraqueza muscular chamada miopatia por esteroides.
• Efeitos sobre o sistema nervoso central: depressão, elevação do humor,
euforia, insônia e aumento da atividade motora.
• Efeitos sobre a formação dos elementos sanguíneos: na síndrome de
Cushing há dois principais efeitos: diminuição do tecido linfoide e
linfocitopenia e também aumento de polimorfonucleares, uma vez que os
glicocorticoides retiram neutrófilos imaturos da medula óssea. Por outro lado,
na doença de Addison, que é caracterizada pela insuficiência adrenocortical
da adrenal, há um aumento do tecido linfoide e consequente linfocitose.
• Efeitos sobre o sistema ósseo: nos ossos, os glicocorticoides reduzem a
função dos osteócitos e osteoblastos, responsáveis pela formação e
qualidade do óssea. Além disso, os GCs aumentam a função dos
osteoclastos, responsáveis pela reabsorção ósseo. Ainda, os GCs reduzem
a absorção intestinal de cálcio, estimulando ainda mais a ação dos
osteoclastos. Portanto, há menos formação e mais reabsorção óssea,
resultando em fraqueza óssea, osteoporose e fraturas na coluna vertebral.
• Efeitos sobre o sistema imune: os glicocorticoides inibem a síntese de
citocinas tanto no sistema imune humoral quanto celular. Dessa forma, há um
maior aumento da suscetibilidade às infecções.
• Efeitos sobre o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal: como os GCs exercem
efeito de feedback negativo sobre o hipotálamo, há uma redução da ação
desse eixo, com redução da síntese de GCs pela adrenal. Em casos de uso
prolongado, não é possível retirar o medicamento de imediato, é necessário
fazer o desmame, já que a adrenal está hipofuncionante devido ao feedback.
FARMACOLOGIA DA DOR
➢ Fisiopatologia da dor
Como visto em aulas anteriores, a dor é “uma experiência sensorial e
emocional desagradável associada a uma lesão tecidual real ou potencial ou
descrita em termos de tal lesão”.
A dor nociceptiva é percebida a partir de uma cadeia de eventos que se inicia
a partir da estimulação de terminações nervosas livres, os nociceptores. Há
fibras nociceptivas que interpretam estímulos mecânicos, térmicos e químicos
nocivos ou potencialmente nocivos da periferia para o sistema nervoso central.
Essas fibras apresentam alto limiar de excitabilidade, isto é, são menos sensíveis
e podem ser de dois tipos:
• Fibras do tipo Aδ: são fibras mais calibrosas e mielinizadas, e por isso, a
condução do potencial de ação ocorre mais rapidamente. Além disso,
conduzem informações de dor mais localizadas (dor em pontada).
• Fibras do tipo C: as fibras são desmielinizadas e, por isso, a propagação
torna-se mais lenta ao longo de toda a fibra. Além disso, conduzem
informações de dor irradiada e difusa (dor em queimação).
Assim, a dor nociceptiva origina-se em duas fases. A primeira fase é mediada
pelas fibras de rápida condução, fibras Aδ (dor aguda, extrema) e a segunda fase
pelas fibras de condução lenta do tipo C (dor prolongada e menos intensa).
Através dos inúmeros receptores nas terminações periféricas, os estímulos
químicos, mecânicos e térmicos promovem um influxo de Na+ e Ca2+, criando
uma despolarização da membrana suficiente para alcançar o limiar do canal de
sódio dependente por voltagem e gerando um potencial de ação. Como não há
nenhuma sinapse periférica em relação à transmissão dolorosa, o potencial de
ação é, então, propagado até o corno dorsal da medula espinhal, onde os
neurotransmissores excitatórios (como o glutamato) são liberados e estimulam
neurônios de projeção, que propagam a informação de dor para núcleos
encefálicos superiores, principalmente o tálamo. É importante notar que a
propagação se dá contralateral, isto é, se o dedo da mão direita for martelado,
essa informação cruzará para o lado esquerdo para se projetar ao tálamo.
➢ Vias ascendentes da dor
Do corno posterior, os axônios ascendentes nervosos trafegam pelos tratos
espinotalâmicos contralaterais e fazem sinapse com neurônios presentes
principalmente nas partes anterior e medial do tálamo (sistema anterolateral), a
partir das quais existem outras projeções para o córtex somatossensitivo.
Do tálamo, essa informação é projetada para o córtex sensorial primário (S1)
e secundário (S2), que são áreas sensitivas e discriminatórias (regiões capazes
de definir a localização, padrão e intensidade da dor). Além disso, áreas afetivas
e emocionais podem ser ativadas, como porções anteriores da ínsula (al), córtex
pré-frontal (PFC), córtex cingulado anterior (ACC) e sistema límbico (tálamo,
hipotálamo, amígdala e hipocampo).
Observe no homúnculo sensorial esquematizado a direita que, os membros
superiores e inferiores, lábios e cabeça são regiões altamente representados
topograficamente, uma vez que estes locais são mais sensíveis e enviam mais
sinais para o cérebro, isto é, qualquer estímulo doloroso terá uma referência
muito precisa quanto à localização. Por outro lado, quanto as dores em vísceras,
a dor é referida.

➢ Vias descendentes da dor


A ativação das vias descendentes da dor é capaz de controlar a transmissão
de impulsos no corno posterior. Dessa forma, em situações de estresse e medo,
a principal região mesencefálica com papel na modulação descendente da dor é
a substância cinzenta periaquedutal. Essa área recebe impulsos de muitas
outras regiões cerebrais, inclusive do hipotálamo (H), amígdala (A) e córtex
insular (CI), sendo, portanto, a principal via através da qual impulsos corticais e
outros atuam sobre o controle da “comporta” (gate) no corno posterior.
Da substância cinzenta periaquedutal (PAG), partem corpos celulares de
neurônios para o bulbo rostroventromedial (RVM) até finalmente chegar ao corno
posterior da medula espinhal pelo funículo posterolateral e ativar interneurônios
encefalinérgicos a liberar encefalinas, um opioide endógeno capaz de inibir a
descarga de neurônios espinotalâmicos e, portanto, inibir a transmissão da
informação nociceptiva.

Além dessa via principal que parte da substância cinzenta periaquedutal,


existem outras vias que liberam inúmeras outras substâncias moduladoras,
como: endocanabioides, serotonina, noradrenalina, acetilcolina e outros opioides
endógenos. Ou seja, o interneurônio contendo encefalinas pode apresentar
receptores para diferentes neurotransmissores, sendo importante destacar duas
dessas substâncias:
• Serotonina: oriunda dos corpos de neurônios do núcleo magno da rafe.
• Noradrenalina (norepinefrina): oriunda dos núcleos dos neurônios da ponte.

➢ Critérios para escolha do fármaco analgésico


A escolha do fármaco depende de alguns fatores, sendo três os principais:
• Intensidade: fraca, moderada ou forte.
• Natureza: inflamatória, neuropática ou mista.
o Dores inflamatórias: podem ser rapidamente manejadas pelo uso de
AINES ou com corticoides (AIES), caso a inflamação seja maior.
o Dores neuropáticas: refratárias a fármacos como AINES e exigem a
prescrição de fármacos adjuvantes para tratamento da dor.
• Riscos: interações, efeitos colaterais, insuficiência renal ou hepática.
➢ Opioides
O termo opiáceo refere-se aos compostos relacionados estruturalmente com
os produtos encontrados no ópio, cuja palavra deriva de opos, o vocábulo grego
para "suco", porque os opiáceos naturais eram derivados da resina retirada da
papoula do ópio (Papaver somniferum). Os opiáceos incluem os alcaloides
vegetais naturais como morfina, codeína, papaverina, tebaína e muitos
derivados semissintéticos. Dessa forma, opioide é qualquer composto,
independentemente da sua estrutura, que possua as propriedades funcionais e
farmacológicas de um opiáceo. Os efeitos dos opioides são descritos como:
hipnóticos, sedativos, narcóticos, analgésicos e risco de dependência.
Os opioides podem ser classificados quanto à:
• Característica farmacodinâmica: agonista total ou parcial e antagonista.
• Estrutura química: análogos de morfina, como a diamorfina (heroína) e
codeína, e derivados sintéticos.
• Potência analgésica: opioides fracos e potentes.

CARACTERÍSTICA FARMACODINÂMICA
▪ Morfina
▪ Meperidina
▪ Metadona
▪ Codeína
AGONISTAS TOTAIS
▪ Fentanil
▪ Etorfina
▪ Sulfentanil
▪ Alfentanil
▪ Pentazocina
▪ Nalbufina
AGONISTAS PARCIAIS ▪ Butorfanol
▪ Buprenorfina
▪ Dezocina
▪ Naloxona
▪ Naltrexona
ANTAGONISTAS ▪ Naloxonazina
▪ Nor-binaltorfimina
▪ Ciclazocina

POTÊNCIA ANALGÉSICA
▪ Codeína
OPIOIDES FRACOS ▪ Propoxifeno
▪ Tramadol
▪ Morfina
▪ Petidina
▪ Metadona
OPIOIDES POTENTES ▪ Buprenorfina
▪ Fentanil
▪ Oxicodona
▪ Nalbufina
➢ Receptores opioides
Os efeitos mais importantes dos opioides são mediados por quatro famílias
de receptores, designadas comumente μ (mi ou MOP), κ (capa ou KOP), δ (delta
ou DOP) e ORL-1 (receptor órfão ou receptor de nociceptina tipo 1 ou NOP). Os
quatro receptores opioides são receptores transmembrana com sete domínios
transmembrânicos (com a porção N-terminal no meio extracelular e C-terminal
no meio intracelular). Além disso, todos esses receptores possuem o mecanismo
de transdução de sinal relacionados à proteína Gi (proteína G do tipo inibitória).
Eles também estão associados a canais iônicos, aumentando o efluxo pós-
sináptico de K+ (hiperpolarização) ou reduzindo o influxo pré-sináptico de Ca2+,
impedindo, assim, o disparo neuronal e a liberação do transmissor
A diferença entre cada família reside no fato de que cada receptor apresenta
uma especificidade diferente para os fármacos com os quais ela se liga. Ou seja,
a propriedade analgésica dos opioides é mediada primariamente pelos
receptores μ, que modulam respostas nociceptivas térmicas, mecânicas e
químicas. Os receptores do tipo μ são os principais alvos dos fármacos opioides
de interesse clínico, como: morfina, buprenorfina, metadona e codeína. Já os
receptores κ possuem maior afinidade pela diamorfina, mas também contribuem
para a analgesia em nível espinhal. Por outro lado, as encefalinas interagem
mais seletivamente com os receptores δ na periferia. É importante ressaltar que
as β-endorfinas (substância liberada pós-exercício físico) apresentam afinidade
pelos três tipos de receptores.

➢ Farmacocinética dos opioides: absorção


De maneira geral, existe uma boa absorção oral, subcutânea e muscular. No
entanto, muitos fármacos opioides quando administrados via oral devem estar
em doses mais elevadas, pois espera-se um efeito de primeira passagem
(degradação hepática) bastante significativo. Por outro lado, a codeína e
oxicodona possuem um menor efeito de primeira passagem e, portanto, as doses
orais podem ser não tão altas.

➢ Farmacocinética dos opioides: distribuição


Os opioides são distribuídos ligados às proteínas plasmáticas e rapidamente
são distribuídos em tecidos mais perfundidos, como: cérebro, pulmões, fígado,
rins e baço. Além disso, existem importantes reservatórios no organismo, como
músculo esquelético e tecido adiposo, principalmente aqueles fármacos
extremamente lipofílicos (fentanila e seus derivados). Dessa forma, como a dose
é calculada pelo peso, pacientes obesos precisam de cuidado especial, já que o
fármaco pode se acumular no tecido adiposo e, portanto, prolongar o efeito
sedativo, provocando depressão do sistema nervoso central.

➢ Farmacocinética dos opioides: metabolismo ou biotransformação


A maioria dos fármacos recebe um grupo glicuronil (glicuronilação), tornando-
os mais polares e, portanto, aumentando a excreção renal. Especialmente para
a morfina, a inserção do grupamento glicuronil forma metabólitos ativos:
• Morfina-3-glicuronídeo (M3G): neuroexcitatória.
• Morfina-6-glicuronídeo (M6G): 4 a 6 vezes mais analgésica.
Assim, em pacientes com insuficiência renal, pode haver acúmulos destas
substâncias e provocando excitação do SNC (convulsão).
Além disso, outros fármacos podem ser hidrolisados por esterases, como a
heroína (heroína → monoacetilmorfina → morfina → M3G ou M6G); ou sofrer
oxidação hepática por ação das enzimas P450, como opioides fenilpiperidínicos
(fentanil), normeperidina e meperidina. No uso destes dois últimos fármacos,
também é necessária a atenção para a ocorrência de convulsão por acúmulo de
metabólito (normeperidina) em pacientes com menor função renal ou após várias
doses altas de meperidina,

➢ Farmacocinética dos opioides: excreção


O principal meio de excreção é pela via renal. No entanto, no caso de
glicuronídeos também pode ocorrer a excreção pelas fezes por meio da bile.

