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UFSCar – Universidade Federal de São Carlos

89400 - Séries e Equações Diferenciais 1001237 - Cálculo B


Notas de aulas ENPE 2020/2

Aula 3 - Equações Separáveis


1 Método das Equações Separáveis
Na aula e leitura dinâmica sobre o método dos fatores integrantes, usamos um processo de
integração direta para resolver equações diferenciais de primeira ordem da forma
dy
= ay + b; (1)
dt
em que a e b são constantes. Esse processo pode ser aplicado para um conjunto maior de equações.
Nesta leitura usaremos a letra x para a variável independente, em vez de t, por dois motivos
principais: não devemos nos acostumar a usar sempre a mesma letra, ou mesmo par de letras,
para designar as variáveis independente e dependente, e porque x é usada frequentemente, em
diversas referências, como variável independente.
Relembramos que a equação geral de primeira ordem é dada por
dy
= f (x; y ): (2)
dx
Já consideramos as equações diferenciais lineares. E se a equação (2) for não-linear? Não
existe um método universal que se aplique para resolver uma equação não-linear. Aqui, conside-
ramos uma subclasse de equações de primeira ordem que podem ser resolvidas por um processo
de integração direta.
Consideramos a equação (2) na seguinte forma:

dy
M (x; y ) + N (x; y ) = 0: (3)
dx
Veja que a equação (2) é facilmente transformada na equação (3) considerando M (x; y ) =
f (x; y ) e N (x; y ) = 1, mas podem existir outras maneiras de fazer essa transformação.
No caso em que M depende apenas de x e N depende apenas de y , a equação (3) fica

dy
M ( x) + N ( y ) = 0: (4)
dx
A equação (4) é chamada de equação separável, porque se for escrita na forma diferencial

M (x)dx + N (y )dy = 0; (5)

então, caso se queira, as parcelas envolvendo cada variável podem ser separadas pelo sinal de
igualdade.
Uma equação separável pode ser resolvida integrando-se as funções M e N . Vejamos um
exemplo.

1
Figura 1: Curvas integrais de y 0 = x2 =(1 y2)

Exemplo 1. Consideremos a equação diferencial

dy x2
= : (6)
dx 1 y2
Escrevendo a equação (6) na forma

dy
x2 + (1 y2) = 0; (7)
dx
comparamos com a equação (4) e concluímos que (7) é uma equação separável.
Analisando cada uma das parcelas da equação (7), vemos que:
x3
• x2 é derivada de ;
3

dy y3
• (1 y 2 ) , pela regra da cadeia, é a derivada em relação a x de y , pois lembre-se
dx 3
que y é uma função que depende da variável x.

Logo, a equação (7) pode ser escrita na forma


! !
d x3 d y3
+ y = 0;
dx 3 dx 3

ou !
d x3 y3
+y = 0:
dx 3 3

Portanto, integrando, obtemos:

x3 + 3 y y 3 = c; (8)

em que c é uma constante arbitrária. A equação (8) é uma equação para as curvas integrais da
equação (6). A Figura 1 ilustra algumas curvas integrais da equação (6).

2
Qualquer função diferenciável y = (x) que satisfaça a equação (8) é uma solução da equação
(6). Uma equação da curva integral que contém um ponto particular (x0 ; y0 ) pode ser encontrada
substituindo-se x e y por x0 e y0 , respectivamente, na equação (8) e determinando o valor
correspondente de c.
Essencialmente, podemos aplicar o mesmo processo para resolver qualquer equação separável.
Considerando novamente a equação (4), sejam H1 e H2 as primitivas de M e N , respectivamente.
Dessa forma:
dy
H10 (x) + H20 (y ) = 0: (9)
dx
Pela regra da cadeia, temos:
dy d
H2 ( y )
0
= H (y ): (10)
dx dx 2
Logo, escrevemos a equação (9) na forma
d
[H (x) + H2 (y )] = 0: (11)
dx 1
Integrando a equação (11), obtemos

H1 (x) + H2 (y ) = c; (12)

em que c é uma constante arbitrária. Uma função qualquer y = (x) que satisfaça a equação
(12) é uma solução de (4). Em outras palavras, a equação (12) define a solução implicitamente,
em vez de explicitamente.
Observe que as funções H1 e H2 são primitivas arbitrárias de M e N , respectivamente. Na
prática, a equação (12) é obtida da equação (5), em geral, integrando-se a primeira parcela em
relação a x e a segunda em relação a y .
Se, além da equação diferencial, for dada uma condição inicial

y (x0 ) = y0 ; (13)

então a equação (4) que satisfaz essa condição é obtida fazendo-se x = x0 e y = y0 na equação
(12). Dessa forma, temos:
c = H1 (x0 ) + H2 (y0 ): (14)
Substituindo esse valor de c na equação (12) e observando que
Z x
H1 (x) H1 (x0 ) = M (s)ds;
x0
Z y

H2 ( y ) H2 (y0 ) = N (s)ds;
y0

obtemos Z x Z y
M (s)ds + N (s)ds = 0: (15)
x0 y0
A equação (15) é uma representação implícita da solução da equação diferencial (4) que
também satisfaz a condição inicial (13).
Para determinar uma expressão explícita para a solução, é necessário que a equação (15)
seja resolvida para y como função de x. No entanto, não é sempre que conseguimos fazer isso
analiticamente. Nesses casos, podemos recorrer a métodos numéricos para encontrar valores
aproximados de y para valores dados de x.