➢ Farmacodinâmica: mecanismo de ação


O mecanismo básico de ação dos opioides é a inibição
neuronal. Em condições basais, quando há chegada de um
potencial de ação, ocorre a despolarização da membrana e,
consequentemente, abertura de canais de Ca2+. Esta abertura
promove a liberação de neurotransmissores de vesículas na fenda
sináptica, as quais encontram seus respectivos receptores na
membrana pós-sináptica, contribuindo para a continuidade da
propagação do potencial de ação.
Como dito anteriormente, os receptores opioides pertencem à
família de receptores acoplados à proteína G inibitória, portanto,
os opioides exercem efeitos poderosos sobre os canais iônicos
presentes na membrana neuronal através do acoplamento direto
à proteína G ao canal. Os opioides atuam nos:
• Receptores pré-sinápticos: inibem a abertura de canais de
Ca2+ controlados por voltagem, reduzindo a liberação de
neurotransmissores excitatórios. Além disso, em termos
bioquímicos, como os receptores estão acoplados a proteínas
G inibitórias, reduzem também a síntese de AMPc.
• Receptores pós-sinápticos: inibem abertura dos canais de
K+, reduzindo a excitabilidade neuronal, uma vez que o
aumento da condutância de K+ causa hiperpolarização da
membrana, fazendo que seja menos provável que a célula
dispare potenciais de ação.
O efeito global, portanto, é inibitório no nível celular. Além
disso, observe que, enquanto que, em casos de dor inflamatória
ou neuropática, as prostaglandinas são capazes de sensibilizar as
fibras nociceptivas com redução do limiar de excitabilidade; os
opioides, por outro lado, fazem justamente o inverso deste
processo, pois inibem a liberação de vários transmissores
excitatórios dos terminais nervosos que levam a estímulos
nociceptivos (dolorosos).
Além dos efeitos já mencionados relacionados à proteína Gi, a imagem
abaixo também mostra associações e mobilizações intracelulares relacionados
à arrestina. Esta sinalização parece estar diretamente associada aos efeitos
colaterais dos opioides. Nesta segunda via de sinalização, a internalização de
receptores opioides está associada ao desenvolvimento de tolerância
(necessidade de incremento de dose para manter-se o efeito desejado). No caso
de ligação de agonistas não tendenciosos, tanto a via de sinalização mediada
por proteína G, quanto a via mediada por arrestina serão ativadas, resultando no
efeito desejado de analgesia, no entanto, com a presença de efeitos colaterais.
No que se refere à indução do efeito analgésico, os receptores opioides estão
presentes em diferentes estruturas e podem agir por diferentes meios:
1. Terminais periféricos: com a redução da sensibilização tanto pelos opioides
endógenos liberados pelas células do sistema imune, quanto pelos opioides
exógenos, como a morfina, codeína, etc.
2. Corpos celulares nos gânglios: através da indução da expressão de genes.
3. Terminais pré-sinápticos (corno dorsal da medula): com a inibição da
abertura de canais de Ca2+ controlados por voltagem, reduzindo a liberação
de neurotransmissores excitatórios.
4. Terminais pós-sinápticos: com a inibição da abertura dos canais de K+,
reduzindo a excitabilidade neuronal.

➢ Opioides atípicos: tramadol e tapentadol


O tramadol e o tapentadol são analgésicos de ação central que se ligam ao
receptor μ. Embora apresentam ação agonista fraca nesses receptores,
possuem um efeito adicional de bloquear a recaptação de serotonina e
noradrenalina. Consequentemente, aumenta-se a concentração destes
neurotransmissores na fenda sináptica. Por isso, grande parte do efeito
analgésico está associado a esta característica e não necessariamente a ligação
aos receptores. Os efeitos adversos também incluem náusea, vômito, tontura,
boca seca, sedação, cefaleia e pode agravar crise convulsiva.

APLICAÇÕES CLÍNICAS DOS OPIOIDES


▪ Codeína
Doses menores que as
ANTITUSSÍGENO ▪ Levopropoxifeno
analgésicas
▪ Dextrometorfano
TRATAMENTO DA
▪ Metadona -
DEPENDÊNCIA
Depressão respiratória
INTOXICAÇÃO ▪ Antagonistas
Miose
OPIOIDE ▪ Naloxona
Coma
ANTIDIARREICO ▪ Loperamida -
INTOXICAÇÃO
▪ Apomorfina Vômitos
ENVENENAMENTO
➢ Ações farmacológicas e efeitos adversos dos opioides
Os efeitos mais importantes dos opioides ocorrem no SNC e no trato
gastrointestinal, embora tenham sido descritos inúmeros efeitos de significância
menor sobre muitos outros sistemas.
Analgesia: os opioides causam alívio da dor sem perda de consciência,
aumentando o seu limiar no nível da medula espinhal e, de forma mais
importante, alterando a percepção da dor no cérebro. Os pacientes tratados
com opioides continuam conscientes da presença da dor, mas a sensação
não é desagradável.
• Hiperalgesia: a exposição prolongada aos opioides pode paradoxalmente
induzir o estado de hiperalgesia no qual pode ocorrer sensação de dor ou
alodinia. Isso pode aparecer na forma de redução da resposta analgésica à
determinada dose de opioides.
• Constipação: os opioides aumentam o tônus e reduzem a motilidade em
muitas partes do sistema gastrointestinal, resultando em constipação, que
pode ser grave e problemática para o paciente. Isso ocorre devido ao sistema
nervoso entérico ter grande expressão de receptores μ. Assim, quando os
agonistas exógenos se ligam a esses receptores, reduzem a liberação de
neurotransmissores, principalmente a acetilcolina.
• Sedação: a inibição neuronal das funções corticais pode gerar dificuldade de
concentração e sonolência.
• Euforia: os opioides produzem uma forte sensação de contentamento e bem-
estar, diminuindo a ansiedade. A euforia pode ser causada pela desinibição
dos neurônios que contêm dopamina da área tegmento ventral.
• Depressão do reflexo da tosse: a supressão da tosse não se relaciona
estreitamente com as ações analgésicas e depressoras dos opioides, mas
possuem uma inibição direta no centro da tosse bulbar.
• Miose: é causada por estimulação do núcleo do nervo oculomotor mediada
pelos receptores μ e κ. Pupilas puntiformes são características importantes
para diagnóstico na intoxicação por opioides, porque a maioria das outras
causas de coma e depressão respiratória produz dilatação pupilar.
• Náuseas e vômitos: ocorrem náuseas e vômitos em até 40% dos pacientes.
O local de ação é a área postrema (zona quimiorreceptora do gatilho), região
do bulbo em que muitos tipos de estímulos químicos podem iniciar vômitos.
• Depressão respiratória: o efeito depressor está associado à diminuição da
sensibilidade do centro respiratório à Pco2 arterial na ponte e bulbo (centros
apnêustico e pneumotáxico) e à inibição da geração do ritmo respiratório. Ou
seja, em algumas das regiões quimiossensíveis, os opioides exercem efeito
depressivo na resposta hipercápnica, fazendo que o aumento da taxa de
ventilação não seja suficiente para contrabalançar o aumento de CO2.
• Rubor e alergia: os opioides podem induzir a liberação de histamina dos
mastócitos, causando urticária, prurido, sudoração e vasodilatação.
• Sistema cardiovascular: a hipotensão ortostática e a bradicardia ocorrem
com doses elevadas da maioria dos opioides, devido à ação sobre a medula.
Com a morfina e fármacos similares, a liberação de histamina pode contribuir
para a hipotensão.
➢ Tolerância e dependência
A tolerância às muitas ações dos opioides (isto é, aumento da dose
necessária para produzir dado efeito farmacológico) desenvolve-se em alguns
dias, com administrações repetitivas. A tolerância é resultado de alterações
adaptativas em níveis celular, sináptico e de rede, ou seja, está relacionada a
dessensibilização e ressensibilização dos receptores de opioides μ
(internalização dos receptores pela via mediada por arrestina).
A dependência física refere-se a determinado estado em que a retirada do
fármaco causa efeitos fisiológicos adversos (síndrome de abstinência). Isso não
pode ser confundido com vício, no qual a dependência física é muito mais
pronunciada e a dependência psicológica (ou “desejo compulsivo”) é a força
principal. O tratamento da abstinência (morfina e heroína), pode ser feito com:
• Agonistas fracos de receptores μ e de ação prolongada: metadona.
• Agonistas parciais com menor possibilidade de causar dependência:
codeína, pentazocina e buprenorfina.
➢ Outros fármacos relevantes no tratamento da dor
A dor neuropática é a dor grave, debilitante e crônica que ocorre em certas
condições, como neuralgia do trigêmeo, neuropatia diabética, neuralgia pós-
terapêutica e dor do membro fantasma, que afetam milhões de pessoas em todo
o mundo. Geralmente, assume-se que a dor neuropática é resistente aos
opioides. Inúmeros fármacos não opioides, que também são utilizados
clinicamente para efeitos outros que não analgésicos, foram descritos como
clinicamente eficazes sobre a dor neuropática, são eles:
• Antidepressivos tricíclicos (ADTs): imipramina e amitriptlina.
• Antidepressivos de ação mista: duloxetina e venlafaxina.
• Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS): fluoxetina.
• Anticonvulsivantes: carbamazepina, lamotrigina, gabapentina e pregabalina.
• Anestésicos locais.
• Capsaicina.
• Toxina botulínica.

Observação: há algumas considerações para o emprego de antidepressivos


no tratamento da dor neuropática:
✓ Útil em pacientes com distúrbio de sono ou depressão associada.
✓ Em idosos, pode causar ou exacerbar problemas cognitivos.
✓ Requer reajuste de dose (principalmente os ADTs).
✓ Interação com outros fármacos: anti-hipertensivos e anti-arrítmicos,
devido principalmente ao aumento de recaptação da noradrenalina.
✓ Pode levar semanas para o efeito terapêutico.

➢ Antidepressivos tricíclicos (ADTs)


Os ADTs incluem as aminas terciárias imipramina (o protótipo do grupo),
amitriptilina, clomipramina, doxepina e trimipramina, e as aminas secundárias
desipramina e nortriptilina e protriptilina.
O mecanismo de ação dessas drogas ocorre através da inibição da
captação de aminas, ou seja, os ADTs são inibidores potentes da captação
neuronal de noradrenalina (NA) e serotonina (5-HT) no terminal nervoso pré-
sináptico, através da sua competição pelo sítio de ligação da proteína
transportadora. Fisiologicamente, o mecanismo de “reciclagem” dessas aminas
pode ser realizado a partir de processos metabólicos, como a ação da MAO
(degradação da noradrenalina) ou através de receptores localizados na
membrana pré-sináptica. Com o uso de ADTs, capazes de bloquear essa
recaptação, a biodisponibilidade dessas moléculas aumenta na fenda sináptica
e, portanto, aumenta a probabilidade de ligação aos receptores pós-sinápticos.
Dessa forma, os ADTs podem ser considerados como analgésicos, não
somente devido a sua relação na melhora do humor, mas também devido ao:
1. Aumento dos níveis de serotonina e noradrenalina nas estruturas cerebrais
ativa vias descendentes inibitórias do controle da dor.
2. Bloqueio de canais de Na+ e Ca2+ na periferia.
3. Bloqueio de receptores NDMA, que são receptores para o glutamato, um
neurotransmissor excitatório responsável pela neurotransmissão entre o
nociceptor primário e secundário.
No entanto, além de os ADTs bloquearem os receptores de serotonina,
noradrenalina, NMDA e canais de cálcio e sódio, esses fármacos podem
bloquear receptores do tipo α-adrenérgicos, histamínicos e muscarínicos
colinérgicos (observe que não há alteração nos receptores de dopamina). Dessa
forma, as ações nesses outros receptores provavelmente são responsáveis por
muitos dos seus efeitos adversos, incluindo: boca seca, constipação, retenção
urinária, visão embaçada, ganho de peso, hipotensão postural e sedação.
➢ Antidepressivos de ação mista
Venlafaxina e duloxetina são antidepressivos de ação mista, pois são
inibidores da captação de serotonina e noradrenalina (por isso podem ser
chamados também de ICSNs). Da mesma forma que os ADTS, os ICSNs ativam
as vias descendentes inibitórias de controle da dor devido ao aumento dos níveis
de serotonina e noradrenalina. No entanto, os ICSNs, ao contrário dos ADTs,
têm pouca atividade em receptores adrenérgicos α, muscarínicos ou
histamínicos e, assim, têm menos efeitos adversos mediados por esses
receptores do que os ADTs.
Esses fármacos são eficazes algumas vezes para aliviar a dor associada com
a neuropatia diabética periférica, a neuralgia pós-herpética, a fibromialgia e a dor
lombar. No entanto, não agem nos canais de Na+ e Ca2+ e nos receptores NDMA.
Os efeitos adversos, incluem: aumento da pressão arterial (devido ao
aumento da biodisponibilidade de noradrenalina) e podem causar síndrome de
interrupção se o tratamento for suspenso de modo súbito, provocando: mal-estar
generalizado, náuseas, cefaleia, letargia, ansiedade, parestesias, confusão,
tremores, sudorese, insônia, irritabilidade e distúrbios de memória.

➢ Anticonvulsivantes
Os fármacos carbamazepina, lamotrigina, pregabalina, gabapentina e
oxcarbazepina, foram inicialmente prescritos para o controle das crises
convulsivas, uma vez que reduzem as crises por meio de mecanismos como
bloqueio dos canais voltagem-dependentes (Na+ ou Ca2+), aumento da
neurotransmissão gabaérgica (transmissão inibitória) e redução da
neurotransmissão glutamatérgica (excitatória). Dessa forma, essas drogas estão
relacionadas com a inibição da excitabilidade do neurônio pós-sináptico.
ANTICONVULSIVANTES
▪ Carbamazepina (epitol ou tegretol)
▪ Lacosamida
BLOQUEADORES DO ▪ Lamotrigina
CANAL DE SÓDIO ▪ Oxcarbazepina (trileptal)
▪ Topiramato (topamax)
▪ Valproato
BLOQUEADORES DO ▪ Gabapentina (gralise ou neurontin)
CANAL DE CÁLCIO ▪ Pregabalina (lyrica)

Os bloqueadores do canal de cálcio foram inicialmente desenvolvidos para


agirem sobre receptores gabaérgicos, no entanto, identificou-se que as drogas
não têm ação sobre esses receptores gabaérgicos, mas sim possuem afinidade
sobre os canais de cálcio voltagem dependentes, inibindo a liberação de
vesículas contendo neurotransmissores excitatórios.
Dessa forma, ao bloquear os canais voltagem-dependentes (Na+ ou Ca2+), os
anticonvulsivantes reduzem a neurotransmissão glutamatérgica e, portanto, a
ligação com receptores pós-sinápticos (NMDA e AMPA) não ocorre.
Além disso, esses fármacos estão relacionados com o aumento da
neurotransmissão inibitória mediada por GABA, através de dois mecanismos:
1. Aumento da síntese de GABA e inibição do seu metabolismo.
2. Inibição da recaptação de GABA.
Assim, o excesso de neurotransmissores GABA na fenda sináptica promove
o influxo de cloreto para o neurônio pós-sináptico, hiperpolarizando o neurônio e
diminuindo a excitabilidade neuronal. Portanto, esses mecanismos promovem os
efeitos anticonvulsivantes e analgésicos.
Os principais efeitos adversos do uso de anticonvulsivantes, incluem:
sonolência, tonturas, ataxia e distúrbios mentais. Os anticonvulsivantes,
principalmente a carbamazepina e lamotrigina, podem precipitar a síndrome de
Stevens-Johnson, que é uma reação adversa grave da pele, comumente
mucosas como a boca, que surge inicialmente com febre e sintomas
semelhantes aos da gripe, mas que pode evoluir para formação de bolhas,
esfoliação e deslocamento da pele, além de desidratação, sepse, pneumonia e
múltipla falência de órgãos.

➢ Capsaicina
A capsaicina é um composto químico encontrado em todas as pimentas,
sobretudo nas vermelhas e picantes. É exatamente essa substância que confere
a determinadas pimentas uma ardência bastante característica.
Farmacologicamente, a capsaicina é utilizada para o tratamento da dor em
aplicações tópicas ou dores neuropáticas locais. Dessa forma, não é utilizado via
oral, mas principalmente na forma de pomadas.
Como a capsaicina é um agonista de receptores TRVP1 (receptores de
potencial transitório vaniloide tipo 1) presentes em neurônios sensoriais, o
mecanismo de ação ocorre a partir da ativação desses receptores, os quais
promovem um influxo de Na+ e Ca2+, induzindo a síntese de CGRP (peptídeo
relacionado ao gene da calcitonina), glutamato e substância P. Embora a ideia
de que o influxo de íons pudesse proporcionar maior excitabilidade neuronal, os
receptores TRVP1 apresentam a capacidade de dessensibilização, o que
justifica a ação analgésica, já que o receptor deixa de responder aos agonistas.
➢ Anestésicos locais
Os anestésicos locais bloqueiam a condução dos impulsos sensoriais e, em
concentrações mais altas, os impulsos motores da periferia ao SNC. O
mecanismo de ação ocorre através do bloqueio dos canais de Na+, prevenindo
o aumento transitório na permeabilidade da membrana do nervo ao Na+, o que
é necessário para o potencial de ação. Quando a propagação dos potenciais de
ação é bloqueada, a sensação não pode ser transmitida desde a fonte do
estímulo até o cérebro.
A atividade anestésica local depende de vários fatores, sendo o mais
importante o pH do tecido. No pH fisiológico, esses compostos são ionizados. A
forma ionizada interage com o receptor proteico do canal de Na+, inibindo sua
função e produzindo anestesia local. No entanto, o pH pode cair em locais
infectados e inflamados (devido a acidificação do meio) retardando o início da
ação ou mesmo impedindo-o.

Observação: pode-se resumir que os anestésicos locais possuem maior


atividade no meio alcalino (pH alto); e menor atividade no meio ácido (pH
baixo). Isso ocorre porque a maioria dos fármacos são bases fracas ou ácidos
fracos e, portanto, quando esses compostos não são ionizáveis, são
rapidamente absorvidos (lipossolúveis).
Estruturalmente, todos os anestésicos locais são compostos anfipáticos, isto
é, incluem um grupo lipofílico unido a uma cadeia intermediária, por sua vez, se
une a um grupo hidrofílico. A cadeia intermediária pode ser um grupo éster ou
um grupo amida.

ESTRUTURA QUÍMICA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS


▪ Butacaína
▪ Cocaína
▪ Benzocaína
▪ Hexilcaína
LIGAÇÃO ÉSTER ▪ Piperocaína
▪ Tetracaína
▪ Cloroprocaína
▪ Procaína
▪ Propoxicaína
▪ Articaína
▪ Bupivacaína
▪ Dibucaína
LIGAÇÃO AMIDA ▪ Etidocaína
▪ Lidocaína
▪ Mepivacaína
▪ Prilocaína
É importante conhecer a estrutura química dos anestésicos locais, porque os
anestésicos do tipo éster são metabolizados no plasma e, portanto, são
preferencialmente administrados em pacientes com insuficiência hepática, já que
os anestésicos do tipo amida são metabolizados no fígado.
Por fim, a afinidade dos anestésicos locais é específica para determinadas
conformações dos canais de Na+ voltagem dependentes, isto é, apresentam
maior afinidade pela conformação fechada intermediária, aberta e inativada.
Dessa forma, o anestésico bloqueia a entrada física para o influxo de Na+ e o
período refratário é mais longo.
Deve-se evitar a distribuição sistêmica dos anestésicos locais, porém,
quando não controlado, os efeitos indesejáveis dos, incluem: estimulação
(zumbido, agitação, tremor e convulsões) ou depressão do sistema nervoso
central. No sistema cardiovascular há uma redução da contratilidade miocárdica.
➢ Toxina botulínica
A toxina botulínica, uma proteína produzida pela bactéria Clostridium
botulinum, tem sido utilizada para controle da dor neuropática, alguns tipos de
cefaleias e enxaquecas. Fisiologicamente, a exocitose de vesículas contendo
neurotransmissores no neurônio pré-sináptico é dependente da interação entre
proteínas vesiculares (como a sinaptobrevina) e da fenda sináptica (como as
SNAP-25 e sintaxina), as quais formam complexos de fusão sináptica que
permitem a ancoragem e a abertura das vesículas na fenda. Dessa forma, o
mecanismo de ação da toxina botulínica ocorre devido ao fato desta toxina
impedir a formação destes complexos ao interagir com tais proteínas e, portanto,
o neurotransmissor não é liberado. No caso das junções neuromusculares, a
acetilcolina não é liberada, ocasionando o relaxamento da fibra muscular.

Além do efeito miorrelaxante, o mecanismo de ação analgésico da toxina


botulínica ocorre por outros meios e em outras regiões, como:
• Nas porções dos nervos periféricos: uma dor crônica, inflamação ou injúria
nervosa pode levar a liberação de neuropeptídios relacionados à
neuroinflamação (CGRP e substância P). Dessa, forma, a toxina botulínica
provoca inibição da liberação desses neuropeptídios, reduzindo a
sensibilização periférica.
• No corno dorsal da medula: a toxina botulínica também provoca a inibição
central da liberação de glutamato no corno dorsal da medula e, portanto,
reduz a sensibilização central.
Os efeitos colaterais podem ser temporários e reversíveis, incluindo: dor na
área injetada, hematomas e fraqueza muscular são mais comuns; fadiga, febre,
boca seca e ptose também podem aparecer 1 a 2 semanas após a injeção;
podem ocorrer efeitos raros, como reação alérgica e disfagia (em caso de injeção
em áreas próximas ao pescoço e à boca); e em dosagem excessiva, pode
ocorrer: dor de cabeça, letargia e dor muscular.
FARMACOLOGIA DO TRATO GASTROINTESTINAL
➢ Introdução
O tubo digestivo é composto pelo trato gastrointestinal superior, trato
gastrointestinal inferior e glândulas acessórias. Na disciplina de Farmacologia
Básica serão estudas as doenças que afetam o trato gastrointestinal superior,
principalmente a doença do refluxo gastroesofágico, gastrite e úlcera péptica.
O estômago é uma parte expandida do tubo digestivo em forma de bolsa,
situado entre o esôfago e o duodeno. Encontra-se abaixo do diafragma, no lado
esquerdo do abdômen. Anatomicamente, o estômago é dividido em quatro
regiões, cada uma com diferentes células e funções. Suas porções são:
• Cárdia: a maioria das glândulas dessa região secretam muco e lisozima
(enzima que destrói a parede celular das bactérias).
• Fundo: é responsável por secretar suco gástrico e muco.
• Corpo: região situada entre o antro pilórico e o fundo. Nessa região, há
grande concentração de glândulas gástricas.
• Piloro ou antro: rico em células produtoras de gastrina (ou células G).
No fundo e corpo do estômago, cada glândula gástrica é composta por cinco
tipos de células:
1. Células mucosas do colo: produtoras de muco, o qual protege o epitélio ao
impedir que seja corroído, pois neutraliza a acidez do ácido clorídrico.
2. Células principais ou zimogênicas: produzem pepsinogênio (composto
inativo, sem ação enzimática) que, no ambiente ácido do estômago,
converte-se em pepsina (composto proteolítico ativo). As células principais
são dependentes das células parietais.
3. Células parietais ou oxínticas: produzem ácido clorídrico, o qual abaixa o
pH do estômago, e fator intrínseco (glicoproteína que auxilia a absorção da
vitamina B12 no intestino).
4. Células neuroendócrinas ou células ECL: são células responsáveis pela
produção do hormônio gastrina, grelina e também serotonina. A gastrina
estimula a secreção do ácido clorídrico pelas células parietais.
5. Células fonte: podem repor qualquer célula do epitélio glandular ou de
revestimento.
➢ Fases e regulação da secreção ácida
A secreção de ácido clorídrico pelas células parietais, situadas no fundo das
glândulas gástricas, é controlada por sinais endócrinos e nervosos.
• Fase cefálica: estímulos sensoriais induzem o sistema parassimpático, via
nervo vago, a liberar acetilcolina, a qual se ligará a receptores muscarínicos
e excitará a produção de pepsina e ácido clorídrico. As células ECL (também
chamadas de células tipo-enterocromafins) são as responsáveis por controlar
a liberação de histamina, cuja ação é agir nos receptores H2 das células
parietais, estimulando a secreção de H+ e Cl-.
• Fase gástrica: quando o alimento chega ao estômago, ocorre uma distensão
da parede estomacal, estimulando a secreção da gastrina pelas células G.
Esse hormônio faz com que as células ECL liberem histamina, cuja a ação
parácrina sobre as células parietais culmina em mais secreção ácida. A
histamina é o agonista mais forte na secreção de H+.
• Fase intestinal: mecanismos nervosos e hormonais podem continuar
estimulando a liberação de pepsina e ácido clorídrico. No entanto, há uma
inibição por retroalimentação negativa da secreção de HCl mediada por
células D, presentes no antro pilórico, que liberam somatostatina. Esta
substância tem ação parácrina sobre as células G vizinhas, inibindo a
secreção de gastrina, que por sua vez, deixa de estimular a secreção de HCl.

➢ Mediadores responsáveis pela estimulação da secreção gástrica


A secreção de ácido gástrico é um processo contínuo e complexo, em que
múltiplos fatores centrais e periféricos contribuem para uma meta comum: a
secreção de H+ pelas células parietais. Os mediadores responsáveis pela
secreção ácida são:
• Neuronal: representado pela acetilcolina, sendo o receptor específico M3.
As fibras do nervo vago descem até o estômago e fazem sinapse com células
ganglionares do sistema nervoso entérico. A liberação de ACh das fibras
vagais pós-ganglionares estimula diretamente a secreção de ácido gástrico
através dos receptores M3 muscarínicos na membrana basolateral das
células parietais.
• Parácrino: representado pela histamina, sendo o receptor específico H2. As
células ECL, fonte de secreção gástrica de histamina, são encontradas
habitualmente em estreita proximidade com as células parietais. A histamina
atua como mediador parácrino, difundindo-se de seu local de liberação para
as células parietais vizinhas, onde ativa os receptores H2.
• Endócrino: representado pela gastrina, sendo o receptor específico CCK2.
A gastrina, que é produzida pelas células G do antro, é o indutor mais potente
da secreção de ácido. A liberação de gastrina é estimulada por múltiplas vias,
incluindo ativação do SNC, distensão local e componentes químicos do
conteúdo gástrico. A gastrina estimula a secreção ácida indiretamente ao
induzir a liberação de histamina pelas células ECL.
Observe que os três receptores específicos (M3, H2 e CCK2) localizam-se na
membrana basolateral das células parietais no corpo e no fundo gástrico.
Além disso, é importante saber como ocorre a produção de ácido clorídrico:
1. Dentro da célula, a anidrase carbônica catalisa a combinação de dióxido de
carbono e água para gerar ácido carbônico.
2. O ácido carbônico se dissocia gerando íons H+ e bicarbonato (HCO3-).
3. O HCO3- é trocado através da membrana basal da célula parietal por Cl-,
utilizando uma proteína antiporte ou contratransporte (A).
4. O Cl− é transportado para a luz do estômago juntamente com íons K+, por
meio de um cotransportador (C).
5. Por fim, o K+ é trocado por H+ do interior da célula por uma K+–H+–ATPase
(bomba de prótons, P).

➢ Mediadores responsáveis pela redução da secreção gástrica


Existem também mecanismos que reduzem a estimulação gástrica:
• Somatostatina (SST): é produzida pelas células D do antro e, mediante
atuação no receptor 2 de somatostatina (SST)2, exerce efeitos inibitórios
parácrinos sobre a liberação de gastrina pelas células G, sobre a liberação
de histamina pelas células ECL, assim como diretamente sobre a produção
de ácido pelas células parietais.
• Prostaglandinas (PGs): a maioria das células do trato gastrointestinal
produz prostaglandinas sendo as mais importantes a PGE 2 e a PGEI2. As
prostaglandinas exercem efeitos “citoprotetores” em muitos aspectos da
função gástrica, incluindo aumento da secreção de bicarbonato, aumento da
liberação de mucina protetora e redução da produção de ácido gástrico,
provavelmente por ação sobre os receptores nas células ECL.
Tanto a somatostatina quanto as prostaglandinas apresentam receptores nas
células parietais que estão acoplados à G inibitória, que, quando ativada,
promove a redução na produção de AMPc e, consequentemente, na redução da
ativação de quinases. Dessa forma, ocorre o controle endógeno de secreção
ácida gástrica, por meio da redução da ativação da K+–H+–ATPase.
➢ Proteção da mucosa gástrica
Vários mecanismos de defesa da mucosa protegem o estômago contra o
ácido clorídrico e agentes nocivos, os mais importantes são:
• Barreira muco-bicarbonato: o muco e o bicarbonato são secretados pelas
células do estômago e criam um gradiente de pH que mantém a superfície
da célula epitelial a um pH quase neutro.
• Fluxo sanguíneo: a mucosa é ricamente vascularizada por uma rede de
capilares sanguíneos, que são extremamente importantes para: manter a
integridade epitelial; fornecer oxigênio, nutrientes e bicarbonato; remover
íons H+ que penetram a barreira muco-bicarbonato e células epiteliais; diluir
produtos do metabolismo celular; e neutralizar substâncias tóxicas. Os
principais mediadores que mantêm esse fluxo sanguíneo são: óxido nítrico
(NO), prostaglandinas e prostaciclinas.