3
Exemplo 2. Vamos resolver o problema de valor inicial
8
> dy 3x2 + 4x + 2
<
= ;
dx 2(y 1) (16)
>
:
y (0) = 1;
e determinemos o intervalo no qual a solução existe.
A equação diferencial pode ser escrita como
2
2(y 1)dy = (3x + 4x + 2)dx:

Integrando a expressão à esquerda do sinal de igualdade em relação a y e a expressão à


direita em relação a x, obtemos

y2 2y = x3 + 2x2 + 2x + c; (17)

em que c uma constante arbitrária. Para determinar a solução que satisfaz a condição inicial
dada, substituímos os valores x = 0 e y = 1 na equação (17), obtendo c = 3. Portanto, a
solução do problema de valor inicial é dada implicitamente por

y2 2y = x3 + 2 x2 + 2 x + 3 : (18)

Para obter a solução explicitamente, precisamos resolver a equação (18) para y em função
de x. Neste caso, como tratamos de uma função quadrática em y , obtemos:
p
y = 1  x3 + 2 x2 + 2 x + 4 : (19)

A equação (19) fornece duas soluções da equação diferencial, mas apenas uma delas satisfaz
a condição inicial dada. Essa é a solução correspondente ao sinal de menos na equação (19), de
modo que obtemos: p
y = (x) = 1 x3 + 2 x 2 + 2 x + 4 (20)
como solução do problema de valor inicial (16). Note que, se o sinal de mais fosse escolhido
erroneamente na equação (19), então obteríamos a solução da mesma equação diferencial que
satisfaz a condição inicial y (0) = 3, não sendo, portanto, a solução do problema de valor inicial
dado.
Para finalizar o exemplo, vamos determinar o intervalo no qual a solução (20) é válida. Para
isso, devemos encontrar o intervalo no qual a expressão dentro da raiz quadrada é positiva.
Vemos que a única raiz real dessa expressão é x = 2. Logo, o intervalo desejado é x > 2. A
Figura 2 mostra a solução do problema de valor inicial e algumas outras curvas integrais para a
equação diferencial.
Note que a fronteira do intervalo de existência da solução (20) é determinado pelo ponto
( 2; 1), no qual a reta tangente é vertical.

2 Soluções constantes
Uma outra forma de representar uma equação diferencial separável é da forma
dy
c = g (x)h(y ); (21)
dx
4
Figura 2: Curvas integrais de y 0 = (3x2 + 4x + 2)=2(y 1)

em que g é uma função que depende apenas de x e h é uma função que depende apenas de y .
Como determinar soluções constantes de (21), caso existam?
Para que y (x) = c, com x 2 I e c constante, seja uma solução de (21), devemos ter, para
todo x 2 I ,
dy
= g (x)h(y (x)); ou seja; 0= g (x)h(c);
dx
pois dy=dx = 0 e y (x) = c. Supondo então que g (x) não seja identicamente nula em I , deveremos
ter h(c) = 0, ou seja, para que a função constante y (x) = c, x 2 I , seja solução basta que c seja
raiz da equação h(y ) = 0.

Observação 1. Se as variáveis y e x forem trocadas respectivamente por x e t, a função


constante x(t) = c, com t 2 I , será solução de x0 (t) = g (t)h(x) se c for raiz da equação
h(y ) = 0.
Exemplo 3. Determinemos as soluções constantes de
dy
= x(1 y 2 ):
dx
Vemos que y é a variável dependente e h(y ) = 1 y 2 . Assim,
h(y ) = 1 y2 = 0 , y = 1 ou y = 1:

Logo, y (x) = 1 e y (x) = 1 são as soluções constantes da equação.

Exemplo 4. A equação
dx 2
=4+x
dt
não admite solução constante, pois h(x) = 4 + x2 não admite raiz real.

5
3 Equações Homogêneas
Antes de estudar o conceito de equações diferenciais homogêneas, precisamos relembrar o
conceito de função homogênea.

Definição 1. Dizemos que f (x; y ) é uma função homogênea de grau n se f satisfaz


f (tx; ty ) = tn f (x; y ), para algum n 2 R.
Exemplo 5. Consideremos as funções a seguir e verifiquemos se são homogêneas.