➢ Doenças ácido-pépticas
O desequilíbrio ente os fatores agressores endógenos da mucosa, como o
ácido clorídrico e a pepsina, e os fatores protetores endógenos da mucosa, como
a barreira muco-bicarbonato e fluxo sanguíneo, podem desenvolver diversas
doenças gástricas (dispepsia, gastrite e ulcerações).
Além disso, existem fatores agressores externos da mucosa gástrica, como
estresse, tabagismo, álcool, infecção com o gram-negativo Helicobacter pylori e
o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). Os principais sintomas
envolvem uma dor epigástrica, náuseas, vômitos e alterações do apetite.
A bactéria H. pylori, um bacilo flagelado, desenvolve-se principalmente na
região do antro pilórico na camada mucosa protetora do revestimento gástrico,
local em que se encontra menos exposta às secreções ácidas. Nessa região, o
bacilo promove uma resposta inflamatória local e, através da enzima urease,
hidrolisa a ureia em CO2 e amônia (alcalina), elevando o pH do meio. Desta
forma, a elevação do pH facilita a disfunção da barreira de muco e, através da
sua atividade flagelada, a bactéria consegue colonizar as camadas gástricas.
O aumento do pH também estimula as células G a secretarem mais gastrina,
que irá estimular as células parietais a secretar HCl para corrigir o pH. No
entanto, a gastrina também induz a proliferação celular e, consequentemente, o
aparecimento de câncer gástrico. Praticamente todas as pessoas com infecção
pelo H. pylori apresentam inflamação gástrica (gastrite). Às vezes, a infecção
pode causar gastrite erosiva e até mesmo uma úlcera gástrica.
➢ Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)
A doença do refluxo gastroesofágico é a condição que se desenvolve quando
o conteúdo do estômago retorna ao esôfago e provoca sintomas desagradáveis
e/ou complicações, como: pirose retroesternal, eructações, regurgitação, tosse
crônica, broncoespasmo, soluços e rouquidões.
Como o esôfago não tem um revestimento protetor semelhante ao estômago,
os ácidos e enzimas gástricas e o refluxo duodenal (bile) que retornam para o
esôfago podem causar a DRGE. Numerosos fatores podem contribuir para esse
refluxo se tornar patológico, merecendo destaque as aberturas ou relaxamentos
transitórios do esfíncter esofágico inferior (EEI).

➢ Fármacos usados para tratar doenças ácido-pépticas


O tratamento usado para tratar doenças ácido-pépticas inclui:
1. Administração de fármacos que protejam a mucosa gástrica da lesão.
2. Diminuição da secreção de HCl: antiácidos e antissecretores.
3. Erradicação da H. pylori: antimicrobianos.

➢ Fármacos protetores da mucosa gástrica


Esses fármacos, também conhecidos como citoprotetores, apresentam
várias ações que aumentam os mecanismos de proteção da mucosa, prevenindo
lesões, reduzindo inflamação e cicatrizando úlceras existentes.
• Sucralfato: esse complexo de hidróxido de alumínio e sacarose sulfatada se
liga a grupos carregados positivamente em proteínas da mucosa normal e
necrótica. Formando géis complexos com as células epiteliais, o sucralfato
cria uma barreira física que protege a úlcera da pepsina e do ácido. Porém,
pode provocar como efeitos adversos: constipação, desconforto abdominal,
boca seca e, por atuar como adsorvente, diminui a biodisponibilidade
(absorção) de outros fármacos:
• Compostos de bismuto: este fármaco é usado como componente de
tratamento quádruplo para cicatrizar úlceras pépticas. Além da sua ação
antimicrobiana, ele inibe a atividade da pepsina, aumenta a secreção de
muco e interage com glicoproteínas na mucosa necrótica, revestindo e
protegendo a úlcera. No entanto, devido a excreção renal do bismuto ser
lenta, pacientes com falência renal não devem utilizá-lo. Outros efeitos
adversos incluem: náuseas, vômitos e escurecimento da língua e fezes.
• Análogos de prostaglandinas: como visto anteriormente, a prostaglandina
E2, produzida pela mucosa gástrica, inibe a secreção de ácido e estimula a
secreção de muco e bicarbonato (efeito citoprotetor). Misoprostol, conhecido
como cytotec, é um análogo da prostaglandina E1, que inibe a produção de
H+, por meio da ligação ao receptor EP3 nas células parietais, inibindo a
adenilato ciclase e, consequentemente, diminuindo o AMPc. Os efeitos
adversos incluem: diarreia, cólicas abdominais, cefaleia e aborto.

➢ Fármacos que diminuem a secreção gástrica: antiácidos


Os antiácidos são bases fracas que reagem com o ácido gástrico formando
água e um sal, para diminuir a acidez gástrica. Como a pepsina (uma enzima
proteolítica) é inativa em pH acima de 4, os antiácidos reduzem a atividade da
pepsina. No entanto, não são eficazes no tratamento de úlceras e gastrites, pois
sua utilização promove neutralização do HCl por curto período de tempo.
A eficácia de um antiácido depende da sua capacidade de neutralizar o HCl
gástrico e do fato de o estômago estar repleto ou vazio (o alimento retarda o
esvaziamento do estômago, permitindo mais tempo para o antiácido reagir). Os
antiácidos são comumente classificados em:
• Não absorvíveis: que são combinações de sais de alumínio e magnésio,
como hidróxido de alumínio [Al(OH)3] e hidróxido de magnésio [Mg(OH)2].
Porém, o Al(OH)3 causa constipação e o Mg(OH)2 atua como laxante.
• Absorvíveis: como o carbonato de cálcio (CaCO3), que reage com o HCl
formando dióxido de carbono (CO2) e cloreto de cálcio (CaCl2); e bicarbonato
de sódio (NaHCO3), que pode produzir alcalose metabólica transitória.

CaCO3 + 2HCl → CaCl2 + H2O + CO2


NaHCO3 + HCl → NaCl + H2O + CO2
Al(OH)3 + 3HCl → AlCl3 + 3H2O
Mg(OH)2 + 2HCl → MgCl2 + 2H2O
➢ Fármacos que diminuem a secreção gástrica: antissecretores
Como estudo anteriormente, a secreção gástrica é estimulada por acetilcolina
(ACh), histamina e gastrina. As ligações de ACh, histamina ou gastrina com seus
receptores resulta na ativação de proteinocinases, que, por sua vez, estimulam
a bomba de prótons K+–H+–ATPase a secretar íons hidrogênio em troca de K+
para o lúmen do estômago. Assim, os fármacos antissecretores pode ser:
• Antagonistas de receptor H2: são antagonistas competitivos e totalmente
reversíveis da histamina, ou seja, atuam bloqueando competitivamente a
ligação da histamina aos receptores H2 nas células parietais, reduzindo a
secreção do ácido gástrico. Os quatro fármacos disponíveis são: cimetidina,
ranitidina, famotidina e nizatidina. Porém, é importante saber que a cimetidina
inibe várias isoenzimas do citocromo P450 e, consequentemente, pode
interferir na biotransformação (metabolismo) de vários outros fármacos, como
varfarina, diazepan e fenitoína, além de diminuir a libido, impotência e
provocar ginecomastia. Outros efeitos adversos dos antagonistas de receptor
H2 incluem: cefaleia, tonturas, dores musculares e diarreia.
• Inibidores da bomba de prótons (IBP): esses fármacos são pró-fármacos
com um revestimento entérico ácido resistente para protegê-los da
degradação prematura pelo ácido gástrico. O revestimento é removido no
meio alcalino do duodeno, e o pró-fármaco, uma base fraca, é absorvido e
transportado à célula parietal. Ali, ele é convertido no fármaco ativo e forma
uma ligação estável covalente (irreversível) com a enzima H+/K+-ATPase,
suprimindo a secreção de íons hidrogênio para o lúmen gástrico. Os IBPs
disponíveis incluem dexlansoprazol, esomeprazol, lansoprazol, omeprazol,
pantoprazol e rabeprazol.
• Bloqueadores de ácido clorídrico competitivos com o K+: o vonoprazan
é um fármaco recente produzido no Japão, ainda não disponível no Brasil,
que atua inibindo o canal de K+. Dessa forma, sem a saída do K+, o antiporte
com o H+ será prejudicado.
• Antagonistas dos receptores muscarínicos: são drogas não mais
utilizadas atualmente, pois há pouca eficácia e muitos efeitos colaterais.
Pirenzepina é um antagonista M1 não seletivo e, por isso, necessitam de altas
doses para alcançar os receptores muscarínicos do estômago.
• Agonistas de receptores de somatostatina: octreotide (sandostatin) é uma
droga em desenvolvimento que inibe a secreção de somatostatina. Além
disso, diminui o fluxo gastrointestinal e, por consequência, o fluxo linfático, e,
por esse motivo, pode ser considerado antineoplásico.

➢ Fármacos antimicrobianos
Pacientes com úlcera péptica (gástricas ou duodenais) infectados com H.
pylori precisam de tratamento antimicrobiano. A erradicação bem-sucedida da
H. pylori (80-90%) é possível com várias associações de antimicrobianos.
Atualmente, o tratamento de escolha consiste em um IBP combinado com
amoxicilina (metronidazol pode ser usado em pacientes alérgicos à penicilina)
mais claritromicina. O tratamento quádruplo com subsalicilato de bismuto,
metronidazol e tetraciclina combinada a um IBP é outra opção. O tratamento com
um único antibacteriano é muito menos eficaz, resultando em resistência
microbiana, e não é recomendado em absoluto. Os principais fatores indutores
de fracasso é a resistência ao antibiótico e a baixa adesão ao tratamento.

➢ Fármacos usados para tratar a doença do refluxo gastroesofágico


Doses baixas de antagonistas H2, atualmente disponíveis em medicamentos
de venda livre, parecem eficazes na prevenção e no tratamento da queimação
(DRGE) somente em cerca de 50% dos pacientes. Os antagonistas H2 atuam
somente no controle da secreção ácida. Por isso, eles não aliviam os sintomas
por, pelo menos, 45 minutos. Os antiácidos neutralizam de forma mais rápida e
eficaz o ácido gástrico, mas sua ação é temporária.
Por essa razão, os IBPs são preferidos atualmente no tratamento da DRGE,
especialmente em pacientes com azia grave, uma vez que inibem de maneira
irreversível a enzima H+/K+-ATPase.
DROGAS DE ABUSO
➢ Definição
O termo abuso de drogas refere-se a qualquer uso que fere normas sociais
ou legais, vigentes numa dada época e numa dada sociedade. Compreende o
uso de drogas ilícitas e o uso inadequado de drogas lícitas. O uso excessivo e
descontrolado de substâncias para intoxicar-se ou alterar a mente é considerado
abuso de substância.
As substâncias de abuso em todas as suas muitas formas têm exercido seus
efeitos ao longo da história do mundo, e a atração por substâncias viciantes
continua a impactar a população atualmente. As substâncias abusadas tornam-
se progressivamente mais potentes, e suas vias de administração tornam-se
cada vez mais eficazes no sentido de acelerar e aumentar a absorção,
resultando em maiores riscos de dependência e toxicidade.
Portanto, a adição ou dependência é uma doença cerebral, que prejudica o
funcionamento orgânico central e perifericamente. O diagnóstico do transtorno
de uso de substâncias (dependência), depende do uso frequente ou período
prolongado, desejo persistente, muito tempo gasto em atividades necessárias
para a obtenção da substância, abandono de atividades sociais e uso da
substância persistente, apesar de algum problema físico ou psicológico.

Observação: a tolerância é o aumento da dose necessária para produzir


dado efeito farmacológico, que se desenvolve em alguns dias, com
administrações repetitivas. Na maioria das vezes, isso ocorre porque as
drogas induzem a atividade e/ou a síntese de enzimas hepáticas, levando a
aceleração da própria degradação. Por outro lado, a dependência física
refere-se a determinado estado em que a retirada do fármaco causa efeitos
fisiológicos adversos (síndrome de abstinência). Isso não pode ser
confundido com vício, no qual a dependência física é muito mais pronunciada
e a dependência psicológica (ou “desejo compulsivo”) é a força principal.

➢ Neurobiologia da dependência (adição)


Existem três estágios bem característicos da dependência:
• Estágio I: efeitos agudos das drogas (intoxicação).
• Estágio II: uso crônico das drogas (retirada/afeto negativo).
• Estágio III: estágio final da adição (preocupação, antecipação e “craving”).
➢ Neurobiologia da dependência (adição): estágio I
O estágio I está relacionado aos efeitos agudos (intoxicação) das drogas com
usos esporádicos. Pode-se dizer que é um estado transitório entre o uso e o
abuso (doença) das drogas.
Nesse estágio, ocorre a ativação da via de recompensa, a via dopaminérgica
mesolímbica, que se estende através do feixe prosencefálico medial, desde a
área ventral do tegmento do mesencéfalo (VTA) ao núcleo accumbens (NAc) e
região límbica. Dessa forma, o uso de substâncias provoca um aumento
suprafisiológicos dos níveis de dopamina (DA), a qual causa uma sensação
prazerosa e de recompensa. É importante deixar claro que, diferentes
substâncias com potencial de dependência aumentam a disponibilidade de
dopamina na fenda sináptica através de vários mecanismos diretos ou indiretos:
• Estimulantes (cocaína e anfetaminas): propiciam o aumento de dopamina
diretamente na fenda sináptica.
• Opioides: agem diretamente nos receptores de neurônios no núcleo
accumbens; e indiretamente inibem neurônios gabaérgicos, através dos
receptores μ em interneurônios gabaérgicos, reduzindo a liberação de GABA
e, consequentemente, aumento os níveis de disparo de dopamina.
• Nicotina: atua diretamente no neurônio dopaminérgico aumentando o
disparo; e indiretamente através da ativação de neurônios opiodérgicos, pela
estimulação de receptores nicotínicos e liberação de opioides endógenos e,
consequentemente, os quais atuarão nos receptores μ em interneurônios
gabaérgicos, reduzindo a liberação de GABA e provocando indiretamente o
aumento dos níveis de disparo de dopamina.

Portanto, independente do mecanismo de ação das drogas que levam à


dependência, sempre ocorre o aumento da dopamina na via mesolímbica.
Assim, o que leva o indivíduo a experimentar a droga é o comportamento de
impulsão. Além disso, o reforço positivo, é a capacidade da droga em provocar
efeitos que levam o usuário a desejar usá-la novamente, estabelecendo e
sustentando um hábito devido aos efeitos agradáveis e sensações prazerosas.
➢ Neurobiologia da dependência (adição): estágio II
O estágio II é caracterizado quando o uso se torna descontrolado e abusivo
e, portanto, a dependência já pode ser considerada como uma doença. Além
disso, nesse estágio, os efeitos de retirada são bem característicos (síndrome
da abstinência), os quais dependem do tipo de droga utilizada e, geralmente, são
opostos ao que a droga causa, isto é, a abstinência de um depressor pode
causar sintomas de ansiedade, irritabilidade, insônia, tremor e convulsões,
enquanto que a abstinência de um estimulante (crack e cocaína) provocam
cansaço, depressão, comportamento de angústia, tristeza e desânimo.
Assim, o comportamento que sustenta o uso é a compulsão, ocorrendo
nesse caso, o reforço negativo, o qual estabelece e sustenta um hábito devido
a capacidade da droga de diminuir sensações desagradáveis.
Diferentemente do estágio I, no estágio II há uma diminuição da atividade do
sistema dopaminérgico mesolímbico e uma ativação de vias noradrenérgicas.
Dessa forma, há um aumento da neurotransmissores e hormônios associados
ao estresse e ansiedade, isto é, aumento de noradrenalina em várias regiões
límbicas (como amígdala) e aumento da liberação de fator liberador de
corticotrofina, o qual provocará um aumento de cortisol. Além de ocorrer a
redução de dopamina, há redução de serotonina, uma substância muito
importante para controle das emoções.

➢ Neurobiologia da dependência (adição): estágio III


O estágio III é um período grave da doença, pois os efeitos deletérios no SNC
e periférico são abundantes, muitas vezes irreversíveis (pode-se chamar
“encefalopatia” associada ao abuso de substâncias, devido ao grande número
de morte de células neuronais).
Neste estágio, ocorre abundante liberação diária de glutamato (principal
neurotransmissor excitatório), levando ao esgotamento energético e morte das
células. Observe, então, que é há um “redirecionamento” dos circuitos cerebrais
do estágio I para o estágio III, uma vez que alteração da ativação do sistema
dopaminérgico para o glutamatérgico.
Alguns medicamentos auxiliam no tratamento, mas, infelizmente, não existe
“remédio” para essa fase ainda. Somente a psicoterapia aliada ao forte apoio da
rede familiar e a farmacoterapia disponível garantem maior chance de sucesso.
➢ Farmacoterapia: terapia de substituição
O objetivo da terapia de substituição é amenizar os efeitos da abstinência,
para que o paciente não apresente recaídas.
• Tratamento da dependência de opioides: buprenorfina e metadona são
drogas opioidérgicas, com meia-vida superior a 12 horas, usadas no
tratamento da dependência de outros opioides, como morfina e heroína, as
quais apresentam meia-vida mais curta. Dessa forma o paciente tomará uma
ou no máximo duas doses diárias.
• Tratamento da dependência de nicotina: uma terapia que pode ser
utilizada é a reposição de nicotina por meio de goma de mascar ou adesivos
transdérmicos, diminuindo a síndrome de abstinência. Além disso, existe o
fármaco vareniclina (Champix), um agonista parcial de receptores nicotínicos,
que por ser mais seletivo, causa poucos efeitos adversos periféricos. Em
casos de recaída, a vareniclina atua como um “antagonista da nicotina”, pois
apresenta alta afinidade de ligação pelo receptor e a nicotina não consegue
deslocar o fármaco do sítio de ligação.
• Outras terapias para amenizar a abstinência: bupropiona é um fármaco
antidepressivo inibidor da recaptação da dopamina e noradrenalina que pode
ser utilizado para tratamento da dependência de nicotina, pois atua como
antagonista do receptor nicotínico. Clonidina auxilia na redução da
abstinência de nicotina, cocaína, entre outras drogas, pois atua como um
agonista de receptor α2, diminuindo a liberação de noradrenalina nos
terminais nervosos noradrenérgicos (lembrando que a noradrenalina está
relacionada com a síndrome de abstinência). Propranolol é um antagonista
de receptor β, consequentemente, é capaz de diminuir os batimentos
cardíacos, atuando como proteção cardiovascular, já que na síndrome de
abstinência, a liberação de noradrenalina causa taquicardia. O propranolol
mostra-se eficaz na diminuição de recaídas para cocaína.

➢ Farmacoterapia: terapia “aversiva”


Essa terapia atua nos sistemas de recompensa associados a drogas. O
dissulfiram, conhecido também como droga anti-etanol, atua inibindo a enzima
acetaldeído-desidrogenase, a qual transforma acetaldeído (tóxico e causador
dos efeitos da ressaca) em acetato, CO2 e água. Dessa forma, se o paciente
apresentar uma recaída durante o uso de dissulfiram, todos os efeitos de ressaca
associados ao álcool estarão intensificados.
➢ Farmacoterapia: resposta bloqueadora
O uso de naltrexona e nalmefene é um tratamento para dependência de
álcool que atua no sistema de recompensa. O álcool estimula atividade opioide
endógena por diferentes mecanismos culminando em liberação de dopamina no
núcleo accumbens (ativação da via mesolímbica). Dessa forma, os fármacos ao
atuarem como antagonistas competitivos de receptores opioides μ (maior
afinidade), δ e κ, diminuem a liberação de dopamina. Portanto, quando ocorre
recaída durante o tratamento, o paciente não terá mais a sensação de reforço,
prazerosa em decorrência da via mesolímbica, pois a dopamina está reduzida.

➢ Farmacoterapia: terapia anti-compulsão ou “neuroprotetora”


Como visto anteriormente, em estágio mais graves da dependência, ocorre
uma neuroplasticidade não benéfica, isto é, há alterações neuroquímicas, como
aumento de neurotransmissores e hormônios associados ao estresse e
hiperatividade glutamatérgica. Algumas drogas utilizadas nessa fase, incluem:
• Acamprosato (Campral): é um análogo gabamimético que atua diminuindo
a hiperatividade glutamatérgica e diminuindo o influxo de cálcio e, portanto,
diminui a excitabilidade dos receptores NMDA. Dessa forma, devido a
neuroadaptação em função do abuso constante de álcool, esse fármaco tem
o papel de reestabelecer um novo equilíbrio, minimizando os efeitos
excitatórios durante a abstinência.
• Topiramato: inibe o receptor glutamatérgico AMPA/Kainato e ativa o receptor
GABAA, ou seja, inibe os efeitos excitatório do glutamato e favorece efeitos
inibitórios por atuar como agonista dos receptores de GABAA. Esse
tratamento, portanto, visa minimizar a excitabilidade no SNC em decorrência
dessa exacerbação do sistema glutamatérgico. O topiramato diminui o
consumo e aumenta o número de dias em abstinência para álcool e cocaína.
• Baclofen: é um agonista GABAB, receptor inibitório presente em abundância
nos terminais pré-sinápticos de neurônios. O fármaco, então, propicia uma
hiperpolarização pela abertura de canais de K+ e inibe entrada de Ca2+, além
dos efeitos inibitório via adenilato ciclase e diminuição de AMPc. O baclofen
reduz a liberação de neurotransmissores e o craving para cocaína e álcool.
• Ondansetron: é um antagonista de receptor excitatório de serotonina, ou
seja, atua bloqueando esses receptores e promovendo um efeito inibitório na
célula pós-sináptica.
• Vacinas: estudos recentes com objetivo de neuroproteção apontam vacinas
anti-substâncias como um potencial tratamento para casos graves de
dependência. O tratamento pressupõe que se o paciente tiver uma recaída,
os anticorpos se ligarão a substância, impossibilitando-a de ultrapassar a
barreira hematoencefálica. No entanto, existem alguns fatores limitantes,
como: especificidade de anticorpos, afinidade, níveis sanguíneos de
anticorpos que são afetados pelo desenho da vacina conjugada, a dose da
vacina, a seleção de adjuvante, bem como a frequência da vacinação.

➢ Novos alvos para o tratamento da dependência (adição)


• Rimonabanto: é um antagonista de receptor canabióide (CB1) que reduz
comportamento de recompensa/reforço de várias drogas de abuso, incluindo
nicotina, álcool, cocaína e heroína.
• Canabidiol: é um fitocanabinóide não psicotomimético que interrompe a
reconsolidação de memória hedônica relacionada com dependência de
cocaína e morfina. Assim, pode ter ação na dependência de opioides,
nicotina, cocaína e psicoestimulantes.
• GHB (ácido δ-hidroxibutírico): pode ser utilizado no tratamento da
narcolepsia e síndrome de abstinência de álcool. No entanto, elevadas doses
provocam efeito depressor central e podem causar intoxicações agudas.
• Ibogaína: o tratamento é feito com uma dose de substância extraída da raiz
de uma planta africana, o qual mostra interromper comportamentos adictos
de substâncias como heroína, metanfetamina, cocaína, crack, nicotina, uma
variedade de opioides. É comumente denominada também como substância
interruptora da dependência.
• Alucinógenos: tratamento com alucinógenos, como LSD e ayahuasca (chá
de Santo Daime) parecem mostrar-se efeitos em pacientes resistentes ao
tratamento e/ou casos graves. Essas drogas ativam sistema serotoninérgico.
DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS
➢ Definição
As doenças neurodegenerativas são condições muito debilitantes, ainda sem
cura, que afetam pessoas de todas as idades e resultam da redução da massa
encefálica, degeneração progressiva e/ou morte de neurônios. Esta degradação
pode afetar o movimento do corpo (ataxias) e o funcionamento do cérebro,
originando demência. As doenças neurodegenerativas são diferentes
dependendo do local onde os neurónios morrem ou degeneram, as principais
doenças incluem:
• Doença de Alzheimer: os neurônios afetados estão no córtex cerebral.
• Doença de Parkinson: os neurônios afetados estão na substância negra.
• Esclerose lateral amiotrófica: neurônios motores da medula espinhal.
• Esclerose múltipla: os neurônios morrem no cérebro e na medula espinhal.
Diversos fatores podem estar associados ao processo neurodegenerativo
como: fatores genéticos, excitoxicidade, idade, estresse oxidativo, fatores
ambientais, neuroinflamação, lesão mitocondrial e fatores genéticos.

➢ Erros no dobramento e agregação proteicos


Erros no dobramento (misfolding) e agregação proteicos são a primeira etapa
em muitas doenças degenerativas. O dobramento significa a adoção de
conformações anômalas por certas proteínas normalmente expressas, de
maneira que elas tendem a formar grandes agregados insolúveis. A conversão
da cadeia linear de aminoácidos produzida pelo ribossomo em uma proteína
funcional exige que ela seja dobrada corretamente em formatação compacta
com os aminoácidos específicos localizados na sua superfície. Essa complicada
sequência de passos pode facilmente falhar e levar a variantes com
dobramentos proteicos errados que são incapazes de encontrar o caminho de
volta para a conformação “nativa” correta.
Dessa forma, os dobramentos proteicos errados podem formar agregados,
conhecidos, em geral, como depósitos amiloides. O cérebro possui certa
variedade de mecanismos protetores que limitam o acúmulo desses agregados
proteicos. Os principais envolvem a produção das proteínas “acompanhantes”,
que se ligam às proteínas recém-sintetizadas ou com dobramentos proteicos
errados e as encorajam a dobrar-se corretamente, e a reação de “ubiquitinação”,
que prepara as proteínas para destruição dentro da célula. O acúmulo de
depósitos proteicos ocorre quando esses mecanismos protetores são incapazes
de evitá-los.

➢ Excitotoxicidade
O glutamato é altamente tóxico para os neurônios, fenômeno denominado
excitotoxicidade. Isso ocorre pois, o glutamato ativa os receptores NMDA, AMPA
e metabotrópicos, permitindo a permissividade de Na+ e Ca2+, gerando
despolarização e a transmissão do sinal. A concentração de Ca2+ provoca:
• Aumento da liberação de glutamato nos terminais nervosos.
• Ativação das proteases (calpaínas) e lipases, causando lesão da membrana.
• Ativação da óxido nítrico sintase; embora baixas concentrações de óxido
nítrico sejam neuroprotetoras, concentrações elevadas, na presença de
espécies reativas de oxigênio (EROs), geram o peroxinitrito e os radicais
hidroxila livres, que lesam muitas biomoléculas importantes, incluindo os
lipídeos da membrana, as proteínas e o DNA.
• Aumento da liberação de ácido araquidônico, que aumenta a produção de
radicais livres e mediadores inflamatórios, e inibe a captação de glutamato.

➢ Doença de Parkinson
A doença de Parkinson (DP), antigamente vista como uma doença com
manifestações puramente motoras, segundo as primeiras descrições de James
Parkinson, atualmente é tida como uma doença com as mais diversas
apresentações. Para o diagnóstico de parkinsonismo, a presença de pelo menos
dois dos sinais cardinais abaixo é essencial:
• Bradicinesia: é a pobreza do movimento automático. Observa-se isso na
presença de lentidão para realizar tarefas a que estava habituado. Na
marcha, observam-se passos pequenos e lentos, além da pobreza de
movimentos automáticos, como o balançar dos braços.
• Tremor: tipicamente de repouso, o tremor do parkinsonismo costuma ter
características peculiares, como o movimento em “contar de notas”, com uma
amplitude moderada e uma frequência que varia de 5 a 8 Hz.
• Rigidez: presente quando se observa uma menor amplitude ao realizar os
movimentos associados à rigidez muscular, sendo confirmado com a
presença do sinal da roda denteada. Esse sinal é verificado quando
determinado membro é deslocado passivamente pelo examinador e se
verificam, superpostos à rigidez, curtos períodos de liberação muscular
rítmicos e intermitentes;
• Instabilidade postural: incapacidade de equilibrar-se, às vezes com história
de quedas frequentes.
A causa da doença de Parkinson está relacionada com a degeneração de
neurônios dopaminérgicos na substância negra com consequente redução das
ações da dopamina no corpo estriado (caudado e putâmen), parte do sistema
de gânglios basais que estão envolvidos no controle motor. Dessa forma, o
achado patológico característico da DP é a perda dos neurônios dopaminérgicos
pigmentados da parte compacta da substância negra, com aparecimento de
inclusões intracelulares conhecidas como corpúsculos de Lewis.
Cada neurônio dopaminérgico da substância negra faz milhares de contatos
sinápticos no interior do neoestriado e, assim, modula a atividade de um grande
número de células. Ao mesmo tempo, o neoestriado está conectado à substância
negra por neurônios que secretam o transmissor inibitório GABA nas suas
terminações. Na doença de Parkinson, a destruição das células na substância
negra resulta na degeneração dos terminais nervosos que secretam dopamina
no neoestriado. Assim, a influência inibitória normal da dopamina nos neurônios
colinérgicos no neoestriado diminui significativamente, resultando em
superprodução ou hiperatividade relativa da ACh pelos neurônios estimulantes.
Isso inicia uma sequência de sinais anormais, resultando na perda do controle
do movimento muscular.