(a) f (x; y ) = x2 3xy + 5y 2 :


f (tx; ty ) = (tx)2 3(tx)(ty ) + 5(ty )2 = t2 x2 2 2 2
3t xy + 5t y
2 2 2 2
= t (x 3xy + 5y ) = t f (x; y ):
Logo, f é uma função homogênea de grau 2.
p
(b) f (x; y ) = 3
x2 + y 2 :
q
f (tx; ty ) = 3
(tx)2 + (ty )2
q
=t2=3 3 x2 + y 2
2=3
=t f (x; y ):
Logo, f é uma função homogênea de grau 2=3.

(c) f (x; y ) = x3 + y 3 + 1:
f (tx; ty ) = (tx)3 + (ty )3 + 1 6= t3 f (x; y ) = t3 x3 + t3 y 3 + t3 .
Logo, f não é uma função homogênea.
x
(d) f (x; y ) = + 4:
2y
tx x
f (tx; ty ) = +4= + 4 = t0 f (x; y ).
2ty 2y
Logo, f é uma função homogênea de grau 0.

Observação 2. Se f (x; y ) for uma função homogênea de grau n, podemos escrever


   
y x
f (x; y ) = xn f 1; e f (x; y ) = y n f ;1 ; (22)
x y
   
y x
em que f 1; ef ; 1 são homogêneas de grau zero.
x y
Exemplo 6. A função f (x; y ) = x2 + 3xy + y 2 é homogênea de grau 2. Logo,
"    2 #  
y y y
= x  f 1;
2 2
f (x; y ) = x 1+3 + ;
x x x
e " 2   #  
x x x
=y f
2 2
f (x; y ) = y +3 +1 ;1
y y y

6
Definição 2. Uma equação diferencial da forma

M (x; y )dx + N (x; y )dy = 0


é chamada equação homogênea se ambos os coeficientes M (x; y ) e N (x; y ) são funções
homogêneas de mesmo grau.
Em outas palavras, M (x; y )dx + N (x; y )dy = 0 é homogênea se

M (tx; ty ) = tn M (x; y ) e N (tx; ty ) = tn N (x; y ):

3.1 Método de resolução de uma equação homogênea


Para resolver uma equação diferencial homogênea, vamos fazer uma substituição de variáveis
da forma y = ux ou x = vy , que transformará a equação homogênea em uma equação de variáveis
separáveis.
Considerando y = ux, pela regra da derivação do produto, sua diferencial é

dy = udx + xdu:
Substituindo na equação homogênea, temos:

M (x; ux)dx + N (x; ux)[udx + xdu] = 0:


Pela propriedade da homogeneidade dada em (22), podemos escrever:

xn M (1; u)dx + xn N (1; u)[udx + xdu] = 0


)xn[M (1; u)dx + N (1; u)udx + N (1; u)xdu] = 0
)[M (1; u) + uN (1; u)]dx + xN (1; u)du = 0
) dx +
N (1; u)
x M (1; u) + uN (1; u)
du = 0;

que é uma equação diferencial de variáveis separáveis.


A fórmula acima não é para ser memorizada. O melhor a se fazer neste caso é entender o
processo e repeti-lo quando for necessário.

Exemplo 7. Encontremos a solução da equação (x2 + y 2 )dx + (x2 xy )dy = 0.


Temos M (x; y ) = x2 + y 2 e N (x; y ) = x2 xy homogêneas de grau dois. Tomando y = ux,
segue que:
2 2 2 2
(x + u y )dx + (x ux2 )(udx + xdu) = 0
) x2 (1 + u2 )dx + x2 (1 u)(udx + xdu) = 0
) 2
(1 + u + u u2 )dx + (1 u)xdu = 0 (23)
)(1 + u)dx + x(1 u)du = 0
) dx +
x 1+u
1 u
du = 0:
Observemos que:

1 u 1+1+1 u 1 u+2 (1 + u) + 2 2
= = = = 1+ :
1+u 1+u 1+u 1+u 1+u

7
Voltando à última equação de (23), temos:
 
dx 2
+ 1+ =0
x 1+u
Z Z  

) dx x
+ 1+
2
1+u
du = 0
) ln jxj + [ u + 2 ln j1 + uj] = c1
) ln jxj xy + 2 ln 1 + xy = c1

) ln jxj + ln 1 + xy = xy + c1

) ln jxj + ln x = xy + c1
x + y 2

) ln x2 = xy + c1
x( x + y )
2


(x + y )
) ln x = xy + c1
2


(x + y )
2
) x = c2ey=x; c2 = ec1 ;
)(x + y)2 = cxey=x; c = c2:
Portanto, a solução geral da equação é (x + y )2 = cxey=x , com c 2 R.

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