Observação: fármacos como os fenotiazínicos e o haloperidol, cuja principal


ação farmacológica é o bloqueio de receptores da dopamina no cérebro,
podem produzir sintomas de parkinsonismo (parkinsonismo secundário).
➢ Fármacos usados na doença de Parkinson
Vários dos fármacos disponíveis atualmente visam manter constantes os
níveis de dopamina no SNC. Esses fármacos oferecem alívio temporário dos
sintomas, mas não interrompem nem revertem a degeneração neuronal causada
pela doença. Não é possível administrar dopamina para o paciente, pois ela não
atravessa a barreira hematoencefálica. Dessa forma, um possível medicamento
é a levodopa (L-dopa):
• Levodopa: levodopa é um precursor metabólico da dopamina. Ela
restabelece a neurotransmissão dopaminérgica no neoestriado, aumentando
a síntese de dopamina nos neurônios ainda ativos da substância negra. No
início da doença, o número de neurônios dopaminérgicos residual na
substância negra (geralmente cerca de 20% do normal) é adequado para a
conversão da levodopa à dopamina. Infelizmente, com o tempo, o número de
neurônios diminui, e poucas células são capazes de converter a levodopa
exógena à dopamina. Os efeitos da levodopa no SNC podem ser
potencializados pela coadministração de carbidopa. Sem carbidopa, muito do
fármaco é descarboxilado a dopamina na periferia, resultando em náusea,
êmese, arritmias cardíacas e hipotensão.
• Carbidopa: é um inibidor da dopamina-descarboxilase que não atravessa a
barreira hematoencefálica, diminuindo, assim, a biotransformação da
levodopa na periferia e aumentando a disponibilidade de levodopa no SNC.

• Agonistas de receptor D2 de dopamina: este grupo de compostos


antiparkinsonianos inclui lisuride, pergolide, bromocriptina, ropinirol e
principalmente pramipexol. Esses fármacos têm duração de ação mais longa
do que a levodopa e são eficazes em pacientes que apresentam flutuações
em respostas à levodopa. No entanto, os efeitos adversos são: náuseas,
fadiga, alucinações, confusão mental e hipotensão.
• Inibidores da MAO: selegilina, também denominada deprenila, inibe
seletivamente a monoaminoxidase (MAO) tipo B (metaboliza a dopamina) em
dose baixa ou moderada. Ela não inibe a MAO tipo A (metaboliza a
norepinefrina e a serotonina), exceto em dosagem acima da recomendada,
quando perde a seletividade. A selegilina aumenta os níveis de dopamina no
cérebro, diminuindo o metabolismo da dopamina.

• Inibidores da COMT: normalmente, a metilação da levodopa pela catecol-O-


metiltransferase (COMT), resultando em 3-O-metildopa, é uma via menor na
sua biotransformação. Contudo, quando a atividade periférica da dopamina
descarboxilase é inibida pela carbidopa, forma-se uma quantidade
significativa de 3-O-metildopa que compete com a levodopa pelo transporte
ativo para o SNC. Entacapona e tolcapona inibem a COMT seletiva e
reversivelmente. A inibição da COMT por entacapona ou tolcapona reduz a
concentração de 3-O-metildopa no plasma, aumenta a captação central de
levodopa e eleva as concentrações cerebrais de dopamina.

• Anticolinérgicos: os fármacos triexifenidil e biperideno são menos eficazes


do que a levodopa e somente têm papel auxiliar no tratamento dos tremores.
O bloqueio da transmissão colinérgica provoca efeitos similares aos do
aumento da transmissão dopaminérgica, pois ajuda a corrigir o desequilíbrio
na relação entre dopamina e acetilcolina.
• Amantadina: descobriu-se acidentalmente que o antiviral amantadina, usado
no tratamento da gripe (influenza), tem ação antiparkinsoniana, pois axilia na
maior liberação de dopamina, bloqueio de receptores colinérgicos e inibição
do receptor glutamato tipo N-metil-D-aspartato (NMDA).
➢ Doença de Alzheimer
Na doença de Alzheimer (DA), a região cerebral mais suscetível à disfunção
neuronial e à perda dos neurônios é o lobo temporal medial, ou seja, ocorre uma
redução do volume de massa cinzenta, inclusive atingindo:
• Córtex entorrinal: responsável pela consolidação de memórias declarativas
e espaciais.
• Hipocampo: responsável pela localização do espaço/tempo.
• Amígdala: processamento emocional.
Os sinais e sintomas típicos dos estágios iniciais da doença de Alzheimer são
atribuídos à disfunção dessas estruturas, que causa perda transitória da
memória anterógrada, perguntas repetitivas, dificuldades de se expressar e
esquecimento dos detalhes do cotidiano.
A demência do tipo Alzheimer tem três características diferenciais:
1. O acúmulo de placas senis (acúmulo β-amiloide).
2. A formação de numerosos entrelaçados neurofibrilares formados pela
proteína tau associada aos microtúbulos.
3. Perda de neurônios corticais, particularmente colinérgicos.
Os mecanismos pelos quais o acúmulo β-amiloide (Aβ) a proteína tau
provocam disfunção e morte dos neurônios podem incluir a interferência direta
com a transmissão sináptica e a plasticidade, a excitotoxicidade, o estresse
oxidativo e a neuroinflamação. O distúrbio neuroquímico mais marcante na DA
é uma deficiência de acetilcolina (ACh). As bases anatômicas da deficiência
colinérgica são a atrofia e a degeneração dos neurônios colinérgicos
subcorticais, principalmente dos que se localizam no prosencéfalo basal (núcleo
basal de Meynert) e fornecem inervação colinérgica ao córtex cerebral.
➢ Fármacos usados na doença de Alzheimer
Os tratamentos atuais visam melhorar a transmissão colinérgica no SNC ou
evitar as ações excitotóxicas resultantes da superestimulação dos receptores
NMDA glutamato em certas áreas do cérebro. As intervenções farmacológicas
na doença de Alzheimer são apenas paliativas e oferecem um benefício modesto
e de curta duração. Nenhum dos fármacos disponíveis altera o processo
neurodegenerativo subjacente.
• Inibidores da acetilcolinesterase: numerosos estudos relacionaram a
perda progressiva de neurônios colinérgicos e, presumidamente, da
transmissão colinérgica no córtex com a perda da memória, que é o sintoma
característico da doença de Alzheimer. Postula-se que a inibição da
acetilcolinesterase (AChE) no SNC melhora a transmissão colinérgica, pelo
menos nos neurônios que continuam funcionando. Os inibidores da AChE
aprovados para o tratamento da doença de Alzheimer leve ou moderada
incluem donepezila, galantamina e rivastigmina. Os efeitos adversos comuns
incluem náuseas, diarreia, êmese, anorexia, tremores, bradicardia e cãibras
musculares.
• Antagonistas de receptores N-metil-D-aspartato: a estimulação de
receptores glutamato no SNC parece importante na formação de certas
memórias. Contudo, a superestimulação de receptores glutamato,
particularmente do tipo NMDA, pode resultar em efeitos excitotóxicos nos
neurônios, e é sugerida como mecanismo dos processos neurodegenerativos
ou apoptóticos (morte celular programada). A ligação do glutamato ao
receptor NMDA causa a abertura do canal iônico que permite a entrada de
Ca2+ no neurônio. O excesso de Ca2+ intracelular pode ativar inúmeros
processos, que finalmente lesam o neurônio e levam à apoptose. Memantina
é um antagonista do receptor NMDA indicado contra a doença de Alzheimer
moderada ou grave. Ela atua bloqueando o receptor NMDA e limitando o
influxo de Ca2+ no neurônio, de modo que não são alcançados níveis
intracelulares tóxicos.
SISTEMA ENDOCANABINÓIDE
➢ Canabinoides derivados de plantas e seus efeitos farmacológicos
A Cannabis sativa, ou cânhamo, tem sido utilizada por suas propriedades
psicoativas por milhares de anos. Seu uso medicinal era defendido na
antiguidade, mas o interesse somente voltou à tona em 1964, com a identificação
do Δ9-tetra-hidrocanabinol (THC) como o principal componente psicoativo. Os
extratos de cannabis contêm numerosos compostos relacionados, denominados
canabinoides, a maioria dos quais insolúveis em água. Os canabinoides mais
abundantes são o THC, seu precursor canabidiol, e o canabinol, um produto de
decomposição formado espontaneamente a partir do THC.
O THC atua principalmente no sistema nervoso central (SNC), produzindo
uma mescla de efeitos psicotomiméticos e depressores, juntamente com vários
efeitos autonômicos mediados centralmente. Os principais efeitos subjetivos em
seres humanos consistem nos seguintes: sensações de relaxamento e bem-
estar, similares ao efeito do etanol, mas sem a imprudência e a agressividade
associadas; impressões de consciência sensorial aguçada, com sons e visões
parecendo mais intensos e fantásticos; e alguns indivíduos relatam que o tempo
passa de forma extremamente lenta.

➢ Receptores canabinoides
Os receptores canabinoides do tipo 1 (CB1), localizados na membrana
plasmática das terminações nervosas, são membros típicos da família dos
receptores acoplados à proteína Gi (receptor metabotrópico) e, portanto, quando
um agonista se liga ao receptor, ocorre as seguintes ações:
• Inibição da adenilato ciclase e, consequentemente, redução do AMPc e da
atividade da proteína quinase A (PKA).
• Redução do influxo de cálcio (inibição dos canais de Ca2+).
• Ativação dos canais de potássio.
Dessa forma, a ativação do receptor CB1 inibe a liberação de
neurotransmissor via inibição da entrada de Ca2+ e hiperpolarização em função
da ativação dos canais de potássio. Os receptores CB também influenciam a
expressão gênica, tanto diretamente, pela ativação da proteína quinase ativada
por mitógenos (MAPK), quanto indiretamente, pela redução da atividade da
proteína quinase A, em consequência da atividade reduzida da adenilato ciclase.
Além de sua bem identificada localização no SNC, os receptores CB também
são expressos em tecidos periféricos, são os chamados CB2. O receptor CB2
possui apenas cerca de 45% de homologia de aminoácidos com o CB 1 e está
localizado principalmente no tecido linfoide (baço, tonsilas e timo, bem como
linfócitos e monócitos circulantes e mastócitos dos tecidos) e estão presentes na
micróglia (células imunológicas do SNC) que, quando ativadas, contribuem para
a dor crônica.

➢ Endocanabinoides
A descoberta de receptores canabinoides específicos levou à busca de
mediadores endógenos. Os primeiros a serem descobertos foram a anandamida
e o 2-araquidonoil glicerol (2-AG).
• Síntese: a anandamida é sintetizada a partir de fosfolipídeos de membrana
pós-sináptica. O 2-AG é também produzido pela hidrólise de precursores
derivados do metabolismo fosfolipídico. Ambas as enzimas responsáveis
pela formação desses endocanabinoides são sensíveis ao Ca2+, o que é
coerente com a atividade do Ca2+ intracelular agindo como estímulo
fisiológico para a síntese de endocanabinoides.
• Metabolismo: os endocanabinoides são rapidamente captados do espaço
extracelular. Sendo lipossolúveis, difundem-se através das membranas
plasmáticas a favor do gradiente de concentração. A enzima-chave para a
anandamida é uma serina hidrolase microssômica conhecida como ácido
graxo amida hidrolase (FAAH). A FAAH converte a anandamida em ácido
araquidônico mais etanolamina e também hidrolisa o 2-AG, produzindo ácido
araquidônico e glicerol.
➢ Mecanismo de ação do canabidiol (CBD)
O canabidiol, derivado da Cannabis, não atua diretamente nos receptores
canabinoides. Na realidade, o canabidiol inibe a FAAH e, consequentemente,
aumenta o conteúdo de anandamida, ativando os receptores CB1 e CB2. Além
disso, o canabidiol age como antagonista dos receptores de membrana GPR55,
impedindo o influxo de Ca2+ e contribuindo para o efeito anticonvulsivante; e
estimula os receptores 5-HT conferindo os efeitos ansiolítico e antidepressivo.
Dessa forma, o canabidiol é considerado uma “droga suja”, pois não apresenta
seletividade por um único receptor.
O CBD é metabolizado pelo CYP2C19 e CYP3A4, no entanto, o CBD também
é um inibidor desses citocromos e, portanto, interferem na biodisponibilidade de
outros fármacos que dependem desses citocromos para serem metabolizados.
Um exemplo disso, é o clozabam, um fármaco utilizado no tratamento de
epilepsia, que quando associado ao uso de CBD, propiciam maior sonolência,
pois pela redução do metabolismo, esses fármacos apresentam maior
concentração plasmática.
Outros ensaios clínicos com CBD indicam:
• Tratamento da dependência à opioides.
• Transtornos de estresse pós-traumático.
• Tratamento de depressão e ansiedade.
• Tratamento de dores.
• Estudos de interação medicamentosa com contraceptivos orais.

➢ Usos terapêuticos do THC


O THC produz efeitos psicoativos por agir na zona de recompensa do SNC,
o que limita o seu uso como medicamento. No entanto, existem evidências de
que o THC apresente potencial de uso interessante em idosos promovendo
melhora cognitiva.
O dronabinol é um análogo do THC sintético aprovado em 1985 para náuseas
e vômitos induzidos pelo tratamento do HIV e é utilizado como adjuvante na
quimioterapia.

CÂNHAMO MACONHA
Planta alta e esguia, com poucas
ramificações laterais. Toda a Planta com baixa estatura, mais
estrutura pode ser usada para incorporada e com muitas flores
extração de canabinoides

Alto teor de CBD, sem efeitos


Até 30% de THC, que possui efeitos
psicoativos e com grande potencial
psicoativos
medicinal e terapêutico

É mais conhecida por seu uso


Apresenta menos de 0,3% de THC recreativo, mas também possui efeitos
medicinais
ANTIDEPRESSIVOS
➢ Depressão x Mania
A depressão é o mais comum dos distúrbios afetivos (definidos como
distúrbios do humor) e pode variar de alteração muito leve, beirando a
normalidade, até a depressão grave (psicótica), acompanhada de alucinações e
delírios. No mundo inteiro, a depressão é importante causa de incapacidade e
de morte prematura. Além do risco significativo de suicídio, os indivíduos
depressivos têm a probabilidade de morrer de outras causas, como cardiopatia
ou câncer. A depressão é um distúrbio heterogêneo cujos pacientes apresentam
um ou mais sintomas centrais e, geralmente, está associada a outras condições
psiquiátricas, incluindo ansiedade, distúrbios alimentares e dependência de
fármacos. Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM 5), a depressão pode ser
definida pela presenta de no mínimo cinco dos seguintes sintomas durante o
mesmo período de duas semanas, sendo que pelo menos o item 1 ou 2 devem
estar presentes:
1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias.
2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as
atividades na maior parte do dia quase todos os dias (anedonia).
3. Perda ou ganho significativo de peso (>5%).
4. Insônia ou hipersonia.
5. Agitação ou retardo psicomotor.
6. Fadiga ou perda de energia.
7. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva/inadequada.
8. Redução da capacidade de pensar ou concentrar.
9. Pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida, tentativa de suicídio.
Por outro lado, a mania é caracterizada pelo comportamento oposto, ou seja,
entusiasmo, raiva, pensamentos e fala rápidos, extrema autoconfiança e
diminuição de autocrítica. Segundo a DSM 5, um episódio maníaco é um período
distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável,
durando pelo menos uma semana. Além disso, durante o período de perturbação
do humor, três (ou mais) dos seguintes sintomas devem persistir:
1. Autoestima inflada ou grandiosidade.
2. Necessidade de sono diminuída.
3. Mais loquaz que o habitual ou pressão para falar.
4. Fuga de ideias ou experiência subjetiva dos pensamentos.
5. Distraibilidade (isto é, atenção desviada com excessiva facilidade para
estímulos externos insignificantes ou irrelevantes).
6. Aumento da atividade dirigida à objetivos (socialmente, no trabalho, na escola
ou sexualmente) ou agitação psicomotora.
7. Envolvimento excessivo em atividades prazerosas com um alto potencial
para consequências dolorosas (como, envolvimento com surtos incontidos de
compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros tolos).
➢ Mecanismos dos antidepressivos
A maioria dos fármacos antidepressivos úteis clinicamente potencializa,
direta ou indiretamente, as ações da norepinefrina e/ou da serotonina no cérebro.
Isso, juntamente com outras evidências, levou à teoria monoaminérgica da
depressão, que propõe que este distúrbio se deve às deficiências das
monoaminas (norepinefrina e serotonina) em certos locais-chave do cérebro.
Dessa forma, existem três alvos para as drogas antidepressivas:
• Inibição do transportador de recaptação das monoaminas: como as
proteínas NET, no caso de noradrenalina; e a SERT, no caso de serotonina.
Os fármacos podem ser seletivos para uma monoamina, ou não seletivos.
• Inibidores da MAO: relacionado a metabolização das monoaminas.
• Antagonista de receptores monoaminérgicos: receptor pré-sináptico α2
(receptor inibitório) ou pós-sináptico (5-HT).

Assim, os fármacos podem ser classificados em cinco categorias:


• Inibidores seletivos da captação de serotonina (ISCS).
• Inibidores da captação de serotonina e noradrenalina (ICSN).
• Antidepressivos tricíclicos (ADT).
• Inibidores da monoaminoxidase (IMAO).
• Antidepressivos atípicos.
FÁRMACOS ANTIDEPRESSIVOS
▪ Citalopram
▪ Escitalopram
Inibidores seletivos da captação de ▪ Fluoxetina
serotonina (ISCS) ▪ Fluvoxamina
▪ Paroxetina
▪ Sertralina
▪ Desvenlafaxina
Inibidores da captação de serotonina e ▪ Duloxetina
noradrenalina (ICSN) ▪ Levomilnaciprana
▪ Venlafaxina
▪ Amitriptilina
▪ Amoxapina
▪ Clomipramina
Antidepressivos tricíclicos (ADT)
▪ Desipramina
▪ Doxepina
▪ Imipramina
▪ Fenelzina
▪ Isocarboxazida
Inibidores da MAO (IMAO)
▪ Selegilina
▪ Tranilcipromina
▪ Bupropiona
▪ Mirtazapina
▪ Nefazodona
Antidepressivos atípicos
▪ Trazodona
▪ Vilazodona
▪ Vortioxetina

➢ Antidepressivo ideal
• Elevada eficácia.
• Recuperação sintomática e funcional.
• Rápido início de ação.
• Baixa incidência de interações medicamentosas.
• Efeitos adversos mínimos.
• Seguro na intoxicação.
• Administração simples.
• Baixo custo.
• Boa relação custo-efetividade.
• Eficaz para um amplo espectro de transtornos mentais.
• Eficaz em transtornos frequentemente associados à depressão.
• Alta eficácia e tolerabilidade em crianças e idosos.

.
➢ Inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS)
Os inibidores seletivos da captação de serotonina são um grupo de fármacos
antidepressivos que inibem especificamente a captação da serotonina,
apresentando uma seletividade de 300 a 3.000 vezes maior para o transportador
de serotonina do que para o de noradrenalina. Isso contrasta com os
antidepressivos tricíclicos (ADTs) e os inibidores da captação de serotonina e
noradrenalina (ICSN), que inibem a captação de noradrenalina e de serotonina
não seletivamente. Os ISRS incluem fluoxetina, citalopram, fluvoxamina,
paroxetina e sertralina.
• Mecanismo de ação: os ISRS bloqueiam a captação de serotonina, levando
ao aumento da concentração do neurotransmissor na fenda sináptica.
• Farmacocinética: todos os ISRS são absorvidos após administração oral,
sendo que a maioria tem meia-vida entre 16 e 36 horas. A fluoxetina difere
dos outros fármacos da classe por ter uma meia-vida muito longa (50 h), e a
meia-vida do metabólito ativo, S-norfluoxetina, é ainda mais longa (10 dias).
• Efeitos adversos: embora se considere que os ISRS tenham efeitos
adversos menos graves do que os ADTs e os IMAOs, eles não são isentos
de efeitos adversos, como cefaleia, sudoração, ansiedade e agitação, efeitos
gastrintestinais (náuseas, êmese e diarreia), fraqueza e cansaço, disfunções
sexuais, alterações de massa corporal, distúrbios do sono (insônia e
sonolência) e interações farmacológicas potenciais
Em termos gerais, independente da classe de antidepressivos, todos
apresentam uma eficácia semelhante, em torno de 2/3. A escolha do melhor
medicamento leva em conta as preferências do médico e do paciente, além das
questões farmacocinéticas. Uma das vantagens da fluoxetina é seu alto tempo
de meia vida. A suspensão abrupta do medicamento não leva a uma crise de
abstinência, pois o nível plasmático decairá lentamente. Drogas com tempo de
meia-vida mais curta como a paroxetina e fluvoxamina, provavelmente
ocasionarão síndromes de abstinência.

Observação: a síndrome serotoninérgica é uma reação a medicamento


potencialmente fatal devido ao aumento da atividade da serotonina no SNC.
Pode ser caracterizada pela clássica tríade de efeitos cognitivos, autonômicos
e neuromusculares, como temperatura corporal alta, espasmos musculares e
ansiedade ou delírio. Dessa forma, a síndrome pode ser gerada, por exemplo,
pela associação entre um inibidor irreversível da MAO e um ISRS.

➢ Inibidores da receptação da serotonina e noradrenalina (ICSN)


Imipramina, amitriptilina, venlafaxina, duloxetina e milnacipiran inibem a
captação de serotonina e noradrenalina. Esses fármacos podem ser eficazes no
tratamento de depressão em pacientes nos quais os ISRS foram ineficazes.
Além disso, a depressão com frequência é acompanhada de sintomas dolorosos
crônicos, como dor lombar e dor muscular, contra os quais os ISRS são
relativamente ineficazes. Essas dores são, em parte, moduladas por vias de
serotonina e noradrenalina no sistema nervoso central. Os ICSN podem causar
síndrome de interrupção se o tratamento for suspenso de modo súbito.
➢ Inibidores da MAO (IMAO)
A monoaminoxidase (MAO) é uma enzima mitocondrial encontrada em
nervos e outros tecidos, como fígado e intestino. No neurônio, a MAO funciona
como “válvula de segurança”, desaminando oxidativamente e inativando
qualquer excesso de neurotransmissor (noradrenalina, dopamina e serotonina)
que possa vazar das vesículas sinápticas quando o neurônio está em repouso.
O IMAO pode inativar reversível ou irreversivelmente a enzima, permitindo que
as moléculas do neurotransmissor fujam da degradação e, assim, se acumulem
dentro do neurônio pré-sináptico e vazem para o espaço sináptico. Os quatro
IMAOs usado para o tratamento da depressão incluem fenelzina, tranilcipromina,
isocarboxazida e selegilina. O uso de IMAOs é limitado devido às complicadas
restrições de dieta exigidas durante a utilização desses fármacos.
• Mecanismos de ação: a maioria dos IMAOs forma complexos estáveis com
a enzima, causando inativação irreversível. Isso resulta em aumento dos
estoques de norepinefrina, serotonina e dopamina no interior dos neurônios
e subsequente difusão do excesso de neurotransmissor para a fenda
sináptica. Esses fármacos inibem a MAO não só no cérebro, mas também no
fígado e no intestino, onde catalisam desaminações oxidativas de fármacos
e substâncias potencialmente tóxicas, como a tiramina, que é encontrada em
certos alimentos. Por isso, os IMAOs mostram elevada incidência de
interações com fármacos e com alimentos.
• Efeitos adversos: ocorrem devido a interações com fármacos e alimentos.
Por exemplo, a tiramina, que está presente em alimentos como queijos
envelhecidos e carnes, fígado de aves, peixes em conserva ou defumados e
vinhos tintos normalmente é inativada pela MAO no intestino. Indivíduos
tratados com IMAO são incapazes de degradar a tiramina presente na dieta.
A tiramina causa liberação de grande quantidade de catecolaminas
armazenadas nos terminais nervosos, resultando em “crise hipertensiva” com
sinais e sintomas como cefaleia occipital, rigidez no pescoço, taquicardia,
náuseas, hipertensão, arritmias cardíacas, convulsões e possivelmente
colapso. Os pacientes precisam, portanto, ser orientados para evitar
alimentos contendo tiramina. Outros possíveis efeitos adversos do tratamento
com IMAO incluem sonolência, hipotensão ortostática, visão turva,
xerostomia e constipação.

Observação: a MAO apresenta duas isoformas:


✓ MAO-A: metaboliza a serotonina e noradrenalina; que é alvo para ação
antidepressiva com redução do risco de crise hipertensiva.
✓ MAO-B: metaboliza a dopamina e a tiramina.

➢ Antidepressivos tricíclicos (ADT)


Os ADTs bloqueiam a captação de norepinefrina e serotonina no neurônio
pré-sináptico e, portanto, se fossem descobertos atualmente, poderiam ser
referidos como ICSNs, exceto pelas diferenças nos efeitos adversos dessa nova
classe de antidepressivos.
• Mecanismos de ação: são inibidores potentes da captação neuronal de
noradrenalina e serotonina no terminal nervoso pré-sináptico. Os ADTs
também bloqueiam os receptores serotoninérgicos, α-adrenérgicos,
histamínicos e muscarínicos. Ainda não se sabe se alguma dessas ações é
responsável pelo benefício terapêutico dos ADTs.
➢ Antagonistas de receptores monoaminérgicos
Quando os neurotransmissores noradrenérgicos são liberados na fenda
sináptica, uma pequena parcela se liga a receptores α2 presentes no neurônio
pré-sináptico, exercendo um efeito de feedback negativo, regulando a liberação
de mais neurotransmissores (isto é, noradrenalina e serotonina). O fármaco
mirtazapina bloqueia não somente os receptores α-adrenérgicos, como também
outros receptores, incluindo:
• 5-HT2: contribui para o efeito antidepressivo, com reversão da ansiedade e
agitação, entretanto, pode provocar disfunção sexual.
• 5-HT3: diminui a ansiedade e náuseas.
• α2 pré-sináptico: contribui para o efeito antidepressivo, com desinibição dos
receptores de noradrenalina e serotonina.
• H1: contribui para a sedação e o aumento de peso.

➢ Fitoterápicos
O Hypericum perforatum é um dos poucos antidepressivos naturais que age
por inibição da recaptaçao serotonina (5-HT) e noradrenalina, além de atuar na
inibição da MAO. No entanto, os efeitos adversos incluem: gastrointestinais (leve
náusea, diminuição do apetite e desconforto gástrico); reações alérgicas; fadiga;
tontura; ansiedade; fotossensibilidade; e virada maníaca.

➢ Teoria glutamatérgica da depressão


Outra teoria muito importante é em relação ao neurotransmissor excitatório,
o glutamato. As evidências de que haja ligação entre o neurotransmissor e a
depressão foram detectadas em exames de imagem e post-mortem.
Pesquisadores encontraram altas taxas de glutamato no fluido cérebro-espinhal
de pacientes psicóticos que se suicidaram. A evidência de que o glutamato tem
ligação com a fisiopatologia da depressão é a informação de que o
neurotransmissor liga as áreas corticais ao sistema límbico, regulando a
neurotransmissão de algumas moléculas. Regula a neurotransmissão
noradrenérgica ao nível do locus coeruleus, a neurotransmissão serotoninérgica
ao nível dos núcleos da rafe e a dopaminérgica na substância negra e área
tegmentar ventral. Estas áreas citadas anteriormente são as principais
envolvidas na depressão. O estresse crônico provoca uma disfunção na via
glutamatérgica, expressada através da hiperatividade desta, e
consequentemente há regressão do crescimento neuronal, devido à
excitotoxicidade desse neurotransmissor. Embora essa teoria explique a
depressão de um modo satisfatório, ainda faltam evidências contundentes que
demonstrem mecanismos definitivos de disrupção da via do glutamato, porém, a
aplicação de antagonistas de receptores NMDA vem demonstrando uma ótima
capacidade de reverter a sintomatologia depressiva.
ANSIOLÍTICOS
➢ Lei de Yerkes-Dodson
Os transtornos envolvendo ansiedade são os distúrbios mentais mais
comuns. A ansiedade é um estado desagradável de tensão, apreensão e
inquietação – um temor que se origina de fonte conhecida ou desconhecida. Os
sintomas físicos da ansiedade grave são similares aos do medo (como
taquicardia, sudoração, tremores e palpitações) e envolvem a ativação
simpática. Episódios de ansiedade leve são experiências comuns na vida e não
justificam tratamento. Contudo, a ansiedade intensa, crônica e debilitante pode
ser tratada com fármacos ansiolíticos (ou antiansiedade) e/ou com alguma forma
de psicoterapia. Como muitos dos fármacos ansiolíticos causam alguma
sedação, eles podem ser usados clinicamente como ansiolíticos e como
hipnóticos (indutores do sono).
A lei de Yerkes-Dodson é uma relação empírica entre excitação e
desempenho, originalmente desenvolvida pelos psicólogos Robert M. Yerkes e
John Dillingham Dodson em 1908. A lei determina que o desempenho aumenta
com a excitação fisiológica ou mental, mas apenas até certo ponto. Quando os
níveis de excitação se tornam muito altos, o desempenho diminui.

De modo geral, existem duas propostas de distinção entre ansiedade normal


e patológica:
• Quantitativa: considera a diferença uma questão de intensidade ou grau,
existindo um contínuo, sendo a ansiedade patológica o extremo superior
deste contínuo, apresentando-se de maneira mais severa, persistente ou
pervasiva que a normal.
• Qualitativa: que considera existir uma ruptura entre estes dois estados.

➢ Transtorno de ansiedade generalizada (TAG)


O transtorno de ansiedade generalizada é um distúrbio caracterizado por:
ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva), ocorrendo na
maioria dos dias por pelo menos 6 meses, com diversos eventos ou atividades
(tais como desempenho escolar ou profissional).
A ansiedade e a preocupação estão associadas com três ou mais dos
seguintes seis sintomas (com pelo menos alguns deles presentes na maioria dos
dias nos últimos 6 meses): inquietação ou sensação de estar com os nervos à
flor da pele; fatigabilidade; dificuldade em concentrar-se ou sensações de
“branco” na mente; irritabilidade; tensão muscular; e perturbação do sono (sono
insatisfatório e inquieto).

➢ Transtorno do pânico (TP)


O transtorno do pânico é caracterizado por ataques de pânico recorrentes e
inesperados. Um ataque de pânico é um surto abrupto (a partir de um estado
calmo ou de um estado ansioso) de medo intenso ou desconforto intenso que
alcança um pico em minutos e durante o qual ocorrem quatro (ou mais) dos
seguintes sintomas:
• Palpitações, coração acelerado, taquicardia.
• Sudorese.
• Tremores ou abalos.
• Sensações de falta de ar ou sufocamento.
• Sensações de asfixia.
• Dor ou desconforto torácico.
• Náusea ou desconforto abdominal.
• Sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio.
• Calafrios ou ondas de calor.
• Parestesias (anestesia ou sensações de formigamento).
• Desrealização (sensações de irrealidade) ou despersonalização (sensação
de estar distanciado de si mesmo).
• Medo de perder o controle ou enlouquecer.
• Medo de morrer.

DROGAS ANSIOLÍTICAS
▪ Diazepam
▪ Bromazepam
Benzodiazepínicos ▪ Lorazepam
▪ Clonazepam
▪ Alprazolam

▪ Buspirona
Azapironas ou
▪ Gepirona
azaspirodecanediona
▪ Ipsapirona

▪ Antidepressivos: ADT, ISRS, venlafaxina


▪ Anti-histamínicos: hidroxazina
Outros tratamentos ▪ β-bloqueadores
farmacológicos da ▪ Fitoterápicos: Lavandula angustifólia, Piper
ansiedade methistycum, Passiflora valeriana
▪ Antipsicóticos
▪ Anticonvulsivantes: pregabalina
➢ Fármacos benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos são os ansiolíticos mais usados e recebem esse nome
devido à presença de anel benzeno ligado ao anel diazepínico em sua estrutura
química. Ainda que os benzodiazepínicos sejam comumente usados, eles não
são necessariamente a melhor escolha contra ansiedade. Certos
antidepressivos com ação ansiolítica, como os inibidores seletivos da captação
de serotonina (ISRSs), são preferidos em vários casos.
• Mecanismo de ação: o GABA é o principal neurotransmissor inibitório no
sistema nervoso central. Dessa forma, os alvos para as ações dos
benzodiazepínicos são os receptores do ácido γ-aminobutírico tipo A GABAA.
Os receptores do GABAA são compostos de uma combinação, no somatório
de cinco subunidades α, β e γ inseridas na membrana pós-sináptica. Para
cada subunidade existem vários subtipos. A fixação do GABA ao seu receptor
inicia a abertura do canal iônico central, permitindo a entrada de cloro através
do poro. O influxo do íon cloreto causa hiperpolarização do neurônio e diminui
a neurotransmissão, inibindo a formação de potenciais de ação. Os
benzodiazepínicos modulam os efeitos do GABA ligando-se a um local
específico de alta afinidade (distinto do local de ligação do GABA), situado na
interface da subunidade α e da subunidade γ no receptor GABAA. Os
benzodiazepínicos aumentam a frequência da abertura dos canais produzida
pelo GABA (modulador alostérico positivo do GABA). Portanto, a redução da
excitabilidade neuronal é o que promove os efeitos sedativo, ansiolítico e
anticonvulsivante desta classe.

• Efeitos terapêuticos: os benzodiazepínicos têm o potencial de ser tanto


ansiolítico como hipnótico e isso vai depender da dose utilizada. Assim,
possuem cinco principais efeitos clínicos:
1. Efeito ansiolítico: em doses baixas, os benzodiazepínicos são
ansiolíticos. A redução da ansiedade é atribuída à potenciação seletiva
da transmissão gabaérgica em neurônios que têm a subunidade α2 em
seus receptores GABAA, inibindo, assim, os circuitos neuronais no
sistema límbico do cérebro.
2. Efeito hipnótico/sedativo: todos os benzodiazepínicos têm
propriedades sedativa e calmante, e alguns podem produzir hipnose
(sono produzido “artificialmente”) em doses mais elevadas. O efeito
hipnótico é mediado pelos receptores α1-GABAA.
3. Amnésia anterógrada: a perda temporária da memória com o uso de
benzodiazepínicos também é mediada pelos receptores α1-GABAA. A
capacidade de aprender e formar novas memórias também é reduzida.
4. Efeito anticonvulsivante: esse efeito é parcialmente mediado pelos
receptores α1-GABAA. Portanto, esses fármacos são capazes de reduzir
a excitabilidade exacerbada responsáveis pelas crises epiléticas
5. Relaxamento muscular: em doses elevadas, os benzodiazepínicos
diminuem a espasticidade do músculo esquelético, provavelmente
aumentando a inibição pré-sináptica na medula espinhal, onde
predominam os receptores α2-GABAA. O baclofeno é um relaxante
muscular que parece atuar nos receptores GABA na medula espinhal.
• Farmacocinética: são lipofílicos, com boa absorção gastrointestinal após
administração oral, distribuem por todo organismo e entram no SNC. A meia-
vida dos benzodiazepínicos é importante clinicamente, pois a duração da
ação pode determinar a utilidade terapêutica. Os benzodiazepínicos podem
ser divididos em grupos de curta, média e longa ação.
BENZODIAZEPÍNICOS
▪ Clorazepato
▪ Clordiazepóxido
Ação longa
▪ Diazepam
(1-3 dias)
▪ Flurazepam
▪ Quazepam
▪ Alprazolam
Ação intermediária ▪ Estazolam
(10-20 horas) ▪ Lorazepam
▪ Temazepam
Ação curta ▪ Oxazepam
(3-8 horas) ▪ Triazolam

• Efeitos adversos: sedação e confusão são os efeitos adversos mais


comuns. Pode ocorrer também comprometimento cognitivo (diminuição da
evocação de memória) e ataxia (em doses elevadas). O triazolam com
frequência apresenta rápido desenvolvimento de tolerância, insônia da
madrugada, ansiedade amnésia e confusão. Os benzodiazepínicos devem
ser usados com cautelosa em pacientes com doença hepática e devem ser
evitados em pacientes com glaucoma de ângulo fechado agudo. Álcool e
outros depressores do SNC potencializam seus efeitos hipnoticossedativos.
• Dependência: pode-se desenvolver dependência física e psicológica aos
benzodiazepínicos se doses elevadas forem administradas por longos
períodos. Todos os benzodiazepínicos são fármacos controlados. A
interrupção abrupta resulta em sintomas de abstinência, incluindo confusão,
ansiedade, agitação, intranquilidade, insônia, tensão e (raramente)
convulsões. Os benzodiazepínicos com meia-vida de eliminação curta, como
o triazolam, induzem reações de abstinência mais abruptas e graves do que
as observadas com os de eliminação mais lenta, como o flurazepam.

➢ Fármacos azapironas (ou azaspirodecanediona)


A principal droga desse grupo é a buspirona, que atua no sistema
serotoninérgico. Os corpos celulares dos neurônios serotoninérgicos localizados
no núcleo da rafe emitem projeções até a amígdala e córtex frontal estimulando
a liberação de serotonina que se liga a receptores pós-sinápticos (5-HT2, 5-HT3
e 5-HT1A) destes locais. O aumento desta transmissão serotoninérgica leva ao
aparecimento dos sintomas de transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Por
outro lado, neurônios serotoninérgicos também liberam serotonina na substância
cinzenta periaquedutal inibindo essa região pela ação sobre receptores 5-HT1A
e 5-HT2. Uma redução dessa transmissão e inibição serotoninérgica está
associada ao desenvolvimento do transtorno de pânico (PA). Dessa forma, há
duas teorias que explicam o mecanismo de ação da buspirona.
• Mecanismo de ação: agonista total do neurônio serotoninérgico ligando-se
ao receptor 5-HT1A, inibindo a atividade do neurônio e reduzindo a liberação
de serotonina; ou agonista parcial dos receptores pós-sinápticos (5-HT1A),
reduzindo o neurotransmissor.
• Farmacocinética: a buspirona apresenta baixa biodisponibilidade (4-6%),
uma meia-vida de 2,5 horas e sua administração é apenas por via oral.
• Efeitos adversos: fadiga, excitação, inquietação, insônia, sudorese,
náuseas, nervosismo e tonturas. Sedação e disfunções cognitivas e
psicomotoras são mínimas, e a dependência é improvável.

➢ Outros fármacos: pregabalina


Recentemente, descobriu-se que a droga pregabalina, além da ação
anticonvulsivante, apresenta um efeito ansiolítico clinicamente detectado.
• Mecanismo de ação: esse fármaco atua na ligação ao sítio α2δ nos canais
de cálcio voltagem dependentes, consequentemente isso diminui o influxo de
Ca2+ e diminui a liberação de neurotransmissores (como o glutamato).
• Efeitos adversos: tontura, sonolência (menor que benzodiazepínicos) e
baixa incidência de disfunção sexual, sudorese ou agitação.
FARMACOGERIATRIA
➢ Conceitos importantes
O envelhecimento é um processo natural, no qual as funções de diferentes
órgãos tornam-se deficientes, alterando a atividade dos medicamentos. A
presença de diversas patologias concomitantes também é comum, o que facilita
a polifarmácia. Como as prescrições são feitas por diferentes profissionais,
aumenta o risco de associações medicamentosas prejudiciais, e geralmente não
há esforço no sentido de formular esquemas de administração integrados, mais
cômodos para o paciente.
O processo de envelhecimento e a elevação da frequência de doenças
crônico-degenerativas, é acompanhado por uma maior demanda pelos serviços
de saúde e por medicamentos, o que predispõe grandemente a população
geriátrica aos riscos da prática de polifarmácia e aos efeitos adversos dos
medicamentos. No entanto, deve-se atentar para o fato de que o organismo
idoso apresenta mudanças em suas funções fisiológicas que não devem ser
desconsideradas, pois podem levar a uma farmacocinética diferenciada e maior
sensibilidade tanto aos efeitos terapêuticos quanto adversos das drogas.
Considera-se haver polifarmácia quando há uso desnecessário de pelo
menos um medicamento ou presença de cinco ou mais fármacos em associação.
Os medicamentos mais consumidos incluem anti-hipertensivos, analgésicos,
anti-inflamatório e sedativos. Idosos na faixa de 65 a 69 anos consomem em
média 13,6 medicamentos prescritos por ano, enquanto aqueles entre 80 a 84
anos podem alcançar 18,2 medicamentos/ano.
Dessa forma, a farmacogeriatria estuda as variações da sensibilidade às
drogas, absorção, metabolismo, toxicidade, e, excreção das drogas na pessoa
idosa, incluindo todos os fatores fisiológicos e patológicos.

➢ Seis processos da farmacoterapia


Os processos da farmacoterapia são definidos como o entendimento das
principais etapas para que a partir da escolha do medicamento se obtenha o
resultado terapêutico:
1. Seleção do medicamento: forma farmacêutica e regime terapêutico.
2. Administração: utilização do medicamento pelo paciente.
3. Biofarmacêutico: liberação do fármaco e sua dissolução no local de absorção.
4. Farmacocinético: chegada do fármaco ao local de ação.
5. Farmacodinâmico: interação entre o fármaco e o organismo.
6. Resultado terapêutico: mudança no estado de saúde decorrente do efeito
farmacológico. No entanto, pode ocorrer resultado terapêutico negativo
quando inefetividade no tratamento ou quando há insegurança, devido ao
surgimento de um novo problema de saúde no paciente ou reações adversas.
Nos idosos, muitas reações graves são muito mais graves, seja pela
magnitude do efeito da reação adversa à medicação (RAM) ou pelas
consequências do efeito adverso.
➢ Mudanças farmacocinéticas relatadas por idade

JOVENS ADULTOS IDOSOS


VARIÁVEIS
(20 – 30 anos) (60 – 80 anos)
Água corporal
61 53
(%)

Massa corporal
19 12
magra (%)

Massa gordura Mulheres: 26 - 33 Mulheres: 38 - 45


(%) Homens: 18 - 20 Homens: 36 - 38
Albumina sérica
4,7 3,8
(g/dL)

Função renal 100 80

Fluxo sanguíneo
100 55 – 60
hepático

➢ Critérios de Beers
Os Critérios de Beers, criado pela Sociedade Americana de Geriatria, têm
objetivo de facilitar a escolha da medicação, reduzir os eventos adversos e
fornecer uma ferramenta para avaliar o custo, os padrões e a qualidade do
atendimento das pessoas com 65 anos ou mais.
Esses critérios fornecem informações com listas importantíssimas:
• Medicamentos que são potencialmente inapropriados nos idosos.
• Medicamentos que normalmente devem ser evitados em idosos com certas
condições (conceito interação droga-condição).
• Medicamentos para serem usados com cautela
• Medicamentos com interações medicamentosas entre as drogas.
• Medicamentos que necessitam de ajuste da dose de droga com base na
função renal.

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